Language of document : ECLI:EU:T:2020:618

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

16 de dezembro de 2020 (*)

«Função pública — Funcionários — Cônjuge sobrevivo — Pensão de sobrevivência — Artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto — Condições de elegibilidade — Duração do casamento — Exceção de ilegalidade — Igualdade de tratamento — Princípio da não discriminação em razão da idade — Proporcionalidade — Conceito de “cônjuge”»

No processo T‑442/17 RENV,

RN, representada por F. Moyse, advogada,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Gattinara e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada pelo

Parlamento Europeu, representado por M. Ecker e E. Taneva, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e destinado a obter a anulação da Decisão da Comissão, de 24 de setembro de 2014, que indeferiu o pedido da recorrente de concessão de uma pensão de sobrevivência,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, I. Reine (relatora) e L. Truchot, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

I.      Quadro jurídico

1        O artigo 79.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto») prevê:

«Em conformidade com o preceituado no Capítulo IV do Anexo VIII [do Estatuto], o cônjuge sobrevivo de um funcionário ou de um antigo funcionário tem direito a uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de aposentação ou do subsídio de invalidez de que o seu cônjuge beneficiava ou de que teria beneficiado se a tivesse podido reclamar, independentemente do tempo de serviço e da idade, à data da sua morte.»

2        O artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto refere o seguinte:

«O cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário, titular de uma pensão de aposentação, desde que o casamento tenha sido celebrado antes da cessação de funções e que tenha sido seu cônjuge durante, pelo menos, um ano, tem direito, sem prejuízo do disposto no artigo 22.o, [do presente anexo] a uma pensão de sobrevivência igual a 60 % da pensão de aposentação de que beneficiava o antigo funcionário à data da morte. […]

A condição relativa à duração do casamento, prevista no primeiro parágrafo, não é exigida se um ou vários filhos nasceram dum casamento do antigo funcionário contraído antes da cessação das funções, contanto que o cônjuge sobrevivo proveja ou haja provido às necessidades dos filhos.»

3        O artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto tem a seguinte redação:

«A condição relativa à data da celebração do casamento, prevista [no artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto] não é exigida se o casamento, ainda que contraído posteriormente à cessação de atividade do funcionário, tiver durado, pelo menos, cinco anos.»

4        Por último, o artigo 27.o, primeiro e terceiro parágrafos, do anexo VIII do Estatuto prevê o seguinte:

«O cônjuge divorciado de um funcionário ou antigo funcionário tem direito à pensão de sobrevivência definida no presente capítulo, sob condição de justificar ter direito, a título pessoal, por morte do seu ex‑cônjuge, a uma pensão de alimentos a cargo do referido ex‑cônjuge e fixada, quer por decisão judicial, quer por acordo oficialmente registado que esteja em vigor entre ambos.

[…]

O cônjuge divorciado perde esse direito [à pensão de sobrevivência] se tiver voltado a casar antes da morte do ex‑cônjuge […]»

II.    Antecedentes do litígio

5        A recorrente, RN, e o seu cônjuge, funcionário da Comissão Europeia, viveram em relação de casal desde 1985. Em 10 de junho de 1987, o casal teve um filho. Em 7 de maio de 1988, contraíram um primeiro casamento. Os cônjuges divorciaram‑se em 29 de abril de 1996. Em 20 de agosto de 2012, a recorrente, que não tinha contraído nenhum outro casamento desde o seu divórcio, voltou a casar‑se com o seu ex‑cônjuge.

6        Entre 11 de setembro de 1998 e 22 de dezembro de 2011, o ex‑cônjuge da recorrente esteve casado com uma terceira pessoa.

7        O cônjuge da recorrente exerceu funções na Comissão a partir de 1991 e, em 1 de outubro de 2007, foi autorizado a invocar o seu direito à reforma. Faleceu em 2 de agosto de 2014.

8        Na sequência do falecimento do seu marido, a recorrente, na sua qualidade de cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário, apresentou, em 3 de setembro de 2014, um pedido de atribuição de uma pensão de sobrevivência ao abrigo do capítulo 4 do anexo VIII do Estatuto.

9        Em 24 de setembro de 2014, o chefe da unidade «Pensões» do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão indeferiu o pedido da recorrente de atribuição de uma pensão de sobrevivência (a seguir «decisão impugnada»). Este considerou, em substância, que, para apreciar o direito da recorrente a uma pensão de sobrevivência pela morte do seu marido, havia que ter em conta não a data do seu primeiro casamento, que tinha sido dissolvido por uma sentença de divórcio e, portanto, tinha deixado de produzir efeitos, mas a data do seu segundo casamento, que tinha sido contraído em 20 de agosto de 2012. Consequentemente, depois ter constatado que este último casamento tinha sido celebrado posteriormente à cessação de atividade do seu marido e que, à data da morte deste, tinha durado apenas cerca de dois anos, o chefe da unidade «Pensões» do PMO concluiu que as condições previstas nos artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto não estavam preenchidas, pelo que a recorrente não podia aspirar beneficiar de uma pensão de sobrevivência.

10      Em 22 de dezembro de 2014, a recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão impugnada. Apresentou elementos complementares em apoio da sua reclamação em 23 de dezembro de 2014.

11      Em 10 de abril de 2015, a autoridade investida do poder de nomeação da Comissão indeferiu essa reclamação e confirmou a análise do chefe da unidade «Pensões» do PMO (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

III. Tramitação do processo no Tribunal da Função Pública e no Tribunal Geral em instância de recurso

12      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 17 de julho de 2015, a recorrente interpôs um recurso em que pedia a anulação da decisão impugnada e da decisão de indeferimento da reclamação, bem como a condenação da Comissão no pagamento das despesas. O recurso foi registado com o número de processo F‑104/15.

13      Em apoio do seu recurso, a recorrente suscitou três fundamentos, relativos, o primeiro, a um erro de direito, ou a um erro manifesto de apreciação na aplicação dos artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto, o segundo, a uma exceção de ilegalidade e à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da idade e da proporcionalidade e, o terceiro, a um erro de interpretação do conceito de «cônjuge» na aceção do regime aplicável à pensão de sobrevivência.

14      A Comissão concluiu pedindo que fosse negado provimento ao recurso e que a recorrente fosse condenada nas despesas.

15      Por Decisão de 9 de novembro de 2015, foi admitida a intervenção do Parlamento Europeu em apoio dos pedidos da Comissão.

16      Por Acórdão de 20 de julho de 2016, RN/Comissão (F‑104/15, a seguir «acórdão inicial», EU:F:2016:163), o Tribunal da Função Pública anulou a decisão impugnada. Condenou igualmente a Comissão a suportar as suas próprias despesas bem como as despesas efetuadas pela recorrente. O Parlamento devia suportar as suas próprias despesas.

