Language of document : ECLI:EU:T:2020:434

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

23 de setembro de 2020 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelas autoridades espanholas a favor de certos agrupamentos de interesse económico (AIE) e dos seus investidores — Regime fiscal aplicável a certos acordos de locação financeira para aquisição de navios (regime espanhol de leasing fiscal) — Decisão que declara o auxílio em parte incompatível com o mercado interno e que ordena a sua recuperação parcial — Caráter seletivo — Dever de fundamentação — Recuperação do auxílio — Igualdade de tratamento — Confiança legítima — Segurança jurídica»

Nos processos apensos T‑515/13 RENV e T‑719/13 RENV,

Reino de Espanha, representado por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

recorrente no processo T‑515/13 RENV,

Lico Leasing, SA, com sede em Madrid (Espanha),

Pequeños y Medianos Astilleros Sociedad de Reconversión, SA, com sede em Madrid,

representadas por M. Merola e M. Sánchez, advogados,

recorrentes no processo T‑719/13 RENV,

apoiadas por:

Bankia, SA, estabelecida em Valência (Espanha), e as outras intervenientes cujo nome figura em anexo (1), representadas por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, R. Calvo Salinero e A. Lamadrid de Pablo, advogados,

intervenientes no processo T‑719/13 RENV,

contra

Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, É. Gippini Fournier e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão 2014/200/UE da Comissão, de 17 de julho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.21233 C/2011 (ex NN/11, ex CP 137/06) concedido por Espanha — Regime fiscal aplicável a certos acordos de locação financeira também conhecido por Sistema de arrendamento fiscal espanhol (JO 2014, L 114, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada),

composto por: A. M. Collins (relator), presidente, C. Iliopoulos, R. Barents, J. Passer e G. De Baere, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A partir de maio de 2006, a Comissão Europeia recebeu várias denúncias contra o designado «Sistema de arrendamento fiscal espanhol» (a seguir «SAF»). Em especial, duas federações nacionais de estaleiros navais e um estaleiro naval individual denunciaram que esse sistema permitia às companhias de navegação adquirir navios construídos por estaleiros navais espanhóis com um desconto de 20 % a 30 %.

2        Na sequência de numerosos pedidos de informação enviados pela Comissão às autoridades espanholas e de duas reuniões entre as referidas partes, a Comissão abriu o procedimento formal de exame nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE mediante a Decisão C (2011) 4494 final, de 29 de junho de 2011 (JO 2011, C 276, p. 5; a seguir «decisão de abertura do procedimento formal de exame»).

3        Em 17 de julho de 2013, a Comissão adotou a Decisão 2014/200/UE relativa ao auxílio estatal SA.21233 C/2011 (ex NN/11, ex CP 137/06) concedido por Espanha — Regime fiscal aplicável a certos acordos de locação financeira também conhecido por Sistema de arrendamento fiscal espanhol (JO 2014, L 114, p. 1; a seguir «decisão impugnada»). Nessa decisão, a Comissão considerou que certas medidas fiscais que compõem o SAF «constitu[íam] um auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, executado ilegalmente pelo Reino de Espanha a partir de 1 de janeiro de 2002 em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Essas medidas foram consideradas parcialmente incompatíveis com o mercado interno. A recuperação foi ordenada, sob determinadas condições, unicamente junto dos investidores que beneficiaram das vantagens em causa, sem que estes possam transferir o ónus da recuperação para outras pessoas.

 Estrutura jurídica e financeira do SAF

4        Decorre da decisão impugnada que o SAF implica, para cada encomenda de construção de navio, vários participantes, a saber, uma companhia de navegação, um estaleiro naval, uma sociedade de locação financeira (leasing), um banco, um agrupamento de interesse económico (AIE) criado pelo banco e os investidores que adquirem participações nesse AIE.

5        Segundo a Comissão, a estrutura do SAF é uma operação fiscal (reproduzida no gráfico abaixo), geralmente organizada em geral por um banco para gerar benefícios fiscais ao nível dos investidores no quadro de um AIE fiscalmente transparente e para transferir parte destes benefícios fiscais para a companhia de navegação, sob a forma de um desconto sobre o preço do navio, conservando os investidores do AIE os restantes benefícios a título de retorno sobre o seu investimento.

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6        No quadro do SAF, os participantes mencionados nos n.os 4 e 5, supra, assinam vários contratos cujos elementos essenciais, tal como resultam da decisão impugnada e da decisão de abertura do procedimento formal, são explicados a seguir.

 Contrato inicial de construção naval

7        A companhia de navegação que pretende adquirir um navio acorda com um estaleiro naval a construção do navio e um preço de compra que integra o desconto (a seguir «preço líquido»). O estaleiro naval pede a um banco que organize os contratos do SAF.

 Contrato de construção naval renovado (novação)

8        O banco faz intervir uma sociedade de locação financeira que substitui, mediante um contrato de novação, a companhia de navegação e celebra com o estaleiro naval um novo contrato de aquisição do navio por um preço que não integra o desconto (a seguir «preço bruto»).

 Constituição de um AIE pelo banco e procura de investidores

9        O banco cria um AIE e vende ações a investidores, normalmente importantes contribuintes espanhóis que investem no AIE para obter uma redução da sua base tributável e que, em geral, não exercem qualquer atividade marítima.

 Contrato de locação financeira

10      A sociedade de locação financeira aluga, com opção de compra, o navio a um AIE por um período de três ou quatro anos com base no preço bruto. O AIE obriga‑se previamente a exercer a opção de compra do navio no termo desse prazo. O contrato prevê o pagamento de rendas muito elevadas à sociedade de locação financeira, o que provoca perdas significativas para o AIE. Em contrapartida, o preço para o exercício da opção de compra é muito reduzido.

 Contrato de fretamento em casco nu com opção de compra

11      O AIE, por seu turno, aluga o navio durante um breve período à companhia de navegação no âmbito de um contrato de fretamento em casco nu (a saber, um contrato de locação de um navio que não inclui nem a tripulação nem o aprovisionamento, cuja responsabilidade é do afretador). A companhia de navegação compromete‑se previamente a adquirir o navio ao AIE no termo do prazo previsto, com base no preço líquido. Contrariamente ao contrato de locação financeira descrito no n.o 10, supra, o preço das rendas previstas no âmbito do contrato de fretamento em casco nu é reduzido. Em contrapartida, o preço para o exercício da opção de compra é elevado. A data prevista para exercer a opção de compra é fixada algumas semanas depois à da aquisição do navio pelo AIE à sociedade de locação financeira.

12      Resulta assim da estrutura jurídica do SAF que, no âmbito da venda de um navio por um estaleiro naval a uma companhia de navegação, o banco faz intervir dois intermediários, a saber, uma sociedade de locação financeira e um AIE. Este último obriga‑se, no âmbito de um contrato de locação financeira, a adquirir o navio ao preço bruto, que é transferido para o estaleiro naval pela sociedade de locação financeira. Em contrapartida, quando revende o navio à companhia de navegação, no âmbito de um contrato de fretamento em casco nu com opção de compra, apenas recebe o preço líquido, que tem em consideração o desconto feito inicialmente à companhia de navegação.

 Estrutura fiscal do SAF

13      Segundo a decisão impugnada, o objetivo do SAF é fazer beneficiar de certas medidas fiscais os AIE e os investidores que nele participam, os quais, posteriormente, transferem parte destes benefícios para a companhia de navegação compradora de um navio novo.

14      Nos termos da decisão impugnada, o efeito conjunto das medidas fiscais utilizadas permite ao AIE e aos seus investidores obter um benefício fiscal de aproximadamente 30 % do preço bruto inicial do navio. Este benefício fiscal, obtido inicialmente pelo AIE e respetivos investidores, fica parcialmente (cerca de 10 % a 15 %) nas mãos dos investidores, e a parte restante (85 % a 90 %) é transferida para a companhia de navegação, que acaba por se tornar proprietária do navio com uma redução de 20 % a 30 % relativamente ao seu preço bruto inicial.

15      Segundo a Comissão, as operações do SAF combinam várias medidas fiscais distintas que estão, porém, relacionadas entre si, com vista a gerar um benefício fiscal. Essas medidas estão previstas em diversas disposições do Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que aprova o texto consolidado da Lei do Imposto sobre as Sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951; a seguir «Lei do Imposto sobre as Sociedades»), e do Real Decreto 1777/2004, por el que se aprueba el Reglamento del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto 1777/2004, que aprova o Regulamento do Imposto sobre as Sociedades), de 30 de julho de 2004 (BOE n.o 189, de 6 de agosto de 2004, p. 28377; a seguir «Regulamento do Imposto sobre as Sociedades»). Trata‑se das cinco medidas seguintes, descritas nos considerandos 21 a 42 da decisão impugnada: a amortização acelerada dos ativos locados (medida 1), a aplicação discricionária da amortização antecipada dos ativos locados (medida 2), os AIE (medida 3), o regime do imposto sobre a arqueação (medida 4) e o artigo 50.o, n.o 3, do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades (medida 5).

16      Em particular, no que respeita à medida 2, cabe precisar que, nos termos do artigo 115.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades, a amortização acelerada do ativo adquirido no quadro de uma locação financeira tem início na data em que o ativo esteja em condições de funcionamento, ou seja, não antes que o ativo seja entregue ao locatário e que este o comece a utilizar. Todavia, nos termos do artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades, o Ministério da Economia pode fixar a data do início da amortização, tendo em conta as particularidades da duração do contrato e as especificidades da utilização económica do bem. O procedimento de pedido de autorização está detalhado no artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades. Atendendo a que, segundo a regulamentação aplicável, a data de início da amortização acelerada podia ser fixada numa data anterior àquela em que o bem entra em funcionamento, a decisão impugnada faz referência a uma amortização «antecipada».

 Apreciação da Comissão

17      A Comissão considerou que o facto de o SAF ser composto por várias medidas que não figuravam todas na legislação fiscal espanhola não impedia de o considerar um sistema. Uma vez que as diferentes medidas fiscais utilizadas no quadro do SAF estavam ligadas entre elas juridicamente e de facto.

18      Em qualquer caso, a Comissão não analisou as medidas apenas como um sistema, mas efetuou igualmente uma apreciação individual. Segundo ela, estas abordagens eram complementares e conduziam a conclusões coerentes.

19      No que respeita à existência de empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, segundo o considerando 126 da decisão impugnada, todas as partes envolvidas nas operações do SAF eram empresas, já que as suas atividades consistiam em propor bens e serviços num determinado mercado. Mais concretamente, os estaleiros navais construíam os navios; as sociedades de locação financeira propunham facilidades de financiamento; os AIE fretavam e vendiam os navios; os investidores propunham bens e serviços numa ampla variedade de mercados, a não ser quando se tratava de pessoas físicas que não exerciam nenhuma atividade económica, caso no qual não estavam abrangidas pela decisão; as companhias de navegação propunham serviços de transporte marítimo e os bancos organizadores propunham serviços de corretagem e financiamento.

20      Quanto à seletividade, a Comissão considerou que a aplicação discricionária da amortização antecipada (medida 2), o regime do imposto sobre a arqueação (medida 4) e o artigo 50.o, n.o 3, do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades (medida 5) conferiam vantagens seletivas a certas empresas.

21      Em particular, no que respeita à aplicação discricionária da amortização antecipada dos ativos objeto de uma locação financeira (medida 2), a Comissão salientou que, segundo a legislação fiscal geral espanhola relativa à amortização, em princípio, o custo de um ativo devia ser repartido ao longo da sua vida económica, ou seja, a partir do momento em que era utilizado para uma atividade económica. No quadro das operações de locação financeira, o artigo 115.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades permitia a amortização acelerada, em princípio, a partir da data em que o ativo era posto em serviço. Todavia, o artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades permitia que a amortização acelerada tivesse início antes de o ativo entrar em funcionamento, dando lugar a uma amortização antecipada. Segundo a decisão impugnada, essa possibilidade constituía uma exceção à regra geral estabelecida no artigo 115.o, n.o 6, da referida lei e estava sujeita à autorização discricionária das autoridades espanholas, o que, portanto, a tornava seletiva. Segundo a Comissão, os critérios para a concessão da autorização eram vagos e necessitavam de uma interpretação da administração fiscal, a qual não tinha publicado orientações a este respeito. Por outro lado, a Comissão considerou que o enunciado do artigo 49.o da Lei do Imposto sobre as Sociedades confirmava o caráter seletivo da medida. Além disso, a Comissão considerou que o Reino de Espanha não tinha demonstrado que fosse necessário um sistema de autorização prévia, em vez de uma simples verificação a posteriori de critérios claros e objetivos, como a que existia para a amortização ordinária.

22      A Comissão entendeu ainda que, visto no seu conjunto, o SAF era seletivo, pois a vantagem estava submetida ao poder discricionário da administração fiscal em razão da obrigação de obter uma autorização e dada a imprecisão das condições aplicáveis. Existia, além disso, uma seletividade setorial, pois a administração fiscal autorizava apenas operações destinadas a financiar navios de mar. Segundo a Comissão, o facto de todas as companhias de navegação, incluindo as estabelecidas noutros Estados‑Membros, poderem aceder a operações de financiamento do SAF não obstava a que se concluísse que este regime favorecia determinadas atividades, a saber, a aquisição de navios de mar mediante contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em casco nu e à sua posterior revenda.

23      Segundo a decisão impugnada, a vantagem beneficia os AIE e, por inerência, os seus investidores. Com efeito, o AIE era a pessoa coletiva que aplicava todas as medidas fiscais e, se fosse caso disso, a que apresentava os pedidos de autorização às autoridades fiscais. Do ponto de vista fiscal, o AIE era uma entidade fiscalmente transparente e os seus rendimentos tributáveis ou as despesas dedutíveis eram automaticamente transferidos para os investidores.

