Language of document : ECLI:EU:C:2016:26

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de janeiro de 2016 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.°, n.° 1, TFUE — Mercado dos transformadores elétricos — Acordo verbal de repartição dos mercados (‘acordo de cavalheiros’) — Restrição da concorrência ‘por objetivo’ — Barreiras à entrada — Presunção de participação num cartel ilícito — Coimas — Orientações para o cálculo das coimas (2006) — Ponto 18»

No processo C‑373/14 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 31 de julho de 2014,

Toshiba Corporation, com sede em Tóquio (Japão), representada por J. MacLennan, solicitor, A. Schulz, Rechtsanwalt, J. Jourdan e P. Berghe, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por F. Ronkes Agerbeek, J. Norris‑Usher e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, J. L. da Cruz Vilaça (relator), A. Arabadjiev, C. Lycourgos e J.‑C. Bonichot, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 29 de abril de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de junho de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Toshiba Corporation (a seguir «Toshiba») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 21 de maio de 2014, Toshiba/Comissão (T‑519/09, EU:T:2014:263, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual foi negado provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C (2009) 7601 final da Comissão Europeia, de 7 de outubro de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE (Processo COMP/39.129 — Transformadores elétricos) (a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        O artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), tem a seguinte redação:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)      Cometam uma infração ao disposto nos artigos 81.° [CE] ou 82.° [CE] […]

[…]»

3        O ponto 4 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações de 2006»), dispõe:

«[…] As coimas devem ser fixadas segundo um nível suficientemente dissuasivo, não somente para sancionar as empresas em causa (efeito dissuasivo específico), mas também para dissuadir outras empresas de terem comportamentos contrários aos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] ou de continuarem a ter tais comportamentos (efeito dissuasivo geral).»

4        O ponto 13 das Orientações de 2006 dispõe:

«Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (‘EEE’). A Comissão utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração […]»

5        Nos termos do ponto 18 das Orientações de 2006:

«Quando [o] âmbito geográfico de uma infração ultrapassar o território do EEE (por exemplo, no caso de cartéis mundiais), as vendas em causa da empresa no EEE podem não refletir de maneira adequada o peso de cada empresa na infração. Este pode ser especificamente o caso de acordos a nível mundial de repartição de mercado.

Em tais circunstâncias, a fim de refletir ao mesmo tempo a dimensão agregada das vendas em causa no EEE e o peso relativo de cada empresa na infração, a Comissão pode estimar o valor total das vendas dos bens ou serviços relacionadas com a infração na área geográfica (mais vasta do que o EEE) em causa, determinar a quota das vendas de cada empresa que participa na infração neste mercado e aplicar esta percentagem às vendas agregadas destas mesmas empresas no EEE. O resultado será utilizado a título de valor das vendas para efeitos da determinação do montante de base da coima.»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

6        O setor em causa no presente processo é o dos transformadores elétricos, dos autotransformadores e dos dispositivos de reactância de compensação com uma gama de tensão igual ou superior a 380 kV. Um transformador elétrico é um componente elétrico essencial cuja função consiste em reduzir ou aumentar a tensão de um circuito elétrico.

7        A Toshiba é uma sociedade japonesa que opera essencialmente em três setores de atividades: os produtos digitais, os dispositivos e componentes eletrónicos e os sistemas de infraestruturas.

8        No que diz respeito às atividades dessa sociedade no setor dos transformadores elétricos, durante o período tido em consideração pela Comissão para efeitos da sua investigação, isto é, de 9 de junho de 1999 a 15 de maio de 2003, importa distinguir duas fases. Entre 9 de junho de 1999 e 30 de setembro de 2002, a Toshiba operava por intermédio da sua filial Power System Co. A partir de 1 de outubro de 2002, a atividade da recorrente foi exercida pela intermediária TM T&D, uma empresa comum entre a Toshiba e a Mitsubishi Electric, na qual estas duas empresas reuniram a sua produção de transformadores elétricos.

9        Em 30 de setembro de 2008, a Comissão decidiu iniciar um processo relativo ao mercado dos transformadores elétricos. A comunicação de acusações foi adotada em 20 de novembro de 2008. A Toshiba respondeu em 19 de janeiro de 2009. A audição decorreu em 17 de fevereiro de 2009.

