Language of document : ECLI:EU:C:2023:717

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 28 de setembro de 2023 (1)

Processos apensos C309/22 e C310/22

Pesticide Action Network Europe (PAN Europe)

contra

College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden,

sendo intervenientes:

Adama Registrations BV (Adama),

BASF Nederland BV

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos)]

«Reenvios prejudiciais — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado — Avaliação para efeitos de autorização — Critérios — Propriedades desreguladoras do sistema endócrino — Regulamento (UE) 2018/605 — Regime transitório — Aplicação de critérios aos procedimentos pendentes — Estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos — Estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento do pedido ou da decisão — Princípio da precaução»






1.        Os presentes reenvios prejudiciais apresentados pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos) têm por objeto a interpretação do artigo 2.o do Regulamento (UE) 2018/605 (2), do artigo 4.o, n.os 1 e 3, e do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 (3), bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2.        Como salientado pela Agência Europeia do Ambiente (AEA), «a poluição [dos produtos fitofarmacêuticos (pesticidas)] conduz à perda de biodiversidade na Europa. Provoca uma redução significativa das populações de insetos, ameaçando o papel crucial que os mesmos desempenham na produção alimentar» sendo que «a exposição humana aos pesticidas químicos está associada a doenças crónicas como o cancro e doenças cardíacas, respiratórias e neurológicas» (4). Os presentes processos são importantes porque neles se suscita a questão de saber se, no contexto da autorização de produtos fitofarmacêuticos, os Estados‑Membros devem poder ter em conta os conhecimentos científicos e técnicos mais recentes a respeito do impacto dos produtos fitofarmacêuticos nas nossas vidas.

3.        Neste âmbito, de acordo com a agenda do Pacto Ecológico Europeu (nomeadamente a Estratégia do Prado ao Prato), a União Europeia pretende reduzir a utilização de produtos fitofarmacêuticos químicos em 50 % até 2030, a fim de «garantir um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente». A este respeito, importa observar que, em 2018, o Parlamento Europeu estimou que havia 500 produtos fitofarmacêuticos diferentes (pesticidas) autorizados e comercializados em toda a União Europeia (5). É neste contexto que tentarei abordar as questões suscitadas pelos presentes reenvios prejudiciais.

4.        O primeiro recurso no processo principal (processo C‑309/22) foi interposto pela Pesticide Action Network Europe (PAN Europe) contra o College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Conselho para a Autorização dos Produtos Fitofarmacêuticos e Biocidas, a seguir «CTB») relativamente ao indeferimento, por este último, da reclamação apresentada pela PAN Europe contra a decisão do CTB de autorizar a colocação no mercado neerlandês do produto fitofarmacêutico Pitcher, que contém a substância ativa fludioxonil.

5.        O segundo recurso no processo principal (processo C‑310/22) foi interposto pela PAN Europe contra o CTB relativamente ao indeferimento, por este último, da reclamação apresentada pela PAN Europe contra a decisão do CTB de autorizar a colocação no mercado neerlandês do produto fitofarmacêutico Dagonis, que contém a substância ativa difenoconazol.

6.        O contexto dos presentes processos é caracterizado pelo facto de em ambos os casos — Pitcher e Dagonis — alegadamente as substâncias ativas dos produtos fitofarmacêuticos apresentarem propriedades desreguladoras do sistema endócrino. Os desreguladores endócrinos são atualmente um tema objeto de grande discussão e preocupação. Foram reunidos muitos elementos de prova que indicam que algumas substâncias (tanto naturais como artificiais) interferem com a função das hormonas no organismo e têm efeitos desreguladores. No entanto, subsistem desafios significativos para o futuro, nomeadamente por ser difícil avaliar o efeito preciso dos desreguladores endócrinos nas doenças dos seres humanos ou de outros organismos. Estas substâncias químicas, presentes em muitos produtos utilizados na vida quotidiana, têm uma estrutura química semelhante às hormonas produzidas naturalmente pelo organismo, sendo que, uma vez em contacto com o sistema hormonal, as mesmas podem desregular o seu bom funcionamento (6).

7.        Atendendo ao acima exposto, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a repartição das competências das autoridades envolvidas na autorização dos produtos fitofarmacêuticos, ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009, nomeadamente no que respeita às questões de saber se, e de que modo, os conhecimentos científicos e técnicos mais recentes devem ser tomados em consideração neste processo de autorização.

8.        Gostaria por último de assinalar que os presentes processos estão relacionados com o processo C‑308/22, PAN Europe (Closer), submetido pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio. As minhas conclusões neste processo também são apresentadas hoje, devendo as duas conclusões ser lidas conjuntamente.

I.      Apresentação sucinta dos factos e da tramitação do processo principal e questões prejudiciais

A.      Processo C309/22 (respeitante ao Pitcher)

9.        O Pitcher, produto fitofarmacêutico, é um fungicida (7) para uso profissional destinado ao tratamento por imersão de certos bolbos e tubérculos de flores, bem como ao tratamento de determinadas culturas perenes e de floricultura. É composto por uma mistura das substâncias ativas fludioxonil e folpete e sete auxiliares de formulação.

10.      No momento em que foi submetido o reenvio prejudicial, a validade da aprovação do fludioxonil como substância ativa na União Europeia tinha sido prorrogada até 31 de outubro de 2022 (8). A validade da aprovação do folpete como substância ativa na União Europeia também tinha sido prorrogada até 31 de julho de 2022 (9).

11.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, à data dos factos no processo principal, ainda não tinha sido tomada nenhuma decisão sobre os pedidos de renovação das aprovações destas substâncias ativas.

12.      Um produto fitofarmacêutico «apenas é autorizado se [nomeadamente] [a]s suas substâncias ativas foram aprovad[a]s» (10).

13.      Em 15 de setembro de 2015, a Adama Registrations B.V. (Adama) apresentou, nos Países Baixos, um pedido de primeira autorização de introdução no mercado para o Pitcher.

14.      Por Decisão de 4 de outubro de 2019, o CTB concedeu a autorização de introdução do Pitcher no mercado neerlandês até 31 de julho de 2021.

15.      A reclamação apresentada pela PAN Europe contra esta decisão foi indeferida pelo CTB por Decisão de 2 de setembro de 2020.

16.      A PAN Europe interpôs então recurso de anulação desta decisão para o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica), órgão jurisdicional de reenvio.

17.      No órgão jurisdicional de reenvio, a PAN Europe alega que, ao conceder a autorização de introdução do Pitcher no mercado neerlandês, o CTB cometeu um erro, uma vez que, apesar de a substância ativa fludioxonil possuir propriedades desreguladoras do sistema endócrino, o CTB não avaliou essas propriedades. Segundo a PAN Europe, quando decide a respeito de uma autorização, o CTB deve avaliar as propriedades desreguladoras do sistema endócrino dos produtos fitofarmacêuticos à luz do estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento em que a decisão sobre esse pedido é tomada.

18.      Considerando que a resolução do litígio que lhe foi submetido exige uma interpretação do artigo 2.o do Regulamento 2018/605 e do artigo 4.o, n.o 3, bem como do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Resulta do artigo 2.o do Regulamento n.o 2018/605 que a autoridade competente deve igualmente aplicar os novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino no processo de avaliação e de decisão dos pedidos de autorização pendentes em 10 de novembro de 2018, tendo também em conta o artigo 29.o, n.o 1, proémio e alínea e), em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009?

