Language of document : ECLI:EU:T:1998:35

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

17 de Fevereiro de 1998 (1)

«Regulamento (CEE) n.° 2377/90 — Inclusão do somatosalm na lista das substâncias não sujeitas a um limite máximo de resíduos — Acção por omissão — Pedido de indemnização»

No processo T-105/96,

Pharos SA, associação de direito belga, estabelecida em Seraing (Bélgica), representada por Alexandre Vandencasteele, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10, rue Mathias Hardt,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Fernando Castillo de la Torre e Michel Nolin, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandada,

que tem por objecto, por um lado, um pedido, ao abrigo do artigo 175.° do Tratado CE, destinado a obter a declaração de que a Comissão, se absteve ilegalmente de prosseguir o processo destinado a incluir o somatosalm produzido pela demandante na lista das substâncias não sujeitas a um limite máximo de resíduos do Anexo II do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, de 26 de Junho de 1990, que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224, p. 1), e, por outro, um pedido, ao abrigo dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do mesmo Tratado, destinado a obter a condenação da Comissão a indemnizar a demandante pelo prejuízo alegadamente sofrido na sequência dessa omissão,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, C. P. Briët e A. Potocki, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal

vistos os autos e após a audiência de 14 de Outubro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    Em 26 de Junho de 1990, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2377/90, que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224, p. 1, a seguir «regulamento» ou «Regulamento n.° 2377/90»).

2.
    Dando execução a este regulamento, a Comissão fixou o limite máximo de resíduos (a seguir «LMR»). O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do regulamento definiu este limite como a concentração máxima de resíduos resultante da utilização de um medicamento veterinário que a Comunidade pode aceitar como legalmente autorizada ou que é reconhecida como aceitável «à superfície ou no interior de um alimento».

    

3.
    O regulamento prevê o estabelecimento de quatro anexos, nos quais pode ser incluída uma substância farmacologicamente activa, destinada à utilização em medicamentos veterinários para administração a «animais para produção de alimentos»:

—    anexo I, reservado às substâncias relativamente às quais pode ser fixado um LMR, depois de uma avaliação dos riscos que essa substância apresenta para a saúde humana;

—    anexo II, reservado às substâncias não sujeitas a um LMR;

—    anexo III, reservado às substâncias relativamente às quais não é possível fixar definitivamente um LMR, mas às quais pode, sem riscos para a saúde humana, ser atribuído um LMR provisório durante um determinado lapso de tempo, ligado ao tempo necessário para completar os estudos científicos adequados, prazo este que só pode ser prorrogado uma vez;

—    anexo IV, reservado às substâncias relativamente às quais não pode ser fixado nenhum LMR, por constituirem, independentemente de qualquer consideração de natureza quantitativa, um risco para a saúde do consumidor.

4.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do regulamento, para obter a inclusão nos anexos I, II ou III de uma nova substância farmacologicamente activa, o responsável pela sua comercialização deverá apresentar à Comissão um pedido para esse efeito, fornecendo determinadas informações e especificações.

5.
    Segundo o artigo 6.°, n.° 2, depois de verificar, num prazo de 30 dias, que o pedido foi correctamente apresentado, a Comissão remete-o imediatamente, para análise, ao Comité dos Medicamentos Veterinários (a seguir «CMV»).

6.
    O artigo 6.°, n.° 3, dispõe:

«No prazo de 120 dias a contar da data de apresentação do pedido ao [CMV] e tendo em conta as observações formuladas pelos membros deste, a Comissão elaborará um projecto das medidas a tomar. Se as informações apresentadas pelo responsável pela comercialização forem insuficientes para permitir a elaboração do projecto de medidas, o responsável será convidado a fornecer informações complementares que serão analisadas pelo [CMV]...»

7.
    O artigo 6.°, n.° 5, estabelece que, num novo prazo de 60 dias, a Comissão apresentará o projecto de medidas ao Comité para a Adaptação ao Progresso Técnico das directivas relativas aos medicamentos veterinários (a seguir «comité regulador»).