10      Através da decisão controvertida, a Comissão declarou que a Toshiba tinha participado, entre 9 de junho de 1999 e 15 de maio de 2003, num cartel ilícito que abrangia todo o território do EEE e o Japão. Este cartel consistia num acordo celebrado verbalmente entre, por um lado, os produtores de transformadores elétricos europeus e, por outro, os produtores japoneses, tendo por objetivo respeitar os mercados nos territórios de cada um destes dois grupos de produtores de transformadores, abstendo‑se de aí efetuar vendas (a seguir «acordo de cavalheiros»).

11      A Comissão qualificou o acordo de cavalheiros de «restrição da concorrência por objetivo». Nos pontos 165 a 169 da decisão controvertida, essa instituição examinou, para depois o rejeitar, o argumento de algumas das empresas visadas pelo processo em causa segundo o qual esse cartel não tinha impacto na concorrência, uma vez que os produtores japoneses e europeus não eram concorrentes em razão das barreiras inultrapassáveis à entrada no mercado do EEE.

12      No que se refere à organização criada pelo acordo de cavalheiros, a Comissão assinalou que cada grupo de produtores devia nomear uma empresa secretária. Também constatou que o acordo de repartição de mercado era completado por um acordo que previa a notificação ao secretário de cada grupo dos concursos provenientes do território de outro grupo com o objetivo de serem reatribuídos.

13      Por outro lado, a Comissão concluiu que, durante o período pertinente, ou seja entre 9 de junho de 1999 e 15 de maio de 2003, as empresas se reuniam uma ou duas vezes por ano. Estas reuniões decorreram em Málaga (Espanha), de 9 a 11 de junho de 1999, em Singapura, em 29 de maio de 2000, em Barcelona (Espanha), de 29 de outubro a 1 de novembro de 2000, em Lisboa (Portugal), em 29 e 30 de maio de 2001, em Tóquio, em 18 e 19 de fevereiro de 2002, em Viena (Áustria), em 26 e 27 de setembro de 2002 (a seguir «reunião de Viena»), e em Zurique (Suíça), em 15 e 16 de maio de 2003 (a seguir «reunião de Zurique»). Segundo a Comissão, estas reuniões serviam, nomeadamente, para confirmar o acordo de cavalheiros.

14      Tendo em conta todas estas considerações, a Comissão declarou que a Toshiba tinha violado o artigo 81.° CE e o artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), e, por conseguinte, aplicou‑lhe uma coima no montante de 13,2 milhões de euros. A TM T&D e a Mitsubishi Electric não foram abrangidas pela decisão controvertida.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

15      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de dezembro de 2009, a Toshiba interpôs recurso de anulação da decisão controvertida, invocando quatro fundamentos.

16      Tendo rejeitado todos estes fundamentos, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

17      A Toshiba pede ao Tribunal que:

–        a título principal, anule o acórdão recorrido e a decisão controvertida;

–        subsidiariamente, remeta o processo ao Tribunal Geral; e

–        condene a Comissão nas despesas de primeira instância e do presente recurso.

18      A Comissão pede ao Tribunal que:

–        negue provimento ao recurso; e

–        condene a Toshiba nas despesas da instância.

 Quanto ao presente recurso

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

19      Com o seu primeiro fundamento, que visa os n.os 230 e 231 do acórdão recorrido, a Toshiba sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar o acordo de cavalheiros de «restrição da concorrência por objetivo», baseando‑se, a este respeito, na relação de concorrência potencial existente entre os produtores japoneses e europeus. Ora, uma vez que as partes no cartel não eram concorrentes potenciais, o Tribunal Geral não podia concluir pela existência de uma restrição da concorrência por objetivo. Segundo a Toshiba, o Tribunal Geral deduziu, erradamente, a existência dessa relação de concorrência potencial, em primeiro lugar, da inexistência de barreiras inultrapassáveis à entrada no mercado do EEE e, em segundo lugar, da própria existência do acordo de cavalheiros.

20      No que se refere à inexistência de barreiras inultrapassáveis à entrada no mercado do EEE, a Toshiba alega que este critério não é adequado para estabelecer a existência de uma relação de concorrência potencial entre os fabricantes japoneses e europeus. Para isso, o Tribunal Geral teria de demonstrar, no presente caso, que os produtores japoneses tinham possibilidades reais e concretas de entrar no mercado do EEE e que essa entrada era uma estratégia economicamente viável para estes. Ora, no caso concreto, as características e o funcionamento do mercado dos transformadores elétricos tornam qualquer entrada no mercado do EEE economicamente inviável.