2.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, incumbe à autoridade competente ter em conta o processo de avaliação e de decisão dos pedidos de autorização enquanto aguarda as conclusões da Comissão Europeia sobre as consequências do Regulamento n.o 2018/605 para todos os processos pendentes no âmbito do Regulamento n.o 1107/2009, tendo em conta o considerando 8 do preâmbulo do Regulamento n.o 2018/605?

3.      Em caso de resposta negativa à segunda questão, pode a autoridade competente limitar‑se a efetuar uma avaliação com base unicamente nos dados conhecidos no momento do pedido, mesmo que os conhecimentos científicos e técnicos aí incluídos no momento da adoção da decisão recorrida já não estejam atualizados?»

B.      Processo C310/22 (respeitante ao Dagonis)

19.      O Dagonis, produto fitofarmacêutico, é um fungicida destinado, nomeadamente, a combater o oídio e a septoriose foliar. Contém as substâncias ativas difenoconazol e fluxapiroxade.

20.      O difenoconazol foi incluído no anexo I da Diretiva 91/414/CEE (11) pela Diretiva 2008/69/CE (12), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2009. Após a entrada em vigor do Regulamento n.o 1107/2009, esta inclusão do difenoconazol foi convertida em aprovação da substância ativa ao abrigo do referido regulamento pelo Regulamento (UE) n.o 540/2011 (13). O período de validade da aprovação do difenoconazol foi prorrogado várias vezes, nomeadamente pelo Regulamento n.o 2021/1449, que prorrogou o referido período de validade até 31 de dezembro de 2022.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio refere que o Regulamento (UE) 2015/408 (14) considera a substância ativa difenoconazol uma substância ativa candidata para substituição.

22.      A substância ativa fluxapiroxade foi aprovada como substância ativa pelo Regulamento (UE) n.o 589/2012 (15), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013, com validade até 31 de dezembro de 2022.

23.      A BASF Nederland BV (a seguir «BASF») pediu autorização para o Dagonis em vários Estados‑Membros. O pedido de autorização nos Países Baixos foi apresentado em 22 de janeiro de 2016.

24.      O Reino Unido, como Estado‑Membro relator para a zona central (que inclui os Países Baixos), avaliou a autorização do Dagonis. Os Países Baixos eram um Estado‑Membro interessado.

25.      Por Decisão de 3 de maio de 2019, o CTB concedeu ao Dagonis uma autorização de introdução no mercado nos Países Baixos, até 31 de dezembro de 2020, para o tratamento da batata, do morango e de diversos produtos hortícolas, plantas aromáticas e flores.

26.      A PAN Europe reclamou desta decisão no CTB.

27.      Por Decisão de 13 de novembro de 2019, que declarou a reclamação parcialmente procedente e parcialmente improcedente, o CTB confirmou a Decisão de 3 de maio de 2019, alterando os seus fundamentos.

28.      A PAN Europe interpôs recurso de anulação da Decisão de 13 de novembro de 2019 no órgão jurisdicional de reenvio.

29.      Perante o referido órgão jurisdicional, a PAN Europe alega que a decisão do CTB de autorizar o Dagonis padece de vício, uma vez que não foram tidas em conta as suas propriedades desreguladoras do sistema endócrino, apesar de, com base no dossiê fornecido pela BASF e em seis estudos apresentados pela PAN Europe, ser do conhecimento geral que a substância ativa difenoconazol possui essas propriedades.

30.      Considerando que a resolução do litígio que lhe foi submetido exige uma interpretação do direito da União, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Resulta da leitura conjugada do artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, com o ponto 3.6.5. do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 que as eventuais propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa deixaram de ser incluídas na avaliação, a nível nacional, do pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, tal significa que os conhecimentos científicos e técnicos relativos às propriedades desreguladoras do sistema endócrino, como, por exemplo, os que estão na base dos Regulamentos n.o 283/2013 e n.o 2018/605, não são tomados em consideração na avaliação da autorização de um produto fitofarmacêutico? Como se concilia tal conclusão com a exigência imposta pelo artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, de que a referida avaliação deve ser efetuada à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais?

3.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, como pode uma organização não governamental como a [PAN Europe] exercer o direito à ação, na aceção do artigo 47.o da Carta, para impugnar judicialmente a aprovação de uma substância ativa?

4.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, tal significa que são decisivos, no momento da avaliação de um pedido de autorização, os conhecimentos científicos e técnicos atuais relativos às propriedades desreguladoras do sistema endócrino?»

II.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

31.      Foram apresentadas observações escritas pela PAN Europe, pela BASF, pelos Governos Checo, Grego e Neerlandês, bem como pela Comissão Europeia. Não foi realizada audiência.

III. Apreciação

32.      Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões concentrar‑se‑ão unicamente na primeira questão de cada um dos presentes processos apensos.

A.      Introdução

33.      O órgão jurisdicional de reenvio assinala, no processo C‑309/22, que, para resolver o litígio no processo principal, importa começar por responder a uma questão prévia, a saber, se as propriedades desreguladoras do sistema endócrino devem ser avaliadas no momento em que se procede ao exame do pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico a nível nacional. O órgão jurisdicional de reenvio observa que já submeteu esta questão ao Tribunal de Justiça no processo C‑310/22.

34.      Em caso de resposta afirmativa à questão prévia, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 2.o do Regulamento n.o 2018/605 implica que a autoridade competente também deve aplicar os novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino no processo de avaliação e de decisão dos pedidos de autorização ainda pendentes em 10 de novembro de 2018 (data a partir da qual o referido regulamento era aplicável), tendo igualmente em conta o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), conjugado com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009. Com efeito, o pedido de autorização do Pitcher foi apresentado antes dessa data (em 15 de setembro de 2015) e o CTB adotou uma decisão sobre o mesmo após essa data (em 4 de outubro de 2019). Por conseguinte, o Regulamento 2018/605 tornou‑se aplicável enquanto esse pedido ainda estava pendente.

35.      Considero que a acima referida questão «prévia» do processo C‑309/22 — que corresponde à primeira questão do processo C‑310/22 — e a primeira questão do processo C‑309/22 devem ser analisadas conjuntamente.

36.      Assim sendo, o artigo 2.o do Regulamento 2018/605, mencionado na primeira questão do processo C‑309/22, não carece de interpretação pelo Tribunal de Justiça para efeitos da resolução do presente processo (16).

37.      Em primeiro lugar, esta disposição estabelece que «[o] ponto 3.6.5 e o ponto 3.8.2 do anexo II do Regulamento [1107/2009], com a redação que lhes é dada pelo […] [R]egulamento [2018/605], são aplicáveis a partir de [10 de novembro] de 2018, exceto no caso de procedimentos em que o comité tenha procedido à votação de um projeto de regulamento até [10 de novembro] de 2018». Segundo um princípio geralmente aceite, as leis que alteram uma disposição legislativa aplicam‑se, salvo disposição em contrário, às consequências futuras das situações que surgiram ao abrigo da lei anterior (17). Dado que, no caso em apreço, os requisitos de aplicação da exceção prevista no artigo 2.o, último período, do Regulamento n.o 2018/605 não estão preenchidos e não se aplicam ao procedimento de autorização do Pitcher (que não prevê esse voto), os novos critérios são suscetíveis de ser tidos em conta.

