Language of document : ECLI:EU:T:2023:252

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

17 de maio de 2023 (*)

«Concorrência — Concentrações — Mercado da eletricidade alemão — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno — Recurso de anulação — Legitimidade — Admissibilidade — Dever de fundamentação — Conceito de “única concentração” — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Direito de audiência — Delimitação do mercado — Período de análise — Análise do poder de mercado — Influência determinante — Erros manifestos de apreciação — Dever de diligência»

No processo T‑312/20,

EVH GmbH, com sede em Halle/Saale (Alemanha), representada por I. Zenke e T. Heymann, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Meessen e I. Zaloguin, na qualidade de agentes, assistidos por T. Funke e A. Dlouhy, advogados,

recorrida,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e S. Costanzo, na qualidade de agentes,

por

E.ON SE, com sede em Essen (Alemanha), representada por C. Grave, C. Barth e D.‑J. dos Santos Goncalves, advogados,

e por

RWE AG, com sede em Essen, representada por U. Scholz, J. Siegmund e J. Ziebarth, advogados,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto, na deliberação, por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise, P. Nihoul, R. Frendo e J. Martín y Pérez de Nanclares (relator), juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 15 e 16 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, EVH GmbH, pede a anulação da Decisão C(2019) 1711 final da Comissão, de 26 de fevereiro de 2019, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo M.8871 — RWE/E.ON Assets) (JO 2020, C 111, p. 1, a seguir «decisão recorrida»).

I.      Antecedentes do litígio

A.      Empresas em causa

2        A RWE AG é uma sociedade de direito alemão que intervinha, no momento da notificação da operação de concentração prevista, em toda a cadeia de fornecimento de energia, incluindo nos domínios da produção, fornecimento grossista, transporte, distribuição e comércio retalhista de energia, bem como serviços energéticos aos consumidores (como a leitura de contadores, a mobilidade elétrica, etc.) (a seguir «mercado da eletricidade»). A RWE e as suas filiais, incluindo a innogy SE, operam em vários Estados europeus, a saber, na Bélgica, na República Checa, na Alemanha, em França, em Itália, no Luxemburgo, na Hungria, nos Países Baixos, na Polónia, na Roménia, na Eslováquia e no Reino Unido.

3        A E.ON SE é uma sociedade de direito alemão que, no momento da notificação da operação de concentração prevista, operava em toda a cadeia de fornecimento de eletricidade, quer na produção, na venda grossista, na distribuição ou no comércio a retalho de eletricidade. A E.ON possui e explora ativos de produção de eletricidade em vários Estados europeus, entre os quais a Alemanha, França, Itália, Polónia e o Reino Unido.

4        A recorrente é uma empresa de direito alemão que tanto produz eletricidade a partir de fontes de energia convencionais (a seguir «eletricidade convencional») graças ao seu parque de centrais elétricas, como a partir de fontes de energia renováveis (a seguir «eletricidade renovável») através das suas centrais eólicas e fotovoltaicas. Os seus ativos de produção situam‑se na Alemanha.

B.      Contexto da concentração

5        A concentração aqui em causa inscreve‑se no âmbito de uma troca complexa de elementos de ativos entre a RWE e a E.ON, anunciada em 11 e 12 de março de 2018 pelas duas empresas em causa (a seguir «operação global»). Assim, por meio da primeira operação, a saber, a concentração ora em causa, a RWE pretende adquirir o controlo exclusivo ou o controlo conjunto de certos ativos de produção da E.ON. A segunda operação consiste na aquisição pela E.ON do controlo exclusivo das atividades de distribuição e de comércio a retalho, bem como de certos ativos de produção da innogy, controlada pela RWE. Quanto à terceira operação, prevê que a RWE adquira 16,67 % das participações da E.ON.

6        Em 17 de abril de 2018, a recorrente enviou uma carta à Comissão Europeia na qual lhe indicou pretender participar no procedimento relativo à primeira e segunda operações de concentração e, por conseguinte, receber os documentos a elas relativos.

7        Em 26 de junho de 2018, realizou‑se uma reunião entre o representante da recorrente e a Comissão, na qual aquele manifestou à Comissão as preocupações da sua cliente face à primeira e segunda operações de concentração e o seu desejo de participar nos respetivos processos.

8        Em 28 de agosto de 2018, realizou‑se uma reunião individual entre a Comissão e a recorrente, em que esta apresentou as suas observações sobre a primeira e segunda operações de concentração.

9        A segunda operação de concentração foi notificada à Comissão em 31 de janeiro de 2019. A respeito dessa segunda operação, a Comissão adotou a Decisão da Comissão de 17 de setembro de 2019 que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo M.8870 — E.ON/Innogy) [notificada com o número C(2019) 6530] (JO 2020, C 379, p. 16, a seguir «concentração M.8870»).

10      A terceira operação de concentração foi notificada ao Bundeskartellamt (Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, Alemanha), que a autorizou por Decisão de 26 de fevereiro de 2019 (processo B8‑28/19, a seguir «concentração B8‑28/19»).

C.      Procedimento administrativo

11      Em 22 de janeiro de 2019, a Comissão foi notificada de uma proposta de concentração nos termos do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), através da qual a RWE pretendia adquirir, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, o controlo exclusivo ou o controlo conjunto de determinados ativos de produção da E.ON.

12      Em 31 de janeiro de 2019, a Comissão publicou a notificação prévia dessa concentração no Jornal Oficial da União Europeia (Processo M.8871 — RWE/E.ON Assets) (JO 2019, C 38, p. 22, a seguir «concentração M.8871»), de acordo com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004.

13      Os ativos de produção da E.ON que fazem parte da concentração M.8871 incluem, por um lado, as entidades e as quotas nas seguintes entidades, que operam no setor das energias renováveis:

–        E.ON Climate & Renewables GmbH (Alemanha);

–        Amrum Offshore West GmbH (Alemanha);

–        E.ON Climate & Renewables UK Limited (Reino Unido);

–        E.ON Climate & Renewables North America, LLC (Estados Unidos);

–        E.ON Wind Sweden AB (Suécia);

–        E.ON Climate & Renewables Italia S.r.l. (Itália);

–        Arkona (Alemanha) que entrou em serviço no início de 2019, cuja produção não foi tida em conta para o estabelecimento do volume de produção da E.ON do ano de 2017;

–        Delta Nordsee (Alemanha), instalações em construção no momento do exame da concentração.

14      Além disso, a RWE adquirirá 60,08 % de quotas na Rampion NewCo (Reino Unido), que detém 50 % de quotas na Rampion Offshore Wind Limited (Reino Unido), adquirindo assim uma participação indireta de 30,1 % na Rampion Offshore Wind.

15      Os ativos de produção da E.ON que fazem parte da concentração M.8871 incluem, por outro lado, participações e os direitos de saque associados em ativos nucleares, a saber:

–        uma participação minoritária de 12,5 % na Kernkraftwerke Lippe‑Ems GmbH (Alemanha);

–        uma participação minoritária de 25 % na Kernkraftwerk Gundremmingen GmbH (Alemanha), bem como uma quota‑parte de 25 % do combustível e dos resíduos nucleares, bem como ativos imobiliários ligados a essa central nuclear.

16      No âmbito do seu exame da concentração M.8871, a Comissão realizou um estudo de mercado e, portanto, enviou a certas empresas, entre as quais a recorrente, um questionário ao qual esta respondeu, em 30 de janeiro de 2019.

17      Por carta de 31 de janeiro de 2019, a recorrente reiterou o seu desejo de participar no procedimento levado a cabo pela Comissão e, nessa ocasião, de ser ouvida pela Comissão na hipótese de esta decidir dar início à fase de exame aprofundado, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004.

D.      Decisão recorrida

18      Em 26 de fevereiro de 2019, a Comissão adotou a decisão recorrida. A concentração M.8871 foi declarada compatível com o mercado interno na fase de exame prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004 e no artigo 57.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE).

19      Em substância, a Comissão analisou os efeitos da concentração M.8871 principalmente no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na Alemanha. Na sua análise, a Comissão teve em conta, nomeadamente, os efeitos da concentração M.8870 e da concentração B8‑28/19. Teve igualmente em consideração o risco associado às estratégias de retenção de capacidade e as análises «Residual Supply Index» (índice de fornecimento residual, a seguir «RSI» ou «índice RSI») fornecidas pela RWE e por terceiros. Chegou à conclusão de que o aumento da quota de mercado da RWE imputável aos ativos da E.ON era limitado e temporário, pelo que a concentração M.8871 não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A Comissão considerou que esta conclusão não era posta em causa pelos outros elementos apresentados pelos terceiros. Por último, analisou igualmente os efeitos da concentração M.8871 no mercado do transporte de eletricidade tendo em conta a relação da RWE com a Amprion GmbH, um dos quatro operadores de rede de transporte alemães.

II.    Pedidos das partes

20      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas, incluindo as despesas com honorários de advogados e de viagem efetuadas pela recorrente no âmbito do processo.

21      A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela E.ON e pela RWE, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

22      A recorrente invoca, em substância, seis fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a uma cisão errada da análise da operação global, o segundo, à violação do dever de fundamentação, o terceiro, à violação do seu direito de audiência, o quarto, à violação do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, o quinto, a erros manifestos de apreciação e, o sexto, à violação do dever de diligência.

23      Há que analisar, antes de mais, a exceção de inadmissibilidade suscitada pela RWE.

A.      Quanto à admissibilidade

24      No seu articulado de intervenção, a RWE alega inadmissibilidade do recurso por ilegitimidade da recorrente. A este respeito, alega, em substância, que a recorrente não tem interesse individual em pedir a anulação da decisão recorrida.

25      Por um lado, a RWE sustenta que, além de um interesse geral enquanto produtora do mercado, a recorrente não põe em evidência o que a individualiza especificamente e a caracteriza em relação aos outros operadores e concorrentes. Por outro lado, não se pode considerar que o mercado alemão da eletricidade inclui um número restrito de produtores.

26      A recorrente responde que, de um ponto de vista formal, a RWE não pode, enquanto interveniente, arguir uma exceção de inadmissibilidade, uma vez que se deve limitar aos fundamentos de ataque e de defesa da Comissão, em apoio da qual interveio. Do ponto de vista material, a recorrente contesta os argumentos da RWE.

