Language of document : ECLI:EU:T:2005:367

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

25 de Outubro de 2005 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Coimas – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Comunicação sobre a cooperação»

No processo T‑38/02,

Groupe Danone, com sede em Paris (França), representada por A. Winckler e M. Waha, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Bouquet e W. Wils, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/569/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/37.614/F3 PO/Interbrew e Alken‑Maes) (JO 2003, L 200, p. 1), e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada à recorrente no n.° 2 dessa Decisão,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. E. Martins Ribeiro e K. Jürimäe, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Dezembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 17, p. 204; EE 08 F1 p. 22), dispõe:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil [euros], no mínimo, a um milhão de [euros], podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, ou

b)      Não cumpram uma obrigação imposta por força do n.° 1 do artigo 8.° [do Regulamento].

Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

2        As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «Orientações») definem uma metodologia aplicável ao montante das referidas coimas «que se baseia na fixação de um montante de base ajustado através de majorações, para ter em conta circunstâncias agravantes, e de diminuições, para ter em conta circunstâncias atenuantes» (Orientações, segundo parágrafo). Segundo as mesmas Orientações «[esse] montante de base é determinado em função da gravidade e da duração da infracção que constituem os únicos critérios referidos no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17» (Orientações, n.° 1)

3        A Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «Comunicação sobre a cooperação») «estabelece as condições com base nas quais as empresas que com ela cooperem durante as suas investigações sobre um acordo, decisão ou prática concertada poderão beneficiar da não aplicação ou da redução da coima que, em princípio, lhes seria aplicada». (n.° 3, ponto A da Comunicação)

4        O ponto D da Comunicação sobre a cooperação dispõe:

«D. REDUÇÃO SIGNIFICATIVA DA COIMA

1.      A partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação.

2.      Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–      uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–      uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

 Factos na origem do litígio

5        Na altura dos factos, a Interbrew NV (a seguir «Interbrew») e a Brouwerijen Alken‑Maes NV (a seguir «Alken‑Maes») ocupavam, respectivamente, o primeiro e o segundo lugares no mercado belga da cerveja. A Alken‑Maes era uma filial do grupo Danone SA (a seguir «recorrente») que exercia igualmente a sua actividade no mercado francês da cerveja através de outra filial, a Brasseries Kronenbourg SA (a seguir «Kronenbourg»). Em 2000, a recorrente cessou a sua actividade no sector da cerveja.

6        Em 1999, a Comissão abriu um inquérito (processo n.° IV/37.614/F3) para apurar a existência de eventuais infracções às regras comunitárias da concorrência no sector cervejeiro belga.

7        Em 29 de Setembro de 2000, no âmbito do referido inquérito, a Comissão instaurou um processo e adoptou uma comunicação de acusações contra a recorrente e as empresas Interbrew, Alken‑Maes, NV Brouwerij Haacht (a seguir «Haacht») e NV Brouwerij Martens (a seguir «Martens»). O processo instaurado contra a recorrente e a comunicação de acusações que lhe foi dirigida visavam apenas a sua pretensa participação no acordo designado por «Interbrew/Alken‑Maes», relativo ao mercado belga da cerveja.

8        Em 5 de Dezembro de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2003/569/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/37.614/F3 PO/Interbrew e Alken‑Maes) (JO 2003, L 200, p. 1), em que eram visadas a recorrente e as empresas Interbrew, Alken‑Maes, Haacht e Martens (a seguir «decisão impugnada»).

9        A decisão impugnada declara a existência de duas infracções distintas às regras da concorrência, a saber, por um lado, um conjunto de complexo de acordos e/ou de práticas concertadas no domínio da cerveja vendida na Bélgica (a seguir o acordo «Interbrew/Alken Maes») e, por outro lado, práticas concertadas no domínio da cerveja vendida com marca do distribuidor. Na decisão impugnada considera‑se que a recorrente, a Interbrew e a Alken‑Maes participaram na primeira infracção enquanto a Interbrew, a Alken‑Maes, a Haacht e a Martens participaram na segunda.

10      Embora, à data dos factos, a recorrente fosse a sociedade‑mãe da Alken‑Maes, na decisão impugnada só se apurou em relação a ela uma única infracção. Com efeito, tendo em conta o seu papel activo no acordo Interbrew/Alken‑Maes, a recorrente foi considerada responsável tanto pela sua própria participação no referido acordo como pela da Alken‑Maes. Em contrapartida, a Comissão considerou que não era de atribuir à recorrente a responsabilidade pela participação da sua filial na prática concertada no domínio da cerveja vendida com marca do distribuidor, dado que não tinha estado ela própria implicada neste acordo.

11      A infracção imputada à recorrente consiste na sua participação directa e por intermédio da sua filial Alken‑Maes num conjunto complexo de acordos e/ou de práticas concertadas relativas a um pacto geral de não agressão, preços e promoções no comércio retalhista, a repartição dos clientes no sector «hotéis, restaurantes, cafés» (a seguir «horeca»), incluindo os clientes ditos «nacionais», a limitação dos investimentos e da publicidade no mercado horeca, uma nova estrutura tarifária aplicável ao sector horeca e ao comércio retalhista e a troca de informações sobre as vendas no sector horeca e no comércio retalhista.

12      Na decisão impugnada conclui‑se que a referida infracção se prolongou por um período compreendido entre 28 de Janeiro de 1993 e 28 de Janeiro de 1998.

13      Considerando que um certo número de elementos lhe permitia concluir que a infracção tinha cessado, a Comissão não considerou necessário obrigar as empresas envolvidas a pôr termo à infracção, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17.

14      Em contrapartida, a Comissão entendeu necessário aplicar uma coima à Interbrew e à recorrente, nos termos do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, pela participação no acordo Interbrew/Alken‑Maes.

15      A este respeito, a Comissão salientou, na decisão impugnada, que todos os participantes no acordo Interbrew/Alken‑Maes tinham cometido uma infracção de forma deliberada.

16      Para calcular o montante das coimas a aplicar, a Comissão seguiu, na decisão impugnada, a metodologia definida nas Orientações bem como na Comunicação sobre a cooperação.

17      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

A [Interbrew], a [Alken‑Maes] e [a recorrente] violaram o n.° 1 do artigo 81.° [CE], por participarem num conjunto complexo de acordos e/ou práticas concertadas relativos nomeadamente a um pacto geral de não agressão, aos preços e às promoções no comércio retalhista, à repartição dos clientes no mercado horeca (tanto o sector ‘horeca’ ‘clássico’ como clientes nacionais), à limitação dos investimentos e da publicidade no mercado ‘horeca’, à criação de uma nova estrutura tarifária para os sectores ‘horeca’ e retalhista e à troca de informações sobre as vendas nos sectores horeca e retalhista, durante o período de 28 de Janeiro de 1993 a 28 de Janeiro de 1998.

Artigo 2.°

Pelas infracções referidas no artigo 1.°, são aplicadas as seguintes coimas às empresas [Interbrew] e [recorrente]:

a)      [à Interbrew]: uma coima de 45,675 milhões de euros;

b)      [à recorrente]: uma coima de 44,043 milhões de euros.

[...]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

18      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Fevereiro de 2002 a recorrente interpôs o presente recurso.

19      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral. Assim, nos termos do artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância convidou as partes a apresentar determinados documentos e a responder a questões escritas. As partes cumpriram o que lhes tinha sido solicitado dentro do prazo fixado.

20      Por carta de 30 de Novembro de 2004, a recorrente solicitou ao Tribunal que juntasse ao processo a Decisão da Comissão de 29 de Setembro de 2004, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (processo COMP/C.37750/B2 – Brasseries Kronenbourg, Brasseries Heineken), notificada com o n.° C (2004) 3597 final (a seguir «decisão Kronenbourg/Heineken»), e, além disso, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.°, n.° 4 do Regulamento de Processo, que convidasse a Comissão a pronunciar‑se, antes ou no decurso da audiência, sobre os resultados do seu inquérito relativo a eventuais abusos de posição dominante da Interbrew no mercado belga da cerveja.

21      Por decisão de 3 de Dezembro de 2004, o Tribunal, por um lado, fez anexar ao processo a referida carta e informou a Comissão de que seria convidada, na audiência, a apresentar as suas observações sobre o pedido da recorrente no sentido de a decisão Kronenbourg/Heineken ser junta ao processo. Por outro lado, indeferiu o pedido de medida de organização do processo destinado a que a Comissão se pronunciasse sobre os resultados do seu inquérito sobre eventuais abusos de posição dominante da Interbrew no mercado belga da cerveja.

22      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência pública de 8 de Dezembro de 2004. Nesta audiência, a Comissão declarou que não tinha objecções ao pedido da recorrente de a decisão Kronenbourg/Heineken ser junta aos autos, o que foi feito por decisão do Tribunal.

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–      anular, com base no artigo 230.° CE, a decisão impugnada e, a título subsidiário, reduzir a coima aplicada no artigo 2.° da decisão, com base no artigo 229.° CE;

–      condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–      negar provimento ao recurso;

–      condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

25      A recorrente invoca oito fundamentos em apoio do seu recurso: dois fundamentos, invocados a título principal, visam a anulação da decisão impugnada e são relativos à violação dos direitos de defesa e do princípio da boa administração (primeiro fundamento) bem como à violação do dever de fundamentação (segundo fundamento). Outros seis fundamentos, invocados a título subsidiário, têm como objectivo a redução do montante da coima aplicada. São relativos, respectivamente, a uma avaliação errada da gravidade da infracção para efeitos da fixação do montante de base da coima por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e de non bis idem (terceiro fundamento), a uma apreciação errada da duração da infracção (quarto fundamento), ao carácter infundado da circunstância agravante a que se atendeu a título de coacção exercida sobre a Interbrew (quinto fundamento), à tomada em conta infundada da circunstância agravante da reincidência em relação à recorrente (sexto fundamento), à insuficiente tomada em consideração das circunstâncias atenuantes aplicáveis (sétimo fundamento) e a uma apreciação incorrecta da extensão da cooperação da recorrente, em violação do princípio da igualdade de tratamento e da Comunicação sobre a cooperação (oitavo fundamento).

A –  Quanto aos pedidos de anulação da decisão impugnada

1.     Quanto ao fundamento relativo à violação dos direitos de defesa e do princípio da boa administração

26      O fundamento articula‑se em três partes. Na primeira, a recorrente alega que não lhe foram dadas condições para analisar o contexto em que um documento contra si utilizado pela Comissão foi elaborado. Na segunda parte, observa que a Comissão não lhe permitiu conhecer, antes de adoptar a decisão impugnada, os elementos tidos em conta no cálculo da coima. Por último, na terceira parte, a recorrente alega que o carácter indocumentado das reuniões entre a Comissão e a Interbrew bem como o facto de a Comissão não lhe ter transmitido a resposta da Interbrew à comunicação de acusações constituem não só uma violação dos direitos de defesa mas igualmente uma violação do princípio da boa administração.

a)     Quanto à primeira parte, em que a recorrente alega que não lhe foram dadas condições para analisar o contexto em que um documento utilizado contra si pela Comissão foi elaborado

 Argumentos das partes

27      A recorrente defende que a decisão impugnada deve ser anulada, uma vez que não lhe foram dadas condições para comentar e contestar o excerto de um documento de que a Comissão obteve inicialmente cópia junto da empresa Heineken NV (a seguir «Heineken») no âmbito de um inquérito conexo realizado nos Países Baixos (a seguir «documento Heineken»). A Comissão invocou este documento no considerando 55 da decisão impugnada, em apoio da conclusão segundo a qual a recorrente exerceu coacção sobre a Interbrew, ameaçando‑a de represálias no mercado francês, para a forçar a alargar o âmbito do acordo. Os outros elementos tidos em conta para apoiar esta conclusão, mencionados no considerando 54 da decisão impugnada, mais não são do que declarações unilaterais da Interbrew.

28      A recorrente reconhece que o documento Heineken é referido na comunicação de acusações e que tomou conhecimento do mesmo quando teve acesso aos autos. Todavia, a Comissão contentou‑se em indicar, na decisão impugnada, o local e as circunstâncias em que foi obtido o documento Heineken, fazendo fé nesse documento sem outras formalidades e sem dar à recorrente oportunidade de analisar o contexto no qual este foi elaborado.

29      Assim, a recorrente não teve acesso, por não fazerem parte do processo, às cartas ou notas internas anteriores ou posteriores a esse documento. Nenhuma peça ligada a este documento eventualmente obtida no decurso do inquérito nos Países Baixos foi junta aos autos, apesar do pedido feito pela recorrente neste sentido. Os eventuais comentários da Heineken e da Interbrew sobre o alcance do referido documento também não foram juntos ao processo. Além disso, a correspondência entre a Comissão e a Heineken relativa à confidencialidade do documento Heineken, que foi comunicada pela Comissão, não fornece qualquer informação suplementar, nem demonstra que a própria Comissão dispôs dos elementos necessários para a interpretação desse documento.

30      A recorrente formula a este propósito duas críticas alternativas. Ou os elementos de interpretação existiam e não foram juntos aos autos e o acesso ao processo foi irregular, em violação dos direitos de defesa, ou não existiam e incumbia à Comissão, dado o seu dever de instruir igualmente com os elementos a favor no que respeita à demonstração de inocência, verificar a verosimilhança das informações constantes do documento Heineken, procurando conhecer o contexto em que foi elaborado.

31      A recorrente defende que, em qualquer caso, o seu conhecimento da identidade do autor e do contexto da elaboração do documento Heineken era susceptível de levar o procedimento administrativo a um resultado diferente, pois poderia, eventualmente, ter demonstrado a falta de autenticidade ou de veracidade do referido documento. Neste caso, as declarações individuais da Interbrew não poderiam ser suficientes para provar a pretensa coacção exercida sobre esta. Verificou‑se, assim, uma violação dos direitos de defesa, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento», T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 247).

32      A Comissão assinala que a recorrente teve acesso ao documento Heineken, cujo contexto pôde perfeitamente compreender, e que, além disso, nunca invocou uma violação dos direitos de defesa no procedimento administrativo. Em todo o caso, o documento Heineken não é o único elemento comprovativo da ameaça proferida pela recorrente em relação à Interbrew.

 Apreciação do Tribunal

33      Segundo jurisprudência constante, o direito de acesso aos autos nos processos de concorrência tem por objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos probatórios que constam do processo da Comissão, a fim de lhes permitir pronunciar‑se de forma útil sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de acusações, com base nesses elementos (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3257, n.° 334 e a jurisprudência aí indicada). O acesso ao processo faz parte das garantias processuais que se destinam a proteger os direitos de defesa e a assegurar, em especial, o exercício efectivo do direito de ser ouvido (v. acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, já referido, n.° 334 e a jurisprudência aí indicada).

34      A Comissão tem, pois, a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, o conjunto dos documentos incriminatórios ou a favor das mesmas, tenha recolhido do inquérito, com ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da instituição e de outras informações confidenciais (v. acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.° 335 e a jurisprudência aí indicada).

35      Se se concluir que, na decisão impugnada, a Comissão se baseou em documentos incriminatórios que não constavam do dossier de instrução e não foram comunicados à recorrente, há que eliminar estes documentos enquanto meios de prova (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.os 24 a 30; acórdãos Cimento, n.° 31 supra, n.° 382, e Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.° 338).

36      Relativamente aos documentos que poderiam conter elementos de defesa, saliente‑se que, quando esses documentos constem do processo de instrução da Comissão, a eventual verificação de uma violação dos direitos de defesa é independente do comportamento da empresa em causa durante o procedimento administrativo e da questão de saber se essa empresa tinha a obrigação de exigir que a Comissão lhe concedesse acesso ao seu processo ou lhe facultasse determinados documentos (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão, T‑30/91, Colect., p. II‑1775, n.° 96, e Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.° 340).

37      Em contrapartida, quanto aos documentos que poderiam conter elementos de defesa e que não figuram no processo de instrução da Comissão, a recorrente tem a obrigação de apresentar à instituição um pedido expresso de acesso a esses documentos, tendo a omissão de agir desse modo, no decurso do procedimento administrativo, um efeito de preclusão sobre este ponto do recurso de anulação que será eventualmente proposto contra a decisão definitiva (acórdãos Cimento, n.° 31 supra, n.° 383, e Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.° 340).

38      É à luz destes princípios que importa examinar a justeza das críticas formuladas pela recorrente.

39      A título preliminar, saliente‑se que não é de modo algum contestado que o documento Heineken entrou inicialmente na posse da Comissão na altura de uma verificação efectuada, ao abrigo do artigo 14.°, n.° 3 do Regulamento n.° 17, nas instalações da Heineken nos Países Baixos, em 22 e 23 de Março de 2000, no âmbito de um processo diferente do presente. A Comissão veio posteriormente exigir à Heineken, a 14 de Abril de 2000, no âmbito do procedimento administrativo relativo ao caso em análise e por meio de um pedido de informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a transmissão de uma nova cópia do documento, que foi junta ao processo.

40      Importa igualmente salientar que a recorrente reconhece que o documento Heineken é referido na comunicação de acusações, tendo tido conhecimento do mesmo quando teve acesso à documentação relativa ao procedimento administrativo. No que a este documento especificamente diz respeito, a recorrente pôde, pois, exercer efectivamente o seu direito de ser ouvida.

41      A recorrente alega, todavia, que não teve acesso às eventuais cartas ou notas internas, que podem ter precedido a elaboração do documento Heineken ou que se lhe seguiram e que eram susceptíveis de conter elementos a seu favor.

42      A crítica da recorrente de que a Comissão se absteve de comunicar essas cartas ou notas internas que estariam na sua posse não pode ser aceite. De facto, há que recordar que, segundo a jurisprudência, a recorrente só pode invocar uma violação dos direitos de defesa se tiver apresentado à Comissão, no decurso do procedimento administrativo, um pedido expresso de acesso aos documentos em questão (v. n.° 37 supra).

43      Ora, a recorrente nunca formulou tal pedido. De facto, por um lado, na resposta à comunicação de acusações, limita‑se a afirmar, relativamente ao documento Heineken, que «o valor prob[atório] deste documento parece duvidoso [e que] [ne]nhum elemento da [comunicação de acusações] ou do documento permite [à recorrente] identificar o seu autor ou examinar o seu contexto». Esta afirmação não pode ser considerada um pedido expresso de acesso às cartas ou notas internas em questão. Interrogada pelo Tribunal sobre este ponto, na audiência, a recorrente confirmou aliás que o pedido de acesso ao processo por ela apresentado no decorrer do procedimento administrativo era de carácter geral. Por outro lado, nas suas cartas de 24 e 28 de Janeiro de 2002, a recorrente limita‑se a submeter, em termos muito gerais e sem qualquer referência expressa aos documentos em causa, um segundo pedido de acesso ao processo, o qual, de qualquer modo, ocorreu após o encerramento do procedimento administrativo.

44      Quanto à crítica da recorrente segundo a qual, na eventualidade de a Comissão não ter em seu poder qualquer carta ou nota interna anteriores ou posteriores à elaboração do documento Heineken, foi em violação do dever de imparcialidade que se absteve de verificar a veracidade do conteúdo do referido documento, basta salientar que esta crítica não diz respeito à problemática dos direitos de defesa. Com efeito, a recorrente pede que se determine se a Comissão demonstrou de forma suficiente o que entendia provar, nomeadamente, através do documento Heineken e se, na medida em que este documento era necessário para o estabelecimento dessa prova, a veracidade das declarações que refere está suficientemente comprovada. Por conseguinte, a recorrente põe em dúvida o carácter probatório do documento Heineken, questão sem pertinência na análise do presente fundamento, relativo a uma violação dos direitos de defesa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão, T‑37/91, Colect., p. II‑1901, n.° 72), e que será analisada a seguir nos n.os 260, 261, 271 a 273 e 284 a 290.

45      A primeira parte do fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

b)     Quando à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão não ter permitido à recorrente tomar conhecimento, antes de adoptar a decisão impugnada, dos elementos tidos em conta no cálculo da coima

 Argumentos das partes

46      A recorrente invoca uma violação dos direitos de defesa decorrente do facto de em nenhum momento a Comissão lhe ter dado a possibilidade de conhecer ou de comentar os elementos que pretendia utilizar na determinação do montante da coima. Na comunicação de acusações, a Comissão limitou‑se a resumir, em algumas linhas, a metodologia preconizada nas Orientações e nada na referida comunicação permitiu à recorrente prever o tratamento particularmente desfavorável que a Comissão lhe reservava e a desigualdade de tratamento daí resultante em relação à Interbrew.

47      Em particular, nada na comunicação de acusações lhe indicou que a Comissão tencionava invocar a reincidência a seu respeito, uma vez que esta circunstância agravante é utilizada de maneira errática na sua prática decisória. Assim, no decurso do ano 2001, a Comissão condenou várias empresas reincidentes sem todavia invocar, em relação a elas, esta circunstância agravante na fixação da coima. Foi o caso da empresa F. Hoffmann‑La Roche AG (a seguir «Hoffmann‑La Roche») na Decisão 2003/2/CE da Comissão, de 21 de Novembro de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.512 – Vitaminas) (JO 2003, L 6, p. 1, a seguir «decisão Vitaminas»), e na Decisão 2002/742/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/36.604 – Ácido cítrico) (JO 2002, L 239, p. 18, a seguir «decisão Ácido crítico») bem como da empresa Stora Kopparbergs Bergslag AB (a seguir «Stora»), embora destinatária da decisão sob outro nome, no processo que deu lugar à Decisão 2004/337/CE da Comissão, de 20 de Dezembro de 2001, relativo a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/36.212 – Papel autocopiativo) (JO 2004, L 115, p. 1, a seguir «decisão Papel autocopiativo»), ou ainda da empresa Volkswagen AG (a seguir «Volkswagen») na Decisão 2001/711/CE da Comissão, de 29 de Junho de 2001, num procedimento previsto pelo artigo 81.°, do Tratado CE (Processo COMP/F‑2/36.693 – Volkswagen) (JO L 262, p. 14, a seguir «decisão Volkswagen II»). Ora, esta diferença de tratamento não é justificada.

48      A omissão de tal indicação é tanto mais prejudicial quanto, no processo que culminou com a adopção da Decisão 2002/405/CE da Comissão, de 20 de Junho de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (COMP/E‑2/36.041/PO – Michelin) (JO 2002, L 143, p. 1, a seguir «decisão Michelin II»), na qual a Comissão considerou igualmente, como circunstância agravante, a reincidência, foi dada à empresa em questão a possibilidade de invocar os seus argumentos em relação a esse ponto antes da adopção da decisão.

49      A Comissão alega dispor de um poder de apreciação na fixação do montante de uma coima e que mencionou na comunicação de acusações todos os elementos que tencionava ter em conta para esse efeito, entre os quais os necessários a título da exigência de fundamentação. Não era, além disso, obrigada a indicar a sua intenção de ter em conta a circunstância agravante da reincidência. Em qualquer caso, a recorrente não podia ignorar que as Orientações mencionam explicitamente a reincidência como circunstância agravante, nem que já tinha sido por duas vezes objecto de uma verificação de infracção.

 Apreciação do Tribunal

50      Segundo jurisprudência constante, desde que a Comissão indique expressamente, na sua comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas em causa e que indique igualmente os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de provocarem a aplicação de uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção, e o facto de esta ter sido cometida de forma deliberada ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas de serem ouvidas. Actuando assim, fornece‑lhes, portanto, todos os elementos necessários para se defenderem, não apenas contra a declaração da infracção, mas, igualmente, contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 21, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, ABB Asea Brown Boveri/Comissão, T‑31/99, Colect., p. II‑1881, n.° 78).

51      No que se refere à determinação do montante das coimas, os direitos de defesa das empresas em causa são garantidos perante a Comissão através da possibilidade de apresentar observações sobre a duração, a gravidade e a previsibilidade do carácter anticoncorrencial da infracção. Além disso, as empresas beneficiam de uma garantia suplementar, no que diz respeito à determinação do montante da coima, na medida em que o Tribunal decide com competência de plena jurisdição e pode, nomeadamente, suprimir ou reduzir a coima, de acordo com o artigo 17.° do Regulamento n.° 17 (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 235, e, neste sentido, acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, n.° 50 supra, n.° 79).

52      Neste caso, há que reconhecer, em primeiro lugar, que a Comissão indicou, no n.° 213 da comunicação de acusações, relativamente aos factos imputados, a sua intenção de aplicar coimas às empresas destinatárias, incluindo a recorrente. A Comissão precisou, no n.° 214 da comunicação de acusações, que, para determinar o montante das coimas a aplicar, devia ter em conta todas as circunstâncias do caso e, em especial, a gravidade e a duração da infracção. Além disso, a Comissão indicou, no n.° 216 desta comunicação, que, entre os factos expostos na comunicação de acusações, teria em conta, nomeadamente, o facto de os acordos visados constituírem uma violação deliberada do artigo 81.°, n.° 1, CE.

53      A Comissão indicou igualmente, no mesmo n.° 216, que os acordos de repartição dos mercados e de fixação dos preços, conforme descritos na comunicação de acusações, constituíam, pela sua própria natureza, o tipo de violação mais grave constante do artigo 81.°, n.° 1, CE. Precisou, ainda, no n.° 215 da comunicação de acusações, que teria em conta, para apreciar a gravidade da infracção, a sua natureza, a sua incidência real sobre o mercado, quando mensurável, bem como a extensão do mercado geográfico em causa. Mencionou, além disso, no n.° 216 da referida comunicação, que determinaria o papel de cada empresa participante na infracção, tendo em conta, entre outros elementos, o papel desempenhado por cada uma nos acordos secretos em causa e a duração de cada uma dessas participações na infracção.

54      A Comissão precisou também, no n.° 217 da comunicação de acusações, que o montante da coima que seria aplicado a cada empresa reflectiria as eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes e que aplicaria, quando a isso houvesse lugar, a Comunicação sobre a cooperação. Por último, a Comissão indicou, no n.° 218, que se propunha fixar o montante das coimas a um nível suficiente para garantir o seu efeito dissuasivo.

55      Do que precede resulta que a Comissão, em conformidade com a jurisprudência supracitada, indicou expressamente, na sua comunicação de acusações (n.os 213 a 218), a intenção de aplicar coimas às empresas destinatárias e os elementos de facto e de direito que teria em conta no cálculo do montante da coima a aplicar à recorrente, de modo que, neste aspecto, o seu direito de ser ouvida foi respeitado.

56      Em segundo lugar, mais particularmente no que respeita à circunstância agravante da reincidência imputada à recorrente, há que salientar, por um lado, que as Orientações referem, como exemplo de circunstância agravante, a reincidência de uma mesma empresa numa infracção do mesmo tipo e, por outro, que a Comissão indicou na comunicação de acusações que teria em conta o papel individual desempenhado por cada empresa nos acordos secretos em causa e que o montante da coima reflectiria as eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes. A recorrente não podia, por conseguinte, ignorar que a Comissão teria em conta esta circunstância agravante se chegasse à conclusão que as suas condições de aplicação se encontravam reunidas.

57      Em terceiro lugar, mais especificamente no que toca ao argumento segundo o qual a recorrente teria sido objecto de um tratamento discriminatório face a outras empresas reincidentes, em relação às quais esta circunstância agravante não teria sido considerada, importa salientar que o simples facto de a Comissão ter entendido, na sua prática decisória anterior, que certos elementos não constituíam uma circunstância agravante para efeitos da determinação do montante da coima, não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão posterior (v., nomeadamente, por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 357; de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 368, e de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.os 234 e 337). Por outro lado, como resulta das considerações expostas no n.° 56 supra, a possibilidade dada a uma empresa, no quadro de outro processo, de se pronunciar sobre a intenção de considerar provada a sua reincidência, não implica, de modo algum, que a Comissão tenha a obrigação de proceder assim em todos os casos nem que, na falta dessa possibilidade, a recorrente esteja impedida de exercer plenamente o seu direito de ser ouvida.

58      Nestas condições, a segunda parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

c)     Quanto à terceira parte, relativa ao carácter não documentado de reuniões entre a Comissão e a Interbrew, bem como à recusa da Comissão em comunicar à recorrente a resposta da Interbrew à comunicação de acusações

 Argumentos das partes

59      A recorrente alega, por um lado, que nem a comunicação de acusações nem a decisão impugnada contêm elementos precisos que lhe permitam apreciar o conteúdo e o alcance das reuniões entre os agentes da Comissão e os representantes da Interbrew, mencionadas no considerando 34 da decisão impugnada. Nenhuma acta dessas reuniões, que, neste caso, não foram levadas ao conhecimento da recorrente antes da adopção da decisão impugnada, foi, além disso, junta ao processo da Comissão. Por outro lado, recusando‑lhe, por carta de 7 de Fevereiro de 2002, o acesso à resposta da Interbrew à comunicação de acusações, a Comissão violou os seus direitos de defesa bem como o princípio da boa administração.

60      A recorrente considera, em primeiro lugar, não lhe terem sido dadas condições para verificar e, se fosse caso disso, contestar as eventuais declarações da Interbrew quando das referidas reuniões, susceptíveis, no entanto, de terem uma influência importante na apreciação, pela Comissão, dos factos em causa e da cooperação das empresas que eram objecto do inquérito.

61      Sobre este ponto, a recorrente sustenta, nomeadamente, que a Comissão demonstrou uma atitude globalmente benevolente no que diz respeito à Interbrew, em contraste com a severidade demonstrada a seu respeito. Assim, a não evocação, durante o processo, da posição dominante da Interbrew, que, no entanto, esteve na origem do inquérito, poderia explicar‑se à luz do conteúdo das reuniões informais em causa. Por outro lado, a referência na decisão impugnada a uma conversa telefónica entre L. B. (Alken‑Maes) e A. B. (Interbrew) em 9 de Dezembro de 1996 não é sustentada pelos autos. O mesmo acontece em relação ao conteúdo relatado de um debate interno na Interbrew em 5 de Maio de 1994, durante o qual o Chief Executive Officer (a seguir «CEO») da Interbrew (M.) ou seja, o seu dirigente máximo, teria revelado um cenário, pretensamente conforme ao pedido da recorrente, segundo o qual a Interbrew devia transferir 500 000 hectolitros de cerveja para a Alken‑Maes.

62      A recorrente alega, em segundo lugar, que não teve acesso à resposta da Interbrew à comunicação de acusações, por isso lhe ter sido recusado pela Comissão. Com efeito, a recorrente tinha expressamente solicitado à Comissão, por cartas de 24 e 28 de Janeiro de 2002, um novo acesso ao processo, em particular, o acesso à resposta da Interbrew à comunicação de acusações, o que a Comissão teria recusado por ofício datado de 7 de Fevereiro de 2002.

63      A Comissão alega que a recorrente tinha conhecimento da existência das reuniões informais e que nunca pediu, durante o procedimento administrativo, acesso a eventuais actas destas reuniões, de resto inexistentes, e que, em qualquer caso, teriam sido desprovidas de utilidade. Todos os elementos de facto contidos na decisão impugnada se basearam em documentos do processo ao qual a recorrente nunca contestou ter tido acesso. Por seu turno, o pedido de acesso aos documentos formulado ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43) foi retirado.

 Apreciação do Tribunal

64      Em primeiro lugar, no que diz respeito às reuniões informais com as partes, importa salientar que nem a recorrente nem a Comissão contestam, nos seus articulados, o facto de essas reuniões não terem dado lugar à redacção de actas. Portanto, a primeira parte do primeiro fundamento, relativo a estas reuniões, traduz‑se em sustentar que o respeito pela Comissão do direito de acesso ao processo, nos casos de concorrência, a obriga a elaborar e tornar acessíveis às partes tais actas.

65      A este respeito, há que recordar que a jurisprudência referida nos n.os 33 e 34 supra estabelece que o direito de acesso ao processo nos casos de concorrência tem por objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que figuram no processo da Comissão, para que o direito de ser ouvido possa ser utilmente exercido. A Comissão tem, assim, a obrigação de tornar acessível às empresas em causa o conjunto dos documentos incriminatórios ou favoráveis às empresas que recolheu durante o inquérito, sob reserva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais.

66      Resulta, além disso, da jurisprudência que, em contrapartida, não existe qualquer obrigação geral de a Comissão redigir actas das discussões que manteve com as outras partes, no âmbito da aplicação das regras de concorrência do Tratado, durante reuniões com estas (v., neste sentido, acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.° 351).

67      A inexistência dessa obrigação não é, contudo, de molde a dispensar a Comissão das obrigações que lhe incumbem em matéria de acesso ao processo. Não seria, com efeito, admissível que o recurso à prática de contactos verbais com terceiros levasse à violação dos direitos de defesa. Assim, se a Comissão se propõe utilizar, na sua decisão, um elemento de acusação transmitido de forma oral pela outra parte, deve torná‑lo acessível à empresa em causa, para que esta se possa pronunciar utilmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou com base neste elemento. Se for caso disso, deve elaborar para o efeito um documento escrito destinado a ser junto ao seu processo (v., neste sentido, acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.° 352).

68      No caso em apreço, deve reconhecer‑se que, com excepção de duas alegações concretas, a argumentação da recorrente consiste em afirmar de um modo geral, em primeiro lugar, que as reuniões informais podem ter tido uma influência importante na apreciação dos factos e da cooperação das empresas objecto do inquérito e, em segundo lugar, que a Comissão, durante o processo, teve em relação à Interbrew uma atitude globalmente benevolente que contrasta com a severidade com que tratou a recorrente na decisão impugnada e, por último, que, embora as informações comunicadas nas reuniões formais fossem úteis à Interbrew, as mesmas não podiam deixar de afectar a sua posição.

69      Esta argumentação geral, que não precisa de que forma os elementos de acusação utilizados pela Comissão na decisão impugnada se baseiam em elementos transmitidos nas reuniões informais, não é de natureza a confirmar a realidade de uma violação dos direitos de defesa, a qual deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso (v., neste sentido, acórdão Solvay/Comissão, n.° 36 supra, n.° 60). Com efeito, conforme foi exposto no n.° 33 supra, o direito de acesso ao processo nos casos de concorrência é unicamente reconhecido com o fim de permitir às empresas em causa pronunciarem‑se utilmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou na sua comunicação de acusações. Ora, dado que a recorrente não indica, com excepção das duas alegações concretas a seguir examinadas, nenhuma acusação constante da comunicação de acusações e posteriormente da decisão impugnada que se tenha baseado nos elementos transmitidos verbalmente nas reuniões informais, aos quais não teria tido acesso, não pode criticar a Comissão por uma violação dos direitos de defesa quanto a este aspecto (v., neste sentido, acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 33 supra, n.os 353 e 354).

70      No que diz respeito às duas alegações concretas supra‑referidas, segundo as quais as referências a uma conversa telefónica no dia 9 de Dezembro de 1996 e ao conteúdo de uma reunião interna no dia 5 de Maio de 1994, que figuram na decisão impugnada, apenas poderiam encontrar a sua fonte no conteúdo das reuniões informais, há que examinar se os factos em questão se apoiam em elementos precisos constantes do processo.

71      No que respeita, em primeiro lugar, à conversa telefónica de 9 de Dezembro de 1996, mencionada no considerando 91 da decisão impugnada, deve reconhecer‑se que o n.° 93 da comunicação de acusações indica que, «na sequência de uma reunião que [se realizou] no dia 19 de Setembro, L. B. (Alken‑Maes) [teve] uma conversa telefónica com A. B. (Interbrew) no dia 9 de Dezembro de 1996». Esta frase é acompanhada da nota de pé‑de‑página 116 que indica: «Carta de Alken‑Maes do dia 7 de Março de 2000 e os seus anexos 42 e 44 ([páginas] 7884, 8513 e 8528 a 8530 [do processo da Comissão]), contendo referências aos seguintes documentos: verificação efectuada na Alken‑Maes, documento AvW19 ([páginas] 150 a 153 [do processo da Comissão] e documento MV17 ([páginas] 532 a 541 [do processo da Comissão])». As mesmas referências surgem na nota 123, correspondente ao considerando 91.