21      No que se refere ao acordo de cavalheiros, a Toshiba considera que o Tribunal Geral, ao basear‑se na sua existência como prova de uma concorrência potencial entre os fabricantes japoneses e europeus, estabeleceu uma presunção inilidível segundo a qual se duas empresas celebram qualquer tipo de acordo são automaticamente consideradas concorrentes potenciais, liberando assim a Comissão do ónus da sua prova.

22      A Comissão entende que os argumentos da recorrente devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

23      No n.° 228 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que a Comissão entendeu com razão que um acordo como o acordo de cavalheiros, enquanto acordo de repartição de mercado, devia ser qualificado de «restrição por objetivo».

24      A este respeito, há que recordar que, para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, um acordo deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça desde o acórdão LTM (56/65, EU:C:1966:38), o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objetivo do acordo (acórdão ING Pensii, C‑172/14, EU:C:2015:484, n.° 30).

25      Assim, a partir do momento em que o objetivo anticoncorrencial de um acordo esteja provado, não há que investigar os seus efeitos na concorrência (v., neste sentido, acórdãos T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 28 e 30, e GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.° 55).

26      No que respeita à qualificação de uma prática de restrição pelo objetivo, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinados tipos de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos (acórdão ING Pensii, C‑172/14, EU:C:2015:484, n.° 31). Esta jurisprudência tem em conta o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (acórdão CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.° 50).

27      A jurisprudência do Tribunal de Justiça também se fixou no sentido de que, a fim de apreciar se um acordo entre empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma «restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa alcançar, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere (acórdão ING Pensii, C‑172/14, EU:C:2015:484, n.° 33).

28      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que acordos relativos à repartição dos mercados constituem violações particularmente graves da concorrência (v., neste sentido, acórdãos Solvay Solexis/Comissão, C‑449/11 P, EU:C:2013:802, n.° 82, e IKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.° 26). O Tribunal de Justiça também considerou que os acordos que visam a repartição dos mercados têm um objetivo restritivo da concorrência por si mesmos e estão abrangidos por uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE, não podendo esse objetivo ser justificado pela análise do contexto económico no qual o comportamento anticoncorrencial em causa se insere (acórdão Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, EU:C:2013:866, n.° 218).

29      No que se refere a tais acordos, a análise do contexto económico e jurídico no qual a prática se insere pode assim limitar‑se ao que se revele estritamente necessário para concluir pela existência de uma restrição da concorrência por objetivo.

30      No caso vertente, a Toshiba alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar o acordo de cavalheiros de «restrição da concorrência por objetivo», sem verificar previamente se a eventual entrada no mercado do EEE representava uma estratégia economicamente viável para os produtores japoneses.

31      A este respeito, importa recordar que o Tribunal Geral examinou o argumento da Toshiba segundo o qual o acordo de cavalheiros não era suscetível de restringir a concorrência no EEE devido ao facto de os produtores europeus e japoneses não serem concorrentes no mercado europeu. É neste contexto que o Tribunal Geral constatou, por um lado, no n.° 230 do acórdão recorrido, que, visando o artigo 101.° TFUE também a concorrência potencial, o acordo de cavalheiros era suscetível de restringir a concorrência, a menos que existissem barreiras inultrapassáveis à entrada no mercado europeu que excluíssem qualquer concorrência potencial por parte dos produtores japoneses.

32      Por outro lado, nos n.os 232 e 233 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que estas barreiras não podiam ser qualificadas de inultrapassáveis, o que foi demonstrado pela circunstância de a Hitachi ter aceitado projetos oriundos de clientes situados na Europa.

33      O Tribunal Geral também considerou, no n.° 231 do acórdão recorrido, que o acordo de cavalheiros representava um «forte indício da existência de uma relação concorrencial» entre as duas categorias de produtores, o que, conforme assinalou o advogado‑geral no n.° 100 das suas conclusões, constitui um elemento do contexto económico e jurídico pertinente.

34      Ora, a análise feita pelo Tribunal Geral é conforme com os critérios enunciados nos n.os 24 a 29 do presente acórdão para estabelecer o caráter de restrição por objetivo de uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, sem que seja necessário uma análise mais pormenorizada do contexto económico e jurídico pertinente.