27      A esse respeito, há que lembrar que, nas suas conclusões, a Comissão se limitou a pedir que seja negado provimento ao recurso quanto ao mérito e não contestou a legitimidade da recorrente.

28      Ora, nos termos do artigo 40.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.o do mesmo Estatuto, o pedido de intervenção deve limitar‑se a sustentar o pedido de uma das partes no litígio. Além disso, nos termos do artigo 142.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção. Daí resulta que a RWE não tem legitimidade para arguir uma exceção de inadmissibilidade e que o juiz da União não é obrigado, em princípio, a examinar as causas de inadmissibilidade por ela invocadas. Contudo, segundo jurisprudência constante, o critério que sujeita a admissibilidade de um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva de uma decisão de que não é a destinatária aos pressupostos de admissibilidade fixados no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE constitui uma causa de não conhecimento de mérito de ordem pública de que os órgãos jurisdicionais da União podem conhecer a todo o tempo, mesmo oficiosamente (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão, C‑133/12 P, EU:C:2014:105, n.o 32 e jurisprudência referida). Cabe, pois, ao Tribunal Geral verificar oficiosamente se a recorrente tem legitimidade para agir contra a decisão recorrida.

29      Em conformidade com o disposto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, uma pessoa singular ou coletiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa se essa decisão lhe disser direta e individualmente respeito.

30      Assim, há que examinar se a decisão recorrida diz direta e individualmente respeito à recorrente.

31      Em primeiro lugar, no que respeita à afetação direta da recorrente, refira‑se que, uma vez que permite a realização imediata da concentração M.8871, a decisão recorrida era suscetível de induzir uma alteração imediata da situação dos mercados em causa. Uma vez que a vontade das partes na concentração M.8871 de a realizarem não estava sujeita a dúvidas, os operadores económicos que intervêm no mercado ou nos mercados em causa podiam, à data da decisão recorrida, ter por adquirida uma alteração imediata ou rápida do estado do mercado (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.o 32 e jurisprudência referida). Daí resulta que a decisão recorrida diz diretamente respeito à recorrente, que tem atividade nesse mercado.

32      Em segundo lugar, quanto à afetação individual da recorrente, há que lembrar que, de acordo com jurisprudência constante, as pessoas que não sejam destinatárias de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se as atingir em virtude de certas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, individualizando‑as, por isso, de forma idêntica à de um destinatário (v. Acórdão de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.o 34 e jurisprudência referida).

33      Perante uma decisão que declara a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum e relativamente a uma empresa terceira, é em função, por um lado, da sua participação no procedimento administrativo e, por outro, da afetação da sua posição no mercado que há que determinar se a decisão lhe diz individualmente respeito. Embora, seja certo que uma simples participação não basta, por si só, para demonstrar que a decisão diz individualmente respeito à recorrente, especialmente no domínio das concentrações cujo exame minucioso exija um contacto regular com muitas empresas, não deixa de ser verdade que a participação ativa no procedimento administrativo constitui um elemento que a jurisprudência regularmente toma em consideração, em matéria de concorrência, inclusivamente no domínio mais específico do controlo das operações de concentração, para, juntamente com outras circunstâncias específicas, decidir da admissibilidade do recurso (v. Acórdão de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.o 35 e jurisprudência referida).

34      Foi à luz da jurisprudência acima recordada no n.o 33, que o Tribunal Geral adotou uma medida de organização do processo destinada a convidar as partes a apresentarem, na audiência, as suas observações sobre a causa de não conhecimento de mérito de que ponderava conhecer oficiosamente.

35      Em primeiro lugar, quanto à participação da recorrente no procedimento administrativo relativo à concentração M.8871, refira‑se que a recorrente apresentou observações escritas à Comissão por carta de 17 de abril de 2018 e, em seguida, foi ouvida numa reunião individual realizada em 28 de agosto de 2018. Resulta igualmente dos autos que a recorrente enviou uma carta, em 18 de outubro de 2018, destinada a completar as observações que tinha apresentado na reunião de 28 de agosto de 2018.

36      Por carta de 4 de dezembro de 2018, a recorrente transmitiu à Comissão um estudo preparado a seu pedido pela Oxera Consulting LLP, empresa de consultoria económica, intitulada «Transaktion zwischen E.ON und RWE: Auswirkungen auf Erstabsatz‑ und Regelenergiemarkt» (operação entre E.ON e RWE: repercussões nos mercados da primeira venda e da regulação), de 29 de novembro de 2018 (a seguir «estudo Oxera»), ao qual juntou, por correio eletrónico de 25 de janeiro de 2019, a base de dados utilizada para a elaboração desse estudo.

37      Por último, a recorrente recebeu o questionário relativo ao estudo de mercado da Comissão em 24 de janeiro de 2019, ao qual respondeu em 30 de janeiro de 2019.

38      Resulta do exposto que, tendo apresentado à Comissão observações sobre a concentração M. 8871, por correspondência, numa reunião individual, ao fornecer o seu próprio estudo de impacto da concentração no mercado, a saber, o estudo Oxera, e ao responder ao estudo de mercado, a recorrente participou ativamente no processo, o que, de resto, não é impugnado pelas outras partes.

39      Em segundo lugar, quanto à afetação individual da posição da recorrente no mercado, resulta dos seus articulados que ela intervém, enquanto empresa municipal de eletricidade, a todos os níveis da cadeia de valor, entre outros, na produção de eletricidade, e é, por conseguinte, uma concorrente das partes na concentração. Esta descrição da atividade da recorrente não foi impugnada pelas outras partes.

40      Em contrapartida, a RWE considera, no essencial, que a qualidade de concorrente da recorrente é apenas uma qualidade objetiva, que não a caracteriza em relação a qualquer outro concorrente que se encontre, atual ou potencialmente, numa situação idêntica. Neste sentido, alega nomeadamente o facto de a recorrente não estabelecer uma diferença entre ela e os outros concorrentes quando aborda os efeitos da concentração sobre a sua situação concorrencial.

41      Por outro lado, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência, as partes reconheceram que não importava determinar se a recorrente era uma concorrente principal da RWE e da E.ON, mas sim se tinha demonstrado ser afetada pela decisão recorrida em razão de circunstâncias particulares.

42      Refira‑se, a esse respeito, que a recorrente alegou que a sua posição concorrencial seria afetada pela concentração M.8871, na medida em que, ao alterar a estrutura do mercado alemão da eletricidade, esta desvalorizaria os grandes investimentos realizados pela recorrente e calculados a longo prazo tendo em conta a existência de um mercado da eletricidade descentralizado e cada vez mais volátil.

43      É certo que tal argumento pode ser avançado por outros concorrentes além da recorrente que se encontrem numa situação semelhante à sua.

44      Não é menos verdade que se refere à situação da recorrente e que, além disso, esta comunicou, tanto no procedimento administrativo como no processo judicial, as vivas preocupações que lhe suscitava essa concentração ao indicar, por diversas vezes, que a sua posição concorrencial iria ser afetada.

45      A este título, indicou ao Tribunal os diferentes projetos relacionados com a modernização e a construção de centrais elétricas que seriam afetados pela concentração M.8871. Estas planificações, detalhadas na petição, estendiam‑se até 2035 e baseavam‑se na hipótese de inexistência da concentração M.8871. A recorrente considera que certos investimentos nas novas capacidades são desvalorizados devido à concentração crescente do mercado e à margem de manobra acrescida da RWE na sequência da concentração M.8871.

46      Assim, tendo em conta as circunstâncias específicas do presente processo, especialmente o grande envolvimento da recorrente no procedimento administrativo, o seu estatuto de concorrente das partes na concentração e o impacto potencial no valor de certos investimentos especificamente identificados pela recorrente na sequência da concentração, há que considerar que a decisão recorrida diz individualmente respeito à recorrente.

47      Uma vez que a decisão recorrida diz direta e individualmente respeito à recorrente, há que concluir que o recurso é admissível.

B.      Quanto ao mérito

1.      Considerações preliminares

48      Deve recordar‑se que, quando a Comissão analisa uma concentração para efeitos do disposto no artigo 2.o do Regulamento n.o 139/2004, efetua uma primeira fase de investigação para apurar se a concentração suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento. Se concluir que a concentração em análise suscita essas dúvidas, a Comissão dá início a uma segunda fase de investigação no termo da qual deve decidir se a concentração entrava significativamente a concorrência no mercado interno na aceção do artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004 (Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 45).

49      Embora seja verdade que, ao contrário do artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004, o artigo 6.o desse regulamento se refere à existência ou ausência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração notificada com o mercado interno, não é menos verdade que a Comissão se deve basear, em ambos os casos, nos mesmos critérios de apreciação, tais como são previstos no artigo 2.o do mesmo regulamento. De igual forma, as exigências de prova não são maiores para as decisões tomadas nos termos do artigo 6.o do Regulamento n.o 139/2004 do que para as tomadas nos termos do artigo 8.o do mesmo regulamento. Com efeito, quer a Comissão autorize, como no caso presente, uma concentração no fim da primeira fase quer depois de uma segunda fase de exame, as exigências de prova são idênticas. A resposta à questão de saber se a Comissão pode decidir com base no artigo 6.o ou nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004 depende, assim, da disponibilidade das provas no tempo, mas não do seu nível (Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 46).

50      No que respeita às exigências de prova, resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, Colet., p. I‑4951, n.os 50 a 53) que a Comissão é, em princípio, obrigada a tomar posição ou no sentido da autorização da operação de concentração que lhe foi submetida ou da sua proibição, segundo a sua apreciação da evolução económica atribuível à operação em causa cuja probabilidade seja mais forte. Trata‑se, portanto, de uma apreciação de probabilidades e não de uma obrigação de a Comissão demonstrar, sem dúvidas razoáveis, que uma concentração não suscita problemas de concorrência (Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 47).

51      A esse respeito, há que lembrar que o Regulamento n.o 139/2004 não assenta numa presunção de incompatibilidade das concentrações com o mercado interno (Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 48). Com efeito, o Regulamento n.o 139/2004 prevê uma exigência de prova simétrica para autorizar ou proibir uma concentração e, portanto, não cria nenhuma presunção de legalidade ou de ilegalidade das concentrações.