72      Em resposta a uma pergunta que o Tribunal formulou por escrito e em que lhe pedia para precisar os elementos que a levaram a concluir que uma conversa telefónica a respeito das tarifas da Interbrew, entre L. B. (Alken‑Maes) e A. B. (Interbrew) tivera lugar no dia 9 de Dezembro de 1996, a Comissão respondeu que tinha chegado a esta conclusão com base na página 8513 do processo da Comissão, que é a última página do anexo 42 da carta de Alken‑Maes à Comissão de 7 de Março de 2000.

73      A análise deste documento, que consiste em notas manuscritas de L. B. (Alken‑Maes), revela que, embora nenhuma conversação telefónica havida no dia 9 de Dezembro de 1996 aí seja mencionada, este documento deixa transparecer, em contrapartida, várias anotações, visivelmente inscritas posteriormente à sua redacção inicial, que aparentam ser a resposta a perguntas, redigidas inicialmente, sobre as condições tarifárias da Interbrew. Ora, três destas anotações incluem a data «(9/12/96)» e duas a abreviatura «IB» (Interbrew), incluindo uma, além disso, as iniciais de A. B. (Interbrew).

74      É pois de concluir, desde logo, que a menção da existência de um contacto, no dia 9 de Dezembro de 1996, entre a Interbrew e a Alken‑Maes sobre as condições tarifárias da Alken‑Maes, consta efectivamente da comunicação de acusações e que a existência do contacto a que se refere a Comissão encontra apoio num documento que, figurando no processo, foi acessível à recorrente, dado que foi a sua antiga sucursal Alken‑Maes que o forneceu à Comissão. O facto de o contacto ter sido telefónico, ou não, é desprovido de importância do ponto de vista do exercício do direito de ser ouvido, porque, embora seja deplorável que a afirmação da Comissão sobre este ponto não se apoie em elementos, é a respeito da existência de um contacto e, sendo caso disso, do seu conteúdo, que a recorrente devia beneficiar do direito de ser ouvida, e não a respeito do carácter telefónico ou não desse contacto, não tendo este ponto incidência na determinação do seu carácter transgressor ou não.

75      Quanto, em seguida, à afirmação contida no considerando 53 da decisão impugnada, a saber, que o «cenário» revelado pelo CEO da Interbrew na reunião interna de 5 de Maio de 1994 estava «em conformidade com a pretensão da Danone/Kronenbourg», isto é, que a Interbrew cedesse 500 000 hectolitros à Alken‑Maes (nomeadamente, no comércio retalhista), há que reconhecer que no n.° 55 da comunicação de acusações se indica que, «[quando] de uma discussão interna na Interbrew, [M.] revelou o seguinte cenário, correspondente ao pedido da Danone/Kronenbourg. A Interbrew deveria ceder 500 000 hectolitros à Alken‑Maes (nomeadamente, no comércio retalhista) e que, se «a Interbrew não aceitasse este pedido, a Interbrew France seria destruída com a cumplicidade da Heineken, e a Interbrew seria atacada na Bélgica com preços muito reduzidos». O n.° 56 que segue precisa que «[o] cenário apresentado pela Kronenbourg [foi] examinado numa reunião interna da Interbrew, no dia 5 de Maio de 1994». O n.° 55 da comunicação de acusações é acompanhado de duas notas de pé‑de‑página, 35 e 36, que se referem a uma carta da Interbrew, de 28 de Fevereiro de 2000 e ao seu anexo 18 (página 7683 do processo da Comissão). As mesmas referências documentais encontram‑se da decisão impugnada, no considerando 53.

76      Há que, a este respeito, salientar que o anexo 18 da carta da Interbrew de 28 de Fevereiro de 2000, que consiste numa declaração de C. da Interbrew, contém, na página 2 da referida declaração, a seguinte frase: «[M.] invocou na nossa presença, numa reunião interna (a 5 de Maio de 1994), o cenário referente a um pedido da Kronenbourg. Em substância, a KRO exercia chantagem para que a ITW transferisse 500 000 [hectolitros] para a AM (sobretudo no ‘Food’). Caso contrário, destruiriam a ITW‑France com a cumplicidade da Heineken e atacariam a ITW‑Belgique com preços muito reduzidos».

77      Tem pois que concluir‑se que a afirmação contida no considerando 53 da decisão impugnada e nos n.os 55 e 56 da comunicação de acusações retoma, em substância, o conteúdo de uma informação fornecida por escrito pela Interbrew, que figura no processo, tendo sido, por isso, acessível à recorrente. Esta última não pode por conseguinte invocar o facto, quanto à afirmação contida no considerando 53 da decisão impugnada, de que não pôde utilizar efectivamente o seu direito de ser ouvida.

78      Resulta do que precede, por um lado, que as afirmações pretensamente feitas nas reuniões informais com a Interbrew figuravam na comunicação de acusações e, por outro, que, em qualquer caso, encontravam a sua justificação, na medida em que eram necessárias para fornecer a prova de uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, em documentos aos quais a recorrente teve acesso. Há, pois, que concluir que a recorrente pôde pronunciar‑se utilmente sobre essas afirmações e que o seu direito de ser ouvida foi respeitado.

79      Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento de acordo com o qual foi recusado à recorrente, em violação dos direitos de defesa, o acesso às peças juntas ao processo, depois de ter tido acesso a este em 5 de Outubro de 2002, nomeadamente à resposta da Interbrew à comunicação de acusações no que poderia conter de elementos de defesa, é suficiente recordar que o pedido de acesso às peças adicionais do processo foi apresentado por cartas de 24 e 28 de Janeiro de 2002, após o encerramento do procedimento administrativo. Ora, a não apresentação desse pedido durante o procedimento administrativo tem um efeito de preclusão sobre esta questão, no que se refere ao recurso da anulação apresentado posteriormente (v., neste sentido, acórdão Cimento, n.° 31 supra, n.° 383). Há, portanto, que julgar improcedente este argumento.

80      Quanto ao pedido de acesso formulado a 4 de Março de 2002, nos termos do Regulamento n.° 1049/2001, basta observar que o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento dispõe que, «[no] caso de recusa total ou parcial, o recorrente pode dirigir à instituição, no prazo de 15 dias úteis a contar da recepção da resposta da instituição, um pedido confirmativo no sentido de esta rever a sua posição». Ora, na sequência da recusa da Comissão, em 26 de Março de 2002, de deferir o pedido de acesso da recorrente, há que reconhecer que, como esta não apresentou um pedido confirmativo nos prazos previstos, tendo confirmado esse facto em resposta a uma pergunta do Tribunal na audiência, retirou o seu pedido de 4 de Março de 2002.

81      Conclui‑se que a terceira parte do fundamento deve ser julgada improcedente bem como, por conseguinte, a integralidade deste.

2.     Quanto ao fundamento relativo à violação da obrigação de fundamentação

a)     Argumentos das partes

82      A recorrente alega que a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada já que, por um lado, não contém nenhuma definição dos mercados relevantes, que é uma condição necessária e prévia a toda a apreciação do comportamento anticoncorrencial, e, por outro, limita‑se a uma simples referência, para o cálculo do montante da coima, às Orientações, sem indicar o alcance exacto dos critérios utilizados para a determinação do montante da coima que lhe é aplicada.

83      Assim, em primeiro lugar, a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada na medida em que, contrariamente ao que a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância exige (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão, dito «Vidro plano», T‑68/89, T‑77/89 e T‑78/89, Colect., p. II‑1403, n.° 159), não se baseou numa definição adequada do mercado que neste caso era relevante mas unicamente na verificação da existência de um «mercado da cerveja belga». A Comissão, incorrectamente, não procedeu à análise da extensão geográfica exacta do ou dos mercados em causa, assim como da eventual substituibilidade dos diversos produtos cervejeiros. A substituição pela Comissão, na sua contestação, da expressão «sector da cerveja na Bélgica» pela de «mercado da cerveja belga» não respondia à objecção da recorrente, segundo a qual, neste caso, a definição do mercado era consubstancial à definição da infracção. Os mercados geográficos mencionados, a saber, os mercados belga e francês estão definidos de maneira insuficientemente documentada na decisão impugnada.

84      Além disso, a Comissão atendeu a elementos de facto que diziam respeito ao mercado francês sem que a análise do seu alcance à luz das características específicas desse mercado tenha sido considerada necessária. Em particular, a Comissão baseou‑se no argumento de uma ameaça de represálias no mercado francês, pretensamente feita pela recorrente contra a Interbrew, quando a existência de um tal comportamento restritivo da concorrência só poderia ser demonstrado após a constatação de um determinado poder sobre um mercado correctamente definido.

85      No caso vertente, determinados factos utilizados em apoio da verificação da infracção que constitui objecto da decisão impugnada, designadamente, a reunião de 11 de Maio de 1994, a conversa telefónica de 6 de Julho de 1994 e a reunião de 17 de Abril de 1997, tinham, segundo a Comissão, um objecto mais amplo do que a Bélgica. Além disso, a interacção entre a França e a Bélgica e a semelhança dos comportamentos nesses dois em países eram, segundo a Comissão, elementos importantes da infracção, em particular no que respeita à alegada ameaça.

86      A este propósito, a opção da Comissão por tratar em quadros distintos comportamentos que apresentam semelhanças, afasta‑se da sua prática tradicional consistente em constatar numa única decisão diferentes comportamentos infractores, pois existe um nexo entre estes devido à identidade das partes no acordo, à semelhança dos mecanismos do acordo nos diferentes países ou, ainda, à interacção entre diferentes territórios ou produtos [v., por exemplo, a Decisão 96/478/CE da Comissão, de 10 de Janeiro de 1996, relativa um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.279/F3 ‑ ADALAT) (JO L 201, p. 1, a seguir «decisão ADALAT»), e as decisões Vitaminas e Papel autocopiativo].

87      Ora, a opção entre várias decisões colocava a recorrente numa situação de insegurança jurídica e tinha por efeito permitir à Comissão inflacionar artificialmente, através da aplicação repetida de montantes de base e eventualmente de coeficientes multiplicadores, o montante total das coimas aplicadas em relação a um dado conjunto de factos, sem que as empresas em causa tenham tido a possibilidade de compreender em que é que os comportamentos eram distintos e porque razões constituíam infracções separadas.

88      Em segundo lugar, a decisão impugnada está também insuficientemente fundamentada no que respeita ao cálculo do montante da coima. Limitando‑se a uma simples referência, no considerando 294 da decisão impugnada, à metodologia definida pelas Orientações, quando estas têm por finalidade «permitir assegurar a transparência e o carácter objectivo das decisões da Comissão, quer em relação às empresas, quer em relação ao Tribunal de Justiça», a Comissão não cumpriu o dever de fundamentação que lhe incumbe e violou o princípio da segurança jurídica.

89      Dado que a fundamentação do montante da coima se baseia numa metodologia consistente em tomar um ponto de partida quantificado e em aplicar‑lhe correcções, é essencial que a Comissão precise de maneira suficientemente detalhada o alcance dos critérios que entram no cálculo do montante da coima, para atingir o objectivo fixado ao dever de fundamentação, a saber, permitir à recorrente apreciar a coerência e a legalidade da fixação do montante da coima, a fim de defender os seus direitos, ao Tribunal de Primeira Instância e ao Tribunal de Justiça exercer o seu controlo, bem como a qualquer interessado conhecer as condições de aplicação do Tratado CE pela Comissão.

90      Neste caso, não obstante o facto de a Comissão não estar obrigada a uma fórmula aritmética, a decisão impugnada não indica o detalhe do cálculo da coima aplicada nem o alcance exacto de cada um dos critérios enunciados para determinar o seu montante. Assim, contrariamente à orientação seguida noutras decisões em matéria de acordos, como as das decisões Vitaminas e Papel autocopiativo, a escolha arbitrária de um montante forfetário de 25 milhões de Euros e o alcance da procura de um efeito dissuasivo da coima, invocada no considerando 305 da decisão impugnada, não têm justificação em critérios quantificados. A falta de uma definição adequada do mercado relevante põe igualmente em evidência a insuficiente fundamentação do cálculo do montante da coima, uma vez que, segundo as Orientações, a escolha do montante de base está ligada a considerações relativas à dimensão do mercado geográfico em causa, ao impacto do acordo sobre esse mercado e ao volume de negócios nele realizado.

91      Em particular, a Comissão só aplicou, com fundamento nas duas circunstâncias agravantes imputadas à recorrente, a saber, o exercício de uma coacção sobre a Interbrew e a reincidência, uma percentagem única de aumento da coima de 50% sem indicar o alcance respectivo de cada circunstância agravante atendida. A falta de precisões relativas à importância respectiva dos diferentes critérios utilizados no cálculo do montante da coima não permitiu à recorrente avaliar em que proporção a coima imposta devia ser reduzida.

92      Além disso, esta falta de elementos claros e pertinentes é tanto mais indesculpável quanto a Comissão reconhece a existência de documentos preparados pelos seus serviços para consulta e deliberação internos, relativos ao cálculo do montante da coima, e que esses documentos não eram acessíveis. Ora, tal circunstância sugeria que a Comissão tomou em conta, na decisão impugnada, outros elementos além daqueles que lhe foram acessíveis, sem todavia os mencionar nesta.

93      A recorrente invoca, mais especificamente, a falta de fundamentação suficiente, pela Comissão, da circunstância agravante da reincidência que lhe é imputada. Esta falta de fundamentação era‑lhe particularmente prejudicial na medida em que a Comissão não aumenta sistematicamente o montante da coima por reincidência, demonstrando, na sua prática decisória, hesitações quanto à função e à importância que devem ser‑lhe atribuídas na determinação do montante da coima, não tendo a adopção das Orientações bastado para fazer desaparecer a incerteza que daí decorre.

94      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

b)     Apreciação do Tribunal

95      Quanto aos recursos das decisões da Comissão que aplicam coimas a empresas por violação das regras de concorrência, o Tribunal é duplamente competente. Por um lado, cabe‑lhe controlar a sua legalidade, nos termos do artigo 230.° CE. Nesse quadro, deve nomeadamente controlar o respeito do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE, cuja violação torna a decisão anulável. Por outro lado, o Tribunal é competente para apreciar, no quadro da competência de plena jurisdição que lhe é reconhecida pelo artigo 229.° CE e artigo 17.° do Regulamento n.° 17, o carácter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a produção e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção, na decisão impugnada, não é como tal exigida por força do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641, n.os 38 a 40, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 215).

96      No que respeita ao controlo do respeito do dever de fundamentação, segundo jurisprudência constante a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve revelar de modo claro e não equívoco o raciocínio da instituição autora do acto, de modo a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, nomeadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas afectadas directa e individualmente pelo acto podem ter em receber explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se a motivação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada não apenas em relação ao seu teor literal, mas também ao seu contexto, bem como ao conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.° 19; de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C‑56/93, Colect., p. I‑723, n.° 86, e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63; acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 216).

97      No que respeita ao alcance do dever de fundamentação relativamente ao cálculo de uma coima aplicada por violação das regras comunitárias de concorrência, há que recordar, por um lado, que esta deve ser determinada tendo em vista as disposições do artigo 15.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 17, nos termos do qual, «[p]ara determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma». Ora, os requisitos da formalidade essencial que constitui esta obrigação de fundamentação estão preenchidas quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.° 73, e de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 463). Por outro lado, as Orientações, bem como a Comunicação sobre a cooperação, contêm regras indicativas sobre os elementos de apreciação a que a Comissão deve atender para medir a gravidade e a duração da infracção (acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 217). Nestas condições, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que teve em conta em aplicação das suas Orientações e, se for esse o caso, da sua Comunicação sobre a cooperação, e que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção para fins do cálculo do montante da coima (acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 218).

98      No caso em apreço a Comissão satisfez estes requisitos.

99      Quanto, em primeiro lugar, à crítica relativa à falta de definição prévia do mercado relevante pela Comissão, há que reconhecer que a Comissão não tinha, neste caso, nenhuma obrigação de operar uma delimitação do mercado em causa. Com efeito, resulta da jurisprudência que, no quadro da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, é com vista a determinar se um acordo é susceptível de afectar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objecto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum que é necessário definir o mercado em causa (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T‑29/92, Colect., p. II‑289, n.° 74; Cimento, n.° 31 supra, n.° 1093, e de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 230). Por consequência, a obrigação de operar uma delimitação do mercado em causa numa decisão adoptada em aplicação do artigo 81.°, n.° 1 CE, impõe‑se à Comissão unicamente quando, sem tal delimitação, não seja possível determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e tem por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.os 93 a 95 e 105, e Volkswagen/Comissão, já referido, n.° 230). Ora, a recorrente não contesta que os acordos ou as práticas concertadas em causa eram susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e tinham por objectivo restringir e falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Em consequência, não exigindo a aplicação feita pela Comissão do artigo 81.° CE, neste caso, uma definição prévia do mercado pertinente, não pode ser identificada qualquer violação da obrigação de fundamentação quanto a este ponto.

100    Pelas mesmas razões, se a verificação pela Comissão, para efeitos de aplicação das Orientações, de uma ameaça proferida pela recorrente, deve revelar de uma maneira clara e não equívoca, para corresponder às exigências do artigo 253.° CE, o raciocínio seguido, não pode, em contrapartida, ter por preliminar indispensável a delimitação do mercado em causa. A tese inversa, desenvolvida pela recorrente, deve portanto, ser afastada.

101    O mesmo acontece com o raciocínio relativo à tomada em consideração da extensão do mercado geográfico. Na medida em que a recorrente argumenta que a fundamentação insuficiente do carácter nacional do mercado permitia à Comissão considerar verificadas, de maneira infundada, infracções distintas tendo isso por consequência um aumento artificial do montante das coimas aplicado à recorrente, basta salientar que essa intenção é atribuída à Comissão de maneira perfeitamente hipotética, assentando esta alegação em puras conjecturas, pois não se funda no maior pequeno esboço de prova. O argumento que daí se retira deve, portanto, ser afastado.

102    Quanto, em segundo lugar, à crítica relativa a uma fundamentação insuficiente do cálculo do montante da coima, importa salientar que a Comissão expôs, nos considerandos 296 a 328 da decisão impugnada, os elementos que tomou em consideração para calcular o montante das coimas de cada uma das empresas em causa. Ora, resulta dos considerandos acima mencionados da decisão impugnada, que a Comissão revelou de maneira clara e detalhada o raciocínio que seguiu, permitindo assim à recorrente conhecer os elementos de apreciação a que atendeu para medir a gravidade e a duração da infracção para efeitos do cálculo do montante da coima e ao Tribunal exercer o seu controlo. Há, pois, que concluir que a decisão impugnada satisfaz a exigência de fundamentação que incumbe à Comissão nos termos do artigo 253.° CE.

103    O presente fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente, assim como o conjunto dos pedidos de anulação da decisão impugnada.

B –  Quanto aos pedidos, formulados a título subsidiário, de redução do montante da coima aplicada

104    A recorrente invoca seis fundamentos com vista à redução do montante da coima aplicada. Referem‑se, respectivamente, a uma avaliação errada da gravidade da infracção para efeitos da fixação do montante de base da coima, com violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e do princípio non bis in idem, a uma apreciação errada da duração atribuída à infracção, ao carácter injustificado da circunstância agravante imputada a título de coacção exercida sobre a Interbrew, a uma tomada em conta infundamentada da circunstância agravante da reincidência em relação à recorrente, a uma tomada em conta insuficiente das circunstâncias atenuantes aplicáveis e, por fim, a uma apreciação incorrecta da amplitude da cooperação da recorrente, com violação do princípio da igualdade de tratamento e da Comunicação sobre a cooperação.

1.     Quanto ao fundamento relativo a uma avaliação errada da gravidade da infracção para efeitos da fixação do montante de base da coima, com violação dos princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e non bis in idem

a)     Argumento das partes

 Argumentos da recorrente

105    A recorrente contesta a correcta fundamentação do montante de base específico fixado pela Comissão a título de gravidade da infracção com base em quatro críticas sucessivas, a saber, uma apreciação errada, com violação das Orientações e de determinados princípios gerais do direito comunitário, em primeiro lugar, da natureza da gravidade da infracção, em segundo lugar, da sua capacidade económica efectiva para causar um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, em terceiro lugar, do nível da coima que lhe asseguraria um carácter suficientemente dissuasivo e, em quarto lugar, da tomada em conta do facto de que dispunha de conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitiam apreciar melhor o carácter infractor do seu comportamento e as consequências que daí resultavam do ponto de vista do direito da concorrência.

106    Considera que, tendo em vista nomeadamente a importância quantitativa muito limitada do produto abrangido pelo acordo à luz do consumo total de cerveja na União Europeia, a extensão geográfica muito limitada do referido acordo e o carácter muito modesto do volume de negócios que realizou com o produto em causa, o montante de base que lhe devia ser aplicado não devia, de qualquer modo, ter excedido os oito milhões de euros.

–       Quanto à avaliação da natureza de gravidade da infracção: violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade

107    Quanto à avaliação pela Comissão da natureza de gravidade da infracção na acepção do n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo das Orientações, a recorrente não contesta as características da infracção, referidas no considerando 297 da decisão impugnada, que afirma ter, com a Alken‑Maes, reconhecido e levado ao conhecimento da Comissão, mas unicamente o alcance que a Comissão atribui ao conjunto dos elementos de facto mencionados na secção da decisão impugnada consagrada à gravidade da infracção, bem como a qualificação final da infracção como muito grave que daí resulta. A recorrente considera que a Comissão, aplicando tal qualificação, quando nunca qualificou de muito graves infracções comparáveis, violou o princípio da igualdade de tratamento tratando situações comparáveis de maneira diferente (acórdão Hércules Chemicals/Comissão, n.° 57 supra, n.° 295).

108    A recorrente argumenta, em primeiro lugar, que, embora referindo‑se à metodologia de determinação da gravidade das infracções indicadas nas Orientações, a Comissão não examinou a questão do impacto concreto do acordo em causa no mercado.

109    Sustenta, em seguida, que a conclusão da Comissão sobre a natureza muito grave da infracção está em contradição tanto com os elementos que refere nas Orientações como com a prática decisória que se seguiu à sua publicação. A qualificação de um acordo como muito grave é normalmente reservada a acordos organizados ou mesmo institucionalizados, implicando mecanismos de verificação, de organização e de acompanhamento sofisticados, em nada comparáveis ao comportamento ora censurado, e operando à escala mundial ou de vários grandes Estados‑Membros, sendo que o mais pequeno território abrangido por essas infracções consideradas muito graves englobou quatro Estados‑Membros da Comunidade, entre os maiores [Decisão 2003/382/CE da Comissão, de 8 de Dezembro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/E‑1/35.860‑B – Tubos de aço sem costura) (JO 2003, L 140, p. 1, a seguir «decisão Tubos de aço sem costura»)].

110    A recorrente considera, em primeiro lugar, que a infracção, tendo em consideração o seu carácter pouco formal, devia ter sido caracterizada como grave e não como muito grave, tanto mais que a Comissão caracterizou como graves infracções cujo grau de sofisticação equivalia, pelo menos, ao da infracção aqui em causa [Decisão 2003/25/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2001, relativa a um processo instaurado com base no artigo 81.° do Tratado CE – Processo COMP/E‑1/37.919 (ex. 37.391) – Comissões bancárias de conversão de moedas da zona euro – Alemanha (JO 2003, L 15, p. 1, a seguir «decisão Bancos alemães»); Decisão 1999/271/CE da Comissão, de 9 de Dezembro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.466 – Ferries gregos) (JO 1999, L 109, p. 24, a seguir «decisão Ferries gregos»), e Decisão 1999/210/CE da Comissão, de 14 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/F‑3/33.708 – British Sugar plc, processo IV/F‑3/33.709 – Tate & Lyle plc, processo IV/F‑3/33.710 – Napier Brown & Company Ltd e processo IV/F‑3/33.711 – James Budgett Sugars Ltd) (JO 1999, L 76, p. 1, a seguir «decisão British Sugar»)].

111    Em segundo lugar, tendo em consideração a limitada extensão do território belga, a Comissão demonstrou, no caso concreto, uma severidade excessiva, violando os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, a sua prática decisória reveladora de que considerou, em vários casos, como circunstância justificando a qualificação de uma infracção como grave, e não como muito grave, o facto de apenas dizer respeito a um mercado de importância modesta ou de extensão geograficamente limitada (decisões Ferries gregos, British Sugar e Bancos alemães).

112    Em terceiro lugar, o argumento da Comissão segundo o qual um dos critérios utilizados na avaliação da gravidade da infracção foi o impacto directo desta sobre os consumidores é desprovido de relevância. Segundo a recorrente, por um lado, os acordos objecto das decisões Bancos alemães e British Sugar tinham as mesmas características e a Comissão não os qualificou, no entanto, de muito graves e, por outro, a estrutura, neste caso, da distribuição dos produtos em causa, tanto no que respeita à grande distribuição como ao sector horeca – dada a dimensão dos intermediários – desempenhou um papel de contrapeso poderoso ao acordo, o que em parte permitiu mitigar os seus efeitos negativos sobre os consumidores.

113    A recorrente conclui que a Comissão não podia, sob pena de violar o princípio da igualdade de tratamento, qualificar como muito grave a infracção em causa na decisão impugnada, uma vez que não revestiu a forma de um acordo organizado, dotado de estruturas ou de mecanismos sofisticados susceptíveis de assegurar o respeito dos compromissos entre empresas, e que apenas abrangia um território limitado e uma proporção modesta da produção de cerveja na União Europeia. O montante da coima deveria, pois, ser reduzido de maneira substancial.

114    De qualquer modo, mesmo que a Comissão não tivesse violado o princípio da igualdade de tratamento ao qualificar a infracção de muito grave, havia, apesar de tudo, que reduzir o montante de base da coima para ter em conta o impacto muito diminuto da infracção no mercado comunitário e o fraco volume de vendas dos produtos abrangidos pelo acordo, à semelhança do que a Comissão fez na decisão Tubos de aço sem costura. Com efeito, nesta decisão, a Comissão, sem mudar a qualificação da infracção, considerou um montante de base equivalente a metade do que prevê considerar, nas Orientações, para as infracções muito graves, pois as vendas dos produtos em questão pelos participantes no acordo, nos quatro Estados‑Membros em causa, representavam apenas 19% do consumo comunitário. Ora, no caso em apreço, os produtos abrangidos pelo acordo representavam menos de 2,5% do consumo total na União Europeia. O montante de base específico considerado pela Comissão era, pois, desproporcionado em relação ao volume e ao valor dos seus produtos e deveria, portanto, ser reduzido.

–       Quanto à avaliação da capacidade económica efectiva da recorrente para causar um prejuízo importante aos outros operadores: violação do princípio da proporcionalidade

115    Quanto à apreciação, pela Comissão, da sua capacidade económica para perturbar a concorrência, a recorrente argumenta que se deve tomar como quadro de referência o mercado em que a infracção se manifestou, devendo o montante da coima apresentar uma relação razoável com o volume de negócios realizado nesse mercado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. II‑549, n.° 94).

116    Além disso, importa ter em conta a posição das empresas em causa no mercado de referência para julgar da sua capacidade de influenciar a concorrência.

117    Ora, estes dois princípios, ainda que enunciados na decisão impugnada, não foram seguidos pela Comissão. Enquanto a Interbrew realizou, no período em causa, um volume de negócios relativo às vendas no mercado quatro vezes superior ao da recorrente, o montante de base específico fixado para a Interbrew é menos de duas vezes mais elevado do que o considerado para a recorrente. Esta falta de proporcionalidade é contrária à prática recente da Comissão, ilustrada pela sua Decisão 2003/674/CE, de 2 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo C.37.519 – Metionina) (JO 2003, L 255, p. 1, a seguir «decisão Metionina»), na qual considerou que a diferença entre as coimas aplicadas devia reflectir a desproporção entre a quota do mercado do primeiro produtor mundial no mercado e um dos seus concorrentes cuja quota de mercado era cinco vezes inferior.

118    Além disso, a Comissão não teve em conta a posição dominante da Interbrew no mercado belga da cerveja, o que fazia com que a recorrente tivesse uma capacidade económica necessariamente muito limitada para influenciar o mercado ou mesmo para perturbar gravemente a concorrência. Além disso, a recorrente limitou‑se a tentar travar a sua marginalização progressiva.

119    Ao considerar que tinha o direito de determinar o montante de base da coima por referência ao volume de negócios global da recorrente, que constituiria o índice da sua «capacidade de perturbação», mais do que com base no volume de negócios realizado no mercado em causa, a Comissão perdeu de vista o critério da «capacidade de perturbar gravemente a concorrência» enunciado na decisão impugnada. Para efeitos da tomada em consideração de um volume de negócios mais vasto do que o realizado no mercado da cerveja na Bélgica, a Comissão devia ter simultaneamente definido os mercados em causa e demonstrado de que modo as actividades da recorrente nesses outros mercados lhe permitiriam causar perturbações à concorrência no mercado da cerveja.

120    Os montantes das coimas aplicadas respectivamente à Interbrew e à recorrente, longe de reflectir o desequilíbrio flagrante que caracteriza a sua situação respectiva, testemunham, pelo contrário, o carácter manifestamente desproporcionado do montante de base específico considerado em relação à recorrente tendo em conta a sua capacidade real de influenciar o mercado.

121    Assim, enquanto o montante de 45 milhões de euros considerado em relação à Interbrew correspondia a menos de 6,6% do seu volume de negócios realizado em 1998, a Comissão tinha, ao considerar um montante de 25 milhões de euros, aplicado à recorrente um montante superior a 20% do volume de negócios realizados em 2000 pela empresa realmente implicada no acordo, a Alken‑Maes, de modo que, se esta última tivesse sido condenada pelo seu próprio comportamento, o limite de 10% do volume de negócios total estabelecido pelo Regulamento n.° 17 teria sido largamente ultrapassado.

–       Quanto à determinação do montante da coima num nível que lhe assegure um carácter suficientemente dissuasivo: violação do princípio da proporcionalidade

122    A recorrente argumenta, por um lado, que a Comissão não individualizou o elemento de dissuasão considerado no cálculo do montante da coima e que, embora tendo salientado, na decisão impugnada, que a recorrente e a Interbrew são grandes empresas internacionais e que a primeira é, além disso, uma empresa multiprodutos, a Comissão não teria explicitado os princípios que a guiaram na aplicação do critério de dissuasão.

123    Por outro lado, o aumento do montante da coima a que a Comissão procedeu em razão da finalidade dissuasiva da sanção baseou‑se em motivos desprovidos de pertinência e é desproporcionado.

124    Assim, a determinação do nível dissuasivo da coima deveria corresponder a um objectivo de concorrência e não poderia, segundo a recorrente, ser invocado senão em função da dimensão da empresa no mercado em causa e das suas expectativas de obter lucros do comportamento incriminado nesse mercado. Factores como a dimensão internacional da empresa ou o facto de ser reincidente não são pertinentes. Contrariamente ao que a Comissão declarou em relação à empresa ABB Asea Brown Boveri na Decisão 1999/60/CE, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.691/E‑4 – Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1, a seguir «decisão Tubos com revestimento térmico»), nem sequer foi alegado, neste caso, que a estrutura da recorrente e a presença de filiais estrangeiras no sector da cerveja facilitaram o comportamento em litígio.

125    A teoria económica demonstrava, aliás, que o montante de uma coima é suficiente logo que ultrapassa os lucros previstos pelas partes no acordo. Ora, no caso concreto, uma coima substancialmente inferior teria satisfeito esta condição, uma vez que a rentabilidade da recorrente no mercado em causa foi negativa durante todo o período em causa.

126    Além disso, mesmo que, como pretende a Comissão, para efeitos de dissuasão, importasse que a coima fosse tanto mais elevada quanto a probabilidade de detecção de uma infracção é fraca, o que é o caso em matéria de acordos secretos, a recorrente sustenta que o valor da sua coima permanecido, significativamente, muito abaixo do adoptado pela Comissão. De resto, o acordo em questão não era secreto, tendo sido realizadas várias reuniões sobre esse acordo em presença de concorrentes – como as reuniões do grupo de trabalho «Visão 2000» – ou de distribuidores – como a reunião de 28 de Janeiro de 1993 – tendo estes últimos seguido de muito perto as actuações das partes no acordo, como o ilustra uma carta dirigida aos cervejeiros pela federação de comerciantes.

127    Por fim, a própria tomada em consideração de um qualquer objectivo de dissuasão teria sido inútil, pois o efeito de dissuasão – ilustrado pela paragem imediata da troca de dados das vendas – foi neste caso imediatamente atingido com o começo do inquérito e da cooperação a que a recorrente se comprometeu.

–       Quanto à tomada em consideração dos conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas de que dispõem, em geral, as grandes empresas: violação do princípio non bis in idem

128    A recorrente sustenta que, ao atender ao facto de que ela dispunha de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitam avaliar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências que dele decorriam, do ponto de vista do direito da concorrência, a Comissão violou o princípio nonbis in idem, na medida em que aumentou igualmente, na decisão impugnada, o montante da coima a título de reincidência.

 Argumentos da Comissão

129    Tratando‑se da avaliação da gravidade da infracção, a Comissão invoca a gravidade dos factos em causa e argumenta que a qualificação como muito graves de infracções limitadas a um único Estado‑Membro não é contrária à sua prática decisória. Alem disso, a dimensão de um sector não se media unicamente em função da sua extensão geográfica, devendo igualmente sê‑lo em termos de importância económica. Representando o sector da cerveja na Bélgica cerca de 1 200 milhões de euros, a infracção foi cometida num sector muito importante. Por fim, a infracção teve um impacto directo sobre os consumidores, que as características da distribuição da cerveja de modo nenhum atenuaram.

130    Quanto ao critério da capacidade económica efectiva para causar um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, a Comissão argumenta que o volume de negócios global da recorrente ultrapassa largamente o da Interbrew. Além disso, a Comissão podia determinar livremente o tipo de volume de negócios a atender, isto é: o volume de negócios global ou o realizado no sector em causa, ou mesmo combinar estes dois, se fosse caso disso. Por fim, o facto de o montante de base específico a que se atendeu corresponder a 20% do volume total de negócios anual da Alken‑Maes é desprovido de significado, uma vez que o limite fixado pelo Regulamento n.° 17 se aplicava, no presente caso, ao volume de negócios da recorrente.

131    Quanto ao carácter suficientemente dissuasivo da coima, a Comissão observa que, em presença de uma infracção secreta, o montante da coima deve ser fixado a um nível muito mais elevado do que o lucro esperado, sendo o volume e o carácter multiprodutos das actividades da recorrente critérios pertinentes para efeitos da determinação do carácter dissuasivo. Por outro lado, nem a cessação da infracção nem a cooperação da recorrente permitiam a conclusão de que foi atingido um nível apropriado de dissuasão.

132    Tratando‑se, finalmente, da tomada em conta dos conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas de que dispõem em geral as grandes empresas, o argumento relativo a uma violação do princípio non bis in idem não tem fundamento. Para a determinação do montante de base específico, a Comissão baseou‑se na apreciação, pela recorrente, da natureza ilícita do seu comportamento, enquanto a reincidência só foi considerada dada a persistência do comportamento infractor da recorrente.

b)     Apreciação do Tribunal

133    Há que recordar, liminarmente, que, nos termos do artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17, «[a] Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil [euros], no mínimo, a um milhão de [euros], podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente […] cometam uma infracção ao disposto no artigo [81.°], n.° 1 […] do Tratado». Prevê‑se, na mesma disposição, que «[p]ara determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 223).

134    Por outro lado, segundo jurisprudência constante, a Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.° 17, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T‑150/89, Colect., p. II‑1165, n.° 59; de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T‑49/95, Colect., p. II‑1799, n.° 53, e de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127).

135    Além disso, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a certos tipos de infracções, não pode privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível nos limites indicados pelo Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a realização da política comunitária de concorrência (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.° 109; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.° 309, e de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colect., p. II‑869, n.° 89). A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa em qualquer altura adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.° 109, e LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.os 236 e 237).

