Language of document : ECLI:EU:T:2023:862

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada)

20 de dezembro de 2023 (*)

«Auxílios de Estado — Tributação das autoridades portuárias em Itália — Isenção do imposto sobre as sociedades — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Auxílio existente — Conceito de “empresa” — Conceito de “atividade económica” — Vantagem — Seletividade — Distorção da concorrência — Afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros — Igualdade de tratamento»

No processo T‑166/21,

Autorità di sistema portuale del Mar Ligure occidentale, com sede em Génova (Itália), e as outras recorrentes cujos nomes figuram em anexo (1), representadas por F. Munari, I. Perego, G. M. Roberti e S. Zunarelli, advogados,

recorrentes,

apoiadas por:

Associazione Porti Italiani (Assoporti), com sede em Roma (Itália), representada por F. Munari, I. Perego, G. M. Roberti e S. Zunarelli, advogados,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, O. Porchia, L. Madise, P. Nihoul e S. Verschuur (relator), juízes,

secretário: P. Nuñez Ruiz, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 19 de abril de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, as recorrentes, a Autorità di sistema portuale del Mar Ligure occidentale (Autoridade do Sistema Portuário do Mar da Ligúria Ocidental, Itália) e as outras recorrentes cujos nomes figuram em anexo, pedem a anulação da Decisão (UE) 2021/1757 da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, sobre o regime de auxílios SA.38399 — 2019/C (ex 2018/E) implementado pela Itália — Aplicação do imposto sobre o rendimento das sociedades aos portos na Itália (JO 2021, L 354, p. 1; a seguir «decisão impugnada»).

 Quadro jurídico

 Quanto à legislação italiana relativa à administração dos portos italianos

2        O artigo 28.o do codice della navigazione (Código da Navegação) prevê que o lido, a praia, os portos e as enseadas, que pertencem ao Estado por força do artigo 822.o do codice civile (Código Civil), fazem parte dos bens do domínio público marítimo.

3        A legge n.o 84 — Riordino della legislazione in materia portuale (Lei n.o 84, relativa à reorganização da legislação em matéria portuária), de 28 de janeiro de 1994 (suplemento ordinário do GURI n.o 28, de 4 de fevereiro de 1994; a seguir «Lei n.o 84/94»), regulamenta as atividades portuárias, bem como as tarefas e as funções das autorità di sistema portuale (autoridades de sistema portuárias; a seguir «AdSP»).

4        As AdSP são organismos públicos não económicos dotados de personalidade jurídica que administram um ou vários portos de importância nacional ou internacional em Itália. A Lei n.o 84/94 institui dezasseis AdSP que cobrem os 57 principais portos em Itália (nomeadamente, Trieste, Génova, Livorno, Cagliari e Gioia Tauro).

5        O artigo 6.o, n.o 4, alínea a), da Lei n.o 84/94 dispõe que as AdSP estão encarregadas da administração exclusiva das áreas e dos bens do domínio marítimo do respetivo distrito.

6        Segundo o artigo 6.o, n.o 5, da Lei n.o 84/94, as AdSP estão sujeitas a uma regulamentação especial e gozam de autonomia administrativa, organizativa, regulamentar, orçamental e financeira. Os n.os 7, 8 e 9 do referido artigo preveem, respetivamente, que as AdSP estão sujeitas à orientação e à supervisão do Ministro das Infraestruturas e dos Transportes italiano, que a sua gestão contabilística e financeira é regulada por decreto aprovado pelo referido ministro, de comum acordo com o Ministro da Economia e das Finanças italiano, e que a sua gestão financeira está sujeita ao controlo da Corte dei conti (Tribunal de Contas, Itália).

7        Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 4, da Lei n.o 84/94, as AdSP desempenham uma pluralidade de funções, incluindo a orientação, a programação, a coordenação, a regulamentação e o controlo das operações portuárias, tais como a carga, a descarga, o transbordo, o armazenamento e a manutenção em geral das mercadorias e de qualquer outro material, efetuadas no interior do porto (a seguir «operações portuárias»).

8        O artigo 6.o, n.o 11, da Lei n.o 84/94 prevê que as AdSP não podem efetuar operações portuárias, nem atividades estreitamente relacionadas com estas, quer diretamente quer através de sociedades em que detenham participação.

9        Segundo o artigo 16.o, n.o 2, da Lei n.o 84/94, as AdSP regulamentam e supervisionam a execução das operações portuárias por terceiros, isto é, empresas, bem como a aplicação das tarifas publicadas por cada empresa. As AdSP informam regularmente o Ministro das Infraestruturas e dos Transportes sobre estes aspetos.

10      Em conformidade com o artigo 16.o, n.os 3 e 4, da Lei n.o 84/94, as AdSP estão encarregadas da emissão das autorizações para o exercício das operações portuárias nos portos que gerem. Estas autorizações são concedidas às empresas que preencham as condições fixadas por decreto do Ministro das Infraestruturas e dos Transportes. As empresas autorizadas a realizar operações portuárias são inscritas em registos mantidos pelas AdSP e estão sujeitas ao pagamento de uma taxa anual e à prestação de uma caução.

11      Além disso, ao abrigo do artigo 36.o do Código da Navegação, as AdSP podem outorgar a empresas concessões para a ocupação e utilização de bens do domínio público durante um determinado período. Estas concessões dizem respeito às áreas do domínio público e às docas situadas na zona portuária (por exemplo, locação a empresas terceiras de terrenos e infraestruturas portuárias).

12      Além disso, o artigo 37.o do referido código prevê que, em caso de pluralidade de pedidos de concessão, seja dada preferência ao requerente que ofereça a maior garantia de uma utilização rentável da concessão e a pretenda afetar a uma utilização que responda ao interesse público mais importante.

13      As AdSP dispõem de diversos recursos financeiros, nomeadamente:

–        taxas de ancoragem e taxas sobre as mercadorias carregadas e descarregadas pagas pelos navios em contrapartida do acesso aos portos (a seguir «taxas portuárias»);

–        as receitas auferidas como contrapartida da concessão de autorizações para operações portuárias (a seguir «taxas de autorização»);

–        as taxas cobradas como contrapartida da outorga de concessões para áreas do domínio público e docas (a seguir «taxas de concessão»).

14      Para cobrir os custos gerados pelas obras que realizam, as AdSP, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 8, da Lei n.o 84/94, podem aumentar as taxas de concessão ou as taxas portuárias, impondo sobretaxas sobre as mercadorias embarcadas ou desembarcadas.

15      Por outro lado, o artigo 13.o, n.o 1, alíneas d) e e), da Lei n.o 84/94 prevê que as AdSP recebem contribuições das regiões, das autoridades locais e de outras autoridades e organismos públicos, bem como diversas outras receitas.

 Quanto à legislação italiana relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades

16      O título II do decreto del Presidente della Repubblica n.o 917 — Approvazione del testo unico delle imposte sui redditi (Decreto n.o 917 do Presidente da República, que aprova o texto consolidado do imposto sobre o rendimento), de 22 de dezembro de 1986 (suplemento ordinário do GURI n.o 302, de 31 de dezembro de 1986; a seguir «TUIR»), contém as regras aplicáveis em matéria de imposto sobre o rendimento das sociedades (a seguir «IRES»).

17      O artigo 73.o, n.o 1, alínea a), do TUIR estabelece que são sujeitos passivos do IRES:

«a)      as sociedades por ações e as sociedades em comandita por ações, as sociedades de responsabilidade limitada, as cooperativas e as mútuas de seguros, bem como as sociedades europeias […] e as sociedades cooperativas europeias […], com domicílio no território do Estado;

b)      os organismos públicos e privados diferentes das sociedades, […] com domicílio no território nacional, que tenham por objeto exclusivo ou principal o exercício de atividades comerciais;

c)      os organismos públicos e privados diferentes das sociedades, […] que não tenham por objeto exclusivo ou principal o exercício de atividades comerciais, […] com domicílio no território do Estado;

d)      as sociedades e organismos de qualquer tipo, […] com ou sem personalidade jurídica, sem domicílio no território do Estado.»

18      O artigo 74.o, n.o 1, do TUIR isenta uma multiplicidade de entidades estatais e de organismos públicos do IRES, como os organismos e as administrações do Estado, incluindo os de organização autónoma, as regiões, as províncias, os municípios, as comunidades de montanha e os organismos gestores do «domínio coletivo».

19      O artigo 74.o, n.o 2, alínea a), do TUIR indica que as atividades estatais não constituem atividades comerciais.

20      As autoridades italianas consideraram que as AdSP constituíam organismos gestores do domínio coletivo, na aceção do artigo 74.o, n.o 1, do TUIR, e entendeu que exerciam exclusivamente atividades estatais e, por conseguinte, não económicas. Com este fundamento, isentaram as AdSP do IRES (a seguir «isenção do IRES»).