38.      Em segundo lugar, o referido anexo II é dedicado aos «Procedimento e critérios para a aprovação de substâncias ativas, de protetores de fitotoxicidade e de agentes sinérgicos em conformidade com o capítulo II» do Regulamento n.o 1107/2009 (ou seja, o anexo II e o capítulo II tratam, nomeadamente, da aprovação de substâncias ativas e não da autorização dos produtos fitofarmacêuticos, que são abordados no capítulo III do referido regulamento). Por conseguinte, esta exceção visa a identificação das substâncias ativas que possuem propriedades desreguladoras do sistema endócrino para efeitos da aprovação de uma substância ativa. Não visa a consideração do risco de efeitos nocivos que um produto fitofarmacêutico pode ter pelo facto de conter uma determinada substância ativa e também não diz respeito à avaliação deste risco para efeitos da adoção de uma decisão de colocação deste produto no mercado.

39.      Por conseguinte, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que responder conjuntamente às primeiras questões dos processos C‑309/22 e C‑310/22 e interpretá‑las no sentido de que buscam saber, em substância, se o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), conjugado com o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, e n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, e com o ponto 3.6.5 do anexo II desse regulamento, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro deve avaliar as eventuais propriedades desreguladoras do sistema endócrino, inclusive através da aplicação de novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino, no processo de avaliação e de decisão dos pedidos de autorização de um produto fitofarmacêutico.

40.      A BASF, os Governos Neerlandês e Grego e a Comissão sustentam, em substância, que os efeitos de desregulação do sistema endócrino que uma substância ativa pode ter não devem ser avaliados aquando da apreciação, a nível nacional, de um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico que contenha esta substância ativa. Qualquer outra abordagem deixaria de ter em conta a sistemática do Regulamento n.o 1107/2009, a distinção entre a avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias ativas a nível da União e a avaliação das autorizações de produtos fitofarmacêuticos a nível dos Estados‑Membros, bem como a repartição de competências prevista nesse regulamento. Além disso, o legislador da União previu um regime imperativo específico para as consequências de uma decisão de indeferimento do pedido de renovação da aprovação de uma substância ativa e para o impacto nas autorizações de produtos fitofarmacêuticos baseados nessa substância ativa.

41.      Pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio considera (e quanto a esse aspeto é apoiado pela PAN Europe e pelo Governo Checo) que, quando a autoridade competente que decide de um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico dispõe de conhecimentos científicos e técnicos atuais e relevantes, dos quais resulta que existe um risco de efeitos nocivos da substância ativa contida nesse produto, essa autoridade competente do Estado‑Membro não pode ficar indiferente, sendo obrigada a avaliar o risco desses efeitos e a retirar as conclusões adequadas dessa avaliação.

42.      É certo que o Regulamento n.o 1107/2009 faz uma distinção entre a aprovação de substâncias ativas a nível da União, através de regulamentos adotados pela Comissão, e as autorizações de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que contêm substâncias ativas aprovadas, emitidas pelos Estados‑Membros.

43.      Por conseguinte, há que verificar se as autoridades nacionais competentes têm, no âmbito da avaliação de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, de apreciar as propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa aprovada contida nesse produto. Se essa apreciação tiver de ser realizada, coloca‑se a questão de saber se essas autoridades devem proceder à mesma com base nos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis no momento da aprovação da substância ativa em causa ou com base nos conhecimentos disponíveis no momento da avaliação do pedido de autorização do produto fitofarmacêutico.

44.      Importa desde já recordar que, segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos da regulamentação de que faz parte (18).

B.      Quanto à redação das disposições relevantes do Regulamento n.o 1107/2009

45.      O artigo 29.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009 prevê que «[s]em prejuízo do artigo 50.o, um produto fitofarmacêutico apenas é autorizado se, de acordo com os princípios uniformes referidos no n.o 6, cumprir os seguintes requisitos: […] [a]s suas substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos foram aprovados (o sublinhado é meu).

46.      No entanto, o mesmo artigo 29.o, n.o 1, na alínea e), prevê igualmente que um produto fitofarmacêutico apenas deve ser autorizado se, «[à] luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, cumpre os requisitos constantes do n.o 3 do artigo 4.o» do regulamento.

47.      Relativamente à redação desta disposição, o Tribunal de Justiça já confirmou, no Acórdão Blaise (19), que «[n]o que diz respeito ao procedimento de autorização de um produto fitofarmacêutico, é igualmente necessário ter em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos dos componentes desse produto, uma vez que, nos termos do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, um dos requisitos exigíveis para que um produto fitofarmacêutico seja autorizado é que o mesmo cumpra, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, os requisitos constantes do artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento».

48.      O artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009, sob a epígrafe «Critérios de aprovação de substâncias ativas», prevê, no n.o 3, que, na sequência da sua aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização, os produtos fitofarmacêuticos devem cumprir, nomeadamente, ao abrigo da alínea b), o requisito de «[n]ão terem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana […], tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA)] para os avaliar […]». A expressão «[n]ão terem efeitos nocivos […] na saúde humana» indica claramente que o legislador da União optou por uma exigência «sem risco» a este respeito.

49.      Neste contexto, observo que a importância de tomar em consideração os conhecimentos científicos e técnicos «atuais» ou «novos» impregna todo o Regulamento n.o 1107/2009, uma vez que é sublinhada na redação de numerosas disposições: Artigo 4.o, n.o 1 (Critérios de aprovação de substâncias ativas), artigo 6.o, alínea f) (Condições e restrições), artigo 11.o, n.o 2 (Projeto de relatório de avaliação), artigo 12.o, n.o 2 (Conclusões da EFSA), artigo 21.o, n.o 1 (Revisão da aprovação), artigo 29.o, n.o 1, alínea e) (Requisitos para autorização de colocação no mercado), artigo 36.o, n.o 1 (Exame para autorização), artigo 44.o, n.o 3, alínea d) (Retirada ou alteração de uma autorização), artigo 78.o, n.o 1 (Alterações e medidas de execução), e anexo IV (Avaliação comparativa nos termos do artigo 50.o).

50.      Com efeito, no Acórdão Blaise (n.o 94), o Tribunal de Justiça sublinhou que «incumbe às autoridades competentes, em especial, tomar em consideração os dados científicos disponíveis mais fiáveis e os resultados mais recentes da investigação internacional» (o sublinhado é meu).

51.      Resulta da redação do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1107/2009 que, para serem autorizados, é necessário: i) que os produtos fitofarmacêuticos não tenham efeitos nocivos, nomeadamente na saúde humana ou na saúde animal (com efeito, a remissão, na redação do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), para o artigo 4.o, n.o 3, confirma a importância da proteção da saúde humana e da saúde animal); o que, por sua vez, implica ii) basear essa autorização em conhecimentos científicos e técnicos atuais. Neste contexto, os termos «atuais conhecimentos científicos e técnicos» que figuram no artigo 29.o, n.o 1, alínea e), implicam que estes conhecimentos devem ser os «mais recentes» ou os «últimos», o que se justifica pelo ritmo rápido dos novos desenvolvimentos científicos e técnicos (bem como tecnológicos).