52      É certo que o artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004 não confere à Comissão nenhum poder discricionário quanto à decisão de dar início a uma segunda fase de investigação adicional quando se depara com dúvidas sérias sobre a compatibilidade da concentração com o mercado interno. Com efeito, quando a Comissão tem dúvidas sérias quanto à compatibilidade de uma concentração com o mercado interno, é obrigada a dar início a uma segunda fase de investigação. Contudo, mesmo que o conceito de «dúvidas sérias» revista caráter objetivo, não deixa de ser verdade que, antes de adotar uma decisão nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão deve efetuar apreciações económicas complexas e dispor, para esse efeito, de uma certa margem de apreciação que o Tribunal Geral deve ter em conta (Acórdãos de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T‑119/02, EU:T:2003:101, n.o 77, e de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 49).

53      Por conseguinte, seja para as decisões adotadas nos termos do artigo 6.o seja para as adotadas com base no artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004, a jurisprudência prevê um grau de fiscalização jurisdicional idêntico. Em ambos os casos, a fiscalização exercida pelo juiz da União sobre as apreciações económicas complexas da Comissão deve limitar‑se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, da inexatidão material dos factos, bem como da inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvio de poder. A esse respeito, há que lembrar que o juiz da União deve verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 50).

54      É à luz destas considerações que devem ser examinados os fundamentos invocados pela recorrente.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma cisão errada da análise da operação global

55      A recorrente considera, em substância, que a separação da análise da concentração M.8870 e da concentração M.8871 é puramente formal. Em seu entender, a Comissão deveria ter apreciado conjuntamente as duas concentrações, uma vez que dependiam uma da outra do ponto de vista económico, tinham sido acordadas de forma simultânea e estavam da mesma forma juridicamente ligadas.

56      A recorrente conclui que a operação global representa uma única e mesma concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, pois, em conformidade com o seu considerando 20, contém operações que estão estreitamente ligadas na medida em que o estão por condição.

57      A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela E.ON e pela RWE, contesta os argumentos da recorrente.

a)      Quanto ao alcance do primeiro fundamento

58      Resulta do primeiro fundamento, tal como apresentado na petição, que a crítica dirigida à Comissão é relativa ao facto de não ter examinado em conjunto as concentrações M.8870 e M.8871. Todavia, no âmbito, nomeadamente, das suas observações sobre o articulado de intervenção da RWE, a recorrente indica que a operação global tem caráter unitário e que a Comissão é competente mesmo quando a uma empresa, no caso, a RWE, é dada, em contrapartida da entrada de filiais noutra sociedade, a saber, a innogy, à E.ON, uma participação minoritária que não confere nenhum direito de controlo na empresa cessionária, a saber, os 16,67 % na E.ON.

59      Interrogada na audiência sobre o alcance do seu fundamento, a recorrente precisou que considerava que as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19 constituíam uma única concentração. Embora reconhecendo que essas três concentrações foram objeto de controlo segundo processos diferentes, a saber, um processo regulado pelo direito alemão para a concentração B8‑28/19 e dois processos distintos regidos pelo direito da União para as concentrações M.8870 e M.8871, a recorrente contesta a escolha que foi feita. Em especial, entende que a participação adquirida pela RWE na E.ON de 16,67 % não é uma participação minoritária e não constitui uma participação financeira sem importância. Pelo contrário, considera que permite uma influência determinante da RWE na E.ON. É em consideração disso que se deveria verificar se a operação global constituía efetivamente uma única concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004.

60      Os esclarecimentos prestados pela recorrente na audiência permitem compreender que o primeiro fundamento visa criticar a Comissão, por um lado, por não ter controlado a concentração B8‑28/19 e, por outro, por não ter considerado as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19 como as componentes de uma única concentração.

b)      Quanto ao controlo da concentração B828/19

61      Há que observar que, no n.o 74 da decisão recorrida, a Comissão recordou que, na sua apreciação dos efeitos concorrenciais de qualquer aquisição de controlo, devia igualmente ter em conta as participações minoritárias detidas pelo adquirente em eventuais sociedades associadas. De acordo com essa regra, a Comissão verificou se a relação estrutural nascida da aquisição da participação minoritária da RWE na E.ON, objeto da concentração B8‑28/19, poderia, por um lado, reduzir o interesse da RWE e da E.ON em entrar em concorrência no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na Alemanha e, por outro, dar à RWE ou à E.ON a capacidade e um interesse em excluir concorrentes, quer a montante, na produção ou na venda grossista de eletricidade, quer a jusante, na venda de eletricidade a retalho na Alemanha, quer ainda as duas (n.o 75, da decisão recorrida).

62      Por outras palavras, a Comissão teve em conta a participação minoritária adquirida pela RWE na E.ON no âmbito da apreciação dos efeitos da concentração M.8871, mas não examinou a compatibilidade da concentração B8‑28/19 com o mercado interno, à luz do Regulamento n.o 139/2004.

63      Foi o Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas que examinou a compatibilidade da concentração B8‑28/19 à luz das regras instituídas pelo direito nacional alemão.

64      A esse respeito, a recorrente alega que a Comissão devia ter examinado a concentração B8‑28/19, uma vez que a participação minoritária adquirida pela RWE sobre a E.ON permitia à RWE exercer uma influência determinante sobre a E.ON.

65      Há que lembrar que o artigo 3.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 139/2004 dispõe que:

«1.      Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

a)      Fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes; ou

b)      Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do ativo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo direto ou indireto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.

2.      O controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre uma empresa e, nomeadamente:

a)      Direitos de propriedade ou de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte dos ativos de uma empresa;

b)      Direitos ou contratos que conferem uma influência determinante na composição, nas deliberações ou nas decisões dos órgãos de uma empresa.»

66      Assim, na medida em que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 visa a influência determinante adquirida na atividade de uma empresa para qualificar a existência de um controlo suscetível de caracterizar uma concentração, há que deduzir da alegação da recorrente que esta considera que a concentração B8‑28/19 constitui uma concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004 e que, nessas condições, a Comissão deveria tê‑la examinado.

67      Ora, o objeto do presente recurso incide formalmente na decisão da Comissão, de 26 de fevereiro de 2019, que declarou a concentração M.8871 compatível com o mercado interno. A esse respeito, embora a decisão recorrida contenha elementos sobre a participação minoritária adquirida pela RWE na E.ON, suscetível de fazer compreender as razões pelas quais a Comissão não considerou a concentração B8‑28/19 uma concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, não se pode deixar de observar que não se pronuncia expressamente sobre esta questão e, por extensão, sobre a competência da Comissão para conhecer da compatibilidade desta concentração com o mercado interno. Por conseguinte, a recorrente não pode utilizar o fundamento baseado na errada cisão da operação global para pedir ao Tribunal Geral que decida de uma questão de competência que não foi abordada pela Comissão na decisão efetivamente impugnada perante ele.

68      A este respeito, há que notar ainda que, se a recorrente considerava que a concentração B8‑28/19 era suscetível de ter dimensão a nível da União, cabia‑lhe dirigir uma denúncia à Comissão a fim de lhe pedir para dela conhecer. Com efeito, nesse caso, a Comissão era obrigada a pronunciar‑se sobre o próprio princípio da sua competência de autoridade de controlo (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2003, Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, C‑170/02 P, EU:C:2003:501, n.os 27 a 30). A decisão eventualmente adotada poderia assim ter sido objeto de fiscalização jurisdicional através de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE. Alternativamente, em caso de falta de resposta por parte da Comissão, poderia ter sido intentada uma ação por omissão, nos termos do artigo 265.o, terceiro parágrafo, TFUE.

69      Em todo o caso, a aquisição de uma participação minoritária só pode dar origem a uma tomada de controlo, como resulta dos n.os 57 e 59 da Comunicação consolidada da Comissão em matéria de competência ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 139/2004 (JO 2008, C 95, p. 1; retificação no JO 2009, C 43, p. 10, a seguir «Comunicação consolidada sobre a competência»), se estiverem associados à participação minoritária direitos específicos que deem origem a um controlo exclusivo de direito ou se o acionista minoritário obtiver, por circunstâncias específicas, um controlo exclusivo de facto.

70      Ora, no caso, por um lado, a recorrente não alegou que estivessem associados direitos específicos à participação minoritária adquirida pela RWE. Em especial, não alegou que as ações adquiridas fossem ações preferenciais às quais estivessem conferidos direitos especiais que dessem à RWE a possibilidade de determinar a estratégia comercial da E.ON, como o poder de nomear mais de metade dos membros do conselho de supervisão ou de administração, nem que a RWE tinha o direito de gerir as atividades da E.ON e de determinar a sua política comercial com base na estrutura organizacional.

71      Por outro lado, como adiante se demonstra nos n.os 374, 375 e 383, o acordo de relações entre investidores celebrado entre a RWE e a E.ON limita os direitos de voto que podem ser exercidos pela RWE a 16,67 % nas assembleias dos acionistas, independentemente da taxa de presença. Por conseguinte, a RWE não pode obter a maioria na assembleia geral da E.ON, mesmo na presença de um pequeno número de acionistas. Além disso, como adiante se indica, em substância, no n.o 388, a recorrente não apresentou nenhuns indícios para sustentar a plausibilidade da existência de uma qualquer coordenação entre a [confidencial] e a RWE nas assembleias gerais da E.ON que pudesse conferir à RWE uma maioria estável nessas assembleias. Por conseguinte, não se pode considerar que RWE adquiriu um controlo exclusivo de facto sobre a E.ON.

72      Assim, a recorrente não tem razão ao sustentar que a concentração B8‑28/19 constitui uma concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004.

c)      Quanto à existência de uma única concentração

73      Estando em oposição as partes, tanto nos articulados como na audiência, sobre o próprio conceito de «única concentração», há que definir este conceito antes de verificar se é aplicável à operação global.

1)      Quanto ao conceito de «única concentração»

74      É certo que o conceito de «única concentração» figura unicamente no considerando 20, e não no articulado do Regulamento n.o 139/2004 (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 91).