136    Importa, todavia, salientar que o Tribunal decide, por força do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, com uma competência de plena jurisdição, na acepção do artigo 229.° CE, nos recursos interpostos contra as decisões através das quais a Comissão fixou uma coima e pode, em consequência, suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. No quadro do seu controlo de plena jurisdição, incumbe ao Tribunal apreciar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração da infracção (v., neste sentido, acórdãos Deutsche Bahn/Comissão, n.° 134 supra, n.os 125 e 127, e Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 93) e ponderar a gravidade da infracção e as circunstâncias invocadas pela recorrente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951, n.° 48).

137    Há que recordar, em seguida, que, segundo jurisprudência constante, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54; acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Sarrió/Comissão, T‑334/94, Colect., p. II‑1439, n.° 328, e LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 236). Em particular, a apreciação da gravidade da infracção deve ser efectuada tendo em conta a natureza das restrições causadas à concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Boehringer/Comissão, 45/69, Recueil, p. 769, n.° 53; Colect. 1969/70, p. 505; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 246). A Comissão deve também ter em atenção o carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracções particularmente prejudiciais para a realização dos objectivos da Comunidade (acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.os 105 e 106, e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, n.° 50 supra, n.° 166).

138    No entanto, segundo jurisprudência constante, quando a Comissão adopta Orientações destinadas a precisar, com respeito pelo Tratado, os critérios que conta aplicar no quadro do exercício do seu poder de apreciação, daí resulta uma auto‑limitação desse poder no sentido de que lhe compete conformar‑se às regras indicativas que ela mesma se impôs (acórdão de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, n.° 57 supra, n.° 53, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C‑51/92 P, Colect., p. I‑4235, n.° 75). Para determinar a gravidade das infracções, a Comissão deve pois, a partir daí, obrigatoriamente tomar em conta, entre vários elementos, os contidos nas Orientações, salvo se explicitar especificamente os motivos que eventualmente justificam afastar‑se deles num ponto preciso (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, dito «FETTCSA», T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 271).

139    Segundo as Orientações, a Comissão toma como ponto de partida, no cálculo das coimas, um montante de base geral determinado em função da gravidade da infracção. A avaliação da gravidade da infracção deve tomar em consideração a natureza própria da infracção, o seu impacto concreto no mercado quando mensurável e a extensão do mercado geográfico em causa (n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo). Neste quadro, as infracções são classificadas em três categorias, a saber, «infracções pouco graves», para as quais o montante das coimas aplicáveis está compreendido entre 1 000 e 1 milhão de euros, «infracções graves», para as quais o montante das coimas aplicáveis pode variar entre 1 milhão e 20 milhões de euros, e «infracções muito graves», para as quais o montante das coimas consideradas ultrapassa os 20 milhões de euros (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, primeiro a terceiro travessão).

140    A Comissão precisa, a este respeito, que as infracções pouco graves poderão ser, por exemplo, restrições, o mais frequentemente verticais, destinados a limitar trocas mas cujo impacto no mercado é limitado, não dizendo respeito, além disso, senão a uma parte substancial mas relativamente estreita do mercado comunitário (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, primeiro travessão). Quanto às infracções graves, a Comissão precisa que se trata o mais frequentemente de restrições horizontais ou verticais da mesma natureza que as infracções pouco graves, mas cuja aplicação é mais rigorosa, cujo impacto no mercado é mais amplo e que podem produzir os seus efeitos em extensas zonas do mercado comum. Indica igualmente poder tratar‑se de comportamentos abusivos de posição dominante (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, segundo travessão). No que respeita, finalmente, às infracções muito graves, a Comissão indica que se tratará no essencial de restrições horizontais do tipo «cartel de preços» e de quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno, como as destinadas a fechar os mercados nacionais ou abusos caracterizados de posição dominante de empresa em situação de quase monopólio (n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, terceiro travessão).

141    As Orientações enunciam que no interior de cada uma das categorias de infracções supra referidas, particularmente para as categorias consideradas «graves» e «muito graves», a escala de sanções estabelecida permite diferenciar o tratamento que se deve aplicar às empresas segundo a natureza das infracções cometidas (n.° 1, ponto A, terceiro parágrafo). É, além disso, necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção para causarem um prejuízo importante aos outros operadores, particularmente aos consumidores, e estabelecer o montante da coima a um nível que lhe assegure um carácter suficientemente dissuasivo (n.° 1, ponto A, quarto parágrafo). Além disso, pode ter‑se em conta o facto de as empresas de grande dimensão disporem, na maior parte dos casos, de infra‑estruturas suficientes para possuir conhecimentos jurídico‑económicos que lhes permitam apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências que daí advêm do ponto de vista do direito da concorrência (n.° 1, ponto A, quinto parágrafo).

142    No interior de cada uma das três categorias supra definidas, pode importar ponderar, nos casos que implicam várias empresas, como os cartéis, o montante determinado a fim de ter em conta o peso específico, e portanto o impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa sobre a concorrência, nomeadamente quando exista uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza, e adaptar em consequência o montante de base geral, segundo o carácter específico de cada empresa (n.° 1, ponto A, sexto parágrafo).

143    As Orientações precisam igualmente que o princípio da igualdade da sanção para um mesmo comportamento pode conduzir, quando as circunstâncias o exijam, à aplicação de montantes diferenciados às empresas em causa, sem que esta diferenciação obedeça a um cálculo aritmético (n.° 1, ponto A, sétimo parágrafo).

144    É à luz destes princípios que importa examinar, primeiro, se, na sua aplicação, ao caso concreto, da metodologia definida nas Orientações para efeitos da determinação da gravidade da infracção, a Comissão violou os princípios invocados pela recorrente. Há que determinar, em seguida, se – admitindo, como a recorrente alega a título subsidiário, que a infracção deve ser qualificada de muito grave – o montante de base específico de 25 milhões de euros a que acabou por se atender no que se refere à recorrente é apropriado em relação às circunstâncias invocadas por esta, ou seja, o diminuto impacto da infracção no mercado comunitário e o fraco volume de vendas dos produtos abrangidos pelo acordo.

 Quanto à avaliação do carácter de gravidade da infracção

145    No presente caso, resulta da decisão impugnada que a Comissão avaliou o carácter de gravidade da coima com base nos elementos seguintes: a natureza específica da infracção, o facto de o acordo ter incidido sobre o conjunto dos segmentos do mercado da cerveja, de as discussões em causa terem lugar ao mais alto nível e de os acordos e concertações incidirem sobre um largo espectro de parâmetros da concorrência, o facto de não se poder concluir pela inexistência de impacto ou pelo impacto limitado no mercado e o facto de o mercado geográfico cobrir a totalidade do território belga.

146    Em primeiro lugar, tratando‑se da conformidade da avaliação da infracção com as Orientações e com o princípio da proporcionalidade, importa determinar o modo como a Comissão avaliou a referida gravidade em relação aos três critérios pertinentes, a saber, a natureza específica da infracção, o seu impacto concreto no mercado quando mensurável e a extensão do mercado geográfico em causa (v. n.° 139 supra).

147    No que respeita, em primeiro lugar, à natureza específica da infracção, há que salientar que a recorrente não contesta os elementos referidos no considerando 297 da decisão impugnada, a saber, que o acordo compreendia, nomeadamente, um pacto geral de não agressão, uma troca de informações sobre as vendas, acordos e uma concertação, directos ou indirectos, sobre os preços e as promoções no comércio retalhista, a partilha da clientela no mercado horeca bem como a limitação dos investimentos e da publicidade neste mesmo mercado. Ora, segundo jurisprudência constante, os acordos horizontais em matéria de preços fazem parte das infracções mais graves ao direito comunitário da concorrência e podem, pois, por si sós, ser classificados de muito graves (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.° 103, e FETTCSA, n.° 138 supra, n.° 262). Os mecanismos descritos pela Comissão, no considerando 297 da decisão impugnada, além de descreverem um acordo em matéria de preços, são das formas mais graves de atentados à concorrência, na medida em que visam a sua eliminação pura e simples entre as empresas que os põem em prática. Segue‑se que não pode ser contestada a conclusão da Comissão, segundo a qual os acordos e concertações em causa constituíam, pela sua própria natureza, uma infracção muito grave. Esta conclusão é tanto mais incontestável quanto é certo que a Comissão salientou, além disso, que os acordos e concertações abrangeram um amplo espectro de parâmetros da concorrência e diziam respeito ao conjunto dos segmentos do mercado da cerveja, conclusões que resultam directa e logicamente dos elementos de facto referidos no considerando 297 da decisão impugnada e não contestados pela recorrente. Quanto à realização de reuniões sobre o acordo ao mais alto nível de responsabilidades, a saber, o das direcções gerais da recorrente e da sua filial, cuja existência também não é contestada, tão pouco pode atenuar o carácter muitíssimo grave da natureza própria da infracção.

148    Em seguida, tratando‑se do critério do impacto do acordo, há que reconhecer que, embora a Comissão tenha salientado, na decisão impugnada, que certas componentes do acordo não foram, ou não foram inteiramente, aplicadas, em contrapartida constatou que era impossível concluir pela inexistência de impacto ou por um impacto limitado no mercado. Em apoio desta conclusão, a Comissão invocou não apenas a prova documental representada pelas notas tomadas por um representante da Interbrew na reunião de 28 de Janeiro de 1998, que registam certas realizações, mas também o facto, por ela demonstrado, de que a troca de informações sobre as vendas entre a Alken‑Maes e a Interbrew foi efectivamente posta em prática. Ora, a aplicação, ainda que parcial, de um acordo cujo objectivo é anticoncorrencial basta para afastar a possibilidade de se concluir por uma ausência de impacto do referido acordo no mercado.

149    O argumento da recorrente, segundo o qual o acordo tinha um carácter pouco elaborado e pouco formal, o que testemunharia uma fraca intenção infractora, é desmentido pelos factos. A multiplicidade e a simultaneidade dos objectivos prosseguidos pelo acordo, que não são contestadas pela recorrente, revelam com efeito um verdadeiro plano anticoncorrencial, que demonstra não uma fraca mas, pelo contrário, uma forte intenção infractora. Mesmo que o acordo se caracterizasse por um fraco grau de formalismo, não deixaria de revelar, pelo menos, um nível elevado de elaboração.

150    Tratando‑se, finalmente, do critério da extensão do mercado geográfico em causa, a Comissão concluiu, na decisão impugnada, que o acordo cobria a totalidade do território belga, o que a recorrente não contesta. Ora, segundo jurisprudência constante, um mercado geográfico de dimensão nacional corresponde a uma parte substancial do mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 28). Por outro lado, a Comissão indicou, nas Orientações, que a maior parte das vezes seriam consideradas como muito graves as restrições horizontais de tipo «cartel de preços» e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno (v. n.° 140 acima). Resulta desta descrição indicativa que acordos ou práticas concertadas visando nomeadamente, como neste caso, a fixação dos preços e a repartição da clientela, podem ser objecto, com fundamento apenas na sua natureza específica, de tal qualificação, sem que seja necessário caracterizar tais comportamentos através de um impacto ou uma dimensão geográfica particular. Esta conclusão é corroborada pelo facto de, embora a descrição indicativa das infracções susceptíveis de ser consideradas graves mencione que se tratará de infracções do mesmo tipo das definidas como pouco graves «mas cuja aplicação é mais rigorosa, sendo maior o seu impacto no mercado e susceptíveis de produzirem efeitos em amplas zonas do mercado comum», a das infracções muito graves, em contrapartida, não menciona qualquer exigência de impacto nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular.

151    Resulta do que precede que, ao atribuir, na acepção do n.° 1, ponto A das Orientações, a qualificação de muito grave à infracção, a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade.

152    Importa a este respeito salientar que o Tribunal decidiu, relativamente a um cartel de preços que operava num mercado geográfico restrito, que a qualificação do acordo de grave, dado o seu limitado impacto no mercado, representa já uma qualificação atenuada relativamente aos critérios geralmente aplicados na fixação das coimas em caso de cartel de preços, critérios esses que deveriam ter conduzido a Comissão a qualificar o acordo de muito grave (acórdão Tate & Lyle e o./Comissão, n.° 147 supra, n.° 103).

153    Em segundo lugar, quanto ao argumento segundo o qual a Comissão, no presente caso, se teria afastado da sua prática decisória em violação do princípio da igualdade de tratamento, há que recordar, por um lado, que a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 234) e, por outro, que, segundo jurisprudência constante (v. n.° 134 acima), a Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.° 17, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência. Compete pois à Comissão, no quadro do seu poder de apreciação e à luz das indicações contidas no n.° 1, ponto A, segundo parágrafo, terceiro travessão, das Orientações, determinar se as circunstâncias próprias do caso que está a analisar permitem aplicar a qualificação de infracção muito grave. Ora, resulta dos n.os 146 a 152 supra ser esse o caso.

154    Como já foi salientado nos n.os 134 e 135 supra, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a determinados tipos de infracções não pode privá‑la da possibilidade de elevar esse nível dentro dos limites indicados pelo Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa em qualquer momento adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política. Esse tipo de comportamento não pode caracterizar uma violação, pela Comissão, do princípio da igualdade de tratamento em relação à sua prática anterior (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, dito «PVC II», T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 1232).

155    Há, por isso, que concluir que, considerando demonstrado o carácter muito grave da infracção em causa, na acepção do n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo das Orientações, a Comissão seguiu as suas Orientações e não violou nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto à apreciação da capacidade económica efectiva da recorrente para causar um prejuízo importante aos outros operadores

156    Resulta das Orientações que, para uma infracção de determinada gravidade, pode ser conveniente, nos casos que implicam várias empresas, como os cartéis, ponderar o montante de base geral para estabelecer um montante de base específico tendo em conta o peso, e por isso o impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza (n.° 1, ponto A, sexto parágrafo, v. n.° 142 supra). Em particular, é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores (n.° 1, ponto A, quarto parágrafo, v. n.° 141 supra).

157    Resulta, além disso, da jurisprudência que as Orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Todavia, não se opõem a que esses volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima, a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam. Em particular, o volume de negócios pode entrar em linha de conta quando da tomada em consideração dos diferentes elementos enumerados nos n.os 141 a 143 supra (acórdãos LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.os 283 e 284, e Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 82).

158    Além disso, segundo jurisprudência constante, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção, podem, segundo os casos, figurar o volume e o valor das mercadorias objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que esta pôde exercer no mercado. Por um lado, segue‑se que se pode, com vista à determinação do montante da coima, ter em conta tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como a parte desse volume que provém da venda das mercadorias objecto da infracção e que é, pois, de molde a dar uma indicação da amplitude desta. Por outro lado, daí resulta que não se pode atribuir nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado de uma coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.os 120 e 121; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Parker Pen/Comissão, n.° 115 supra, n.° 94; de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 176, e Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 83).

159    No presente caso, importa reconhecer, em primeiro lugar, o alcance limitado do argumento da recorrente segundo o qual a diferença existente entre as relações de proporção que caracterizam, por um lado, os montantes de base considerados respectivamente para cada empresa e, por outro, as quotas de mercado dessas mesmas empresas no mercado belga da cerveja comprovam que a Comissão ignorou o princípio, segundo o qual, a capacidade efectiva de causar prejuízo é adequadamente reflectida pelo volume e valor das mercadorias vendidas por cada parte. Com efeito, há que salientar que os montantes de base a que se refere a recorrente integram não apenas o ajustamento operado em relação à capacidade efectiva de causar perturbações à concorrência no mercado, mas igualmente o ajustamento operado a título do objectivo de dissuasão efectiva.

160    Sobre este ponto, resulta do considerando 305 da decisão impugnada que o ajustamento do montante das coimas a título do objectivo de dissuasão efectiva foi operado pela Comissão em duas etapas. Num primeiro momento, a recorrente e a Interbrew foram colocadas em pé de igualdade dado que, na fixação do montante de base específico respectivo, a Comissão tomou em conta o facto que «[eram] grandes empresas multinacionais». Num segundo tempo, a Comissão indicou que importa «ter em conta o facto que [a recorrente era] uma empresa multiprodutos», indicando assim, em relação a esta, uma necessidade adicional de dissuasão. Resulta daí que, a título do objectivo de dissuasão e sem prejuízo, nesta fase, da validade das conclusões tiradas pela Comissão na matéria, o montante de base específico da coima determinado para a recorrente tinha em conta uma necessidade de dissuasão mais importante do que em relação à Interbrew.

161    Ora, importa, pelo menos reconhecer que o montante de base específico fixado em relação à recorrente é cerca de 45% menos elevado do que o fixado para a Interbrew. Além disso, a Comissão sublinhou, por um lado, no considerando 303 da decisão impugnada, a sua tomada em consideração da capacidade económica efectiva dos autores da infracção para causarem graves perturbações à concorrência e, por outro, no considerando 304, que existia uma diferença de dimensão considerável entre a Interbrew, leader do mercado belga, com cerca de 55% de quota do mercado, e a Alken‑Maes, número dois nesse mercado, com cerca de 15%.

162    Revela‑se, pois, que a Comissão tomou em conta, em conformidade com as Orientações, a capacidade económica efectiva relativa das duas empresas para causarem um prejuízo aos outros operadores ponderando significativamente por baixo, para efeitos de determinação do montante de base específico da recorrente, o montante de base geral correspondendo à gravidade da infracção cometida, na acepção do n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo, das Orientações. O facto de o considerando 303 da decisão impugnada se referir à capacidade de «atentar gravemente contra a concorrência», em vez de reproduzir literalmente a expressão utilizada nas Orientações, é destituído de relevância. Do mesmo modo, o facto de a relação de proporção entre os montantes de base fixados para cada empresa diferir da relação de proporção exacta entre as respectivas quotas de mercado é destituído de relevância para a validade do método seguido pela Comissão. Com efeito, esta última indicou, no n.° 1, ponto A, sétimo parágrafo, das Orientações, que a aplicação de montantes diferenciados não obedece necessariamente a um cálculo aritmético.

163    Quanto, em segundo lugar, aos argumentos da recorrente segundo os quais os montantes de base específicos definidos não reflectiam o desequilíbrio flagrante resultante da posição dominante da Interbrew no mercado da cerveja na Bélgica, o que teria obrigado a Alken‑Maes a tentar evitar a sua marginalização progressiva e seria, de qualquer modo, a prova da incapacidade da recorrente para afectar a concorrência, há que recordar que a infracção constatada na decisão impugnada não foi contestada pela recorrente. Ora, esta infracção, que consiste num conjunto de acordos e/ou de práticas concertadas, implica, por um lado, um acordo de vontades entre as partes e, por outro, que as perturbações à concorrência resultem deste acordo e, por isso mesmo, da vontade de cada uma das partes. A recorrente não podia, por isso, invocar uma coacção que teria sido exercida sobre si para se exonerar das perturbações que causou à concorrência.

164    Além disso ainda, ex abundanti, há, por outro lado, lugar a sublinhar que, segundo jurisprudência assente, está estabelecido que uma empresa que participa com outras em actividades anticoncorrenciais não pode invocar o facto de nela participa por coacção dos outros participantes. Com efeito, poderia denunciar as pressões de que era objecto às autoridades competentes e apresentar à Comissão uma denúncia nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, em vez de participar nas actividades em questão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Hüls/Comissão, T‑9/89, Colect., p. II‑499, n.os 123 e 128; de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T‑141/89, Colect., p. II‑791, n.° 58, e LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 142).

165    No que respeita, por fim, ao argumento segundo o qual o montante de base específico fixado à recorrente representa uma percentagem do volume de negócios da Alken‑Maes muito superior ao que representa o montante fixado para a Interbrew atento o seu volume de negócios, há que desde logo recordar que os ditos montantes, como já foi indicado nos n.os 159 e 160 supra, não reflectem unicamente as perturbações efectivas causadas por cada uma das partes à concorrência, uma vez que também integram o objectivo de dissuasão visado nas Orientações. Quanto ao argumento assente no facto de o montante fixado ser superior, no que respeita à Alken‑Maes, ao limite estabelecido pelo Regulamento n.° 17 em termos de percentagem do volume de negócios, é, em todo o caso, destituído de qualquer pertinência, uma vez que é a recorrente a destinatária da decisão impugnada.

166    Há, portanto, que julgar improcedente o conjunto dos argumentos decorrentes de uma incorrecta avaliação pela Comissão, com violação do princípio da proporcionalidade, da capacidade efectiva dos participantes para causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores.

 Quanto à fixação do montante da coima num nível que lhe assegure um carácter suficientemente dissuasivo

167    Resulta das Orientações que, nos casos que implicam várias empresas como os cartéis, o montante de base geral pode ser ponderado para estabelecer um montante de base específico tendo em conta o peso específico e, por isso mesmo, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza (v. n.° 142 supra). Em particular, é necessário fixar o montante da coima a um nível que lhe assegure um carácter suficientemente dissuasivo (v. n.° 141 supra).

168    A tomada em conta deste objectivo de dissuasão, na fixação do montante da coima em função da gravidade, inscreve‑se no contexto de uma jurisprudência bem estabelecida segundo a qual o efeito dissuasivo das coimas constitui um dos elementos que a Comissão pode ter em conta na apreciação da gravidade da infracção e, por consequência, na determinação do nível da coima, dado que a gravidade das infracções deve ser estabelecida em função de numerosos elementos, como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, n.° 137 supra, n.° 54; acórdãos Ferriere Nord/Comissão, n.° 137 supra, n.° 33, e de 14 de Maio de 1998, Sarrió/Comissão, n.° 137 supra, n.° 328).

169    Do mesmo modo, segundo jurisprudência constante, o poder da Comissão de aplicar coimas às empresas que, com intenção deliberada ou por negligência, cometem uma infracção às disposições do artigo 81.° CE constitui um dos meios atribuídos à Comissão para que esta possa cumprir a missão de vigilância que lhe atribui o direito comunitário, missão que compreende o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e a orientar, nesse sentido, o comportamento das empresas. Daqui resulta que, para apreciar a gravidade de uma infracção com vista à determinação do montante da coima, a Comissão deve atender ao carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracções particularmente prejudiciais para a realização dos objectivos da Comunidade (acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.os 105 e 106, e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, n.° 50 supra, n.° 166).

170    Tendo em consideração o que precede, a Comissão teve razão em tomar em consideração o objectivo de dissuasão na fixação do montante de base específico da sua coima, que reflecte precisamente a gravidade da infracção cometida. Com efeito, a procura do efeito dissuasivo das coimas faz parte integrante da ponderação das coimas em função da gravidade da infracção, na medida em que visa impedir que um método de cálculo conduza a montantes de coimas que, para certas empresas, não atingiriam o nível apropriado para assegurar à coima um efeito suficientemente dissuasivo (acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, n.° 50 supra, n.° 167).

171    Quanto ao argumento da recorrente assente na não de individualização do elemento de dissuasão a que se atendeu no cálculo da coima, importa salientar que, para os efeitos de tomada em consideração do objectivo de dissuasão, a Comissão não definiu nas Orientações metodologia ou critérios individualizados cuja exposição específica pudesse ter força obrigatória. Este argumento deve, portanto, ser julgado improcedente.

172    O mesmo acontece com o argumento segundo o qual os princípios que serviram, neste caso, para a avaliação da necessidade de dissuasão não foram explicitados. Com efeito, há que salientar que a própria recorrente reconhece que a Comissão indicou, no considerando 305 da decisão impugnada, que a recorrente e a Interbrew são grandes empresas internacionais e que a recorrente é, além disso, uma empresa multiprodutos. A Comissão acrescentou, no considerando 306, que tomou em consideração o facto de a recorrente dispor de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitem apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências que daí decorrem do ponto de vista do direito da concorrência. Verifica‑se, pois, que, contrariamente ao que afirma a recorrente, os princípios em que se baseou a avaliação da necessidade de dissuasão foram explicitados.

173    Há que, por fim, analisar os diferentes argumentos invocados pela recorrente segundo os quais o raciocínio que a Comissão seguiu para a constatar a necessidade de efeito dissuasivo específico é destituído de pertinência e desproporcionado.

174    O argumento segundo o qual a situação de reincidente não podia ser considerada como pertinente deve ser afastado de imediato, na medida em que a Comissão não fundamentou o seu raciocínio relativo à dissuasão em tal acusação.

175    No que respeita ao argumento segundo o qual a dimensão global da empresa e a sua dimensão internacional seriam destituídos de pertinência em relação ao objectivo de concorrência que a Comissão deveria prosseguir, importa, primeiro, sublinhar que o facto de a recorrente dispor de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitem apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências dele decorrentes do ponto de vista do direito da concorrência pode considerar‑se resultar de recursos globais da empresa e, portanto, da sua dimensão, de que a dimensão internacional é um indício entre outros. Foi pois, com razão, que a Comissão a teve em conta. Com efeito, o facto de a recorrente ter participado no acordo verificado apesar dos meios de que dispunha para apreciar o seu carácter ilícito e as suas consequências denota objectivamente uma necessidade adicional de dissuasão quando comparada com uma empresa que não dispõe de tais meios.

176    O argumento segundo o qual a tomada em conta, para fins de determinação do nível de dissuasão necessário, do carácter secreto do acordo é desprovido de pertinência, uma vez que o referido acordo não era mantido secreto, ou pelo menos a sua realização, apoia‑se na afirmação segundo a qual, no quadro do acordo, várias reuniões tiveram lugar em presença de concorrentes – por exemplo, as reuniões do grupo de trabalho «Visão 2000» – ou de distribuidores, como a reunião de 28 de Janeiro de 1993, que incluiu os comerciantes de cerveja. Além disso, uma carta de 4 de Agosto de 1997, enviada às cervejeiras pela federação dos comerciantes, demonstra que esta última seguia de muito perto as actuações das partes no acordo.

177    Quanto, em primeiro lugar, às reuniões do grupo de trabalho «Visão 2000», importa salientar que, nos considerandos 128 a 155 da decisão impugnada, a Comissão não sustenta que as referidas reuniões – oficiais dado que foram tidas no quadro da confederação das cervejeiras da Bélgica (a seguir «CBB») e reunindo grande parte da profissão – foram, enquanto tais, constitutivas da infracção. A Comissão constata que, no quadro dos seus contactos bilaterais, a Interbrew e a Alken‑Maes, adoptaram uma actuação comum e estavam cientes das vantagens que haveria em tomar determinadas iniciativas no âmbito da CBB e que a Interbrew e a Alken‑Maes tinham convencionado que uma parte do acordo, a saber, a relativa aos investimentos e à publicidade no mercado horeca e ao novo sistema tarifário, poderia ser posta em prática no âmbito da CBB. A Comissão evoca, pois, uma instrumentalização da CBB para o efeito da execução, à margem dos outros participantes nas reuniões em questão, de um acordo entre a Interbrew e a recorrente para fazer inflectir determinadas reflexões tarifárias conduzidas no quadro desse grupo num sentido conforme aos objectivos do seu acordo, sem sugerir que os outros participantes foram informados da sua existência. Importa ainda salientar que os objectivos que a Interbrew e a recorrente se fixaram realizar por intermédio da CBB e das reuniões do grupo de trabalho «Visão 2000», a saber, a limitação dos investimentos e da publicidade no mercado horeca e o desenvolvimento de uma nova estrutura tarifária, apenas representavam um aspecto limitado do acordo, que englobava outros elementos secretos, como o pacto geral de não agressão, um acordo sobre os preços e as promoções no comércio retalhista, uma partilha da clientela no sector horeca ou ainda uma troca de informações sobre as vendas. A realização das reuniões do grupo de trabalho «Visão 2000» não permitia, pois, concluir que o acordo não era secreto.

178    Quanto à reunião de 28 de Janeiro de 1993 (v. n.os 126 e 131 supra), há que salientar que, embora a acta da referida reunião, feita por um representante da Interbrew, se refira, com efeito, a uma «reunião dos comerciantes de cerveja» e registe os termos de um acordo destinado a fazer aumentar os preços e a impor preços mínimos para a cerveja vendida através de determinados canais de distribuição, não se pode de forma alguma deduzir da referida acta que as declarações anticoncorrenciais aí feitas foram levadas dessa forma ao conhecimento dos comerciantes de cerveja na reunião de 28 de Janeiro de 1993. Embora essas declarações confirmem que existia uma coordenação estreita entre a política comercial da Alken‑Maes e da Interbrew, não permitem, em contrapartida, concluir que os comerciantes de cerveja estavam informados da existência do acordo.

179    Quanto à carta de 4 de Agosto de 1997 enviada pela federação dos comerciantes à Alken‑Maes, cabe reconhecer que se limita a denunciar a política de distribuição da Alken‑Maes por hipotecar o futuro dos distribuidores independentes. Não permite pois, de forma alguma, concluir que os comerciantes de cerveja conheciam o acordo.

180    Há, portanto, que julgar improcedente o argumento segundo o qual o acordo cuja existência foi dada como assente na decisão impugnada não era secreto.

181    Em consequência, a Comissão podia, no quadro da sua missão, tal como definida pela jurisprudência citada nos n.os 134 e 135 supra e no respeito pelo quadro jurídico fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, tomar em conta esses elementos na avaliação da necessidade do efeito dissuasivo a tomar em consideração.

182    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a tomada em conta de um objectivo de dissuasão se torna supérfluo uma vez que a intervenção da Comissão pôs fim à infracção, há que rejeitá‑lo, sublinhando que a procura de um efeito dissuasivo visa orientar o comportamento futuro da empresa e que o facto de uma empresa pôr fim a um comportamento ilícito quando descoberto pela Comissão, resultando assim esta iniciativa de uma coacção objectiva, não basta para concluir que a empresa em causa ficará efectivamente dissuadida de reiterar no futuro um comportamento semelhante.

183    O conjunto dos argumentos assentes numa determinação incorrecta do nível dissuasivo da coima com violação do princípio da proporcionalidade deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto à tomada em conta dos conhecimentos e infra‑estruturas jurídico‑económicas de que dispõem em geral as grandes empresas

184    Resulta igualmente de jurisprudência constante que o princípio non bis in idem, também consagrado pelo artigo 4.° do Protocolo n.° 7 da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a seguir «CEDH», assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, constitui um princípio geral do direito comunitário de que o juiz assegura o respeito (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1966, Gutmann/Comissão, 18/65 e 35/65, Recueil, pp. 149, 172, Colect 1965‑1968, p. 325, e de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer/Comissão, 7/72, Colect., p. 447, n.° 3; acórdão PVC II, n.° 154 supra, n.° 96, confirmado, neste ponto pelo acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, n.° 97 supra, n.° 59).

185    No domínio do direito comunitário da concorrência, este princípio proíbe que uma empresa seja condenada ou perseguida novamente pela Comissão devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual foi sancionada ou pelo qual foi declarada não responsável em anterior decisão da Comissão que já não é susceptível de recurso. A aplicação do princípio non bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, de unidade de infractor e de unidade do interesse jurídico protegido (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 338).

186    No caso em apreço, há que reconhecer que, no considerando 306 da decisão impugnada, a Comissão considerou, em apoio de uma majoração do nível da coima a aplicar à recorrente, o facto de esta dispor de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitiam apreciar melhor o carácter ilícita do seu comportamento e as consequências que daí derivavam do ponto de vista da concorrência. Por outro lado, no considerando 314 da decisão impugnada, a Comissão considerou, em apoio do aumento do nível da coima a aplicar à recorrente, o facto de já ter sido condenada duas vezes por ter infringido o artigo 81.° CE.

187    A este respeito, importa reconhecer, primeiro, que as condições de aplicabilidade do princípio non bis in idem, tal como definido pela jurisprudência em matéria de concorrência (v. n.° 185 supra), não se verificam no presente caso, uma vez que a Comissão se limitou a reter, para efeitos do cálculo do montante da coima, considerações factuais, a saber, por um lado, que a recorrente estava, pelos seus conhecimentos e pelas suas infra‑estruturas jurídico‑económicas, em medida de apreciar o carácter ilícito do seu comportamento e as suas consequências e, por outro, que a mesma já tinha sido condenada duas vezes por infracção ao artigo 81.° CE. De qualquer modo, foi em razão de considerações distintas que a Comissão procedeu, nos considerandos 306 e 314 da decisão impugnada, a um aumento do nível da coima. Por estes motivos, a quarta parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao carácter adequado do montante de base específico em relação às circunstâncias invocadas pela recorrente

188    A título subsidiário, a recorrente sustenta que, ainda que a Comissão não tenha violado o princípio da igualdade de tratamento qualificando a infracção de muito grave, deveria, apesar de tudo, reduzir o montante de base da coima para ter em conta o fraco impacto da infracção no mercado comunitário e o fraco volume de venda dos produtos objecto do acordo.

189    Há que recordar que, de acordo com o método definido nas Orientações (v. n.os 139 a 143 supra), a Comissão tomou primeiro como ponto de partida no cálculo do montante das coimas, um montante de base geral determinado em função da gravidade da infracção, tendo, em seguida, ponderado o montante de base geral em função, em primeiro lugar, da capacidade efectiva das empresas para causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, em segundo lugar, da necessidade de fixar o montante da coima a um nível que lhe assegure um carácter suficientemente dissuasivo e, em terceiro lugar, da necessidade de tomar em conta o facto de as empresas de grande dimensão disporem na maior parte dos casos de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências que daí derivam do ponto de vista da concorrência.

190    Considerou‑se, nos n.os 133 a 187 supra, que a Comissão, ao qualificar a infracção cometida de muito grave, por um lado, e ao proceder aos ajustamentos sucessivos já mencionados, por outro, não violou nenhum dos princípios invocados pela recorrente. Além disso, importa recordar que, tratando‑se de infracções muito graves, as Orientações prevêem montantes de coimas que se situam para além dos 20 milhões de euros.

191    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual o montante de base específico fixado era, de qualquer modo, desproporcionado em relação ao facto de os produtos objecto do acordo representarem menos 2,5% do consumo total desses produtos na União Europeia, há que salientar que a gravidade de uma infracção não pode depender unicamente nem da sua extensão geográfica nem da proporção que as vendas, objecto da infracção, representam em relação às vendas realizadas no conjunto da União Europeia. Com efeito, independentemente dos critérios mencionados supra, o valor absoluto das vendas em causa é igualmente um indicador pertinente da gravidade da infracção, na medida em que reflecte fielmente a importância económica das transacções que a infracção pretende subtrair ao jogo normal da concorrência. Ora, neste caso concreto, não se contesta que o valor das vendas em causa podia ser estimado em cerca de 1 200 milhões de euros, o que revela uma considerável importância económica do sector. Neste aspecto, o montante de base específico de 25 milhões de euros fixado para a recorrente não pode ser considerado excessivo.

192    Quanto à invocação da prática da Comissão na decisão Tubos de aço sem costura, basta observar que é destituída de pertinência atenta a jurisprudência citada no n.° 153 supra.

193    De resto, importa salientar que a Comissão teve em conta, na referida decisão, o facto de o tipo de tubos sem costura objecto da infracção representar apenas 19% do conjunto dos tubos sem costura que podiam ser utilizados pela indústria do petróleo e do gás, de modo que o impacto da infracção era limitado porque a indústria podia recorrer a outros produtos não afectados pelo acordo. Ora, no caso presente, a infracção cobria uma parte muito mais importante da cerveja disponível na Bélgica, uma vez que a Comissão indicou, no considerando 4 da decisão impugnada, sem relativamente a esse aspecto ser contraditada, que, em 1998, as partes no acordo produziram cerca de 70% da cerveja vendida na Bélgica.

194    Tendo em conta o conjunto das considerações que precedem, há que julgar improcedente o argumento da recorrente quanto ao carácter pretensamente inapropriado do montante da coima aplicada.

195    O fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente na sua integralidade.

2.     Quanto ao fundamento relativo a uma apreciação errada da duração da infracção

a)     Argumento das partes

196    Afirmando não contestar a materialidade dos factos que lhe são imputados, a recorrente sustenta que a Comissão atribuiu uma importância errada a determinados factos na determinação da duração da infracção. A Comissão refere‑se, nomeadamente, a um contacto telefónico e a duas reuniões entre a recorrente e a Interbrew, posteriores a Julho de 1996 e espaçados de vários meses, invocando isto em apoio da conclusão de que a infracção subsistiu até 28 de Janeiro de 1998. Ao fazê‑lo, a Comissão não tinha determinado que a infracção tinha prosseguido para além do mês de Julho de 1996. Importava, por isso, reconhecer que o comportamento incriminado não ultrapassou três anos e seis meses, o que justificaria um aumento do montante de base específico da coima muito inferior a 45%. O Tribunal deveria por isso, de acordo com a sua jurisprudência, reduzir a coima aplicada à recorrente tendo em consideração a duração real da infracção.