 Antecedentes do litígio

 Procedimento administrativo

21      Por carta de 3 de julho de 2013, a Comissão Europeia enviou a todos os Estados‑Membros um questionário detalhado relativo ao imposto sobre as sociedades aplicável aos portos e eventuais outras formas de apoio a diferentes tipos de investimentos relacionados como os portos ou a gestão dos portos.

22      A República Italiana respondeu ao referido questionário por cartas de 12 de setembro e 1 de outubro de 2013. No decurso dos anos de 2014 e 2017, a Comissão pediu informações complementares, as quais foram transmitidas pelas autoridades italianas.

23      Por carta de 30 de abril de 2018, a Comissão, em conformidade com o artigo 21.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), informou a República Italiana de que considerava a isenção do IRES um regime de auxílios existente, incompatível com o mercado interno, e convidou‑a a apresentar as suas observações.

24      Realizaram‑se posteriormente várias reuniões entre a Comissão e a República Italiana, bem como trocas de perguntas e respostas no decurso de 2018.

25      Em 8 de janeiro de 2019, a Comissão propôs à República Italiana que tomasse medidas adequadas, em conformidade com o artigo 22.o do Regulamento 2015/1589, para pôr termo à isenção do IRES no que respeita às atividades económicas das AdSP e, consequentemente, para garantir que estas ficariam sujeitas ao IRES da mesma forma que as outras empresas. Além disso, a Comissão convidou as autoridades italianas a informá‑la por escrito, no prazo de dois meses a contar da receção da referida proposta, da aceitação das medidas propostas em conformidade com o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

26      Em 7 de março de 2019, a República Italiana rejeitou a proposta da Comissão.

27      Uma vez que as autoridades italianas não aceitaram a proposta de medidas adequadas, a Comissão decidiu, em 15 de novembro de 2019, dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, em aplicação do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589. A Comissão convidou a República Italiana e as partes interessadas a apresentarem as suas observações.

28      As autoridades italianas apresentaram as suas observações à Comissão por carta de 4 de fevereiro de 2020. Posteriormente, a Comissão também recebeu observações de várias partes interessadas.

29      O procedimento formal de investigação terminou com a adoção da decisão impugnada.

 Decisão impugnada

30      Na decisão impugnada, primeiro, a Comissão refere que as AdSP exercem simultaneamente atividades económicas e não económicas.

31      Mais precisamente, a Comissão considera que três atividades das AdSP são de natureza económica (considerandos 85 a 129 da decisão impugnada):

–        a concessão de acesso aos portos mediante remuneração (ou seja, as taxas de ancoragem e as taxas sobre as mercadorias carregadas e descarregadas, a seguir «concessão de acesso aos portos»);

–        a concessão de autorizações contra remuneração para a realização das operações portuárias referidas no artigo 16.o da Lei n.o 84/94 (a seguir «concessão de autorizações para as operações portuárias»);

–        a outorga de concessões contra remuneração para a locação de terrenos e infraestruturas portuárias nas áreas do domínio público e docas situadas em zonas portuárias e dentro dos limites territoriais (a seguir «outorga de concessões de áreas do domínio público e docas»).

32      Segundo, a Comissão alega que a isenção do IRES dá lugar a uma perda de receitas fiscais equivalente ao consumo de recursos estatais sob a forma de despesas fiscais, o que constitui uma transferência de recursos estatais (considerandos 130 a 134 da decisão impugnada).

33      Terceiro, a Comissão alega que a isenção do IRES constitui uma vantagem em comparação com outras empresas que não beneficiam dessa isenção apesar de exercerem atividades económicas em Itália (considerandos 135 a 138 da decisão impugnada).

34      Quarto, a Comissão entende que a isenção do IRES é suscetível de reforçar a posição concorrencial das AdSP, uma vez que as AdSP podem concorrer entre si e com outros portos na Europa. Consequentemente, a referida isenção é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e pode falsear a concorrência (considerandos 139 a 157 da decisão impugnada).

35      Quinto, a Comissão considera que a medida é de natureza seletiva. A isenção do IRS derroga, sem qualquer justificação válida, o princípio do sistema italiano de tributação das sociedades, segundo o qual o IRES se aplica a todos os tipos de rendimentos auferidos por sociedades ou organismos públicos ou privados diferentes das sociedades que exercem atividades económicas. Consequentemente, as AdSP ficam favorecidas em relação às outras sociedades que exercem atividades económicas em Itália (considerandos 158 a 174 da decisão impugnada).

36      Por estes motivos, a Comissão conclui que a isenção do IRES constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerandos 175 e 176 da decisão impugnada).

37      Por último, a Comissão conclui que a isenção do IRES não pode ser declarada compatível com o mercado interno, seja com base no artigo 93.o, no artigo 106.o, n.o 2, ou no artigo 107.o, n.os 2 e 3, TFUE (considerandos 177 a 194 da decisão impugnada).

38      Dado que o regime fiscal aplicável às autoridades portuárias italianas antes de 1958, isto é, antes da entrada em vigor do Tratado FUE, era idêntico à isenção do IRES e que as referidas autoridades portuárias nunca foram sujeitas ao IRES nem ao imposto sobre as sociedades em vigor antes do IRES, a Comissão concluiu que se tratava de um regime de auxílios existente na aceção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento 2015/1589 (considerandos 195 a 198 da decisão impugnada). Assim, a Comissão ordenou a revogação da isenção do IRS (artigo 2.o da decisão impugnada).

39      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

A isenção do [IRES] de que beneficiam as [AdSP] italianas constitui um regime de auxílios estatais existente que é incompatível com o mercado interno.

Artigo 2.o

A [República Italiana] deve revogar a isenção do [IRES] a que se refere o artigo 1.o A medida através da qual a [República Italiana] dará cumprimento às suas obrigações deve ser adotada no prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão. Esta medida deve ser aplicada a partir do início do exercício fiscal seguinte ao da sua adoção e, o mais tardar, em 2022.

Artigo 3.o

A [República Italiana] deve informar a Comissão, no prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão, das medidas adotadas para dar cumprimento ao seu dispositivo.

Artigo 4.o

A destinatária da presente decisão é a República Italiana.»

 Pedidos das partes

40      As recorrentes, apoiadas pela Associazione Porti Italiani (Assoporti), interveniente no âmbito do presente processo, concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular os artigos 1.o, 2.o, 3.o e 4.o da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

41      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

42      As recorrentes, apoiadas pela interveniente, invocam quatro fundamentos de recurso.

43      Primeiro, alegam que a Comissão violou os artigos 107.o e 296.o TFUE, ao qualificar as AdSP de empresas. Segundo, alegam que a Comissão violou o artigo 107.o TFUE, ao considerar que a isenção do IRES dava lugar a uma transferência de recursos estatais. Terceiro, alegam que a Comissão violou o artigo 107.o TFUE, ao considerar que a isenção do IRES conferia uma vantagem seletiva à AdSP. Quarto, alegam que a Comissão violou o artigo 107.o TFUE, ao considerar que a isenção do IRES podia distorcer a concorrência e afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos artigos 107.o e 296.o TFUE devido à qualificação das AdSP de empresas

44      O primeiro fundamento divide‑se em quatro partes.

45      No âmbito da primeira parte, as recorrentes e a interveniente sustentam que a Comissão cometeu um erro de apreciação quanto ao estatuto jurídico das AdSP no ordenamento jurídico italiano. Na segunda parte, contestam a natureza económica das atividades portuárias das AdSP e invocam uma violação dos princípios da igualdade de tratamento, da boa administração e da segurança jurídica. No âmbito da terceira parte, opõem‑se à apreciação feita pela Comissão da natureza das taxas portuárias. Na quarta parte, invocam sucessivamente a violação de várias disposições dos Tratados e um pretenso desvio de poder.

46      Importa afastar desde já o argumento suscitado várias vezes pelas recorrentes no âmbito do primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada no que respeita à qualificação das AdSP de empresas.

47      Com efeito, recorde‑se que, segundo a jurisprudência, o fundamento relativo à violação do artigo 296.o TFUE é distinto do relativo à improcedência da decisão impugnada. Enquanto o primeiro fundamento, que se refere a uma falta ou a uma insuficiência de fundamentação, se enquadra na violação de formalidades essenciais, na aceção do artigo 263.o TFUE, e constitui um fundamento de ordem pública que tem de ser suscitado oficiosamente pelo juiz da União Europeia, o segundo fundamento, que tem a ver com a legalidade material da decisão, enquadra‑se na violação de uma norma jurídica relativa à aplicação do Tratado, na aceção do mesmo artigo 263.o TFUE, e só pode ser examinado pelo juiz da União se for invocado pelo recorrente. O dever de fundamentação é, portanto, uma questão distinta da questão do mérito da fundamentação (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 67, e de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, EU:T:2005:221, n.o 52).