17      No acórdão inicial, o Tribunal da Função Pública concluiu, em substância, que, embora a situação específica da recorrente não estivesse expressamente prevista no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, o próprio texto deste artigo não excluía uma interpretação que obrigasse a administração a ter em conta a duração cumulada dos períodos de casamento em causa, a saber, os do primeiro e do segundo casamentos com o mesmo funcionário, para verificar a observância da condição de cinco anos de casamento prevista por esta disposição para poder beneficiar da pensão de sobrevivência.

18      Além disso, o Tribunal da Função Pública considerou que, se os artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto devessem ser interpretados no sentido de que excluem a tomada em conta da duração cumulada dos períodos de casamento da recorrente, instaurariam uma diferença de tratamento entre os cônjuges sobrevivos de um antigo funcionário consoante o casamento tivesse sido contraído antes ou depois da cessação de atividade do funcionário. Assim, o Tribunal da Função Pública declarou que, uma vez que tal interpretação não era expressamente excluída pela redação deste artigo, havia que interpretar o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto de modo conforme com o princípio da igualdade de tratamento, no sentido de que obrigava a autoridade investida do poder de nomeação a contabilizar os diferentes períodos de casamento, para efeitos de verificar o respeito da condição de duração mínima do casamento, de calcular o total dos diferentes períodos de casamento, na hipótese em que, como no caso em apreço, a recorrente tinha sido casada duas vezes com o mesmo funcionário, a primeira vez, antes da cessação das suas funções, a segunda vez, posteriormente à cessação de atividade.

19      Por conseguinte, o Tribunal da Função Pública julgou procedente o primeiro fundamento do recurso, relativo a um erro de direito, e anulou a decisão impugnada.

20      Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de setembro de 2016, a Comissão interpôs recurso do acórdão inicial, registado com o número T‑695/16 P. A Comissão pediu ao Tribunal Geral, primeiro, que anulasse o acórdão inicial, segundo, que negasse provimento ao recurso por falta de fundamento, caso o Tribunal Geral considerasse que o processo estava em condições de ser julgado, e, terceiro, que condenasse a recorrente nas despesas.

21      Por Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/RN (T‑695/16 P, não publicado, a seguir «acórdão sob recurso», EU:T:2017:520), o Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) acolheu a primeira parte do segundo fundamento e a terceira parte do terceiro fundamento do recurso, relativos, em substância, a um erro de direito cometido pelo Tribunal da Função Pública na interpretação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto.

22      Segundo o Tribunal Geral, ao considerar que a disposição controvertida não excluía uma interpretação que obrigaria a administração, numa situação específica como a do caso em apreço, a ter em conta a duração cumulada dos períodos de casamento para verificar o cumprimento da condição da duração do casamento, o Tribunal da Função Pública tinha interpretado esta última de modo particularmente extensivo. Ora, essa interpretação era contrária à jurisprudência constante segundo a qual as disposições do direito da União Europeia que conferem direito a prestações financeiras devem ser interpretadas restritamente. Além disso, segundo o Tribunal Geral, esta interpretação impunha à administração uma obrigação que não resultava dessa disposição e era contrária ao princípio da segurança jurídica.

23      Por outro lado, o Tribunal Geral declarou que a interpretação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto adotada pelo Tribunal da Função Pública equivalia a obrigar a administração a considerar que um casamento dissolvido por uma sentença de divórcio ainda era suscetível de produzir efeitos no direito de beneficiar de uma pensão de sobrevivência ao abrigo do referido artigo. Ora, o Tribunal Geral observou que essa possibilidade tinha fundamento no artigo 27.o, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, que, todavia, era inaplicável no caso em apreço, em conformidade com o terceiro parágrafo desta disposição, devido ao segundo casamento da recorrente com o seu cônjuge em 20 de agosto de 2012.

24      O Tribunal Geral acrescentou que não tinha de se pronunciar sobre o argumento da recorrente relativo à alegada violação do princípio da proporcionalidade examinado pelo Tribunal da Função Pública, uma vez que este argumento assentava na interpretação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto adotada no acórdão inicial, que padecia de um erro de direito.

25      Por conseguinte, o Tribunal Geral anulou o acórdão inicial. Além disso, constatando que o Tribunal da Função Pública não tinha examinado o terceiro fundamento alegado pela recorrente, considerou que o litígio não estava em condições de ser julgado e transferiu o processo para uma secção do Tribunal Geral diferente da que tinha decidido o recurso da decisão da primeira instância, reservando para final a decisão quanto às despesas.

26      O presente recurso foi, assim, registado com o número de processo T‑442/17 RENV.

IV.    Tramitação processual e pedidos das partes após remessa

27      Na sequência do acórdão sob recurso, as partes foram convidadas a apresentar as suas observações escritas quanto ao seguimento do processo em conformidade com o artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

28      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de setembro de 2017, a recorrente renunciou à apresentação de observações escritas adicionais. Por requerimento apresentado no mesmo dia, o Parlamento renunciou igualmente à apresentação de observações escritas. A Comissão apresentou as suas observações escritas fora de prazo, em 4 de outubro de 2017. Na sequência das explicações dadas pela Comissão, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral decidiu juntar as referidas observações aos autos.

29      Em 19 de dezembro de 2017, o Tribunal Geral convidou as partes, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, a pronunciarem‑se sobre a manutenção do interesse da recorrente em agir no presente litígio.

30      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de janeiro de 2018, o Parlamento informou o Tribunal Geral de que não pretendia apresentar respostas às perguntas feitas em 19 de dezembro de 2017. A recorrente e a Comissão responderam às medidas de organização do processo, respetivamente, em 5 de janeiro de 2018 e em 8 de janeiro de 2018. Concluíram pela manutenção do interesse da recorrente em agir.

31      Em 20 de novembro de 2018, o Tribunal Geral dirigiu novas perguntas às partes a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo. Estas responderam‑lhes no prazo fixado.

32      Por Decisão de 11 de março de 2019, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral ordenou a suspensão do presente processo até à prolação da decisão que pusesse termo à instância no processo C‑460/18 P, HK/Comissão.

33      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral, a juíza relatora foi afetada à Sétima Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi atribuído.

34      Por cartas de 23 de dezembro de 2019, a Secretaria do Tribunal Geral informou as partes de que, na sequência da prolação do Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão (C‑460/18 P, EU:C:2019:1119), o processo tinha sido retomado e convidou‑as a apresentar as suas observações sobre as consequências a retirar desse acórdão para o presente processo. As partes responderam a este pedido no prazo concedido.