52.      Passo agora a examinar os objetivos do Regulamento n.o 1107/2009 e, em seguida, o contexto em que este regulamento se insere.

C.      Quanto aos objetivos do Regulamento n.o 1107/2009 e à importância do princípio da precaução

53.      O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar sobre o objetivo do Regulamento n.o 1107/2009 e sobre o princípio da precaução, que lhe está subjacente (20). Recordarei esta jurisprudência mais abaixo.

54.      Em primeiro lugar, como especificado no artigo 1.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1107/2009 e como refletido no considerando 8 do mesmo, o objetivo do regulamento é nomeadamente assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal, bem como do ambiente (21).

55.      A este respeito, o Tribunal de Justiça assinalou que «estas disposições baseiam[‑se] no princípio da precaução, que é um dos fundamentos da política de um nível de proteção elevado prosseguida pela União no domínio do ambiente, em conformidade com o artigo 191.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE, a fim de evitar que substâncias ativas ou produtos colocados no mercado ponham em causa a saúde humana e animal ou o ambiente» (22).

56.      Com efeito, o Tribunal de Justiça sublinhou por diversas vezes que «uma aplicação correta do […] princípio [da precaução] no domínio abrangido pelo mesmo regulamento pressupõe, em primeiro lugar, a identificação das consequências potencialmente negativas para a saúde da utilização das substâncias ativas e dos produtos fitofarmacêuticos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação e, em segundo lugar, uma avaliação global do risco para a saúde baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional» (23).

57.      Em segundo lugar, o Tribunal declarou que «[p]or conseguinte, uma vez que o objetivo do Regulamento n.o 1107/2009, como prevê o seu artigo 1.o, n.os 1 e 2, é estabelecer as normas que regem a autorização dos produtos fitofarmacêuticos e a aprovação das substâncias ativas que esses produtos contêm, com vista à sua colocação no mercado, o legislador da União devia instituir um quadro normativo que permita às autoridades competentes, quando decidem sobre essa autorização e sobre essa aprovação, dispor de elementos suficientes para apreciar de forma satisfatória […] (24) os riscos para a saúde decorrentes da utilização dessas substâncias ativas e desses produtos fitofarmacêuticos» (25).

58.      Daqui decorre, a meu ver, que, embora este regulamento impeça um Estado‑Membro de conceder uma autorização para um produto fitofarmacêutico que contenha uma substância ativa que não foi aprovada, não deixa de ser verdade que o Estado‑Membro não é obrigado a autorizar um produto fitofarmacêutico que contenha substâncias ativas que tenham sido todas aprovadas, se existirem conhecimentos científicos ou técnicos que identifiquem riscos negativos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente decorrentes da utilização desses produtos fitofarmacêuticos.

59.      Com efeito, o considerando 24 do Regulamento n.o 1107/2009 esclarece que as disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção e que, em particular, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente deverá «ter primazia» sobre o outro objetivo do regulamento, que visa melhorar a produção vegetal (26).

60.      Por conseguinte, tal como referido neste considerando, antes de os produtos fitofarmacêuticos serem colocados no mercado, deverá demonstrar‑se que apresentam um benefício claro para a produção vegetal, mas sobretudo que não têm qualquer efeito nocivo na saúde humana ou animal (27).

61.      Como salientado pelo Governo Checo, se a autoridade competente do Estado‑Membro não tiver tido em conta tais conhecimentos científicos e técnicos atuais, pelo simples facto de a substância ativa em causa ter sido previamente aprovada em conformidade com o procedimento estabelecido no capítulo II do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, o Estado‑Membro não cumpre a exigência de ter em conta o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos prevista no artigo 29.o, n.o 1, alínea e), deste regulamento. Além disso, tal interpretação seria contrária ao objetivo de garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e à própria natureza do princípio da precaução.

62.      Com efeito, o Tribunal de Justiça já recordou que «as disposições [do referido regulamento] baseiam[‑se] no princípio da precaução e não impedem os Estados‑Membros de aplicar este princípio sempre que haja uma incerteza científica quanto aos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente apresentados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território» (28).

63.      No que respeita especificamente à questão da incerteza científica, concordo com o advogado‑geral J. Mischo quando defendeu, num processo relativo ao artigo 36.o TFUE, que «um risco plausível para a saúde pública é suficiente para que, ao abrigo do princípio da precaução, um Estado‑Membro possa tomar medidas [necessárias] […]. Por outro lado, quanto maior for a incerteza científica, mais larga é a margem de apreciação dos EstadosMembros, a quem cabe proteger a saúde pública» (29).

64.      Neste contexto, é importante debruçarmo‑nos sobre o período de tempo em que as substâncias ativas em causa no processo principal foram aprovadas. Relativamente ao produto Pitcher (processo C‑309/22), as substâncias ativas em causa são o fludioxonil e o folpete. O fludioxonil foi aprovado pela primeira vez em 1 de novembro de 2008 (30) e o folpete em 1 de outubro de 2007 (31). No que respeita ao produto Dagonis (processo C‑310/22), as substâncias ativas em causa são o difenoconazol e o fluxapiroxade. O difenoconazol foi aprovado pela primeira vez em 1 de janeiro de 2009 (32) e o fluxapiroxade em 1 de janeiro de 2013 (33).

65.      Por conseguinte, decorreram entre 10 e 16 anos desde essas aprovações. É evidente que, durante um período tão longo, os conhecimentos científicos e técnicos — relativos às propriedades e aos efeitos desreguladores do sistema endócrino destas substâncias ativas (e dos produtos fitofarmacêuticos que as contêm), bem como a outros efeitos — terão necessariamente evoluído. Mesmo que essas aprovações fossem objeto de reavaliação com base numa abordagem cíclica, isso não invalida o argumento de que é importante para a proteção, nomeadamente, da saúde humana e animal e do ambiente, e de que é obrigatório, por força do princípio da precaução, ter em conta os conhecimentos científicos e técnicos atuais (ou seja, os mais recentes) quando os Estados‑Membros decidem sobre a autorização de produtos fitofarmacêuticos como o Pitcher e o Dagonis.

66.      Resulta das considerações anteriores, tal como da redação do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), em conjugação com o artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009, que os objetivos deste regulamento e o princípio da precaução que lhe está subjacente confirmam que, para ser autorizado, é necessário que o produto fitofarmacêutico não tenha efeitos nocivos para a saúde humana e animal. Tal implica, por sua vez, que a autorização se deve basear em conhecimentos científicos ou técnicos atuais e não em conhecimentos obsoletos ou que já não estejam atualizados.

D.      Quanto ao contexto do Regulamento n.o 1107/2009 e ao impacto da harmonização plena da aprovação das substâncias ativas na autorização dos produtos fitofarmacêuticos pelos EstadosMembros

67.      A Comissão alega que uma avaliação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa no âmbito do procedimento nacional de autorização dos produtos fitofarmacêuticos seria contrária à harmonização plena da aprovação das substâncias ativas a nível da União (que conduz à adoção de regulamentos de execução da Comissão aplicáveis em toda a União Europeia). Sustenta que um exame independente das propriedades intrínsecas de uma substância ativa a nível dos Estados‑Membros comprometeria esse sistema.