75      O considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 indica que:

«O conceito de concentração deverá ser definido de modo a abranger as operações de que resulte uma alteração duradoura no controlo das empresas em causa e, por conseguinte, na estrutura do mercado. Consequentemente, é adequado incluir no âmbito de aplicação do presente regulamento todas as empresas comuns que desempenhem de forma duradoura todas as funções de uma entidade económica autónoma. É, além disso, adequado considerar como uma única concentração operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos que tem lugar num prazo razoavelmente curto.»

76      No entanto, por um lado, este considerando não contém uma definição taxativa das condições em que duas operações ou mais constituem uma única concentração. Refira‑se, por outro, que um considerando de um regulamento, embora possa permitir esclarecer a interpretação a dar a uma norma jurídica, não pode constituir, por si só, uma tal norma. O preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo (v. Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:C:2017:753, n.o 150 e jurisprudência referida).

77      Assim, de acordo com a jurisprudência, o preâmbulo de um ato da União não pode ser invocado nem para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições de uma forma manifestamente contrária à sua letra (v. Acórdão de 24 de novembro de 2005, Deutsches Milch‑Kontor, C‑136/04, EU:C:2005:716, n.o 32 e jurisprudência referida). Por conseguinte, embora o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 possa servir de elemento de interpretação das disposições deste regulamento, não se pode deduzir validamente só da redação desse considerando uma interpretação do conceito de «única concentração» que não seja conforme com essas disposições (Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 44).

78      Por conseguinte, o conceito de «única concentração», que figura no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, deve ser interpretado num sentido compatível com o conceito de «concentração» definido no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Neste sentido, o considerando 20 não pode ser objeto de uma interpretação que tenha por consequência alargar o alcance do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

79      Ora, tendo em conta o conteúdo do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 acima lembrado no n.o 65, há que considerar que uma única concentração é uma concentração composta por, pelo menos, duas operações estreitamente ligadas por condição ou que assumam a forma de uma série de transações de títulos que tenha lugar num prazo razoavelmente curto e que conduza a uma mudança duradoura do controlo resultante da fusão de duas ou mais empresas ou partes dessas empresas, ou da aquisição por uma ou mais pessoas que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa ou por uma ou mais empresas, do controlo direto ou indireto da totalidade ou de partes de uma ou mais outras empresas.

80      Por outras palavras, devem estar preenchidos dois pressupostos para se considerar que duas ou mais operações constituem uma única concentração na aceção do considerando 20 e do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004. Por um lado, é necessário que as operações sejam interdependentes, de modo que não seriam realizadas umas sem as outras. Por outro lado, o resultado dessas operações deve consistir em conferir a uma ou mais empresas o controlo económico, direto ou indireto, da atividade de uma ou de mais outras empresas (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 109).

81      A este respeito, a recorrente alega que o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 concretiza a vontade da Comissão, que se manifestou através do seu Livro Verde sobre a revisão do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [COM(2001) 745 final, a seguir «Livro Verde»], de considerar de forma muito geral as trocas de ativos como uma única concentração, a fim de assegurar uma apreciação coerente do conjunto da operação.

82      Contudo, há que salientar que um livro verde se destina apenas a lançar um processo de consulta a nível da União e não pode, por conseguinte, criar uma obrigação da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 178).

83      Por outro lado, embora seja verdade que, no considerando 133 do Livro Verde, a Comissão indicou que havia que redigir disposições que equiparassem operações de trocas de ativos entre duas sociedades a concentrações que consistissem numa única operação, não é menos verdade que essa proposta não foi acolhida no Regulamento n.o 139/2004. Em especial, não foi introduzida a alteração do artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1), relativa ao cálculo do volume de negócios para a determinação da competência da Comissão para conhecer de uma operação de concentração, prevista no Livro Verde.

84      Assim, resulta da génese legislativa do Regulamento n.o 139/2004 que a renúncia à inclusão de disposições inspiradas no considerando 133 do Livro Verde resulta de uma decisão deliberada do legislador da União.  Esse considerando 133 não foi integrado na versão final do Regulamento n.o 139/2004, tal como foi adotado, e a única disposição que trata do conceito de «única concentração» é o considerando 20 do referido regulamento.

85      Por conseguinte, mesmo que a Comissão fosse de opinião, no momento da publicação do seu Livro Verde, de que se devia considerar que as trocas de ativos como as do caso presente formam uma única concentração, isso é irrelevante para responder à questão de saber se as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19 constituem uma única concentração, sendo apenas pertinentes, a este respeito, o Regulamento n.o 139/2004 e a Comunicação consolidada sobre a competência.

86      Ora, tendo em conta as condições acima lembradas no n.o 80, o conceito de «única concentração» não é aplicável quando empresas independentes adquirem o controlo de objetivos diferentes, como no caso de uma troca de ativos.

2)      Aplicação ao caso vertente

i)      Quanto à condição relativa à interdependência das operações em causa

87      A condição relativa à interdependência das operações em causa foi precisada no n.o 43 da Comunicação consolidada sobre a competência.

88      A este respeito, importa recordar que resulta dos n.os 1 e 4 da Comunicação consolidada sobre a competência que esta foi adotada no interesse de garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da ação empreendida pela Comissão (Acórdão de 5 de outubro de 2020, HeidelbergCement e Schwenk Zement/Comissão, T‑380/17, EU:T:2020:471, n.o 132).

89      O ponto 43 da Comunicação consolidada sobre a competência dispõe:

«A condicionalidade exigida implica que nenhuma das operações teria lugar sem as outras, pelo que o conjunto das operações constitui uma operação única […]. Tal condicionalidade é normalmente estabelecida quando as operações estão ligadas de direito, ou seja, quando os próprios acordos estão ligados por uma condicionalidade recíproca. Contudo, se puder ser razoavelmente estabelecida uma condicionalidade de facto, esta é igualmente suficiente para considerar as operações como uma única concentração. Neste caso, é necessária uma avaliação económica para se saber qual das operações depende necessariamente da conclusão das outras […], A interdependência de várias operações pode igualmente manifestar‑se pelas declarações das partes intervenientes ou pela conclusão simultânea dos acordos em causa. Na ausência dessa simultaneidade, será difícil concluir pela intercondicionalidade de facto das várias operações. A ausência manifesta de simultaneidade em relação a operações de condicionalidade recíproca sob o ponto de vista jurídico também pode suscitar dúvidas quanto à sua interdependência efetiva.»

90      No caso, é pacífico que as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19 fazem parte de uma troca complexa de ativos entre a RWE e a E.ON e estão juridicamente ligadas entre si. Isto resulta, aliás, do n.o 3 da decisão recorrida.

91      Além disso, a decisão recorrida menciona, na nota de pé de página n.o 34, que «[o]s contratos relativos à transferência dos ativos da E.ON para a RWE estão sujeitos ao encerramento da aquisição de inovação pela E.ON que, assim, adquire, a título temporário ou a título permanente, o controlo dos ativos que são objeto da dissociação inversa». Do mesmo modo, no n.o 74 da decisão recorrida, indica‑se, em substância, que a participação minoritária de 16,67 % adquirida pela RWE na E.ON constitui a contrapartida que a RWE obtém pela transferência para a E.ON das suas atividades de distribuição e de comércio a retalho, bem como de determinados ativos de produção atualmente explorados pela innogy. Há que deduzir daí que as operações em causa estão ligadas juridicamente, isto é, que por um acordo de natureza contratual, as diferentes transações da permuta de ativos estão ligadas por uma condicionalidade recíproca.

92      Em todo o caso, as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19 estão ligadas por uma condicionalidade de facto.

93      Neste sentido, estão reunidos no caso presente os elementos que permitem reconhecer a existência de uma condicionalidade de facto, conforme referidos no n.o 43 da Comunicação consolidada sobre a competência, a saber, as declarações feitas pelas próprias partes na concentração e a celebração simultânea dos acordos em causa.

94      Daí resulta que a operação global preenche o pressuposto da interdependência das operações em causa.

ii)    Quanto ao pressuposto do resultado

95      O pressuposto do resultado foi objeto de precisões nos pontos 41 e 44 da Comunicação consolidada sobre a competência. O ponto 41 indica que:

«Contudo, várias operações, apesar de ligadas entre si por uma condição, somente podem ser tratadas como uma única concentração se o controlo for adquirido pela mesma ou mesmas empresas. Apenas neste caso se pode presumir que duas ou mais operações são unitárias por natureza e, por conseguinte, constituem uma única concentração nos termos do artigo 3.o [do Regulamento n.o 139/2004] […]. Neste contexto, são excluídas as cisões de empresas comuns pelas quais se dividem várias partes de uma empresa pelas antigas empresas‑mãe. A Comissão deverá considerar essas operações como concentrações distintas […]. O mesmo se aplica às operações em que duas (ou mais) empresas procedem à transferência de ativos decorrente de cisões de empresas comuns ou permutas de ativos. Embora as partes intervenientes considerem normalmente essas operações interligadas, o Regulamento das concentrações exige uma avaliação separada de cada uma das transações: várias empresas adquirem controlo de diferentes elementos do ativo; verifica‑se uma combinação distinta de recursos em relação a cada uma das empresas adquirentes; e o impacto no mercado de cada uma dessas aquisições de controlo deve ser analisado separadamente no quadro do Regulamento das concentrações.»

96      Por seu turno, o ponto 44, dispõe:

«O princípio segundo o qual as várias operações podem ser consideradas uma única concentração, nas condições já expostas, só se aplica se daí resultar que o controlo de uma ou de várias empresas é adquirido pela mesma ou mesmas pessoas ou empresas. Em primeiro lugar, isso pode acontecer se uma atividade ou empresa individual for adquirida mediante várias transações jurídicas. Em segundo lugar, também a aquisição de controlo de várias empresas, suscetíveis, enquanto tal, de constituir concentrações distintas, podem estar ligadas de modo a constituírem uma única concentração. Contudo, no âmbito do Regulamento das concentrações, não é possível estabelecer um vínculo entre várias operações jurídicas que se referem apenas parcialmente a uma aquisição do controlo de empresas ou à aquisição de outros elementos do ativo, tal como participações minoritárias que não conferem direitos de controlo em outras sociedades. Não seria compatível com o quadro geral e o âmbito do Regulamento das concentrações se operações diferentes, ligadas por uma condição, fossem avaliadas como um todo indissociável ao abrigo do regulamento em causa, se apenas algumas das operações conduzirem a uma alteração do controlo de um determinado objetivo.»