8.
    Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, o comité regulador emite o seu parecer sobre este projecto de medidas num prazo fixado pelo presidente em função da urgência da questão. O comité pronuncia-se por maioria qualificada, sendo os votos dos representantes dos Estados-Membros sujeitos à ponderação definida no n.° 2 do artigo 148.° do Tratado.

9.
    O artigo 8.°, n.° 3, prevê:

«a)    A Comissão adopta as medidas projectadas desde que sejam conformes com o parecer do comité [regulador].

b)    Se as medidas projectadas não forem conformes com o parecer do comité ou na ausência de parecer, a Comissão submeterá sem demora ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar. O Conselho delibera por maioria qualificada.

c)    Se, no termo de um prazo de três meses a contar da data em que o assunto foi submetido à apreciação do Conselho, este ainda não tiver deliberado, a Comissão adoptará as medidas propostas, excepto no caso de o Conselho se ter pronunciado por maioria simples contra as referidas medidas.»

Matéria de facto

10.
    A demandante é uma sociedade especializada em biotecnologia e desenvolve a sua actividade designadamente no sector farmacêutico.

11.
    Em 1994, a investigação farmacêutica por ela efectuada levou ao desenvolvimento de um produto veterinário denominado «Smoltine», destinado a facilitar a passagem dos salmões da água doce para a água do mar. A substância farmacologicamente activa da Smoltine é o somatosalm, substância pertencente à família das somatotrofinas.

12.
    Em 17 de Outubro de 1994, a demandante apresentou um pedido para inclusão do somatosalm no anexo II do Regulamento n.° 2377/90 (a seguir «anexo II»).

13.
    Tendo verificado que o pedido tinha sido correctamente apresentado, a Comissão submeteu-o para exame ao CMV, nos termos do disposto no artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2377/90.

14.
    Por carta de 13 de Abril de 1995, a Comissão informou a demandante que o CMV lhe tinha recomendado a integração do somatosalm no anexo II. Acrescentava que, em cumprimento do artigo 8.° do Regulamento n.° 2377/90, iria enviar ao comité regulador, para adopção por este, um projecto das medidas a tomar, elaborado com base na proposta do CMV.

15.
    Por carta de 31 de Agosto de 1995, informou a demandante que tinha apresentado ao comité regulador um projecto de regulamento que inscrevia o somatosalm no anexo II, mas que, na reunião deste comité, tinha retirado o somatosalm do projecto.

16.
    Em 16 de Outubro de 1995, submeteu ao comité regulador um novo projecto de regulamento que inscrevia o somatosalm no anexo II. Este projecto não obteve,

porém, por parte de uma maioria qualificada do comité regulador um parecer favorável às medidas propostas.

17.
    Com efeito, pronunciaram-se contra as medidas propostas quatro Estados-Membros, considerando que a suspensão de autorização da somatotrofina bovina (a seguir «BST») (JO L 116, p. 27), imposta pela Decisão 90/218/CEE do Conselho, de 25 de Abril de 1990, relativa à administração de somatotrofina bovina (BST) (JO L 116, p. 27), com a redacção resultante da última alteração efectuada pela Decisão 94/936/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994 (JO L 366, p. 19) seria indirectamente posta em causa se o somatosalm, que é também uma somatotrofina, fosse classificado num dos anexos do Regulamento n.° 2377/90. Além disso, seis outros Estados-Membros abstiveram-se nesta votação.

18.
    Em 6 de Março de 1996, a demandante enviou uma carta registada à Comissão, convidando-a formalmente a agir e a tomar «as medidas necessárias, nos termos do artigo 175.° do Tratado, para que o procedimento de inclusão do somatosalm no... anexo II... fosse continuado nos mais breves prazos».

19.
    Em 23 de Abril de 1996, a Comissão enviou ao CMV uma carta, informando-o da sua decisão de suspender a classificação do somatosalm no Anexo II até à obtenção de informações científicas complementares. Explicava que, no comité regulador, se tinha gerado alguma oposição ao somatosalm, pelo facto de esta substância poder ser utilizada como promotora do crescimento. Pedia consequentemente ao CMV um parecer complementar sobre a questão de saber se era possível uma utilização abusiva do produto em causa.