68.      É certo que o artigo 4.o e o artigo 29.o fazem parte de capítulos diferentes do Regulamento n.o 1107/2009. O primeiro consta do capítulo II e o segundo do capítulo III. Com efeito, o procedimento de autorização dos produtos fitofarmacêuticos ao abrigo do regulamento implica a aprovação separada das substâncias ativas a nível da União (ao abrigo do capítulo II), por um lado, e a autorização dos produtos fitofarmacêuticos a nível nacional (ao abrigo do capítulo III do referido regulamento), por outro.

69.      Todavia, como o Tribunal de Justiça já esclareceu, embora estes procedimentos sejam distintos e não devam ser confundidos, não deixa de ser verdade que o legislador da União previu os dois no Regulamento n.o 1107/2009 e que os mesmos estão estreitamente ligados (34), o que também é confirmado por uma remissão do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), para o artigo 4.o, n.o 3.

70.      É suficiente invocar a jurisprudência GranoSalus, uma vez que, neste acórdão, o Tribunal de Justiça já abordou a relação entre a aprovação de uma substância ativa pela Comissão e a autorização de um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância pelas autoridades dos Estados‑Membros.

71.      À semelhança do que aconteceu nesse acórdão (35), observo, antes de mais, que decorre do Regulamento n.o 1107/2009 que, antes de deferir um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, os Estados‑Membros estão obrigados a proceder a uma avaliação independente, objetiva e transparente desse pedido, com vista, nomeadamente, a demonstrar a inexistência de nocividade desse produto, à luz dos dados científicos disponíveis mais fiáveis e dos resultados mais recentes da investigação internacional.

72.      Em segundo lugar (36), importa assinalar que a aprovação prévia pela Comissão das substâncias ativas em causa, contidas nos produtos fitofarmacêuticos em questão, constitui apenas um dos requisitos cumulativos a verificar pelo EstadoMembro em que é apresentado um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, antes de conceder a autorização.

73.      Em terceiro lugar (37), observo que, embora seja verdade que a aprovação pela Comissão de substâncias ativas, como as que são objeto dos presentes processos, não pode ser reexaminada pelo Estado‑Membro em causa, não é menos verdade que cabe a este EstadoMembro, antes de conceder a autorização dos produtos fitofarmacêuticos em questão, avaliar previamente se os outros requisitos estabelecidos no artigo 29. o, n. o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 estão preenchidos.

74.      Conforme referido nos n.os 46 e 47, supra, a remissão que consta do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece uma ligação clara, exigindo que sejam tomados em consideração os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 3, do regulamento. Por conseguinte, em primeiro lugar, o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), deve ser interpretado em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, e, em segundo lugar, deve ser lido à luz do artigo 1.o, n.o 4, do referido regulamento (38).

75.      Daqui decorre que não se pode considerar que a autorização de um produto fitofarmacêutico e a renovação ou prorrogação desta autorização constituem uma aplicação puramente automática da aprovação pela Comissão de uma substância ativa contida nesse produto (39). Consequentemente, resulta do Acórdão GranoSalus que o argumento da Comissão no presente processo é infundado, uma vez que o Regulamento n.o 1107/2009 impõe ao Estado‑Membro em causa que proteja a saúde humana e animal. Aquele acórdão também esclarece que o Regulamento n.o 1107/2009, bem como as competências e as obrigações da Comissão e dos Estados‑Membros ao abrigo deste regulamento, devem ser interpretados de modo que garanta um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente enquanto objetivo preponderante do referido regulamento e enquanto objetivo estabelecido pelo artigo 191.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE.

76.      A este respeito, o Governo Neerlandês alega que o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 se refere aos efeitos do produto fitofarmacêutico nos seres humanos e não às propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa. Por conseguinte, sustenta que, ao avaliar um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, a autoridade competente não é obrigada a ter em conta os conhecimentos científicos e técnicos sobre as propriedades desreguladoras do sistema endócrino, e que essa obrigação não decorre do artigo 29.o, n.o 1, alínea e).

77.      Esta argumentação não me convence. Com efeito, é artificial dividir as propriedades e os seus efeitos dessa forma, uma vez que o legislador da União as considerou como duas faces da mesma moeda. No que respeita à avaliação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009, como sublinhou a Comissão, o artigo 4.o deste regulamento, em conjugação com o seu anexo II, prevê, nomeadamente, que só é possível considerar que uma substância ativa não tem efeitos nocivos na saúde humana ou animal se não se considerar que a mesma tem propriedades desreguladoras do sistema endócrino (40).

78.      O argumento do Governo Neerlandês também contradiz o próprio objetivo do procedimento de avaliação. O objetivo de demonstrar que uma substância ativa possui tais propriedades é precisamente evitar que esta substância produza efeitos nocivos, nomeadamente, na saúde humana e animal, bem como no ambiente. Por conseguinte, se as substâncias ativas em causa nos presentes processos possuírem propriedades desreguladoras do sistema endócrino, estas substâncias só podem ser aprovadas, e os produtos fitofarmacêuticos que as contêm só podem ser autorizados, se não existir nenhum risco negativo para a saúde humana ou animal ou para o ambiente (41).

79.      Por outras palavras, independentemente do facto de uma substância ativa ser aprovada a nível da União por um regulamento adotado pela Comissão e de a validade desta aprovação (ainda) não ser formalmente posta em causa, a autoridade competente de um Estado‑Membro deve, com base em informações atuais e fiáveis que indiquem que essa substância ativa pode ter propriedades desreguladoras do sistema endócrino: i) ter em conta o risco de efeitos nocivos do produto fitofarmacêutico que contém essa substância ativa; e ii) avaliar esse risco, em conformidade com o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), e com o artigo 4.o, n.o 3, desse regulamento, para efeitos de adoção da sua decisão relativa à colocação desse produto no mercado desse Estado‑Membro.

80.      No processo principal do processo C‑310/22, verifica‑se que a PAN Europe forneceu uma lista não exaustiva de pelo menos seis estudos académicos independentes sobre a substância ativa difenoconazol, que mostram resultados preocupantes em termos de efeitos desreguladores do sistema endócrino desta substância. O Dagonis, que contém difenoconazol e outra substância ativa (fluxapiroxade), bem como uma série de produtos químicos (desconhecidos) utilizados como coformulantes, pode causar ainda mais danos do que o difenoconazol isoladamente, devido a um potencial efeito de reforço mútuo.

81.      Por conseguinte, como a PAN Europe assinalou com razão, se a autorização, por exemplo, do Dagonis for suscetível de causar potenciais prejuízos significativos aos seres humanos, aos animais ou ao ambiente por conter difenoconazol, o CTB não deve poder optar por não ter em consideração esses efeitos e autorizar simplesmente o produto fitofarmacêutico. Isto é ainda mais válido tendo em conta que o difenoconazol foi avaliado em 2008 (há 15 anos). Além disso, as propriedades desreguladoras do sistema endócrino do difenoconazol não foram avaliadas nessa altura. A avaliação da autoridade competente deve basear‑se nos conhecimentos científicos e técnicos mais atualizados. Como se referiu supra, o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 prevê que devem ser tidos em conta os conhecimentos científicos e técnicos atuais na avaliação de um produto fitofarmacêutico.