35      Na falta de pedido de audiência de alegações apresentado pelas partes principais, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos, decidiu julgar o recurso sem fase oral, em conformidade com o artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

36      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        anular a decisão de indeferimento da reclamação;

–        condenar a Comissão nas despesas.

37      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

38      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne a negar provimento ao recurso.

V.      Questão de direito

A.      Quanto ao objeto do litígio e ao alcance deste após remessa

39      Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, os pedidos de anulação formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento de uma reclamação têm por efeito submeter à apreciação do Tribunal Geral o ato contra o qual foi apresentada a reclamação quando são, como tais, desprovidos de conteúdo autónomo (v. Acórdãos de 6 de abril de 2006, Camós Grau/Comissão, T‑309/03, EU:T:2006:110, n.o 43, e de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.o 63 e jurisprudência referida).

40      No caso em apreço, uma vez que a decisão de indeferimento da reclamação se limita a confirmar a decisão impugnada, precisando os fundamentos em apoio desta, há que declarar que o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação é desprovido de conteúdo autónomo e que não há, portanto, que decidir especificamente sobre o mesmo. Todavia, na apreciação da legalidade da decisão impugnada, deve ser tomada em consideração a fundamentação constante da decisão de indeferimento da reclamação, uma vez que essa fundamentação deve coincidir com a da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, Wattiau/Parlamento, T‑737/17, EU:T:2019:273, n.o 43 e jurisprudência referida).

41      Em segundo lugar, no que respeita ao alcance do litígio após transferência do processo, importa recordar que, segundo a jurisprudência, na sequência da anulação de uma decisão e da transferência do processo para o Tribunal Geral, este é chamado a pronunciar‑se no acórdão sob recurso e deve pronunciar‑se de novo sobre todos os fundamentos de anulação alegados pela recorrente, com exclusão dos elementos do dispositivo não anulados pelo acórdão sob recurso, bem como as considerações que constituem o fundamento necessário dos referidos elementos, uma vez que estes transitaram em julgado (v., por analogia, Acórdão de 14 de setembro de 2011, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, EU:T:2011:465, n.o 83).

42      No caso em apreço, o n.o 1 do dispositivo do acórdão sob recurso procede à anulação do acórdão inicial após ter julgado procedente a primeira parte do segundo fundamento e a terceira parte do terceiro fundamento do recurso. Com estes, a Comissão alegava, em substância, que o Tribunal da Função Pública tinha cometido um erro de direito ao interpretar o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, no sentido de que a administração devia ter tido em conta a duração cumulada dos dois períodos de casamento da recorrente, e que tinha adotado uma interpretação contrária à redação clara desta disposição. Em contrapartida, o acórdão sob recurso não se pronunciou sobre as restantes partes do primeiro e segundo fundamentos sob recurso nem sobre o terceiro fundamento do recurso.

43      Assim, compete ao Tribunal Geral pronunciar‑se de novo sobre todos os fundamentos de anulação alegados pela recorrente, à luz das questões de direito decididas pelo acórdão sob recurso que vinculam o Tribunal Geral no âmbito da remessa.

44      A este respeito, a Comissão alega que o acórdão sob recurso também decidiu do segundo fundamento alegado pela recorrente, relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da idade e da proporcionalidade.

45      É verdade que o Tribunal Geral constatou, no n.o 63 do acórdão sob recurso, que o Tribunal da Função Pública tinha examinado os argumentos da recorrente à luz do princípio da não discriminação para efeitos da interpretação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto. Todavia, o Tribunal Geral precisou que o Tribunal da Função Pública só tinha procedido a esse exame depois de ter, previamente, considerado que a interpretação destinada a ter em conta a duração cumulada dos períodos de casamento da recorrente não era excluída pela disposição em causa. Assim, o Tribunal Geral decidiu que, na medida em que essa análise prévia estava ferida de um erro de direito e em que o acórdão inicial devia ser anulado por esse motivo, não era necessário pronunciar‑se sobre o argumento da recorrente relativo à alegada violação do princípio da proporcionalidade.

46      Assim, no acórdão sob recurso, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre as partes do segundo fundamento relativas à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da idade e da proporcionalidade.

B.      Quanto ao mérito

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na interpretação dos artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto

47      No que respeita ao primeiro fundamento suscitado pela recorrente em apoio do seu recurso, relativo a um alegado erro de direito na interpretação do artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto, conforme decidiu o Tribunal da Função Pública, sem que esta questão tenha sido censurada no acórdão sob recurso, a recorrente não pode validamente invocar a sua qualidade de cônjuge sobreviva para pretender, com base nesta disposição, beneficiar de uma pensão de sobrevivência ao abrigo do seu primeiro casamento contraído em 7 de maio de 1988 e dissolvido em 29 de abril de 1996 (v., neste sentido, acórdão sob recurso, n.o 11, e acórdão inicial, n.os 28 e 30).

48      No que respeita a um alegado erro de direito na interpretação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, conforme resulta do n.o 42, supra, no acórdão sob recurso, o Tribunal Geral declarou que o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto não podia ser interpretado no sentido de que a administração era obrigada a ter em conta a duração cumulada dos dois períodos de casamento da recorrente (v., neste sentido, acórdão sob recurso, n.os 49 e 57).

49      Por conseguinte, há que decidir que, contrariamente ao que a recorrente alega no âmbito do seu primeiro fundamento, a Comissão não cometeu qualquer erro na interpretação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto quando considerou que havia que ter em conta unicamente a duração do segundo casamento da recorrente com o seu cônjuge falecido, posterior à cessação de atividade deste último, para efeito de verificar se estava preenchida a condição de duração mínima de cinco anos de casamento para beneficiar de uma pensão de sobrevivência, prevista no artigo 20.o do anexo VIII.

50      Por conseguinte, o primeiro fundamento é improcedente.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto por violação dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação em razão da idade e da proporcionalidade

51      A recorrente alega que o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, com base no qual a decisão impugnada foi adotada, é ilegal. Alega, em substância, que este artigo viola os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da idade, conforme garantidos, nomeadamente, pelos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e pelo artigo 1.o‑D do Estatuto.

52      A recorrente considera que o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto obriga os casais de idosos a um casamento contraído há, pelo menos, cinco anos para que o cônjuge sobrevivo do funcionário reformado possa beneficiar de uma pensão de sobrevivência, enquanto, para casais mais jovens à data do casamento, quando o cônjuge funcionário se encontra ainda em atividade, o cônjuge sobrevivo beneficia de um direito à pensão de sobrevivência no termo de apenas um ano de casamento com fundamento no artigo 18.o deste anexo. Ora, esses casais estariam numa situação familiar comparável, independentemente do momento que escolhessem para casar, a saber, antes ou depois da cessação de atividade do funcionário. A este respeito, a recorrente alega que a duração das contribuições para o regime de pensões da União não permite justificar a diferença de tratamento em causa.