20.
    Por carta de 14 de Maio de 1996, a Comissão informou a demandante que tinha decidido pedir ao CMV esse parecer complementar, antes de dar continuação ao procedimento de classificação do somatosalm num dos anexos do Regulamento n.° 2377/90.

21.
    Por carta de 27 de Junho de 1996, o CMV respondeu ao pedido de parecer complementar que, após um estudo específico, tinha chegado à conclusão de que o risco de utilização fraudulenta do somatosalm como auxiliar do crescimento poderia considerar-se inexistente.

22.
    Na sequência desta resposta, a Comissão transmitiu ao Conselho, em 25 de Setembro de 1996, uma nova proposta de regulamento para inclusão do somatosalm no anexo II.

23.
    O Conselho não decidiu sobre esta proposta no prazo de três meses previsto pelo artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do regulamento.

Tramitação processual e pedidos das partes

24.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Julho de 1996, a demandante intentou a presente acção.

25.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução.

26.
    As alegações das partes e as respostas destas às perguntas do Tribunal foram apresentadas na audiência pública realizada em 14 de Outubro de 1997.

27.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    declarar que a Comissão ao abster-se de prosseguir o processo destinado à inclusão do somatosalm produzido pela demandante na lista dassubstâncias não sujeitas a um LMR do anexo II, não cumpriu as suas obrigações;

—    condenar a Comissão a pagar à demandante uma indemnização por danos acrescida de juros, que fixou provisoriamente em 512 milhões de BFR, ou, pelo menos, e ainda a título provisório, em 353 milhões de BFR;

—    condenar a demandada nas despesas da instância.

28.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar extinta a instância quanto ao pedido formulado ao abrigo do artigo 175.° do Tratado;

—    ordenar a audição dos accionistas-mutuantes da demandante;

—    julgar improcedente o pedido da demandante ao abrigo dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado;

—    condenar a demandante nas despesas.

Quanto aos pedidos da acção por omissão

Fundamentos e argumentos das partes

29.
    A demandante lembra que, em 17 de Outubro de 1994, apresentou um pedido para inclusão do somatosalm no anexo II. Recorda igualmente que, quando a Comissão submeteu ao comité regulador, em 16 de Outubro de 1995, um projecto de medidas que inscrevia o somatosalm no anexo II, este comité não deu parecer favorável às medidas propostas.

30.
    A demandante refere-se ao artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2377/90, que determina que, quando as medidas projectadas não forem conformes com o

parecer do comité ou na ausência de parecer, a Comissão deve submeter sem demora ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar.

31.
    Ora, quando a petição deu entrada no Tribunal, em 8 de Julho de 1996, a Comissão ainda não tinha submetido essa proposta ao Conselho. A Comissão ter-se-ia, portanto, abstido ilicitamente de dar continuação ao processo de inclusão do somatosalm no anexo II. Por outro lado, se a Comissão transmitiu finalmente ao Conselho, em 25 de Setembro de 1996, uma proposta de regulamento, nem por isso deixou de estar numa situação de omissão durante onze meses.

32.
    A demandante não esquece que, em 23 de Abril de 1996, a Comissão pediu ao CMV um parecer complementar sobre a possibilidade de utilização do somatosalm como promotor do crescimento. Porém, o artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2337/90 não prevê, em nenhum caso, que a Comissão tenha direito a pedir ao CMV um parecer complementar.

33.
    De qualquer modo, a actuação complementar da Comissão não teria sido diligente. A demandante salienta que a falta de parecer do comité regulador se verificou em 16 de Outubro de 1995 e que o pedido de parecer complementar ao CMV só foi enviado em 23 de Abril de 1996, quer dizer, após seis meses de inactividade. Este período de inactividade não seria, de modo nenhum, compatível com a obrigação de agir «sem demora» estabelecida no artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2377/90.

34.
    A Comissão ter-se-ia assim abstido, em violação das suas obrigações, de prosseguir o processo destinado a incluir o somatosalm produzido pela demandante na lista das substâncias não sujeitas a uma LMR do anexo II. O pedido na acção por omissão seria, portanto, procedente.