35      Em todo o caso, há que constatar que, na medida em que a Toshiba alega que o Tribunal Geral considerou erradamente que as barreiras à entrada no mercado europeu não eram inultrapassáveis e que, por conseguinte, existia uma concorrência potencial entre os produtores europeus e japoneses neste mesmo mercado, esses argumentos criticam a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral, a qual, na inexistência de uma desvirtuação manifesta destes, e sob reserva da análise a fazer no âmbito do segundo fundamento no presente acórdão, escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal Geral.

36      Por conseguinte, o primeiro fundamento da Toshiba deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

37      Com o seu segundo fundamento, dirigido contra as considerações do Tribunal Geral que figuram no n.° 233 do acórdão recorrido, a Toshiba alega que este desvirtuou o conteúdo da carta da Hitachi. Com efeito, segundo a Toshiba, enquanto a Hitachi se limitou a emitir uma declaração genérica pela qual já não contestava a existência do acordo de cavalheiros, o Tribunal Geral inferia daí que esta sociedade reconhecia ter aceitado três projetos oriundos de clientes europeus dos seus transformadores.

38      Sem essa desvirtuação do sentido da carta da Hitachi, o Tribunal Geral não poderia concluir que as barreiras à entrada no mercado do EEE não eram inultrapassáveis, pelo que, no presente caso, não poderia verificar‑se uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

39      A Comissão conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

40      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao Tribunal Geral constatar e apreciar os factos e, em princípio, analisar as provas que considera sustentarem esses factos. Com efeito, quando essas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as normas processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, cabe exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, por isso, exceto em caso de desvirtuamento desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça.

41      Para poder ser censurada pelo Tribunal de Justiça, a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas.

42      Conforme sublinhou o advogado‑geral no n.° 108 das suas conclusões, não resulta da análise da carta da Hitachi que o Tribunal Geral tenha desvirtuado os elementos de facto pertinentes que daí resultam.

43      Com efeito, com a sua carta, a Hitachi não se limita a renunciar a qualquer contestação relativa à existência do acordo de cavalheiros, como alega a Toshiba. Pelo contrário, resulta da redação da carta da Hitachi que esta sociedade aceitava «as conclusões [da Comissão] sobre a existência e o alcance do acordo de cavalheiros tal como apresentadas na comunicação de acusações». Ora, há que notar, à semelhança do advogado‑geral no mesmo n.° 108 das suas conclusões, que a questão da aceitação de três contratos pela Hitachi no EEE já tinha sido suscitada na comunicação de acusações.

44      Daí decorre que a interpretação efetuada pelo Tribunal Geral no n.° 233 do acórdão recorrido não resulta de nenhum modo de uma desvirtuação manifesta da carta da Hitachi.

45      Em todo o caso, ainda que se admita que o Tribunal Geral tenha desvirtuado o conteúdo da carta da Hitachi, tal não é suscetível de pôr em causa a conclusão de a Comissão ter demonstrado de forma juridicamente bastante que as barreiras à entrada no mercado europeu não eram inultrapassáveis.

46      Com efeito, esta conclusão não assenta exclusivamente nas declarações da Hitachi, mencionadas no n.° 37 do presente acórdão, mas também noutros elementos. Assim, por um lado, o Tribunal Geral referiu, no n.° 225 do acórdão recorrido, que a Comissão apresentou, no n.° 168 da decisão controvertida, os motivos pelos quais as barreiras à entrada no mercado não eram inultrapassáveis, designadamente, por um lado, que a empresa coreana Hyundai tinha entrado recentemente no mercado europeu e, por outro, que os produtores japoneses tinham registado vendas consideráveis nos Estados Unidos e que as empresas em causa não apresentaram nenhuma prova que demonstrasse que as barreiras à entrada no mercado americano fossem muito diferentes das barreiras à entrada no mercado europeu. Estas constatações não foram contestadas pela recorrente no âmbito do presente recurso.

47      Por outro lado, no n.° 231 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu que a própria existência do acordo de cavalheiros constitui um argumento que põe seriamente em causa a plausibilidade da tese defendida pela recorrente segundo a qual as barreiras à entrada no mercado europeu eram inultrapassáveis. Com efeito, conforme sublinhou acertadamente o Tribunal Geral no mesmo número, é pouco provável que os produtores japoneses e europeus tenham celebrado um acordo de repartição de mercado se não fossem considerados pelo menos como concorrentes potenciais.