197    Quanto, em primeiro lugar, ao contacto telefónico de 9 de Dezembro de 1996 entre a Interbrew e a recorrente, esta última sublinha que, contrariamente ao que deixa supor a referência da Comissão a outros documentos do processo, as notas manuscritas e anotadas do controlador de gestão da Alken‑Maes, L.B., datadas de 27 de Novembro de 1996, constituem o único documento em que a Comissão baseia as suas conclusões.

198    A recorrente não contesta que essas notas manuscritas foram redigidas durante uma reunião interna que teve lugar em Novembro de 1996, cujo objecto era, segundo ela, analisar as novas tarifas da Interbrew na sequência da obtenção pela Alken‑Maes, através dos seus clientes, das novas condições gerais de venda da Interbrew. A recorrente contesta, em contrapartida, a interpretação feita pela Comissão dos três conjuntos de anotações efectuadas posteriormente sobre essas notas, contendo cada um a data «9/12/96» e tendo visivelmente função de resposta a três questões formuladas nas notas inicialmente tomadas, relativamente a pontos ainda não esclarecidos da política tarifária da Interbrew. Foi injustificadamente que a Comissão concluiu que devia ter sido pedido, a esse respeito, o parecer de A.B., da Interbrew, o que foi feito em 9 de Dezembro de 1996, tendo a Interbrew dado uma resposta positiva e duas respostas negativas. Segundo a recorrente, os outros elementos do processo citados na decisão impugnada não permitem apoiar esta interpretação. As anotações efectuadas nas notas de 27 de Novembro de 1996, podiam resultar de uma verificação independente de qualquer contacto directo com a Interbrew, efectuada, por exemplo, junto dos distribuidores, que apenas teriam repercutido a interpretação que lhes foi transmitida por A.B. Ora, na sua qualidade de distribuidor parcial dos produtos da Interbrew, era normal que a Alken‑Maes tentasse compreender a nova tarifa da Interbrew relativa às condições logísticas. O documento em questão não basta, pois, para demonstrar a tese defendida pela Comissão.

199    Quanto, em segundo lugar, à reunião de 17 de Abril de 1997, a recorrente argumenta que este encontro não constitui uma prova do acordo relativo ao mercado belga, pois teve por objecto, segundo a declaração de J.D., da Interbrew, citado no considerando 96 da decisão impugnada, as potenciais sinergias dos dois grupos e o aumento da rentabilidade das empresas, na hipótese de compra da Alken‑Maes, filial da recorrente, pela Interbrew.

200    A recorrente contesta a interpretação da Comissão segundo a qual a referida declaração de J.D. demonstra o carácter anticoncorrencial desta reunião. Esta declaração continha um resumo dos contactos entre a Interbrew e a Alken‑Maes. Quanto especificamente à reunião de 17 de Abril de 1997, J.D. indicou, unicamente, que os participantes na reunião efectuaram uma análise linha a linha da conta de resultados da Alken‑Maes, exercício obrigatório em toda a negociação sobre a eventual cessão de uma empresa. Quanto aos cinco pontos referidos no documento, todos eles são elementos que influenciaram o resultado da exploração da Alken‑Maes ou o seu modo de cálculo.

201    A recorrente contesta igualmente a conclusão da Comissão segundo a qual a presença de R.V., dirigente da Alken‑Maes, na reunião em questão, é pouco plausível na hipótese de uma discussão sobre a cessão da Alken‑Maes, tendo em conta o carácter potencialmente desfavorável em relação a ele de uma tal operação. Segundo a recorrente, esta presença nada tinha de anormal, sobretudo se o dirigente em questão pretendesse conservar uma função dentro da sociedade. Além disso, era tanto mais justificada quanto a Interbrew tinha em vista uma aquisição por «management buy out» – técnica que implica um papel importante da direcção em funções – como demonstram duas declarações juntas ao processo, a saber, as declarações de C. e de T.

202    No que respeita, em terceiro lugar, à reunião de 28 de Janeiro de 1998, que implicou nomeadamente A.D., da Interbrew, e N.V., da Alken‑Maes, a recorrente argumenta que a discussão se centrou, essencialmente, numa evocação das relações passadas. Observa igualmente que, segundo o representante da Interbrew, o representante da Alken‑Maes não tinha nenhum conhecimento desses acontecimentos.

203    Nada, segundo a recorrente, confirma a tese da Comissão sobre o alcance das notas manuscritas de A.D. datadas de 28 de Janeiro de 1998, a saber, que atestam a existência do acordo nesta data. Sobretudo, nada permitiria concluir que o conteúdo das referidas notas pode ser atribuído às duas partes, o que a Comissão, sem razão, teria feito, interpretando o conteúdo das notas de A.D. como sendo o de uma pretensa conversa, quando o conteúdo dessas notas podia só reflectir o ponto de vista da Interbrew. É surpreendente que o representante da Alken‑Maes, não informado, tenha podido descrever em detalhe os acordos celebrados em 1994. Além disso, não se contesta, na decisão impugnada, que a reunião de 28 de Janeiro de 1998 não teve sequência. Conclui‑se, pois, que as notas em questão não estabelecem a existência ou a aplicação de um acordo ou de uma prática concertada na data visada, mas apenas uma apreciação positiva, da Interbrew, do acordo firmado em 1994 bem como a sua vontade de o renovar.

204    Consequentemente, a recorrente concluiu que o comportamento incriminado não ultrapassou três anos e seis meses e que importava, por isso, reduzir o aumento da coima fixada com fundamento na duração.

205    A Comissão sublinha primeiro que, ao sustentar que o acordo terminou em Julho de 1996, a recorrente contesta a sua duração embora pretenda não contestar a materialidade dos factos. Em seguida, que fez prova bastante da existência de contactos anticoncorrenciais entre a recorrente e a Interbrew até 28 de Janeiro de 1998. Finalmente, como a recorrente não se distanciou publicamente de reuniões cujo objectivo anticoncorrencial está demonstrado e nas quais reconheceu ter participado, a sua responsabilidade até 28 de Janeiro de 1998 era, de qualquer modo, efectiva.

b)     Apreciação do Tribunal

206    De acordo com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a duração da infracção constitui um dos elementos a tomar em consideração para determinar o montante da coima a aplicar às empresas culpadas de infracções às regras da concorrência.

207    As Orientações estabelecem uma distinção entre as infracções de curta duração (em geral inferiores a um ano), para as quais o montante de base tido em conta em função da gravidade não deveria ser majorado, as infracções de duração média (em geral de um a cinco anos), para as quais esse montante pode ser majorado em 50%, e as infracções de longa duração (em geral para além de cinco anos), para as quais esse montante pode ser majorado por cada ano em 10% (n.° 1, ponto B, primeiro parágrafo, primeiro a terceiro travessão).

208    No considerando 281 da decisão impugnada, a Comissão indicou dispor de elementos de prova relativos ao acordo Interbrew/Alken‑Maes para o período compreendido entre 28 de Janeiro e 1993 a 28 de Janeiro de 1998. Indicou que «[em] 28 de Janeiro de 1993, há conhecimento de uma primeira reunião com um objectivo claramente anticoncorrencial» e que «[em] 28 de Janeiro de 1998 teve lugar a última reunião efectuada no quadro do acordo sobre o qual Comissão dispõe de documentos». A Comissão concluiu que «[a] infracção durou, portanto, cinco anos e um dia». Esta conclusão foi retomada no dispositivo da decisão impugnada, na qual a Comissão indicou que a infracção prosseguiu «durante o período de 28 de Janeiro de 1993 a 28 de Janeiro de 1998».

209    No considerando 282 da decisão impugnada, a Comissão indicou que a duração da infracção era contestada pela recorrente e que esta última sustentava que as conversações entre a Alken‑Maes e a Interbrew só tiveram início em 12 de Outubro de 1994 e terminaram no mês de Julho de 1996. A Comissão, no entanto, rejeitou esta argumentação considerando estar suficientemente provada a duração da infracção verificada.

210    No quadro do presente fundamento, a argumentação desenvolvida pela recorrente visa de novo o facto de a Comissão não ter determinado correctamente a duração da infracção. A recorrente apenas contesta a majoração da coima na medida em que a infracção não continuou, segundo ela, para além de Julho de 1996.

211    Além disso, há que reconhecer que a recorrente não solicita explicitamente a anulação do artigo 1.° da decisão impugnada, que define a duração da sua participação no acordo. Com efeito, a recorrente não invocou o fundamento relativo à duração da infracção senão a título subsidiário, em apoio de um pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

212    Contudo, neste caso, resulta dos articulados da recorrente que esta contesta, em substância, a legalidade da decisão impugnada na medida em que aí se conclui, como referido no artigo 1.° do seu dispositivo, que a infracção se desenvolveu durante um período compreendido entre 28 de Janeiro de 1993 e 28 de Janeiro de 1998. Assim, a recorrente indicou, na sua petição inicial, que «a decisão [impugnada] não se justifica na parte em que conclui que a infracção durou de 28 de Janeiro de 1993 a 28 de Janeiro de 1998» e que a Comissão «não fez prova bastante de que a infracção durou para além de Julho de 1996». Na sua réplica, a recorrente prossegue indicando que «uma leitura correcta dos autos deveria ter […] levado [a Comissão] a concluir pela menor duração do comportamento ilícito e a daí retirar as consequências quanto ao nível do montante da coima». Por outro lado, consta dos autos que a recorrente contestou a duração da infracção durante o procedimento administrativo, nomeadamente na sua resposta à comunicação de acusações, como referido no n.° 512, infra.

213    Atento o que precede, há, pois, que considerar que, com o presente fundamento relativo à duração, a recorrente visa não apenas a redução da coima, mas igualmente a anulação parcial da decisão impugnada, nomeadamente do artigo 1.° do seu dispositivo, na medida em que a Comissão aí concluiu, sem razão, que a infracção tinha prosseguido até 28 de Janeiro de 1998.

214    Há, por isso, que determinar, no quadro do presente fundamento, se a Comissão fez prova bastante, com base nos elementos de facto relatados, de que a infracção prosseguiu até 28 de Janeiro de 1998.

215    Quanto a este ponto, recorde‑se que, relativamente à produção da prova de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1 CE, a Comissão deve apresentar a prova das infracções por ela declaradas e produzir os elementos probatórios adequados a demonstrar suficientemente a existência dos factos constitutivos da infracção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 58, e de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 86). A existência de dúvidas no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que conclui pela existência de uma infracção. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infracção em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima.

216    Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção de inocência, como resulta, designadamente, do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, que faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aliás reafirmada no preâmbulo do Acto Único Europeu e no artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia bem como no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1), são protegidos na ordem jurídica comunitária. Atenta a natureza das infracções em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções a elas ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, designadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas, susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colect., p. I‑4539, n.os 175 e 176).

217    Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para basear a firme convicção de que a infracção foi cometida (v. acórdão Volkswagen/Comissão, n.° 99 supra, n.os 43 e 72 e a jurisprudência aí indicada).

218    Todavia, importa sublinhar que cada uma das provas fornecidas pela Comissão não deve necessariamente corresponder a esses critérios em relação a cada elemento da infracção. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, corresponda a esta exigência (v., neste sentido, acórdão PVC II, n.° 154 supra, n.os 768 a 778, em particular o n.° 777, confirmado quanto à questão pertinente pelo Tribunal de Justiça em recurso interposto de decisão do Tribunal de Primeira Instância, no acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, n.° 97 supra, n.os 513 a 523).

 Quanto ao contacto telefónico de 9 de Dezembro de 1996

219    Quanto ao pretenso contacto ilícito de 9 de Dezembro de 1996, há, em primeiro lugar, que constatar que a Comissão afirma, no considerando 91 da decisão impugnada que: «[na] sequência de uma reunião realizada em 19 de Setembro [de 1996], o auditor da Alken‑Maes [teve] uma conversa telefónica com o director ‘Food’ da Interbrew sobre um determinado número de questões que a Alken‑Maes coloca a respeito do estudo das tarifas». Para sustentar esta conclusão, a Comissão apoia‑se na última página de um documento que constitui o anexo 42 da carta da Alken‑Maes à Comissão, de 7 de Março de 2000 (v. n.° 72 supra), reproduzida na página 8513 do seu processo. As partes não contestam que o referido documento contém notas manuscritas tomadas por L.B. da Alken‑Maes, em 27 de Novembro de 1996, quando de uma reunião interna cujo objecto era analisar a nova tarifação da Interbrew, e que foram efectuadas posteriormente anotações neste documento pelo seu autor, que tinham a função de resposta a questões que tinha formulado inicialmente nas suas notas.

220    Convidada pelo Tribunal, através de uma questão escrita, a precisar os elementos que a conduziram a concluir, no considerando 91 da decisão impugnada, que tinha tido lugar uma conversa telefónica em 9 de Dezembro de 1996, relativa às tarifas da Interbrew, entre L.B. (Alken‑Maes) e A.B. (Interbrew), a Comissão, em primeiro lugar, indicou que o pano de fundo da reunião interna de 27 de Novembro de 1996, durante a qual as notas manuscritas foram tomadas, foi uma reunião realizada em 29 de Julho de 1996 entre a Interbrew e a Alken‑Maes, durante a qual as intenções da Interbrew, no que respeita à componente logística da sua política comercial tal como devia ser modificada e aplicada com a entrada em vigor da nova tarifa a partir de 1 de Janeiro de 1997, foram discutidas em detalhe.

221    A Comissão indicou ter deduzido do exame das notas tomadas em 27 de Novembro de 1996, que contêm seis travessões seguidos de um texto manuscrito de uma ou duas linhas que incluíam em todos os casos um ponto de interrogação, que as referidas notas continham questões que L.B. (Alken‑Maes) se colocou nesse dia a propósito da tarifa da Interbrew e que as anotações introduzidas posteriormente no documento mencionavam quer o local onde se devia encontrar a resposta, ou seja, a resposta às referidas questões. Efectivamente, as anotações, apresentando‑se como resposta a certas questões, permitiam estabelecer que as respostas a essas questões tinham sido obtidas da Interbrew em 9 de Dezembro de 1996.

222    Tendo em conta a contestação formal desta interpretação pela recorrente, é necessário examinar em que medida esses aditamentos resultam, e, por isso, constituem a prova, de um contacto anticoncorrencial entre a Alken‑Maes e a Interbrew.

223    Quanto a este ponto, há que salientar que o documento datado de 27 de Novembro de 1996 e intitulado «Tariefstudie» se apresenta, na sua última página, como uma lista de seis questões sobre o tarifário da Alken‑Maes.

224    Ora, verifica‑se que cada uma das seis questões formuladas requeria, no espírito do autor das notas iniciais, uma resposta ainda em suspenso na data da sua redacção. O documento sugere, com efeito, que tinham sido tomadas disposições em relação a cada uma das seis questões, com vista a encontrar uma resposta para as mesmas. Assim, as primeira e sexta questões, que dizem respeito a aspectos jurídicos, remetem explicitamente para uma pessoa nomeada «[P.V.D.]» e referem‑se, com toda a verosimilhança, ao consultor jurídico da Alken‑Maes de então. Do mesmo modo, a terceira questão convida a uma verificação junto dos clientes via distribuição (checken bij klanten via distributie).

225    Quanto às segunda, quarta e quintas questões, às quais foram introduzidas posteriormente as três anotações em discussão, importa salientar que a segunda começa pela palavras «check IB», em que «IB» significa com toda a evidência Interbrew. Ora, é precisamente em face desta segunda questão que a menção manuscrita posterior «Ja, volgen [A.B.] (IB) 9/12/96» foi introduzida. Esta anotação sugere que, de acordo com a disposição tomada em relação a esta questão para obter uma resposta, L.B. (Alken‑Maes) contactou a Interbrew, em 9 de Dezembro de 1996, na pessoa de A.B., que deu uma resposta positiva. Há pois que interpretar da mesma maneira os dois outros aditamentos manuscritos que têm a data de 9 de Dezembro de 1996.

226    Quanto ao argumento da recorrente segundo a qual é plausível que as respostas mencionadas tenham sido obtidas junto dos distribuidores, há que observar que esta tese é contrariada pelo facto de as notas relativas à terceira questão convidarem especificamente a que seja obtida uma resposta junto dos clientes e da distribuição, e que precisamente não foi introduzido, face a esta terceira questão, um aditamento do tipo daqueles existentes em relação às segunda, quarta e quinta questões.

227    Está pois demonstrado que as respostas dadas, por um lado, à terceira questão e, por outro, às segunda, quarta e quinta questões o foram pelos canais de informação mencionados. Neste contexto, o facto de a terceira questão dever, especificamente, ser esclarecida pelos clientes e de a formulação da segunda convidar explicitamente a uma verificação junto da Interbrew, confirma que estava previsto contactar esta última com vista a obter resposta a determinadas questões. Além disso, o facto de três menções que constituem respostas às questões terem a mesma data de 9 de Dezembro de 1996 e de uma de entre elas se referir explicitamente à Interbrew e a um dos seus representantes permite confirmar, para além de qualquer dúvida razoável, que foi efectivamente estabelecido um contacto anticoncorrencial em 9 de Dezembro de 1996, telefónico ou não.

228    Há, pois, que concluir que foi feita a prova de um contacto ilícito em 9 de Dezembro de 1996.

 Quanto à reunião de 17 de Abril de 1997

229    Quanto à reunião pretensamente ilícito de 17 de Abril de 1997, a Comissão afirma, no considerando 95 da decisão impugnada, que dirigentes da Interbrew, da recorrente e da Alken‑Maes se encontraram em Paris em 17 de Abril de 1997. A recorrente não contesta que tal encontro teve lugar.

230    A Comissão refere, além disso, no considerando 96 da decisão impugnada, a declaração do director‑geral da Interbrew de então, J.D., relativa ao conteúdo desta reunião e conclui daí, como resulta do considerando 284, que esta reunião teve por objecto a coordenação dos comportamentos da Interbrew e da recorrente no mercado, o que a recorrente formalmente contesta.

231    Quanto a este ponto, importa salientar a título preliminar que a recorrente não contesta o carácter probatório da declaração da Interbrew que consiste unicamente na declaração unilateral de uma empresa, mas apenas na medida em que a acta da reunião não demonstra o seu objectivo anticoncorrencial.

232    A passagem da reunião da Interbrew relativa à reunião de 17 de Abril de 1997 tem a seguinte redacção:

«Houve reuniões de topo com a Kronenbourg a que não assisti. Tínhamos, em seguida, ‘reuniões de informação’, às quais assistíamos todos (general managers e managers ‘Food’ e ‘Horeca’).

[…]

A reunião de [17/4/97] foi apenas uma destas reuniões de informação realizadas com a [recorrente] (K. representava [a recorrente]). Nós (‘Bélgica’ e ‘França’, mas separadamente) devíamos descrever as nossas sinergias. Nesta reunião, passámos em revista o P& L [Profit & Loss account ou resultados obtidos], linha por linha, e analisámos sistematicamente a maneira como poderíamos diminuir os custos e aumentar a rentabilidade. Os temas abordados foram os seguintes: 1) produção; 2) plataformas de distribuição comuns; 3) descontos sobre o preço com ou sem impostos de consumo (esta questão era também analisada na CBB); 4) marketing e investimentos na publicidade (share of voice); 5) crescimento do mercado da cerveja e métodos para aumentar o volume, fundados no sucesso obtido pelo mercado das águas em França.

Quanto às concretizações, foram muitas no sector Food, muito mais do que no Horeca, no qual os resultados no terreno foram poucos, para não dizer nulos.

No sector Food, chegou‑se a acordos sobre as seguintes questões:

–      reduções via promoções destinadas ao consumidor (exemplo: 5+1 grátis),

–      aspectos comerciais (exemplo: valor do bónus de desconto em campanhas de promoção),

–      frequência dos prospectos (exemplo: max. 10 prospectos GIB para as grades de cerveja).

[…]»

233    É necessário salientar que a referência, na mencionada declaração, a uma passagem em revista dos resultados obtidos «linha por linha» não permite determinar com certeza se se refere a um exame comum dos resultados da Kronenbourg/Alken‑Maes ou a um exame paralelo dos resultados desta última, por um lado, e da Interbrew, por outro.

234    É necessário salientar, além disso, que, independentemente do carácter divergente das explicações fornecidas pelas partes em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, resulta da passagem da declaração relativa à reunião de 17 de Abril de 1997 que esta última teve, para além de qualquer dúvida razoável, um carácter ilícito.

235    O objectivo anticoncorrencial da reunião transparece, em primeiro lugar, dos temas específicos de discussão abordados. O simples facto de assuntos tais como a «produção», os «descontos sobre os preços» ou o «marketing e [os] investimentos publicitários» terem sido objecto de uma concertação entre os mais altos dirigentes dos dois principais concorrentes no mercado da cerveja permite concluir pela existência de um objectivo anticoncorrencial.

236    Em segundo lugar, resulta claramente do excerto da declaração da Interbrew, reproduzido no considerando 96 da decisão impugnada, que a reunião de 17 de Abril de 1997 é apresentada como um exemplo das «reuniões de informação» destinada a ser a continuação de outras reuniões do cartel ao mais alto nível, de modo que o seu carácter anticoncorrencial não deixa dúvidas.

237    Em terceiro lugar, e neste contexto, o emprego do termo «sinergia», no excerto da declaração retomada no considerando 96, sugere que este se refere de forma genérica aos resultados que os responsáveis ao mais alto nível do cartel esperavam das «reuniões de informação», das quais a reunião de 17 de Abril de 1997 é dada como exemplo, e não à questão específica da compra da Kronenbourg/Alken‑Maes. Aliás, como sublinha, justamente, a Comissão na sua tréplica, este termo é previamente utilizado pelo autor da declaração para designar não as discussões sobre a eventual compra da Kronenbourg/Alken‑Maes, mas determinados aspectos da colaboração entre a Interbrew e a Alken‑Maes em França. Estes elementos jogam igualmente a favor da conclusão do carácter anticoncorrencial da reunião de 17 de Abril de 1997.

238    Em quarto lugar, há que, como indica a Comissão, analisar o conjunto dos elementos acima mencionados à luz de outras declarações feitas pela Alken‑Maes no decurso do procedimento administrativo. Ora, saliente‑se que, na sua resposta de 27 de Dezembro de 1999 ao pedido de informações da Comissão de 11 de Novembro de 1999, a Alken‑Maes indicou, pedindo ao mesmo tempo o benefício da Comunicação sobre a cooperação, que «tinha [havido] numerosas reuniões entre colaboradores da Alken‑Maes e, principalmente, R.V., então administrador delegado, entre 1992 e 1998 com colaboradores da Interbrew, principalmente T. e J.D., durante as quais a distribuição e a venda da cerveja na Bélgica [foram] objecto de um[a] concertação».

239    Quanto ao argumento relativo à presença de R.V. na reunião de 17 de Abril, há que considerar que essa presença não é susceptível de fundamentar qualquer presunção num sentido ou noutro, de modo que é de afastar este argumento.

240    Do conjunto das considerações que precedem, há que concluir que o carácter ilícito da reunião de 17 de Abril de 1997 foi demonstrado de forma bastante pela Comissão.

 Quanto à reunião de 28 de Janeiro de 1998

241    Quanto ao conteúdo da reunião de 28 de Janeiro de 1998, cuja realização não é contestada pela recorrente, o alcance a atribuir às notas manuscritas do director comercial da Interbrew para a Bélgica, A.D., depende das conclusões que se podem tirar de dois elementos, a saber, a natureza do que contêm e o seu grau de actualidade.

242    No que respeita, em primeiro lugar, à natureza do seu conteúdo, o carácter homogéneo e estruturado das notas do representante da Interbrew, A.D., que estão desprovidas de rasuras, conduz a concluir que se trata não do relato de uma conversa, mas de um auxiliar de memória.

243    No que respeita, em seguida, ao grau de actualidade do conteúdo das notas, revela‑se que um determinado número de elementos foram entendidos como actuais pelo seu autor. Assim acontece, por exemplo, com os dois primeiros pontos intitulados respectivamente «organização, concertação» e «processos actuais» que figuram sob a primeira rubrica intitulada «Assuntos». Do mesmo modo, a terceira rubrica «Concertação horeca» parece visar a organização futura da concertação em causa. Por outro lado, a segunda rubrica intitulada «Retroactividade 1.1.1994» refere «realizações» e não permite afastar o facto de que tais realizações no espírito do autor produziam, ainda, os seus efeitos.

244    Sabendo que a realização da reunião de 28 de Janeiro de 1998 entre a Interbrew e a recorrente não é contestada, há que analisar, à semelhança do que foi feito quanto à reunião de 17 de Abril de 1997 (v. n.° 237 supra), o alcance a atribuir a essas notas à luz da resposta da Alken‑Maes de 27 de Dezembro de 1999 ao pedido de informações da Comissão de 11 de Novembro de 1999, segundo o qual «tinha [havido] numerosas reuniões entre colaboradores da Alken‑Maes e, principalmente, R.V., então administrador delegado, entre 1992 e 1998 com os colaboradores da Interbrew, principalmente T. e J.D., durante as quais a distribuição e a venda de cerveja na Bélgica [foram] objecto de um[a] concertação». Esta declaração constitui, por si só, um reconhecimento por parte da recorrente do facto de se terem desenrolado, até 1998, reuniões anticoncorrenciais que a envolviam. Portanto, o seu conteúdo permite atribuir às notas manuscritas de A.D. um alcance que demonstra o carácter anticoncorrencial da reunião de 28 de Janeiro de 1998.

245    Além disso, importa salientar que, da jurisprudência resulta que, uma vez que foi demonstrado que uma empresa participou em reuniões entre empresas com um carácter manifestamente anticoncorrencial, cabe‑lhe apresentar indícios susceptíveis de demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões se tinha verificado sem qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que indicou aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa óptica diferente da deles (acórdãos Hüls/Comissão, n.° 216 supra, n.° 155; Montecatini/Comissão, n.° 216 supra, n.° 181, e Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 185 supra, n.° 81). Na falta dessa prova de distanciação, uma participação, ainda que passiva, nas referidas reuniões permite considerar que a empresa participa no acordo que daí resulta (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 185 supra, n.° 84, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão. T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 223). Além disso, o facto de esta empresa não se conformar com os resultados dessas reuniões não a priva da sua plena responsabilidade devido à sua participação no acordo (acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 185 supra, n.° 85; Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 57 supra, n.° 135, e Cimento, n.° 31 supra, n.° 1389).

246    Neste caso, há que reconhecer que a recorrente não apresentou indícios de natureza a demonstrar que a sua participação, não contestada, na reunião de 28 de Janeiro de 1998 não tinha qualquer espírito anticoncorrencial ao demonstrar, nomeadamente, ter indicado, ao representante da Interbrew, que nela participava numa óptica diferente da dele.

247    Resulta do que precede que a Comissão demonstrou de forma bastante que a infracção em causa subsistiu até 28 de Janeiro de 1998.

248    Nestas condições há que julgar improcedente o fundamento.

3.     Quanto ao fundamento relativo ao carácter injustificado da circunstância agravante correspondente à coacção exercida sobre a Interbrew

a)     Argumentos das partes

249    Segundo a recorrente, ao concluir que exerceu, na reunião de 11 de Maio de 1994, coacção sobre a Interbrew, consistindo numa ameaça de a excluir do mercado francês caso se recusasse a conceder‑lhe uma quota de vendas de 500 000 hectolitros no mercado belga e conduziu a uma extensão do acordo a contar dessa data, a Comissão engana‑se quanto ao alcance dos factos em causa.

250    Em primeiro lugar, se é verdade que, no período anterior à reunião de 11 de Maio de 1994, as discussões incidiram essencialmente sobre os preços, a introdução de elementos adicionais após este período, a saber, o respeito da clientela de cada um e um novo sistema tarifário, não podia ser interpretada como uma extensão significativa do campo da infracção. Em particular, a preocupação pelo respeito das clientelas mútuas apenas teria sido ditada pelos problemas colocados pela falta de respeito pela Interbrew dos acordos exclusivos que vinculavam a Alken‑Maes a determinados dos seus clientes. Além disso, outros assuntos teriam sido introduzidos na ordem do dia das reuniões, tanto antes como depois da reunião de 11 de Maio de 1994, de modo que é excessivo qualificar os assuntos discutidos pelas partes de extensão da cooperação em Maio de 1994.

251    Em segundo lugar, se houve evolução das relações para um acordo mais estruturado após 1994, esta evolução teria correspondido aos interesses das duas partes, ou seja, no que respeita ao sistema tarifário, aos da Interbrew em particular, não sendo nenhum aspecto do acordo do interesse exclusivo da recorrente.

252    Assim, o interesse da Interbrew em concluir, antes de Maio de 1994, um pacto de não agressão é demonstrado pelo seu receio de uma quebra dos preços no mercado belga. Como a Comissão reconhece na decisão impugnada, a Interbrew desejou ardentemente uma concertação sobre os preços na Bélgica a fim de se subtrair à política agressiva da recorrente na matéria, prosseguindo ao mesmo tempo uma política agressiva em relação aos acordos de exclusividade que vinculavam a Alken‑Maes a determinados dos seus clientes, e de evitar as importações paralelas a baixo preço a partir de França. Ainda que o seu poder lhe tivesse permitido, através de uma guerra comercial, eliminar a Alken‑Maes do mercado, a Interbrew fixou‑se como objectivo pacificar o mercado belga, que dominava, a fim de poder financiar a sua expansão internacional graças aos lucros realizados na Bélgica, onde os preços eram superiores. Ora, a Alken‑Maes teria oposto a esta vontade de pacificação, pelo menos num primeiro momento, uma concorrência feroz com o fim confessado de atingir o seu nível de rentabilidade. A Interbrew teria tido, assim, um interesse imediato na celebração de um pacto de não agressão.

253    A Interbrew tinha, além disso, interesse em entender‑se com a recorrente com vista à compra do seu ramo «cerveja». O seu acordo com a Alken‑Maes explicar‑se‑ia também por pretender dispor de um parceiro na imposição ao mercado de uma nova estrutura tarifária. Além disso, correndo o risco de uma condenação por abuso de posição dominante, a Interbrew podia ter muito mais interesse em entender‑se com a Alken‑Maes do que em eliminá‑la do mercado.

254    Por outro lado, as pretensas reticências da Interbrew antes de 1994, nas quais a Comissão se baseia na decisão impugnada e na contestação, referindo‑se nomeadamente a uma nota interna da Interbrew de Março de 1993, resultam de um contra‑senso da Comissão sobre o alcance desse documento. Embora o excerto citado pela Comissão faça efectivamente referência a «reservas», a sua utilização é, todavia, tendenciosa na medida em que esse mesmo documento revela não apenas que essas reservas eram relativas a uma censura com base no artigo 82.° CE, mas igualmente que o CEO da Interbrew de então tinha obrigado o autor da referida nota a discutir com a Alken‑Maes, o que revela o contrário de uma participação voluntária e sem reservas no acordo, decidida na altura pelo mais alto dirigente da Interbrew. Finalmente, considera que a Comissão não assinalou que o autor da nota em que se faz referência a reservas, em Março de 1993, foi quem, seis meses mais tarde, tendo entretanto passado a ser o CEO da Interbrew, tomou iniciativas forçando a Alken‑Maes a uma cooperação para atingir o preço desejado pela Interbrew.

255    A Comissão também perdeu de vista o facto de a Interbrew ter fixado objectivos claros ao acordo desde 1994, como demonstrariam vários considerandos da decisão impugnada, o que confirmaria o seu papel motor no acordo antes de 1994, como é igualmente mencionado na decisão impugnada. A designação do acordo pela Interbrew com um nome de código confirmaria, além disso, a sua perspectiva estruturada das práticas em causa. Finalmente, a declaração do antigo administrador delegado da Alken‑Maes segundo a qual a grande maioria dos dirigentes da Interbrew desejava um acordo já anteriormente a 1994 também demonstra a inexistência das pretensas reticências da Interbrew.

256    Em terceiro lugar, embora a recorrente reconheça, por um lado, que pressionou a Interbrew, na reunião de 11 de Maio de 1994, sobre a questão da sua cumplicidade na violação dos seus contractos de distribuição em França, não teria, todavia, velado pelo respeito escrupuloso dos referidos contractos, não exercendo por isso, de facto, qualquer pressão. A tese da ameaça proferida em relação à Interbrew seria, além do mais, contrariada, na decisão impugnada, pela conclusão segundo a qual a Interbrew não prestou atenção à exigência da recorrente relativa à transferência de 500 000 hectolitros para a Alken‑Maes.

257    Por outro lado, a assimetria das relações de força da recorrente e da Interbrew respectivamente em França e na Bélgica era muito forte. Dada a ausência de posição dominante da recorrente em França, esta teria sido de qualquer modo incapaz de excluir a Interbrew desse território. Como os pontos de venda objecto de convenções de distribuição celebrados com a recorrente apenas representavam 16% do mercado em França, é manifestamente infundado pensar que a Interbrew podia dar crédito a um qualquer risco de exclusão. Além disso, as consequências eventuais de uma aplicação estrita pela recorrente dos seus contratos de distribuição em França não tinham qualquer comparação com o risco incorrido pela filial da recorrente na Bélgica, face à influência real do peso da Interbrew na Bélgica. Existe, por isso, uma desproporção manifesta entre a pretensa existência de uma ameaça que não se concretizou e o agravamento do montante da coima efectuado com base nesta circunstância.

258    Por outro lado, enquanto tinha atribuído importância ao aviso dirigido à Interbrew, que apenas visava, segundo ela, o uso de meios legais – aqui nem sequer postos em execução – para fazer cessar a cumplicidade da Interbrew no que respeita à violação dos seus contratos em França, a Comissão não deu importância às ameaças e represálias exercidas pela Interbrew contra a Alken‑Maes durante todo o período. Assim, a reacção desmedida da Interbrew à política comercial agressiva da Alken‑Maes em 1994, a desenvoltura com que pretendia convencer a Alken‑Maes a seguir a sua política de alta de preços em 1993 ou ainda os ataques conduzidos pela Interbrew aos cafés vinculados à Alken‑Maes, que esta sofria, seriam outras tantas provas da agressão constante de que a recorrente foi objecto por parte da Interbrew, empresa dominante que teria «aterrorizado o mercado», encontrando‑se assim em situação de excluir a Alken‑Maes.

259    Quanto à satisfação expressa pela Interbrew, em Janeiro de 1998, em relação aos resultados do acordo, como demonstram as notas tomadas pelo seu director comercial para a Bélgica, estaria pouco de acordo com a tese de uma coacção exercida pela Alken‑Maes sobre a Interbrew.

260    Por último, a recorrente sustenta que, de qualquer modo, não foi feita a prova da ameaça que teria formulado. Todas as declarações da Interbrew teriam sido feitas no ano de 2000 e comunicadas à Comissão numa fase avançada do processo de inquérito. São conformes à estratégia de defesa da Interbrew e não podiam, por isso mesmo, ser consideradas pela Comissão como elementos probatórios. Quanto ao único documento proveniente de um terceiro e susceptível de apoiar a tese da Comissão, a saber o documento Heineken, também não podia constituir uma prova válida.

261    Este documento, na medida em que refere declarações da Interbrew, não é uma constatação independente da alegada coacção. Como nem o seu autor nem a sua data são conhecidos, havia que, além disso, pôr em dúvida a sinceridade das declarações referidas, tanto mais que é impossível determinar se o documento foi redigido por um responsável da Heineken ou da Interbrew. A sua natureza era, além disso, difícil de apreender e o seu conteúdo sibilino. O documento não era, de facto, nem uma carta nem uma nota, mas antes um excerto de uma lista na qual figuraria o nome mal escrito de um dirigente da Interbrew em funções nos anos 90 (C.) e a respeito do qual se encontrariam três membros de frases acompanhados de travessões, que pareciam fazer parte de uma enumeração. Ao segundo travessão seguiam‑se as seguintes palavras escritas em neerlandês: «[K.], há três anos, colocou a Interbrew perante a alternativa de [dar] 500 000 [hectolitros] [à Maes] ou ser constrangida a abandonar a França». Ora, o termo «dar» não existia no texto neerlandês e as palavras «à Alken‑Maes» foram acrescentadas à mão. Seria, pois, impossível dar um sentido claro às quatro linhas, isoladas do seu contexto próprio, que constituíam o documento Heineken. Na medida em que a Comissão não procurou obter mais informações sobre o documento Heineken e sobre o significado do seu conteúdo, este seria desprovido de qualquer valor probatório.