97      No caso, como foi acima lembrado no n.o 5, a concentração M.8871 visa a aquisição pela RWE de ativos da E.ON enquanto a concentração M.8870 visa a aquisição pela E.ON da innogy, filial da RWE. Quanto à concentração B8‑28/19, permite à RWE adquirir uma participação minoritária de 16,67 % na E.ON.

98      Em primeiro lugar, há que observar que, no que respeita à concentração M.8870, por um lado, e às concentrações M.8871 e B8‑28/19, por outro, as empresas adquirentes são diferentes. Com efeito, trata‑se, respetivamente, da E.ON e da RWE. Do mesmo modo, as empresas adquiridas não são as mesmas, uma vez que, no que respeita à concentração M.8870, se trata da innogy, filial da RWE, e no âmbito das concentrações M.8871 e B8‑28/19, as empresas em questão são, respetivamente, os ativos da E.ON e da E.ON.

99      Em segundo lugar, no que respeita às concentrações M.8871 e B8‑28/19, embora a empresa adquirente seja a mesma, a saber, a RWE, as empresas adquiridas são diferentes. Com efeito, no âmbito da concentração M.8871, a RWE adquire ativos da E.ON ao passo que, no âmbito da concentração B8‑28/19, é uma participação minoritária na E.ON que a RWE adquire. Ora, a conjugação da aquisição dos ativos da E.ON e da participação minoritária da E.ON não leva a que a RWE adquira um controlo sobre a E.ON. Neste sentido, ao ceder os seus ativos à RWE, a E.ON deixa de estar ligada a eles, pelo que a RWE não pode, por intermédio deles, exercer uma influência determinante sobre a E.ON.

100    Nestas circunstâncias, não se pode admitir que as operações de concentração visem, como resultado, a aquisição do controlo de uma ou de várias empresas pela ou pelas mesmas empresas. Em definitivo, fora da interdependência criada voluntariamente pela RWE e pela E.ON, não existe um nexo funcional entre as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19, uma vez que a operação global do caso presente não é uma operação pela qual sejam realizadas várias transações intermédias para se chegar ao controlo de uma ou de várias empresas pela ou pelas mesmas empresas.

101    Daí resulta que a operação global não preenche o pressuposto do resultado.

3)      Conceito de «única concentração» e exigência de uma apreciação global

102    A recorrente sustenta que é contraditório a Comissão analisar separadamente a concentração M.8871 e a concentração M.8870, tendo simultaneamente em conta, no âmbito do exame da concentração M.8871, a transferência da innogy para a E.ON.

103    A este respeito, a Comissão invoca a regra de prioridade.

104    Segundo esta regra, em substância, a Comissão vai ter em conta, na apreciação dos efeitos de uma operação de concentração, os efeitos de uma operação de concentração notificada antes da que foi submetida ao controlo.

105    Por força dessa regra, a Comissão teve em conta, no âmbito da análise da concentração M.8871, a concentração M.8870, pelo facto de esta última ter sido notificada antes da concentração M.8871.

106    Todavia, na audiência, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal, a Comissão reconheceu que, por um lado, a regra de prioridade não tinha sido mencionada na decisão recorrida e que, por outro, não era necessário invocá‑la para explicar a consideração da concentração M.8870 na análise da concentração M.8871. A esse respeito, o simples facto de essas duas concentrações estarem ligadas é suficiente para explicar que a Comissão teve em conta a concentração M.8870 no âmbito da decisão recorrida.

107    Refira‑se que a regra de prioridade resulta apenas da prática decisória da Comissão e não está prevista em nenhuma disposição do Regulamento n.o 139/2004 ou do Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.o 139/2004 (JO 2004, L 133, p. 1).

108    No caso, formalmente, a concentração M.8871 foi notificada em 22 de janeiro de 2019, ou seja, anteriormente à concentração M.8870, notificada em 31 de janeiro de 2019.

109    Por conseguinte, mesmo que o Tribunal Geral confirmasse a existência da regra de prioridade, nos termos definidos pela Comissão, esta não pode, em todo o caso, ser pertinente para justificar que os efeitos produzidos pela concentração M.8870 tenham sido tidos em conta para efeitos da análise dos efeitos da concentração M.8871.

110    Assim sendo, a legalidade de uma decisão sobre a compatibilidade de uma concentração com o mercado interno deve ser apreciada em função das informações de que a Comissão dispunha no momento em que a tomou. Assim, a apreciação, pela Comissão, da compatibilidade de uma concentração com o mercado interno deve ter em conta as circunstâncias de facto e de direito existentes no momento da notificação dessa concentração e cujo alcance económico possa ser avaliado no momento em que é tomada essa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2021, Polskie Linie Lotnicze «LOT»/Comissão, T‑296/18, EU:T:2021:724, n.o 55 e jurisprudência referida).

111    Ora, no âmbito de uma troca de ativos, como a do caso presente, a Comissão, tal como as partes notificantes nas diferentes operações de concentração, pode antecipar os efeitos no mercado interno que a execução provável de cada operação de concentração será suscetível de ter, separada e conjuntamente. Com efeito, a interdependência de direito e de facto das operações de concentração no caso presente permite à Comissão conceber a situação da estrutura do mercado após a sua realização.

112    Assim, no caso, tendo em conta a interdependência das operações de concentração em causa, uma aplicação mecânica da regra de prioridade poderia ter efeitos arbitrários sobre o alcance da análise da Comissão.

113    Acrescente‑se ainda que o objetivo prosseguido pelo conceito de «única concentração» é permitir o exame conjunto de transações que visam, in fine, o mesmo resultado, ou seja, a aquisição por uma ou várias empresas do controlo económico, direto ou indireto, sobre a atividade de uma ou mais outras empresas. Isto justifica‑se pelo facto de, nesse caso, as transações previstas suscitarem as mesmas problemáticas e provocarem consequências da mesma natureza no mercado interno.

114    Esta interpretação está em conformidade com a interpretação a dar ao considerando 20 e ao artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, tanto com base na sua finalidade como com base na sua sistemática geral (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 20 e jurisprudência referida).

115    Em contrapartida, quando, como no caso presente, as operações de concentração não se destinam a produzir o mesmo resultado, não são unitárias pela essência nem têm de ser examinadas em conjunto como transações que fazem parte de uma única concentração, uma vez que não suscitam necessariamente as mesmas problemáticas e não produzem efeitos da mesma natureza no mercado. Com efeito, nesse caso, várias empresas adquirem o controlo de elementos de ativos diferentes, de modo que se efetua um agrupamento distinto de recursos para cada uma das empresas adquirentes e a incidência no mercado de cada uma dessas aquisições de controlo é diferente.

116    No entanto, se apresentarem uma ligação que permita à Comissão antecipar os efeitos prováveis de cada concentração no mercado, cabe à Comissão tê‑los em conta na apreciação global de todos os elementos de prova pertinentes que realiza de cada uma dessas operações. Com efeito, nesse caso, cada uma das operações em causa constitui, relativamente às outras operações, um elemento que a Comissão deve ter em conta na sua análise global dos efeitos da operação no mercado interno.

117    Daí resulta que de modo algum é contraditório a Comissão analisar separadamente as concentrações M.8870 e M.8871 em causa, tendo embora em conta, na decisão recorrida, o impacto que têm respetivamente uma sobre a outra.

118    Pelas mesmas razões, há que rejeitar o argumento da recorrente de que, tendo em conta a concentração M.8870, a Comissão antecipou o resultado da avaliação dessa concentração, pelo que deveria ter examinado conjuntamente as duas operações de concentração.

119    Com efeito, para examinar da melhor forma possível o impacto que a concentração M.8871 poderia ter no mercado interno, a Comissão era obrigada a tomar em consideração um mercado suscetível de ser alterado pela potencial realização da concentração M.8870. Não é isso que significa, porém, que as duas operações de concentração deveriam ter sido analisadas no âmbito de um único procedimento, uma vez que não preenchiam as condições para serem consideradas parte de uma única concentração, ou que o resultado da análise da concentração M.8870 tenha sido pré‑decidido.

d)      Conclusão

120    Dado não se verificar, no caso presente, um dos pressupostos para o reconhecimento da existência de uma única concentração, a saber, o pressuposto do resultado, foi com razão que a Comissão considerou que as concentrações M.8870, M.8871 e B8‑28/19 não constituíam as componentes de uma única concentração.

121    Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

122    A recorrente considera que a fundamentação da decisão recorrida é extremamente sucinta e não faz justiça à complexidade e aos efeitos da operação global. Alega que a exposição da Comissão se baseia em descrições gerais e se resume, quanto ao mérito, quase exclusivamente ao argumento não sustentado de o crescimento da RWE resultante da concentração ser mínimo e, em todo o caso, temporário em razão da saída do nuclear.

123    Segundo a recorrente, a fundamentação da decisão recorrida só vagamente revela, na melhor das hipóteses, a forma como foram ouvidas, apreciadas e ponderadas as numerosas objeções suscitadas em relação à concentração. A recorrente está, em todo o caso, impossibilitada de verificar o fundamento da autorização concedida. Do mesmo modo, a Comissão não examinou de forma alguma outros aspetos concorrenciais da concentração.

124    A Comissão, apoiada pela E.ON e pela RWE, contesta os argumentos da recorrente.

125    Conforme resulta de jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, a fim de permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas direta e individualmente interessadas no mesmo possam ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 296.o deve ser apreciada à luz não só à luz do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 166 e jurisprudência referida).

126    Todavia, o autor de um ato dessa natureza não é obrigado a tomar posição sobre elementos claramente secundários ou a antecipar potenciais objeções. Além disso, o grau de precisão da fundamentação de uma decisão deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou de prazo em que deve ser tomada. Assim, a Comissão não viola o seu dever de fundamentação se, quando exerce o seu poder de fiscalização das operações de concentração, não incluir na sua decisão uma fundamentação precisa quanto à apreciação de um certo número de aspetos da concentração que lhe pareçam manifestamente despropositados, destituídos de significado ou claramente secundários para a apreciação desta última. Com efeito, essa exigência seria dificilmente compatível com o imperativo de celeridade e os curtos prazos do procedimento que se impõem à Comissão quando exerce o seu poder de controlo das operações de concentração e que fazem parte das circunstâncias específicas de um procedimento de controlo dessas operações (Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 167).