48      Tendo em conta estas considerações, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

49      O terceiro fundamento articula‑se em três partes. Com a primeira parte, a Toshiba alega, por um lado, que o acórdão recorrido se baseia numa fundamentação contraditória no que respeita à análise da sua participação no cartel e, por outro, que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova que utilizou neste contexto, designadamente, a ata da reunião de Viena, a nota interna redigida por M., pertencente à sociedade Fuji, e a nota explicativa desta reunião redigida pela Fuji (a seguir, em conjunto, «documentos controvertidos»). Segundo a Toshiba, embora, no n.° 208 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral tenha constatado, acertadamente, que a recorrente tinha renunciado, na reunião de Viena, a participar nas futuras reuniões na sequência da criação da TM T&D, ainda assim considerou, nos n.os 209 e 211 desse acórdão, que a participação da Toshiba no acordo de cavalheiros se mantinha duvidosa, dependendo de a TM T&D ser ou não parte. O Tribunal Geral contradiz‑se, então, na medida em que o único elemento que se mantinha suspenso após a reunião de Viena era a participação da TM T&D nas futuras reuniões e no acordo de cavalheiros, e não da Toshiba enquanto empresa individual.

50      A segunda parte, que visa em substância as considerações que figuram nos n.os 213, 218 e 220 do acórdão recorrido, respeita a uma aplicação alegadamente errada, pelo Tribunal Geral, do critério do «distanciamento público», ma medida em que esse órgão jurisdicional se terá baseado no facto de o acordo de cavalheiros ter sido confirmado na reunião de Viena para excluir qualquer possibilidade de a Toshina se ter publicamente distanciado desse acordo nessa reunião. Pelo contrário, o Tribunal Geral devia ter deduzido do facto de a Toshiba não ter participado na reunião de Zurique que esta sociedade tinha renunciado a participar no cartel a partir da reunião de Viena.

51      Com a terceira parte, a Toshiba acusa o Tribunal Geral de uma violação do princípio da responsabilidade pessoal, ao ter considerado que a recorrente tinha continuado a participar no cartel mesmo depois da criação da TM T&D, quando, após a sua criação, a Toshiba saiu do mercado em causa. A este respeito, a Toshiba contesta designadamente as constatações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 218 a 221 do acórdão recorrido, na medida em que esse órgão jurisdicional cometeu um erro de direito ao afirmar, em substância, que a participação da recorrente na infração até à reunião de Zurique resultava do facto de ter «dado a pensar aos outros participantes que ela ou a TM T&D continuava a participar no acordo de cavalheiros», sem proceder a uma verificação concreta da presença da Toshiba nessa reunião.

52      A Comissão considera que este fundamento deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à primeira parte do terceiro fundamento

53      Tratando‑se, em primeiro lugar, da acusação suscitada pela Toshiba no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento e relativa a uma contradição de fundamentos, há que constatar que essa acusação assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

54      É verdade que o Tribunal Geral, no n.° 208 do acórdão recorrido, admitiu, com base nos documentos controvertidos, que a participação individual da Toshiba no acordo de cavalheiros depois da reunião de Viena tinha de ser ainda decidida, devido à criação da TM T&D. No n.° 209 desse acórdão, o Tribunal Geral constatou, a este respeito, que os documentos controvertidos permitiam deduzir que, no termo da reunião de Viena, existiam «dúvidas a respeito da futura participação da recorrente no acordo de cavalheiros e a respeito da continuação deste e […] que devia realizar‑se uma futura reunião, na qual se deveria discutir esta questão».

55      Todavia, por um lado, conforme decorre do mesmo n.° 208, as empresas que participam no cartel consideravam que já não havia interesse em manter o acordo de cavalheiros sem a participação da recorrente. Por outro, o Tribunal Geral constatou, no n.° 211 do acórdão recorrido, que o acordo de cavalheiros e as regras de notificação dos projetos abrangidos por este cartel foram confirmados pelos participantes na reunião de Viena.

56      Resulta do exposto que foi sem contradizer‑se que o Tribunal Geral decidiu, em substância, no n.° 213 do acórdão recorrido, que não se podia deduzir dos documentos controvertidos que a intenção da Toshiba de se distanciar do acordo de cavalheiros se verificasse desde a reunião de Viena e fosse claramente entendida pelos outros participantes nessa reunião, tanto mais que resulta igualmente desses documentos que a prorrogação do cartel não teria nenhum interesse, tendo em conta a importância que as partes atribuíam à participação da Toshiba nesse cartel. Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento, na parte em que respeita a uma contradição de fundamentos.