35.
    A Comissão alega, a título principal, que há inutilidade superveniente do pedido na acção por omissão.

36.
    A Comissão faz notar que, em 25 de Setembro de 1996, transmitiu ao Conselho uma proposta de regulamento para inclusão do somatosalm no anexo II. Adoptou, portanto, antes de o acórdão ser proferido, as medidas solicitadas pela demandante. O objecto do pedido na acção por omissão teria, assim, desaparecido, de modo que já não se justificaria decidir sobre ele (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1988, Parlamento/Conselho, 377/87, Colect., p. 4017, n.° 10).

37.
    A título subsidiário, a Comissão alega que o pedido na acção por omissão deve improceder.

38.
    Reconhece que o artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2377/90 lhe impõe uma certa diligência. Esta obrigação tem, no entanto, que ser conciliada com outras obrigações previstas pelo mesmo regulamento e, mais especificamente, com a

obrigação prevista no artigo 15.°, segundo o qual «O presente regulamento não poderá de modo algum prejudicar a aplicação da regulamentação comunitária que proíbe a utilização, na pecuária, de certas substâncias com efeitos sobre a actividade hormonal».

39.
    A Comissão lembra que o somatosalm é uma somatotrofina da mesma família que a BST, que está sujeita a uma suspensão de lançamento no mercado e de comercialização. Recorda ainda que, foi com base nessa suspensão e no facto de a mesma ser implicitamente posta em causa no caso de outra somatotrofina aparecer no mercado da Comunidade que vários Estados-Membros se opuseram, no comité regulador, ao próprio princípio da classificação do somatosalm num dos anexos do Regulamento n.° 2377/90.

40.
    Ora, foi tendo em conta esse risco evocado pelos Estados-Membros e o teor do artigo 15.° do Regulamento n.° 2377/90, que a Comissão decidiu, apesar de não existir um procedimento expressamente previsto para o efeito neste regulamento, consultar de novo o CMV. A demandada alega que, graças ao segundo parecer desta entidade, pôde dissipar todas as dúvidas sobre a questão e, desse modo, facilitar consideravelmente os trabalhos do Conselho quanto à classificação do somatosalm no anexo II.

Apreciação do Tribunal

41.
    Segundo jurisprudência constante, a via de recurso prevista no artigo 175.° baseia-se na ideia de que a inacção ilegal do Parlamento Europeu, do Conselho ou da Comissão permite que as outras instituições e os Estados-Membros, bem como, em casos como o aqui em apreço, os particulares, recorram ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal de Primeira Instância para que estes declarem que a abstenção é contrária ao Tratado, se a instituição em causa não tiver reparado essa abstenção. Esta declaração tem como efeito, nos termos do artigo 176.° do Tratado, que a instituição demandada deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Primeira Instância, sem prejuízo das acções relativas à responsabilidade extracontratual eventualmente decorrentes dessa mesma declaração (acórdãos, do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C-15/91 e C-108/91, Colect., p. I-6061, n.° 14, e do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Asia Motor France e o./Comissão, T-28/90, Colect., p. II-2285, n.° 36).

42.
    Quando o acto cuja omissão é objecto do litígio tiver sido praticado após a expiração do prazo de dois meses a seguir ao convite a agir, mas antes de proferido acórdão, uma decisão do Tribunal que declare a ilegalidade da abstenção inicial deixa de poder conduzir às consequências previstas no artigo 176.°. Daí resulta que, nesse caso, tal como no caso de a instituição demandada ter reagido ao convite a agir no prazo de dois meses, o objecto da acção desaparece (v. neste sentido os mesmos acórdãos, n.os 15 e 37, respectivamente).

43.
    Por outro lado, em determinadas circunstâncias, um acto que não é susceptível de recurso de anulação pode, todavia, constituir uma tomada de posição que põe fim à omissão, se constituir a condição necessária para o desenrolar de um processo que deverá, em princípio, culminar num acto jurídico que pode, ele, ser objecto de recurso de anulação (acórdãos, do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Parlamento/Conselho, 302/87, Colect., p. 5615, n.° 16, e do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 1995, Guérin automobiles/Comissão, T-186/94, Colect., p. II-1753, n.° 25).