24      Por outro lado, a Comissão entendeu que, em termos económicos, no âmbito de uma operação do SAF, uma parte substancial do benefício fiscal obtido pelo AIE era transferido para a companhia de navegação através de um desconto sobre o preço, sem prejuízo das considerações sobre a imputabilidade expostas a seguir. Apesar de a decisão impugnada reconhecer que outros participantes em operações do SAF, nomeadamente os estaleiros navais, as empresas de locação e demais intermediários, usufruíam indiretamente desse benefício, a Comissão considerou que o benefício obtido inicialmente pelo AIE e pelos seus investidores não era transferido para esses outros participantes.

25      Segundo a decisão impugnada, tendo em conta a perda de receitas fiscais decorrente do SAF, existia uma transferência de recursos de Estado para o AIE, que, através da transparência fiscal, os transferia para os seus investidores.

26      Quanto à imputabilidade das medidas, a Comissão entendeu que a vantagem seletiva concedida ao AIE e aos seus investidores era claramente imputável ao Reino de Espanha, pois decorria de regras fiscais e de autorizações fiscais concedidas pela administração fiscal para a aplicação da amortização antecipada e do regime do imposto sobre a arqueação. Em contrapartida, o mesmo não sucedia, segundo a decisão impugnada, no que dizia respeito às companhias de navegação e, a fortiori, aos estaleiros navais e aos intermediários, pois as regras aplicáveis não obrigavam os AIE a transferir uma parte do benefício fiscal para estes operadores, e isso não obstante o facto de a Comissão ter admitido que os pedidos de autorização enviados à administração fiscal incluíam geralmente detalhes sobre a repartição do benefício fiscal entre os investidores do AIE e a companhia de navegação.

27      Segundo a decisão impugnada, o benefício em causa ameaçava falsear a concorrência e afetar o comércio entre Estados‑Membros. Em particular, a Comissão sublinhou que os investidores, ou seja, os membros dos AIE, operam em todos os setores da economia, nomeadamente em setores abertos ao comércio entre Estados‑Membros. Além disso, mediante as operações que beneficiam do SAF, atuavam através do AIE nos mercados de fretamento em casco nu e da aquisição e venda de navios de mar, que estavam abertos ao comércio entre Estados‑Membros.

28      No âmbito da sua análise da compatibilidade do auxílio com o mercado interno, a Comissão considerou que, embora a Orientações comunitárias sobre auxílios estatais aos transportes marítimos, de 5 de julho de 1997 (JO 1997, C 205, p. 5), alteradas em 17 de janeiro de 2004 (JO 2004, C 13, p. 3; a seguir «Orientações sobre transportes marítimos», não fossem aplicáveis estritamente no caso vertente, podiam sê‑lo por analogia a fim de determinar o montante do auxílio recebido pelo AIE ou pelos seus investidores suscetível de ser compatível. No entender da Comissão, para lá desse montante, o auxílio era incompatível com o mercado interno.

29      Por último, a Comissão rejeitou as considerações segundo as quais os princípios da igualdade de tratamento e da proteção da confiança legítima se opunham à recuperação do auxílio. Em contrapartida, entendeu que o princípio da segurança jurídica se opunha à recuperação do auxílio desde a entrada em vigor do SAF, em 2002, até 30 de abril de 2007, a saber, a data da publicação no Jornal Oficial da União Europeia da sua Decisão 2007/256/CE, de 20 de dezembro de 2006, relativa ao regime de auxílio executado pela França ao abrigo do artigo 39.o CA do Código Geral dos Impostos — Auxílio estatal C 46/2004 (ex NN 65/2004) (JO 2007, L 112, p. 41; a seguir «decisão sobre os AIE fiscais franceses»).

30      Além disso, a decisão impugnada concluiu que todas as cláusulas contratuais por força das quais os estaleiros navais tinham de indemnizar as outras partes se os benefícios fiscais previstos acabassem por não poder ser obtidos eram contrárias às regras sobre os auxílios estatais, que exigiam a recuperação do auxílio junto do beneficiário real.

 Processos anteriores no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

 Processo anterior no Tribunal Geral

31      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de setembro de 2013, o Reino de Espanha interpôs um recurso de anulação da decisão impugnada, registado sob o número T‑515/13.

32      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de dezembro de 2013, a Lico Leasing, SA (a seguir «Lico»), e a Pequeños y Medianos Astilleros Sociedad de Reconversión, SA (a seguir «PYMAR») interpuseram um recurso de anulação da decisão impugnada, registado sob o número T‑719/13. A Lico e a PYMAR são sociedade que têm por objeto, respetivamente, a realização de operações de locação financeira e o apoio às atividades dos pequenos e médios estaleiros navais.

33      Foram interpostos vários outros recursos de anulação da decisão impugnada.

34      A Comissão alegou que os recursos deviam ser julgados improcedentes, tendo igualmente manifestado reservas quanto à legitimidade ativa da Lico e da PYMAR no processo T‑719/13.

35      Foram ouvidas as alegações das partes nos processos T‑515/13 e T‑719/13 e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal nas audiências que tiveram lugar, respetivamente, em 9 e 10 de junho de 2015.

36      Por Despacho adotado em 17 de dezembro de 2015, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral decidiu apensar os processos T‑515/13 e T‑719/13 para efeitos do acórdão que põe termo à instância, em aplicação do artigo 68.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

37      Por Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13; a seguir «acórdão inicial», EU:T:2015:1004), o Tribunal Geral declarou que o recurso interposto pela Lico e a PYMAR era admissível. No que respeita ao mérito, o Tribunal Geral deu provimento aos recursos interpostos com base no fundamento relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do artigo 296.o TFUE e anulou a decisão impugnada. Além disso, o Tribunal Geral conclui que não tinha de decidir sobre os outros fundamentos e argumentos apresentados no âmbito dos dois recursos.

 Processo anterior no Tribunal de Justiça

38      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de fevereiro de 2016, a Comissão interpôs um recurso de anulação do acórdão inicial, registado sob o número C‑128/16 P. Suscitou dois fundamentos, relativos a erros de direito que o Tribunal Geral teria cometido na interpretação e na aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE no que diz respeito aos conceitos de «empresa» e de «vantagem seletiva», e do artigo 296.o TFUE.

39      Os outros recursos interpostos da decisão impugnada, que estavam pendentes no Tribunal Geral, foram suspensos até à decisão no processo C‑128/16 P.

40      Por Despachos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Espanha e o. (C‑128/16 P, não publicado, EU:C:2016:1006); e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Espanha e o. (C‑128/16 P, não publicado, EU:C:2016:1007), a Bankia, SA e 32 outras entidades (a seguir «Bankia e o.») assim como a Aluminios Cortizo, SAU foram autorizadas a intervir em apoio dos pedidos da Lico e da PYMAR.

41      Por Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o. (C‑128/16 P; a seguir «acórdão proferido em sede de recurso», EU:C:2018:591), o Tribunal de Justiça anulou o acórdão inicial.

42      Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça entendeu que o Tribunal Geral tinha procedido a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A este respeito, o Tribunal de Justiça sublinhou que, segundo o Tribunal Geral, os AIE não podiam ser os beneficiários de um auxílio estatal, com o fundamento de que, devido à transparência fiscal desses agrupamentos, eram os investidores, e não os AIE, que tinham usufruído dos benefícios fiscais e económicos decorrentes dessas medidas. Ora, o Tribunal de Justiça considerou que os AIE exerciam uma atividade económica, a saber, a aquisição de navios de mar mediante contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em casco nu e posterior revenda, pelo que constituíam empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, como a decisão impugnada havia salientado.

43      Embora os benefícios fiscais obtidos pelos AIE fossem integral e automaticamente transferidos para os seus membros, o Tribunal de Justiça salientou que era aos AIE que as medidas fiscais em causa se aplicavam e que eram eles quem usufruía diretamente dos benefícios decorrentes dessas medidas. Esses benefícios favoreciam a sua atividade de aquisição de navios de mar mediante contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em casco nu e posterior revenda. Por conseguinte, houve uma transferência de recursos públicos para os AIE, sob a forma de uma perda de receitas fiscais. Portanto, segundo o Tribunal de Justiça, as medidas em causa eram suscetíveis de constituir auxílios estatais a favor dos AIE. O facto de a Comissão ter ordenado a recuperação dos auxílios incompatíveis apenas junto dos investidores dos AIE, questão cuja legalidade não foi examinada pelo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em sede de recurso, foi considerado irrelevante para efeitos desta conclusão. Perante as considerações anteriores, o Tribunal de Justiça acolheu a primeira alegação da Comissão.

44      Em segundo lugar, no que respeita ao caráter seletivo da vantagem decorrente do poder discricionário da autoridade fiscal para autorizar o mecanismo do SAF, nomeadamente a amortização antecipada, o Tribunal de Justiça considerou que o Tribunal Geral não teve razão ao excluir a seletividade do sistema em razão da possibilidade de qualquer empresa participar nessas operações e ter acesso aos benefícios, que, segundo ele, implicava que os investidores não tivessem beneficiado de uma vantagem seletiva. No entender do Tribunal de Justiça, as considerações do Tribunal Geral baseavam‑se na premissa, errada, de que só os investidores, e não os AIE, podiam ser considerados os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa e que era em relação aos investidores e não aos AIE que a condição relativa à seletividade devia ser analisada. Por conseguinte, ao não examinar se o sistema de autorização da amortização antecipada conferia à administração fiscal um poder discricionário suscetível de favorecer as atividades exercidas pelos AIE que participaram no SAF, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Consequentemente, o Tribunal de Justiça acolheu a segunda alegação aduzida pela Comissão.

45      Em terceiro lugar, baseando‑se no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), o Tribunal de Justiça entendeu que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito quando considerou que os benefícios recebidos pelos investidores que participaram nas operações do SAF não podiam ser seletivos pois estavam acessíveis indistintamente a qualquer empresa, sem averiguar se a Comissão tinha demonstrado que as medidas fiscais introduziam um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores que usufruíam dos benefícios e os que estavam excluídos deles se encontravam, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal, numa situação factual e jurídica comparável. Consequentemente, o Tribunal de Justiça deu provimento à terceira alegação aduzida pela Comissão.

46      Em quarto lugar, no que respeita ao dever de fundamentação, o Tribunal de Justiça sublinhou que todas as considerações do Tribunal Geral assentam numa premissa, errada, de que só os investidores, e não os AIE, podiam ser considerados beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa e que convinha, portanto, analisar se as vantagens que os investidores, e não os AIE, tinham obtido eram de natureza seletiva, se havia o risco de falsearem a concorrência e de afetarem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e se a decisão impugnada estava suficientemente fundamentada quanto à análise desses critérios. Segundo o Tribunal de Justiça, a Comissão forneceu, na decisão impugnada, as indicações que permitiam compreender as razões pelas quais a mesma considerou que as vantagens resultantes das medidas fiscais em causa tinham caráter seletivo e eram suscetíveis de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência, e fundamentou essa decisão de forma suficiente e sem qualquer contradição a esse respeito, respeitando as exigências do artigo 296.o TFUE. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça acolheu a última alegação da Comissão.

47      Após ter declarado que o litígio não estava em condições de ser julgado, pois o Tribunal Geral só tinha examinado uma parte dos fundamentos aduzidos pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR, o Tribunal de Justiça decidiu devolver os processos T‑515/13 e T‑719/13 ao Tribunal Geral a fim de este decidir sobre eles e reservou para final a decisão quanto às despesas, à exceção das despesas relacionadas com as intervenções.

 Tramitação processual e pedidos das partes

48      Na sequência do acórdão proferido em sede de recurso, os processos T‑515/13 RENV e T‑719/13 RENV foram atribuídos à Oitava Secção do Tribunal Geral.

49      Em 5 de outubro de 2018, o Reino de Espanha e a Comissão apresentaram observações escritas no processo T‑515/13 RENV, nos termos do artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

50      Por Despachos de 21 de setembro e de 8 de outubro de 2018, o presidente do Tribunal Geral deferiu o pedido de tratamento confidencial apresentado pela Lico e a PYMAR em relação, respetivamente, à Bankia e o. e à Aluminios Cortizo no processo T‑719/13 RENV.

51      Em 28 de setembro de 2018, a Aluminios Cortizo e, em 5 de outubro de 2018, a Lico, a PYMAR, a Comissão e a Bankia e o. apresentaram observações escritas no processo T‑719/13 RENV com fundamento no artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

52      Sob proposta da Oitava Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

53      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, pediu às partes que respondessem a certas questões escritas. Entre outras questões, o Tribunal Geral convidou as partes a submeterem as suas observações quanto à junção aos autos de dois anexos, apensos a dois recursos interpostos da decisão impugnada, que continham uma série de artigos de imprensa. As partes responderam dentro dos prazos fixados. Tendo em conta as observações das partes, o Tribunal Geral decidiu não juntar os referidos anexos aos autos nos presentes processos.

54      Por Decisão do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral, de 12 de setembro de 2019, ouvidas as partes principais, os processos T‑515/13 RENV e T‑719/13 RENV foram apensados para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância.

55      Na audiência de 24 de outubro de 2019, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais feitas pelo Tribunal Geral.

56      No processo T‑515/13 RENV, o Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenação da Comissão nas despesas.

57      No processo T‑515/13 RENV, a Comissão, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o Reino de Espanha nas despesas.

58      No processo T‑719/13 RENV, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular a injunção de recuperação;

–        a título ainda mais subsidiário, anular a injunção de recuperação na medida em que respeita ao cálculo do montante do auxílio incompatível a recuperar;

–        condenar a Comissão nas despesas.