48      Ora, no caso em apreço, como alega acertadamente a Comissão, não só, de resto, as recorrentes e a interveniente não identificaram as partes da decisão impugnada relativamente às quais criticam a Comissão por ter cometido uma pretensa violação do artigo 296.o TFUE, mas também não se pode deixar de declarar que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada. Com efeito, a Comissão consagrou os considerandos 85 a 129 dessa decisão à qualificação das AdSP de empresas, pelo que a referida decisão permitiu, por um lado, às recorrentes e à interveniente conhecerem as justificações da medida tomada a esse respeito, o que resulta, aliás, da análise dos diferentes fundamentos que invocaram, e, por outro, ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

49      Por conseguinte, há que rejeitar o argumento das recorrentes relativo à violação do artigo 296.o TFUE.

50      No que respeita aos outros argumentos invocados pelas recorrentes e pela interveniente no âmbito do primeiro fundamento, importa começar por examinar os argumentos invocados na quarta parte.

 Quanto à quarta parte, relativa à violação de várias disposições do Tratado e à existência de um desvio de poder

51      As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a Comissão violou o artigo 345.o TFUE ao ignorar que os Tratados UE e FUE permitiam aos Estados‑Membros conservar a sua propriedade pública, incluindo infraestruturas portuárias, e reservar a regulação e a administração dessa propriedade exclusivamente a entidades infraestatais, como as AdSP. Setores que não foram abertos ao mercado não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado.

52      Por outro lado, as recorrentes afirmam que a Comissão violou os artigos 3.o TUE e 7.o TFUE, bem como o artigo 121.o, n.o 1, TFUE, ao limitar as prerrogativas do Estado em matéria de política económica e industrial e ao sujeitar os regimes fiscais dos Estados‑Membros à sua autorização prévia.

53      Além disso, as recorrentes sustentam que a Comissão cometeu um desvio de poder, ao prosseguir uma harmonização através de uma aplicação indiferenciada do regime dos auxílios de Estado aos diferentes Estados‑Membros, cujos métodos de gestão das infraestruturas portuárias têm características diferentes dos de Itália. A decisão impugnada também viola os princípios da proporcionalidade, da proximidade, da subsidiariedade, da separação de poderes e do processo decisório democrático.

54      A Comissão contesta estes argumentos.

55      A este respeito, importa observar que as recorrentes alegam, em substância, que a Comissão, ao adotar a decisão impugnada, sujeita à sua autorização prévia toda a política económica e industrial dos Estados‑Membros, o que viola várias regras e princípios do direito da União.

56      Ora, contrariamente ao que as recorrentes e a interveniente afirmam, a decisão impugnada deixa à República Italiana toda a liberdade para organizar e regulamentar o setor portuário italiano como considere adequado, sob reserva, nomeadamente, do respeito do direito da União. Com efeito, a decisão impugnada não obriga a República Italiana a liberalizar ou a privatizar o seu setor portuário e não impõe nenhuma alteração do estatuto jurídico ou da propriedade das AdSP. A decisão impugnada exige simplesmente que as atividades das AdSP que são de natureza económica sejam tributadas da mesma maneira que as atividades económicas noutros setores. Neste contexto, importa salientar que o artigo 345.o TFUE não isenta as entidades de direito público das regras em matéria de auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Yara Suomi e o. (C‑506/18, EU:C:2019:1121, n.o 67).

57      Daqui decorre que a Comissão não violou o artigo 3.o TUE, os artigos 7.o e 121.o, n.o 1, TFUE, nem os princípios da proporcionalidade, da proximidade, da subsidiariedade, da separação de poderes e do processo decisório democrático.

58      Por último, quanto ao argumento das recorrentes baseado num pretenso desvio de poder, decorre de jurisprudência constante que existe desvio de poder quando um ato é adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de alcançar fins diferentes dos invocados (v. Acórdão de 15 de maio de 2008, Parlamento/Conselho (C‑442/04, EU:C:2008:276, n.o 49 e jurisprudência referida). Ora, na decisão impugnada, a Comissão limitou‑se a aplicar as regras em matéria de auxílios de Estado relativas ao tratamento fiscal das AdSP em Itália, exigindo que esse tratamento seja alterado, sem, no entanto, utilizar os seus poderes para alcançar outros objetivos.

59      Tendo em consideração o exposto, há que rejeitar a segunda parte do segundo fundamento.

 Quanto à primeira parte, relativa a um erro na apreciação do estatuto jurídico das AdSP

60      As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a Comissão cometeu um erro na apreciação, ao não ter tido em conta o facto de, no direito italiano, as AdSP serem consideradas entidades infraestatais, a saber, organismos públicos não económicos de importância nacional, que atuam por conta do Estado unicamente para fins de interesse geral.

61      As AdSP equivalem às outras entidades locais que exercem missões de poder público e foram concebidas para desempenhar funções típicas de uma autoridade pública, como a adjudicação de concessões do domínio público e a cobrança de impostos.

62      Assim, o legislador italiano optou por proibir o exercício de qualquer atividade económica pelas AdSP. Em razão das singularidades que rodeiam o seu estatuto, as AdSP não prosseguem nenhum fim lucrativo.

63      Além disso, o Estado é o único responsável pelo seu funcionamento e pela sua viabilidade económica. As AdSP são entidades que não podem falir, na medida em que o seu endividamento constitui uma dívida do Estado o qual, segundo o direito italiano, não pode falir. Estas características próprias das AdSP foram, reiteradamente, confirmadas pela jurisprudência e pela prática administrativa italiana.

64      A Comissão contesta estes argumentos.

65      A este respeito, importa recordar que o conceito de «empresa» abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (Acórdão de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser, C‑41/90, EU:C:1991:161, n.os 21 e 22; v., também, Acórdão de 3 de março de 2011, AG2R Prévoyance, C‑437/09, EU:C:2011:112, n.o 41 e jurisprudência referida).

66      Com efeito, resulta de jurisprudência constante que constitui uma atividade económica qualquer atividade que consista em oferecer bens ou serviços num determinado mercado (Acórdão de 16 de junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, EU:C:1987:283, n.o 7; v., também, Acórdão de 11 de junho de 2020, Comissão e República Eslovaca/Dôvera zdravotná poist’ovňa, C‑262/18 P e C‑271/18 P, EU:C:2020:450, n.o 29 e jurisprudência referida).

67      Em contrapartida, não têm caráter económico as atividades ligadas ao exercício de prerrogativas de poder público, pelo que as referidas atividades não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft, C‑364/92, EU:C:1994:7, n.o 30, e de 24 de março de 2022, GVN/Comissão, C‑666/20 P, não publicado, EU:C:2022:225, n.o 70).

68      O facto de uma entidade, no exercício de uma parte das suas atividades, dispor de prerrogativas de poder público não impede, só por si, de a qualificar de empresa desde que exerça outras atividades de natureza económica (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.os 74 e 75, e de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, EU:C:2012:449, n.o 37). Na medida em que uma entidade pública exerça uma atividade económica que possa ser dissociada do exercício das suas prerrogativas de poder público, essa entidade, no que respeita a essa atividade, atua como empresa (Acórdãos de 7 de novembro de 2019, Aanbestedingskalender e o./Comissão, C‑687/17 P, não publicado, EU:C:2019:932, n.o 18, e de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.o 82).

69      Assim, em matéria de auxílios de Estado, o estatuto jurídico de uma entidade ao abrigo do direito nacional não é pertinente para efeitos da qualificação desta última como empresa. Mesmo um órgão que está integrado na administração do Estado com o qual se confunde numa mesma pessoa jurídica pode ser qualificado de empresa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 1987, Comissão/Polónia (C‑185/85, EU:C:1987:283, n.o 13). Além disso, o facto de uma entidade não poder falir devido, por exemplo, a uma garantia estatal ilimitada não é suscetível de a privar da qualificação de empresa.

70      Da mesma forma, o facto de a oferta de bens e de serviços ser feita sem fins lucrativos não obsta a que essas operações no mercado devam ser consideradas atividades económicas, quando essa oferta esteja em concorrência com a de outros operadores que prosseguem fins lucrativos (v. Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania (C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 46 e jurisprudência referida).

71      Assim, as recorrentes e a interveniente não conseguiram demonstrar um erro da Comissão na apreciação do estatuto jurídico das AdSP.

72      Portanto, há que rejeitar a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa a um erro de direito na apreciação do caráter económico das atividades das AdSP

73      No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, que contém duas alegações, as recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a Comissão violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ao considerar que as AdSP exerciam atividades económicas quando realizam as três atividades indicadas no n.o 31, supra, a saber, a outorga de concessões de áreas do domínio público e docas, a concessão de acesso aos portos e a concessão de autorizações para as operações portuárias.