127    Resulta daí que, quando a Comissão declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, a exigência de fundamentação é respeitada se essa decisão expuser claramente as razões pelas quais a Comissão considera que a concentração em questão, eventualmente depois de alterações introduzidas pelas empresas em causa, não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum (v. Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 193 e jurisprudência referida).

128    A este respeito, embora seja verdade que a Comissão não é obrigada, na fundamentação das decisões adotadas nos termos da regulamentação relativa ao controlo das operações de concentração, a tomar posição sobre todos os elementos e argumentos invocados perante si, incluindo os que são claramente secundários para a apreciação a fazer, não é menos verdade que deve expor os factos e as considerações jurídicas que tenham importância essencial na sistemática da decisão. Além disso, a fundamentação deve ser lógica, não apresentando, nomeadamente, contradições internas (Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169).

129    Resulta ainda da jurisprudência que a falta ou a insuficiência de fundamentação constitui um fundamento relativo à preterição de formalidades essenciais e distinto, enquanto tal, do fundamento relativo à incorreção dos fundamentos da decisão, cuja fiscalização faz parte da análise do mérito dessa decisão (Acórdão de 19 de junho de 2009, Qualcomm/Comissão, T‑48/04, EU:T:2009:212, n.o 175 e jurisprudência referida).

130    É à luz destas considerações que deve ser analisado o segundo fundamento invocado pela recorrente.

131    Primeiro, refira‑se que, na decisão recorrida, a Comissão definiu o mercado relevante, explicando as razões pelas quais seguia essa definição (n.os 11 a 24 da decisão recorrida).

132    Segundo, a Comissão deu explicações sobre a estrutura do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na Alemanha e expôs a repartição das quotas de mercado entre os operadores que aí exercem as suas atividades (n.os 25 a 29 da decisão recorrida) antes de analisar o aumento por parte da RWE na sequência da concentração. A esse respeito, teve nomeadamente em conta o impacto da transferência de certos ativos da innogy para a E.ON (n.os 30 a 35 da decisão recorrida). Além disso, lembrou o funcionamento dos dois regimes de subvenção dos ativos que produzem eletricidade renovável, tais como previstos na Gesetz für den Ausbau erneuerbarer Energien (Erneuerbare‑Energien‑Gesetz — EEG 2017) (Lei Alemã das Energias Renováveis), de 21 de julho de 2014 (BGBl. 2014 I, p. 1066, a seguir «lei EEG») (n.os 36 a 39 da decisão recorrida). Após ter lembrado estes diferentes elementos e o ponto de vista da RWE (n.os 40 a 42 da decisão recorrida), procedeu à apreciação do impacto da concentração no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na Alemanha e chegou à conclusão de que, à primeira vista, era pouco provável que o aumento líquido resultante da concentração limitada e, em todo o caso, de natureza temporária reforçasse substancialmente o poder da RWE no referido mercado (n.os 43 a 47 da decisão recorrida). Não obstante, a Comissão considerou oportuno, tendo em conta o funcionamento do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, examinar o risco associado às estratégias de retenção de capacidade. A este título, teve nomeadamente em conta as respostas ao estudo de mercado que tinha realizado (n.os 48 a 58 da decisão recorrida). Examinou igualmente as análises RSI apresentadas pela RWE e por terceiros e concluiu que a concentração não suscitava nenhuma dúvida séria quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (n.os 59 a 66 da decisão recorrida). Por último, teve em conta as preocupações suplementares suscitadas por terceiros e, por isso, analisou‑as (n.os 67 a 73 da decisão recorrida).

133    Terceiro, a Comissão examinou a questão do impacto da aquisição pela RWE de uma participação de 16,67 % da E.ON (n.os 74 a 78 da decisão recorrida). Por este motivo, por um lado, analisou se essa aquisição era suscetível de acentuar os efeitos horizontais da concentração e chegou à conclusão de que a aquisição pela RWE de uma participação de 16,67 % da E.ON não alteraria a conclusão de que era pouco provável que a concentração reforçasse, de forma substancial, a capacidade e o interesse da RWE em lançar‑se em intervenções de retenção de capacidade (n.os 79 a 81 da decisão recorrida). Por outro lado, a Comissão apreendeu os efeitos verticais da concentração e, a esse título, o bloqueio dos fatores de produção e o bloqueio da clientela (n.os 82 a 88 da decisão recorrida). Constatando que alguns participantes na investigação de mercado se preocupavam com a repercussão da concentração na liquidez do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, bem como no acesso da RWE a informações sobre as estratégias e as atividades da E.ON, a Comissão analisou igualmente estas questões (n.os 89 a 95 da decisão recorrida).

134    Quarto, a Comissão abordou e analisou a questão da relação da RWE com a Amprion (n.os 96 a 100 da decisão recorrida).

135    Daí resulta que a Comissão expôs de forma fundamentada as razões que a levaram a adotar a decisão recorrida.

136    Esta apreciação não pode ser posta em causa pelos argumentos da recorrente.

137    Em primeiro lugar, há que observar que a recorrente acusa essencialmente a Comissão de se ter principalmente, ou mesmo unicamente, baseado na constatação de que o aumento das quotas de mercado da RWE seria apenas marginal e temporário. Considera, em substância, que a Comissão utilizou este único fundamento para rejeitar os argumentos apresentados pelos terceiros para contestarem a compatibilidade da concentração com o mercado interno.

138    Se a mesma explicação é dada, sem matizes, para rejeitar argumentos que suscitam problemas diferentes, há que analisar a qualidade da fundamentação da decisão em causa. Com efeito, mesmo que se trate de uma explicação particularmente convincente, deve, no entanto, ser adaptada ou acompanhada de elementos que permitam compreender em que medida é pertinente para rejeitar argumentos relativos a aspetos diferentes.

139    Dito isto, no caso, há que salientar que a decisão recorrida é uma decisão adotada com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, para cujo tipo o Tribunal Geral admitiu, como resulta, em substância, da jurisprudência acima lembrada nos n.os 126 e 127, que era possível uma fundamentação que não abrangesse, de forma taxativa, todos os elementos nela invocados.

140    Deve, portanto, encontrar‑se um justo equilíbrio entre uma fundamentação que, na realidade, é artificial, porque baseada, nomeadamente, numa justificação estereotipada, e uma fundamentação que exige um esforço desproporcionado por parte da instituição em causa à luz da natureza da decisão adotada.

141    No caso, não se pode negar que a Comissão repetiu várias vezes que, em seu entender, a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado, uma vez que o aumento da produção da RWE daí resultante era, por um lado, limitado e, por outro, de qualquer forma, temporário. Este fundamento encontra‑se na análise do aumento resultante da concentração (n.os 31 e 35 da decisão recorrida) e na apreciação geral da Comissão (n.os 44 a 47 da decisão recorrida).

142    Estes pontos constituem, portanto, o núcleo duro da apreciação da Comissão.

143    No entanto, no âmbito da sua análise, a Comissão não se limitou a esta constatação para chegar à conclusão de que a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. Com efeito, a Comissão teve igualmente em conta, no âmbito da análise do risco ligado às estratégias de retenção de capacidade, as especificidades ligadas à produção de eletricidade eólica e examinou o interesse que a RWE poderia retirar de estratégias de retenção de capacidade tendo em consideração o funcionamento do regime de subvenção de que beneficiavam os ativos de produção de eletricidade renovável e o lucro que poderia retirar da sua detenção de ativos nucleares (n.os 52, 53, 57 e 58 da decisão recorrida). Do mesmo modo, na análise das preocupações suplementares suscitadas por terceiros, a Comissão considerou que, quanto à vantagem concorrencial na atribuição das subvenções para o desenvolvimento e a construção de novos ativos de produção de eletricidade renovável que a RWE poderia adquirir, era pouco suscetível de se concretizar tendo em conta, nomeadamente, a estrutura fragmentada da produção proveniente de energias renováveis na Alemanha (n.o 69 da decisão recorrida). Do mesmo modo, no que respeita ao interesse em apresentar previsões deliberadamente erradas sobre a produção de eletricidade renovável, a Comissão baseou‑se nas respostas ao questionário de mercado segundo as quais os fornecedores não tinham, de um modo geral, interesse em produzir essas previsões (n.o 71 da decisão recorrida). A mesma constatação pode ser retirada à luz da análise do impacto da aquisição pela RWE de 16,67 % das participações da E.ON nos efeitos horizontais e verticais da concentração. Com efeito, a Comissão examinou a influência que a RWE podia exercer sobre a E.ON e o interesse que representaria para estas duas entidades (v., especialmente, n.os 81, 85, 87, 88, 91 e 94 da decisão recorrida). Por último, quanto à relação vertical com a Amprion, a Comissão evocou a partilha do controlo da Amprion entre a RWE e o Commerz Real AG e a legislação alemã e da União além do aumento marginal e temporário da RWE para daí concluir que a concentração era pouco suscetível de ter por efeito bloquear o acesso da Amprion à rede de transporte (n.os 98 e 100 da decisão recorrida).

144    Por conseguinte, o argumento principal invocado pela recorrente, conforme acima lembrado no n.o 137, deve ser rejeitado.

145    Em segundo lugar, o argumento da recorrente baseado no baixo número de páginas da decisão recorrida deve ser rejeitado. Com efeito, a apreciação do respeito, por uma instituição, do seu dever de fundamentação, deve fazer‑se unicamente à luz do conteúdo da sua decisão. Neste sentido, o número de páginas é indiferente, pois uma fundamentação, mesmo breve, pode cumprir as regras acima lembradas no n.o 125, ao permitirem à pessoa em causa compreender as razões pelas quais foi adotada a decisão (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Syriatel Mobile Telecom/Conselho, T‑411/16, não publicado, EU:T:2018:902, n.o 79). Além disso, já se declarou que a legalidade de uma decisão não pode depender do número dos seus considerandos [Acórdão de 5 de outubro de 2020, HeidelbergCement e Schwenk Zement/Comissão, T‑380/17, EU:T:2020:471, n.o 363 (não publicado)] ou que uma fundamentação sucinta não era necessariamente contrária aos requisitos do artigo 296.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 111).