53      Além disso, a recorrente alega que a diferença de tratamento instaurada não pode ser objetivamente e razoavelmente justificada pela luta contra os casamentos de conveniência e contra a fraude. A diferença de tratamento entre casais, baseada no momento da celebração do casamento, ultrapassaria os limites do que é adequado e necessário para atingir esse objetivo, na medida em que nunca seria tida em conta a situação individual do cônjuge sobrevivo. A recorrente sublinha, nomeadamente, a inexistência de qualquer possibilidade de inversão da presunção de fraude. Acrescenta que o objetivo de salvaguarda do equilíbrio financeiro do regime de pensões da União também não pode justificar a condição de cinco anos de casamento prevista, uma vez que a Comissão não provou de modo nenhum que casos como o dos autos seriam suscetíveis de comprometer esse equilíbrio. De qualquer modo, o Tribunal de Justiça não aceita justificações de ordem puramente orçamental.

54      A Comissão contesta a admissibilidade da exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto pelo facto de nem a questão da discriminação em razão da idade nem a da violação do princípio da proporcionalidade terem sido alegadas na reclamação. Portanto, a recorrente não respeitou a regra da concordância entre a reclamação e a petição.

55      A título subsidiário, a Comissão sustenta que a exceção de ilegalidade em causa não tem fundamento. Considera que a diferença de tratamento em causa não assenta na idade do funcionário, mas na passagem ou não deste à reforma. Além disso, o funcionário e o antigo funcionário, bem como os respetivos cônjuges, não se encontram em situações comparáveis, na medida em que, no primeiro caso, o referido funcionário deve ver a sua carreira evoluir e deve continuar a trabalhar e a contribuir para a sua pensão, ao passo que, no segundo, já não é esse o caso. Esta diferença de situações foi reconhecida no Acórdão de 17 de junho de 1993, Arauxo‑Dumay/Comissão (T‑65/92, EU:T:1993:47).

56      De qualquer modo, a diferença de tratamento em causa é justificada na medida em que a pensão de sobrevivência é adquirida indiretamente graças às contribuições pagas ao regime de pensões pelo funcionário antes de ser autorizado a reformar‑se. Segundo a Comissão, o Estatuto exige um vínculo financeiro preexistente entre a instituição e o cônjuge sobrevivo que pede o benefício de uma pensão de sobrevivência, vínculo esse que é criado quando, pelo casamento, o cônjuge do funcionário falecido suportou indiretamente o peso das contribuições retidas sobre o seu salário durante os seus períodos de atividade.

57      Além disso, a diferença de tratamento justifica‑se tendo em conta o próprio objetivo da pensão de sobrevivência, que é o de assegurar o bem‑estar material do cônjuge sobrevivo de um funcionário. Há mais risco de esse bem‑estar ficar comprometido no caso de um cônjuge sobrevivo de um funcionário que falece repentinamente quando ainda estava no ativo do que no do cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário, cônjuge esse que tinha tido tempo de tomar as medidas necessárias para garantir essa segurança financeira.

58      Por outro lado, a condição da duração mínima de cinco anos de casamento imposta ao cônjuge sobrevivo quando o casamento foi contraído após a cessação de atividade do funcionário visa dissuadir as fraudes e salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime de pensões. Segundo a Comissão, o risco de fraude é mais elevado quando o casamento é celebrado após a cessação de atividade, devido à maior previsibilidade do falecimento. Assim, a condição de cinco anos de casamento destina‑se a impedir os casamentos in extremis com o objetivo principal de conferir o direito à pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário.

59      O Parlamento acrescenta que a condição de uma duração mínima de cinco anos de casamento permite evitar que uma pessoa mais jovem abuse da fraqueza de um funcionário beneficiário de uma pensão mais idoso na esperança de um benefício rápido do direito vitalício a uma pensão de sobrevivência.

a)      Quanto à admissibilidade da exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto

60      Resulta da jurisprudência que, em princípio, a economia da via jurídica incidental que constitui a exceção de ilegalidade, justifica que seja declarada admissível essa exceção suscitada pela primeira vez perante o juiz da União, em derrogação à regra da concordância entre a petição e a reclamação (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, BCE/Cerafogli, T‑787/14 P, EU:T:2016:633, n.o 47). Portanto, o simples facto de a exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto ter sido suscitada pela primeira vez na fase da petição não implica a inadmissibilidade desta exceção.

61      No entanto, a possibilidade de invocar uma exceção de ilegalidade em caso de litígio entre um funcionário e uma instituição está sujeita à observância de vários requisitos de admissibilidade. Tratando‑se de uma via jurídica incidental, essa possibilidade pressupõe, primeiro, a interposição prévia de um recurso principal, segundo, que esse recurso tenha por objeto uma decisão que causa prejuízo ao funcionário, terceiro, que esse recurso seja admissível, quarto, que o funcionário não tenha podido pedir a anulação do ato de alcance geral que tem por fundamento a decisão que lhe causa prejuízo e, quinto, que exista um elo de conexão suficiente entre os atos de alcance geral e a decisão individual impugnada (Acórdão de 27 de outubro de 2016, BCE/Cerafogli, T‑787/14, EU:T:2016:633, n.o 67).

62      No caso em apreço, há que constatar que a exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto foi alegada pela recorrente no âmbito de um recurso principal admissível. Este recurso tem por objeto a anulação da decisão impugnada, que causa prejuízo à recorrente na medida em que lhe recusa a concessão de uma pensão de sobrevivência. Além disso, a recorrente, enquanto particular, não pode pedir diretamente a anulação do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto. Por último, existe manifestamente um elo de conexão suficiente entre o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto e a decisão impugnada, uma vez que esta se fundamenta nesta disposição.

63      Tendo em conta o que precede, há que considerar que a exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto suscitada pela recorrente é admissível.

b)      Quanto ao mérito da exceção de ilegalidade do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto

64      Importa recordar que o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral do direito da União, consagrado no artigo 20.o da Carta, de que o princípio da não discriminação enunciado no seu artigo 21.o, n.o 1, constitui uma expressão específica. Este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se tal tratamento for objetivamente justificado (v. Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries, C‑190/16, EU:C:2017:513, n.o 30 e jurisprudência referida).

65      Segundo a jurisprudência, para que possa ser censurada ao legislador da União uma violação do princípio da igualdade de tratamento, é necessário que este tenha tratado de modo diferente situações comparáveis, causando uma desvantagem para certas pessoas em relação a outras (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2018, FV/Conselho, T‑750/16, EU:T:2018:972, n.o 89 e jurisprudência referida).