82.      A este respeito, o considerando 1 do Regulamento 2018/605 exprime a necessidade de garantir em especial que as substâncias ou produtos colocados no mercado não tenham efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente.

83.      Se a autoridade competente do Estado‑Membro dispuser de conhecimentos científicos e técnicos atuais e relevantes (incluindo dados) dos quais resulte que existe um risco de que a substância ativa em causa tenha efeitos nocivos — por exemplo, como nos presentes processos, possível desregulação do sistema endócrino — tem de ter em conta o risco de efeitos nocivos do produto fitofarmacêutico que contém essa substância ativa e avaliar esse risco, como decorre do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, lidos à luz do artigo 1.o, n.o 4, do mesmo regulamento, e de retirar conclusões adequadas dessa avaliação para efeitos da adoção de uma decisão sobre a autorização de colocação desse produto no mercado nesse Estado‑Membro.

84.      Por conseguinte, resulta das considerações precedentes que o contexto em que se insere o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 confirma que, para ser autorizado, i) um produto fitofarmacêutico não deve ter qualquer efeito nocivo, nomeadamente na saúde humana; e ii) a sua autorização deve basear‑se nos conhecimentos científicos e técnicos atuais (ou seja, nos mais recentes).

85.      Como acertadamente assinalou o Governo Checo, esta interpretação deve, por maioria de razão, ser seguida quando o «estado atual dos conhecimentos científicos» em causa já tiver sido refletido na legislação da União, através de uma alteração do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009. Não se pode razoavelmente sustentar que é necessário aplicar novos conhecimentos científicos e técnicos, que a Comissão tenha considerado suficientemente sérios para justificar a adoção de um novo regulamento a nível da União (ou seja, relativamente às substâncias ativas), mas que, a nível dos Estados‑Membros (ou seja, relativamente aos produtos fitofarmacêuticos que contêm essas substâncias), se deve fechar os olhos a esses conhecimentos e continuar a aplicar orientações obsoletas.

E.      Quanto ao Regulamento n.o 2018/605 e ao regime transitório

86.      A fim de dar uma resposta completa ao órgão jurisdicional de reenvio, passo agora a abordar a questão do impacto do regime transitório. A partir de 10 de novembro de 2018, foram aplicados os critérios contidos no anexo do Regulamento 2018/605 para determinar as propriedades desreguladoras do sistema endócrino que podem ter efeitos nocivos nos seres humanos, exceto em procedimentos relativamente aos quais o projeto de regulamento tenha sido objeto de votação antes de 10 de novembro de 2018. Resulta do considerando 8 deste regulamento que a Comissão examinará as implicações do Regulamento n.o 2018/605 para qualquer processo ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a entrada em vigor do Regulamento 2018/605 tem consequências para as avaliações pendentes de pedidos de autorização e se deveria, por conseguinte, ter sido tomado em consideração no que respeita aos pedidos em causa no processo principal. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que se coloca a questão de saber se o CTB devia ter aplicado os novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino que refletem o (novo) estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento em que a decisão foi tomada (e não o estado desses conhecimentos no momento em que o pedido foi apresentado).

87.      Neste contexto, a Comissão sustenta que a aplicação dos novos critérios para determinar as propriedades desreguladoras do sistema endócrino que refletem o novo estado dos conhecimentos científicos e técnicos seria contrária ao regime transitório estabelecido pelo Regulamento 2018/605.

88.      A este respeito, gostaria de observar, em primeiro lugar, que resulta dos considerandos 1 (42) e 8 (43) do Regulamento 2018/605 que existe uma certa urgência em agir rapidamente e em ter em conta os desenvolvimentos científicos recentes. Com efeito, como foi assinalado no n.o 82 das presentes conclusões, o considerando 1 do Regulamento 2018/605 exprime a necessidade de garantir em especial que as substâncias ativas ou produtos colocados no mercado não têm efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente, sendo que é precisamente para assegurar que tal se verifica que o Regulamento n.o 1107/2009 se baseia no princípio da precaução. Por conseguinte, a posição do CTB, segundo a qual os novos critérios relativos à desregulação endócrina não devem ser tidos em conta até que a aprovação das substâncias ativas seja reexaminada no âmbito da renovação da aprovação, afigura‑se contrária ao objetivo do Regulamento n.o 1107/2009 de garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. Esta posição revela, além disso, ser contrária ao princípio da precaução.

89.      É certo que, segundo o considerando 8 do Regulamento 2018/605, os novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino devem ser aplicados com a maior brevidade possível, mas simultaneamente devem ter em conta o tempo necessário para que os EstadosMembros e a EFSA se preparem para aplicar esses critérios. Todavia, tal consideração não pode obrigar a autoridade competente de um Estado‑Membro a avaliar o pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico de acordo com critérios antigos e obsoletos que já não refletem o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos.

90.      A exigência de aplicação dos conhecimentos científicos e técnicos mais recentes — que, como assinalei no n.o 83 das presentes conclusões, decorre do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, lidos à luz do artigo 1.o, n.o 4, do mesmo regulamento — obriga a autoridade competente a ser proativa na procura de uma melhor proteção da saúde humana e animal e do ambiente. Assim, o conteúdo dos novos critérios de avaliação da desregulação do sistema endócrino deve ser tido em conta como parte dos conhecimentos científicos e técnicos mais recentes aquando da adoção de uma decisão sobre um pedido de autorização.

91.      Além disso, tendo em conta a exigência de utilização dos conhecimentos científicos e técnicos mais recentes, tanto o objetivo do Regulamento n.o 1107/2009 como o princípio da precaução serão mais bem servidos se forem utilizados os novos critérios relativos aos efeitos das propriedades desreguladoras do sistema endócrino na saúde humana e animal.

92.      O argumento da Comissão não é convincente (44), na medida em que é contrário ao artigo 1.o, n.o 4, e ao considerando 8 do Regulamento n.o 1107/2009. Estas disposições esclarecem que este regulamento i) assenta no princípio da precaução e ii) não impede os Estados‑Membros de aplicarem este princípio se existir incerteza científica acerca dos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente colocados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território (45). Tal exige que os Estados‑Membros tenham em conta quaisquer conhecimentos científicos e técnicos pertinentes e fiáveis, independentemente da fonte ou do documento do qual resultem, a fim de garantir o cumprimento do disposto no artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do referido regulamento.

93.      No que respeita à questão de saber se incumbe à autoridade competente suspender o processo de avaliação e de decisão relativo aos pedidos de autorização enquanto aguarda as conclusões da Comissão sobre as consequências do Regulamento 2018/605 para qualquer processo pendente ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009, é verdade que, em conformidade com o considerando 8 do Regulamento 2018/605, a Comissão examinará as implicações deste regulamento para todos os procedimentos em curso de aprovação de substâncias ativas a nível da União. Contudo, não resulta deste considerando que a Comissão analisará as implicações desse regulamento para qualquer pedido pendente de autorização de produtos fitofarmacêuticos nos Estados‑Membros. Além disso, nenhuma disposição do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece a natureza exata das obrigações da autoridade competente do Estado‑Membro no que respeita à avaliação de pedidos de autorização como os que estão em causa no processo principal enquanto se aguardam as conclusões da Comissão sobre as consequências do Regulamento 2018/605 nos processos em curso ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009. Como observou o Governo Neerlandês, não cabe à Comissão, mas sim ao legislador da União, introduzir alterações relativas às obrigações que incumbem aos Estados‑Membros no âmbito da avaliação dos pedidos de autorização ao abrigo do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009.