59      No processo T‑719/13 RENV, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Lico e a PYMAR nas despesas.

60      No processo T‑719/13 RENV, a Bankia e o. concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular a injunção de recuperação;

–        a título ainda mais subsidiário, anular a injunção de recuperação na medida em que respeita ao cálculo do montante do auxílio incompatível a recuperar.

61      No processo T‑719/13 RENV, a Aluminios Cortizo conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à intervenção da Bankia e o. e da Aluminios Cortizo

62      A título preliminar, cabe sublinhar que, nas suas observações sobre o seguimento da tramitação no processo T‑719/13 RENV, a Comissão contesta a possibilidade de a Bankia e o. e da Aluminios Cortizo apresentarem observações escritas e terem a qualidade de intervenientes no processo de remessa para o Tribunal Geral, por diversas razões. Desde logo, isso iria contra o artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Seguidamente, isso equivaleria na prática a permitir a intervenção, no processo de primeira instância, de partes que não podiam ser admitidas a intervir, uma vez que interpuseram recursos ainda pendentes. Além disso, segundo a Comissão, a presente situação distingue‑se daquela que deu origem ao Acórdão de 23 de março de 1993, Gill/Comissão (T‑43/89, EU:T:1993:24), em que o Tribunal Geral admitiu, na fase de remessa, a intervenção de uma parte que apenas tinha intervindo no processo de recurso para o Tribunal de Justiça em razão do facto de este último não ter decidido quanto às suas despesas. Ora, a Comissão salienta que, no caso vertente, o Tribunal de Justiça decidiu quanto às despesas da Bankia e o. e da Aluminios Cortizo no acórdão proferido em sede de recurso. Por último, a Comissão alega que o presente caso se distingue da situação em que uma parte apresenta um pedido de intervenção, mas o Tribunal Geral decide do processo sem se pronunciar sobre esse pedido. Nessa hipótese, na sequência de uma eventual remessa, a Comissão considera que os pedidos de intervenção se mantêm em vigor e que não cabe ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre eles (v., neste sentido, Despacho de 2 de setembro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, T‑203/10 RENV, não publicado, EU:T:2014:792, n.o 47).

63      A Bankia e o. consideram que a parte autorizada a intervir no âmbito do recurso para o Tribunal de Justiça conserva automaticamente a sua qualidade de interveniente no processo de remessa para o Tribunal Geral.

64      A este respeito, independentemente das circunstâncias que deram lugar aos acórdãos mencionados pela Comissão, importa recordar que, entre os recursos interpostos da decisão impugnada, os processos T‑515/13 e T‑719/13 foram selecionados como projetos‑piloto e conduziram ao acórdão inicial. Neste contexto, a Bankia e o. e a Aluminios Cortizo não foram ouvidas como intervenientes perante o Tribunal Geral, mas foram admitidas a intervir no Tribunal de Justiça no âmbito dos recursos interpostos do acórdão inicial.

65      Uma vez que o Tribunal de Justiça lhe devolveu os processos para que decida sobre certos fundamentos que suscitam questões jurídicas com interesse para a Bankia e o. e a Aluminios Cortizo, o Tribunal Geral entende que, no caso vertente, para uma boa administração da justiça se deve admitir as intervenientes no Tribunal de Justiça como intervenientes no processo de remessa, a fim de assegurar o bom tratamento do contencioso que está pendente no Tribunal Geral e de promover a continuidade do debate contencioso, tanto mais que o processo nos outros recursos interpostos da decisão impugnada foi suspenso por decisões do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral, de 21 de novembro de 2018, sem oposição da Comissão. Por outro lado, contrariamente ao que alega a Comissão, o enunciado do artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo não se opõe necessariamente a isso, pois não define a qualidade de «partes no processo no Tribunal Geral» no âmbito de um recurso para o Tribunal de Justiça. Por conseguinte, há que rejeitar as objeções da Comissão à admissão da Bankia e o. e da Aluminios Cortizo como intervenientes.

 Quanto ao mérito

66      A título preliminar, cabe salientar, com base no acórdão proferido em sede de recurso, que, no âmbito do presente processo de remessa, compete ao Tribunal Geral decidir de todos os fundamento de anulação aduzidos pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR, permanecendo vinculado por todas questões de direito sobre as quais o Tribunal de Justiça se pronunciou a respeito dos beneficiários da vantagem e do seu caráter seletivo na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, assim como da fundamentação da decisão impugnada.

67      No recurso no processo T‑515/13 RENV, o Reino de Espanha invoca quatro fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE na medida em que a decisão impugnada declara a existência de um auxílio estatal. A título subsidiário, o Reino de Espanha aduz três fundamentos em apoio do pedido de anulação da injunção de recuperação, relativos à violação do princípio da igualdade de tratamento, à violação do princípio da proteção da confiança legítima e à violação do princípio da segurança jurídica.

68      No âmbito do seu recurso, a Lico e a Pymar suscitaram três fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do artigo 296.o TFUE na medida em que a decisão impugnada declara a existência de um auxílio estatal, o segundo, à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica no que respeita à injunção de recuperação, e, o terceiro, à violação dos princípios gerais aplicáveis à recuperação dos auxílios, devido ao método de cálculo do montante do auxílio incompatível, estabelecido na decisão impugnada.

 Quanto à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE

69      No âmbito do primeiro fundamento, o Reino de Espanha alega, baseando‑se no acórdão proferido em sede de recurso, que um dos requisitos relativos à existência de um auxílio estatal não está preenchido, pois, independentemente da questão de saber se o SAF é considerado no seu conjunto ou se as medidas são consideradas individualmente, não havia seletividade, qualquer que seja o método de análise utilizado.

70      No que diz respeito ao método relativo à disponibilidade geral, o Reino de Espanha sustenta que, segundo a jurisprudência, o facto de apenas os contribuintes que cumpram os requisitos de aplicação de uma medida poderem beneficiar dela não pode, por si só, conferir um caráter seletivo a essa medida (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 59). A este respeito, o Reino de Espanha sublinha que a jurisprudência contém exemplos em que se considerou que um benefício fiscal aplicável apenas aos ativos adquiridos ao abrigo de um contrato de locação financeira era uma medida geral (Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Netherlands Maritime Technology Association/Conselho, T‑140/13, não publicado, EU:T:2014:1029).

71      No que diz respeito ao método relativo ao sistema de referência, o Reino de Espanha afirma que a Comissão deveria ter começado por identificar o regime fiscal comum e seguidamente demonstrar que a medida em causa constituía uma exceção à medida aplicável a operadores económicos numa situação jurídica e factual comparável. A Este respeito, o Reino de Espanha alega que a Comissão nem sequer identificou o sistema de referência no caso vertente. De qualquer modo, segundo o Reino de Espanha, não existe seletividade à luz de um sistema de referência.

72      Quanto à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Lico e a Pymar recordam, baseando‑se no acórdão proferido em sede de recurso, que é necessário um exame em três etapas para qualificar uma medida fiscal de seletiva: primeiro, há que identificar e analisar o regime fiscal comum do Estado‑Membro para determinar um sistema de referência; segundo, há que apreciar se a medida apresenta caráter seletivo verificando se derroga o regime comum ao introduzir diferenciações entre operadores numa situação factual e jurídica comparável; terceiro, há que examinar se o Estado‑Membro estabeleceu que a medida se justificava pela natureza ou a economia do sistema em que se inscrevia. Por conseguinte, há que examinar se a Comissão satisfez estas exigências no que diz respeito aos AIE. Segundo a Lico e a PYMAR, quer seja sob a perspetiva de um exame individual das medidas ou de uma visão de conjunto do SAF, não existe nenhuma análise do sistema de referência, da alegada derrogação ao sistema de referência, dos operadores numa situação factual e jurídica comparável, da diferenciação introduzida entre esses operadores nem da inexistência de uma justificação baseada no objetivo prosseguido pelo regime fiscal.

73      Para começar, a Lico e a PYMAR sustentam que uma simples estratégia de otimização fiscal decidida pelos contribuintes não pode, enquanto tal, ser considerada um auxílio estatal. Com efeito, a redução da tributação era obtida na sequência da decisão dos operadores privados de combinarem e aplicarem as regras fiscais de forma eficaz. Segundo elas, as estratégias de otimização fiscal das empresas não constituem auxílios estatais a menos que resultem de derrogações previstas na ordem jurídica nacional ou decorram da prática das autoridades fiscais, criando uma discriminação entre operadores que, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal de referência, se encontrem na mesma situação jurídica e factual.

74      No que respeita à análise individual das medidas, a Lico e a PYMAR afirmam, nomeadamente, que amortização antecipada dos contratos de locação financeira podia ser aplicada por todos os sujeitos passivos do imposto sobre as sociedades, e não apenas pelos AIE. Além disso, observam que a medida era aplicável a todos os ativos que preenchessem certas condições objetivas. Por outro lado, segundo elas, embora a medida estivesse sujeita a autorização, esta era concedida com base em critérios objetivos e não discricionários.

75      Quanto à apreciação de conjunto das medidas, a Lico e a PYMAR sustentam que, embora a combinação das medidas que a Comissão chama de SAF se aplicasse apenas aos navios, e não a outros ativos, não se pode deduzir daí que o SAF era seletivo. A este respeito, a Lico e a PYMAR salientam que, segundo a jurisprudência, uma medida de que beneficia apenas um setor de atividade ou uma parte das empresas desse setor não é necessariamente seletiva. (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 58). Por conseguinte, contrariamente ao que a Comissão sustenta, não basta que as medidas em causa beneficiem a aquisição de navios mediante contratos de locação financeira, com vista ao seu fretamento em casco nu e posterior revenda.

76      Além disso, a Lico e a PYMAR sustentam que a decisão impugnada não fez prova bastante de que o auxílio alegadamente concedido falseasse a concorrência e afetasse as trocas comerciais entre Estados‑Membros. Em particular, a Lico e a PYMAR sustentam que, tendo em conta o facto de que os AIE eram simples intermediários financeiros que não desenvolviam nenhuma atividade real no setor do transporte marítimo, não se pode afirmar que operavam no mercado da aquisição e da venda de navios com vista ao seu fretamento em casco nu. Por conseguinte, o auxílio não podia falsear a concorrência e afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros nesse mercado.

77      Nas suas observações sobre o seguimento da tramitação no processo T‑719/13 RENV, primeiro, a Bankia e o. contestam a alegada seletividade das medidas em razão do poder discricionário da administração para autorizar o SAF, porquanto, segundo elas, esse poder estava limitado por critérios objetivos. Além disso, alegam que se trata dos mesmos critérios que os que a Comissão tinha considerado «objetivos» quando concluiu que o «novo SAF», examinado na sua Decisão C(2012) 8252 final, de 20 de novembro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.34736 (2012/N) — Espanha — Amortização antecipada de certos bens adquiridos em locação financeira (JO 2012, C 384, p. 2; a seguir «Decisão sobre o novo SAF»), não era seletivo. Esta apreciação tinha sido confirmada pelo Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Netherlands Maritime Technology Association/Comissão (T‑140/13, não publicado, EU:T:2014:1029). Acrescentam que, tendo em conta que a administração fiscal nunca indeferiu um pedido de autorização, não existe nenhuma diferença, na prática, entre a autorização no SAF original e a comunicação prevista no âmbito do novo SAF.

78      Segundo, a Bankia e o. alegam, baseando‑se no acórdão proferido em sede de recurso, que se deve examinar a seletividade em relação, por um lado, aos AIE, e, por outro, a outras empresas numa situação semelhante, quer do ponto de vista factual quer do ponto de vista jurídico, à luz do objetivo prosseguido pelo legislador. Tendo em conta os princípios enunciados no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), a Bankia e o. sustentam que a Comissão nunca demonstrou que as medidas introduziam diferenças entre operadores económicos numa situação factual e jurídica comparável. Com efeito, a decisão impugnada limitava‑se a afirmar a seletividade setorial das medidas pelo simples motivo de os seus beneficiários operarem num certo domínio de atividade, a saber, a aquisição de navios de mar mediante contratos de locação financeira, o fretamento em casco nu e a revenda desses navios. Todavia, a decisão impugnada não definia o sistema de referência nem identificava o objetivo prosseguido pelo regime.

79      A Comissão pede que os argumentos relativos à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE sejam rejeitados. Considera que as medidas são seletivas, quer o SAF seja considerado no seu conjunto quer as medidas sejam consideradas individualmente.

80      Segundo jurisprudência constante, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes pressupostos. Primeiro, tem que ser uma intervenção do Estado ou com recursos de Estado. Segundo, a intervenção tem que ser suscetível de afetar as trocas entre os Estados‑Membros. Terceiro, tem que dar uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, tem que falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão proferido em sede de recurso, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

81      Quanto ao pressuposto da existência de uma vantagem seletiva, são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, qualquer que seja a forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas vantagens económicas que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado. Assim, são consideradas auxílios, nomeadamente, as intervenções que, sob formas diversas, aliviam o orçamento da empresa e que, por isso, sem ser subvenções no sentido estrito do termo, têm a mesma natureza e têm efeitos idênticos. O artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue consoante as causas e os objetivos das intervenções estatais, mas define‑as em função dos seus efeitos e, portanto, independentemente das técnicas utilizadas (v. acórdão proferido em sede de recurso, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

82      Em particular, quando as medidas nacionais confiram uma vantagem fiscal, cabe recordar que uma medida dessa natureza que, apesar de não implicar uma transferência de recursos de Estado, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que os outros contribuintes, é suscetível de conferir uma vantagem seletiva aos beneficiários, constituindo, assim, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui auxílio, na aceção dessa disposição, uma vantagem fiscal resultante de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos. Do mesmo modo, o conceito de «auxílio de Estado» não visa as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas e que são, portanto, seletivas a priori, quando essa diferenciação resulte da natureza ou da estrutura do sistema em que se inserem (v. acórdão proferido em sede de recurso, n.o 37 e jurisprudência aí referida).