262    Segundo a Comissão, resulta dos considerandos 45 e 46 da decisão impugnada, que não são contestados pela recorrente, por um lado, que, antes da reunião de 11 de Maio de 1994, a Interbrew estava reticente em reforçar a sua cooperação com a recorrente na Bélgica e que se fixara como orientação «não começar uma guerra» e, por outro lado, só após esta data tinha sido celebrado um pacto de não agressão. A tese desenvolvida pela recorrente, da vontade da Interbrew, antes de 1994, de se entender com a Alken‑Maes para fazer cessar a política comercial agressiva desta última, é meramente especulativa, enquanto o carácter agressivo da política da Alken‑Maes em relação à Interbrew está comprovado. A marcada evolução da atitude da Interbrew leva a concluir pela existência de um nexo causal entre a ameaça proferida pela recorrente, que, aliás, admite a realidade da extensão da cooperação a partir de 11 de Maio de 1994, e a evolução da atitude da Interbrew.

263    O facto de a Interbrew ser o actor mais importante do mercado da cerveja na Bélgica não permitia excluir que tenha tido reticências em relação a um alargamento do acordo, nem que tenha sido objecto de ameaças de guerra comercial por parte de um actor económico globalmente mais importante do que ela e particularmente poderoso em França, país onde a Interbrew, em contrapartida, estava em posição de fragilidade. Tal cenário é tanto mais credível quanto a ameaça em causa consistia numa acção concertada da recorrente e da Heineken e que a Alken‑Maes não era uma empresa isolada, mas uma filial da recorrente e, portanto, de um grupo internacional. Finalmente, o facto de a Interbrew ter podido declarar‑se satisfeita, no termo do acordo, com os resultados obtidos, não permita concluir pela inexistência de reticências iniciais.

264    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a citação extraída da nota de M. de 12 de Março de 1993 é uma apresentação tendenciosa da realidade, a Comissão argumenta, em primeiro lugar, que a utilização desta citação no considerando 45 da decisão impugnada não oculta de forma alguma as pressões efectuadas pela hierarquia da Interbrew. Além disso, resulta da mesma citação que a recorrente desejava reforçar esta cooperação e que tinha mais a ganhar com isso do que a Interbrew, o que a recorrente evita mencionar. O facto de as reticências da Interbrew poderem ter sido motivadas pelo receio de ser perseguida por uma infracção ao direito da concorrência não tem consequências sobre a existência de tais reticências. O mesmo se pode dizer da iniciativa subsequente de que o autor das reservas iniciais da Interbrew pode ser responsabilizado no sentido de forçar a Alken‑Maes a atingir o preço desejado pela Interbrew. Quanto à declaração do antigo administrador da Alken‑Maes, segundo a qual a grande maioria dos managers da Interbrew desejavam a celebração de um acordo antes de 1994, é posterior aos factos e a utilização que dela foi feita era muito selectiva, passando em silêncio algumas das suas passagens referentes à ameaça proferida em relação à Interbrew.

265    A Comissão reitera que nunca pôs em dúvida o interesse da Interbrew em celebrar um acordo, mas demonstrou simplesmente que a extensão deste foi o resultado da ameaça proferida pela recorrente.

266    O argumento da recorrente segundo o qual, antes de 1994, a Interbrew desejava entender‑se sobre os preços a fim de fazer cessar a política comercial agressiva da Alken‑Maes e prevenir importações paralelas a baixo preço a partir da França não é sustentado por nenhuma prova. Os documentos considerados prova da política agressiva de preços da Alken‑Maes referiam um encontro entre responsáveis da Alken‑Maes e da Interbrew posterior a Maio de 1994, o que não permitiria deduzir que a extensão do acordo nessa data tenha resultado de uma vontade da Interbrew. Os documentos relativos às importações paralelas não eram, por seu lado, conclusivos, tal como, de resto, os que supostamente demonstravam a vontade da Interbrew de financiar a sua expansão internacional graças aos lucros realizados na Bélgica. Quanto às conversações relativas a uma eventual compra da Kronenbourg pela Interbrew, não demonstrariam um interesse espontâneo desta última no acordo, nem tão pouco que o receio de ser acusada por abuso de posição dominante fosse susceptível de ter incitado a Interbrew a alargar um acordo igualmente ilegal do ponto de vista do direito da concorrência.

267    A Comissão argumenta, em seguida, que a explicação da reunião de 11 de Maio de 1994 e da evocação dos 500 000 hectolitros pela recorrente não é credível, fazendo notar que esta não contesta ter sido, efectivamente, feita alusão a esta quantidade, assim como a uma certa forma de ameaça.

268    Quanto à impugnação pela recorrente da prova desta ameaça, a Comissão argumenta, em primeiro lugar, que a mesma mencionou, na sua resposta à comunicação de acusações, que um responsável da Alken‑Maes (R.V.) informou a Interbrew «que estava irritado com a sua política agressiva, que não contava ganhar mais de 500 000 hectolitros, o que correspondia ao seu limiar de rentabilidade». Além disso, teria sido comunicado à Interbrew, tendo em consideração as práticas predadoras no sector horeca na Bélgica, que a recorrente «poderia adoptar uma política mais firme face à Interbrew em França se a Interbrew não pusesse fim aos seus abusos na Bélgica». Resulta destas duas asserções uma certa ameaça, porque o facto de exigir a um concorrente que ponha fim a certas práticas informando‑o da necessidade de dispor de um determinado volume para passar a ser rentável significa pedir a cessão desse volume sob ameaça de represálias.

269    A Comissão refere, além disso, que um representante da Interbrew (C.) declarou que um representante da Alken‑Maes [K.] «reiterou a sua exigência de transferir 500 000 [hectolitros] para a [Alken‑Maes] sob a ameaça de destruição da [Interbrew] em França». Teria, ainda, «preconizado um comportamento [Interbrew]/[Alken‑Maes] na Bélgica que seria decalcado dos ‘acordos em França’», notando que «o mecanismo francês se resume a que os [d]irectores de vendas alimentares (Food) da Heineken e da Kronenbourg se concertam muito frequentemente a fim de controlarem as respectivas quotas de mercado, manipulando – as promoções, – os preços, – as condições».

270    A Comissão apresenta igualmente na sua tréplica, em resposta à afirmação da recorrente segundo a qual, para demonstrar a existência de uma ameaça, se teria baseado apenas no documento Heineken, uma declaração da Interbrew de 14 de Janeiro de 2000, na qual o seu autor da escreve: «[a] posição da [recorrente] era a de que a situação da [Alken‑Maes] era muito difícil e que a [Interbrew] devia ajudá‑la. A grande ameaça que tinham para nos convencer era que a Kronenbourg nos poderia tornar a vida muito difícil em França».

271    A ameaça está, além disso, segundo a Comissão, demonstrada de forma independente pelo documento Heineken, citado na comunicação de acusações, assim como na decisão impugnada. Este documento, não datado nem assinado, mas que foi descoberto numa gaveta do gabinete de um membro do conselho de administração da Heineken, referia que, três anos antes, um responsável da Alken‑Maes, K., «colocou a Interbrew perante a alternativa de ceder 500 000 hectolitros à Alken‑Maes ou ser excluída de França. Fez referência às modalidades de cooperação entre a Heineken e a Kronenbourg em França».

272    A Comissão considera que a força probatória deste documento, ao qual a recorrente teve acesso na sua versão não confidencial, não é alterada pela inexistência de data e de identificação do seu autor ou das pessoas que tiveram dele conhecimento. Tendo em conta o lugar onde foi descoberto, tudo leva a crer que o documento foi redigido por ou para um membro do conselho de administração da Heineken. Além disso, o advogado da Heineken teria confirmado que a sua cliente está na origem do documento.

273    Segundo a Comissão, o carácter coerente dos factos admitidos pela recorrente, das declarações da Interbrew e do conteúdo do documento Heineken demonstra que foi efectivamente proferida uma ameaça contra a Interbrew.

274    Quanto aos argumentos desenvolvidos pela recorrente na réplica, em apoio da tese segundo a qual a ameaça não teve efeitos, a Comissão observa, a título liminar, que os mesmos pressupõem implicitamente que foi proferida uma ameaça. As declarações, invocadas pela recorrente, de um dos seus directores de então seriam aliás incoerentes. Embora este último indique, com efeito, que «a Kronenbourg não estava de forma nenhuma em condições de excluir a Interbrew», isso é contraditório com o facto de assinalar «que a Danone poderia adoptar uma política mais firme face à Interbrew em França se a Interbrew não pusesse fim aos seus abusos na Bélgica». Não é verosímil que tenha sido proferida uma ameaça com pleno conhecimento da impossibilidade da sua concretização. Quanto à pretensa falta de atenção dada à ameaça pela Interbrew, a recorrente não está em condições de a demonstrar uma vez que resulta do processo que a Interbrew levou a sério as suas ameaças.

275    Um eventual contra‑ataque da Interbrew, na sequência das iniciativas da Alken‑Maes sobre os estabelecimentos de bebidas, não poderia, além disso, permitir excluir que a Interbrew tinha tomado a sério o que teria sido entendido como uma ameaça. Quanto aos documentos invocados em apoio da demonstração do «terror» que a Interbrew teria feito reinar no mercado, não são conclusivos. Não resulta de nenhum deles que a Interbrew tenha sistematicamente atacado os pontos de venda da Alken‑Maes.

276    Finalmente, a Comissão sublinha que a recorrente, embora contestando ter proferido uma ameaça, não parece contestar que uma ameaça, ainda que não tenha tido seguimento, constitui uma circunstância agravante.

b)     Apreciação do Tribunal

277    Como resulta da jurisprudência, quando uma infracção foi cometida por várias empresas, há que examinar, no quadro da determinação do montante das coimas, a gravidade relativa da participação de cada uma delas (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 623), o que implica, em particular, definir os respectivos papéis na infracção enquanto durou a sua participação na mesma (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 215 supra, n.° 150; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão, T‑6/89, Colect., p. II‑1623, n.° 264).

278    Esta conclusão constitui a consequência lógica do princípio da individualidade das penas e das sanções em virtude do qual uma empresa só deve ser punida pelos factos que lhe são individualmente censurados, princípio que é aplicável em todo o procedimento administrativo susceptível de conduzir à aplicação de sanções por força das regras comunitárias da concorrência (v., no que respeita à imputação de uma coima, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2001, Knupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 63).

279    De acordo com estes princípios, os n.os 2 e 3 das Orientações prevêem uma modulação do montante de base da coima em função de determinadas circunstâncias agravantes e atenuantes, que são próprias a cada empresa em causa. O n.° 2 estabelece, em particular, uma lista não exaustiva das circunstâncias agravantes susceptíveis de serem tidas em conta.

280    No caso concreto, a Comissão imputou à recorrente, no considerando 315 da decisão impugnada, o facto de ela «ter forçado a Interbrew a alargar a sua cooperação, ameaçando‑a de represálias se esta recusasse».

281    A título liminar, há que salientar que, com razão, a Comissão considerou que o facto de uma empresa parte num acordo forçar outra parte no referido acordo a alargar o campo deste último ameaçando‑a de represálias em caso de recusa pode ser considerado uma circunstância agravante. Com efeito, esse comportamento tem por efeito directo agravar os prejuízos causados pelo acordo e uma empresa que tenha adoptado tal conduta deve por esse facto assumir uma responsabilidade particular (v., por analogia com a apreciação do papel de «líder» de um acordo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Colect., p. 3369, n.os 57 e 58, e de 16 de Novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, Colect., p. I‑10157, n.° 45; acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 57 supra, n.° 291).

282    A Comissão demonstrou em apoio da constatação da circunstância agravante referida a existência de um nexo de causalidade entre a extensão da cooperação, tal como está resumida, nomeadamente, nos considerandos 236, 239, 243 e 244 da decisão impugnada, que se baseiam nos factos relativos ao ano de 1994 descritos nos considerandos 51 a 68, e a ameaça, proferida pela recorrente, de represálias contra a Interbrew na hipótese de recusa da extensão da cooperação.

283    A fim de determinar a justeza da verificação pela Comissão da circunstância agravante imputada à recorrente, importa examinar, sucessivamente, a realidade da formulação de uma ameaça de represálias, a da extensão da cooperação e, na hipótese de estes dois elementos de facto estarem confirmados, se a ameaça proferida teve efectivamente por resultado a extensão da cooperação.

284    Quanto, em primeiro lugar, à prova da formulação de uma ameaça, há que reconhecer que a Comissão chegou a essa conclusão com fundamento, por um lado, na declaração de C., da Interbrew, de 12 de Janeiro de 2000, junta como anexo 18 da carta da Interbrew à Comissão de 28 de Fevereiro de 2000, e, por outro, no conteúdo do documento Heineken (v. n.° 271 supra). Segundo a Comissão, a veracidade da declaração da Interbrew, segundo a qual foi proferida uma ameaça quando da reunião de 11 de Maio de 1994, é confirmada pelo documento Heineken que relata a formulação da referida ameaça.

285    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a declaração da Interbrew não pode ser considerada probatória, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, nenhuma disposição nem nenhum princípio geral do direito comunitário proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa declarações de outras empresas incriminadas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado CE (acórdão PVC II, n.° 154 supra, n.° 512). Todavia, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo, cuja exactidão é contestada por várias empresas incriminadas, não pode ser considerada prova suficiente dos factos em causa sem ser apoiada por outros elementos de prova (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Enso‑Gutzeit/Comissão, T‑337/94, Colect., p. II‑1571, n.° 91). Implicando o acordo, neste caso, duas partes apenas, a contestação do conteúdo da declaração da Interbrew pela recorrente basta para que seja exigido que outros elementos de prova venham apoiá‑lo. É tanto mais assim quanto se trata de uma declaração que visa atenuar a responsabilidade da empresa em nome da qual é feita, pondo em evidência a responsabilidade de outra empresa. Há pois que determinar se a declaração da Interbrew é corroborada por outros elementos de prova.

286    Dado que a Comissão se baseou igualmente, para concluir pela veracidade da declaração da Interbrew, no documento Heineken, que revela a formulação da referida ameaça e cujo carácter probatório é igualmente contestado pela recorrente, importa determinar se o referido documento demonstra, de maneira suficientemente probatória, a formulação de uma ameaça para que, com base no referido documento e na declaração da Interbrew, se considere demonstrada a formulação de uma ameaça. A este respeito, para apreciar o valor probatório de um documento, é necessário, antes de mais, verificar a verosimilhança da informação aí contida. Deve‑se então ter em conta, nomeadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração, o seu destinatário e perguntar se, tendo em atenção o seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno. (conclusões do juiz Vesterdorf desempenhando a funções de advogado‑geral no processo cujo acórdão foi proferido pelo Tribunal de Primeira Instância em 24 de Outubro de 1991, Rhône‑Poulenc/Comissão, T‑1/89, Colect., p. II‑867, II‑869, II‑956; acórdão Cimento, n.° 31 supra, n.° 1838).

287    Neste caso, há em primeiro lugar que reconhecer que o documento Heineken atribui ao director‑geral da divisão «cerveja» da recorrente, de então, o facto de ter «colocado a Interbrew perante a escolha de ceder 500 000 [hectolitros] à Maes ou ser excluída de França [e] […] faz referência às modalidades de cooperação entre a Heineken e a Kronenbourg em França». A este respeito, no que se refere à formulação de uma exigência acompanhada de eventuais medidas de represálias, relata uma ameaça.

288    Quanto, em seguida, ao grau de fiabilidade do documento, há que salientar em primeiro lugar, que, embora não datado, o documento Heineken foi necessariamente elaborado antes de 22 de Março de 2000, pois foi inicialmente copiado nas instalações da Heineken, na altura de uma verificação efectuada ao abrigo do artigo 14.°, n.° 3 do Regulamento n.° 17, (v. n.° 39 supra), e que é, portanto, anterior ao início do procedimento e ao envio da comunicação de acusações às empresas em causa. Em segundo lugar, há que considerar que, embora o documento Heineken não esteja assinado, a sua descoberta na gaveta de um membro do conselho de administração da Heineken, isto é, no gabinete de um alto dirigente de uma empresa terceira, permite concluir que o documento é digno de fé. Em terceiro lugar, o facto de as declarações em questão terem podido ser relatados à Heineken pela Interbrew, como sugere a recorrente, não é de natureza a pôr em causa a veracidade do seu conteúdo. Não se pode, com efeito, conceder qualquer crédito à única tese que poderia apoiar a colocação em dúvida da veracidade do conteúdo do documento, a saber, que a Interbrew tenha podido relatar de forma intencional factos imaginários à Heineken, com o único fim de, na perspectiva de uma decisão da Comissão aplicando uma coima, encontrar apoio para a tese da coacção que lhe permitiria minimizar o seu papel no acordo.

289    Finalmente, importa salientar que, embora a recorrente conteste o facto de a reunião de 11 de Maio de 1994 ter dado lugar à formulação de uma ameaça, a mesma não contesta, no entanto, que foi formulada uma advertência nessa ocasião (v. n.° 256 supra), nem que o que estava em causa, na reunião, era um volume de 500 000 hectolitros, nem, por fim, que o documento Heineken se refere à reunião de 11 de Maio de 1994.

290    Resulta do que precede que o documento Heineken tem um valor probatório elevado e que, tendo em conta os elementos contextuais que a recorrente se abstém de contestar, a combinação da declaração de C. da Interbrew, de 12 de Janeiro de 2000, e do documento Heineken demonstra que a recorrente formulou efectivamente uma ameaça contra a Interbrew em 11 de Maio de 1994.

291    Quanto, em segundo lugar, à questão da realidade da extensão da cooperação verificada, há, desde logo, lugar a salientar que, embora a recorrente considere que é excessivo qualificar de extensão da cooperação a modificação dos assuntos discutidos entre as partes, admite no entanto que houve evolução das discussões depois de Maio de 1994, ainda que essa evolução apenas tenha incidido, segundo ela, num primeiro tempo, sobre «o respeito da clientela de cada um» na medida em que estava vinculada por compromissos de exclusividade.

292    Saliente‑se igualmente que a recorrente não contesta as conclusões contidas na decisão impugnada, segundo as quais o acordo inclui um acordo de partilha de mercado sob a forma de um pacto de não agressão. Com efeito, ela própria indicou à Comissão a existência de um pacto de não agressão, como testemunha a carta da Alken‑Maes à Comissão de 7 de Março de 2000, que refere:

«Parece, em particular, que, no final de 1994 foi celebrado um acordo entre as duas sociedades que cobria o conjunto dos circuitos de distribuição na Bélgica mas com um detalhe específico relativo aos circuitos horeca. O acordo incluía nomeadamente […] um pacto de não agressão […]»

293    Finalmente, importa concluir que, nomeadamente nos considerandos 56, 59 a 65, 73 e 104 da decisão impugnada, a Comissão demonstra de forma bastante que o acordo incluiu desde o segundo semestre de 1994 uma componente de partilha de mercado. Por outro lado, resulta dos considerandos 53 a 58 da decisão impugnada que o processo conducente a esta inclusão foi iniciado em Maio de 1994.

294    Há, pois, lugar a concluir que houve efectivamente extensão da cooperação a uma partilha do mercado da cerveja através de um pacto de não agressão a partir de Maio de 1994.

295    Há que, em terceiro lugar, examinar se a ameaça, proferida em 11 de Maio de 1994 pela recorrente, coagiu, de maneira decisiva, a Interbrew a consentir numa extensão do referido acordo a um pacto de não agressão. Este exame deve fundar‑se numa análise comparativa da atitude adoptada, por um lado, pela recorrente e pela sua filial Alken‑Maes e, por outro, pela Interbrew, tanto antes como durante e após o segundo semestre de 1994, durante o qual o processo de extensão do acordo conduziu ao pacto de não agressão firmado em 12 de Outubro de 1994. A este respeito, o exame da atitude da Interbrew é de particular importância.

296    A título liminar, cabe salientar que, no considerando 313 da decisão impugnada, a Comissão indicou que tanto a recorrente como a Interbrew tomaram iniciativas relativas a diferentes elementos do acordo, de modo que nenhuma das partes implicadas desempenhou um papel director no conjunto do acordo.

297    Quanto, primeiramente, à atitude respectiva das partes no acordo antes e durante o segundo semestre do ano de 1994, há que em primeiro lugar observar que resulta da decisão impugnada que a recorrente e a sua filial Alken‑Maes estiveram efectivamente na origem da extensão do acordo a um pacto de não agressão, implicando uma concertação sobre as partes de mercado ou, pelo menos, sobre a repartição da clientela.

298    Embora inicialmente, com efeito, o acordo tenha incidido sobre os preços e a redução dos investimentos comerciais, a posição expressa pela recorrente, tal como foi, segundo as declarações da Interbrew, relatada quando de uma reunião interna da Interbrew em 5 de Maio e reiterada na reunião de 11 de Maio de 1994, este último ponto estando confirmado pelo documento Heineken, consistia em reclamar pela primeira vez a tomada em consideração de critérios de volumes de venda, o que pode ser assimilado a uma proposta de extensão do acordo à partilha do mercado. Além disso, resulta da declaração da Interbrew referida nos considerandos 54 e 57 da decisão impugnada, corroborada pelo conteúdo de uma nota interna do autor dessa declaração datada de 5 de Outubro de 1994 e referida no considerando 58 da mesma decisão, que a vontade de partilha de mercado foi apresentada pela Alken‑Maes e compreendida pela Interbrew como uma vontade de transpor para a Bélgica mecanismos de concertação nos quais a recorrente participava em França. Resulta aliás dos mesmos documentos que a Interbrew estava reticente a uma tal proposta.

299    Importa, no entanto, salientar que a atitude da Interbrew demonstra a existência, até Maio de 1994, de um comportamento activo no acordo. Assim, a Comissão afirma no considerando 310 da decisão impugnada que a Interbrew tomou a iniciativa da troca de informações iniciada em 1992 e que resulta de documentos escritos que, em Agosto e Novembro de 1993, a Interbrew desempenhou um papel determinante em relação aos acordos de preços no comércio retalhista. Há igualmente que concluir da nota interna da Interbrew de 12 de Março de 1993 que o mais alto responsável desta empresa tinha participado activamente na primeira fase do acordo, impondo aos seus subordinados participarem na concertação. Com efeito, a nota contém a seguinte passagem: «[eles] desejam verosimilmente reforçar a ‘cooperação’ na Bélgica. [O ex‑CEO da Interbrew] obrigou‑nos a discutir ‘porque tínhamos necessidade de algum dinheiro’, mas temos muitas reservas a este respeito, porque queremos evitar qualquer problema ligado aos artigos 8[1.°] e 8[2.°] [CE].»

300    Além disso, cinco meses mais tarde, o redactor da referida nota, que se tinha tornado o CEO da Interbrew, assumiu esta atitude activa face ao acordo. Numa nota interna da Interbrew de 19 de Agosto de 1993, M. manifesta, com efeito, a sua disponibilidade para ajudar a convencer a Alken‑Maes com vista a uma realização de um aumento de preços de 4%. Além disso, numa nota de 3 de Novembro de 1993, dá conta dos contactos que teve com a grande distribuição nestes termos:

«[…] apreciaria muito que a Interbrew tomasse a iniciativa de se pôr em contacto com a […] e […] [Nota: as três maiores cadeias de supermercados belgas], com vista a chegar a um aumento gradual dos preços da cerveja […] de forma a atingir o nível pretendido pela [Interbrew]. […] Quando começar a desenhar‑se um consenso, poderá pensar‑se numa reunião a [três] […] Creio que não seria má ideia convidar‑me para a reunião cimeira com a […] e […]. […] A iniciativa da Maes no ano passado não se revelou viável: a) faltava confiança, mas também, e seguramente, b) a Maes era demasiado pequena. Só a [Interbrew] pode lá chegar.»

301    Resulta do que precede que, embora o comportamento da recorrente e da sua filial Alken‑Maes durante o segundo semestre de 1994 testemunhem a sua vontade de alargar a cooperação a uma partilha do mercado, o comportamento da Interbrew durante a primeira fase da infracção foi activo, como testemunha a tomada de iniciativas cujo objecto restritivo não pode ser contestado.

302    Quanto, em segundo lugar, à atitude das partes no acordo entre 11 de Maio de 1994, data em que a ameaça foi formulada, e 24 de Novembro de 1994, data em que o pacto de não agressão firmado em 12 de Outubro de 1994 foi de novo discutido entre as partes, há, em primeiro lugar, que reconhecer que, apesar da ameaça proferida pela recorrente, a atitude da Interbrew não corresponde à de uma empresa obrigada a aceitar, sob o efeito de coacção, a extensão do acordo restritivo em que é parte.

303    Assim, há que salientar que o CEO da Interbrew indicou, em 7 de Julho de 1994, ter acordado com o mais alto dirigente da recorrente «tentar ganhar tempo, em vez de começar uma guerra» (considerando 56 da decisão impugnada). Ora, a postura adoptada pela recorrente e Alken‑Maes durante a primeira fase do acordo, que se estende do começo do ano de 1993 ao fim do primeiro semestre de 1994, era agressiva face à Interbrew, e a posição tomada pela recorrente em 11 de Maio de 1994, não obstante estar impregnada de ameaça, tinha como pano de fundo a possibilidade do desencadeamento de uma guerra comercial em França. A atitude da Interbrew pode, pois, analisar‑se não unicamente como uma sujeição à ameaça da recorrente, mas igualmente como uma recusa assumida de iniciar uma guerra comercial, isto é, de adoptar um comportamento concorrencial. A este propósito, é igualmente de salientar que a Comissão indicou no considerando 51 da decisão impugnada, depois de ter feito referência à formulação da ameaça, que «embora não preste atenção à exigência da [recorrente] relativa à transferência de 500 000 hectolitros para a Alken‑Maes, a Interbrew não deseja desencadear um conflito e as duas partes permanecem em estreito contacto».

304    Revela‑se portanto, por um lado, que a Interbrew só prestou uma atenção moderada à ameaça proferida e, por outro, que o comportamento da Interbrew constitui o resultado da sua vontade de não entrar em conflito com a recorrente, o que sugere que a extensão do acordo pôde ser o resultado não de uma coacção, mas antes de uma escolha da Interbrew. Além disso, a Comissão indica no considerando 235 da decisão impugnada que embora não tenha sido dado seguimento à exigência de transferência de 500 000 hectolitros para a Alken‑Maes, a Interbrew mostrou‑se disposta, a partir desse momento, a alargar o âmbito dos acordos com a Alken‑Maes e a não mais se limitar a uma troca de informações e a acordos relativos aos preços aplicáveis ao comércio retalhista.

305    Além disso, a nota preparada pelo director comercial do sector horeca da Interbrew para a Bélgica com vista à reunião de 12 de Outubro de 1994, durante a qual o pacto de não agressão foi celebrado, não revela reticências de princípio à perspectiva de um tal acordo sobre a partilha do mercado ou a percepção de uma coacção que conduziria a esta perspectiva. Em si mesma reflecte mais uma avaliação fundamentada pelo seu autor das vantagens e dos inconvenientes desse acordo para a Interbrew, incluindo as vantagens que comparativamente a Alken‑Maes seria susceptível de obter. Assim pode ler‑se aí que, «em razão da sua posição dominante e da lei de Abril de 1993 relativa a esta matéria, a [Interbrew] incorre num risco adicional», ou ainda que «tais acordos oferecem mais vantagem para o challenger que para o líder do mercado». A nota não apresenta a perspectiva do acordo com a Alken‑Maes de maneira positiva, uma vez que o seu autor escreve: «Apreciação pessoal: eu não acredito em tais acordos uma vez que nunca podem ser postos em prática e não trazem vantagens decisivas para a [Interbrew].» Todavia, não revelar necessariamente uma coacção sofrida pela Interbrew, uma vez que as declarações feitas podem igualmente ser interpretadas como decorrendo de um processo de reflexão iniciado na Interbrew quanto à maneira como acordos anticoncorrenciais poderiam ser postos em execução de maneira eficaz.

306    Além disso, importa salientar que a nota interna da Interbrew de 14 de Outubro de 1994, relatando os resultados da reunião de 12 de Outubro de 1994, não sugere que o pacto de não agressão tenha sido imposto à Interbrew sob o efeito da coacção, mas antes que a Interbrew participou activamente na discussão, tendo submetido à Alken‑Maes a sua própria visão. O director‑geral para a Bélgica da Interbrew escreve com efeito na referida nota: «[a]nexo um documento dos nossos amigos e a abordagem, numa página, que propus. O princípio foi aceite pelos nossos amigos». Ora, a «abordagem, numa página» proposta pela Interbrew, que foi reproduzida pela Comissão no considerando 60 da decisão impugnada, faz precisamente referência a um «[g]entlemen’s agreement», incluindo nomeadamente os pontos seguintes: «não atacar obrigações» (a saber, os pontos de venda do sector horeca com os quais foi firmado um contrato de compra exclusiva) e «não atacar sistematicamente as marcas no âmbito das obrigações de cada um».

307    Em terceiro lugar, quanto à atitude das partes depois do segundo semestre de 1994, há em primeiro lugar que reconhecer que a Comissão salienta no considerando 77 da decisão impugnada, com base nos documentos de Julho de 1995, internos à Interbrew, que os seus dirigentes consideram ter respeitado o acordo na Bélgica. A Comissão sublinha, além disso, no considerando 310 da decisão impugnada que a Interbrew tomou a iniciativa, em 1995, de iniciar conversações em matéria de estrutura tarifária. A descrição, nos considerandos 83 a 92, das conversações havidas entre as duas partes, em 1996, a propósito dos seus projectos de novo tarifário confirma a existência de um espírito de cooperação espontâneo. No considerando 92, a Comissão cita, por exemplo, o conteúdo de um fax de 11 de Outubro de 1996 de um dirigente da Interbrew a um accionista da empresa, que precisa: «[f]az agora um ano que andamos a discutir uma concorrência construtiva na Bélgica. De fundamental, nada se passou. E, provavelmente, as responsabilidades por este facto são partilhadas. Vamos tentar, na próxima semana, relançar o processo».

308    Por último, há que observar que as notas do director comercial do sector horeca para a Bélgica da Interbrew, elaboradas por ocasião da reunião de 28 de Janeiro de 1998, testemunham uma atitude positiva face ao acordo e integram, no tema dos objectivos do acordo no que respeita ao sector horeca, o «respeito das obrigações e direito de entrega». As notas mencionam igualmente a título da concertação horeca um «contacto directo em relação aos dossiers importantes e à concorrência relativa aos clientes nacionais» (considerando 104 da decisão impugnada).

309    Resulta do que precede, que no conjunto do período da infracção, as partes no acordo tomaram cada uma iniciativas cujo objectivo era anticoncorrencial e, em particular, que não se pode concluir, com fundamento nos elementos do processo, que foi apenas sob efeito de coacção que a Interbrew consentiu na extensão do acordo a um pacto de não agressão. Não obstante o facto de a Comissão precisar, nos seus articulados, que a circunstância agravante considerada em relação à recorrente não isenta a Interbrew de responsabilidade no acordo, a atitude desta última ao longo de todo o período da infracção não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade directo entre a ameaça formulada pela recorrente em 11 de Maio de 1994 e a extensão do acordo.

310    Resulta que, em razão da atitude das partes face ao acordo antes e depois do segundo semestre de 1994, assim como do alcance que pôde ter esta ameaça em relação ao contexto em que foi formulada, a Comissão não fez prova bastante do nexo de causalidade existente entre a ameaça proferida e a extensão do acordo, pois as causas desta extensão podem não estar limitadas a uma ameaça, mas ter resultado mais genericamente do objectivo da supressão da concorrência prosseguido concertadamente pelas duas partes no acordo.

311    Resulta, pois, do que precede que foi sem razão que a Comissão teve em conta, relativamente à recorrente, a circunstância agravante segundo a qual ela teria forçado a Interbrew a alargar a sua cooperação ameaçando‑a de represálias em caso de recusa.

312    Interrogada, na audiência, sobre as percentagens de aumentos respectivos que fixou em função de cada uma das duas circunstâncias agravantes a que atendeu no caso da recorrente, sabendo‑se que foi efectuado um aumento global de 50% do montante da coima, a Comissão indicou que, em relação, por um lado, à importância relativa dada a cada uma dessas duas circunstâncias agravantes nos fundamentos da decisão impugnada, e, por outro, à sua prática decisória na matéria, há que considerar que a circunstância agravante da reincidência desempenhou um papel preponderante e que a circunstância agravante da coação desempenhou, pois, um papel menor.

313    Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que deve exercer a competência de plena jurisdição que lhe é reconhecida por força do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, fixando o aumento global do montante de base da coima aplicada com base nas circunstâncias agravantes em 40%.

4.     Quanto ao fundamento relativo à tomada em consideração injustificada da circunstância agravante da reincidência em relação à recorrente

a)     Argumento das partes

314    Em primeiro lugar, a recorrente argumenta que a tomada em conta, pela Comissão, de uma pretensa reincidência da sua parte constitui uma violação da delegação de poderes conferida pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17, na medida em que a Comissão só tem o poder de determinar o montante das coimas que impõe em função da gravidade intrínseca da infracção e da sua duração.

315    Resulta das legislações nacionais dos Estados‑Membros que a situação de reincidência releva não faz parte das circunstâncias agravantes da infracção, isto é da apreciação objectiva da gravidade dos factos, mas do reconhecimento de um facto próprio ao autor da infracção, a saber, a sua tendência para cometer tais infracções.

316    Em resposta ao argumento da Comissão segundo o qual a reincidência figura nas Orientações como circunstância agravante, a recorrente refere não pôr em causa a faculdade de a Comissão anunciar por via de Comunicação interpretativa a sua metodologia em matéria de aplicação de coimas. Em contrapartida, denuncia o que considera ser um desvio de poder, isto é, o facto de a Comissão se arrogar a faculdade de agravar uma pena com fundamento em reincidência sem habilitação legal, bem como de decidir discricionariamente quanto às modalidades de aplicação desse conceito.

317    No que respeita à observação da Comissão, segundo a qual a recorrente não invocou uma excepção de ilegalidade nos termos do artigo 241.° CE, esta argumenta que a existência desse meio de defesa não se opõe a que invoque a ilegalidade da decisão impugnada em relação ao Regulamento n.° 17, embora essa decisão faça aplicação das Orientações. Quanto à rejeição pelo Tribunal, igualmente invocada pela Comissão, da excepção de ilegalidade suscitada no processo que deu lugar ao acórdão HFB e o./Comissão, n.° 245 supra, a recorrente sublinha que o acórdão em questão incidia apenas sobre um ponto preciso das Orientações e não tem, assim, o alcance geral que a Comissão lhe quer atribuir.

318    Ao argumento da Comissão segundo o qual o Tribunal teria reconhecido em vários processos o conceito de reincidência, a recorrente responde que em nenhum deles o Tribunal se pronunciou explicitamente sobre a legalidade da aplicação do conceito de reincidência na perspectiva do Regulamento n.° 17, nem de resto em relação aos princípios gerais do direito comunitário. Assim, no acórdão PVC II, n.° 154 supra, o Tribunal ter‑se‑ia apoiado no facto de uma empresa já ter cometido uma infracção similar não para aumentar o montante da coima aplicada, mas unicamente para reconhecer a correcção na aplicação, pela Comissão, de uma circunstância atenuante. O Tribunal não tinha, portanto, consagrado o princípio da reincidência.