57      No que respeita, em segundo lugar, ao argumento relativo a uma desvirtuação, pelo Tribunal Geral, do alcance dos documentos controvertidos, não resulta de modo algum desses documentos que a Toshiba tenha saído do acordo de cavalheiros a partir da reunião de Viena. Com efeito, conforme constatou o advogado‑geral nos n.os 119 a 121 das suas conclusões, resulta, por um lado, da nota interna relativa à reunião de Viena, redigida por M., pertencente à sociedade Fuji, que a participação da Toshiba nas reuniões posteriores à criação da TM T&D devia ainda ser decidida. É verdade que resulta da nota explicativa redigida pela sociedade Fuji a propósito dessa reunião que «a possibilidade de a Toshiba assistir às reuniões depois da criação da TM T&D (ao passo que a Mitsubishi não assiste) foi refutada pela Toshiba». No entanto, a mesma nota refere também que, «uma vez que a Mitsubishi deixou de participar nessas reuniões, devia ser tomada uma decisão para saber se a TM T&D será autorizada a participar nas referidas reuniões».

58      Por outro lado, decorre claramente da ata da reunião de Viena que a questão da participação da Toshiba nas futuras reuniões devia ser decidida «relativamente depressa» e que esta questão devia constituir o ponto principal da reunião seguinte. Assim, não se pode considerar que o Tribunal Geral tenha desvirtuado os elementos de prova à sua disposição.

59      Por conseguinte, não se pode considerar que os fundamentos do Tribunal Geral são contraditórios ou que o mesmo desvirtuou os elementos de prova à sua disposição. Tendo em conta o exposto, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

60      Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, a Toshiba acusa o Tribunal Geral, em substância, de não ter concluído pelo seu distanciamento do acordo de cavalheiros na reunião de Viena, apesar das declarações que fez nessa reunião e do facto de esta sociedade não ter participado na reunião de Zurique.

61      A este respeito, importa recordar que basta à Comissão demonstrar que a empresa em causa participou em reuniões, no decurso das quais foram concluídos acordos de natureza anticoncorrencial, sem se lhes ter manifestamente oposto, para provar suficientemente a participação da referida empresa no cartel. A partir do momento em que a participação nessas reuniões foi demonstrada, incumbe a essa empresa apresentar indícios suscetíveis de provar que participou nas referidas reuniões sem espírito anticoncorrencial, demonstrando que tinha indicado aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa ótica diferente da deles (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.° 81).

62      Para apreciar se uma empresa se distanciou efetivamente, é a compreensão que os outros participantes num cartel têm da intenção da empresa em causa que é determinante para apreciar se esta entendeu distanciar‑se do acordo ilícito (acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, EU:C:2009:166, n.° 120).

63      Neste contexto, importa sublinhar que o conceito de «distanciamento público» traduz uma situação de facto, cuja existência é verificada pelo Tribunal Geral, caso a caso, tomando em consideração um determinado número de coincidências e de indícios que lhe foram apresentados e após uma avaliação global de todas as provas e indícios pertinentes. Se estas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras de processo aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, cabe exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Esta apreciação não constitui, por isso, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão Comap/Comissão, C‑290/11 P, EU:C:2012:271, n.° 71).

64      No presente caso, há que constatar que, no n.° 208 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral admitiu, primeiro, baseando‑se na análise dos documentos controvertidos, que existiam dúvidas a respeito da participação da Toshiba na infração depois da reunião de Viena e que as partes no acordo não tinham interesse em manter o acordo de cavalheiros sem a participação da recorrente.

65      Em seguida, no n.° 209 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deduziu dos documentos controvertidos que a questão da participação futura da Toshiba no cartel e da manutenção desse devia ser discutida no decurso de uma próxima reunião.

66      Por último, no n.° 211 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que resultava dos documentos controvertidos que as empresas participantes na reunião de Viena, incluindo a Toshiba, confirmaram o acordo de cavalheiros e as regras de notificação de projetos abrangidos por esse cartel.