83      Neste contexto, para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável O conceito de «auxílio de Estado» não abrange, porém, as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável, e que, por conseguinte, são, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que essa diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57 e 58).

84      Além disso, cabe recordar que o facto de apenas os contribuintes que cumpram os requisitos de aplicação de uma medida poderem beneficiar dela não pode, por si só, conferir um caráter seletivo a essa medida (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 59).

85      É à luz destas considerações que se deve examinar, no caso vertente, a seletividade do SAF em relação aos AIE.

86      No que respeita à seletividade do SAF no seu conjunto, importa sublinhar que o Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR sustentam que a Comissão não identificou o sistema de referência nem demonstrou que o SAF derrogava o regime geral ao introduzir diferenciações entre os operadores numa situação factual e jurídica comparável.

87      Refira‑se que a decisão impugnada não procede, pelo menos explicitamente, à análise em três etapas evocada no n.o 83, supra. Todavia, no considerando 156 da decisão impugnada, a Comissão indicou que o SAF era seletivo no seu conjunto, por um lado, em razão do poder discricionário da administração fiscal para conceder a autorização obrigatória para efeitos de amortização antecipada com base em condições que eram imprecisas, e, por outro, pelo facto de a administração fiscal apenas autorizar operações do SAF destinadas a financiar navios de mar. Na audiência, a Comissão alegou que a existência de um poder discricionário da administração fiscal para conceder a sua autorização era suficiente, em si mesma, para tornar o SAF seletivo no seu conjunto.

88      Quanto à questão do poder discricionário da administração fiscal, cabe recordar que a presença de um sistema de autorização não implica, em si mesmo, uma medida seletiva. É o que acontece se o poder de apreciação da autoridade competente estiver limitado à verificação das condições criadas para servir um objetivo fiscal identificável e se os critérios a aplicar por esta autoridade forem inerentes à natureza do regime fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.os 23 e 24). Em contrapartida, não se pode considerar que um poder discricionário que permite à autoridade competente adaptar a intervenção em função de diversas considerações, como a escolha dos beneficiários, o montante da intervenção ou as condições da medida concedida, tenha caráter geral (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de setembro de 1996, França/Comissão, C‑241/94, EU:C:1996:353, n.o 23; e de 29 de junho de 1999, DM Transport, C‑256/97, EU:C:1999:332, n.o 27). Por conseguinte, se as autoridades competentes dispuserem de um poder discricionário alargado para determinar os beneficiários e as condições da medida concedida, deve considerar‑se que o exercício desse poder favorece certas empresas em detrimento de outras que se encontram numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.o 27; em sede de recurso, n.o 55; e de 20 de setembro de 2019, Port autonome du Centre et de l’Ouest e o./Comissão, T‑673/17, não publicado, EU:T:2019:643, n.o 188). Além disso, mesmo nas situações em que o regime de auxílios tenha sido executado através de decisões individuais que envolvem um poder discricionário, a Comissão não está por esse motivo obrigada a proceder a um exame individual se as condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE estiverem reunidas (Acórdão de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão, T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537, n.o 97)

89      No caso vertente, tal como a Comissão salienta, decorre do artigo 115.o da Lei do Imposto sobre as Sociedades e do artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades que o sistema em causa assentava na obtenção de uma autorização prévia, mais do que numa simples notificação, baseada em critérios vagos que requeriam uma interpretação por parte da administração fiscal, que não tinha publicado orientações.

90      Desde logo, segundo o artigo 115.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades, o montante dedutível é determinado «no momento a partir do qual o bem entra em funcionamento».

91      Todavia, o artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades dispõe o seguinte:

«O Ministério da Economia pode fixar, segundo o procedimento regulamentar estabelecido, o momento a que se refere o n.o 6 do presente artigo, em função das características específicas do período de contratação ou de construção do bem, assim como as particularidades da sua utilização económica […]»

92      O artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades estabelece o procedimento regulamentar aplicável. Em particular, este artigo estabelece que o procedimento começa pela apresentação, pelo sujeito passivo, de um pedido que deve conter, pelo menos, as seguintes informações: a identificação do bem, o momento anterior à entrada em funcionamento a partir do qual as deduções são pedidas, as justificações relativas às especificidades do período de contratação ou de construção do bem e as justificações relativas às especificidades da utilização económica do bem. A direção das finanças responsável por esses procedimentos dentro do Ministério da Economia pode solicitar todas as informações e documentos necessários. No termo do procedimento, a direção de finanças pode deferir ou indeferir o pedido ou fixar a data de início da amortização antecipada numa data diferente da que foi proposta pelo sujeito passivo.

93      Decorre das considerações anteriores que o artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades introduzia critérios vagos que não podiam ser considerados objetivos, como salientou acertadamente a Comissão no considerando 133 da decisão impugnada. Em particular, decorre do artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades que a administração fiscal podia fixar a data do início da amortização tendo em conta as «características específicas do período de contratação» ou as «particularidades da sua utilização [do bem]», que constituíam critérios vagos por natureza e cuja interpretação atribuía uma importante margem de discrição à administração fiscal, como salientou a Comissão no considerando 133 da decisão impugnada.

94      Como decorre do considerando 136 da decisão impugnada, o artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades conferia igualmente uma margem de discrição significativa à administração fiscal. Por um lado, a faculdade da administração fiscal de solicitar todas as informações e todos os documentos que considerava pertinentes, conjugada com a natureza vaga dos critérios, que concedia assim à administração fiscal uma margem de apreciação importante quanto à natureza das informações e dos documentos suscetíveis de ser solicitados, explicava o facto de os dossiês de pedido conterem documentos que detalhavam as consequências positivas, para a economia e o emprego em Espanha, geradas pelos contratos de construção dos navios. Como salientou a Comissão no considerando 136 da decisão impugnada, estas considerações não tinham nenhuma relação óbvia com o cumprimento dos critérios previstos no artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades. Por outro lado, como sublinha a Comissão nos seus articulados, decorre do artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades que a administração fiscal podia não só conceder ou recursar a autorização, mas também fixar o início da amortização numa data diferente da proposta pelo sujeito passivo, sem outra explicação.

95      Além disso, o sistema de autorização prévia, conjugado com a natureza vaga dos critérios previstos, em vez de uma verificação a posteriori com base em critérios objetivos, reforçava o caráter discricionário do sistema, como salientou a justo título a Comissão no considerando 133 da decisão impugnada.

96      Embora o Reino de Espanha tenha sustentado, na audiência, que a administração fiscal não dispunha de nenhuma margem de discrição para a verificação das condições estabelecidas no artigo 115.o da Lei do Imposto sobre as Sociedades e no artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades, o exame destas disposições contrariam essa tese, como decorre dos n.os 89 a 95, supra.

97      Além disso, a Lico e a PYMAR alegaram, na audiência, que a disposição prevista no artigo 49.o, n.o 6, do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades visava apenas prevenir a fraude, evitando que a amortização tivesse lugar antes da construção do bem. A este respeito, cabe sublinhar que, segundo o considerando 133 da decisão impugnada, o Reino de Espanha não demonstrou durante o procedimento administrativo que o enunciado do artigo 49.o do Regulamento do Imposto e as condições por ele impostas fossem necessários para evitar os abusos. Contrariamente ao que alegam a Lico e a PYMAR, basta salientar que, ao permitir à administração fiscal fixar o início da amortização numa data diferente da proposta pelo sujeito passivo, sem outra explicação, o enunciado do artigo 49.o, n.o 6, do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades não permite assegurar que a sua utilização se circunscreva unicamente a situações de combate à fraude.

98      Deve também rejeitar‑se o argumento apresentado pela Bankia e o. segundo o qual os critérios em causa eram idênticos aos que tinham sido considerados objetivos pela Comissão na decisão sobre o novo SAF. Ao invés daquilo que alegam a Bankia e o., decorre da leitura da decisão sobre o novo SAF que o Reino de Espanha alterou significativamente o regime em questão. Em particular, as medidas notificadas previam alterações significativas do artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades bem como a revogação do artigo 49.o do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades. Com a nova redação do artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades, o Reino de Espanha procurava instaurar um sistema de notificação pelo sujeito passivo, em vez de um sistema de autorização prévia, nos termos do qual o sujeito passivo podia determinar que a amortização antecipada começava na data do início da construção do bem, sob reserva do preenchimento de três requisitos: primeiro, os pagamentos regulares a título da locação financeira deviam ser efetuados em larga medida antes do fim da construção do bem, segundo, o período de construção devia ser, pelo menos, de doze meses, e, terceiro, devia tratar‑se de bens que não eram construídos em série. À luz destas considerações, a Comissão concluiu, nos considerandos 34 a 36 da decisão sobre o novo SAF, que o regime já não conferia um poder discricionário à administração fiscal. Impõe‑se referir que as características desse novo regime, acima descritas, são muito diferentes das do regime examinado pela decisão impugnada.

99      Por outro lado, diversamente do que sugerem a Bankia e o., esta constatação é confirmada pelo Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Netherlands Maritime Technology Association/Comissão (T‑140/13, não publicado, EU:T:2014:1029), relativo à decisão sobre o novo SAF. Com efeito, esse acórdão confirma que a nova versão do artigo 115.o, n.o 11, da Lei do Imposto sobre as Sociedades difere significativamente da versão desta disposição em vigor no presente caso (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Netherlands Maritime Technology Association/Comissão, T‑140/13, não publicado, EU:T:2014:1029, n.os 81 a 83 e 93). Por conseguinte, o argumento da Bankia e o. não pode ser acolhido.

100    Conclui‑se que a existência destes aspetos discricionários era suscetível de favorecer os beneficiários em relação a outros sujeitos passivos numa situação factual e jurídica comparável. Em particular, decorre desses aspetos discricionários que outros AIE podem não ter beneficiado da amortização antecipada nas mesmas condições. De igual modo, em razão dos referidos aspetos discricionários, outras empresas que operavam noutros setores ou que tinham outra forma, mas se encontravam numa situação factual e jurídica comparável, podem não ter beneficiado necessariamente dessa amortização nas mesmas condições. Atendendo ao caráter discricionário de jure das disposições mencionadas no n.o 89, supra, pouco importa que a sua aplicação tenha sido discricionária ou não de facto, o que o Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR contestam quando argumentam que a autorização foi concedida, na prática, a todos os AIE do setor em causa que a tinham solicitado.

101    Como alega a Comissão, visto que uma das medidas que permitiam beneficiar do SAF no seu conjunto era seletiva, a saber, a autorização da amortização antecipada, não cometeu nenhum erro ao considerar, na decisão impugnada, que o sistema era seletivo no seu conjunto.

102    Perante as considerações anteriores, há que rejeitar a alegação relativa à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE na medida em que respeita à seletividade das medidas, sem que seja necessário examinar os outros argumentos aduzidos pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR.

103    Quanto aos argumentos da Lico e da PYMAR sobre as condições relativas ao risco de distorção da concorrência e à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros, na medida em que estes argumentos podem ser interpretados no sentido de que visam pôr em causa o mérito das apreciações da Comissão, há que sublinhar que, no considerando 172 da decisão impugnada, a Comissão entendeu que os AIE operavam no mercado da aquisição e da venda de navios, nomeadamente com vista ao seu fretamento em casco nu, que estava aberto ao comércio entre Estados‑Membros. Além disso, de acordo com esse mesmo considerando, os investidores nos AIE operam em todos os setores da economia, incluindo em setores abertos ao comércio entre Estados‑Membros. O mesmo considerando da decisão impugnada acrescenta que as vantagens derivadas do SAF reforçam «a sua posição nos respetivos mercados», o que falseia ou ameaça falsear a concorrência.

104    Para efeitos da qualificação de uma medida nacional como auxílio de Estado, há que examinar se o auxílio é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência. Em especial, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, deve entender‑se essas trocas são influenciadas pelo auxílio (Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8, n.os 140 e 141).

105    A esse respeito, há que lembrar que, segundo o n.o 42 do acórdão proferido em sede de recurso, a decisão impugnada concluiu acertadamente que os AIE operavam no mercado da aquisição e da venda de navios, nomeadamente com vista ao seu fretamento em casco nu. Embora as considerações expostas na decisão impugnada sobre esta questão sejam sucintas, deve salientar‑se que este mercado está incontestavelmente aberto ao comércio entre Estados‑Membros, o que é confirmado pela presença de clientes noutros Estados‑Membros, como resulta, por exemplo, do anexo 4 da petição no processo T‑719/13, relativo a um navio encomendado por uma companhia de navegação estabelecida noutro Estado do Espaço Económico Europeu (EEE). Por conseguinte, deve considerar‑se que a condição relativa à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros está preenchida no caso em apreço.

106    Quanto ao risco de falsear a concorrência, não se pode negar que uma redução de 20 % a 30 % do preço de um navio, tendo em conta o montante elevado que isso pode representar, ameaça pelo menos falsear a concorrência no mercado da aquisição e da venda de navios, nomeadamente com vista ao seu fretamento em casco nu, no qual operam os AIE.

107    Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos da Lico e da PYMAR relativos ao risco de falsear a concorrência e à afetação do comércio entre Estados‑Membros.

108    Atendendo às considerações anteriores, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

 Quanto à violação do dever de fundamentação

109    Nos seus articulados em primeira instância no processo T‑515/13, mas também nas suas observações na sequência do acórdão proferido em sede de recurso, o Reino de Espanha alega que a decisão impugnada não cumpre os requisitos do dever de fundamentação, nomeadamente no que respeita à alegada seletividade das medidas e à distorção da concorrência.