319    Se é verdade, segundo a recorrente, que a Comissão pode tomar em consideração, para efeitos da determinação do montante de base da coima, infracções anteriores para justificar a sua conclusão do carácter consciente de uma nova infracção sua, isso não implica que a existência de uma infracção anterior possa conduzir à aplicação de uma pena mais pesada por reincidência sem habilitação legal expressa. Esse aumento significaria, com efeito, criar um novo tipo de pena que acrescia à pena principal, o que explicaria que nas ordens jurídicas nacionais o conceito de reincidência releve da lei e seja de interpretação estrita. Ora, o Regulamento n.° 17 não continha nenhuma habilitação expressa que permitisse à Comissão aumentar uma coima por reincidência.

320    Quanto aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão (T‑141/94, Colect., p. II‑347), e Enichem Anic/Comissão, n.° 277 supra, a recorrente argumenta que, embora o Tribunal aí tenha, efectivamente, referido a reincidência como circunstância agravante, a ilegalidade da utilização deste conceito em relação ao Regulamento n.° 17 não tinha sido suscitada pelas recorrentes.

321    Em segundo lugar, a recorrente argumenta que a Comissão violou o princípio nulla poena sine lege, porque a tomada em consideração da circunstância agravante da reincidência não tem base legal na ordem jurídica comunitária. Ora, o Tribunal de Justiça enunciou que o princípio geral de direito nulla poena sine lege impõe um limite ao poder discricionário das instituições na medida em que uma sanção, ainda que não tendo carácter penal, apenas pode ser aplicada se tiver uma base legal clara e inequívoca (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 1984, Könecke, 117/83, Colect., p. 3291, n.° 11). De resto, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também tinha concluído que os princípios gerais e as garantias ligadas aos direitos de defesa se aplicam a toda e qualquer sanção cujo fim seja ao mesmo tempo preventivo e repressivo, qualquer que seja a qualificação dada à infracção em direito interno (v. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Ostürk de 21 de Fevereiro de 1984, série A, n.° 73). Apenas o Conselho e o Parlamento dispunham, por força do seu poder legislativo, da faculdade de conferir ao conceito de reincidência a base legal necessária à sua aplicação, pela Comissão, como circunstância agravante.

322    A recorrente argumenta igualmente que o Tribunal de Justiça nunca teve ocasião de se pronunciar sobre a legalidade do princípio da reincidência em relação ao princípio nulla poena sinne lege nos processos referidos pela Comissão na sua contestação, a saber, os acórdãos PVC II, n.° 154 supra, Thyssen Stahl/Comissão, n.° 320 supra, e Enichem Anic/Comissão, n.° 277 supra.

323    A análise das legislações nacionais punha, aliás, em evidência a aplicação muito estrita do conceito de reincidência nos Estados‑Membros bem como o carácter legislativo dos actos que o instituem.

324    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão violou o princípio da segurança jurídica bem como os princípios da legalidade das sanções e do respeito dos direitos de defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1961, Snupat/Alta Autoridade, 42/59 e 49/59, Recueil, p. 103, n.° 159, Colect. 1954-1965, p. 597), dado que, não existindo qualquer base legal que fixe nomeadamente o prazo máximo entre duas condenações que permitem a aplicação do conceito de reincidência, tomou em consideração infracções punidas respectivamente em 1984 e em 1974.

325    A análise das legislações nacionais punha em evidência, entre as várias condições estritas de aplicação do conceito de reincidência, a existência de um prazo máximo, não ultrapassando em geral dez anos, separando a infracção examinada de uma condenação anterior. A inexistência, nas Orientações, de limitação no tempo da faculdade de atender à reincidência, que a Comissão invoca na sua contestação, é precisamente o que leva a recorrente a concluir pelo carácter insustentável da situação que denuncia, razão pela qual considera que a Comissão deveria ter definido essa limitação nas suas Orientações. Não se pode, com efeito, admitir que a Comissão possa tomar em consideração infracções cometidas 40 anos antes, ou até mesmo por uma entidade jurídica diferente.

326    Em quarto lugar, a recorrente argumenta que a decisão impugnada viola por duas vezes o princípio geral do direito comunitário non bis in idem. Com efeito, a aplicação de uma sanção mais pesada em caso de reincidência apoiar‑se‑ia em dois motivos essenciais, a saber, a necessidade de dissuadir o reincidente de cometer no futuro uma nova infracção e a circunstância de o reincidente conhecer o carácter ilegal dos seus actos devido à sua condenação anterior. Ora, a Comissão, admitindo que esses dois fundamentos vêm em apoio da sua conclusão pela existência de reincidência, cometia o erro de os invocar individualmente pela segunda vez na decisão impugnada e de aumentar assim o montante da coima por duas vezes pelas mesmas razões.

327    Assim, a Comissão já tinha tomado em consideração, na decisão impugnada, por um lado, a procura de um efeito dissuasivo a título da gravidade da infracção e, por outro, o conhecimento, pela recorrente, do carácter ilegal do seu comportamento, quando a Comissão declara tomar em conta o facto de que a recorrente dispunha dos conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitiam avaliar melhor o carácter intencional do seu comportamento e as consequências que daí derivavam do ponto de vista do direito da concorrência. Ao aumentar em seguida, a título de reincidência, o montante da coima pelas mesmas duas razões que estão subjacentes à fixação do montante da coima atenta a gravidade da infracção, a Comissão teria assim violado o princípio non bis in idem.

328    Em quinto lugar, a recorrente argumenta que, ao tomar em consideração a reincidência com base em factos que remontam há quase 40 anos, e, portanto, anteriores ao prazo de cinco anos previsto pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), a Comissão viola as regras de prescrição aplicáveis em matéria de procedimentos e execução no domínio da concorrência.

329    Em sexto e último lugar, a recorrente argumenta, a título subsidiário, que a Comissão adoptou uma concepção manifestamente excessiva do conceito de reincidência.

330    Por um lado, o raciocínio da Comissão não estaria inteiramente fundamentado em matéria de facto na medida em que a Decisão 74/292/CEE da Comissão, de 15 de Maio de 1974, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/400 – acordos entre fabricantes de vidro de embalagem) (JO L160, p. 1, a seguir «decisão Vidros de embalagem»), não representou uma condenação da empresa Boussois‑Souchon‑Neuvesel (BSN) SA (antecessora da recorrente), mas simplesmente a recusa, na sequência da notificação de acordos, de os isentar ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3 CE. A Comissão tê‑lo‑ia aliás implicitamente reconhecido ao assinalar, na sua contestação, que, mesmo que esta decisão não devesse ser levada em conta, a decisão Vidro liso Benelux bastaria para concluir pela existência de uma reincidência.

331    Ora, a severidade excessiva em relação à recorrente transparecia do próprio facto de tomar em conta, para efeitos de uma verificação de reincidência, uma decisão tomada com base numa notificação, cujo princípio mesmo é garantir uma segurança jurídica às empresas enquanto a Comissão não se pronuncia. Era, por isso, tendencioso qualificar a decisão referida de «verificação de infracção» para justificar o aumento do montante da coima aplicada à recorrente.

332    Por outro lado, ainda que não existisse limite temporal ao poder da Comissão de concluir pela existência de uma reincidência, o aumento da coima resultante da tomada em consideração de factos muito antigos – remontando no caso concreto a quase 40 anos –, além da insegurança jurídica criada, é manifestamente excessivo. Conduziria, com efeito, a impor à mais pequena das duas empresas no mercado uma coima equivalente à aplicada à empresa que era o actor dominante. Induzia igualmente a fazer crer que a recorrente é uma empresa multireincidente que infringia o direito comunitário desde há 40 anos.

333    A Comissão sustenta que a reincidência é mencionada nas Orientações como circunstância agravante e que podia validamente ser tomada em conta. A Comissão tinha em várias ocasiões tido em consideração esta circunstância agravante sem ser contrariada pelo Tribunal.

334    O princípio nulla poena sine lege faz parte do direito penal e não é aqui aplicável. Além disso, a recorrente perdido de vista que a base legal das sanções às infracções ao direito da concorrência é o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e que a Comissão dispõe, nesse quadro, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas a fim de orientar o comportamento das empresas. Fazendo da reincidência uma circunstância agravante, as Orientações de forma alguma tinham criado uma sanção adicional desprovida de base legal.

335    Quanto à alegada violação do princípio da segurança jurídica, os exemplos nacionais citados pela recorrente estão confinados à esfera penal e as Orientações não incluía limitação do prazo máximo susceptível de decorrer entre a constatação de uma infracção anterior e a tomada em consideração da reincidência. Por fim, a recorrente referia, sem razão, uma reincidência com base em factos de há 40 anos, quando as duas verificações de infracção datam, respectivamente de 19 e 9 anos antes do início da infracção em causa, e tentava fazer crer que essas verificações visavam outras entidades jurídicas que não a recorrente, quando apenas o nome desta última mudou.

336    Quanto à alegada violação do princípio non bis in idem, a Comissão argumenta que a tomada em conta da circunstância da reincidência não é uma duplicação com a do facto, relativa à gravidade, de que a recorrente podia, dado os seus conhecimentos jurídico‑económicos, apreciar o carácter infractor das suas actuações.

337    No que respeita à alegada violação do Regulamento n.° 2988/74, os factos em causa não estão abrangidos pelas regras de prescrição em matéria de aplicação de coimas e é absurdo aplicar a prescrição em relação à data dos factos que foram objecto de uma precedente constatação de infracção. O ponto de partida dos factos relativos às precedentes infracções não é, em todo o caso, pertinente, uma vez que, em matéria de reincidência, é determinante a verificação da infracção resultante dos factos em causa.

338    Finalmente, a Comissão contesta ter tido uma concepção manifestamente excessiva da reincidência e observa que esta é, em qualquer caso, constituída tendo em consideração a decisão Vidro liso Benelux.

b)     Apreciação do Tribunal

339    Quanto à alegada violação do Regulamento n.° 17, recorde‑se em primeiro lugar que, nos termos do artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17, «[a] Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil [euros] no mínimo a um milhão de [euros] no máximo, podendo este montante ser superior desde que não exceda 10 por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente […] cometam uma infracção ao disposto no artigo [81.°], n.° 1, […] do Tratado». Prevê‑se na mesma disposição que, «[para] determinar o montante da multa, deve tomar‑se em conta, além da gravidade da infracção, a duração da mesma» (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 223).

340    Ora, as Orientações dispõem, no n.° 1, primeiro parágrafo, que, para o cálculo do montante das coimas, o montante de base é determinado em função da gravidade e da duração da infracção que constituem os únicos critérios referidos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 224).

341    Em seguida, as Orientações citam, a título de exemplo, uma lista de circunstâncias agravantes e atenuantes que podem ser tomadas em consideração para aumentar ou diminuir o montante de base, referindo‑se a seguir à Comunicação sobre a cooperação (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 229).

342    Como nota geral, as Orientações precisam que o resultado final do cálculo da coima de acordo com este método (montante de base corrigido por percentagens de majoração e de diminuição) nunca poderá ultrapassar 10% do volume de negócios mundial das empresas, nos termos do artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17 [ponto 5, alínea a)]. Além disso, as Orientações prevêem que é necessário, segundo as circunstâncias, após ter efectuado os cálculos acima referidos, tomar em consideração certos dados objectivos, tais como o contexto económico específico, a vantagem económica ou financeira eventualmente obtida pelos autores da infracção, as características específicas das empresas em causa, bem como a sua capacidade contributiva real num contexto social determinado, para adaptar, in fine, o montante das coimas previsto [ponto 5, alínea b)] (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 230).

343    Conclui‑se que, seguindo o método enunciado nas Orientações, o cálculo do montante das coimas continua a ser efectuado em função dos dois critérios mencionados no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, isto é, a gravidade da infracção e a sua duração, respeitando ao mesmo tempo o limite máximo em relação ao volume de negócios de cada empresa, estabelecido pela mesma disposição. (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57, n.° 231).

344    Por conseguinte, não se pode considerar que as Orientações ultrapassam o quadro jurídico das sanções tal como definido por essa disposição (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.° 232).

345    No n.° 2, primeiro travessão, das Orientações, a Comissão referiu a possibilidade de aumentar o montante de base da coima devido à circunstância agravante constituída pela reincidência de uma ou várias empresas relativamente a uma infracção do mesmo tipo.

346    É jurisprudência constante que o efeito dissuasivo das coimas constitui um dos elementos que a Comissão pode ter em conta na apreciação da gravidade da infracção e, por consequência, na determinação do nível da coima, dado que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem ter sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (v., neste sentido, despacho SPO e o./Comissão, n.° 137 supra, n.° 54; acórdãos Ferriere Nord/Comissão, n.° 137 supra, n.° 33; de 14 de Maio de 1998, Sarrió/Comissão, n.° 137 supra, n.° 328, e HFB e o./Comissão, n.° 245 supra, n.° 443).

347    Resulta igualmente da jurisprudência que, para apreciar a gravidade de uma infracção com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso concreto, mas igualmente o contexto em que se verificou a infracção e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracções particularmente prejudiciais à realização dos objectivos da Comunidade (acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.os 105 e 106, e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, n.° 50 supra, n.° 166).

348    A este respeito, a análise da gravidade da infracção cometida deve atender a uma eventual reincidência (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 185 supra, n.° 91). Com efeito, numa óptica de dissuasão, a reincidência é uma circunstância que justifica um agravamento considerável do montante de base da coima. Efectivamente, constitui a prova de que a sanção anteriormente aplicada não foi suficientemente dissuasora (acórdão do Tribunal de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.° 293).

349    Por outro lado, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a reincidência, não obstante o facto de se referir a uma característica própria do autor da infracção, a saber, a sua propensão para cometer essas infracções, é precisamente, por essa mesma razão, um indício muito significativo da gravidade do comportamento em causa e, portanto, da necessidade de aumentar o nível da sanção para efeitos de uma dissuasão efectiva.

350    Deve, pois, reconhecer‑se que, na medida em que é à Comissão que incumbe a procura de um efeito suficientemente dissuasivo, nomeadamente quando se trate das infracções mais prejudiciais e na medida em que o objectivo de dissuasão faz parte da avaliação da gravidade de uma infracção pela Comissão no quadro do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, a Comissão não cometeu nenhuma violação do referido artigo ao tomar em consideração a circunstância agravante da reincidência relativamente recorrente.

351    A Comissão também não podia ter violado o princípio nulla poena sine lege ao considerar que existia reincidência da recorrente, uma vez que é ponto assente que esta possibilidade está inscrita no n.° 2, primeiro travessão, das Orientações e que não se pode considerar que estas vão além do quadro jurídico das sanções, tal como definido no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 57 supra, n.os 231 e 232).

352    Quanto à alegada violação do princípio da segurança jurídica, deve recordar‑se que um prazo de prescrição não pode assegurar uma função de protecção da segurança jurídica e a sua violação constituir um desrespeito desse princípio a não ser que esse prazo de prescrição tenha sido previamente fixado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 19).

353    Ora, nem o artigo 15.° do Regulamento n.° 17, que constitui o quadro jurídico das sanções que podem ser impostas pela Comissão por uma infracção às regras comunitárias da concorrência (v. n.os 133 a 135 supra), nem as Orientações prevêem um prazo máximo para que exista reincidência de uma empresa. Não pode, por isso, no caso em apreço, considerar‑se existir uma qualquer violação do princípio da segurança jurídica.

354    De qualquer modo, há que salientar que pelo menos a Comissão se baseou, para considerar verificada a reincidência, no facto de ter sido previamente constatada uma infracção da recorrente em 23 de Julho de 1984, na decisão Vidro liso Benelux. Ora, tendo em conta o objectivo que a Comissão prossegue quando agrava a coima por reincidência, a saber, dissuadir o autor de uma infracção de cometer de novo uma infracção similar, o facto de ter considerado para este fim uma infracção verificada dezassete anos antes não pode violar o princípio da segurança jurídica. Isto é tanto mais assim quanto, no caso em apreço, a infracção começou em 28 de Janeiro de 1993, isto é, somente oito anos e seis meses depois da adopção da decisão Vidro liso Benelux. Com efeito, uma política de punição da reincidência só tem efeito útil sobre o autor da primeira infracção quando a ameaça de uma sanção mais severa em caso de nova infracção desenvolve os seus efeitos no tempo, disciplinando assim o seu comportamento.

355    A validade deste raciocínio não pode ser posta em causa pelo facto de a Comissão ter igualmente mencionado, na decisão impugnada, que tinha sido constatada uma primeira infracção semelhante em relação à recorrente em 15 de Maio de 1974, na decisão Vidro de embalagem, ou seja, 27 anos antes da verificação da presente infracção. Além disso, como observou a Comissão na audiência, o facto de, por duas vezes, terem decorrido menos de dez anos entre as verificações de infracção ocorridas respectivamente em 15 de Maio de 1974 e 23 de Julho de 1984 e a repetição de um comportamento infractor por parte da recorrente demonstra a sua propensão para não retirar as devidas consequências da declaração de que cometeu de uma infracção às regras comunitárias da concorrência.

356    Quanto à alegada violação do princípio non bis in idem, importa salientar, por um lado, que a Comissão indicou, no n.° 1, ponto A, quarto parágrafo, das Orientações, a sua intenção de tomar em conta na fixação do montante de base da coima determinado a título da gravidade, a capacidade económica efectiva dos autores da infracção para causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e de determinar o montante da coima num nível que lhe assegurasse um carácter suficientemente dissuasivo. Por outro lado, a Comissão acrescentou no quinto parágrafo do mesmo número das Orientações que pode ser igualmente tido em conta o facto de as empresas de grande dimensão disporem na maior parte dos casos dos conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem melhor apreciar o carácter ilícito do seu comportamento e as suas consequências do ponto de vista do direito da concorrência. Por fim, a Comissão indicou no n.° 2 das Orientações, a título de exemplo das circunstâncias agravantes susceptíveis de conduzir a um aumento do montante de base, a reincidência da mesma empresa relativamente a uma infracção do mesmo tipo.

357    Neste caso, a Comissão indicou, no considerando 305 da decisão impugnada, tomar em consideração, tendo em vista a necessidade de fixar o montante da coima num nível suficientemente dissuasivo, o facto de a recorrente ser uma grande empresa internacional e, além disso, uma empresa multiprodutos. A Comissão indicou, em seguida, no considerando 306, tomar em consideração o facto de a recorrente e, na data da adopção da decisão, a sua filial Alken‑Maes disporem dos conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitiam apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as consequências dele decorrentes do ponto de vista do direito da concorrência. Finalmente, no considerando 314 da decisão impugnada, a Comissão salientou, no quadro dos desenvolvimentos consagrados ao aumento da coima com fundamento numa circunstância agravante, que a recorrente já tinha sido condenada duas vezes por infracções análogas ao artigo 81.° CE.

358    A este respeito, há que reconhecer, em primeiro lugar, que as condições de aplicabilidade do princípio non bis in idem como definido pela jurisprudência em matéria de concorrência (v. n.° 185 supra) não estão reunidas neste caso, uma vez que a Comissão se limitou a utilizar, para efeitos de cálculo do montante da coima, um conjunto de considerações factuais consideradas pertinentes para efeitos da fixação da coima num nível que lhe assegurasse um carácter suficientemente dissuasivo.

359    Em qualquer caso, verifica‑se que a tomada em consideração de cada um desses critérios de avaliação da gravidade faz parte de fundamentos distintos. Assim, em primeiro lugar, a tomada em consideração da característica de empresa internacional e multiprodutos da recorrente justifica‑se pela necessidade de fixar a coima num nível que seja suficientemente dissuasivo em relação ao seu poder económico e financeiro (v. n.os 167 a 182 supra). Em seguida, a tomada em consideração da posse, pela recorrente, de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitem apreciar melhor o carácter ilícito do seu comportamento e as suas consequências justifica‑se, por seu lado, pela necessidade adicional de dissuasão testemunhada pelo facto de ter cometido a infracção em causa apesar dos meios de que dispunha, atendendo à sua capacidade específica de análise, para apreciar o carácter ilícito do seu comportamento e as suas consequências. (v. n.° 175 supra). Enfim, a tomada em consideração da reincidência justifica‑se pela necessidade de dissuasão suplementar testemunhada pelo facto de duas verificações de infracção anteriores não terem bastado para impedir uma terceira infracção.

360    Quanto à pretensa violação do Regulamento n.° 2988/74, basta reconhecer que este visa o prazo de prescrição aplicável ao poder da Comissão de aplicar coimas em relação às violações das regras da concorrência, mas não contém, em contrapartida, nenhuma disposição que limite o poder da Comissão de tomar em consideração, como circunstância agravante e para determinar o montante de uma coima por infracção às regras da concorrência, o facto de uma empresa já ter sido condenada pela violação das mesmas regras da concorrência. Nenhuma violação do Regulamento n.° 2988/74 pode, por isso, resultar da imputação pela Comissão dessa circunstância agravante à recorrente.

361    No que respeita ao argumento segundo o qual a Comissão assumiu uma concepção manifestamente excessiva do conceito de reincidência, deve salientar‑se que, no n.° 2 das Orientações, a Comissão definiu a circunstância agravante da reincidência como «a reincidência da ou das mesmas empresas relativamente a uma infracção do mesmo tipo».

362    Recorde‑se, por outro lado, que o conceito de reincidência, como é entendido num certo número de ordens jurídicas nacionais, implica que uma pessoa tenha cometido novas infracções após ter sido punida por infracções semelhantes (acórdãos Thyssen Stahl/Comissão, n.° 320 supra, n.° 617, e de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, n.° 348 supra, n.° 284).

363    Importa, todavia, precisar que o conceito de reincidência, atento o objectivo que prossegue, não implica necessariamente a existência de uma sanção pecuniária prévia, mas apenas a de uma infracção prévia. Com efeito, a tomada em consideração da reincidência visa, quanto a uma dada infracção, a punição mais severa da empresa que se declarou culpada dos factos que a constituem, uma vez que se conclui que em relação a ela uma verificação precedente de infracção não bastou para prevenir a repetição de um comportamento infractor. A este respeito, o elemento determinante da reincidência não é a anterior aplicação de uma sanção, mas a verificação anterior de uma infracção do seu autor.

364    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão Vidro de embalagem, de que foi destinatária em 1974, não podia ser tomada em consideração para efeitos do apuramento, neste caso, da reincidência, pois esta decisão tinha por origem uma notificação e não aplicou coimas, deve salientar‑se que a decisão referida dispõe no seu artigo 3.° que «as empresas participantes nos acordos visados no artigo 1.° são obrigadas a pôr fim imediatamente às infracções verificadas».

365    A recorrente foi, pois, objecto de uma declaração de prática de uma infracção por factos análogos aos deste caso. Ora, esta circunstância não impediu a recorrente de reiterar o seu comportamento ilícito. Foi, portanto, com razão que a Comissão considerou que era reincidente.

366    De qualquer modo, cabe reconhecer que a decisão Vidro liso Benelux de 1984 deu, por seu lado, lugar a uma sanção pecuniária e que deste ponto de vista está verificada a reincidência. Ora, nada indica na decisão impugnada que a conclusão da Comissão de que a reincidência resultou de dois precedentes deu lugar a um aumento do montante da coima, com base na circunstância agravante, superior àquele que teria sido determinado caso apenas tivesse sido identificado um único precedente.

367    Quanto, finalmente, ao argumento segundo o qual o agravamento da coima por reincidência é excessivo, na medida em que conduz a que à recorrente seja aplicada uma coima equivalente à da Interbrew, apesar da sua menor dimensão no mercado, deve recordar‑se que segundo jurisprudência constante, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção podem, segundo os casos, figurar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que esta pôde exercer no mercado. Consequentemente, é admissível, com vista à determinação do montante da coima, ter em conta tanto o volume de negócios global da empresa como a parte desse volume de negócios que provém da venda das mercadorias objecto da infracção, embora não seja necessário atribuir, nem a um nem a outro desses números, uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação (v., neste sentido, acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 50 supra, n.os 120 e 121; Parker Pen/Comissão, n.° 115 supra, n.° 94, e SCA Holding/Comissão, n.° 158, n.° 176).

368    Além disso, o efeito dissuasivo das coimas constitui um dos elementos que a Comissão pode ter em conta na apreciação da gravidade da infracção e, por consequência, na determinação do nível da coima, dado que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasor das coimas, e isto sem que tivesse sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, n.° 137 supra, n.° 54; acórdãos Ferriere Nord/Comissão, n.° 137 supra, n.° 33, e de 14 de Maio de 1998, Sarrió/Comissão, n.° 137 supra, n.° 328).

369    Por conseguinte, o facto de ser aplicada à recorrente uma coima não proporcional à sua importância no mercado em causa não resulta de um entendimento manifestamente excessivo do conceito de reincidência, mas do conjunto das considerações que a Comissão pôde, com justa razão, ter em linha de conta para determinar o montante da coima a aplicar à recorrente.

370    Tendo sido rejeitado o conjunto das críticas feitas pela recorrente no quadro do presente fundamento, há que julgar este improcedente na sua integralidade.

5.     Quanto ao fundamento assente na insuficiente tomada em conta das circunstâncias atenuantes aplicáveis

371    Este fundamento articula‑se em quatro partes. Na primeira parte, a recorrente invoca o facto de a Comissão se ter recusado a tomar em consideração a inexistência de efeitos no mercado. Na segunda parte, argumenta que a Comissão, erradamente, não atendeu à influência que o regime de controlo dos preços e a tradição corporativista secular que caracteriza o sector cervejeiro exerceram sobre os comportamentos em causa. Na terceira parte, a recorrente invoca a situação de crise então existente. Finalmente, na quarta parte, invoca o carácter ameaçador da posição da Interbrew.

a)     Quanto à primeira parte, assente no facto de a Comissão se ter recusado a tomar em consideração a inexistência de efeitos da infracção no mercado.

 Argumentos das partes

372    A recorrente argumenta que, por força das Orientações, que a este respeito consagraram uma prática corrente da Comissão, esta devia atender, como circunstância atenuante, ao facto de o acordo apenas ter tido um efeito limitado sobre a concorrência. Com efeito, em numerosos processos, a Comissão tomou em consideração, como circunstância atenuante, o facto de os acordos em causa não terem tido efeitos no mercado, bem como a circunstância de não terem sido postos em prática, ou de o terem sido apenas parcialmente. O facto de a Comissão não estar vinculada pela sua prática anterior não podia justificar que, em presença de factos similares, essa prática fosse ignorada.

373    Além disso, a Comissão confunde a apreciação da gravidade do acordo com a tomada em consideração de circunstâncias atenuantes. Não obstante a necessidade de a Comissão atender aos efeitos da infracção no mercado para apreciar a sua gravidade, incumbe‑lhe ter em conta, a título de circunstância atenuante, a não aplicação efectiva dos acordos ou das práticas ilícitas em causa.

374    Ao concluir que o facto de as partes não terem aplicado todos os acordos particulares abrangidos pelo acordo não significa, no entanto, que este último não tenha sido executado e que o facto de determinados elementos da infracção não se terem concretizado não basta, por si só, para se poder concluir pela existência de uma circunstância atenuante, a Comissão ignorou a realidade dos factos.

375    Em primeiro lugar, estes depunham em favor de uma concretização prática muito parcial das discussões sobre a estrutura tarifária e a política promocional havidas entre a Interbrew e a recorrente, que, portanto, tiveram um efeito muito limitado no mercado.

376    Em seguida, a Alken‑Maes e a Interbrew tinham por diversas vezes indicado, incluindo nos documentos internos contemporâneos das concertações, que as discussões mais não foram do que tentativas e não produziram qualquer efeito na concorrência. Vários documentos e declarações referidos pela Comissão na decisão impugnada demonstram a ineficácia prática das discussões. Inúmeros aspectos do jogo da concorrência permaneceram intactos, como prova, nomeadamente, a luta acirrada das partes no acordo para a conclusão dos contratos com os cafés vinculados. O processo da Comissão continha, aliás, diversos outros documentos reveladores da inexistência de efeitos sobre a concorrência.

377    As estatísticas de venda demonstravam, além disso, de forma suficiente a inexistência de efeitos concretos ou, pelo menos, o impacto diminuto das discussões entre a Interbrew e a Alken‑Maes no mercado. As partes continuaram a dedicar‑se a uma concorrência feroz em todos os segmentos do mercado. Em especial, resulta do processo que a Alken‑Maes praticou uma política agressiva de descontos comerciais no sector da distribuição alimentar em 1992 e em 1993. A Alken‑Maes continuou, aliás, a perder quotas de mercado entre 1993 e 1998 e foi a principal perdedora durante o período em causa, tanto no segmento das cervejas pils como no segmento das cervejas sem álcool.

378    Por outro lado, em 1994, a Alken‑Maes continuou a proceder, com vista à condução da sua política comercial, a estudos de elasticidade dos preços que demonstravam que a Interbrew teria sido a principal prejudicada em caso de diminuição dos preços. Por conseguinte, a Alken‑Maes prosseguiu uma política concorrencial cujo principal objectivo era conquistar quotas de vendas à Interbrew, não obstante a existência de discussões sobre a estrutura tarifária, iniciadas pela Interbrew.

379    Por último, a recorrente invoca a inexistência de mecanismos de coacção susceptíveis de assegurar o respeito e a realização prática do acordo, circunstância esta a que a Comissão atendeu, enquanto atenuante, na decisão Polipropileno.

380    A Comissão sustenta que os precedentes referidos pela recorrente são irrelevantes, pois são anteriores à publicação das Orientações e visam situações que nem sempre são comparáveis à ora em causa. No presente caso, os acordos anticoncorrenciais tinham sido postos em prática e a execução parcial de alguns aspectos tinha sido tida na devida conta para efeitos da avaliação da gravidade do acordo.

381    O argumento segundo o qual a luta acirrada entre as partes com vista à celebração de contratos com os cafés demonstrava a existência de um jogo de concorrência aberto, é destituído de pertinência. Quanto às dúvidas manifestadas por um responsável da Interbrew a respeito da eficácia do acordo, não bastam para minimizar o alcance da conclusão a que as partes no acordo chegaram, na sua reunião de 28 de Janeiro de 1998, de que haviam sido realizados certos objectivos. Finalmente, a diminuição da quota de mercado da Alken‑Maes não prova a inexistência de efeitos, uma vez que essa diminuição podia ter sido ainda maior se não existisse o acordo. Quanto aos estudos da Alken‑Maes sobre a elasticidade dos preços, mais não eram do que ante‑projectos que não punham em causa o carácter ilícito da concertação.

 Apreciação do Tribunal

382    Como resulta da jurisprudência referida nos n.os 277 e 278 supra, quando uma infracção tenha sido cometida por várias empresas, há que apreciar a gravidade relativa da participação de cada uma na infracção, o que implica, em particular, definir os respectivos papéis na infracção durante a duração da respectiva participação.

383    O n.° 3 das Orientações enumera, sob o título de circunstâncias atenuantes, uma lista não exaustiva de circunstâncias que podem conduzir a uma diminuição do montante de base da coima. Assim, faz‑se referência ao papel exclusivamente passivo ou seguidista de uma empresa na realização da infracção, à não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos, à cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão, à existência de dúvidas razoáveis da empresa sobre o carácter de infracção do comportamento restritivo, ao facto de a infracção ter sido cometida por negligência e não de forma deliberada, bem como à colaboração efectiva da empresa no processo, fora do âmbito de aplicação da Comunicação sobre a Cooperação. Por conseguinte, todas estas circunstâncias se baseiam no comportamento próprio de cada empresa.

384    Consequentemente, para efeitos de avaliação das circunstâncias atenuantes, nomeadamente a relativa à não aplicação dos acordos, há que ter em consideração, não os efeitos resultantes da totalidade da infracção, que devem ser considerados na apreciação do impacto concreto de uma infracção no mercado para efeitos da determinação da sua gravidade (n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo, das Orientações), mas o comportamento individual de cada empresa, para se examinar a gravidade relativa da participação de cada empresa na infracção.

385    Assim, neste caso, importa verificar se os argumentos apresentados pela recorrente são de natureza a demonstrar que, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, se subtraiu efectivamente à sua aplicação adoptando um comportamento concorrencial no mercado (v., neste sentido, acórdão Cimento, n.° 31 supra, n.os 4872 a 4874).

386    Em substância, a recorrente invoca cinco argumentos para sustentar a sua invocação da circunstância atenuante da não aplicação efectiva dos acordos.

387    Quanto ao primeiro argumento, relativo a uma concretização prática muito parcial das discussões havidas entre a Interbrew e a recorrente, saliente‑se que esta não invoca a não aplicação dos resultados da concertação sobre a estrutura tarifária e a política promocional, mas apenas a sua aplicação parcial. Além disso, importa sublinhar que a referida concertação apenas representa uma parte da infracção praticada, que incluía, nomeadamente, um pacto geral de não agressão, um acordo sobre os preços no comércio retalhista, a partilha da clientela no sector horeca, a limitação dos investimentos e da publicidade no mercado horeca, assim como uma troca de informações sobre as vendas no sector horeca e no comércio retalhista.

388    Quanto ao segundo argumento, relativo ao facto de as discussões não terem passado do estado de tentativa e de não terem produzido qualquer efeito na concorrência, basta salientar que, se isso se tivesse verificado, esse facto faria prova não da não aplicação efectiva dos acordos, mas antes da vontade, ainda que vã, de as pôr em execução. O mesmo acontece em relação ao alcance que importa atribuir à correspondência entre a Interbrew e a Alken‑Maes relativa aos cafés vinculados. As recriminações mútuas que ambas se fazem a este respeito devem entender‑se à luz do pacto geral de não agressão que as duas empresas celebraram (v. n.° 147 supra) e depõem, a este propósito, mais a favor de uma vontade de fazer respeitar o referido acordo do que em favor da sua não aplicação efectiva. De todo o modo, a correspondência que se pretende ilustrar uma luta acirrada pelos contratos celebrados com os cafés vinculados prolonga‑se apenas por um período de seis meses, ou seja, de Agosto de 1996 a Janeiro de 1997.

389    Quanto ao terceiro argumento, ou seja, o da demonstração estatística da inexistência de efeitos no mercado, há que observar que, mesmo que fosse feita, seria irrelevante, pois de forma alguma prova a não aplicação efectiva dos acordos. O mesmo acontece relativamente à política agressiva de descontos alegadamente levada a cabo, pois a recorrente não conseguiu demonstrar que a referida política podia ser analisada como uma forma de se subtrair aos acordos em que participara. De qualquer modo, importa reconhecer que esse comportamento só limitadamente afectava a aplicação dos acordos, uma vez que estes, pela sua dimensão, tanto substancial como em termos de duração, ultrapassam os episódios de luta concorrencial invocados. Assim, a política de descontos comerciais alegadamente agressiva que a Alken‑Maes tinha praticado na distribuição alimentar teve lugar, segundo a própria recorrente, nos anos de 1992 e 1993.

390    Quanto ao quarto argumento, há que salientar que o facto de em 1994 a Alken‑Maes ter continuado a proceder a estudos de elasticidade, mesmo que estes demonstrassem que a Interbrew tinha mais a perder com uma baixa de preços da cerveja Maes, de forma alguma demonstra que a recorrente e a sua filial se tenham efectivamente subtraído aos acordos adoptando, no mercado, um comportamento concorrencial.

391    Por conseguinte, nenhum dos quatro primeiros argumentos da recorrente permite a conclusão de se tinha efectivamente subtraído, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, à sua aplicação adoptando, no mercado, um comportamento concorrencial.

392    Além disso, há que salientar que a conclusão que a recorrente retira dos seus próprios argumentos, ou seja, o limitado impacto das concertações sobre o mercado, testemunha por si só o facto de que esses argumentos não integram a problemática das circunstâncias atenuantes, mas sim a da gravidade de toda a infracção, que não é o objecto do presente fundamento.

393    O mesmo se verifica no que respeita ao quinto argumento apresentado pela recorrente, isto é, a falta de mecanismos de coacção susceptíveis de assegurar o respeito e a execução prática do acordo, pois esta característica, a confirmar‑se, devia ser considerada, por força das Orientações, a título da gravidade da infracção e não podia constituir uma circunstância atenuante, função do comportamento específico da recorrente. Com efeito, é jurisprudência assente que a falta de medidas de controlo de aplicação de um acordo não constitui, em si, uma circunstância atenuante (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Enso Española/Comissão, T‑348/94, Colect., p. II‑1875, n.° 318).