146    Em terceiro lugar, de acordo com a jurisprudência acima lembrada no n.o 129, há que rejeitar o exame do fundamento relativo ao dever de fundamentação, uma vez que os argumentos da recorrente se destinam a censurar, em substância, a Comissão por ter erradamente considerado que o crescimento da RWE era insignificante e apenas temporário devido à saída do nuclear. Com efeito, embora formule estes argumentos para sustentar que a Comissão não fundamentou a sua conclusão, na realidade põe em causa o mérito dessa consideração. É o que acontece com os argumentos de que a Comissão compensou ilegalmente o aumento da RWE resultante da concentração tendo em conta a transferência de ativos da innogy para a E.ON, negou a influência da RWE sobre a E.ON devido à aquisição pela RWE de 16,67 % das participações da E.ON, e o facto de o aumento das quotas de mercado da RWE não ser irrelevante ou de o papel pivot da RWE ter conhecido um aumento significativo. Com efeito, estes argumentos pretendem demonstrar um erro manifesto de apreciação dos efeitos da concentração M.8871 pela Comissão e não uma insuficiência de fundamentação da decisão recorrida.

147    Em quarto lugar, no que respeita aos aspetos concorrenciais que a Comissão não examinou, não se pode deixar de observar que, em conformidade com a jurisprudência acima lembrada no n.o 128, não era obrigada a tomar posição expressamente sobre os que eram claramente secundários. Além disso, no que respeita à posição da RWE no domínio dos serviços de regulação e auxiliares, embora a Comissão tenha explicado por que razão não considerava necessário efetuar uma análise separada do impacto da concentração nesse mercado, procedeu, ainda assim, a essa análise (v. n.o 46 da decisão recorrida). Além disso, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão examinou as análises RSI apresentadas por terceiros, tal como analisou as consequências para o mercado da autorização dessa concentração (v. n.os 59 e segs. da decisão recorrida).

148    Em quinto lugar, quanto ao argumento da recorrente de que a fundamentação da decisão recorrida apenas revela vagamente o modo como foram ouvidas, apreciadas e ponderadas as numerosas objeções suscitadas relativamente à concentração, há que rejeitá‑lo. Com efeito, resulta da decisão recorrida, nomeadamente dos seus n.os 63, 64, 67 a 73 e 89 a 94, que a Comissão teve em conta as observações apresentadas por terceiros, algumas das quais coincidiam, e deu‑lhes resposta.

149    Resulta do exposto que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão apresentou fundamentação suficiente para lhe permitir compreender as razões pelas quais considerou que a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e para permitir ao julgador exercer a sua fiscalização.

4.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito de audiência da recorrente

150    A recorrente alega que o procedimento violou o seu direito de participação. Com efeito, em primeiro lugar, considera que a Comissão não teve em conta a sua contribuição. Segundo, a Comissão devia, nomeadamente ouvindo a recorrente e fazendo‑a participar mais amplamente no processo, clarificar a questão de saber se certas abordagens específicas do estudo Oxera eram inexatas e, sendo caso disso, quais. Terceiro, não houve um verdadeiro diálogo durante o procedimento na Comissão.

151    A violação do direito de participação da recorrente é igualmente revelada, por um lado, pela oposição da Comissão ao acesso da recorrente ao processo fechado do Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, e, por outro, pela simples remissão feita pela Comissão para análises de terceiros sobre a posição de mercado da RWE que foram construídas com parâmetros de entrada diferentes e que chegaram a outras conclusões, sem que a Comissão tenha julgado necessário clarificar as contradições verificadas.

152    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

153    Refira‑se, em primeiro lugar, que, ao sustentar que não esteve suficientemente envolvida no procedimento administrativo e que o seu «direito de participação» foi violado, a recorrente invoca, em substância, uma violação do seu direito de audiência.

154    A este respeito, há que lembrar que, segundo o artigo 11.o, alínea c), do Regulamento n.o 802/2004, o direito de audiência nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 139/2004 é conferido a terceiros, a saber, as pessoas singulares ou coletivas que demonstrem ter um interesse suficiente, nomeadamente os clientes, fornecedores e concorrentes na aceção do artigo 18.o, n.o 4, segundo período, do Regulamento n.o 139/2004.

155    Além disso, o artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 139/2004 dispõe que:

«A Comissão ou as autoridades competentes dos Estados‑Membros podem também ouvir outras pessoas singulares ou coletivas, na medida em que o considerem necessário. Caso quaisquer pessoas singulares ou coletivas que comprovem ter um interesse suficiente e, nomeadamente, os membros dos órgãos de administração ou de direção das empresas em causa ou os representantes devidamente reconhecidos dos trabalhadores dessas empresas solicitem ser ouvidos, será dado deferimento ao respetivo pedido.»

156    Por seu turno, o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 802/2004, dispõe:

«Sempre que terceiros solicitarem por escrito ser ouvidos, nos termos do segundo período do n.o 4 do artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004, a Comissão notificá‑los‑á da natureza e objeto do processo, fixando‑lhes um prazo para apresentarem observações.»

157    Assim, no âmbito do processo de controlo da União das concentrações, o direito de audiência é expressamente concedido a terceiros, como a recorrente, que demonstrem um interesse suficiente e que tenham pedido para ser ouvidos, pelo artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 139/2004 e pelo artigo 11.o, alínea c), e pelo artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 802/2004.

158    Esses terceiros têm o direito de ser ouvidos pela Comissão, a seu pedido, a fim de darem a conhecer o seu ponto de vista sobre os efeitos prejudiciais para si do projeto de concentração notificado, devendo, no entanto, esse direito ser conciliado, por um lado, com o respeito dos direitos da defesa das partes na concentração e, por outro, com a finalidade principal do regulamento, que é assegurar a eficácia do controlo e a segurança jurídica das empresas sujeitas à sua aplicação (v. Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 202 e jurisprudência referida). É, portanto, no âmbito desse sistema de proteção dos direitos respetivos dos interessados e de terceiros que importa determinar se, no caso, o direito da recorrente foi violado.

159    Ora, resulta dos autos que a NVV e a NBHV utilizaram perfeitamente a possibilidade oferecida a terceiros de participar no processo administrativo e de expor o seu ponto de vista sobre a concentração.

160    Com efeito, como indicou a Comissão na contestação, e como foi acima assinalado nos n.os 35 a 38, a recorrente transmitiu à Comissão as suas observações sobre a concentração em causa, antes de mais, no âmbito da sua carta de 17 de abril de 2018 e, em seguida, numa reunião individual realizada em 28 de agosto de 2018.

161    Resulta igualmente dos autos que a recorrente enviou uma carta, em 18 de outubro de 2018, destinada a completar as observações que tinha apresentado na reunião de 28 de agosto de 2018.

162    Por carta de 4 de dezembro de 2018, a recorrente transmitiu à Comissão o estudo Oxera, ao qual juntou, por correio eletrónico de 25 de janeiro de 2019, a base de dados utilizada para a elaboração do referido estudo.

163    Por último, a recorrente recebeu o questionário relativo ao estudo de mercado da Comissão em 24 de janeiro de 2019, ao qual respondeu em 30 de janeiro de 2019. A recorrente não dispunha de outros direitos de participação.

164    Nestas condições, a recorrente não pode acusar a Comissão de não lhe ter permitido expor suficientemente o seu ponto de vista no procedimento administrativo.

165    Em segundo lugar, quanto à questão do acesso ao processo do Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, basta observar que o pedido da recorrente, que dizia respeito ao processo relativo à concentração B8‑28/19, foi apresentado ao Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas em 18 de março de 2019, ou seja, posteriormente à adoção da decisão recorrida. Por conseguinte, a decisão de indeferimento do referido pedido, proferida em 15 de abril de 2019 pelo Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, não pode ter desempenhado nenhum papel no respeito, pela Comissão, do direito de audiência da recorrente no âmbito do processo que conduziu à adoção da decisão recorrida.

166    Além disso, há que observar que, embora a recorrente acuse a Comissão de se ter oposto ao seu pedido, tinha formulado esse pedido invocando o seu interesse em ter acesso ao processo pela sua participação no processo relativo à concentração M.8870 e não sustenta que, na falta da comunicação desse processo, esteve impossibilitada de apresentar observações sobre a concentração M.8871 examinada pela Comissão.

167    Em terceiro lugar, ao criticar a Comissão por não ter tomado suficientemente em consideração o seu ponto de vista, bem como os argumentos e elementos que apresentou durante o procedimento administrativo, a recorrente pretende criticar a Comissão por não ter apreciado as circunstâncias do caso da mesma forma que ela.

168    Com efeito, alega que a Comissão não pretendeu clarificar certos pontos como certas abordagens específicas do estudo Oxera ou as contradições verificadas entre as análises de terceiros sobre a posição de mercado da RWE, mas, ao fazê‑lo, não precisou que, na decisão recorrida, a Comissão reconheceu a existência de divergências entre as análises apresentadas pelos terceiros, observando que ambas tinham chegado a acordo quanto a certos pontos (v. n.o 62 da decisão recorrida). Ora, a Comissão baseou‑se nestes pontos de convergência para formular as suas conclusões. Além disso, a recorrente não precisa qual a clarificação que poderia ter dado, quanto ao estudo Oxera ou às contradições verificadas, se a Comissão a tivesse interrogado sobre esses pontos.

169    Assim, com o seu argumento, a recorrente não critica tanto a Comissão por não a ter ouvido como as conclusões que retirou das diferentes observações que lhe foram transmitidas. Por conseguinte, este argumento é, no âmbito da análise do presente fundamento, inoperante.

170    O mesmo se diga das conclusões do Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas que a Comissão se limitou a reproduzir.

171    Resulta do exposto que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

5.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

172    A recorrente alega que a publicação da decisão recorrida ocorreu após um lapso de tempo considerável. Ora, essa publicação tardia conduziu a uma violação do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva. A este respeito, o facto de o prazo de recurso de dois meses só ter começado a correr a partir da data de publicação da decisão recorrida, mesmo sendo exato, não legitima esvaziar de conteúdo o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

173    Por outro lado, a recorrente sustenta, em substância, que o facto de o artigo 20.o do Regulamento n.o 139/2004 não impor a publicação no Jornal Oficial das decisões adotadas com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento não justifica uma publicação tardia da decisão recorrida. A este respeito, segundo a sua própria prática administrativa e nos termos do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, a Comissão publica as decisões adotadas com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004.