67      Com base na sua apreciação dos elementos de prova, e conforme já recordado no n.° 56 do presente acórdão, o Tribunal Geral concluiu, por conseguinte, no n.° 213 do acórdão recorrido, que a Toshiba não se tinha distanciado definitivamente do cartel na reunião de Viena, tendo em conta, designadamente, a confirmação das regras de notificação de projetos previstas no acordo de cavalheiros.

68      Assim, há que considerar que, com a segunda parte do terceiro fundamento, a Toshiba pretende, em substância, convidar o Tribunal de Justiça a substituir a apreciação dos elementos de prova efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido pela sua própria apreciação.

69      Por conseguinte, e na medida em que, conforme assinalado no n.° 58 do presente acórdão, a análise dos documentos controvertidos não revela nenhuma desvirtuação manifesta, há que julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento.

–       Quanto à terceira parte do terceiro fundamento

70      Com a terceira parte do terceiro fundamento, a Toshiba alega, em substância, que, ao concluir pela sua participação no acordo de cavalheiros no período entre a reunião de Viena e a de Zurique, sem verificar se a recorrente tinha efetivamente participado nessa reunião, o Tribunal Geral violou o princípio da responsabilidade pessoal.

71      A este respeito, importa recordar que a participação de uma empresa numa reunião com objeto anticoncorrencial cria uma presunção do caráter ilícito dessa participação, presunção que essa empresa deve ilidir fazendo prova de um distanciamento público que deve ser entendido como tal pelos outros participantes no cartel (acórdão Total Marketing Services/Comissão, C‑634/13 P, EU:C:2015:614, n.° 21).

72      No presente caso, há que referir que o Tribunal Geral, no n.° 218 do acórdão recorrido, constatou que os argumentos da recorrente que pretendem demonstrar a sua não participação no cartel até à reunião de Zurique eram inoperantes.

73      Para chegar a esta conclusão o Tribunal Geral baseou‑se, remetendo para a sua apreciação relativa aos n.os 205 a 214 do acórdão recorrido, no facto de a Toshiba não se ter distanciado do cartel na reunião de Viena e de, no decurso desta reunião, ter sido acordado entre os participantes discutir na reunião seguinte, isto é, a reunião de Zurique, em 15 e 16 de maio de 2003, a futura participação da recorrente no acordo de cavalheiros.

74      Esta constatação é decisiva uma vez que, conforme decorre do n.° 66 do presente acórdão, na reunião de Viena, as participantes nesta última, incluindo a Toshiba, confirmaram o acordo de cavalheiros e as regras de notificação de projetos abrangidos por esse cartel.

75      Nestas condições, há que constatar que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar que a participação da recorrente na reunião de Zurique era desprovida de pertinência para se concluir pela continuação da sua participação no cartel até a esta última reunião.

76      Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do terceiro fundamento.

77      Assim, há que negar provimento ao terceiro fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

78      Com o seu quarto fundamento, relativo à determinação do montante de base da coima, a Toshiba alega que o Tribunal Geral não aplicou corretamente o ponto 18 das Orientações de 2006, designadamente no que respeita ao conceito de «área geográfica (mais vasta do que o EEE) em causa». Com efeito, embora o cartel respeitasse apenas aos territórios do EEE e do Japão, o Tribunal Geral terá tido em conta, para refletir de modo adequado o peso das partes na infração, as quotas de mercado mundiais dos produtores de transformadores elétricos. Em contrapartida, tendo o cartel ilícito como objetivo proteger os mercados do EEE e do Japão, a Toshiba considera, em substância, que o Tribunal Geral devia, para o cálculo do montante de base da coima, ter tomado em consideração apenas as quotas de mercado nestes territórios.

79      Ao invés das considerações desenvolvidas pelo Tribunal Geral no n.° 276 do acórdão recorrido, a tomada em conta de quotas de mercado a nível mundial só encontraria justificação na inexistência de barreiras à entrada no mercado do EEE. Com efeito, na presença de tais barreiras, como será no caso vertente, os produtores japoneses não poderiam realizar nesse território quotas de mercado equivalentes às detidas a nível mundial.

80      A Toshiba sustenta também que, tendo cada mercado geográfico a suas próprias especificidades, o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar, no n.° 288 do acórdão recorrido, que o método adotado era suscetível de ter em conta «eventuais barreiras à entrada que podiam existir nos diferentes segmentos geográficos do mercado mundial».