66      No que respeita à exigência relativa ao caráter comparável das situações, esta é apreciada tendo em conta o conjunto dos elementos que as caracterizam. Esses elementos devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio no qual o ato em causa se enquadra (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 67 e jurisprudência referida).

67      Além disso, para determinar se o tratamento, pelo Estatuto, das situações a comparar viola o princípio da igualdade de tratamento, há que basear‑se numa análise centrada no conjunto das regras de direito que regulam as posições de cada uma das situações a comparar, tendo em conta, nomeadamente, o objeto da disposição impugnada (v., por analogia, Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova, C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 58).

68      Para que uma diferença de tratamento possa ser compatível com os princípios gerais da igualdade de tratamento e da não discriminação, essa diferença deve ser justificada com base num critério objetivo e razoável e proporcionado em relação ao objetivo prosseguido por essa diferenciação (v., neste sentido, Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Pyres/Comissão, T‑256/01, EU:T:2005:45, n.o 61). A este respeito, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

69      Resulta da jurisprudência que o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando uma escolha se proporcione entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados face aos objetivos prosseguidos (v. Acórdão de 26 de fevereiro de 2016, Bodson e o./BEI, T‑240/14 P, EU:T:2016:104, n.o 116 e jurisprudência referida).

70      Importa, no entanto, acrescentar que, para combater os abusos, ou mesmo a fraude, o legislador da União dispõe de uma margem de apreciação na determinação do direito a uma pensão de sobrevivência (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 89). O reconhecimento desse poder de apreciação do legislador implica a necessidade de verificar se não se afigura pouco razoável para o legislador da União considerar que a diferença de tratamento instituída, possa ser apropriada e necessária para a realização do objetivo prosseguido (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2018, FV/Conselho, T‑750/16, EU:T:2018:972, n.o 114 e jurisprudência referida).

71      É à luz de todos estes princípios que importa verificar se a condição de duração mínima do casamento prevista no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto é contrária aos princípios gerais da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da idade, tendo em conta os objetivos prosseguidos por esta condição. Por conseguinte, há que examinar se essa condição é prevista pela lei e respeita o conteúdo essencial do direito à igualdade de tratamento e da proibição de qualquer discriminação, se as situações previstas nos artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto são comparáveis e, em caso afirmativo, se a condição da duração mínima de cinco anos de casamento prevista no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto prossegue um objetivo de interesse geral. A este respeito, há que verificar se não se afigura pouco razoável para o legislador da União considerar que a diferença de tratamento instituída possa ser apropriada e necessária para efeitos da realização desse objetivo.

1)      Quanto à existência de uma diferença de tratamento

72      Importa recordar que, no seu Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão (C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 68), o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo da pensão da sobrevivência era conceder ao cônjuge sobrevivo um rendimento de substituição destinado a compensar parcialmente a perda dos rendimentos do seu cônjuge falecido. Segundo o Tribunal de Justiça, este direito não está sujeito a condições de recursos ou de património que devam caracterizar uma incapacidade do cônjuge sobrevivo para fazer face às suas necessidades e que demonstrem assim a sua dependência financeira passada em relação ao falecido (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 69).

73      Em contrapartida, a concessão da pensão de sobrevivência depende unicamente da natureza jurídica dos vínculos que uniam a pessoa em causa ao funcionário falecido (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 70). A esta condição acresce a da duração mínima do casamento, no caso em apreço um ano nos termos do artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto e cinco anos, nos termos do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto.

74      Feito este esclarecimento, há que concluir que os artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto tratam de forma diferente os cônjuges sobrevivos de antigos funcionários consoante os casamentos tenham sido contraídos antes ou depois da cessação de atividade destes. Por conseguinte, como também refere o Tribunal Geral no n.o 47 do acórdão sob recurso, a data do casamento constitui o critério adotado pelo legislador para distinguir as duas situações.

75      Ora, a natureza jurídica dos vínculos que uniam o cônjuge sobrevivo ao funcionário falecido é idêntica, quer o casamento tenha sido celebrado antes ou depois da cessação de atividade deste último. Esta natureza jurídica não difere consoante os funcionários exercessem ou não uma atividade profissional e consoante o montante das contribuições que foram pagas para o regime de pensões da União ou que ainda sejam devidas.

76      Além disso, os artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto conferem ambos o direito a uma pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário que já não se encontra em atividade e que, consequentemente já não contribui para o regime de pensões da União no momento do seu falecimento.

77      Assim, a Comissão não pode invocar o Acórdão de 17 de junho de 1993, Arauxo‑Dumay/Comissão (T‑65/92, EU:T:1993:47), para demonstrar que as situações visadas pelos artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto são diferentes. Com efeito, como resulta do n.o 33 desse acórdão, o Tribunal Geral procedeu a uma comparação entre, por um lado, a situação do cônjuge sobrevivo de um ex‑funcionário falecido depois de ter beneficiado de uma medida de cessação de funções e de ter recebido as prestações e as vantagens previstas num regulamento específico que rege esta situação e, por outro, a situação do cônjuge sobrevivo de um funcionário falecido quando este ainda se encontrava em atividade, prevista no artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto.

78      Daqui resulta que os argumentos da Comissão segundo os quais a diferença de tratamento em causa estaria ligada à evolução da carreira do funcionário e à contribuição para o regime de pensões devem ser afastados.

79      Além disso, o objetivo da pensão de sobrevivência, cujo regime é estabelecido pelos artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto, é o de compensar, em benefício do cônjuge sobrevivo, a perda de rendimentos que decorre do falecimento do antigo funcionário. Por conseguinte, trata‑se de conceder um rendimento de substituição ao cônjuge sobrevivo (v. n.o 72, supra). Assim, a circunstância de o funcionário falecido ter casado antes ou depois da cessação das suas funções não é suscetível de alterar de forma essencial a situação do cônjuge sobrevivo no que respeita aos seus direitos patrimoniais. Acresce que, como resulta do n.o 72, supra, o Tribunal de Justiça declarou que o nível das necessidades financeiras do cônjuge sobrevivo e a sua eventual dependência financeira em relação ao funcionário ou ao antigo funcionário falecido não constituem um critério a ter em conta.

80      Assim, há que concluir que a situação dos cônjuges sobrevivos de um antigo funcionário que casaram antes da cessação das suas funções não é diferente da dos cônjuges sobrevivos de um antigo funcionário que contraíram casamento após essa cessação para efeitos da atribuição de uma pensão de sobrevivência nos termos do artigo 18.o ou do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto.

81      Resulta de tudo o que precede que existe uma diferença de tratamento de situações comparáveis em função da data da celebração do casamento, uma vez que se trata do único elemento que determina a aplicação de diferentes condições de duração mínimas do casamento, em conformidade com os artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto.