–       Quanto à primeira alegação, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento pela remissão para as decisões anteriormente tomadas relativamente aos portos belgas, franceses e neerlandeses

74      As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento, na parte em que fez referência às decisões anteriormente tomadas relativamente aos portos belgas, franceses e neerlandeses para sustentar que as AdSP exerciam certas atividades económicas.

75      Todavia, as entidades gestoras de portos nos Estados‑Membros abrangidos pelas referidas decisões são sociedades por ações, que fornecem bens e serviços mediante remuneração. Além disso, as operações e serviços portuários (tais como operações de carga, descarga, transbordo, armazenamento e manutenção das mercadorias) são aí prestados diretamente pelos portos com base em considerações de mercado. Ao não ter em conta estas diferenças fundamentais, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

76      A Comissão contesta estes argumentos.

77      A este respeito, importa recordar que o princípio da igualdade de tratamento, consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o., C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 54 e jurisprudência referida).

78      Em substância, as recorrentes e a interveniente criticam a Comissão por ter tratado de maneira idêntica os gestores dos portos belgas, franceses e neerlandeses, por um lado, e as AdSP, por outro. Por conseguinte, há que examinar as decisões em causa à luz das diferenças invocadas pelas recorrentes.

79      Contrariamente ao que sugerem as recorrentes e a interveniente, o eventual caráter de direito privado dos gestores dos portos belgas, franceses e neerlandeses não desempenhou nenhum papel na apreciação que a Comissão fez a seu respeito. Com efeito, como indicado no n.o 65, supra, o estatuto jurídico de uma entidade não é pertinente para a qualificação do caráter económico das atividades exercidas pela referida entidade. Esta qualificação depende apenas da natureza da atividade em causa.

80      Além disso, o facto de, nos processos que conduziram às decisões tomadas anteriormente a respeito dos portos belgas e franceses, os gestores destes últimos efetuarem diretamente determinadas operações portuárias (tais como operações de carga, descarga, transbordo, armazenamento e manutenção das mercadorias) é irrelevante, uma vez que se trata de operações portuárias que a Comissão, na decisão impugnada, não afirmou serem igualmente efetuadas pelas AdSP.

81      Ora, pelo contrário, no que respeita à concessão de acesso aos portos e à outorga de concessões de áreas do domínio público e docas, importa declarar que, nas decisões anteriormente tomadas relativas aos portos belgas e franceses, a saber, no considerando 67 da Decisão (UE) 2017/2115 da Comissão, de 27 de julho de 2017, relativa ao regime de auxílios SA.38393 (2016/C, ex 2015/E) executado pela Bélgica — Tributação dos portos na Bélgica (JO 2017, L 332, p. 1), e no considerando 61 da Decisão (UE) 2017/2116 da Comissão, de 27 de julho de 2017, relativa ao regime de auxílios SA.38398 (2016/C, ex 2015/E) executado pela França — Tributação dos portos em França (JO 2017, L 332, p. 24), a Comissão qualificou atividades equivalentes como atividades económicas.

82      Esta conclusão foi, reiteradamente, confirmada pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2019, Port autonome du Centre et de l’Ouest e o./Comissão, T‑673/17, não publicado, EU:T:2019:643, n.os 63 a 65; de 20 de setembro de 2019, Le Port de Bruxelles e Région de Bruxelles‑Capitale/Comissão, T‑674/17, não publicado, EU:T:2019:651, n.os 63 a 65; e de 20 de setembro de 2019, Havenbedrijf Antwerpen e Maatschappij van de Brugse Zeehaven/Comissão, T‑696/17, EU:T:2019:652, n.os 49 e 50).

83      Daqui se conclui que a Comissão não violou o princípio da igualdade de tratamento no que respeita às atividades de concessão de acesso e de outorga de concessões ao remeter, na decisão impugnada, para as decisões anteriormente tomadas a respeito dos portos belgas, franceses e neerlandeses, uma vez que tratou de maneira igual situações comparáveis.

84      Em contrapartida, no que respeita à concessão de autorizações para as operações portuárias, há que declarar que tal atividade ainda não foi objeto de exame pela Comissão. Quanto a este ponto, como as recorrentes e a interveniente sustentam, em substância, com razão, o raciocínio seguido nas decisões tomadas anteriormente a respeito dos portos belgas e franceses não é diretamente transponível para a situação das AdSP.

85      Por outro lado, importa observar que o Acórdão de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão (C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 2), ao qual tanto as recorrentes como a Comissão se referem, também não diz respeito a atividades equiparáveis à concessão de autorizações pelas AdSP. Embora esse acórdão faça referência a «autorizações» concedidas pelo gestor dos aeroportos de Orly e de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle, estas não são equiparáveis às do caso em apreço.

86      Com efeito, as autorizações dos gestores aeroportuários correspondiam a concessões comerciais atribuídas a um número limitado de prestadores de serviços de comissariado aéreo no aeroporto de Orly e a concessões de ocupação de imóveis situados no perímetro deste aeroporto. Em contrapartida, os referidos prestadores comprometiam‑se a pagar à entidade gestora do aeroporto uma remuneração que consistia numa taxa de ocupação do terreno proporcional à superfície ocupada, bem como numa taxa de uma determinada percentagem do volume de negócios realizado com as companhias aéreas.

87      Ao atribuir as referidas concessões, o gestor do aeroporto, que exercia uma atividade económica, explorava o espaço comercial que se encontrava no perímetro do aeroporto, ao passo que, no âmbito das autorizações que concedem, as AdSP, que fazem uso das suas prerrogativas de poder público, procedem ao controlo do respeito, pelos prestadores das operações portuárias, das exigências legais aplicáveis, como indicado nos n.os 100 a 102, infra.

88      Dito isto, não se pode concluir do exposto que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento tratando situações diferentes de maneira igual. Com efeito, a conclusão a que a Comissão chegou na decisão impugnada resultou de investigações próprias do caso em apreço e da aplicação dos mesmos princípios de direito.

89      Por conseguinte, há que rejeitar a primeira alegação da segunda parte do primeiro fundamento.

–       Quanto à segunda alegação, relativa à inexistência de um mercado no qual as AdSP ofereçam os seus serviços

90      As recorrentes, apoiadas pela interveniente, sustentam que, uma vez que não existe um mercado no qual as AdSP ofereçam os seus serviços, estas não podem ser consideradas empresas. A decisão impugnada pressupõe a existência de um mercado em teoria e não tem em conta o facto de que a legislação italiana concede um monopólio legal às AdSP que exclui qualquer concorrência, mesmo potencial, entre os diferentes portos.

91      A Comissão contesta estes argumentos.

92      A este respeito, basta salientar que é erradamente que as recorrentes e a interveniente afirmam que as AdSP não estão expostas a nenhuma concorrência. Com efeito, embora, como sustentam as recorrentes, cada AdSP detenha um monopólio legal nos portos que gere, não deixa de ser certo que, como acertadamente salientou, em substância, a Comissão, existe concorrência entre certos portos italianos, por um lado, e certos portos noutros Estados‑Membros, por outro.

93      Com efeito, quanto à concessão de acesso aos portos, como declarado com razão nos considerandos 142 e 143 da decisão impugnada, existe concorrência entre certos portos italianos e certos portos de outros Estados‑Membros, dado que os operadores de serviços portuários podem utilizar vários portos para chegarem ao mesmo hinterland.

94      Além disso, quanto à outorga de concessões de áreas do domínio público e docas, como corretamente declarado no considerando 144 da decisão impugnada, diferentes portos concorrem para atrair concessionários que possam explorar as suas áreas do domínio público, uma vez que potenciais concessionários podem procurar oferecer serviços portuários também noutros portos.

95      Daqui resulta que há que rejeitar o argumento das recorrentes e da interveniente segundo o qual a concessão de acesso aos portos e a outorga de concessões de áreas do domínio público e docas não constituem serviços prestados num determinado mercado.

96      Em contrapartida, a análise da concessão de autorizações para as operações portuárias nos considerandos 25 a 32 da decisão impugnada não permite concluir que se trata de um serviço prestado num determinado mercado.

97      Com efeito, como exposto nos referidos considerandos, as AdSP regulamentam e supervisionam a execução das operações portuárias efetuadas por empresas terceiras (nomeadamente operações de carga, descarga, transbordo, armazenamento e manutenção das mercadorias e de qualquer material ligado aos navios), a qual está sujeita a autorização prévia.

98      Essa autorização é concedida pela AdSP interessada quando a empresa terceira preenche os requisitos fixados por decreto do Ministro das Infraestruturas e dos Transportes (considerando 29 da decisão impugnada). A duração da autorização está relacionada com o programa operacional proposto pela empresa terceira (considerando 31 da decisão impugnada). As empresas terceiras autorizadas são inscritas em registos separados administrados pelas AdSP (considerando 28 da decisão impugnada) e as respetivas tarifas são publicadas pelas AdSP (considerando 30 da decisão impugnada).