44.
    No caso em apreço, há que reconhecer que, em 25 de Setembro de 1996, a Comissão transmitiu ao Conselho uma proposta de regulamento para inclusão do somatosalm no anexo II. Ao fazê-lo, a instituição tomou posição, antes de o acórdão ser proferido, sobre o convite a agir da demandante.

45.
    Nestas condições, há que julgar extinta a instância na acção por omissão, por inutilidade superveniente da lide.

Quanto aos pedidos de indemnização

Observações preliminares

46.
    O segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado estabelece que, em matéria de responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros, os danos causados pelas suas instituições no exercício das suas funções.

47.
    Segundo uma jurisprudência bem assente, só há lugar à responsabilidade extracontratual da Comunidade se estiver reunido um conjunto de condições relativo à ilegalidade do comportamento censurado à instituição comunitária, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo invocado (v., por exemplo, os acórdãos, do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1992, Pesqueria de Bermeo e Naviera Laida/Comissão, C-258/90 e C-259/90, Colect., p. I-2901, n.° 42, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 80).

48.
    No presente caso, dever-se-á analisar, antes de mais, a condição respeitante à existência de um comportamento ilícito.

Quanto à existência de um comportamento ilícito da Comissão

Argumentos das partes

— Quanto ao regime da responsabilidade

49.
    A Comissão refere-se aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão (T-571/93, Colect., p. II-2379), e de 18 de Setembro de 1995, Nölle/Conselho e Comissão (T-167/94, Colect., p. II-2589, n.° 52), para sustentar que, uma vez que a alegada omissão causadora do prejuízo diz respeito à apresentação de um projecto de regulamento, a demandante tem que demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito que protege os particulares.

50.
    A demandante não contesta que deve demonstrar a existência dessa violação.

— Quanto à existência de uma violação de uma regra superior de direito que protege os particulares

51.
    A demandante considera que a Comissão violou duas regras superiores de direito que protegem os particulares, isto é, por um lado, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, e, por outro, o princípio da boa administração.

52.
    A demandante lembra que os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima exigem que a aplicação de uma medida legislativa a uma situação específica seja previsível (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 6 de Abril de 1962, Geus en Uitdenbogerd, 13/61, Colect. 1962-1964, p. 11, e de 5 de Junho de 1973, Comissão/Conselho, 81/72, Recueil, p. 575; Colect., p. 239). No presente caso, a demandante tinha o direito de esperar que a Comissão aplicasse correctamente o procedimento previsto no Regulamento n.° 2377/90, submetendo «sem demora» ao Conselho uma proposta de medidas a tomar, a partir do momento em que, em 16 de Outubro de 1995, o comité regulador não deu parecer favorável às medidas propostas pela Comissão.

53.
    Ora, a partir de 16 de Outubro de 1995, a Comissão nada teria feito para fazer progredir o processo durante um período de seis meses, isto é, até 23 de Abril de 1996, data em que decidiu solicitar informações complementares ao CMV. Nestascircunstâncias, a Comissão teria violado os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

54.
    Teria havido igualmente violação do princípio da boa administração, dado que a Comissão devia ter procurado obter todas as informações que julgava necessárias logo com o primeiro projecto de medidas a tomar que apresentou ao comité regulador, uma vez que a suspensão da BST já existia nessa altura.

55.
    Este último princípio, que impõe à instituição comunitária que seja diligente e eficaz, impede que a Comissão permaneça inactiva, sem razão, durante seis meses, entre 16 de Outubro de 1995 e 23 de Abril de 1996.

56.
    A Comissão entende que fez uma correcta utilização do procedimento previsto pelo Regulamento n.° 2377/90. Não teria, portanto, violado o princípio da

protecção da confiança legítima. Segundo a Comissão, se se seguisse a argumentação da demandante, qualquer violação de uma disposição comunitária seria contrária ao princípio da confiança legítima, porque um particular teria sempre direito a esperar que as instituições comunitárias respeitassem o direito comunitário.