394    De resto, importa salientar que, na decisão Polipropileno, invocada pela recorrente, a Comissão não considerou a falta de mecanismos de coacção como uma circunstância atenuante susceptível de ser acolhida a título individual em relação às empresas destinatárias, mas antes como um factor a atender na avaliação da gravidade da infracção na sua globalidade.

395    Finalmente, há que precisar, quanto ao argumento segundo o qual tanto a inexistência de efeitos no mercado como a falta de mecanismos de coacção já no passado haviam sido tomadas em consideração pela Comissão enquanto circunstâncias atenuantes, que o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que determinados elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a proceder à mesma apreciação numa decisão posterior (v. n.° 57 supra). Com efeito, a própria prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v. a jurisprudência referida no n.° 153, supra). Ora, resulta da jurisprudência referida nos n.os 134 e 135 supra que a Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.° 17, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência, e o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a certos tipos de infracções não pode, portanto, privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível nos limites indicados pelo Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a realização da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa a todo o momento adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

396    A primeira parte do fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão não ter tomado em consideração a influência do regime de controlo dos preços e da tradição corporativista secular que caracteriza o sector da cerveja

 Argumentos das partes

397    A recorrente argumenta que a Comissão, à semelhança da posição que adoptou na decisão Ferries gregos, cuja situação, contrariamente ao que se afirma no considerando 320 da decisão impugnada, é comparável à do presente processo, devia ter considerado que a influência das práticas tradicionais de determinação do preço no mercado cervejeiro era uma circunstância atenuante.

398    Assim, a Comissão ignorou que a lei sobre os preços, em vigor de 1945 a 1993, impôs, até Maio de 1993, a todas as empresas sob controlo – entre as quais a recorrente e as outras cervejeiras – a obrigação de apresentarem, quer individual quer colectivamente, pedidos de autorização de aumento dos preços, inscrevendo‑se assim na linha de uma tradição secular de concertação e de troca de informações entre cervejeiras. A recorrente recorda, além disso, que, apesar da existência de dois procedimentos distintos, os pedidos de subida de preços eram apresentados colectivamente pela CBB, correspondendo este procedimento à preferência manifestada pelo ministro dos Assuntos Económicos e justificada por razões de facilidade administrativa. Por outro lado, ao exigir que o pedido colectivo apresentado pela CBB relativo aos preços e às outras condições de venda fosse muito circunstanciado, o regime de controlo de preços favorecia necessariamente a concertação de preços entre as cervejeiras.

399    O facto de o comportamento em causa ter continuado após Maio de 1993 inscreve‑se na continuidade de uma regulamentação que apenas confirma uma tradição secular de concertação entre cervejeiras. Esta tradição explica as dificuldades com que as partes se viram confrontadas para abandonarem de imediato esse esquema tradicional. É a este título que o regime de controlo dos preços, gerador de hábitos propícios à inércia, devia ser encarado como uma circunstância atenuante, como a Comissão já fez nas suas Decisões 82/896/CEE, de 15 de Dezembro de 1982, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/29.883 – UGAL/BNIC) (JO L 379, p. 1, a seguir a «decisão BNIC», considerando 77), e 86/596/CEE, de 26 de Novembro de 1986, relativa a um processo em aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.204 – MELDOC) (JO L 348, p. 50, a seguir a «decisão MELDOC», considerando 77).

400    Por outro lado, a Comissão tinha considerado, erradamente, que, caso tivesse de o aceitar, a influência que o controlo dos preços exerceu na concertação apenas existiu até 23 de Dezembro de 1992, data do último pedido de aumento dos preços colectivo apresentado pela CBB, enquanto as cervejeiras foram incitadas, factual e juridicamente, até 1 de Maio de 1993, data da entrada em vigor do despacho ministerial que revoga o regime do controlo dos preços, a concertar‑se sobre os preços de determinadas cervejas. Tinha sido, portanto, incorrectamente que a Comissão conclui, no considerando 247 da decisão impugnada, que a reunião de 28 de Janeiro de 1993, na medida em que teve lugar após 23 de Dezembro de 1992, não podia ser considerada uma reunião de empresas cervejeiras no âmbito da CBB, para tratar de uma declaração colectiva de aumentos de preços.

401    Por último, ao referir, no considerando 247 da decisão impugnada, a realização de uma reunião com os revendedores de cerveja em apoio da sua recusa não considerar o controlo dos preços uma atenuante, a Comissão ignora que o regime de controlo dos preços visava não só os produtores, mas igualmente os importadores de cerveja.

402    A Comissão alega ter indicado, na decisão impugnada, que, contrariamente aos factos visados na decisão Ferries gregos, a diligência colectiva das cervejeiras para efeitos da notificação de um aumento de preços é uma simples faculdade e não uma obrigação. Deste ponto de vista, é irrelevante que o ministro dos Assuntos Económicos tenha manifestado a sua preferência por medidas colectivas. A Comissão acrescenta que, se a regulamentação sobre os preços tivesse tido o impacto que a recorrente lhe atribui, todas as cervejeiras teriam estado implicadas na concertação, quando apenas as duas principais o estiveram.

403    A Comissão acrescenta que, embora o controlo dos preços tenha terminado em 1 de Maio de 1993, a última declaração colectiva de aumento de preços foi apresentada em 23 de Dezembro de 1992 e que os primeiros factos de concertação a que se atendeu, que datam de 28 de Janeiro de 1993, são posteriores àquela data. Ora, mesmo que se confirmasse, a «tradição corporativista» não pode constituir uma circunstância atenuante eterna. Por seu turno as decisões BNIC e MELDOC são anteriores à publicação das Orientações e não consideraram a existência de um regime de controlo de preços como circunstância atenuante.

 Apreciação do Tribunal

404    A título preliminar, há que salientar, em primeiro lugar, que a recorrente não põe em causa a conclusão a que a Comissão chegou de que já desde 28 de Janeiro de 1993 se verificava uma infracção. Em seguida, resulta da decisão impugnada, também sem ser contestado, que até 1 de Maio de 1993, data em que terminou, era aplicável ao sector cervejeiro belga um mecanismo de controlo dos preços. Assim, há que determinar se a existência, até essa data, do referido mecanismo constituía uma circunstância atenuante que a Comissão devia ter tido em consideração. A este respeito, há que salientar que a argumentação da recorrente traduz‑se, no essencial, em invocar a aplicabilidade da circunstância atenuante mencionada no n.° 3, quarto travessão das Orientações, ou seja, a «existência de dúvidas razoáveis da empresa sobre o carácter de infracção do comportamento restritivo».

405    Em primeiro lugar, importa salientar que, na audiência, em resposta às questões do Tribunal sobre o alcance exacto do mecanismo do controlo dos preços em vigor até 1 de Maio de 1993, a recorrente indicou que dos diplomas relativos ao controlo dos preços resulta inequivocamente que as cervejeiras podiam submeter à aprovação do ministro dos Assuntos Económicos ou um pedido colectivo, em que eventualmente ficasse preservada a confidencialidade dos preços, por intermédio da CBB, ou pedidos individuais.

406    Em segundo lugar, há que observar que, tendo em atenção, por um lado, a grande gravidade, devido à sua natureza, dos factos em causa (v. n.os 145 a 155 supra) e, por outro lado, os recursos materiais e intelectuais de que dispunham a recorrente e a sua filial Alken‑Maes, que lhes permitia apreciar as características do enquadramento regulamentar em que se integravam e as consequências que, do ponto de vista do direito comunitário da concorrência, podiam decorrer, nesta perspectiva, do seu comportamento, não pode validamente sustentar‑se que o mecanismo de controlo dos preços em vigor até 1 de Maio de 1993 deu azo a que surgisse na recorrente uma dúvida razoável quanto ao carácter ilícito do comportamento restritivo. Além disso, a confirmá‑lo está o facto de, no passado, a recorrente já ter sido objecto de procedimentos por infracções similares ao direito comunitário da concorrência.

407    Em terceiro lugar, quanto às decisões que, segundo a recorrente, constituíam precedentes do atendimento pela Comissão, enquanto circunstância atenuante, da existência de um regime de controlo dos preços, há que reconhecer que, por força da jurisprudência referida no n.° 395 supra, o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que determinados elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a proceder à mesma apreciação numa decisão posterior. Com efeito, a própria prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência. Ora, a Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.° 17, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência, e o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a certos tipos de infracções não pode, portanto, privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível nos limites indicados pelo Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a realização da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa a todo o momento adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

408    Como a existência de um mecanismo de controlo dos preços não pode, no caso em apreço, constituir uma circunstância atenuante relativamente ao período compreendido entre 28 de Janeiro e 1 de Maio de 1993, há que concluir que essa circunstância não poder, a fortiori, ser reconhecida em relação à recorrente para o período posterior a 1 de Maio de 1993.

409    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento.

c)     Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão se recusar a tomar em consideração a situação de crise no sector

 Argumentos das partes

410    Segundo a recorrente, a Comissão devia, de acordo com a forma como procedeu até 1998 e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ter tido em conta o facto de que o acordo teve lugar num contexto de crise do mercado e considerar esse contexto uma circunstância atenuante. Ora, a Comissão contentou­‑se em considerar que a situação em apreço não era comparável às situações tidas em vista nas decisões em que se atendeu à situação de crise, remetendo sem mais esclarecimentos para as decisões Cimento, PVC II e Tubos de aço sem costura.

411    Todavia, as cervejeiras belgas tinham‑se visto confrontadas com uma baixa contínua da procura e uma capacidade de produção excedentária, bem como com pressões da grande distribuição sobre o preço das cervejas pils. A própria Comissão tinha reconhecido, na decisão impugnada, as dificuldades com que o mercado se tinha deparado nos anos noventa. No caso em apreço, as actividades da filial da recorrente na Bélgica eram financeiramente muito débeis em 1993. A recorrente acrescenta que, embora seja verdade que é a situação de crise do sector e não a da empresa considerada individualmente que pode ser atendida, quis no entanto sublinhar que a delicada situação financeira que a Alken‑Maes teve de enfrentar resultava directamente da recessão no mercado cervejeiro no qual o recuo do consumo, longe de ser «ligeiro» como afirma a Comissão, foi de 15% no período de 1993 ‑1998, dando origem a um excesso de capacidade que também devia ter sido tomado em consideração pela Comissão, à semelhança do que já havia feito nas decisões PVC II e Cimento.

412    A Comissão alega, em primeiro lugar, que a situação financeira de uma empresa não constitui prova da existência de uma crise no sector económico em causa, susceptível de ser atendida a título das circunstâncias atenuantes, e que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sempre recusou tomar em consideração, a esse título, a situação deficitária de uma empresa. Além disso, as decisões invocadas pela recorrente eram, na sua maior parte, anteriores à publicação das Orientações e, por isso, irrelevantes. De qualquer forma, a situação de crise invocada não era de modo algum comparável às que até então a Comissão tinha tido em conta.

 Apreciação do Tribunal

413    Importa sublinhar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante, a Comissão não pode estar sujeita à obrigação de tomar em consideração, na fixação do montante da coima, as dificuldades financeiras de uma empresa, pois isso equivaleria a dar uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado (v., neste sentido, acórdão IAZ e o./Comissão, n.° 281 supra, n.os 54 e 55; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Fiskeby Board/Comissão, T‑319/94, Colect., p. II‑1331, n.os 75 e 76, e Enso Española/Comissão, n.° 393 supra, n.° 316). Os argumentos relativos à fragilidade financeira da Alken‑Maes em 1993 não podem, pois, ser acolhidos no quadro da apreciação da existência de uma circunstância atenuante.

414    Além disso, circunstâncias, como uma diminuição contínua da procura – que, de qualquer modo, como salientou a Comissão, foi inicialmente avaliada pela recorrente, na sua resposta à comunicação de acusações, em 15% ao longo de dez anos e não em cinco anos – a capacidade de produção excedentária que daí resultou ou ainda as pressões que a grande distribuição exerceu sobre os preços, relevavam, a verificarem‑se, riscos inerentes a qualquer actividade económica que, em si mesmos, não caracterizariam uma situação estrutural ou conjuntural excepcional susceptível de ser atendida para efeitos da fixação do montante da coima.

415    Por último, quanto ao argumento segundo o qual a prática anterior da Comissão a vinculava, há que recordar que, segundo a jurisprudência citada no n.° 395 supra, o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que determinados elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima, não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão posterior. Com efeito, a própria prática decisória da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência. Ora, a Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.° 17, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência e o facto de a Comissão, no passado, ter aplicado coimas de um certo nível a determinados tipos de infracções não a pode, só por isso, privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar a realização da política comunitária de concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa em qualquer momento adaptar o nível das coimas às necessidades desta política.

416    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do fundamento.

d)     Quanto à quarta parte, relativa à posição ameaçadora da Interbrew

 Argumentos das partes

417    Segundo a recorrente, a Comissão devia, de acordo com a sua prática decisória e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ter tido em consideração, enquanto circunstância atenuante, a posição de fraqueza e de dependência em que se encontrava a Alken‑Maes face à Interbrew na altura do acordo, pois esta última gozava desde 1987 de uma posição dominante no mercado.

418    A posição ameaçadora da Interbrew é claramente demonstrada pelos autos. Assim, numa nota de 19 de Agosto de 1993 dirigida a C., M. então CEO da Interbrew, afirmava estar pronto a «convencer» a Alken‑Maes a seguir a Interbrew depois de esta ter unilateralmente decidido uma alta de preços. Por outro lado, a correspondência trocada entre a Interbrew e a Alken‑Maes na sequência do protesto desta última contra as negociações da Interbrew com os estabelecimentos de bebidas vinculados contratualmente à Alken‑Maes, em que a Interbrew se propôs assumir as indemnizações de ruptura dos contratos em contrapartida da assinatura de um novo contrato consigo, depunha em favor da estratégia de exclusão da Interbrew, reforçada pela sua crescente integração vertical. Além disso, a reacção desmedida da Interbrew face à nova política da Alken‑Maes em 1994 denotava uma tal capacidade de causar perturbações que a Alken‑Maes receava pela sua sobrevivência.

419    Por outro lado, a recorrente considera que é sem razão que a Comissão sustenta que a posição ameaçadora da Interbrew face à Alken‑Maes é ilógica e contrária à natureza da infracção. A Comissão tinha perdido de vista o interesse que a Interbrew tinha em celebrar e prosseguir o acordo. Além disso, é surpreendente que a Comissão não veja nenhuma incompatibilidade entre o facto de sustentar, por um lado, que a recorrente tinha uma posição ameaçadora em relação à Interbrew e, por outro, que, ao mesmo tempo, se concertou com a Interbrew.

420    Por último, ao acusar a recorrente de, ao invocar o carácter ameaçador da Interbrew, minimizar a sua própria participação no acordo, a Comissão exagera injustificadamente a sua influência sobre a Alken‑Maes, quando, longe de desempenhar um papel activo na Alken‑Maes, a recorrente procurava pelo contrário desligar‑se da sua actividade «cerveja» nas melhores condições possíveis.

421    Segundo a Comissão, a recorrente, ao invocar a posição ameaçadora da Interbrew, perdia de vista não só a sua própria dimensão e o seu peso no mercado francês da cerveja, mas também o facto de um acordo ser destituído de objecto se existir uma dependência total da recorrente ou da sua filial face à Interbrew. Além disso, existia uma diferença de natureza entre a ameaça exercida pela recorrente, que visava o alargamento do acordo ao mercado belga, e a pretensa ameaça exercida pela Interbrew, que supostamente dizia respeito ao mesmo mercado que o do acordo. Enquanto seria lógico que uma ameaça em França conduzisse a Interbrew a aceitar alargar o acordo à Bélgica, seria em contrapartida pouco lógico que a Interbrew aceitasse entender‑se com uma empresa que dominava.

 Apreciação do Tribunal

422    Importa recordar, em primeiro lugar, que, no presente caso, a recorrente não contesta ter participado numa infracção ao artigo 81.° CE, que se traduziu, nomeadamente, num conjunto de acordos com objecto anticoncorrencial. Ora, segundo jurisprudência constante, a existência de um acordo na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, implica que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça ACF Chemiefarma/Comissão, n.° 352 supra, n.° 112, e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil., p. 3125, n.° 86; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, n.° 57 supra, n.° 256; de 26 de Outubro de 2000, Bayer/Comissão, T‑41/96, Colect., p. II‑3383, n.° 67, e de 14 de Outubro de 2004, Bayerische Hypo‑ und Vereinsbank/Comissão, T‑56/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 59). Conclui‑se que o conceito de acordo, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, como interpretada pela jurisprudência, centra‑se na existência de uma concordância de vontades entre pelo menos duas partes (acórdãos Bayerische Hypo – und Vereinsbank/Comissão, já referido, n.° 61, e Bayer/Comissão, já referido, n.° 69 e a jurisprudência aí indicada). A recorrente não pode, pois, pretender ter agido exclusivamente sob coacção da Interbrew.

423    Além disso, segundo jurisprudência assente, uma empresa que participa em reuniões que têm um objectivo anticoncorrencial, mesmo sob a coacção de outros participantes que têm um poder económico superior, dispõe sempre da possibilidade de apresentar uma queixa à Comissão, a fim de denunciar as actividades anticoncorrenciais em causa, em vez de prosseguir com a sua participação nas referidas reuniões (acórdão HFB e o./Comissão, n.° 245 supra, n.° 226).

424    Conclui‑se que nem a pretensa situação de dependência em que se encontrava a recorrente face à Interbrew nem a posição ameaçadora pretensamente adoptada por esta em relação à recorrente podiam caracterizar uma situação susceptível de ser tomada em consideração pela Comissão enquanto circunstância atenuante.

425    Por conseguinte, há que julgar improcedente a quarta parte do fundamento e, consequentemente, este na sua integralidade.

6.     Quanto ao fundamento relativo à incorrecta apreciação da extensão da cooperação da recorrente, com violação do princípio da igualdade de tratamento e da Comunicação sobre a cooperação

426    A recorrente alega que devia ter beneficiado, em aplicação do ponto D da Comunicação sobre a cooperação, de uma redução de 50% da coima que lhe foi aplicada. O fundamento articula‑se em duas partes. A recorrente sustenta, na primeira parte, que a Comissão procedeu a uma errada apreciação da sua cooperação, nos termos do n.° 2, ponto D, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação, subestimando a sua extensão na perspectiva da sua prática decisória e em violação do princípio da igualdade de tratamento. Na segunda parte, afirma não ter contestado, após recepção da comunicação de acusações, a materialidade dos factos em que a Comissão fundava as suas acusações e invoca a violação da Comunicação sobre a cooperação por a Comissão ter considerado que a recorrente não podia beneficiar de uma redução da coima ao abrigo do ponto D2, segundo travessão, dessa Comunicação.

a)     Quanto à primeira parte, relativa relativo à incorrecta apreciação, pela Comissão, da extensão da cooperação da recorrente, na perspectiva da sua prática decisória e com violação do princípio da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

427    Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a Comissão subestimou a extensão da sua cooperação antes do envio da comunicação de acusações. Sustenta que a própria Comissão reconheceu que a Alken‑Maes lhe forneceu informações que excederam a resposta ao pedido de informações que lhe foi apresentado. Além disso, a recorrente alega que, a fim de esclarecer a Comissão sobre o histórico e os mecanismos de cooperação entre a Alken‑Maes e a Interbrew, a sua filial forneceu‑lhe, a 7 de Março de 2000, um resumo dos factos da causa baseado nos arquivos que estavam então na posse da empresa, que incluía um resumo cronológico das reuniões e dos contactos ocorridos entre si e a Interbrew a partir de 1990 que remetia para todos os documentos pertinentes, inclusive documentos fornecidos por si. Também tinham sido fornecidas informações nas cartas de 10 e 27 de Dezembro de 1999, informações essas a que a Comissão não fez qualquer referência.

428    Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual esta já conhecia a maior parte das informações fornecidas, a recorrente alega não apenas que esse fundamento não figura na decisão impugnada, mas igualmente que reflecte uma aplicação errada do ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação. Esta disposição não pretendia limitar o benefício da clemência apenas às empresas que transmitiram à Comissão elementos que esta desconhecia, pretendendo igualmente conferir um tratamento favorável àquelas que, facilitando a investigação da Comissão, lhe permitiram proceder a uma melhor afectação dos seus recursos e, portanto, perseguir um maior número de infracções. Com efeito, o ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação declara que podem beneficiar de uma redução da coima as empresas que transmitam não apenas elementos desconhecidos da Comissão, mas igualmente elementos que «contribuam para confirmar a existência da infracção». Ora, no presente caso, os documentos e informações transmitidos pela Alken‑Maes foram de grande ajuda para a Comissão estabelecer ou confirmar a existência da infracção.

429    A recorrente considera que a redução que lhe foi concedida é manifestamente inferior às reduções que a Comissão habitualmente concede, como o atestar a análise de determinadas decisões tomadas pela Comissão a partir de Janeiro de 1998.

430    Assim, a Comissão concedeu reduções de coimas de 40 a 50% às empresas que, à semelhança da recorrente, foram as primeiras a reconhecer a existência da infracção, que transmitiram as declarações de antigos empregados e que passaram a sua documentação em revista. A Comissão concedeu reduções de 20 a 50% às empresas que lhe transmitiram elementos susceptíveis de lhe permitir confirmar a existência da infracção ou completar o conhecimento que dela tinha – chegando mesmo a conceder, na decisão Cartel dos tubos com revestimento térmico, uma redução de 20% a duas empresas pelo simples motivo de não terem contestado a materialidade dos factos – e mesmo uma redução de 50% a uma empresa que lhe explicou os documentos que já estavam na sua posse a fim de lhe permitir ter uma imagem mais clara dos factos em causa.

431    Ora, a Alken‑Maes não só foi a primeira a reconhecer formalmente a existência de uma infracção na sua nota de 27 de Dezembro de 1999, como procedeu a um exame minucioso dos seus arquivos, o que lhe permitiu apresentar alguns documentos novos. Por outro lado, enquanto a Comissão contesta sem razão que a recorrente tenha trazido elementos novos, nunca contestou, em contrapartida, que os elementos fornecidos na carta de 10 de Dezembro de 1999 e, em particular, na carta de 7 de Março de 2000, que consistia num resumo cronológico e completo dos factos, em que a decisão impugnada se teria inspirado, confirmaram detalhadamente os factos em causa.

432    Em segundo lugar, a recorrente alega que, ao conceder‑lhe uma redução da coima menor do que a da Interbrew, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

433    Observa que, imediatamente após terem tido lugar as inspecções de 26 e 27 de Outubro de 1999, com o objectivo de ajudar a Comissão na sua tarefa, a sua filial Alken‑Maes procedeu a um inquérito interno, interrogou cada um dos membros do seu comité de direcção a respeito de eventuais contactos com a Interbrew e começou a examinar dos seus arquivos. Ora, embora esse trabalho se tenha tornado particularmente difícil devido à substituição integral, pouco antes do início do inquérito, da sua equipa dirigente, a resposta de 10 de Dezembro de 1999 ocorreu no prazo fixado pela Comissão e a Alken‑Maes transmitiu à Comissão as declarações de todos os responsáveis e antigos colaboradores visados no referido pedido.

434    Assim, na carta que acompanhou a sua resposta de 10 de Dezembro de 1999 ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999, que expressamente referia o exame dos seus arquivos, a Alken‑Maes confirmou circunstanciadamente os factos sobre os quais incidia o pedido, anexando quadros e notas relativas às reuniões a que se reportava o referido pedido. A resposta da Interbrew ao mesmo pedido, treze dias mais tarde, em 23 de Dezembro de 1999, também confirmou elementos já conhecidos da Comissão.

435    Em contrapartida, a Interbrew, cuja equipa dirigente estava em funções à época dos factos em causa, só forneceu a sua resposta à Comissão em 23 de Dezembro de 1999, depois de esta última se ter recusado a conceder‑lhe um prazo suplementar que terminaria em 10 de Janeiro de 2000. A resposta da Interbrew não incluiu, então, nenhuma declaração dos responsáveis a que o pedido da Comissão se referia, só tendo a Interbrew transmitido as declarações de sete das dezasseis pessoas visadas nesse pedido por carta de 14 de Janeiro de 2000.

436    Por outro lado, a Alken‑Maes foi a primeira a fornecer, logo em 27 de Dezembro de 1999, uma nota contendo uma declaração oficial do seu antigo administrador delegado que reconhecia formalmente a existência e o teor da infracção objecto do inquérito da Comissão e, mais particularmente: a) o facto de o acordo ter tido a sua origem na comissão «Visão 2000» instituída pela CBB; b) o facto de ter sido celebrado um acordo no fim de 1994 entre a Alken‑Maes e a Interbrew, que abrangia o conjunto dos circuitos de distribuição na Bélgica; c) o facto de esse acordo incluir um pacto de não agressão, a limitação dos investimentos comerciais horeca e em publicidade e uma concertação sobre os preços e, d) o facto de a boa aplicação do acordo repousar numa concertação regular entre os dirigentes da Alken‑Maes e da Interbrew. Ora, embora a Comissão já tivesse conhecimento do ponto d), os documentos obtidos por ocasião das verificações e dos pedidos de informações ainda não lhe tinham permitido demonstrar de forma bastante os pontos a) a c).

437    A este propósito, a recorrente observa que embora em Janeiro e Fevereiro de 2000 a Interbrew também tivesse apresentado declarações e documentos complementares, esta empresa não estava em condições, apesar da pretensa qualidade da sua cooperação, de fornecer uma declaração que sustentasse a tese da ameaça formulada pela recorrente, apesar da participação do seu CEO na reunião de 11 de Maio de 1994.

438    Além disso, em 7 de Março de 2000, a recorrente forneceu uma declaração que completava as informações dadas em 10 de Dezembro de 1999, que incidiam especificamente, de acordo com a reunião com a Comissão de 14 de Janeiro de 2000, sobre as circunstâncias em que os documentos transmitidos pela Alken‑Maes em resposta ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999 tinham sido elaborados, bem como sobre o projecto «Visão 2000» da CBB. Novos documentos, que haviam entretanto sido encontrados entre a documentação do antigo responsável de marketing da sociedade, foram igualmente apresentados.

439    Destes factos resultava, por um lado, que a cooperação da recorrente e da Alken‑Maes, ainda que rápida e completa, mereceu muito pouco crédito por parte da Comissão em relação ao tratamento concedido à Interbrew e, por outro, que a Comissão não teve de modo algum em conta o facto de a recorrente e a sua filial, apesar dos seus esforços, terem sido penalizadas pelo facto de, quando do inquérito, estar em funções uma equipa dirigente nova, enquanto a Interbrew beneficiou da manutenção em funções dos responsáveis pelas práticas anticoncorrenciais em causa. Esta atitude caracteriza uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

440    Em terceiro e último lugar, enquanto, na decisão impugnada, a Comissão justificou as diferenças de redução do montante das coimas a título da cooperação com a pretensa contestação dos factos pela recorrente após recepção da comunicação de acusações e não com a existência de uma diferença qualitativa da cooperação das partes antes do envio da comunicação de acusações, na sua contestação invocou essa diferença, tentando assim suprir a carência de fundamentação da decisão impugnada. Tratava‑se de um reconhecimento tácito da desigualdade de tratamento de que a recorrente foi vítima.

441    A Comissão não podia, sem cair em contradição, afirmar na contestação que a Interbrew lhe transmitira informações decisivas antes da recorrente, indicando, em particular, as cartas da Interbrew de 14 e 19 de Janeiro, 2, 8 e 28 de Fevereiro de 2000, quando essas cartas são posteriores à carta de 27 de Dezembro de 1999 da Alken‑Maes em que se inclui uma declaração do seu antigo administrador delegado que refere formalmente os pontos essenciais da infracção.

442    Por outro lado, a Comissão afirma erradamente que uma parte das informações fornecidas se referiam a um período anterior a 28 de Janeiro de 1993, não coberto pela infracção, enquanto os documentos fornecidos nos anexos 3 a 23 e 26 a 29 da sua carta de 10 de Dezembro de 1999 são relativos a um período posterior a 28 de Janeiro de 1993.

443    De qualquer modo, a Comissão cometeu um erro ao considerar que os elementos relativos ao período anterior a 28 de Janeiro de 1993 não podiam beneficiar da Comunicação sobre a cooperação, quando o pedido de informações de 11 de Novembro de 1999 se reportava ao período de Setembro de 1992 a Dezembro de 1999. Ao proceder deste modo, a Comissão confundia o período em relação ao qual verificou uma infracção com o período coberto pelo seu inquérito. Ora, é este último período que, segundo a recorrente, devia ter sido considerado pertinente a título de cooperação. Neste caso, a recorrente forneceu informações relativas ao período compreendido entre Setembro de 1992 a Janeiro de 1993, que permitiram esclarecer o papel capital da Interbrew e a influência da regulamentação dos preços.

444    A Comissão argumenta que a dimensão da cooperação da recorrente não foi subestimada e contesta que a redução que lhe foi concedida seja manifestamente inferior às que habitualmente concede. O grau de cooperação da recorrente não podia ser comparado aos analisados nos processos invocados pela recorrente em apoio dos seus argumentos. Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento, a Comissão argumenta que a cooperação da Interbrew foi quantitativa e qualitativamente mais importante do que a da recorrente, como o comprova a análise comparativa dos documentos que cada uma das partes forneceu e que foram evocados em apoio da decisão impugnada. Assim, a diferenciação nas percentagens de redução concedidas a título da cooperação justifica‑se perfeitamente e está longe de se explicar apenas pela conclusão da Comissão segundo a qual a recorrente tinha contestado os factos.

 Apreciação do Tribunal

445    A título liminar, recorde‑se que a Comissão, na sua Comunicação sobre a cooperação, definiu as condições em que as empresas que consigo cooperam durante o seu inquérito sobre um acordo, decisão ou prática concertada poderão beneficiar da não aplicação ou da redução da coima que, de outro modo, deveriam pagar (ponto A3 da Comunicação sobre a cooperação).

446    No que respeita à aplicação da Comunicação sobre a cooperação ao caso da recorrente, não se contesta que o seu comportamento deve ser apreciado ao abrigo do ponto D da referida Comunicação, intitulado «Redução significativa da coima».

447    Nos termos do ponto D1 desta Comunicação, «[a] partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação».

448    O ponto D2 da Comunicação sobre a cooperação precisa:

«Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–      uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–      uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

449    Há que recordar que, segundo a jurisprudência, uma redução da coima ao abrigo de uma cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão declarar a infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr‑lhe termo (acórdãos SCA Holding/Comissão, n.° 158 supra, n.° 156, e Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, n.° 278 supra, n.° 270).

450    Importa, além disso, recordar que, por força do artigo 11.°, n.° 1 do Regulamento n.° 17, a Comissão pode nomeadamente, no cumprimento dos deveres que lhe são impostos pelo artigo 85.° CE e pelas disposições adoptadas em aplicação do artigo 83.° CE, obter todas as informações necessárias junto das empresas e associações de empresas, que são obrigadas, por força do n.° 4 do mesmo artigo, a fornecer as informações pedidas. Se uma empresa ou associação de empresas não prestar as informações pedidas no prazo fixado pela Comissão ou se as fornecer de modo incompleto, a Comissão pode, em conformidade com o artigo 11.°, n.° 5 do Regulamento n.° 17, exigi‑las através de decisão, expondo‑se assim a empresa ou associação de empresas, em caso de recusa persistente em fornecer as informações em causa, a uma coima ou a uma medida compulsória.

451    A este respeito, segundo a jurisprudência, a colaboração de uma empresa no inquérito não confere direito a qualquer redução da coima quando essa colaboração não ultrapassou o que resultava das obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 (acórdão de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, n.° 135 supra, n.os 341 e 342). Em contrapartida, quando uma empresa fornece, em resposta a um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, informações que vão muito além daquelas cuja produção pode ser exigida pela Comissão nos termos do referido artigo, essa empresa pode beneficiar de uma redução da coima (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 262).

452    Também se deve salientar que o facto de uma empresa pôr à disposição da Comissão, no quadro do seu inquérito sobre um acordo, decisão ou prática concertada, informações relativas a actos pelos quais, de qualquer modo, nunca teria que pagar uma coima nos termos do Regulamento n.° 17, não constitui uma cooperação abrangida pelo âmbito de aplicação da Comunicação sobre a cooperação, nem, por maioria de razão, pelo seu ponto D.

453    Importa, além disso, salientar que, segundo a jurisprudência, a Comissão não pode, no âmbito da apreciação da cooperação prestada pelas empresas, desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento, princípio geral do direito comunitário, que, segundo jurisprudência constante, é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, n.° 278 supra, n.° 237).

454    Está demonstrado, a este propósito, que a apreciação do grau da cooperação prestada por empresas não pode depender de factores puramente casuais. Uma diferença de tratamento das empresas em causa deve, pois, resultar de graus de cooperação não comparáveis, nomeadamente na medida em que consistiram no fornecimento de informações diferentes ou no fornecimento dessas informações em fases diferentes do procedimento administrativo, ou em circunstâncias não análogas (v., neste sentido, acórdão Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, n.° 278 supra, n.os 245 e 246).

455    Além disso, há que considerar que, quando uma empresa, a título da cooperação, se limita a confirmar, de modo menos preciso e explícito, algumas das informações já fornecidas por outra empresa a título da cooperação, o grau da cooperação desta empresa, ainda que possa não ser destituído de uma certa utilidade para a Comissão, não pode ser considerado comparável ao da primeira empresa quando forneceu as referidas informações. Uma declaração que se limita a confirmar, em certa medida, uma declaração de que a Comissão já dispunha não facilita, com efeito, significativamente a tarefa da Comissão e, portanto, não é suficiente para justificar uma redução do montante da coima a título da cooperação.

456    É à luz destes princípios que se deve examinar, no caso concreto, se a redução do montante da coima, concedida pela Comissão à recorrente ao abrigo do ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação, resulta de uma errada apreciação da extensão da cooperação da recorrente, designadamente na perspectiva da sua prática decisória, e viola o princípio da igualdade de tratamento.

457    Em primeiro lugar, importa salientar, por um lado, que, na Comunicação sobre a cooperação, a Comissão indicou que, quando uma empresa coopera nos termos do ponto D da referida Comunicação, beneficia de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe sido aplicada caso não existisse cooperação e, por outro, que a recorrente não contesta que a extensão da sua cooperação devia ser avaliada no quadro do ponto D da Comunicação sobre a cooperação. Ora, a Comissão indicou, quanto à recorrente, que, nos termos do ponto D2, primeiro travessão, da referida comunicação, era adequada uma redução de 10% da coima, pois a filial da recorrente fornecera informações sobre a existência e sobre o conteúdo da infracção que iam para além da simples resposta a um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Há pois que concluir que, ao conceder à recorrente uma redução de 10% da coima com base no ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação, a Comissão não se afastou da moldura das reduções de coimas aplicável a título de cooperação prestada pela recorrente.

458    Em segundo lugar, quanto ao argumento relativo à prática decisória anterior da Comissão, basta recordar que o simples facto de esta ter considerado, na sua prática decisória anterior, uma certa taxa de redução para um comportamento determinado não implica que seja obrigada a conceder a mesma redução proporcional quando da apreciação de um comportamento semelhante no quadro de um procedimento administrativo posterior (acórdãos Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 57 supra, n.° 368, e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, n.° 50 supra, n.° 239). Este argumento deve, portanto, ser julgado improcedente.

459    Em terceiro lugar, importa examinar se a redução do montante da coima que a Comissão concedeu à recorrente ao abrigo do ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação viola o princípio da igualdade de tratamento.

460    A este propósito, há que observar que resulta de uma leitura conjugada dos considerandos 324 e 325 da decisão impugnada que a Comissão concedeu uma redução de 30% da coima à Interbrew com fundamento em dois elementos cumulativos, a saber, por um lado, o facto de a sua cooperação no apuramento dos factos ter excedido as suas obrigações resultantes do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação) e, por outro, o facto de não ter contestado a materialidade dos factos constitutivos da infracção verificada (ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação).