99      Além disso, o número máximo de autorizações que podem ser emitidas é determinado pelas AdSP (após consulta de um comité consultivo local), tendo em conta os requisitos operacionais e o tráfego portuário e assegurando o nível máximo de concorrência no setor (considerando 32 da decisão impugnada).

100    Estas tarefas parecem corresponder a uma missão de controlo que consiste em verificar se as empresas interessadas poderão fornecer as operações portuárias que propõem em conformidade com as exigências legais. O exercício destas tarefas é, em princípio, uma prerrogativa de poder público de natureza não económica (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 18 de março de 1997, Diego Calì & Figli, C‑343/95, EU:C:1997:160, n.o 22, e de 20 de setembro de 2019, Port autonome du Centre et de l’Ouest e o./Comissão, T‑673/17, não publicado, EU:T:2019:643, n.o 91).

101    Nestas condições, há que concluir que a Comissão não cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia no que respeita à qualificação da concessão de autorizações para as operações portuárias como constituindo um serviço prestado num mercado (v., neste sentido, Acórdão do Tribunal Geral de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, ECLI:EU:T:2015:435, n.o 95).

102    Por conseguinte, há que acolher a segunda alegação da segunda parte do primeiro fundamento no que respeita à concessão de autorizações para as operações portuárias e rejeitar a segunda parte quanto ao restante.

 Quanto à terceira parte, relativa à natureza das taxas cobradas pelas AdSP

103    As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, sustentam que a Comissão fez uma interpretação errada do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ao não reconhecer que as taxas cobradas pelas AdSP constituíam impostos e não remunerações por serviços de natureza económica. Isto decorre não só da qualificação das diferentes taxas ao abrigo do direito italiano, mas também do facto de estas serem determinadas pelo Estado e não estarem relacionadas com o valor comercial de nenhum serviço específico.

104    A Comissão contesta estes argumentos.

105    Importa recordar, como indicado no n.o 69, supra, que a qualificação de uma entidade ao abrigo do direito nacional não é pertinente para a sua qualificação como empresa na aceção das regras em matéria de auxílios de Estado.

106    Do mesmo modo, as modalidades de financiamento, nomeadamente a qualificação dada pelas partes ou pelo direito nacional aos rendimentos de uma entidade, não são pertinentes para a sua qualificação como empresa. Assim, como a Comissão salienta com razão, a denominação utilizada a nível nacional para os montantes cobrados, quer se trate de taxas, direitos de portos ou impostos portuárias, não afeta esta qualificação (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2018, Naviera Armas/Comissão, T‑108/16, EU:T:2018:145, n.o 124).

107    Por outro lado, as recorrentes e a interveniente não conseguiram demonstrar a sua alegação de que as taxas de concessão e as taxas portuárias deviam ser consideradas um imposto devido ao Estado e não uma contrapartida por um serviço de natureza económica. Em particular, o argumento principal suscitado a este respeito, a saber, que o Estado determina o montante das referidas taxas, carece de base factual.

108    Com efeito, resulta dos autos que as taxas de concessão são constituídas por uma parte fixa e por uma parte variável que pode ser deduzida pelas AdSP, com a finalidade de incentivar os concessionários a atingirem objetivos de interesse público e de política geral. Ao fixarem estas taxas, as AdSP podem adotar critérios diferentes dos enunciados na lei aplicável, mas, em todo o caso, o seu montante não pode ser inferior ao que resulta da aplicação dos critérios legais.

109    Além disso, resulta dos autos que, para cobrirem os custos das obras por si realizadas, as AdSP podem impor taxas suplementares sobre as mercadorias embarcadas ou desembarcadas, bem como aumentar as taxas de concessão.

110    Daqui resulta que a influência das AdSP no montante das taxas de concessão e das taxas portuárias tende a confirmar a natureza económica dos serviços que prestam em contrapartida do pagamento dessas taxas (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 78).

111    Assim, há que concluir que a Comissão fez prova bastante de que as taxas de concessão e as taxas portuárias constituíam a contrapartida por atividades de natureza económica prestadas pelas AdSP.

112    Por outro lado, como confirmou na audiência, a Comissão não examinou o método do cálculo das taxas de autorização, nem o seu montante, nem o nível de controlo exercido pelo Estado a este respeito.

113    Como as recorrentes e a interveniente sustentaram na petição e na audiência, sem terem sido contestadas neste ponto pela Comissão, as referidas taxas dizem respeito a um montante estável e relativamente baixo, cujos parâmetros de base são fixados por decreto ministerial, e que pode ser ligeiramente aumentado em função do volume de negócios da entidade em causa.

114    Neste contexto, importa recordar a jurisprudência constante segundo a qual o facto de um produto ou serviço fornecido por um organismo público e ligado ao exercício de prerrogativas de poder público por este último ser fornecido mediante uma remuneração prevista por lei não basta para qualificar a atividade exercida de atividade económica e a entidade que a exerce de empresa (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de março de 1997, Diego Calì & Figli, C‑343/95, EU:C:1997:160, n.os 22 a 25, e de 12 de setembro de 2013, Alemanha/Comissão, T‑347/09, não publicado, EU:T:2013:418, n.o 30 e jurisprudência referida).

115    Uma vez que a Comissão não demonstrou, na decisão impugnada, tendo em conta a natureza, o método de cálculo e o montante das taxas, que estas representam uma contrapartida por um serviço de natureza económica, a argumentação das recorrentes e da interveniente, segundo a qual as referidas taxas de autorização devem ser consideradas um imposto devido ao Estado e não uma contrapartida desse tipo, não pode ser afastada.

116    Isto é tanto mais verdade quanto, como indicado no n.o 84, supra, nenhuma decisão anterior da Comissão se pronuncia sobre a natureza económica de uma atividade como a concessão pelas AdSP de autorizações para as operações portuárias.

117    Além disso, como indicado nos n.os 96 a 102, supra, não resulta de modo algum da decisão impugnada que a referida atividade consiste na prestação de um serviço num mercado.

118    Assim, a Comissão não fez prova bastante de que as taxas de autorização constituíam uma contrapartida por um serviço de natureza económica prestado pelas AdSP.

119    Por conseguinte, há que acolher a terceira parte do primeiro fundamento no que respeita à concessão de autorizações para as operações portuárias e rejeitá‑la quanto ao restante.

120    Consequentemente, há que examinar os fundamentos segundo a quarto unicamente no que respeita à concessão de acesso aos portos e à outorga de concessões de áreas do domínio público e docas.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à interpretação errada dada ao conceito de «transferência de recursos estatais» em conformidade com o artigo 107.o, n.o 1, TFUE

121    As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a isenção do IRES não implica nenhum encargo financeiro para o Estado italiano, uma vez que as atividades das AdSP estão sujeitas ao controlo da Corte dei conti (Tribunal de Contas), os seus resultados são inseridos no resultado consolidado do Estado e as suas dívidas são consideradas dívidas do Estado. Estas particularidades do sistema portuário italiano não foram tidas em conta pela Comissão.

122    Além disso, as recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, sublinham que as receitas das AdSP só devem ser utilizadas unicamente para a realização da sua missão institucional, nomeadamente a segurança e o bom estado da infraestrutura do domínio público. Por esta razão, a isenção do IRES não implica uma perda de recursos para o Estado, uma vez que, se não existisse a referida isenção, o Estado teria de aumentar as suas contribuições financeiras para as AdSP.

123    A Comissão contesta estes argumentos.

124    A este respeito, importa recordar, a título preliminar, que o conceito de «auxílio» abrange não apenas prestações positivas, como subvenções, mas igualmente intervenções que, assumindo diversas formas, diminuem os encargos que normalmente incidem sobre o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, sem serem subvenções na aceção literal, têm a mesma natureza e produzem efeitos idênticos (v. Acórdão de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 30 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e o./Comissão e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 101 e jurisprudência referida).

125    Além disso, para que as vantagens possam ser qualificadas de auxílios na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE devem beneficiar uma empresa, isto é, uma entidade que exerça atividades económicas. Se tal entidade for juridicamente distinta do Estado, a concessão de uma vantagem a essa entidade na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE implica necessariamente uma transferência de recursos estatais.

126    Ainda que as AdSP sejam entidades de direito público nos termos do direito italiano, são constituídas como entidades jurídicas distintas do Estado e de outras entidades públicas em Itália.

127    Em razão da isenção do IRES, as AdSP estão isentas do pagamento dos impostos que teriam sido devidos em consequência das suas atividades económicas. Se esta isenção não existisse, as AdSP teriam pagado certos montantes de imposto ao Estado. Assim, o não pagamento desses montantes dá lugar a uma transferência de recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14, e de 11 de setembro de 2014, Grécia/Comissão, T‑425/11, EU:T:2014:768, n.o 40).