94.      Por outras palavras, nem o Regulamento n.o 1107/2009 nem o Regulamento 2018/605 privam os Estados‑Membros, no contexto da avaliação da colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos, da sua competência para adotar medidas adequadas para dar cumprimento aos requisitos previstos no artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, de modo que proteja a sua sociedade de quaisquer potenciais efeitos nocivos desses produtos, conforme identificados com base nos atuais conhecimentos científicos e técnicos.

IV.    Conclusão

95.      Proponho que o Tribunal de Justiça responda às primeiras questões prejudiciais submetidas nos presentes processos apensos pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) do seguinte modo:

O artigo 29.o, n.o 1, alínea e), em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, e n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho, bem como o ponto 3.6.5 do anexo II desse regulamento,

devem ser interpretados no sentido de que, quando a autoridade competente de um Estado‑Membro, responsável pela avaliação de um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico nesse Estado‑Membro, dispuser de informações pertinentes e fiáveis, baseadas em conhecimentos científicos ou técnicos atuais (ou seja, os mais recentes), independentemente da fonte dessas informações, que indiquem que uma substância ativa contida no produto em causa poderá desregular o sistema endócrino, essa autoridade tem de ter em conta o risco de efeitos nocivos que esse produto pode ter, avaliar esse risco, e tomar uma decisão adequada sobre esse pedido, tendo em consideração todos os requisitos previstos no artigo 29.o, n.o 1, do referido regulamento.


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento da Comissão, de 19 de abril de 2018, que altera o anexo II do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, estabelecendo critérios científicos para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino (JO 2018, L 101, p. 33).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).


4      Comunicado da AEA «How pesticides impact human health and ecosystems in Europe» («Impacto dos pesticidas na saúde humana e nos ecossistemas na Europa»), de 26 de abril de 2023.


5      Parlamento Europeu, Relatório sobre o procedimento de autorização da União para os pesticidas, [2018/2153 (INI)], p. 14 (18 de dezembro de 2018).


6      Parlamento Europeu (Dinu, A.), «Endocrine Disruptors: An Overview of Latest Developments at European Level in the Context of Plant Protection Products», Bruxelas, European Parliamentary Research Service, 2019, pp. 5 e 42. V., também, Kalofiri, P., Balias, G., Tekos, F., «The EU endocrine disruptors’ regulation and the glyphosate controversy», Toxicology Reports, vol. 8, 2021, pp. 1193 a 1199.


7      A AEA define‑os como: «Produtos químicos utilizados para matar ou travar o desenvolvimento de fungos que causam doenças das plantas, tais como: podridão de armazenamento; doenças das plântulas; podridão das raízes; murchidões vasculares; pragas, ferrugem, alforra e míldio, bem como doenças virais. Estes podem ser controlados pela aplicação precoce e contínua de certos fungicidas que matam os agentes patogénicos ou limitam o seu desenvolvimento.»


8      Regulamento de Execução (UE) 2021/1449 da Comissão, de 3 de setembro de 2021, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 no que se refere à prorrogação dos períodos de aprovação das substâncias ativas 2‑fenilfenol (incluindo os seus sais, tal como o sal de sódio), 8‑hidroxiquinolina, amidossulfurão, bifenox, clormequato, clortolurão, clofentezina, clomazona, cipermetrina, daminozida, deltametrina, dicamba, difenoconazol, diflufenicão, dimetacloro, etofenproxe, fenoxaprope‑P, fenepropidina, fludioxonil, flufenacete, fostiazato, indoxacarbe, lenacil, MCPA, MCPB, nicossulfurão, óleos parafínicos, óleo parafínico, penconazol, piclorame, propaquizafope, prossulfocarbe, quizalofope‑P‑etilo, quizalofope‑P‑tefurilo, enxofre, tetraconazol, trialato, triflussulfurão e tritossulfurão (JO 2021, L 313, p. 20).


9      Regulamento de Execução (UE) 2021/745 da Comissão, de 6 de maio de 2021, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 no que se refere à prorrogação dos períodos de aprovação das substâncias ativas sulfato de alumínio e amónio, silicato de alumínio, beflubutamida, bentiavalicarbe, bifenazato, boscalide, carbonato de cálcio, captana, dióxido de carbono, cimoxanil, dimetomorfe, etefão, extrato de Melaleuca alternifolia, famoxadona, resíduos de destilação de gorduras, ácidos gordos C7 a C20, flumioxazina, fluoxastrobina, flurocloridona, folpete, formetanato, ácido giberélico, giberelinas, heptamaloxiloglucano, proteínas hidrolisadas, sulfato de ferro, metazacloro, metribuzina, milbemectina, Paecilomyces lilacinus estirpe 251, fenemedifame, fosmete, pirimifos‑metilo, óleos vegetais/óleo de colza, hidrogenocarbonato de potássio, propamocarbe, protioconazol, areia de quartzo, óleo de peixe, repulsivos olfativos de origem animal ou vegetal/gordura de ovino, S‑metolacloro, feromonas lepidópteras de cadeia linear, tebuconazol e ureia (JO 2021, L 160, p. 89).


10      V. artigo 29.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009.


11      Diretiva do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1).


12      Diretiva da Comissão, de 1 de julho de 2008, que altera a Diretiva 91/414 do Conselho com o objetivo de incluir as substâncias ativas clofentezina, dicamba, difenoconazol, diflubenzurão, imazaquina, lenacil, oxadiazão, piclorame e piriproxifena (JO 2008, L 172, p. 9).


13      Regulamento de Execução da Comissão, de 25 de maio de 2011, que dá execução ao Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à lista de substâncias ativas aprovadas (JO 2011, L 153, p. 1).


14      Regulamento de Execução da Comissão, de 11 de março de 2015, que dá execução ao artigo 80.o, n.o 7, Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que estabelece uma lista de substâncias candidatas para substituição (JO 2015, L 67, p. 18).


15      Regulamento de Execução (UE) n.o 589/2012 da Comissão, de 4 de julho de 2012, que aprova a substância ativa fluxapiroxade, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2012, L 175, p. 7).


16      V., contudo, as minhas observações sobre o Regulamento 2018/605 nos n.os 86 e segs. das presentes conclusões.


17      Conforme declarado no Acórdão de 4 de julho de 1973, Westzucker (1/73, EU:C:1973:78, n.o 5). Este princípio de direito implicava, nesse processo, que as disposições alteradas do regulamento em causa deviam ser aplicadas não apenas aos certificados de prefixação para a exportação de açúcar emitidos após a entrada em vigor dessas disposições, mas também aos certificados emitidos antes dessa data, na medida em que a exportação prevista ainda não tinha tido lugar e não tinha sido efetuado um ajustamento do preço de intervenção.


18      Acórdão de 19 de janeiro de 2023, Pesticide Action Network Europe (C‑162/21, EU:C:2023:30, n.o 35 e jurisprudência referida; a seguir «Acórdão Pesticide Action Network Europe»).