110    Do mesmo modo, a Lico e a PYMAR alegam, tanto nos seus articulados em primeira instância no processo T‑719/13 como nas suas observações na sequência do acórdão proferido em segunda instância, que a decisão impugnada deve ser anulada devido a várias faltas de fundamentação.

111    Primeiro, a Lico e a PYMAR invocam uma falta de fundamentação no que respeita à conclusão de que era concedido um auxílio aos AIE, mas não às companhias de navegação, quando, em ambos os casos, se tratava de transações entre operadores privados. Na sua opinião, a decisão impugnada não explica por que razão a vantagem obtida pelos AIE pela sua intermediação no SAF constitui um auxílio de Estado, quando participam simplesmente na vantagem obtida pelas companhias de navegação, que não é considerada um auxílio.

112    Segundo, a decisão impugnada peca por falta de fundamentação relativamente às razões pelas quais a ordem de recuperação visa os investidores nos AIE, quando os beneficiários do auxílio eram os AIE. A este respeito, a Lico e a PYMAR referem que a alegada unidade económica entre os investidores e os AIE, invocada pela Comissão no âmbito do recurso para Tribunal de Justiça, não foi acolhida por este último.

113    Além disso, a Lico e a PYMAR criticam a falta de fundamentação da ordem de recuperação, junto dos investidores, da totalidade do benefício fiscal concedido, quando a própria decisão impugnada reconhece que uma parte da referida vantagem tinha sido transferida para as companhias de navegação.

114    Por outro lado, a Lico e a PYMAR alegam que é artificial elaborar um cenário fictício calculando a proporção em que a vantagem obtida pela companhia de navegação seria compatível se constituísse um auxílio de Estado, para se considerar compatível a vantagem obtida pelos AIE. Por outro lado, é contraditório que a Comissão aplique, mesmo mutatis mutandis, as Orientações sobre transportes marítimos aos AIE, quando os considera simples intermediários financeiros, e não entidades que exercem uma atividade de transporte marítimo.

115    Como resulta das suas observações na sequência do acórdão proferido em sede de recurso, a Bankia e o. entendem que a decisão impugnada peca por falta de fundamentação no que respeita à seletividade das medidas. Com efeito, segundo elas, a decisão impugnada nem sequer tentou demonstrar que as medidas em causa introduziam, pelos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores que se encontravam, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal, numa situação factual e jurídica comparável, como é exigido pelo acórdão proferido em sede de recurso.

116    Quanto à Aluminios Cortizo, resulta das suas observações na sequência do acórdão proferido em sede de recurso que subscreve igualmente a alegação relativa à insuficiência de fundamentação da decisão impugnada no que respeita, nomeadamente, ao facto de a ordem de recuperação da totalidade do auxílio visar exclusivamente os investidores, quando a decisão impugnada reconhece que 85 % a 90 % da vantagem era transferida para as companhias de navegação. A Aluminios Cortizo acrescenta que a decisão impugnada está igualmente insuficientemente fundamentada no que respeita à afirmação de que não era possível quantificar a vantagem alegadamente concedida aos estaleiros navais.

117    A Comissão pede que as alegações do Reino de Espanha, da Lico, da PYMAR bem como das intervenientes, a Bankia e o. e a Aluminios Cortizo, sejam rejeitadas.

118    Por força do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, os atos jurídicos devem ser fundamentados. Acresce que, nos termos do artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito a uma boa administração compreende a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

119    Segundo jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que é adotado. A fundamentação deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, de maneira a permitir, por um lado, ao juiz da União exercer a sua fiscalização de legalidade, e, por outro, aos interessados, conhecerem as justificações da medida adotada, a fim de poder defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não correta (v. Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 278 e jurisprudência aí referida).

120    Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser apreciada não somente tendo em conta o seu teor, mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 279).

121    Em especial, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados, bastando‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 280).

122    Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, uma falta ou uma insuficiência de fundamentação que entravem a fiscalização jurisdicional constituem fundamentos de ordem pública que podem, e devem mesmo, ser suscitados oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 20 de fevereiro de 1997, Comissão/Daffix, C‑166/95 P, EU:C:1997:73, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

123    É à luz destas considerações que se deve examinar o fundamento invocado pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR.

124    Cabe salientar que, no n.o 101 do acórdão proferido em sede de recurso, o Tribunal de Justiça declarou que a Comissão tinha fornecido, na decisão impugnada, as indicações que permitiam compreender as razões pelas quais considerou que as vantagens resultantes das medidas fiscais em causa tinham caráter seletivo e eram suscetíveis de afetar as trocas entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência, e que, perante as circunstâncias específicas do presente processo, tinha fundamentado suficientemente essa decisão e sem qualquer contradição a esse respeito, respeitando os requisitos do artigo 296.o TFUE, conforme precisados pela jurisprudência.

125    Não obstante, o Reino de Espanha, a Lico, a PYMAR e as intervenientes alegam que a decisão impugnada enferma de uma série de faltas de fundamentação que ainda não foram examinadas pelo juiz da União.

126    Primeiro, no que toca à seletividade, a Comissão é acusada de não ter identificado o sistema de referência para efeitos da análise da seletividade das medidas fiscais em causa, segundo a jurisprudência citada no n.o 83, supra. A este respeito, basta constatar que, no considerando 156, lido em conjugação com os considerandos 132 a 139 da decisão impugnada, a Comissão explica suficientemente as razões pelas quais o SAF é seletivo tendo em conta, nomeadamente, os poderes discricionários da administração fiscal para conceder a autorização para efeitos da amortização antecipada com base em critérios vagos, como foi exposto nos n.os 88 a 102, supra.

127    Segundo, quanto à alegada falta de fundamentação relativa à conclusão de que era concedido um auxílio aos AIE, mas não às companhias de navegação, basta observar, independentemente do mérito dessa apreciação, que a Comissão explicou, nos considerandos 169 e 170 da decisão impugnada, que essa conclusão se baseava na consideração de que o auxílio aos AIE, concedido sob a forma de benefícios fiscais, era diretamente imputável ao Estado, quando as normas aplicáveis não obrigavam a transferir uma parte do benefício para as companhias de navegação.

128    Terceiro, quanto à alegada falta de fundamentação das razões pelas quais a ordem de recuperação visava os investidores nos AIE, apesar de os beneficiários do auxílio serem precisamente os AIE, resulta do considerando 161 da decisão impugnada que a Comissão concluiu que a vantagem beneficiava os AIE e, devido à sua transparência, os seus investidores. Segundo esse mesmo considerando, os AIE são transparentes do ponto de vista fiscal e as suas despesas dedutíveis são, por conseguinte, automaticamente transferidas para os seus investidores.

129    Além disso, sem prejuízo da apreciação do mérito da ordem de recuperação da totalidade do auxílio junto dos investidores apesar da constatação de que 85 % a 90 % da vantagem tinha sido transferida para as companhias de navegação, há que salientar que, segundo os considerandos 169 e 170 da decisão impugnada, essa decisão resulta da conclusão segundo a qual as regras aplicáveis não obrigavam os AIE e os investidores a transferir uma parte da vantagem para outros operadores, como as companhias de navegação.

130    No que respeita ao alegado caráter artificial ou contraditório da aplicação das Orientações sobre transportes marítimos aos AIE, basta referir que a decisão impugnada indicou, no considerando 201, que era adequado aplicar aquelas orientações, por analogia, o que satisfaz as exigências do dever de fundamentação.

131    Quarto, o argumento da Aluminios Cortizo quanto à insuficiência da fundamentação no que respeita à afirmação que figura na nota de rodapé n.o 102 da decisão impugnada (correspondente à nota de rodapé n.o 101 da versão publicada no Jornal Oficial da União Europeia), segundo a qual não era possível quantificar a vantagem alegadamente concedida aos estaleiros navais, assenta numa leitura errada da decisão impugnada. Com efeito, resulta dos considerandos 169 e 170 da decisão impugnada que a Comissão tinha considerado que não havia um auxílio a favor dos estaleiros navais porque as regras aplicáveis não obrigavam a transferir uma parte da vantagem para os estaleiros navais, e não porque fosse impossível quantificar a vantagem concedida aos estaleiros. Na nota de rodapé em questão, a Comissão limitou‑se a recordar que os estaleiros navais não eram, portanto, beneficiários do auxílio, que não era possível quantificar um fluxo económico a seu favor e que, por conseguinte, não havia que examinar a compatibilidade do auxílio à luz das regras aplicáveis ao setor da construção naval.

132    Perante as considerações anteriores, e sem que seja necessário decidir sobre as objeções suscitadas pela Comissão relativamente ao interesse da Lico e da PYMAR em contestarem uma parte da fundamentação da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2014, DTS Distribuidora de Televisión Digital/Comissão, T‑533/10, EU:T:2014:629, n.o 170), o fundamento relativo a uma falta de fundamentação deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

133    No âmbito do fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, invocado pelo Reino de Espanha na sua petição no processo T‑515/13, este alega que a Comissão não ordenou a recuperação do auxílio em dois processos anteriores semelhantes, a saber, na Decisão da Comissão, de 8 de maio de 2001, relativa ao auxílio estatal executado pela França a favor da empresa «Bretagne Angleterre Irlande» («BAI» ou «Brittany Ferries») (JO 2002, L 12, p. 33; a seguir «decisão Brittany Ferries»), e na decisão sobre os AIE franceses.

134    O Reino de Espanha refere a este respeito que, na decisão impugnada, a Comissão indicou que o regime dos AIE fiscais franceses era comparável ao SAF, porque «partilham[vam] um certo número de características fundamentais e [tinham] efeitos similares». As únicas diferenças salientadas era a existência de uma isenção expressa no regime francês, ao passo que o regime espanhol resultava da aplicação de diversas disposições, o facto de a República Francesa ter informado a Comissão antes de aplicar o regime, embora não o tivesse notificado, e a circunstância de a Comissão nunca se ter pronunciado sobre esse tipo de regime. Estas alegadas diferenças são, no entanto, inoperantes.

135    Primeiro, o Reino de Espanha considera que a existência de uma isenção expressa na decisão sobre os AIE fiscais franceses não pode ser determinante, uma vez que a isenção espanhola se baseia essencialmente no regime do imposto sobre a arqueação previsto na Lei do Imposto sobre as Sociedades, que não pode ser derrogada ou que não pode ser alterada por uma norma hierarquicamente inferior como o artigo 50.o, n.o 3, do Regulamento do Imposto sobre as Sociedades.

136    Segundo, o facto de as autoridades francesas terem levado esse regime ao conhecimento da Comissão é irrelevante, uma vez que a carta em que se referia esse mecanismo não constituía uma notificação. O Reino de Espanha salienta, além disso, que também ele enviou cartas a fim de clarificar certas questões na sequência de uma denúncia apresentada à Comissão.

137    Terceiro, o Reino de Espanha sustenta que o facto de, no momento da abertura do inquérito formal sobre o SAF, a Comissão já se ter pronunciado sobre os AIE fiscais franceses é igualmente irrelevante, devido às diferenças entre esses dois regimes. Por conseguinte, uma vez que as incertezas causadas pela Comissão, nomeadamente em razão da decisão Brittany Ferries, permanecem, o Reino de Espanha alega que a recuperação dos auxílios não deveria ter sido imposta, por força do princípio da igualdade de tratamento.

138    A Comissão pede que os argumentos apresentados pelo Reino de Espanha sejam rejeitados.

139    Segundo a jurisprudência, o princípio geral da igualdade de tratamento, como princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento se justifique objetivamente (Acórdão de 8 de abril de 2014, ABN Amro Group/Comissão, T‑319/11, EU:T:2014:186, n.o 110). Além disso, o ónus da prova do caráter comparável das situações incumbe a quem o invoca (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2014, ABN Amro Group/Comissão, T‑319/11, EU:T:2014:186, n.o 114).

140    Primeiro, no que respeita ao argumento relativo à decisão Brittany Ferries, há que sublinhar que o Reino de Espanha se limita a invocar esta decisão sem, no entanto, explicar de forma circunstanciada as razões pelas quais as situações em causa são comparáveis. Por outro lado, resulta do considerando 251 da decisão impugnada e do considerando 193 da decisão Brittany Ferries que a Comissão salientou nesta última decisão que os benefícios fiscais em causa que resultavam da constituição dos AIE eram medidas de caráter geral, e não constituíam, portanto, auxílios de Estado. Por conseguinte, contrariamente ao que é sugerido pelo Reino de Espanha, a Comissão não renunciou a ordenar a recuperação do auxílio na decisão Brittany Ferries ao passo que ordenou a recuperação no caso em apreço. Na realidade, a Comissão chegou a conclusões diferentes, tendo considerado que os benefícios fiscais resultantes dos AIE não constituíam auxílios de Estado na decisão Brittany Ferries, ao passo o SAF constituía um auxílio de Estado segundo a decisão impugnada.

141    A este respeito, cabe recordar que, segundo a jurisprudência, uma parte recorrente não se pode apoiar, para sustentar o seu argumento, numa prática decisória anterior da Comissão, mesmo admitindo que esteja demonstrada, que é contrária à correta interpretação das disposições do Tratado (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Freistaat Sachsen e o./Comissão, C‑57/00 P e C‑61/00 P, EU:C:2003:510, n.os 52 e 53; e de 12 de setembro de 2013, Alemanha/Comissão, T‑347/09, não publicado, EU:T:2013:418, n.o 51). Por conseguinte, em todo o caso, independentemente das diferenças entre os regimes em causa na decisão Brittany Ferries e na decisão impugnada, o Reino de Espanha não pode invocar uma eventual alteração da prática da Comissão em apoio do presente fundamento.