82      Esta diferença de tratamento gera uma desvantagem, na aceção da jurisprudência referida no n.o 65, supra, para os cônjuges sobrevivos de antigos funcionários que casaram após a cessação de atividade, aos quais é aplicável o regime do artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, em relação aos cônjuges sobrevivos de antigos funcionários que contraíram casamento antes dessa cessação e que são abrangidos pelo artigo 18.o deste anexo.

83      A este respeito, há igualmente que salientar que a condição de uma duração mínima de cinco anos de casamento prevista no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto gera uma desvantagem específica para os cônjuges sobrevivos que casaram com antigos funcionários devido ao facto de, na grande maioria dos casos, a cessação de atividade de um funcionário que corresponde à passagem à reforma deste, cuja idade é fixada pelo Estatuto, este ter mais idade do que um funcionário em atividade. Assim, os antigos funcionários visados pelo artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto casaram‑se, em geral, com uma idade mais avançada do que os antigos funcionários referidos no artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto, que se casaram antes da sua cessação de atividade. Por conseguinte, os cônjuges sobrevivos que casaram com um antigo funcionário têm, em geral, mais dificuldades em preencher a condição da duração mínima do casamento prevista pelo referido artigo 20.o, que se eleva a cinco anos, do que os cônjuges sobrevivos que casaram com um funcionário antes da cessação de atividade, e para os quais o artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto prevê apenas uma duração mínima de um ano de casamento.

84      Assim, em razão da duração mínima de cinco anos do casamento nele imposta, o tratamento previsto no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto para os cônjuges sobrevivos que casaram com um antigo funcionário após a cessação de atividade é menos favorável do que o tratamento previsto no artigo 18.o do referido anexo para os cônjuges sobrevivos que se casaram quando o funcionário ainda se encontrava em atividade e era em geral mais novo do que um antigo funcionário.

85      Por conseguinte, também há uma diferença de tratamento de situações comparáveis, indiretamente baseada na idade do antigo funcionário na data em que contraiu casamento.

2)      Quanto ao respeito dos critérios enunciados no artigo 52.o, n.o 1, da Carta e à justificação da diferença de tratamento

86      A título preliminar, há que constatar que a diferença de tratamento instituída pelo artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto está prevista na «lei» na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, na medida em que esta disposição tem origem no Estatuto.

87      Por outro lado, para justificar a diferença de tratamento em causa, primeiro, a Comissão alega que existe um maior risco de que o bem‑estar do cônjuge sobrevivo fique comprometido no caso de um cônjuge sobrevivo de um funcionário, surpreendido pelo falecimento deste, quando ainda se encontrava em atividade, do que no caso do cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário que tivesse tido tempo de tomar as medidas necessárias para garantir essa segurança financeira.

88      A este respeito, basta constatar que os artigos 18.o e 20.o do anexo VIII do Estatuto visam ambos o pagamento de uma pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário beneficiário de uma pensão de antiguidade. Assim, tanto num caso como no outro, o cônjuge sobrevivo solicita uma pensão de sobrevivência quando o seu cônjuge já cessou as suas funções. Por conseguinte, o argumento da Comissão segundo o qual o cônjuge sobrevivo é mais surpreendido pelo falecimento do funcionário em atividade do que pelo falecimento de um antigo funcionário reformado, carece de pertinência.

89      Em segundo lugar, a Comissão, apoiada pelo Parlamento, considera que a condição de uma duração mínima de cinco anos de casamento prevista pelo artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto visa, por um lado, prevenir as fraudes e, por outro, salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime de pensões da União. Importa examinar sucessivamente cada um destes dois objetivos à luz da jurisprudência recordada no n.o 70, supra.

i)      Quanto ao objetivo de prevenir as fraudes

90      A título preliminar, importa recordar que, segundo o Tribunal de Justiça, o princípio da proibição da fraude e do abuso de direito constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito se impõe aos litigantes (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.os 88 e 89). Por conseguinte, a luta contra a fraude constitui um objetivo de interesse geral.

91      A este respeito, resulta, em substância, do Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão (C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.os 89 e 90), que uma condição de duração mínima do casamento de um ano, como a prevista no artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto, visa assegurar a realidade e a estabilidade das relações entre as pessoas em causa e não se afigura, a esse título, manifestamente inadequada tendo em conta o objetivo de luta contra a fraude.

92      Assim, não se afigura irrazoável subordinar o direito do cônjuge sobrevivo de um funcionário ou de um antigo funcionário a receber uma pensão de sobrevivência à condição de o casamento ter respeitado uma condição de duração mínima. Com efeito, essa condição permite assegurar que esse casamento não assenta exclusivamente em considerações alheias a um projeto de vida em comum, tais como considerações puramente financeiras ou ligadas à obtenção de um direito de residência.

93      Todavia, importa sublinhar que o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, que é aplicável quando o casamento foi celebrado após a cessação de atividade do funcionário, impõe uma condição de duração mínima do casamento cinco vezes superior ao previsto no artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto, que é aplicável quando o casamento tenha sido celebrado antes dessa cessação de atividade do funcionário.

94      Assim, importa ainda verificar se a condição da duração do casamento exigida pelo artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, que é aplicável sem qualquer exceção, não vai manifestamente além do necessário para garantir a inexistência de fraude.

95      A este respeito, antes de mais, há que constatar que os autos não contêm nenhuma explicação convincente nem nenhum elemento de prova que permita sustentar a premissa, alegada pela Comissão e pelo Parlamento, de que a probabilidade de celebrar um casamento fraudulento aumenta após a cessação de atividade dos funcionários, de modo que, por exemplo, um funcionário que se casasse na véspera da cessação de atividade seria menos suscetível de celebrar um casamento fraudulento do que um funcionário que se casasse no dia seguinte a essa cessação. A Comissão e o Parlamento também não explicaram por que motivo um funcionário que cessou a sua atividade é menos apto para se precaver contra as intenções fraudulentas de uma pessoa que o pretende desposar do que um funcionário que ainda está em atividade, pelo que é necessário impor uma duração mínima do casamento cinco vezes mais elevada quando o casamento é contraído após a cessação de atividade do funcionário.

96      Depois, segundo jurisprudência assente, uma presunção geral de fraude não basta para justificar uma medida que lese os objetivos do Tratado FUE (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Comissão/Bélgica, C‑577/10, EU:C:2012:814, n.o 53 e jurisprudência referida).

97      Além disso, importa salientar que a duração do casamento não é necessariamente o único elemento representativo da sinceridade deste (v., por analogia, Acórdãos de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.os 72 e 73 e jurisprudência referida, e de 18 de julho de 2013, Prinz e Seeberger, C‑523/11 e C‑585/11, EU:C:2013:524, n.os 36 e 37 e jurisprudência referida).