19      Acórdão de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800, n.o 71; a seguir «Acórdão Blaise»).


20      Artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009. V. De Grove‑Valdeyron, N., «Le principe de prudence, nouvel instrument du droit communautaire de la santé», Revue des Affaires Européennes, n.o 2, 2003, p. 265.


21      V. Acórdão Pesticide Action Network Europe (n.o 46). V., para uma apreciação crítica, Robinson, C., Portier, C. J., Čavoški, A., Mesnage, R., Roger, A., Clause, P., Whaley, P., Muilerman, H., Lyssimachou, A., «Achieving a High Level of Protection from Pesticides in Europe: Problems with the Current Risk Assessment Procedure and Solutions», European Journal of Risk Regulation (EJRR), vol. 11, n.o 3, 2020, p. 450. V., também, Villaverde, J. J., Sevilla‑Morán, B., Sandín‑España, P., López‑Goti, C., Alonso‑Prados, J. L., «Challenges of biopesticides under […] Regulation (EC) n.o 1107/2009: An Overview of New Trends in Residue Analysis», Studies in Natural Products Chemistry, vol. 43, 2014, p. 437.


22      V. Acórdão Pesticide Action Network Europe (n.o 47).


23      O sublinhado é meu. V. Acórdão Blaise (n.o 46 e jurisprudência referida).


24      Em conformidade com o que é recordado no n.o 56 das presentes conclusões e com a jurisprudência segundo a qual o princípio da precaução «implica que, quando subsistam incertezas sobre a existência ou o alcance de riscos para a saúde das pessoas, possam ser adotadas medidas de proteção sem que seja necessário esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas. Quando seja impossível determinar com segurança a existência ou o alcance do risco alegado, devido à natureza não conclusiva dos resultados dos estudos efetuados, mas persista a probabilidade de um prejuízo real para a saúde pública na hipótese de o risco se concretizar, o princípio da precaução justifica que sejam adotadas medidas restritivas» (Acórdão Blaise, n.o 43).


25      V. Acórdão Blaise (n.o 47).


26      V. Acórdão Pesticide Action Network Europe (n.o 48).


27      V. Acórdão Pesticide Action Network Europe (n.o 49).


28      Acórdão de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão (C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 79 e jurisprudência referida).


29      V. as suas Conclusões no processo Comissão/Dinamarca (C‑192/01, EU:C:2002:760, n.o 102, nomeadamente da versão em língua inglesa e portuguesa das conclusões, e n.o 103 da versão original em língua francesa). O princípio da precaução não é, por definição (enquanto princípio), uma regra jurídica rígida, mas sim flexível. Por esta razão, deve ser aplicado casuisticamente de forma rigorosa [De Sadeleer, N., «Grandeur et servitudes du principe de précaution en matière de sécurité alimentaire et de santé publique», em Nihoul, P., Mahieu, S. (dir.), «La Sécurité alimentaire et la réglementation des OGM», Bruxelas, Larcier, 2005, p. 344. V., também, De Sadeleer, N., «The Precautionary Principle in EC Health and Environmental Law», European Law Journal, vol. 12, n.o 2, 2006, p. 139].


30      V. https://ec.europa.eu/food/plant/pesticides/eu‑pesticides‑database/start/screen/active‑substances/details/37; a aprovação caduca em 31 de outubro de 2023.


31      V. https://ec.europa.eu/food/plant/pesticides/eu‑pesticides‑database/start/screen/active‑substances/details/742; a aprovação caduca em 15 de fevereiro de 2025.


32      V. https://ec.europa.eu/food/plant/pesticides/eu‑pesticides‑database/start/screen/active‑substances/details/631; a aprovação caduca em 31 de dezembro de 2023.


33      V. https://ec.europa.eu/food/plant/pesticides/eu‑pesticides‑database/start/screen/active‑substances/details/989; a aprovação caduca em 31 de maio de 2025.


34      V. Acórdão Blaise (n.o 64), e Acórdão de 28 de outubro de 2020, Associazione GranoSalus/Comissão (C‑313/19 P, EU:C:2020:869, n.o 35; a seguir «Acórdão GranoSalus»).


35      V. Acórdãos GranoSalus (n.o 53) e Blaise (n.os 66 e 94). Sobre esta jurisprudência e o princípio da precaução, v. Leonelli, G. C., «Judicial review of compliance with the precautionary principle from Paraquat to Blaise: “Quantitative thresholds”, risk assessment, and the gap between regulation and regulatory implementation», German Law Journal, 2021, n.o 22, p. 184. O autor conclui que «a regulação dos pesticidas na União nem sempre está à altura dos pressupostos gerais do princípio da precaução. A aplicação das modalidades regulamentares de avaliação dos riscos dos [produtos fitofarmacêuticos], conforme previstas no Regulamento [1107/2009] relativo aos produtos fitofarmacêuticos, nem sempre respeita o princípio da precaução […] a aplicação deste sistema pode não proporcionar uma avaliação exaustiva dos riscos pertinentes, permitindo uma gestão preventiva dos riscos. Tal permite clarificar de alguma forma a interação de modalidades regulamentares complexas e a sua aplicação em diferentes níveis territoriais; […] a análise [desse regulamento] demonstra a discrepância entre as disposições de um quadro regulamentar e a sua aplicação» (p. 213).


36      V. Acórdão GranoSalus (n.o 54).


37      V. Acórdão GranoSalus (n.o 55).


38      «As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, a fim de garantir que as substâncias ativas ou os produtos colocados no mercado não afetem negativamente a saúde humana ou animal ou o ambiente. Em particular, os Estados‑Membros não podem ser impedidos de aplicar o princípio da precaução se existir incerteza científica acerca dos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente colocados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território.»


39      V. também Acórdão GranoSalus (n.o 58).


40      V., nomeadamente, ponto 3.6.5 do anexo II.


41      Ou, quando muito, apenas se esse risco for negligenciável (ponto 3.6.5 do anexo II).


42      «Devem estabelecer‑se critérios científicos para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino das substâncias ativas […], tomando em conta os objetivos do Regulamento […] n.o 1107/2009, ou seja, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, garantindo em especial que as substâncias ou produtos colocados no mercado não tenham efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente».


43      «Os critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino refletem o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos e permitem identificar com mais rigor as substâncias ativas que apresentam essas propriedades. Os novos critérios devem, pois, ser aplicáveis com a maior brevidade possível, embora tendo em conta o tempo necessário para que os Estados‑Membros e a [EFSA] se preparem para aplicar esses critérios.»


44      V. também a doutrina jurídica que critica a posição da Comissão em processos anteriores, na medida em que assentou numa abordagem estrita baseada em provas, sem ter em conta a perceção pública generalizada, segundo a qual os riscos incertos colocados, por exemplo, pelo glifosato são socialmente inaceitáveis, e ignorando o argumento segundo o qual as medidas de gestão dos riscos existentes são insuficientes para atingir o nível de proteção da saúde pública e do ambiente pretendido pela União (Leonelli, G. C., «The glyphosate saga and the fading democratic legitimacy of European Union risk regulation», Maastricht Journal of European and Comparative Law, 2018, vol. 25, n.o 5, pp. 582‑606).


45      V. jurisprudência referida na nota de rodapé 28 das presentes conclusões.