142    Segundo, de acordo com o considerando 214 da decisão impugnada, o regime dos AIE fiscais franceses pode decerto ser comparado com o SAF em vários aspetos, nomeadamente em razão da intermediação de um AIE fiscalmente transparente e de investidores entre o construtor de um ativo e o seu comprador, da celebração de um contrato de locação financeira, da amortização acelerada e antecipada do ativo pelo AIE, da isenção das mais‑valias resultante da venda do ativo de imposto sobre as sociedades e da transferência de uma parte das vantagens pelo AIE e os seus investidores para o comprador ativo. Todavia, nos considerandos 214 e 215 da decisão impugnada, a Comissão acrescentou que existiam igualmente certas diferenças, a saber, o facto de, no regime dos AIE fiscais franceses, a isenção das mais‑valias ser explícita, ao passo que, no SAF, essa isenção resultava da aplicação conjunta de várias disposições, o facto de a República Francesa ter informado a Comissão do regime, mesmo que não o tivesse notificado, e o facto de, no momento da decisão impugnada, a Comissão já se ter pronunciado sobre um regime semelhante, nomeadamente o regime dos AIE fiscais franceses.

143    Refira‑se que a argumentação do Reino de Espanha é em certa medida contraditória visto que, por um lado, contesta a existência ou o caráter significativo das alegadas diferenças entre o regime dos AIE fiscais franceses e o SAF, e, por outro, afirma que a Comissão não se podia basear no facto de que, no momento da adoção da decisão impugnada, já se tinha pronunciado sobre um regime semelhante, a saber, o dos AIE fiscais franceses, pois esses regimes eram demasiado diferentes.

144    A este respeito, basta observar que, tendo em conta a existência de semelhanças significativas entre o regime dos AIE fiscais franceses e o SAF, identificadas no considerando 214 da decisão impugnada, a Comissão limitou a obrigação de recuperação na decisão sobre os AIE fiscais franceses e também no caso em apreço, e isso nomeadamente devido às incertezas suscitadas pela sua decisão Brittany Ferries, que podia sugerir que esse tipo de medidas não eram auxílios de Estado devido ao seu caráter geral. Assim, deste ponto de vista, não há diferença de tratamento entre a situação relativa aos AIE fiscais franceses e o SAF.

145    É verdade que, enquanto, na decisão sobre os AIE fiscais franceses, a obrigação de recuperação começava apenas a partir da data de publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame, no caso vertente, a Comissão impôs essa obrigação a partir da data de publicação da sua própria decisão sobre os AIE fiscais franceses (anterior à da decisão de abertura do procedimento formal de exame que conduziu à adoção da decisão impugnada). Todavia, esta diferença de tratamento é objetivamente justificada pelo facto de a incerteza resultante da decisão Brittany Ferries, que explicava a não recuperação parcial, já não existir desde a publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses, como alega acertadamente a Comissão e será mais amplamente explicado nos n.os 191 a 206, infra.

146    Resulta de todas as considerações anteriores que o argumento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento em razão da decisão sobre os AIE fiscais franceses deve, portanto, ser rejeitado.

147    Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto à violação do princípio da proteção confiança legítima

148    No âmbito do processo T‑515/13, o Reino de Espanha invoca um fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, com vista a obter a anulação da ordem de recuperação do auxílio para o período até à publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame, a saber, 21 de setembro de 2011, quando a decisão impugnada ordenou a recuperação a partir da publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses, ou seja, 30 de abril de 2007.

149    O Reino de Espanha invoca uma série de elementos que fizeram nascer essa confiança legítima, a saber, a decisão Brittany Ferries, a decisão sobre os AIE fiscais franceses, um pedido de informações da Comissão às autoridades espanholas de 21 de dezembro de 2001, a Decisão 2005/122/CE da Comissão, de 30 de junho de 2004, relativa ao auxílio estatal que os Países Baixos tencionam conceder a quatro estaleiros navais para seis contratos de construção naval (JO 2005, L 39, p. 48; a seguir «decisão relativa aos estaleiros navais neerlandeses»), uma carta da comissária responsável pela Direção‑Geral (DG) «Concorrência», de 9 de março de 2009, a Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade direta das empresas (JO 1998, C 384, p. 3), e a Decisão da Comissão C(2002) 582 final, de 27 de fevereiro de 2002, relativa ao auxílio de Estado N 736/2001 executado por Espanha — Regime de tributação das companhias de navegação, com base na arqueação (imposto sobre a arqueação) (JO 2004, C 38, p. 5). Além disso, sustenta que esta foi a primeira vez que a Comissão analisou conjuntamente uma série de medidas distintas que não tinham sido concebidas como um regime pelo legislador nacional. Por último, o Reino de Espanha contesta o facto de a adoção da decisão sobre os AIE fiscais franceses ter posto termo à confiança legítima em que as medidas espanholas não constituíam um auxílio de Estado, uma vez que os dois regimes eram muito diferentes.

150    Na sua petição no processo T‑719/13, a Lico e a PYMAR invocam igualmente um fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, destinado a obter a anulação da ordem de recuperação do auxílio.

151    Primeiro, no que respeita aos atos que fizeram nascer uma confiança legítima, a Lico e a PYMAR baseiam‑se, nomeadamente, na decisão relativa aos estaleiros navais neerlandeses e na carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» de 9 de março de 2009.

152    Segundo, a Lico e a PYMAR acrescentam que os operadores não podiam prever a mudança na linha de conduta da Comissão, uma vez que a carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» indicava que a Comissão já tinha analisado o SAF e não previa medidas adicionais. Além disso, na decisão Brittany Ferries, a Comissão tinha concluído que um regime análogo ao SAF não constituía um auxílio de Estado.

153    Terceiro, a Lico e a PYMAR alegam que a decisão impugnada não identifica nenhum interesse superior da União que prevaleça sobre o interesse dos operadores afetados.

154    A Comissão pede que o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima seja julgado improcedente.

155    Cabe recordar, antes de mais, que uma confiança legítima na regularidade de um auxílio estatal só pode, em princípio e salvo circunstâncias excecionais, ser invocada se esse auxílio tiver sido concedido com observância do procedimento previsto no artigo 108.o TFUE (Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 134).

156    Assim, a jurisprudência não exclui a possibilidade de os beneficiários de um auxílio ilegal por não ter sido notificado invocarem circunstâncias excecionais que legitimamente geraram a sua confiança na regularidade desse auxílio, para se oporem ao respetivo reembolso (Acórdão de 9 de setembro de 2009, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑30/01 a T‑32/01 e T‑86/02 a T‑88/02, EU:T:2009:314, n.o 282).

157    Decorre da jurisprudência que o princípio da proteção da confiança legítima pode ser invocado quando estejam preenchidos três requisitos.

158    Primeiro, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima pertence a qualquer sujeito de direito na esfera do qual uma instituição da União, ao fornecer‑lhe garantias precisas, criou nele esperanças fundadas. Constituem garantias dessa natureza, qualquer que seja a forma como são comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes (Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.o 63). Além disso, essas garantias devem emanar de fontes autorizadas e fiáveis. Por outro lado, só as garantias que estejam em conformidade com normas aplicáveis podem criar uma confiança legítima (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel lett Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 77).

159    Segundo, quando um operador económico prudente e avisado estiver em condições de prever a adoção de uma medida suscetível de afetar os seus interesses, não pode, quando essa medida for tomada, invocar esse princípio (Acórdãos de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 147; e de 14 de outubro de 2010, Nuova Agricast e Cofra/Comissão, C‑67/09 P, EU:C:2010:607, n.o 71).

160    Terceiro, quando as instituições da União tenham criado uma situação suscetível de criar no particular uma confiança legítima, esta pode, não obstante, ser afastada se a instituição demonstrar que existe um interesse público superior que prevalece sobre os interesses privados afetados (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, EU:C:1990:259, n.os 16 e 19; de 17 de julho de 1997, Affish, C‑183/95, EU:C:1997:373, n.o 57; e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 164).

161    É à luz destes princípios que se deve examinar o caso em apreço.

162    Quanto ao primeiro requisito, é útil recordar que, nos considerandos 219 a 245 da decisão impugnada, a Comissão examinou uma série de elementos identificados pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR e concluiu que não davam lugar a qualquer confiança legítima. Por conseguinte, importa verificar se estes elementos constituem garantias precisas, incondicionais e concordantes.

163    Em primeiro lugar, cabe salientar que não se pode considerar que a decisão Brittany Ferries e a decisão sobre os AIE fiscais franceses fornecem garantias precisas, incondicionais e concordantes, uma vez que não mencionam direta ou indiretamente o SAF.

164    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento baseado no pedido de informações da Comissão às autoridades espanholas de 21 de dezembro de 2001, pois esse pedido e a eventual inação posterior da Comissão durante um certo período não constituem garantias precisas, incondicionais e concordantes quanto à legalidade do SAF. Com efeito, como refere o considerando 222 da decisão impugnada, nesse pedido de informações, a Comissão limitou‑se a solicitar elementos adicionais relativos à eventual existência de um regime de leasing fiscal aplicável aos navios em Espanha, a fim de poder examiná‑lo à luz das regras relativas aos auxílios de Estado. Por outro lado, a inação posterior da Comissão não é suscetível de constituir garantias precisas, incondicionais e concordantes, tendo em conta o conteúdo da resposta das autoridades espanholas. Com efeito, esta resposta é, no mínimo, equívoca, na medida em que as autoridades espanholas afirmaram que não existia qualquer regime de leasing fiscal para além do que já tinha sido aprovado pela Comissão numa decisão prévia.

165    Em terceiro lugar, o argumento baseado na Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade direta das empresas (v. n.o 149, supra), que indica que as regras de depreciação e de amortização não constituem auxílios estatais quando se aplicam indiferentemente a todas as empresas e a todas produções, não pode basear uma confiança legítima porquanto, como salienta o considerando 242 da decisão impugnada, o SAF não se aplica a todas as empresas nem a todas as produções.

166    Em quarto lugar, a Decisão C(2002) 582 final da Comissão, de 27 de fevereiro de 2002, relativa ao imposto sobre a arqueação (v. n.o 149, supra), que tinha declarado a compatibilidade desse regime, não pode dar lugar a uma confiança legítima, pois dizia respeito à exploração de navios próprios ou alugados, e não às atividades financeiras relativas ao fretamento em casco nu, como acontece no caso vertente e decorre, acertadamente, do considerando 245 da decisão impugnada.

167    Em quinto lugar, mesmo admitindo que foi a primeira vez que a Comissão analisou conjuntamente uma série de medidas distintas que não tinham sido concebidas como um regime pelo legislador nacional, o que a Comissão contesta, nem o Reino de Espanha nem os operadores económicos poderiam basear neste simples facto a existência de garantias precisas, incondicionais e concordantes de que o SAF não constituía um auxílio de Estado. Com efeito, como salientou acertadamente a Comissão nos considerandos 238 e 239 da decisão impugnada, este simples facto não era suscetível de excluir, por si só, que ela pudesse proceder a uma avaliação global das medidas, tanto mais que também examinou as medidas individualmente.

168    Em sexto lugar, há que salientar que a decisão sobre os estaleiros navais neerlandeses não contém garantias precisas, incondicionais e concordantes quanto à legalidade do SAF. Com efeito, nessa decisão, a Comissão não afirmou de forma precisa, incondicional e concordante que, após ter efetuado uma análise completa e aprofundada, tinha chegado à conclusão de que o SAF não constituía um auxílio de Estado. Por um lado, como refere o considerando 224 da decisão impugnada, o objeto da decisão sobre os estaleiros navais neerlandeses não era o SAF, mas um regime neerlandês. Assim, referia‑se unicamente a título incidental às medidas espanholas. Por outro lado, como resulta do considerando 225 da decisão impugnada, as medidas espanholas que os Países Baixos tentavam compensar não eram o SAF, mas alegadas bonificações das taxas de juro que beneficiavam os estaleiros navais espanhóis.

169    Em sétimo lugar, quanto à carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» de 9 de março de 2009, há que salientar que foi enviada em resposta à Ministra do Comércio e da Indústria do Reino da Noruega, que, após ter sugerido que o SAF constituía um regime de auxílios aos estaleiros navais espanhóis, tinha pedido informações sobre as ações que a Comissão previa tomar. Na sua resposta, a comissária responsável pela DG «Concorrência» indicava que a Comissão tinha examinado a questão e que, uma vez que o regime estava aberto à aquisição de navios construídos por estaleiros navais de outros Estados‑Membros sem discriminação, não tencionava adotar medidas adicionais «nesta fase».

170    A este respeito, como alegam acertadamente a Lico e a PYMAR, o argumento que figura no considerando 233 da decisão impugnada, segundo o qual a carta em questão não constituía um ato formal da Comissão, não é decisivo.

171    Com efeito, como salientam a Lico e a PYMAR, foi entendido que a imputabilidade das declarações de um funcionário à autoridade dependia, nomeadamente, da perceção que o público podia ter dessas declarações. O elemento determinante para que as declarações de um funcionário sejam imputadas ao Estado reside na questão de saber se os destinatários dessas declarações podem razoavelmente pressupor, no contexto dado, que se trata de posições que o funcionário toma com a autoridade da sua função. A este respeito, há que apreciar, em especial, se o funcionário é, de modo geral, competente no setor em questão; se difunde as suas declarações escritas utilizando papel timbrado oficial do serviço competente; se concede entrevistas televisivas nas instalações do seu serviço; se não menciona o caráter pessoal das suas declarações e não indica que elas divergem da posição oficial do serviço competente, e se os serviços da autoridade competente não efetuam, o mais rapidamente possível, as diligências necessárias para dissipar nos destinatários das declarações do funcionário a impressão de que se trata de tomadas de posição oficiais da autoridade (v., por analogia, Acórdão de 17 de abril de 2007, AGM‑COS.MET, C‑470/03, EU:C:2007:213, n.os 56 à 58).