57.
    A Comissão observa que, segundo a jurisprudência,o direito de invocar a protecção da confiança legítima é reconhecido a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulta que a administração comunitária, ao dar-lhe garantias precisas, lhe criou expectativas fundadas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T-336/94, Colect, p. II-1343, n.° 31). Ora a demandante não explicou em que é que consistiam essas «garantias precisas» no presente caso.

58.
    Relativamente à alegada violação do princípio da boa administração, a Comissão sustenta que solicitou um parecer complementar ao CMV no momento em que surgiram dúvidas quanto à questão de saber se a inclusão do somatosalm no anexo II podia pôr em causa a suspensão da BST. Esta segunda consulta do CMV teria decorrido precisamente do princípio da boa administração. Com efeito, se no decurso do procedimento previsto pelo Regulamento n.° 2377/90, surgem dúvidas quanto à legalidade do acto em causa, a Comissão tem o dever de as tomar em consideração. Por outro lado, o dever de diligência, que é consagrado pelo princípio da boa administração, não pode ser alargado até ao ponto de envolver a responsabilidade de uma instituição, pelo facto de esta não ter tomado em consideração, desde o início do processo, todos os elementos dele constantes.

59.
    A Comissão refere-se ao processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1978, Denkavit/Comissão (14/78, Recueil, p. 2497; Colect., p. 871), no qual a então demandante criticava a Comissão por ter esperado 21 meses antes de tomar medidas, em circunstâncias comparáveis às do caso ora em apreço. Lembra que neste acórdão (n.° 20), o Tribunal entendeu que não se podia criticar a Comissão por ter esperado até estar completamente informada de modo a tomar uma decisão numa matéria tão complexa como a que se referia à presença, em alimentos para animais, de substâncias que poderiam vir a revelar-se indesejáveis do ponto de vista da saúde humana ou animal.

60.
    A Comissão sublinha, por último, que o Tribunal tem que ter uma visão de conjunto das vantagens e inconvenientes, para os agentes económicos, das acções e omissões das instituições comunitárias. No caso em apreço, ao consultar o CMV uma segunda vez, a Comissão teria, de facto, facilitado consideravelmente a adopção do regulamento que inscreve o somatosalm no anexo II.

61.
    Nestas condições, a Comissão entende que não desrespeitou os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, nem o princípio da boa administração.

Apreciação do Tribunal

62.
    Como as partes admitem, só pode haver responsabilidade da Comissão, no presente caso, se se fizer prova de que houve uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que protege os particulares, dado que a alegada omissão se refere a um acto normativo.

— Quanto à existência de uma violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima

63.
    O princípio da segurança jurídica visa, designadamente, garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas que relevam do direito comunitário (acórdãos, do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C-63/93, Colect., p. I-569, n.° 20, e do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-0000, n.° 113).

64.
    O princípio da protecção da confiança legítima pode ser invocado por qualquer particular em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito surgir expectativas fundadas(acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1994, Unifruit Hellas/Comissão, T-489/93, Colect., p. II-1201, n.° 51). Inversamente, na falta de garantias precisas fornecidas pela administração, ninguém pode invocar uma violação do princípio da confiança legítima (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./CEE, T-521/93, Colect., p. II-1707, n.° 57).

65.
    No caso em apreço, há que observar que o artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2377/90 não determina, de modo preciso, o prazo em que a Comissão deve submeter ao Conselho uma proposta com as medidas a tomar. Pelo contrário, ao utilizar a expressão «sem demora», o legislador comunitário, embora impondo à Comissão que actue rapidamente, deixa-lhe uma certa margem de manobra.

66.
    Não se pode, portanto, deduzir da regulamentação aplicável que o prazo em que a Comissão devia agir era perfeitamente previsível e que foram dadas à demandante garantias precisas quanto a esse prazo.

67.
    Por outro lado, se é verdade que a Comissão precisou de onze meses para submeter ao Conselho, em 25 de Setembro de 1996, uma proposta de medidas a tomar, não é menos verdade que, em 23 de Abril de 1996, pediu ao CMV um parecer complementar.