98      Ora, o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto utiliza exclusivamente a condição de uma duração mínima de cinco anos de casamento, sem prever qualquer exceção, pelo que é impossível para o cônjuge sobrevivo que casou após a cessação de atividade do antigo funcionário alegar que o casamento foi celebrado de boa‑fé, e isso quaisquer que sejam os elementos de prova objetivos que possa apresentar a este respeito. Assim sendo, esta disposição institui uma presunção geral e inilidível de fraude em relação aos casamentos que tenham durado menos de cinco anos.

99      Em contrapartida, o artigo 18.o, segundo parágrafo, do anexo VIII do Estatuto prevê circunstâncias objetivas em que não é exigida nenhuma duração mínima do casamento, a saber, o nascimento de um filho na constância do matrimónio do funcionário antes da cessação das suas atividades, desde que o cônjuge sobrevivo proveja ou tenha provido às necessidades deste. Por conseguinte, o legislador considerou, no caso de um casamento celebrado antes da cessação de atividade do antigo funcionário, que havia circunstâncias objetivas que permitiam inverter a presunção de fraude.

100    As circunstâncias objetivas recordadas no número anterior constituem critérios claros que permitem gerir eficazmente as pensões de sobrevivência, no respeito do princípio da segurança jurídica.

101    No caso em apreço, embora o segundo casamento da recorrente tenha sido celebrado após a cessação de atividade do seu cônjuge, há vários elementos objetivos que podem demonstrar que não se trata de um casamento fraudulento. Com efeito, a recorrente e o seu cônjuge viveram em comunhão a partir de 1985. Em 10 de junho de 1987, o casal teve um filho. Em 7 de maio de 1988, contraíram um primeiro casamento. É certo que se divorciaram em 29 de abril de 1996, mas retomaram uma vida em comum a partir de 2002 e voltaram a casar em 20 de agosto de 2012. De resto, nem a Comissão nem o Parlamento alegaram que o caso em apreço estava ferido de fraude.

102    Além disso, após o divórcio, a recorrente não voltou a casar com uma terceira pessoa. Assim, como salientou nomeadamente o Tribunal Geral no n.o 56 do acórdão sob recurso, na falta de novo casamento com o seu ex‑marido, poderia ter beneficiado de uma pensão de sobrevivência na sua qualidade de cônjuge divorciada, em conformidade com o artigo 27.o do anexo VIII do Estatuto, direito que perdeu devido ao seu novo casamento.

103    Por outro lado, tendo em conta a idade geralmente mais elevada dos antigos funcionários referidos no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, a condição de uma duração mínima de cinco anos de casamento é particularmente difícil de cumprir para os cônjuges sobrevivos que casaram com esse antigo funcionário. É, assim, suscetível de excluir do benefício da pensão de sobrevivência um número significativo desses cônjuges que, no entanto, teriam podido demonstrar a inexistência de fraude.

104    Por último, há que recordar que o legislador nem sempre excluiu qualquer apreciação individual no Estatuto. Assim, o artigo 1.o, n.o 1, alínea d), do anexo VII do Estatuto prevê que um funcionário que não preenchendo as condições previstas para a concessão do abono de lar pode, por «decisão especial e fundamentada da entidade competente para proceder a nomeações, tomada com base em documentos comprovativos», dele beneficiar quando assume, contudo, efetivamente encargos de família.

105    Resulta de tudo o que precede que não é razoável considerar que a condição de duração mínima de cinco anos de casamento prevista no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, que é cinco vezes mais elevado do que a prevista no artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto e que não admite nenhuma exceção que permita demonstrar a inexistência de fraude, quaisquer que sejam os elementos de prova objetivos apresentados, possa ser necessária para a realização do objetivo de luta contra a fraude.

ii)    Quanto ao objetivo de salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime de pensões da União

106    A título preliminar, importa esclarecer que já foi declarado que o objetivo que consiste em salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime de pensões da União pode ser considerado legítimo (v., neste sentido, Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Pyres/Comissão, T‑256/01, EU:T:2005:45, n.os 64 e 65). Todavia, importa acrescentar que esse objetivo, que se enquadra em considerações de ordem orçamental, não pode justificar por si só uma derrogação ao princípio geral da igualdade de tratamento (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 21 de julho de 2011, Fuchs e Köhler, C‑159/10 e C‑160/10, EU:C:2011:508, n.o 74).

107    Ora, como se concluiu no n.o 105, supra, a condição da duração mínima do casamento prevista no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto não pode ser justificada pelo objetivo de luta contra a fraude. Por conseguinte, a diferença de tratamento instaurada por esta disposição não pode ser justificada apenas pela salvaguarda do equilíbrio financeiro do regime de pensões da União.

108    De qualquer modo, há que constatar que a Comissão e o Parlamento não apresentaram o mínimo indício de prova que permita demonstrar que o equilíbrio financeiro do regime de pensões da União seria ameaçado se os cônjuges sobrevivos de antigos funcionários que contraíram casamento após a cessação de atividade deste último pudessem beneficiar de uma pensão de sobrevivência sem terem sido casados durante pelo menos cinco anos. Também não se demonstrou que esse equilíbrio financeiro não poderia ser alcançado se o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto previsse exceções à condição de que o casamento devia ter durado pelo menos cinco anos.

109    Por outro lado, quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o cônjuge sobrevivo de um antigo funcionário que casou após a cessação de atividade deste último não participou no esforço contributivo para o regime de pensões da União, há que salientar que não resulta da redação nem do contexto em que se inscreve o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto que a pensão de sobrevivência é condicionada por um vínculo financeiro suficientemente forte entre o cônjuge sobrevivo e a instituição ao serviço da qual se encontrava o funcionário ou antigo funcionário. Pelo contrário, basta que o casamento contraído antes da cessação de funções do funcionário tenha durado um ano para que o cônjuge sobrevivo possa beneficiar dessa pensão, mesmo que a morte ocorra, por exemplo, no início da carreira do funcionário (em aplicação do artigo 17.o do anexo VIII do Estatuto), ou se o casamento tiver sido contraído alguns dias antes da cessação de atividade do funcionário (em aplicação do artigo 18.o do anexo VIII do Estatuto).

110    Por conseguinte, o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto institui uma diferença de tratamento entre cônjuges sobrevivos de antigos funcionários que não é justificada nem pelo objetivo de luta contra a fraude, uma vez que não é necessária para realizar esse objetivo, nem pelo objetivo de salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime de pensões da União.