128    Além disso, importa recordar, à semelhança da Comissão, que todas as empresas, independentemente do seu estatuto jurídico, podem ser beneficiárias de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Aceitar a tese de que as regras em matéria de auxílios de Estado não são aplicáveis pelo facto de o beneficiário ser uma empresa pública e de a vantagem concedida permanecer na esfera económica do Estado em sentido lato comprometeria o efeito útil dessas regras e introduziria uma discriminação injustificada entre os beneficiários públicos e os beneficiários privados, em violação do princípio da neutralidade previsto no artigo 345.o TFUE (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Arriva Italia e o., C‑385/18, EU:C:2019:1121, n.o 67).

129    Em face do exposto, importa concluir que a Comissão alega com razão, no considerando 133 da decisão impugnada, que a Administração Fiscal italiana, ao isentar as AdSP do IRES, apesar de exercerem uma atividade económica, renuncia a receitas que constituem recursos estatais. Assim, a isenção do IRES dá lugar a uma transferência de recursos estatais na aceção do artigo 107.o TFUE.

130    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma interpretação errada do critério de seletividade

131    No âmbito do terceiro fundamento, que se divide em cinco partes, as recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam, em substância, que a Comissão interpretou erradamente o critério da seletividade.

 Quanto à primeira parte, relativa à confusão entre o critério da vantagem e o da seletividade

132    As recorrentes, apoiadas pela interveniente, alegam que, contrariamente a jurisprudência constante que estabelece que há que apreciar o critério da vantagem e o da seletividade de forma distinta, a decisão impugnada confundiu estes dois critérios ao aplicar ao da vantagem económica o método preconizado para examinar o da seletividade.

133    A Comissão contesta estes argumentos.

134    A título preliminar, há que observar que há que distinguir consoante a medida em causa seja qualificada de «regime de auxílios» ou de «auxílio individual» na aceção do artigo 1.o, alíneas d) e e), do Regulamento 2015/1589. Com efeito, no âmbito da análise de um auxílio individual, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade. Em contrapartida, no âmbito da análise de um regime de auxílios, é necessário identificar se a medida em questão, não obstante a constatação de que confere uma vantagem de alcance geral, beneficia exclusivamente certas empresas ou certos setores de atividade (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 60; de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 49; e de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 34).

135    No caso em apreço, a medida em causa, a saber, a isenção do IRES, constitui um regime de auxílios.

136    Contrariamente ao que alegam as recorrentes e a interveniente, os dois critérios de seletividade e vantagem são examinados separadamente na decisão impugnada. Com efeito, tanto nos considerandos 135 a 138 como nos considerandos 158 a 176 da decisão impugnada, a Comissão explica sucessivamente que a vantagem conferida às AdSP consiste na isenção do IRES das suas atividades pretensamente económicas e que esta vantagem é concedida unicamente às AdSP e não a outros contribuintes que se encontram na mesma situação factual e jurídica, à luz do objetivo prosseguido pelo sistema fiscal de referência.

137    No caso em apreço, é certo que as recorrentes e a interveniente observam com razão que a substância da análise da vantagem e a da análise da seletividade se sobrepõem em larga medida, mas esta constatação é inerente ao facto de os métodos de análise destes dois aspetos serem semelhantes.

138    Com efeito, a potencial existência de uma vantagem é determinada com base numa derrogação ao nível normal de tributação, ou seja, em relação à inexistência de isenção fiscal.

139    Sem que tal represente necessariamente uma contradição, essa derrogação ao nível normal de tributação constitui igualmente o ponto de partida para a análise da seletividade que se concentra na questão de saber se a mesma vantagem é obtida por outros contribuintes que se encontram na mesma situação factual e jurídica à luz do objetivo prosseguido pelo sistema fiscal de referência (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 54 a 57, e de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 60).

140    Por conseguinte, há que rejeitar a primeira parte do terceiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa a uma determinação errada do sistema de referência

141    As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a Comissão, ao considerar erradamente que as AdSP são entidades comerciais sujeitas ao IRES, em conformidade com o artigo 73.o, n.o 1, alínea c), do TUIR, quando, na realidade, estão abrangidas pelo artigo 74.o do TUIR e estão, portanto, a priori, isentas do IRES, identificou um sistema de referência que era artificialmente amplo.

142    Segundo as recorrentes e a interveniente, as AdSP encontram‑se numa situação factual e jurídica diferente das entidades referidas no artigo 73.o do TUIR, porquanto apenas exercem atividades não comerciais. Consequentemente, o artigo 73.o do TUIR, que se aplica às entidades que exercem atividades comerciais, e o artigo 74.o do TUIR, que se aplica unicamente a entidades estatais e públicas que não exercem atividades comerciais, têm âmbitos de aplicação distintos e constituem, por conseguinte, sistemas de referência separados. As recorrentes, apoiadas pela interveniente, entendem que o sistema de referência deveria, assim, ter sido limitado ao artigo 74.o do TUIR.

143    A Comissão contesta estes argumentos.

144    A este respeito, há que recordar a título preliminar que, para qualificar uma medida fiscal nacional de seletiva, a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o sistema de referência, a saber, o regime fiscal normal aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga o referido sistema de referência, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse sistema de referência, numa situação factual e jurídica comparável (v. Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 35 e jurisprudência referida).

145    Além disso, para definir o sistema de referência, é necessário identificar integralmente o corpo das regras que influenciam a carga fiscal das empresas [Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2017:1017, n.o 109]. Esta abordagem garante que uma medida fiscal seja apreciada à luz de um quadro que inclui todas as disposições pertinentes.

146    O sistema de referência não pode ser constituído por algumas disposições do direito nacional do Estado‑Membro em causa artificialmente retiradas de um quadro legislativo mais alargado [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 103].

147    Por outras palavras, quando a medida fiscal em questão é inseparável do sistema geral de tributação do Estado‑Membro em causa, é a esse sistema que se deve fazer referência (Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 63).

148    No caso em apreço, a Comissão, nos considerandos 159 a 164 da decisão impugnada, identificou o sistema do IRES previsto pelo TUIR como sistema de referência que se aplicava, em substância, aos rendimentos gerados por todas as entidades que exercem atividades comerciais. Segundo a Comissão, este sistema de referência inclui a definição de sujeitos passivos e de rendimento tributável resultante do artigo 72.o, em conjugação com o artigo 73.o do TUIR.

149    A este respeito, importa recordar que o artigo 72.o do TUIR estabelece o princípio segundo o qual o IRES se aplica a todos os rendimentos. O artigo 73.o, n.o 1, do TUIR sujeita ao IRS as sociedades comerciais e outros organismos públicos ou privados que tenham ou não por objeto exclusivo ou principal a prossecução de atividades comerciais.

150    As recorrentes, apoiadas pela interveniente, alegam que o sistema de referência é constituído apenas pelo artigo 74.o do TUIR.

151    A este respeito, importa recordar que o referido artigo prevê, por um lado, que certas entidades estatais e certas coletividades territoriais não estão sujeitas ao IRES e, por outro, que o exercício de funções estatais por organismos públicos não é considerado de natureza comercial. No caso em apreço, segundo a interpretação adotada pela Administração Fiscal italiana, as AdSP apenas exercem funções estatais e, consequentemente, não devem estar sujeitas ao IRS.

152    Ora, não se pode deixar de observar que este artigo se inscreve num sistema fiscal mais amplo que fixa todas as disposições italianas relativas ao IRES. Este sistema define, nomeadamente, os sujeitos passivos, o lucro tributável e as taxas de imposto. Segundo o artigo 73.o, n.o 1, alíneas b) e c), do TUIR (v. n.o 17, supra), os sujeitos passivos incluem, entre outros, organismos públicos, independentemente de as suas atividades serem ou não de natureza económica.

153    Ora, o artigo 74.o do TUIR é inseparável do sistema do IRES previsto pelo TUIR. Com efeito, esta disposição isenta certas entidades e certas atividades da tributação do IRS, o que presume a existência de uma regra principal que preveja a tributação das referidas entidades e das referidas atividades. Esta regra principal está prevista, designadamente, no artigo 73.o, n.o 1, alíneas b) e c), do TUIR, que precisa que o exercício de uma atividade comercial por uma entidade de direito público ou privado é o critério determinante para a sujeição ao IRS. Sem a referida regra principal, que decorre do sistema do IRES mais amplo, em especial do artigo 73.o, n.o 1, alíneas b) e c), do TUIR, a isenção prevista no artigo 74.o, n.o 2, do TUIR seria desprovida de qualquer utilidade.