68.
    Tendo em atenção que alguns Estados-Membros se opuseram à inclusão do somatosalm no anexo II, porque temiam que esta substância pudesse ser utilizada como promotor do crescimento, não se pode criticar a Comissão por ter reexaminado o processo durante um certo tempo e por ter pedido, a seguir, um parecer complementar ao CMV.

69.
    Com efeito, deve reconhecer-se à Comissão, quando confrontada a um processo científica e politicamente muito complexo e sensível, o direito de solicitar um parecer como o ora em causa, apesar do silêncio do Regulamento n.° 2377/90 quanto a este aspecto da questão.

70.
    Por outro lado, como a Comissão observou, com razão, foi graças ao parecer complementar pedido que pôde dissipar as dúvidas sobre a questão de saber se o somatosalm poderia vir a ser utilizado com promotor do crescimento. Nestas condições, facilitou consideravelmente o trabalho do Conselho, que, após ter tomado conhecimento do parecer complementar do CMV, não se opôs à classificação do somatosalm no anexo II.

71.
    Em última análise, ao pedir o parecer complementar em 23 de Abril de 1996, a Comissão só não tomou decisões durante seis meses após 16 de Outubro de 1995, data em que o comité regulador não deu parecer favorável às medidas propostas pela Comissão.

72.
    Nestas circunstâncias, a Comissão não violou nem o princípio da segurança jurídica, nem o da protecção da confiança legítima, nem a fortiori, de modo caracterizado.

— Quanto à existência de uma violação do princípio da boa administração

73.
    A questão que se põe é a de saber se o princípio da boa administração foi violado, por a Comissão não ter pedido informações complementares ao CMV logo na altura do primeiro projecto de medidas a tomar apresentado ao comité regulador. Por outro lado, põe-se a questão de saber se, ao pedir um parecer complementar seis meses após 16 de Outubro de 1995, data em que o comité regulador não deu parecer favorável às medidas propostas, a Comissão violou o princípio da boa administração.

74.
    Resulta dos autos que, num primeiro tempo, a Comissão não pediu informações complementares ao CMV, porque ainda não previa que os representantes dos Estados-Membros se iriam opor à inclusão do somatosalm no anexo II, referindo-se à suspensão da BST.

75.
    Com efeito, a Comissão pode ter julgado inicialmente que essa inclusão do somatosalm não se defrontaria com uma oposição séria, dado que a suspensão da BST dizia unicamente respeito à BST e não às outras somatotrofinas.

76.
    Quando, numa fase posterior do processo, se verificou que os representantes dos Estados-Membros ligavam a suspensão ao somatosalm, a Comissão pediu um parecer complementar ao CMV, depois de um período de reflexão razoável.

77.
    Nestas circunstâncias, a lógica seguida pela Comissão e as diligências efectuadas não demonstram de modo algum uma má gestão do processo por parte da Comissão.

78.
    Deve assim concluir-se que a Comissão não violou o princípio da boa administração de modo a fazer incorrer a Comunidade em responsabilidade.

Conclusão

79.
    Resulta de quanto precede que a demandante não fez prova de que a condição respeitante ao comportamento ilegal da demandada se verifica no presente caso.

80.
    O que tem como consequência que o pedido de indemnização deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário analisar se as condições respeitantes à existência de dano e de nexo de causalidade estão satisfeitas.

81.
    Por conseguinte, não se justifica o deferimento do pedido da Comissão de que seja ordenada a audição dos accionistas-mutuantes da demandante.

Quanto às despesas

Quanto aos pedidos na acção por omissão

82.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, quando não há lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas.

83.
    No presente caso, a Comissão não conduziu o processo de modo a merecer censura. Nestas condições, a demandante deve ser condenada nas despesas.

Quanto aos pedidos de indemnização

84.
    Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a demandante sido vencida quanto ao pedido de indemnização, há que condená-la no pagamento das despesas, nos termos do pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

decide:

1)    Não se justifica o deferimento do pedido de audição, apresentado pela Comissão.

2)    Julga-se extinta a instância na acção por omissão, por inutilidade superveniente da lide.

3)    Os pedidos de indemnização são improcedentes.

4)    A demandante é condenada nas despesas.

Vesterdorf
Briët
Potocki

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Fevereiro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: francês.