81      A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

82      Com o seu quarto fundamento, a Toshiba invoca, em substância, uma interpretação errada do ponto 18 das Orientações de 2006, na medida em que o Tribunal Geral acolheu a análise da Comissão segundo a qual, no presente caso, a «área geográfica (mais vasta do que o EEE) em causa» prevista por aquela disposição podia estender‑se não apenas aos territórios do EEE e do Japão mas também ao mundo inteiro.

83      Importa referir, em primeiro lugar, que a Comissão adotou as Orientações de 2006, no âmbito da execução das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, para garantir a transparência e o caráter objetivo das suas decisões. Esta disposição visa nomeadamente assegurar à coima um caráter dissuasivo suficiente, que justifica que se tome em consideração a dimensão e o poder económico da empresa em causa (acórdão Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.° 142). Com efeito, é a procura desse efeito dissuasivo suficiente da coima, reiterado no ponto 4 das Orientações de 2006, que justifica que se tenha em conta a capacidade financeira da empresa punida (v., neste sentido, acórdãos YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.° 85, e Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.° 143).

84      Assim, a Comissão deve apreciar, em cada caso concreto e à luz do seu contexto e dos objetivos prosseguidos pelo regime de sanções instituído pelo Regulamento n.° 1/2003, as consequências pretendidas para a empresa em causa, tendo em conta o volume de negócios que reflete a sua situação económica real durante o período em que foi cometida a infração (v. acórdão Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.° 144).

85      Em segundo lugar, importa recordar que o ponto 13 das Orientações de 2006, relativo às infrações cuja amplitude geográfica não ultrapassa a área do EEE, prevê que o valor das vendas a utilizar para determinar o montante de base da coima a aplicar é o valor das vendas dos bens ou serviços realizado pela empresa relacionadas com a infração. Este ponto tem por objetivo fixar como ponto de partida no cálculo da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo dessa empresa na mesma (v., neste sentido, acórdão Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.° 148).

86      De igual modo, o ponto 18 das Orientações de 2006, quando derroga a delimitação da área geográfica referida no ponto 13 das mesmas orientações, persegue o mesmo objetivo de refletir da forma mais adequada possível o peso e o poder económico da empresa em causa na infração, por forma a assegurar à coima um caráter dissuasivo.

87      No caso concreto, uma interpretação do conceito de «área geográfica (mais vasta do que o EEE) em causa» que apenas tomasse em consideração os territórios visados pelo cartel ilícito seria contrária ao objetivo previsto no ponto 18 das Orientações de 2006, bem como, de resto, ao artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003.

88      Com efeito, conforme alegou a Comissão na sua contestação, se apenas tivessem sido tidas em conta as vendas no EEE, a Toshiba teria escapado a qualquer coima, uma vez que esta sociedade não realizou vendas no EEE no decurso do ano de referência usado pela Comissão. Além disso, ainda que as vendas no Japão tivessem sido tidas em contas, tal abordagem teria ignorado que as partes no acordo de cavalheiros são produtores de transformadores elétricos a nível mundial. Com efeito, conforme o Tribunal Geral referiu no n.° 275 do acórdão recorrido, «o acordo de cavalheiros tinha como resultado que o potencial de concorrência mundial das empresas em causa não tinha sido utilizado em proveito do mercado do EEE». Assim, limitar a área geográfica em causa a estes dois territórios não teria refletido de maneira adequada o peso da empresa no cartel e não teria assegurado o caráter dissuasivo da coima.

89      Importa também referir que, conforme alegou o advogado‑geral no n.° 153 das suas conclusões, a tomada em consideração apenas dos territórios do Japão ou do EEE teria levado, em substância, a recompensar os participantes no acordo de cavalheiros por terem respeitado os termos do cartel ilícito, o qual previa precisamente que as partes deviam abster‑se de todas as vendas no território do outro grupo de empresas.

90      Tendo em conta estas considerações, há que concluir que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao acolher, nos n.os 282 e 292 do acórdão recorrido, a metodologia de cálculo do montante de base das coimas utilizada no presente caso pela Comissão.

91      Em face do exposto, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

92      Decorre de todas as considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

93      Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Nos termos do disposto no artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Toshiba sido vencida e tendo a Comissão pedido a condenação desta sociedade nas despesas, há que condená‑la nas despesas relativas ao presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Toshiba Corporation é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.