154    Por último, é pacífico que os rendimentos provenientes das atividades comerciais na aceção do TUIR, que parece corresponder ao conceito de «atividade económica» na aceção das regras em matéria de auxílios de Estado, devem ser tributados ao abrigo do artigo 73.o, n.o 1, do TUIR. Com efeito, na audiência, as recorrentes confirmaram que, no caso de uma ou várias atividades das AdSP serem qualificadas de económicas, os rendimentos provenientes dessa ou dessas atividades deveriam estar sujeitos ao IRES.

155    Na realidade, não se pode deixar de observar que a argumentação das recorrentes, baseada numa definição errada do sistema de referência, assenta largamente na hipótese de as AdSP não exercerem nenhuma atividade económica. Ora, como resulta dos n.os 95 e 111, supra, a concessão de acesso aos portos e a outorga de concessões de áreas do domínio público e docas foram corretamente qualificadas pela Comissão de atividades económicas. Assim, a hipótese subjacente à argumentação das recorrentes não pode ser aceite.

156    Tendo em consideração o exposto, há que rejeitar a segunda parte do segundo fundamento.

 Quanto à terceira parte, relativa à derrogação do sistema de referência

157    As recorrentes, apoiadas a este respeito pela interveniente, alegam que a Comissão aplicou erradamente a segunda etapa da análise da seletividade ao se limitar a identificar uma derrogação ao sistema de referência sem identificar as empresas que se encontram na mesma situação factual e jurídica que as AdSP.

158    Segundo as recorrentes, na medida em que o artigo 74.o do TUIR é o sistema de referência, a isenção do IRES não se afasta do referido sistema e, dado que todas as entidades visadas pelo referido artigo estão abrangidas pelo mesmo sistema de referência, não existe nenhuma derrogação a favor de uma das categorias de entidades citadas.

159    Além disso, o objetivo do sistema do IRES previsto pelo TUIR não é tributar os rendimentos das sociedades e de outras entidades jurídicas, independentemente da questão de saber se estas exercem ou não atividades económicas. O objetivo do artigo 74.o do TUIR é não submeter a Administração Pública ao IRES.

160    A Comissão contesta estes argumentos.

161    A este respeito, recorde‑se a título preliminar que a segunda etapa para apreciar a potencial seletividade de uma medida fiscal nacional é, segundo jurisprudência constante, determinar se a medida fiscal em causa derroga o sistema de referência, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse sistema, numa situação factual e jurídica comparável (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 44 e jurisprudência referida).

162    É, portanto, à luz do objetivo do sistema de referência que se deve examinar se as AdSP se encontram numa situação factual e jurídica comparável às outras entidades que estão sujeitas ao IRES e que não estão isentas do mesmo por força do artigo 74.o do TUIR.

163    Como indicado no n.o 153, supra, o objetivo do sistema de referência, a saber, o sistema do IRES e, em especial, os artigos 72.o e 73.o do TUIR, é, em substância, sujeitar ao IRES os rendimentos gerados por qualquer entidade, quer seja de direito privado ou de direito público, que exerça atividades económicas, como alega acertadamente a Comissão (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 54, e de 20 de setembro de 2019, Port autonome du Centre et de l’Ouest e o./Comissão, T‑673/17, não publicado, EU:T:2019:643, n.o 178).

164    À luz deste objetivo, a situação factual e jurídica das AdSP, na medida em que exercem atividades económicas, é comparável, se não idêntica, à de outras entidades sujeitas ao IRES, e não à do Estado e à dos organismos públicos no exercício de prerrogativas de poder público. Nesta medida, não existe nenhuma diferença entre as atividades económicas das AdSP e as das outras entidades sujeitas ao IRES. Por conseguinte, há que concluir que, ao isentar do IRES os rendimentos das AdSP, incluindo os que decorrem das atividades económicas, o artigo 74.o do TUIR, tal como interpretado e aplicado pela Administração Fiscal italiana, derroga o sistema de referência em benefício das AdSP.

165    Além disso, não se pode deixar de observar uma vez mais que a argumentação das recorrentes, baseada na inexistência de uma derrogação do sistema de referência, assenta, no essencial, na premissa errada de que as AdSP não exercem nenhuma atividade económica. Ora, como indicado nos n.os 95 e 111, supra, esta premissa deve ser rejeitada. Além disso, como resulta dos n.os 163 e 164, supra, no caso de uma ou várias atividades das AdSP serem qualificadas de atividades económicas, os rendimentos provenientes dessas atividades deveriam estar sujeitos ao IRS.

166    Tendo em consideração o exposto, há que rejeitar a terceira parte do terceiro fundamento.

 Quanto à quarta parte, relativa à justificação da derrogação pela natureza ou pela economia do sistema de referência

167    As recorrentes sustentam que a decisão impugnada está errada na parte em que concluiu que a isenção do IRES não pode ser justificada pela economia nem pela natureza do sistema fiscal. Com efeito, a referida isenção justifica‑se, uma vez que decorre diretamente dos princípios fundadores ou diretores do sistema de referência, como o princípio segundo o qual o Estado não é tributado, o princípio «imposto sobre imposto não é válido» e o princípio segundo o qual os organismos gestores do domínio coletivo não estão sujeitos ao IRES.

168    A Comissão contesta estes argumentos.

169    A este respeito, há que recordar, a título preliminar, que uma medida que derroga o sistema de referência pode ser justificada pela natureza ou pela economia geral desse sistema, o que privaria a medida do seu caráter seletivo. Tal é o caso quando uma medida resulta diretamente dos princípios fundadores ou diretores do sistema de referência ou quando resulta de mecanismos inerentes necessários para o seu funcionamento e a sua eficácia (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 69).

170    Como acertadamente refere a Comissão, incumbe ao Estado‑Membro e, sendo caso disso, às partes interessadas demonstrar que a derrogação ao sistema de referência é efetivamente justificada pela natureza ou pela economia geral do referido sistema (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 146).

171    Ora, como a Comissão salientou, nem as autoridades italianas nem as partes interessadas apresentaram argumentos para esse efeito durante o procedimento administrativo, o que, aliás, não foi contestado pelas AdSP nem pela interveniente. A inexistência de tais argumentos é suficiente para concluir que a medida em questão não é justificada pela natureza nem pela economia do sistema de referência. Por conseguinte, a afirmação das AdSP segundo a qual, em substância, a Comissão deveria ter demonstrado a inexistência de tal justificação vai contra a jurisprudência constante sobre este ponto (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 29 de abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, EU:C:2004:246, n.o 43, e de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 103).

172    É certo que as AdSP alegaram que a isenção prevista no artigo 74.o do TUIR decorria dos princípios gerais do direito fiscal italiano, a saber, o princípio segundo o qual o Estado não é tributado, o princípio «imposto sobre imposto não é válido» e o princípio segundo o qual os organismos gestores do domínio coletivo não estão sujeitos a IRES.

173    Ora, há que declarar que tal assenta de novo na premissa errada de que as AdSP apenas exercem atividades de natureza não económica. Como indicado nos n.os 85, 86, 107 e 111, supra, esta premissa deve, no entanto, ser rejeitada.

174    Tendo em consideração o exposto, há que rejeitar a quarta parte do terceiro fundamento.

 Quanto à quinta parte, relativa à não pertinência das decisões anteriormente tomadas relativamente aos portos belgas, franceses e neerlandeses

175    As recorrentes sublinham as diferenças entre o sistema do IRES previsto pelo TUIR, por um lado, e os sistemas fiscais em causa nas decisões anteriormente tomadas relativamente aos portos belgas, franceses e neerlandeses, por outro.

176    A Comissão contesta estes argumentos.

177    Há que observar que a análise da Comissão relativa ao caráter seletivo da isenção de IRES, enunciada nos considerandos 158 a 174 da decisão impugnada, não assenta nas decisões anteriormente tomadas relativamente aos portos belgas, franceses e neerlandeses. Consequentemente, as eventuais diferenças entre os processos que conduziram às referidas decisões e o presente processo não têm influência na legalidade dessa análise da Comissão.

178    Daqui resulta que há que rejeitar a quinta parte e, por conseguinte, julgar o terceiro fundamento improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro na apreciação das condições relativas à distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre os EstadosMembros, bem como à insuficiência de fundamentação

179    As recorrentes e a interveniente alegam que a decisão está errada na parte em que conclui que a isenção do IRES provoca uma distorção da concorrência e afeta as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

180    Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que a decisão impugnada está viciada por insuficiência de fundamentação, uma vez que a Comissão simplesmente presumiu que a medida em causa falseava a concorrência e afetava as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, sem, no entanto, demonstrar a existência destes dois elementos.

181    Em segundo lugar, as recorrentes e a interveniente indicam que, dado que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE só se aplica aos setores abertos à concorrência, não pode ser aplicável ao setor portuário italiano que está fechado à concorrência e não foi liberalizado.