461    Em contrapartida, a leitura conjugada dos considerandos 326 e 327 permite concluir que a Comissão só concedeu à recorrente uma redução de 10% porque a sua cooperação no apuramento dos factos excedeu as suas obrigações resultantes do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação). Com efeito, a Comissão considerou que a recorrente contestou a materialidade dos factos em que fundou as suas acusações e que, portanto, não podia beneficiar de qualquer redução ao abrigo do ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação.

462    Conclui‑se que a diferença entre a redução da coima concedida respectivamente à Interbrew e à recorrente, com fundamento no ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação, é menor do que sugerem as percentagens finais respectivas de 30 e 10% de redução da coima concedidas, uma vez que os 30% de redução aplicados à Interbrew incluem a redução que lhe foi concedida com fundamento no ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação.

463    Quanto às reduções concedidas respectivamente à recorrente e à Interbrew com fundamento na sua cooperação ao abrigo do ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação, importa salientar que a Comissão implicitamente referiu, na decisão impugnada, uma diferença qualitativa entre a cooperação da Interbrew e a da recorrente. Com efeito, embora a Comissão reconhecesse que cada uma das duas empresas forneceu, em resposta ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999, informações que excediam uma simples resposta a esse pedido, salientou, todavia, que a Interbrew «[contribuiu] grandemente para estabelecer os dados de facto» e que a recorrente apenas «forneceu, sobre a existência e o conteúdo da infracção informações que foram além da resposta ao pedido de informações, a título do artigo 11.° do Regulamento n.° 17».

464    A fim de determinar se existe uma diferença significativa entre os graus da cooperação que, respectivamente, a Interbrew e a recorrente prestaram, há que comparar a dimensão da sua cooperação tanto do ponto de vista cronológico como qualitativo.

465    No que respeita, antes do mais, à análise comparativa da cooperação das empresas em causa de um ponto de vista cronológico, há que salientar, por um lado, quanto à recorrente e à sua filial Alken‑Maes, primeiro, que esta última respondeu ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999 por carta de 10 de Dezembro de 1999. Em seguida, que a Alken‑Maes enviou à Comissão, em 27 de Dezembro de 1999, uma declaração na qual invocava a Comunicação sobre a cooperação, que completou e clarificou em 7 de Março de 2000. Além disso, que a Alken‑Maes respondeu, em 5 de Abril de 2000, a um novo pedido de informações da Comissão ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 datado de 22 de Março de 2000. Por último, que a recorrente respondeu, em 10 de Maio de 2000, a um novo pedido de informações que lhe tinha sido enviado em 14 de Abril de 2000.

466    Por outro lado, quanto à cooperação da Interbrew, cabe salientar, primeiro, que esta respondeu ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999 em 23 de Dezembro de 1999. Em seguida, que, por cartas datadas de 14 e 19 de Janeiro de 2000, a Interbrew forneceu informações destinadas a completar as constantes da sua carta de 23 de Dezembro de 1999. Que, na sequência destas informações, a Comissão enviou por fax à Interbrew, em 21 de Janeiro de 2000, um pedido de informações complementar e informal. Que a Interbrew respondeu por carta datada de 2 de Fevereiro de 2000 e enviou informações suplementares em 8 e 28 de Fevereiro de 2000. Que, além disso, em 29 de Fevereiro de 2000, a Interbrew enviou à Comissão uma declaração relativa ao mercado belga, fazendo referência à Comunicação sobre a cooperação. Finalmente, que a Interbrew comunicou ainda à Comissão, em 21 de Dezembro de 2000, isto é, após o início do procedimento e o envio da comunicação de acusações adoptada em 20 de Setembro de 2000, dois documentos relativos a duas reuniões tidas com a Alken‑Maes no quadro dos acordos bilaterais existentes entre elas.

467    Resulta do que precede que o argumento da Comissão, segundo o qual as informações transmitidas pela recorrente foram de menor valor do que as transmitidas pela Interbrew porque só foram comunicadas mais tarde, não pode ser acolhido. Com efeito, todas as informações transmitidas pelas partes foram‑no num intervalo de tempo bastante breve, numa fase sensivelmente idêntica do procedimento administrativo. Nenhuma consideração de ordem cronológica pode, por isso, ser considerada determinante para efeitos de apreciação comparativa do valor da cooperação da recorrente e da Interbrew.

468    No que respeita, em segundo lugar, à análise comparativa da cooperação das partes do ponto de vista qualitativo, há que observar, por um lado, no que respeita à recorrente e à sua filial Alken‑Maes, que, na sua resposta de 10 de Dezembro de 1999 ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999, a Alken‑Maes não invocou explicitamente o benefício da Comunicação sobre a cooperação. Todavia, aí, a Alken‑Maes refere que «a resposta se funda nos esforços da [s]ociedade para cooperar plenamente com a Comissão com base nos documentos conservados até esta data e nas informações disponíveis junto do pessoal envolvido, ainda presente na [s]ociedade». Indica igualmente que, «além disso, a Alken‑Maes tentou contactar os antigos empregados da [s]ociedade, tendo junto as respostas obtidas », e que, «[a]pesar destes esforços importantes, a Alken‑Maes não pode garantir que a sua resposta seja exaustiva e reserva‑se o direito de a completar ou emendar». A referência aos esforços desenvolvidos para coligir informações junto de antigos empregados da sociedade tende a dar crédito à ideia de que a cooperação da Alken‑Maes excedeu as obrigações que lhe eram impostas pelo artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Todavia, importa reconhecer que não se pode considerar que as informações e os documentos fornecidos pela Alken‑Maes ultrapassam o campo das referidas obrigações. Com efeito, os elementos fornecidos de modo algum constituem, com eventual excepção dos relativos à troca de informações ocorrida entre a Alken‑Maes e a Interbrew, uma exposição de comportamentos com um objectivo manifestamente anticoncorrencial, exposição cuja transmissão à Comissão teia natureza incriminatória, obstando a que a referida transmissão se inscreva no âmbito das obrigações do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

469    Na sua carta de 27 de Dezembro de 1999, a Alken‑Maes insere pela primeira vez explicitamente a sua cooperação no âmbito da Comunicação sobre a cooperação. Nessa carta também reconhece a existência de práticas ilícitas, uma vez que o administrador delegado da Alken‑Maes escreve que esta não contesta a materialidade dos factos, como descritos pela Comissão no seu pedido de informações de 11 de Novembro de 1999, e que, em particular, existiu uma prática concertada entre a Interbrew e a Alken‑Maes em virtude da qual, por um lado, eram mensalmente trocadas informações sobre as vendas respectivas de cerveja na Bélgica e, por outro, tiveram lugar inúmeras reuniões entre colaboradores da Alken‑Maes e da Interbrew, durante as quais a distribuição e a venda de cerveja na Bélgica foram objecto de concertação. Finalmente, em anexo a esta carta, a Alken‑Maes juntou uma nota na qual indica parecer que, no final de 1994, «foi celebrado um acordo entre as duas sociedades que cobria o conjunto dos circuitos de distribuição na Bélgica, embora com um detalhe especifico relativo ao circuito horeca». Este acordo «incluía, nomeadamente, […] um pacto de não agressão, de limitação dos investimentos comerciais no domínio do sector horeca e da publicidade exterior, e uma concertação tarifária» e «[a] boa aplicação do acordo foi objecto de um procedimento de consulta regular directa entre os dirigentes das duas sociedades».

470    Na declaração de 7 de Março de 2000, deve salientar‑se que a Alken‑Maes reconheceu a existência de factos que podem ser analisados como práticas anticoncorrenciais e que, a esse título, contribuíram para a confirmação da existência da infracção, como a própria Comissão reconhece. Todavia, cabe reconhecer que a declaração se apoia essencialmente em documentos ou informações já na posse da Comissão. Assim, embora o documento junto pela Alken‑Maes, como anexo 42 à declaração de 7 de Março de 2000, se tenha revelado muito útil para a Comissão, uma vez que foi, nomeadamente, com base nele que pôde apurar que o acordo, contrariamente ao que sustenta a recorrente, se manteve para além de Julho de 1996, há que salientar que o referido documento já tinha sido fornecido à Comissão como anexo 37 à resposta da Alken‑Maes de 10 de Dezembro de 1999 ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999, o que reduz o valor contributivo, a título da cooperação, da transmissão deste documento pela Alken‑Maes, uma vez que a referida transmissão fazia parte das obrigações desta empresa nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (v. n.° 451 supra).

471    Também há que reconhecer que uma parte importante das informações transmitidas pela Alken‑Maes na sua declaração de 7 de Março de 2000 diz respeito a um período anterior ao da infracção. Assim, não se podia considerar que estas informações, contrariamente ao que pretende a recorrente, permitiram à Comissão apurar a infracção a que se refere a decisão impugnada com menos dificuldade. A este propósito, o facto de uma empresa pôr à disposição da Comissão, no quadro do seu inquérito, informações relativas a actos pelos quais não tem de pagar uma coima nos termos do Regulamento n.° 17, não pode constituir uma cooperação a que possa ser aplicada a Comunicação sobre a cooperação (v., neste sentido, a jurisprudência aí indicada no n.° 451, supra).

472    Quanto às respostas de 5 de Abril e de 10 de Maio de 2000 aos pedidos de informações datados, respectivamente, de 22 de Março e 14 de Abril de 2000, importa reconhecer, quanto à primeira resposta, que incidiu visivelmente sobre o acordo relativo à cerveja vendida com marca do distribuidor e, quanto à segunda resposta, que embora seja referida seis vezes na decisão impugnada, não é possível identificar, por as partes no litígio não terem tomado posição a este respeito, uma contribuição que exceda as obrigações resultantes do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

473    Por outro lado, no que respeita à cooperação da Interbrew, há que reconhecer que, embora a sua resposta de 23 de Dezembro de 1999 ao pedido de informações de 11 de Novembro de 1999 se inscreva parcialmente no quadro das obrigações da empresa nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, ultrapassa‑o, contudo, significativamente e contribui claramente para confirmar a materialidade dos factos que consubstanciam uma infracção ao artigo 81.° CE. Efectivamente, aí, a Interbrew descreveu e explicou o acordo de uma forma que excede amplamente a obrigação que lhe incumbia por força do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

474    Quanto às cartas da Interbrew de 14 e 19 de Janeiro de 2000, às cartas enviadas em 2, 8 e 28 de Fevereiro de 2000, em resposta ao pedido de informações informal de 21 de Janeiro de 2000, à declaração de 29 de Fevereiro de 2000 e, finalmente, aos dois últimos documentos enviados em 21 de Dezembro de 2000, importa salientar que essas cartas e os respectivos anexos fornecem informações detalhadas sobre os contactos ocorridos entre a Interbrew, a Alken‑Maes e a recorrente, que se inscrevem claramente no quadro da Comunicação sobre a cooperação.

475    Resulta do que precede que, de um ponto de vista qualitativo, a Interbrew contribuiu de maneira mais decisiva para o estabelecimento e confirmação da existência da infracção cometida.

476    Tendo em vista o que precede, há que concluir que a diferença que caracteriza as percentagens de redução da coima concedidas pela Comissão ao abrigo do ponto D2, primeiro travessão, da Comunicação sobre a cooperação não constitui uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

477    A primeira parte do fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter errado ao concluir que a recorrente tinha contestado a materialidade dos factos em que a Comissão fundava as suas acusações

 Argumentos das partes

478    A recorrente argumenta que a Comissão interpretou de forma manifestamente errada o objecto e o teor da resposta à comunicação de acusações, considerando que punha em dúvida a existência da infracção como descrita na comunicação de acusações. Ora, na sua resposta à referida comunicação, só tinha salientado elementos que considerava necessários a uma apreciação correcta dos factos, pela Comissão, e tinha‑se limitado a contestar não a materialidade dos factos, mas o alcance ou a qualificação que a Comissão lhes atribuiu. A recorrente indicou que, sem contestar a materialidade dos factos apurados pela Comissão, desejava clarificar certos pontos e pôr em perspectiva os factos controvertidos, a fim de mostrar que não tinham o alcance que a Comissão lhes atribuía. A este propósito, a recorrente considera que é contrário aos mais elementares direitos de defesa que a Comissão possa exigir que as empresas que solicitam o benefício da Comunicação sobre a cooperação renunciem a contestar não apenas os factos mas também a sua qualificação, o montante da coima ou ainda o raciocínio jurídico utilizado pela Comissão. A própria Comissão reconheceu a justeza desta distinção na sua decisão Cartel dos tubos com revestimento térmico, na qual não penalizou uma empresa que, embora não negando a materialidade dos factos, tinha contestado o alcance que a Comissão lhes atribuía, isto é, serem constitutivos de uma infracção. Como a recorrente se limitou a fornecer uma qualificação diferente dos factos, a conclusão da Comissão segundo a qual a sua cooperação não foi permanente e total é, portanto, errada (acórdão Tate & Lyle e o./Comissão, n.° 147 supra, n.° 162).

479    Assim, antes de mais, na sua petição, a recorrente pôs em evidência os cinco pontos que salientou na sua resposta à comunicação de acusações, sem que isso deva ser interpretado como uma forma de colocar em dúvida a existência da infracção como descrita pela Comissão na referida comunicação.

480    Em primeiro lugar, a recorrente sublinhou o facto de a Comissão não ter tomado em consideração os abusos de posição dominante da Interbrew na Bélgica, embora existisse um nexo entre estes abusos e a cooperação que se desenvolveu entre a recorrente e a Interbrew e a sua tomada em consideração pudesse clarificar o contexto da infracção e as relações de força que existiam entre as partes em presença.

481    Em segundo lugar, recordou a especificidade do quadro regulamentar belga então em vigor, o que, longe de pôr em causa a realidade da infracção, permitiria uma mais correcta apreciação da gravidade dos factos e da existência de circunstâncias atenuantes.

482    Em terceiro lugar, invocou o papel de instigador desempenhado pela Interbrew, que tinha tomado a iniciativa de diferentes encontros e acordos com a Alken‑Maes.

483    Em quarto lugar, refutou o alcance atribuído às declarações que fez em relação à Interbrew, que não tinham carácter coactivo para com esta.

484    Em quinto lugar, a recorrente especificou o alcance e a qualificação que, em seu entender, se devia atribuir aos factos em causa, que, embora consubstanciassem uma infracção ao artigo 81.° CE, não deviam ser qualificados de acordo bilateral sobre os preços e a partilha do mercado, mas apenas de pacto de não agressão e de limitação dos investimentos e da publicidade.

485    Em seguida, na sua réplica, a recorrente responde ponto por ponto à argumentação que a Comissão desenvolveu na contestação, quanto aos elementos de facto que esta considera que aquela contestou durante o procedimento administrativo. Entre esses elementos, dois ainda eram, segundo a Comissão, contestados perante o Tribunal, enquanto os outros cinco não parecem já não o ser. Tendo em vista cada um destes pontos, a recorrente reafirma não ter contestado a materialidade dos factos em causa, mas apenas o alcance ou a qualificação que a Comissão lhes atribuiu.

486    Em primeiro lugar, no que respeita aos dois elementos de facto contestados no o Tribunal, a saber, a ameaça formulada contra a Interbrew e a duração da infracção, a recorrente afirma, quanto à primeira, que, embora não conteste que, no quadro das discussões que as partes no acordo mantiveram no que respeita às respectivas políticas em França e na sequência dos abusos da Interbrew ocorridos na Bélgica, a interpelou de uma forma legal e comercialmente legitima, em contrapartida continua a contestar que essas declarações, embora façam referência a 500 000 hectolitros, possam ser considerados uma coacção no sentido em que a Comissão a entende, tendo especialmente em atenção o facto de a referida advertência não ter efeito coercivo.

487    Quanto à duração da infracção, a recorrente confirma persistir em contestar que o acordo continuou para além de Julho de 1996. Todavia, não se trata da refutação vigorosa de alguns factos estabelecidos, como injustificadamente sustenta a Comissão, mas da constatação do alcance que esta atribuiu aos contactos que as partes mantiveram depois de Julho de 1996, que é incompatível com o contexto e os efeitos dos referidos contactos, que não mais tiveram, a partir dessa data, objectivos anticoncorrenciais. Como a Interbrew distribuiu aos clientes a sua tabela de preços no decurso de 1996 e a aplicou a partir de 1 de Janeiro de 1997, esse tipo de discussão já não se justificava.

488    Em segundo lugar, quanto aos outros cinco elementos de facto que a Comissão considera terem sido contestados na resposta à comunicação de acusações e não o terem sido na petição, a recorrente formula as observações seguintes.

489    Antes do mais, quanto à sua pretensa contestação do facto de o acordo incidir igualmente sobre a repartição da clientela e, em particular, sobre os níveis de preços, a recorrente afirma reconhecer a existência dos factos e não contestar que constituem uma infracção ao artigo 81.° CE, mas sublinha que não podem ser qualificados de acordo bilateral sobre os preços, o que tem influência não sobre a existência da infracção, mas sobre a sua gravidade. Em particular, embora não conteste ter havido discussões sobre os preços na reunião de 9 de Novembro de 1994, persiste em afirmar que, ao considerá‑las constitutivas de um acordo real sobre os preços, a Comissão procedeu a uma qualificação extremamente severa dos factos. A recorrente pretendeu sobretudo contestar o alcance que a Comissão atribuiu à fórmula manuscrita «J=SA=A‑M=275,‑».

490    Em segundo lugar, quanto ao início do acordo, a recorrente admite ser exacto que, na sua resposta à comunicação de acusações, sustentou que o acordo só tinha começado em Outubro de 1994. Todavia, a Comissão não assinalou que esta resposta também abrangia as discussões entre as partes desde o fim de 1992. Ora, sem negar a existência de contactos e de trocas de informações com os seus concorrentes sobre a sua estrutura tarifária desde finais de 1992, a recorrente sustenta que estes voltar a ser colocados no seu contexto e considerados pelo que realmente representam, nomeadamente no quadro do papel da CBB na regulamentação dos aumentos de preços.

491    Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o objecto da reunião de 11 de Maio de 1994 não era apenas a apresentação do novo director da divisão «cerveja» da recorrente, esta salienta ter efectivamente indicado que a reunião tinha essencialmente por fim a referida apresentação, mas também que o objecto dessa reunião, mais amplo, se inscrevia no quadro da proposta da Interbrew para celebrar um pacto de não agressão que incluía a França.

492    Em quarto lugar, no que respeita às discussões de 6 de Julho de 1994, a recorrente sustenta que, contrariamente ao que alega a Comissão, não contestou que essas discussões diziam respeito à cooperação entre a Interbrew e a Alken‑Maes. Tinha afirmado que as discussões incidiram principalmente sobre a situação comercial da Interbrew em França, embora tivesse imediatamente especificado que a Interbrew propusera, no quadro dessas discussões, um acordo de não agressão que abrangia a França e a Bélgica.

493    Em quinto lugar, quanto à questão da influência da Interbrew no interior da CBB, a recorrente não contestou o facto apurado pela Comissão de que a Interbrew não determinava a política da CBB. Além disso, mesmo que o tivesse contestado, tratar‑se‑ia da contestação de uma interpretação que a Comissão fez da influência exercida pela Interbrew e não da contestação de um facto assente.

494    Por último, quanto à alegação da Comissão segundo a qual a recorrente declarou abster‑se de contestar unicamente os factos constantes da comunicação de acusações que ela própria tinha reconhecido, a recorrente argumenta que a Comissão interpretou erradamente o próprio teor das suas declarações, deformando‑as.

495    Assim, a Comissão tinha deformado as declarações da recorrente, apondo o advérbio «unicamente» à sua declaração, ou seja, ao escrever que a recorrente «não contestava os elementos de facto contidos [na comunicação de acusações] unicamente na medida em que estes elementos assentavam parcialmente em informações fornecidas pela Alken‑Maes à Comissão». Com efeito, a recorrente tinha escrito que não contestava «a existência dos factos ocorridos no período em causa na medida em que estes se baseavam parcialmente em informações fornecidas pelos representantes da Alken‑Maes à Comissão».

496    Além disso, a Comissão está equivocada quanto ao significado da expressão «na medida em que». A utilização desta fórmula não tinha resultado da vontade de limitar – ainda que parcialmente – o alcance do reconhecimento da materialidade dos factos, mas, pelo contrário, da vontade de sublinhar que fora particularmente incorrecto por parte da recorrente contestar a realidade dos factos apurados pela Comissão uma vez que esse apuramento se tinha realizado, em parte, com base em elementos que lhe fornecera. Este errado entendimento conduziu a Comissão a concluir, erradamente, que a recorrente punha em dúvida a existência da infracção.

497    A recorrente sustenta, na réplica, que a Comissão persiste, na contestação, em manter uma interpretação inexacta, tendenciosa mesmo, dos termos da resposta da recorrente à comunicação de acusações, escrevendo que a recorrente «se limitou a aceitar os factos ‘na medida em que estes se fundam parcialmente em informações fornecidas pelos representantes da própria Alken‑Maes à Comissão’». Ao utilizar a expressão «se limitou a», a Comissão introduziu uma limitação num texto cujo original não a continha. Com efeito, embora a locução «na medida em que» possa ter um sentido restritivo quando acompanhada de uma negação ou de um verbo limitativo, deve no entanto atribuir‑se‑lhe um sentido explicativo quando utilizada independentemente de qualquer negação ou verbo limitativo.

498    Por outro lado, a recorrente argumenta que lhe era tanto mais prejudicial a imputação de uma pretensa contestação dos factos quanto resulta da prática decisória da Comissão que uma simples não‑contestação dos factos, sem apresentação de elementos novos, é susceptível de envolver uma redução de cerca de 20% da coima, como o ilustrariam as decisões Ferries gregos e Cartel dos tubos com revestimento térmico. No passado, a Comissão tinha mesmo concedido uma redução igual à obtida neste caso pela recorrente a uma empresa que não colaborou [considerando 98 da Decisão 98/247/CECA da Comissão, de 21 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° do Tratado CECA, IV/35.814 – Sobretaxa de liga metálica (JO L 100, p.55)].

499    A Comissão observa, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência, a redução da coima pela não‑contestação da materialidade dos factos implica uma aceitação expressa dos factos como figuram na comunicação de acusações. Ora, tanto da resposta da recorrente à comunicação de acusações como da petição inicial resulta que esta tentou refutar vigorosamente – e persiste ainda em fazê‑lo – o facto de ter sido proferida uma ameaça contra a Interbrew, bem como o facto de o acordo ter perdurado para além de Julho de 1996. Por outro lado, a recorrente contestou inicialmente, na sua resposta à comunicação de acusações, determinados factos essenciais que não persistiu em negar na sua petição inicial.

500    Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão analisa como contestação de factos o que, na realidade, é a contestação do alcance ou da qualificação jurídica que lhes atribui, a Comissão observa que a contestação visa, pelo contrário, a materialidade de vários factos.

501    De qualquer modo, é errado pretender que a não‑contestação dos factos justifica de um modo geral uma redução do montante da coima de 20%, sendo a redução habitualmente concedida a este título da ordem dos 10%. Quanto à alegação segundo a qual partes que não colaboraram com a Comissão obtiveram uma redução análoga à concedida à recorrente, é infundada.

502    Por último, a Comissão argumenta que, a não ser que se ignore a gramática, o pretenso reconhecimento dos factos pela recorrente foi apenas condicional. Com efeito, na resposta à comunicação de acusações, a recorrente limitou‑se a aceitar os factos «na medida em que estes se fundam parcialmente em informações fornecidas pelos representantes da própria Alken‑Maes à Comissão ».

 Apreciação do Tribunal

503    Resulta do ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação (v. n.° 448 supra), que, quando uma empresa coopera, nos termos do ponto D, beneficia de uma redução de 10 a 50% do montante da coima que lhe seria aplicada caso não cooperasse se, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.

504    Para beneficiar de uma redução do montante da coima a título de não‑contestação dos factos, de acordo com o ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação, uma empresa deve explicitamente informar a Comissão de que não pretende contestar a materialidade dos factos após ter tomado conhecimento da comunicação de acusações (acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 57 supra, n.° 309).

505    Não basta, todavia, que uma empresa afirme genericamente que não contesta os factos alegados, de acordo com a Comunicação sobre a cooperação, se, nas circunstâncias do caso, essa afirmação não tiver qualquer utilidade para a Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, ainda não publicado na colectânea, n.° 193). Com efeito, para que uma empresa possa beneficiar da redução de uma coima em virtude da sua cooperação durante o procedimento administrativo, o seu comportamento deve facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias da concorrência (v., neste sentido, acórdão Mayr‑Melhnof/Comissão, n.° 57 supra, n.° 309).

506    À luz destes princípios, há que determinar se, como pretende a recorrente, foi injustificadamente que a Comissão entendeu, no considerando 326 da decisão impugnada, que os termos da sua declaração de não‑contestação dos elementos de facto, bem como as dúvidas formuladas quanto à existência da infracção como descrita na comunicação de acusações não justificavam uma redução da coima ao abrigo do ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação.

507    A este propósito, há que reconhecer, quanto, em primeiro lugar, às declarações gerais da recorrente relativas à não‑contestação da materialidade dos factos, que, antes do envio da comunicação de acusações, na sua carta à Comissão de 27 de Dezembro de 1999, a Alken‑Maes indicou que: «não contesta[va] a materialidade dos factos como descritos pela Comissão no seu pedido de informações enviado em 11 de Novembro de 1999, e que, em particular, […], [tinha] existido um[a] prática concertada entre a Interbrew e a Alken‑Maes por força da qual [tinham] sido trocadas mensalmente informações sobre as vendas respectivas de cerveja na Bélgica; […] ti[nha] havido numerosas reuniões entre colaboradores da Alken‑Maes, principalmente o Sr. Vaxelaire, então administrador delegado, entre 1992 e 1998 com colaboradores da Interbrew, principalmente com T. e J. D., em que a distribuição e a venda de cerveja na Bélgica [tinham] sido objecto de um[a] concertação». Acrescentou que «[s]ob reserva das circunstâncias atenuantes apresentadas [aos] serviços [da Comissão], a Alken‑Maes reconhece e não contestará que esses factos são constitutivos de uma infracção ao artigo 81.° […] CE».

508    Também se deve reconhecer que, na sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente indicou que «[s]em contestar a existência dos contactos e práticas entre a Interbrew e a Alken‑Maes na medida em que estes se fundam parcialmente em informações fornecidas pelos representantes da própria Alken‑Maes à Comissão, deseja[va] clarificar certos pontos e pôr em perspectiva os factos controvertidos, a fim de mostrar que não tinham o alcance que a Comissão lhes atribuía ». Na página 1 da sua resposta à referida comunicação, a recorrente reformulou as suas declarações de uma maneira ligeiramente diferente, indicando que «[s]em contestar a existência dos factos ocorridos no período em causa na medida em que estes se fundam parcialmente em informações fornecidas pelos representantes da própria Alken‑Maes à Comissão, de acordo com instruções nesse sentido [da recorrente], deseja na presente resposta clarificar certos pontos e pôr em perspectiva os factos controvertidos, a fim de mostrar que não tinham o alcance que a Comissão lhes atribuía, ou mesmo, em certos casos, que as conclusões jurídicas da Comissão resultam de uma qualificação errada das circunstâncias controvertidas ».

509    Assim, cabe reconhecer, face à resposta da recorrente à comunicação de acusações, que embora esta sustente não contestar a existência de «contactos e práticas entre a Interbrew e a Alken‑Maes» ou de «factos ocorridos durante o período em causa», não afirmou expressamente e de maneira clara e precisa não contestar a materialidade dos factos em que a Comissão baseou as suas acusações. Pelo contrário, a afirmação da recorrente fazia‑se acompanhar de reservas no que respeita à sua intenção de «clarificar alguns pontos», de «pôr em perspectiva os factos controvertidos » a fim de mostrar que «não tinham o alcance que a Comissão lhes atribuía » ou que as conclusões jurídicas da Comissão «resultam de uma qualificação errada das circunstâncias controvertidas ».

510    Em segundo lugar, no que respeita às observações da recorrente relativas a factos específicos relatados pela Comissão na sua comunicação de acusações (v. n.os 486 a 493 supra), verifica‑se que a recorrente não se limitou a clarificar o alcance que lhes atribuía a Comissão, tendo contestado o conteúdo ou a existência de alguns deles.

511    Assim, no que respeita à duração da infracção, a Comissão indicou na comunicação de acusações dispor de elementos de prova sobre o acordo relativos ao período compreendido, pelo menos, entre 28 de Janeiro de 1993 e 28 de Janeiro de 1998 e que, portanto, este perdurara até 28 de Janeiro de 1998. Para o período posterior a Julho de 1996, a Comissão apoiou‑se, para efeitos desta conclusão, em três elementos de facto, a saber, primeiramente, a ocorrência de uma conversa telefónica, em 9 de Dezembro de 1996, entre a Alken‑Maes (L.B.) e a Interbrew (A.B.); em segundo lugar, que a reunião entre a Interbrew, a recorrente e a Alken‑Maes em Paris, em 17 de Abril de 1997, tinha um objectivo anticoncorrencial e, em terceiro lugar, que a reunião de 28 de Janeiro de 1998 entre a Interbrew e a Alken‑Maes incidiu sobre o acordo.

512    Ora, há que salientar que, na sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente indicou que «se admira[va] de a Comissão considerar [a data de 28 de Janeiro de 1998] como marcando o fim das práticas controvertidas pois todos os elementos do processo de inquérito demonstram que as discussões bilaterais cessaram a partir do segundo semestre de 1996». Em particular, a recorrente afirmou que «as discussões sobre as estruturas de preços pararam com a decisão da Interbrew, em Julho de 1996, de aplicar os seus novos preços a partir de 1 de Janeiro de 1997» e que «a inexistência de discussões depois de Julho de 1996» transparecia, por exemplo, da existência de uma nota de um consultor da Alken‑Maes comparando as novas condições gerais da Interbrew com o projecto da Alken‑Maes, a qual teria sido supérflua «se tivesse havido contactos entre as duas empresas a esse propósito», que «a reunião [de 17 de Abril de 1997] não se tinha realizado no quadro das discussões cobertas pela [comunicação de acusações]» e que a reunião de 28 de Janeiro de 1998 não tinha por objectivo «restabelecer as antigas práticas».

513    Atento o que precede, em particular as observações formuladas pela recorrente quanto à duração da infracção, há que considerar que as suas declarações, segundo as quais não contesta a materialidade dos factos, não podem justificar uma redução da coima ao abrigo do ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação.

514    Com efeito, antes de mais, tratando‑se neste caso de um acordo que tem um objectivo anticoncorrencial, importa salientar que o simples apuramento dos factos basta, em princípio, para estabelecer dois dos elementos essenciais de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, ou seja, a existência de um acordo e do objectivo anticoncorrencial deste. Assim, cabe reconhecer que a recorrente não podia, na sua resposta à comunicação de acusações, contestar o alcance dos factos controvertidos no mês de Julho de 1996, que a Comissão apurou de forma válida e que, por si mesmos, são constitutivos da infracção em causa, sem contestar a materialidade dos factos na acepção do ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação (v., por analogia, acórdão Corus UK/Comissão, n.° 505 supra, n.os 195 e 197).

515    Em segundo lugar, não se pode considerar que uma declaração de não‑contestação dos factos a que se acrescenta, como no presente caso, um conjunto de observações através das quais a recorrente alegadamente visa clarificar o alcance de determinados factos mas que, na realidade, se traduzem numa contestação desses factos facilite a tarefa da Comissão que consiste na verificação e repressão da infracção às regras da concorrência aqui em causa.

516    A este propósito, cabe reconhecer que, contrariamente ao que a afirma, não é o errado alcance que a Comissão atribui a certos factos, a saber, os contactos de 9 de Dezembro de 1996, 17 de Abril de 1997 e 28 de Janeiro de 1998, que a recorrente contesta, mas a própria natureza desses factos. Assim, na sua resposta à comunicação de acusações (v. n.° 512 supra), a recorrente não se contentou em negar o alcance do contacto que teve lugar em 9 de Dezembro de 1996 entre a Alken‑Maes e a Interbrew, tendo contestado o próprio facto de ter tido lugar um contacto entre os dois concorrentes nessa data. Do mesmo modo, a recorrente negou o próprio facto de a reunião de 17 de Abril de 1997 ter tido um objecto anticoncorrencial e não o alcance ou a apreciação jurídica que a Comissão atribuiu a esse facto. Por último, quanto ao encontro de 28 de Janeiro de 1998, a recorrente não se contentou em sustentar que o facto de o acordo ser considerado actual, como validamente demonstrou a Comissão, não tinha o alcance ou a qualificação jurídica que a Comissão lhe atribui, isto é, o de uma infracção, mas sim o próprio facto de o teor da discussão sobre o acordo conferir a este último um carácter actual.

517    Há, pois, que concluir, sem que seja necessário examinar os outros argumentos desenvolvidos pela recorrente, que foi correctamente que a Comissão considerou, no considerando 326 de decisão impugnada, que a recorrente tinha posto em dúvida a existência da infracção como descrita na comunicação de acusações e considerou que isso não justificava uma redução da coima na acepção do ponto D2, segundo travessão, da Comunicação sobre a cooperação.

518    Há, pois, que julgar improcedente a segunda parte e, portanto, o fundamento na sua integralidade

 Quanto ao método de cálculo e ao montante final da coima

519    Como resulta do n.° 313 supra, há que reduzir de 50 para 40% o agravamento do montante de base da coima fixado com base nas circunstâncias agravantes.

520    Quanto ao cálculo do montante final da coima resultante desta modificação, há que salientar que, ao proceder ao cálculo da coima aplicada à recorrente, a Comissão se afastou da metodologia indicada nas Orientações.

521    Com efeito, tendo em conta o teor das Orientações, as percentagens que correspondem aos aumentos ou às reduções, fixados a título de circunstâncias agravantes ou atenuantes, devem ser aplicadas ao montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infracção, e não ao resultado da aplicação de uma primeira majoração ou redução a título de circunstância agravante ou atenuante (v., neste sentido, acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 95 supra, n.° 229).

522    Ora, neste caso, importa reconhecer que, embora a Comissão tenha ajustado o montante da coima tendo em atenção, por um lado, duas circunstâncias agravantes e, por outro, uma circunstância atenuante, resulta do montante final da coima imposta que a Comissão aplicou um desses dois ajustamentos ao montante que resultava da aplicação de uma primeira majoração ou redução. Este método de cálculo tem por consequência modificar o montante final da coima por referência ao que resultaria da aplicação do método indicado nas Orientações.

523    A este propósito, embora o método de cálculo do montante das coimas contido nas Orientações não seja, de certo, o único possível, é susceptível de assegurar uma prática decisória coerente em matéria de imposição das coimas, a qual permite, por sua vez, garantir a igualdade de tratamento das empresas que são punidas por infracções às regras do direito da concorrência. No caso presente, o Tribunal verifica que a Comissão se afastou das Orientações, no que respeita ao método de cálculo do montante final das coimas, sem apresentar qualquer justificação.

524    Há pois que, no presente caso, aplicar, ao abrigo da competência de plena jurisdição reconhecida ao Tribunal por força do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, o aumento de 40%, fixado a título da circunstância agravante da reincidência, ao montante de base da coima imposta à recorrente.

525    O montante final da coima aplicada à recorrente é, assim, calculado da seguinte forma: ao montante de base da coima (36,25 milhões de euros) acrescem, em primeiro lugar, 40% sobre esse montante de base (14,5 milhões de euros) devendo, em seguida, ser deduzidos 10% ao referido montante (3,625 milhões de euros), o que conduz a um montante de 47,125 milhões de euros. Em seguida, este montante sofre uma redução de 10% a título da cooperação, o que conduz a um montante final da coima de 42,4125 milhões de euros.

 Quanto às despesas

526    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3 do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. No caso presente, há que decidir que a recorrente suportará as suas próprias despesas bem como três quartos das despesas da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      O montante da coima aplicada à recorrente é fixado em 42,4125 milhões de euros.

2)      Quanto ao restante, é negado provimento ao recurso.

3)      A recorrente suportará as suas próprias despesas e três quartos das despesas da Comissão. A Comissão suportará um quarto das suas próprias despesas.

Vilaras

Martins Ribeiro

Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Outubro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Vilaras


* Língua do processo: francês.