172    Por conseguinte, não se pode excluir que uma carta dirigida pela mais alta responsável dos serviços da concorrência da Comissão, nessa qualidade, como resulta tanto do cabeçalho da carta como da assinatura, à Ministra do Comércio e da Indústria do Reino da Noruega, a saber, a autoridade competente na matéria nesse país, seja suscetível, em princípio, de criar uma confiança legítima nos operadores económicos relativamente à apreciação do SAF à luz das regras sobre auxílios de Estado.

173    Do mesmo modo, o facto de a carta em questão não ser dirigida aos operadores económicos que a invocam não é decisivo, na condição de o seu conteúdo lhes ter sido comunicado. No caso em apreço, parece que o conteúdo dessa carta era conhecido dos operadores económicos que participavam no SAF desde 2009, como resulta de uma carta enviada por uma companhia de navegação norueguesa a um estaleiro naval espanhol em abril de 2009 e de uma carta enviada pelo Ministério da Indústria espanhol que afirma ter informado dessa carta todos os operadores em causa nas suas reuniões periódicas.

174    No entanto, para que a carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» possa efetivamente criar uma confiança legítima é ainda necessário que, atendendo ao seu conteúdo, forneça garantias precisas, incondicionais e concordantes. Ora, como decorre acertadamente dos considerandos 235 e 236 da decisão impugnada, não é o que acontece no caso em apreço. Essa carta não afirma de forma precisa, incondicional e concordante que, após ter realizado uma análise completa e aprofundada, a Comissão chegou à conclusão de que o SAF não constituía um auxílio de Estado. Com efeito, na medida em que a carta das autoridades norueguesas dava conta das preocupações dos estaleiros navais desse país, a carta da comissária limitava‑se a indicar que o SAF não parecia estabelecer uma discriminação em prejuízo dos estaleiros navais de outros Estados‑Membros. Além disso, a referida carta acrescentava que não estavam previstas medidas adicionais «nesta fase», o que indicava que esta posição podia ser alterada se fossem introduzidos novos elementos. Por conseguinte, o Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR não podiam fundar qualquer confiança legítima nessa carta.

175    Atendendo às considerações anteriores respeitantes ao primeiro dos três requisitos cumulativos relativos à violação do princípio da proteção da confiança legítima, não é necessário examinar os demais requisitos.

176    Perante o que foi exposto, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima.

 Quanto à violação do princípio da segurança jurídica

177    Na sua petição no processo T‑515/13, o Reino de Espanha invoca um fundamento relativo à violação do princípio da segurança jurídica, em apoio do seu pedido de anulação da ordem de recuperação do auxílio para o período até à publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame, quando a decisão impugnada ordenou a recuperação a partir da publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses.

178    Primeiro, o Reino de Espanha sustenta que uma série de elementos deu origem a uma situação de incerteza jurídica relativamente à regularidade do SAF. Em especial, a decisão Brittany Ferries permitiu aos operadores económicos considerar fundadamente que os benefícios fiscais em causa eram medidas de caráter geral. Além disso, a carta de 9 de março de 2009 enviada pela comissária responsável pela DG «Concorrência» às autoridades norueguesas reforçou a situação de incerteza jurídica. Com efeito, o Reino de Espanha alega que esta carta indicava expressamente que a Comissão estava ao corrente da existência do regime e que, depois de o ter analisado, considerava que não suscitava nenhum problema à luz das regras sobre os auxílios de Estado. Por conseguinte, a referida carta contribuiu para fazer crer aos operadores que participavam no SAF que este era legal. Por outro lado, o Reino de Espanha salienta que a imprensa difundiu amplamente o conteúdo da carta à época.

179    Segundo, o Reino de Espanha salienta a inação prolongada da Comissão para além do prazo razoável, embora estivesse ao corrente da existência do SAF. Tendo em conta este conhecimento, é inoperante que só tenham sido apresentadas denúncias por estaleiros navais de outros Estados‑Membros em 2006. Por conseguinte, considera que não há lugar à recuperação do auxílio antes da publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame no Jornal Oficial da União Europeia em 21 de setembro de 2011.

180    Na sua petição no processo T‑719/13, a Lico e a PYMAR alegam que a ordem de recuperação dos auxílios concedidos viola o princípio da segurança jurídica.

181    Primeiro, quanto aos elementos que deram origem à situação de incerteza jurídica, a Lico e a PYMAR invocam em especial a decisão Brittany Ferries.

182    A Lico e a PYMAR alegam, contrariamente à Comissão, que a decisão sobre os AIE fiscais franceses não pôs termo a essa insegurança jurídica, uma vez que existem diferenças importantes entre o regime francês e o SAF. Desde logo, o regime francês resultava de uma disposição do code général des impôts (Código Geral dos Impostos), ao passo que o SAF se baseava na aplicação conjunta de várias disposições. Por outro lado, no regime francês, uma parte da vantagem devia ser obrigatoriamente transferida para a companhia de navegação, ao passo que, no SAF, isso resultava de acordos privados entre as partes. Além disso, a Comissão considerou que o regime francês constituía um auxílio ao transporte, ao passo que, no caso em apreço, concluiu que se tratava de um auxílio aos investidores. Atendendo a estas diferenças, a Lico e a PYMAR sustentam que os operadores económicos não podiam prever que as conclusões da Comissão sobre o regime francês deviam ser extrapoladas para o SAF. Além disso, a decisão sobre os AIE fiscais franceses não tinha indicado expressamente que o conteúdo da decisão Brittany Ferries estava incorreto ou que a Comissão tinha adotado outra posição.

183    A Lico e a PYMAR alegam que outros elementos contribuíram para a criação de uma situação de insegurança jurídica, a saber, a decisão sobre os estaleiros navais neerlandeses e a carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» de 9 de março de 2009.

184    No que respeita à decisão sobre os estaleiros navais neerlandeses, a Lico e a PYMAR alegam que se pode deduzir dessa decisão que a Comissão conhecia a existência do SAF e que, com base nas informações recebidas, considerava que o regime não constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno. Por conseguinte, no caso de não ser reconhecido que essa decisão reforçou uma confiança legítima, a Lico e a PYMAR sustentam que, pelo menos, a referida decisão aumentou a incerteza que existia quanto à legalidade do SAF. Com efeito, tendo em conta a obrigação da Comissão de proceder a um exame diligente e imparcial, declarações como as que figuram na decisão sobre os estaleiros navais neerlandeses, que foi publicada, podiam facilmente levar a pensar que o SAF era legal.

185    A Lico e a PYMAR sustentam igualmente que, no caso de não ser reconhecido que a carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» pôde criar uma confiança legítima, há que reconhecer, pelo menos, que reforçou a ambiguidade quanto à legalidade do SAF. A este respeito, a Lico e a PYMAR recordam o contexto em que essa carta foi enviada. Em especial, salientam que as autoridades espanholas e os serviços da Comissão trocaram correspondência e tiveram reuniões sobre o SAF em 2008. Segundo elas, nessa troca de correspondência, tinha sido acordado que o SAF não seria considerado um auxílio de Estado se as autoridades espanholas adotassem um parecer vinculativo que clarificasse o facto de o SAF ser aplicável aos navios construídos em qualquer estaleiro naval do EEE. Além disso, as autoridades espanholas enviaram um projeto de parecer à Comissão, que o reviu e sugeriu alterações de redação, que foram incorporadas na versão final. Os serviços da Comissão afirmaram que o conteúdo do parecer vinculativo era «impecável». Para a Lico e a PYMAR, foi neste contexto que a carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» foi enviada em 2009.

186    Segundo, a Lico e a PYMAR alegam que a Comissão estava ao corrente da existência do SAF desde a sua execução, como é demonstrado pelos pedidos de informações enviados às autoridades espanholas desde 2001. Além disso, a aprovação das medidas que compõem o SAF foi publicada no Boletín Oficial del Estado (Boletim Oficial do Estado) e amplamente difundida na imprensa. Não obstante, a Comissão permaneceu inativa durante cerca de dez anos sem dar início ao procedimento formal de exame, o que constitui um prazo excessivo. Por outro lado, a Lico e a PYMAR afirmam que é contraditório renunciar à recuperação dos auxílios concedidos entre 2002 e 2006 devido à violação do princípio da segurança jurídica, e sustentar ao mesmo tempo que esse período não pode ser tido em conta para examinar se a Comissão permaneceu inativa durante um período excessivo. Em todo o caso, mesmo admitindo que se deve examinar se a Comissão atuou num prazo razoável apenas a partir de 2006, a Lico e a PYMAR consideram que a resposta deve ser negativa, por analogia com o Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), proferido num processo em que a Comissão demorou 26 meses a adotar a sua decisão. Além disso, referem que, se o SAF é tão semelhante ao regime visado pela decisão sobre os AIE fiscais franceses como alega a Comissão, quod non, os cinco anos que decorreram até à decisão de abertura do procedimento formal de exame no caso vertente são então claramente excessivos. Atendendo às considerações anteriores, a Lico e a PYMAR entendem que a situação de insegurança jurídica subsistiu até à publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame em 2011.

187    Nas suas observações sobre o seguimento da tramitação no processo T‑719/13 RENV, a Bankia e o. alegam que a existência de uma violação do princípio da proteção da confiança legítima é independente da violação do princípio da segurança jurídica, contrariamente ao que a Comissão parece sugerir. Em seu entender, a violação do princípio da segurança jurídica subsistiu até à publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia.

188    Além disso, a Bankia e o. salientam que a carta da comissária responsável pela DG «Concorrência» é posterior à decisão sobre os AIE fiscais franceses. Por conseguinte, essa decisão não podia ter posto termo à situação de insegurança jurídica.

189    Por último, a Bankia e o. consideram que, se o caso dos AIE fiscais franceses fosse tão semelhante ao caso em apreço como alega a Comissão, o período de cinco anos que decorreu entre a decisão sobre os AIE fiscais franceses e a decisão de abertura do procedimento formal de exame seria excessivo.

190    A Comissão pede que os argumentos apresentados pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR sejam rejeitados.

191    Com o presente fundamento, o Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR invocam uma violação do princípio da segurança jurídica a fim de pedir a anulação da ordem de recuperação para todo o período até à publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame, a saber, 21 de setembro de 2011, quando a decisão impugnada ordenou a recuperação a partir da publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses, a saber, 30 de abril de 2007.

192    A título preliminar, há que recordar que os pedidos do interveniente só podem visar o apoio ou a rejeição dos pedidos de uma das partes principais no litígio e que o interveniente não dispõe, portanto, da possibilidade de alterar de alguma forma o objeto do recurso (v., neste sentido, Despacho de 6 de fevereiro de 1995, Auditel/Comissão, T‑66/94, EU:T:1995:20, n.o 27). No caso em apreço, a Bankia e o. pedem a anulação da ordem de recuperação igualmente para o período compreendido entre 21 de setembro de 2011, data da publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame, e 16 de abril de 2014, data da publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia, ao passo que a Lico e a PYMAR pedem a anulação da ordem de recuperação apenas até à publicação da decisão de abertura do procedimento formal de exame em 21 de setembro de 2011. Por conseguinte, o pedido de anulação da ordem de recuperação para esse período adicional, apresentado pela Bankia e o., ultrapassa o alcance do recurso interposto pela Lico e a PYMAR e deve ser julgado inadmissível.

193    Decorre da jurisprudência que a consequência lógica da declaração da ilegalidade de um auxílio é a sua supressão por via de recuperação, para restabelecer a situação anterior. Só se se verificarem circunstâncias excecionais é que poderá ser inadequado ordenar o reembolso do auxílio (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Residex Capital IV, C‑275/10, EU:C:2011:814, n.os 33 e 35). Em particular, a jurisprudência não exclui a possibilidade de os beneficiários de um auxílio ilegal por não ter sido notificado invocarem circunstâncias excecionais, como a violação do princípio da segurança jurídica, para se oporem ao respetivo reembolso (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.os 106 e 107).

194    Além disso, o princípio da segurança jurídica implica que a legislação da União seja certa e que a sua aplicação seja previsível para os particulares (Acórdão de 14 de outubro de 2010, Nuova Agricast e Cofra/Comissão, C‑67/09 P, EU:C:2010:607, n.o 77), a fim de que possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (Acórdão de 22 de fevereiro de 1989, Comissão/França e Reino Unido, 92/87 e 93/87, EU:C:1989:77, n.o 22). Este imperativo de segurança jurídica impõe‑se com especial vigor quando se trata de uma regulamentação suscetível de comportar consequências financeiras, a fim de permitir aos interessados que conheçam com exatidão a dimensão das obrigações que a mesma lhes impõe (v. Acórdão de 21 de setembro de 2017, Eurofast/Comissão, T‑87/16, não publicado, EU:T:2017:641, n.o 97 e jurisprudência aí referida).

195    Há que salientar que, em matéria de auxílios de Estado, os recursos destinados a impugnar a obrigação de recuperação com fundamento numa violação do princípio da segurança jurídica só são acolhidos em circunstâncias absolutamente excecionais. Um dos raros exemplos de um recurso deste tipo que foi julgado procedente é o que deu origem ao Acórdão de 1 de julho de 2004, Salzgitter/Comissão (T‑308/00, EU:T:2004:199). Ora, este acórdão foi anulado em sede de recurso para o Tribunal de Justiça pelo Acórdão de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter (C‑408/04 P, EU:C:2008:236), e, na sequência da remessa efetuada pelo Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral acabou por considerar que as condições para demonstrar uma violação do princípio da segurança jurídica não estavam preenchidas no Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Salzgitter/Comissão (T‑308/00 RENV, EU:T:2013:30).