182    Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao indicar que as empresas que se queriam estabelecer perto de um porto podiam fazê‑lo também fora do porto num território que não era detido nem gerido por uma AdSP, pelo que as AdSP estavam em concorrência com outros operadores que arrendam terrenos fora dos portos. Segundo as recorrentes e a interveniente, todo o território costeiro italiano suscetível de acolher atividades portuárias pertence ao domínio do Estado, pelo que qualquer empresa que pretenda exercer tal atividade está sujeita à autoridade das AdSP.

183    Em quarto lugar, as recorrentes sustentam que a decisão não tem em conta a jurisprudência segundo a qual, na falta de uma política fiscal harmonizada a nível da União, a Comissão não está autorizada a proceder a um exame comparativo das regras fiscais em vigor nos diferentes Estados‑Membros. Assim, a existência de uma potencial distorção da concorrência deve ser examinada a nível nacional e sem ter em conta as condições existentes noutros Estados‑Membros.

184    Em quinto lugar, a decisão impugnada enferma de desvio de poder e de um vício de incompetência e viola os artigos 107.o, 116.o e 117.o TFUE porquanto, na medida em que a Comissão pretende condenar as distorções resultantes das disparidades existentes entre as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros, deveria ter intervindo com fundamento nos artigos 116.o e 117.o TFUE e não por força das regras em matéria de auxílios de Estado.

185    A Comissão contesta estes argumentos.

186    A este respeito, em primeiro lugar, importa afastar a alegação relativa à violação do artigo 296.o TFUE por falta de fundamentação da decisão impugnada no que respeita à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros e à distorção da concorrência na aceção do artigo 107.o TFUE.

187    Com efeito, como alega com razão a Comissão, não se pode deixar de observar que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada, uma vez que a Comissão consagrou os considerandos 139 a 157 à afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros e à distorção da concorrência. Além disso, resulta da análise dos diferentes fundamentos que a decisão impugnada permitiu às recorrentes conhecerem as justificações da medida tomada a este respeito e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

188    Por conseguinte, o argumento das recorrentes relativo à violação do artigo 296.o TFUE deve ser rejeitado.

189    Em segundo lugar, há que examinar o argumento das recorrentes e da interveniente segundo o qual, em substância, a Comissão não teve em conta o facto de o setor portuário italiano se caracterizar por uma falta de liberalização causada pela existência de um monopólio legal em todos os portos italianos.

190    A este respeito, importa salientar que, como indicado no n.o 93, supra, existe concorrência entre certos portos italianos e certos portos de outros Estados‑Membros, uma vez que os operadores de serviços portuários podem escolher entre vários portos para chegarem ao mesmo hinterland. Acresce que, como indicado no n.o 94, supra, as AdSP estão em concorrência para atrair concessionários que poderão explorar as áreas do domínio público nos portos que elas gerem.

191    A existência desta potencial concorrência é suficiente para concluir que a isenção do IRS é suscetível de falsear a concorrência e afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 65).

192    Em terceiro lugar, no que respeita, nomeadamente, à existência de concorrência entre as AdSP e os operadores que arrendam terrenos fora dos portos, importa declarar que, na verdade, o contexto geográfico e espacial em torno dos portos em causa não parece permitir a terceiros explorar terrenos em concorrência com as AdSP, o que, de resto, não é contestado pela Comissão.

193    Todavia, esta constatação não basta para pôr em causa a conclusão da Comissão segundo a qual a isenção do IRES é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência.

194    Com efeito, os outros motivos enumerados na decisão impugnada a este respeito, em especial, como indicado nos n.os 92 a 94, supra, a existência de uma certa concorrência à qual estão expostos os portos italianos, bastam para sustentar a referida conclusão da Comissão. Por conseguinte, este argumento é inoperante.

195    Em quarto lugar, contrariamente ao que as recorrentes afirmam, a falta de harmonização em matéria de fiscalidade direta não implica que a potencial distorção da concorrência deva ser examinada apenas no plano nacional. Com efeito, enquanto o requisito relativo à seletividade, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, só pode ser apreciado ao nível de um único Estado‑Membro e resulta unicamente de uma análise da diferença de tratamento entre as empresas ou produções desse Estado‑Membro, a apreciação do requisito relativo à distorção da concorrência, na aceção do mesmo número desse artigo, não se limita necessariamente às empresas ou produções do Estado‑Membro em causa, uma vez que, para ser abrangida pelo artigo 107.o TFUE, uma medida de auxílio deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência afetando as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, e por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2004, Espanha/Comissão, C‑73/03, não publicado, EU:C:2004:711, n.os 28 e 29).

196    Além disso, no caso de um regime de auxílios de Estado, como a isenção de IRES, a Comissão pode limitar‑se a um exame das características do referido regime para apreciar se este é suscetível de falsear a concorrência beneficiando essencialmente empresas que participam nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de outubro de 1987, Alemanha/Comissão, 248/84, EU:C:1987:437, n.o 18). Uma vez que o setor portuário se caracteriza por trocas comerciais transfronteiriças, a Comissão pôde concluir com razão que a isenção do IRES era suscetível de falsear a concorrência entre certos portos italianos e certos portos de outros Estados‑Membros.

197    Por último, há que rejeitar os argumentos das recorrentes relativos a um desvio de poder, que não são pertinentes à luz das circunstâncias do caso em apreço, como referido nos n.os 56 a 58, supra. Pelas mesmas razões, os argumentos das recorrentes relativos ao vício de incompetência também devem ser rejeitados.

198    Por conseguinte, há que julgar o quarto fundamento improcedente.

 Conclusão

199    Mesmo que o dispositivo da decisão impugnada esteja redigido em termos gerais, qualificando a isenção do IRES de regime de auxílios de Estado existente incompatível com o mercado interno e ordenando à República Italiana que revogue a referida isenção, decorre dos considerandos da referida decisão, à luz dos quais o seu dispositivo deve ser interpretado (v., neste sentido, Acórdão de 30 de novembro de 2011, Quinn Barlo e o./Comissão, T‑208/06, EU:T:2011:701, n.o 131), que este apenas visa as atividades económicas exercidas pelas AdSP.

200    Como indicado nos n.os 118 e 119, supra, a Comissão não fez prova bastante de que a concessão de autorizações para as operações portuárias constituía uma atividade económica. Tendo em conta a natureza destacável das atividades das AdSP qualificadas de económicas na decisão impugnada e com vista a garantir a segurança jurídica na execução da referida decisão pela República Italiana, há que anular a decisão impugnada na parte em que qualifica de atividade económica a concessão de autorizações para as operações portuárias (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 77, e de 30 de setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑239/01, EU:C:2003:514, n.o 33). Deve ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

201    Como indicado no n.o 200, supra, há que anular a decisão impugnada na parte em que qualifica uma das três atividades exercidas pelas AdSP, a saber, a concessão de autorizações para as operações portuárias, de atividade económica.

202    Em conformidade com o artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte. Além disso, nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suporte as suas próprias despesas.

203    Ora, importa observar que tanto as recorrentes, apoiadas pela interveniente, como a Comissão obtiveram vencimento parcial e que a decisão impugnada foi anulada parcialmente.

204    Além disso, na tréplica, a Comissão informa o Tribunal Geral da publicação da contestação no sítio Internet «Shipping Italy». A este respeito, a Comissão sustenta que a referida publicação constitui uma utilização inadequada, pelas recorrentes, dos atos processuais, que deve ter impacto nas despesas, por força do artigo 135.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, que especifica que o Tribunal Geral pode condenar uma parte, mesmo vencedora, na totalidade ou em parte das despesas, se tal se justificar em razão da sua atitude.

205    No entanto, a Comissão não apresentou provas que demonstrem que as recorrentes estão na origem da publicação da contestação na Internet. Por isso, não foi possível determinar com certeza a fonte da fuga do referido documento. Consequentemente, ainda que esse incidente seja lamentável, na falta de provas das alegações da Comissão, o pedido desta última não pode ser deferido.

206    Tendo em conta o que precede, há que condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada)

decide:

1)      É anulada a Decisão (UE) 2021/1757 da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, sobre o regime de auxílios SA.38399 — 2019/C (ex 2018/E) implementado pela Itália — Aplicação do imposto sobre o rendimento das sociedades aos portos na Itália, na parte em que qualifica de atividade económica a concessão de autorizações para as operações portuárias.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Autorità di sistema portuale del Mar Ligure occidentale e as outras recorrentes cujos nomes figuram em anexo, a Associazione Porti Italiani (Assoporti) e a Comissão Europeia suportarão cada uma as suas próprias despesas.

Papasavvas

Porchia

Madise

Nihoul

 

      Verschuur

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de dezembro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.


1      A lista das outras recorrentes só é anexada à versão notificada às partes.