111    Além disso, na medida em que institui uma presunção geral e inilidível de fraude em relação aos casais cujo casamento tenha durado menos de cinco anos, apesar de uma presunção geral de fraude não bastar para justificar uma medida que viola os objetivos do Tratado FUE, o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto não respeita o conteúdo essencial do direito à igualdade de tratamento e da proibição de qualquer discriminação.

112    Por conseguinte, o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto viola o princípio geral da igualdade de tratamento e o princípio da não discriminação em razão da idade. Há, portanto, que julgar procedente a exceção de ilegalidade suscitada pela recorrente.

113    Consequentemente, a decisão impugnada, adotada com fundamento no artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto, fica privada de base legal, pelo que deve ser anulada.

3.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao erro de interpretação do conceito de «cônjuge» na aceção do regime aplicável à pensão de sobrevivência

114    A recorrente alega que o conceito de casal não pode ser reduzido exclusivamente à relação baseada no casamento, tendo em conta a evolução social geral verificada na matéria desde há vários anos. Esta evolução é corroborada, por um lado, pelo artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto, que equipara as parcerias não matrimoniais ao casamento e, por outro, pelo reconhecimento generalizado da parceria registada na União. Por conseguinte, a duração da comunhão de vida da recorrente e do seu cônjuge falecido, conforme comprovada por vários documentos, não pode ser ignorada.

115    A Comissão, apoiada pelo Parlamento, contesta os argumentos da recorrente.

116    Há que recordar que o artigo 20.o do anexo VIII do Estatuto reserva o benefício de uma pensão de sobrevivência ao «cônjuge» sobrevivo. Isto implica que o beneficiário da pensão de sobrevivência deve ter estado ligado ao funcionário falecido, no âmbito de uma relação civil que fez surgir um conjunto de direitos e obrigações (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 71).

117    A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou que, embora, sob certos aspetos, as uniões de facto e as uniões legais, como o casamento, possam apresentar semelhanças, estas não conduzem necessariamente a uma equiparação entre esses dois tipos de união. Com efeito, o casamento caracteriza‑se por um formalismo rigoroso e cria direitos e obrigações recíprocas de especial importância entre os cônjuges, incluindo os deveres de assistência e de solidariedade (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.os 72 e 73).

118    Por outro lado, o legislador da União alargou expressamente a aplicação das disposições do Estatuto relativas às pessoas casadas, incluindo, sob certas condições, às pessoas vinculadas por uma parceria não matrimonial registada. A este respeito, decorre do artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto que, para que uma parceria não matrimonial registada seja equiparada ao casamento na aceção do Estatuto, o funcionário registado como parceiro estável não matrimonial deve preencher as condições legais estabelecidas na referida disposição (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.os 74 e 76).

119    Em contrapartida, segundo o Tribunal de Justiça, uma união de facto, como o concubinato, não apresenta estas características, na medida em que não existe, em princípio, um estatuto estabelecido por lei que o regule (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 78).

120    No caso em apreço, a recorrente alega que viveu em comunhão de vida desde 2002 com o antigo funcionário falecido antes de o casal ter voltado a casar em 2012. No entanto, a recorrente não alega que, antes de se voltar a casar, o casal tenha constituído uma parceria registada. Além disso, é pacífico entre as partes que o antigo funcionário falecido esteve casado com uma terceira pessoa entre 11 de setembro de 1998 e 22 de dezembro de 2011.

121    Por conseguinte, a recorrente não pode beneficiar do artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto.

122    Além disso, há que salientar que, tendo em conta o contexto social em que o presente recurso foi interposto, não compete ao Tribunal Geral alargar o âmbito de aplicação do Estatuto tendo em conta o termo «cônjuge». Compete ao legislador fazer essa alteração (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 1993, Arauxo‑Dumay/Comissão, T‑65/92, EU:T:1993:47, n.os 30 e 31).

123    Acresce que, como é observado pela Comissão, ao proceder a reformas estatutárias, o legislador teve em conta a evolução social. Em especial, através do Regulamento (CE, Euratom) n.o 723/2004 do Conselho, de 22 de março de 2004, que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (JO 2004, L 124, p. 1), o legislador procedeu a uma alteração do artigo 1.o‑D, n.o 1, segundo parágrafo, do Estatuto, a fim de abranger as hipóteses das parcerias não matrimoniais.

124    Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

125    Resulta de tudo o que precede que há que julgar improcedentes o primeiro e terceiro fundamentos e anular a decisão impugnada com base no segundo fundamento.

 Quanto às despesas

126    Em conformidade com o artigo 133.o do Regulamento de Processo, o Tribunal decide sobre as despesas no acórdão que põe termo à instância. Nos termos do artigo 219.o do referido regulamento, aplicável por analogia ao presente processo após remessa, e na medida em que, no acórdão sob recurso, o Tribunal Geral reservou para final a decisão quanto às despesas, compete ao Tribunal decidir sobre as despesas relativas, por um lado, aos processos que nele correm os seus termos, e ao abrigo do artigo 270.o TFUE, no Tribunal da Função Pública e, por outro, aos processos de recurso para o Tribunal de Justiça.

127    A este respeito, nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

128    Resulta dos fundamentos acima enunciados que a Comissão é a parte que ficou, finalmente, vencida. Por conseguinte, deve ser condenada nas despesas relativas, por um lado, ao processo inicial instaurado no Tribunal da Função Pública no processo F‑104/15 e, por outro, ao presente processo após a remessa.

129    No que respeita ao processo de recurso T‑695/16 P, em conformidade com o artigo 211.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a Comissão deve suportar as suas próprias despesas. Além disso, uma vez que o Tribunal Geral concedeu provimento ao recurso interposto pela Comissão, há que condenar a recorrente nas despesas que efetuou no âmbito do referido processo.

130    Por último, nos temos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, há que decidir que o Parlamento suportará as suas próprias despesas relativas ao processo F‑104/15 e ao presente processo após remessa. Por outro lado, uma vez que o Parlamento não apresentou articulado no âmbito do presente recurso e tendo o Tribunal Geral decidido no referido processo sem fase oral, o Parlamento não participou no processo de recurso na aceção do artigo 211.o, n.o 5, do Regulamento de Processo e, por conseguinte, não efetuou despesas relativas ao referido processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É anulada a Decisão da Comissão Europeia, de 24 de setembro de 2014 que indefere o pedido de concessão de uma pensão de sobrevivência de RN.

2)      A Comissão suportará, além das suas próprias despesas, as despesas de RN relativas ao processo F104/15 e ao presente processo após a remessa.

3)      A Comissão e RN suportarão cada uma as suas próprias despesas relativas ao processo T695/16 P.

4)      O Parlamento Europeu suportará as suas próprias despesas relativas ao processo F104/15 e ao presente processo após a remessa.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de dezembro de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.