196    Decorre da jurisprudência que se deve examinar uma série de elementos a fim de procurar a existência de uma violação do princípio da segurança jurídica aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Nuova Agricast et Cofra/Comissão, C‑67/09 P, EU:C:2010:607, n.o 77) e/ou a inação da Comissão durante um período de tempo de prolongado sem justificação (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 14 e 15; e de 22 de abril de 2008, Comissão /Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.os 106 e 107). No que respeita a este último elemento, importa recordar que a Comissão é obrigada a agir num prazo razoável no âmbito de um procedimento formal de exame de auxílios estatais e que não está autorizada a perpetuar um estado de inação durante a fase preliminar de análise. Há também que recordar que o caráter razoável do prazo do procedimento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, como seja a complexidade deste e o comportamento das partes (v. Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.os 81 e 82).

197    Por conseguinte, há que verificar a existência de tais circunstâncias excecionais que se opõem à ordem de recuperação no caso em apreço.

198    A esse respeito, cabe lembrar que a Comissão admite, nos considerandos 251, 261 e 262 da decisão impugnada, que o princípio da segurança jurídica se opunha à recuperação dos auxílios até à publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses. Com efeito, a Comissão não contesta que a decisão Brittany Ferries, de 2001, poderia ter levado os operadores económicos a considerar que os benefícios fiscais em causa eram medidas de caráter geral e não constituíam, portanto, auxílios de Estado. No entanto, sustenta que essa situação de insegurança jurídica desapareceu no momento da publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses, em 30 de abril de 2007. Por esta razão, são irrelevantes para examinar a procedência do presente fundamento os elementos anteriores a esta data invocados pelas partes, como a alegada inação da Comissão após o pedido de informações de 2001 ou a decisão sobre os estaleiros navais neerlandeses de 2004.

199    Quanto aos efeitos da publicação da decisão nos AIE fiscais franceses em abril de 2007, refira‑se que a Comissão não cometeu nenhum erro ao entender que essa decisão tinha feito cessar qualquer insegurança jurídica, na medida em que deveria ter levado um operador económico prudente e avisado a considerar que um regime semelhante ao SAF podia constituir um auxílio de Estado. A esse respeito, refira‑se que resulta da decisão sobre os AIE fiscais franceses que um sistema para a construção de navios marítimos e sua disponibilização a companhias de navegação, por intermédio de AIE e com a utilização de contratos de locação financeira, que gerava certos benefícios fiscais, era suscetível de constituir um regime de auxílios de Estado. Embora seja verdade que o regime em causa na decisão sobre os AIE fiscais franceses e o SAF não eram idênticos, nenhum elemento permite demonstrar que as suas diferenças eram mais acentuadas do que as existentes entre o SAF e o regime em causa na decisão Brittany Ferries, invocada pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR em apoio do presente fundamento.

200    Além disso, as circunstâncias posteriores à publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses invocadas pelo Reino de Espanha, a Lico e a PYMAR não se opõem a que essa publicação tenha posto termo à situação de insegurança jurídica, como acertadamente alega a Comissão.

201    Primeiro, como resulta do considerando 257 da decisão impugnada, a carta da comissária responsável da DG «Concorrência» de 9 de março de 2009 não pode ter contribuído para criar ou manter uma situação de insegurança jurídica, tendo em conta as considerações expostas no n.o 174, supra. Com efeito, esta carta limita‑se a indicar que o SAF não criava uma discriminação em prejuízo dos estaleiros navais de outros Estados‑Membros, acrescentando que a Comissão não previa medidas adicionais «nesta fase».

202    Segundo, no que respeita ao alegado período de inação prolongado da Comissão após a publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses, independentemente da questão de saber se se trata simplesmente de um elemento entre outros que permite demonstrar a existência de uma violação do princípio da segurança jurídica ou de uma condição indispensável e cumulativa, como alega a Comissão, impõe‑se referir que, em todo o caso, a Comissão não permaneceu inativa durante um período irrazoável, no caso vertente.

203    Com efeito, tendo em conta que o exame se deve limitar ao período posterior à publicação da decisão sobre os AIE fiscais franceses, em abril de 2007, visto que, antes dessa data, a Comissão reconheceu a existência de uma situação de insegurança jurídica, a decisão de abertura do procedimento formal de exame no presente caso foi publicada em setembro de 2011, ou seja, quase quatro anos e meio depois.

204    A este respeito, resulta dos considerandos 259 e 261 da decisão impugnada que, entre os oito pedidos de informação enviados pela Comissão às autoridades espanholas, seis foram enviados durante o período mencionado no n.o 203, supra, e que as medidas em causa eram complexas, o que não pode ser contestado. Por estas razões, não se pode criticar a Comissão por ter permanecido inativa sem justificação durante um período irrazoável, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço.

205    No que toca ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502, n.os 12 e 14), invocado pela Lico e a PYMAR em apoio da sua pretensão, no qual um prazo injustificado de 26 meses foi considerado excessivo, há que salientar que as circunstâncias excecionais desse processo desempenharam um papel decisivo na solução adotada pelo Tribunal de Justiça, pelo que esta não pode ser simplesmente transposta para outros casos concretos. Em especial, o auxílio na origem do processo que deu origem ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), tinha sido objeto, ainda que tardiamente após o seu pagamento, de uma notificação formal à Comissão. Além disso, estava relacionado com custos suplementares relacionados com auxílios previamente autorizados pela Comissão. Por último, o exame da compatibilidade do auxílio não exigia uma investigação aprofundada (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Comune di Milano/Comissão, T‑167/13, em fase de recurso para o Tribunal de Justiça, EU:T:2018:940, n.o 158). Ora, todas estas circunstâncias excecionais distinguem‑se claramente das circunstâncias na origem do presente processo, no qual os auxílios controvertidos nunca foram notificados, a Comissão enviou vários pedidos de informações às autoridades espanholas durante o período em questão e as medidas apresentavam uma complexidade não negligenciável. Por conseguinte, a Lico e a PYMAR não podem invocar utilmente a solução adotada no referido acórdão.

206    Atendendo às considerações anteriores, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da segurança jurídica.

 Quanto à violação dos princípios aplicáveis à recuperação devido ao método de cálculo do montante do auxílio incompatível

207    Na sua petição no processo T‑719/13, a Lico e a PYMAR invocam, a título subsidiário, um fundamento relativo à violação dos princípios aplicáveis à recuperação dos auxílios devido ao método de cálculo do montante do auxílio incompatível a recuperar. Segundo elas, a decisão impugnada poderia levar a que se exigisse a recuperação de um montante superior ao auxílio de que os investidores efetivamente beneficiaram.

208    A Lico e a PYMAR consideram que a redação do método de cálculo do montante das ajudas é confusa e ambígua. Em especial, criticam a decisão impugnada na medida em que parece ordenar a recuperação da totalidade do auxílio junto dos investidores, embora uma parte do benefício fiscal seja transferida para as companhias de navegação. Com efeito, há que excluir da ordem de recuperação a parte do auxílio efetivamente transferida para outros operadores, mesmo que a regulamentação aplicável não impusesse a transferência de uma parte do auxílio.

209    A Lico e a PYMAR alegam que o montante da vantagem económica obtida por um beneficiário não tem de ser necessariamente equivalente ao montante dos recursos estatais utilizados em todos os casos, mesmo que frequentemente seja esse o caso.

210    Além disso, a recuperação de um montante superior ao auxílio efetivamente obtido pelos investidores coloca‑os numa situação desvantajosa relativamente aos seus concorrentes, em vez de restabelecer a situação anterior à concessão do auxílio.

211    Nas suas observações sobre o seguimento da tramitação no processo T‑719/13 RENV, a Bankia e o. alegam que a ordem de recuperação da totalidade do auxílio junto dos investidores, quando receberam unicamente 10 % a 15 % do benefício, é ilegal. Salientam que o objeto da recuperação não é impor uma sanção, mas apenas eliminar a distorção da concorrência criada pela concessão do auxílio. Ora, a recuperação de um montante superior à vantagem efetivamente obtida criaria uma distorção da concorrência em benefício dos concorrentes dos beneficiários.

212    Além disso, a Bankia e o. salientam que, na decisão impugnada, a Comissão reconheceu que os AIE e os investidores tinham a função de intermediários que transferiam o benefício para as companhias de navegação. Por outro lado, a Comissão também admitiu que as modalidades de repartição do benefício eram comunicadas previamente às autoridades espanholas, no momento do pedido de autorização de amortização antecipada. Além disso, a assinatura prévia do contrato que fixava as modalidades de repartição entre as partes era uma condição necessária para aceder ao SAF.

213    A Bankia e o. acrescentam que a decisão impugnada é contraditória na medida em que a Comissão considerou que não havia um auxílio de Estado a favor das companhias de navegação porque a transferência do benefício resultava de contratos privados, e, ao mesmo tempo, declarou a nulidade das cláusulas constantes desses contratos privados que permitiam aos investidores recuperar o benefício junto de quem o tinha efetivamente usufruído, nomeadamente os estaleiros navais.

214    Nas suas observações sobre o seguimento da tramitação no processo T‑719/13 RENV, a Aluminios Cortizo alega que a decisão impugnada é contraditória na medida em que a Comissão ordenou a recuperação da totalidade do auxílio junto dos investidores, quando reconheceu que 85 % a 90 % do benefício era transferido para as companhias de navegação.

215    A Aluminios Cortizo salienta igualmente que resulta de um projeto da decisão impugnada que a Comissão tencionava ordenar a recuperação do auxílio junto das companhias de navegação.

216    A Comissão contesta estes argumentos.

217    Segundo a jurisprudência, a supressão de um auxílio ilegal mediante a sua recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade e destina‑se a restabelecer a situação anterior. Este objetivo é alcançado quando os auxílios em causa, acrescidos eventualmente de juros de mora, são restituídos pelo beneficiário ou, por outras palavras, pelas empresas que deles beneficiaram efetivamente. Com esta restituição, o beneficiário perde, efetivamente, a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes e repõe‑se a situação anterior à concessão do auxílio. Daqui resulta que o principal objetivo visado pelo reembolso de um auxílio de Estado pago ilegalmente é eliminar a distorção da concorrência provocada pela vantagem concorrencial proporcionada pelo auxílio ilegal (Acórdão de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, EU:C:2004:238, n.os 74 a 76; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, EU:C:1991:136, n.o 57).

218    No âmbito do presente fundamento, a Lico e a PYMAR, apoiadas pela Bankia e o. e pela Aluminios Cortizo, contestam, em substância, o facto de a decisão impugnada ordenar a recuperação da totalidade do auxílio junto dos investidores, quando 85 % a 90 % da vantagem era sistematicamente transferida para as companhias de navegação, como reconhece a decisão impugnada.

219    Tendo em conta que a Comissão decidiu no caso vertente que as companhias de navegação não eram os beneficiários do auxílio, conclusão que não é objeto do presente litígio, por via de consequência, a ordem de recuperação visava única e integralmente os investidores, únicos beneficiários da totalidade do auxílio de acordo com a decisão impugnada, devido à transparência dos AIE. Seguindo a sua própria lógica, a decisão impugnada não cometeu nenhum erro ao ordenar a recuperação da totalidade do auxílio junto dos investidores, embora estes tenham transferido uma parte do benefício para outros operadores, uma vez que estes não eram considerados beneficiários do auxílio. Com efeito, nos termos da decisão impugnada, foram os investidores que beneficiaram efetivamente do auxílio, dado que a regulamentação aplicável não lhes impunha a transferência de uma parte do auxílio para terceiros.

220    Por conseguinte, a ordem de recuperação não pode ser considerada uma sanção para os investidores ou uma medida que cria uma distorção da concorrência em benefício dos seus concorrentes, como alegam a Bankia e o.

221    Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente o presente fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

222    No acórdão inicial, a Comissão tinha sido condenada nas despesas. No acórdão proferido em sede de recurso, o Tribunal de Justiça reservou para final a decisão quanto às despesas relativas às partes principais. Assim, cabe ao Tribunal Geral decidir, no presente acórdão, sobre a totalidade das despesas referentes aos vários processos, em conformidade com o artigo 219.o do Regulamento de Processo.

223    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento do Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido.

224    Uma vez que o Reino de Espanha foi vencido no processo T‑515/13 RENV, deve ser condenado nas despesas, incluindo as despesas efetuadas no processo inicial no Tribunal Geral e no processo no Tribunal de Justiça, em conformidade com as conclusões da Comissão.

225    Uma vez que a Lico e a Pymar foram vencidas no processo T‑719/13 RENV, devem ser condenadas nas despesas, incluindo as despesas efetuadas no processo inicial no Tribunal Geral e no processo no Tribunal de Justiça, em conformidade com as conclusões da Comissão.

226    Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suportará as suas próprias despesas. No caso vertente, deve decidir‑se que a Bankia e o. e a Aluminios Cortizo suportarão as suas próprias despesas respeitantes ao processo de remessa.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia no Tribunal de Justiça, no âmbito do processo C128/16 P, e no Tribunal Geral, no âmbito dos processos T 515/13 e T 515/13 RENV.

3)      A Lico Leasing, SA e a Pequeños y Medianos Astilleros Sociedad de Reconversión, SA suportarão as suas próprias despesas bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia no Tribunal de Justiça, no âmbito do processo C128/16 P, e no Tribunal Geral, no âmbito dos processos T719/13 e T719/13 RENV.

4)      A Bankia, SA e as outras partes intervenientes cujos nomes figuram em anexo bem como a Aluminios Cortizo, SAU suportarão as suas próprias despesas no processo de remessa no Tribunal Geral.

Collins

Iliopoulos

Barents

Passer

 

      De Baere

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de setembro de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.


1      A lista das outras intervenientes está anexada apenas à versão notificada às partes.