174    Por último, considera, em substância, que a Comissão não se pode escudar no contexto, a saber, o facto de que devia tratar prioritariamente a concentração M.8870, nem nos pedidos de correções pontuais apresentados pela RWE e pela E.ON, para justificar o tempo decorrido para a publicação da decisão recorrida.

175    A Comissão, apoiada pela E.ON e pela RWE, contesta os argumentos da recorrente.

176    A este respeito, há que lembrar que, segundo o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo».

177    Esse direito à proteção jurisdicional efetiva exige que o interessado possa conhecer os fundamentos da decisão tomada a seu respeito que lhe seja lesiva, seja pela leitura da própria decisão, seja pela comunicação desses fundamentos a pedido, a fim de lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer aos tribunais, bem como ainda para lhes dar plenamente as condições de exercer a fiscalização da legalidade da decisão em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 1987, Heylens e o., 222/86, EU:C:1987:442, n.os 15 e 17; de 17 de novembro de 2011, Gaydarov, C‑430/10, EU:C:2011:749, n.o 41, e de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 100 e jurisprudência referida).

178    Em aplicação da jurisprudência acima lembrada no n.o 177, dado que a decisão recorrida, que devia ser notificada às partes na operação de concentração por força do artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, era, além disso, suscetível de afetar direta e individualmente terceiros à operação de concentração, a Comissão, para garantir o direito a uma proteção jurisdicional efetiva desses terceiros, tinha a obrigação de adotar as medidas de publicidade adequadas para que os referidos terceiros pudessem conhecer os fundamentos em que se baseava a decisão recorrida.

179    No caso, é pacífico que a recorrente teve a possibilidade de conhecer os fundamentos da decisão recorrida e apresentar, em consequência, fundamentos e elementos para pedir a sua anulação. Do mesmo modo, não se pode deixar de observar que lhe foi dada a possibilidade de interpor recurso da decisão recorrida no Tribunal Geral.

180    A recorrente considera, todavia, que o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva foi violado devido à publicação tardia da decisão recorrida.

181    A este respeito, primeiro, é certo que se deve referir, como faz a Comissão, que, segundo o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão só publica no Jornal Oficial as decisões por ela adotadas em aplicação do artigo 8.o, n.os 1 a 6, e dos artigos 14.o e 15.o, com exceção das decisões provisórias tomadas em aplicação do artigo 18.o, n.o 2, acompanhadas do parecer do comité consultivo, do referido regulamento.

182    Assim, no caso, uma vez que a decisão recorrida foi adotada ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, que não é expressamente visado pelo artigo 20.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a Comissão não era obrigada, por força do Regulamento n.o 139/2004, a proceder à publicação da decisão recorrida no Jornal Oficial.

183    No entanto, há que observar que, na prática, na adoção de decisões baseadas no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão procede à publicação, no Jornal Oficial, de uma comunicação que indique que o texto integral da decisão será tornado público, após supressão dos segredos comerciais que possa conter, e poderá ser consultado quer no sítio Internet da Comissão quer no sítio Internet EUR‑Lex.

184    Além disso, no ponto 5 do documento intitulado «Guidance on the preparation of public versions of Commission Decisons adoted under the Merger Regulation» (documento de orientação sobre a elaboração das versões públicas das decisões da Comissão adotadas em conformidade com o regulamento das concentrações), de 26 de maio de 2015 (a seguir «documento de orientação»), a Comissão indica que, em conformidade com o princípio da transparência decorrente do artigo 15.o TFUE e com uma prática bem estabelecida, a Comissão publica igualmente, no seu sítio Internet, as versões não confidenciais das decisões adotadas ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004 e do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), conjugado com o artigo 6.o, n.o 2, desse regulamento. Além disso, no n.o 2 do mesmo documento, a Comissão afirma que coloca tantas informações quanto possível à disposição do público, e só se abstém de divulgar informações na medida em que tal esteja abrangido pela sua obrigação de segredo profissional ou por outras exceções de ordem pública.

185    Ora, segundo a jurisprudência, a Comissão está vinculada pelas comunicações que adota em matéria de controlo de concentrações, na medida em que não se afastem das normas do Tratado e do Regulamento n.o 139/2004 (Acórdão de 3 de abril de 2003, BaByliss/Comissão, T‑114/02, EU:T:2003:100, n.o 143; v., igualmente, Acórdão de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T‑282/06, EU:T:2007:203, n.o 55 e jurisprudência referida). Por outro lado, essas regras indicativas, que definem as linhas de conduta que a Comissão tenciona seguir, contribuem para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da sua ação (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, EU:C:2002:143, n.o 52 e jurisprudência referida).

186    Embora seja verdade que a jurisprudência referida no número anterior se destinava a estabelecer o caráter vinculativo, para a Comissão, da sua Comunicação da Comissão sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho e do Regulamento (CE) n.o 447/98 da Comissão (JO 2001, C 68, p. 3) e das Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5, a seguir «orientações»), esta não deixa de ser pertinente, quer se trate de uma linha de conduta relativa à apreciação de situações de que a Comissão deva conhecer quer se trate de uma linha de conduta relativa a uma norma processual. Com efeito, admitir o contrário equivaleria a conferir à Comissão a escolha discricionária de publicar ou não decisões suscetíveis de afetar a situação jurídica de terceiros, o que é incompatível com o direito a uma proteção jurisdicional efetiva e com o princípio da segurança jurídica.

187    Acresce que, por um lado, quanto à conformidade do documento de orientação com as normas do Tratado e do Regulamento n.o 139/2004, embora o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 não mencione a publicação das decisões adotadas com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento no Jornal Oficial, nada impede a Comissão de as publicar por outro meio, como já faz na prática.

188    Por outro lado, nos termos do artigo 1.o, segundo parágrafo, TUE, na União, as decisões são tomadas na máxima observância do princípio da abertura. Além disso, o princípio da transparência, consagrado no artigo 15.o TFUE, impõe‑se à Comissão. Esse princípio permite nomeadamente assegurar uma maior participação dos cidadãos no processo decisório e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da administração perante os cidadãos num sistema democrático (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 45).

189    Por conseguinte, o documento de orientação não vai contra o Regulamento n.o 139/2004 nem contra o Tratado. Por conseguinte, há que admitir, ao contrário do que sustentam a Comissão, a E.ON e a RWE, que a Comissão impôs a si própria a obrigação de publicar as decisões que adota, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, no respeito da confidencialidade a garantir quanto às informações sujeitas ao segredo profissional ou a outras exceções de ordem pública. Essa publicação das decisões adotadas com base no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é coerente com a obrigação da Comissão, acima lembrada no n.o 178, de garantir, através de medidas de publicidade adequadas, o direito de terceiros, direta e individualmente afetados por essas decisões, a uma proteção jurisdicional efetiva.

190    Ora, em segundo lugar, é pacífico que a decisão recorrida foi adotada em 26 de fevereiro de 2019 e que uma comunicação que lhe dizia respeito foi objeto de publicação no Jornal Oficial em 3 de abril de 2020, ou seja, 402 dias depois. Este prazo é objetivamente longo, como a Comissão reconheceu na audiência.

191    No entanto, sem que seja necessário examinar o mérito das razões aduzidas pela Comissão para justificar o prazo para a publicação da decisão recorrida, refira‑se que a publicação tardia de um ato da União no Jornal Oficial não tem influência na validade desse ato (Acórdão de 23 de novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, EU:C:1999:574, n.o 54).

192    Em terceiro lugar, o argumento da recorrente de que o seu recurso não pode ser considerado efetivo devido ao facto de, tendo em conta a data de publicação da decisão recorrida, só ter podido interpor recurso mais de 402 dias após a sua adoção, o que teria levado a expor o mercado a um funcionamento sem entraves das consequências concorrenciais da concentração, também não pode influenciar a validade da decisão recorrida.

193    Com efeito, no caso de a decisão recorrida ser anulada, a Comissão será obrigada, por força do artigo 266.o TFUE, a tomar as medidas necessárias à execução do acórdão proferido a seu respeito e, além disso, a recolocar as partes na situação anterior à decisão recorrida (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, EU:C:1971:32, n.o 60, e de 13 de dezembro de 2017, Crédit mutuel Arkéa/BCE, T‑712/15, EU:T:2017:900, n.o 43).

194    Além disso, se considerar ter sofrido um dano devido à publicação tardia da decisão recorrida, a recorrente pode intentar uma ação de indemnização contra a Comissão, em conformidade com o artigo 268.o TFUE.

195    Por conseguinte, há que julgar inoperante o quarto fundamento, uma vez que diz respeito a uma violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva da recorrente devido à publicação tardia da decisão recorrida.

6.      Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação

a)      Considerações preliminares

196    Com o quinto fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação, a recorrente alega, em substância, que a Comissão considerou de forma material e manifestamente errada que a concentração era compatível com o mercado interno, quando deveria ter dado início à fase do procedimento previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004, e, por conseguinte, declarar a concentração incompatível com o mercado interno nos termos do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004.

197    Quanto à intensidade da fiscalização jurisdicional e às exigências de prova impostas, remete‑se para os considerandos da jurisprudência acima efetuados nos n.os 48 a 53.

198    A título preliminar, há que lembrar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado interno as operações de concentração que entravem significativamente uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste, nomeadamente devido à criação ou ao reforço de uma posição dominante.

199    Refira‑se que cabe à Comissão avaliar globalmente o resultado do leque de indícios utilizados para avaliar a situação de concorrência. A este respeito, pode acontecer que algumas provas sejam privilegiadas e outras afastadas. Esse exame e a fundamentação que comporta são objeto da fiscalização da legalidade exercida pelo Tribunal Geral sobre as decisões da Comissão em matéria de concentrações (Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 136).

200    Refira‑se ainda que as disposições fundamentais do Regulamento n.o 139/2004, especialmente o seu artigo 2.o, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica, e que, consequentemente, a fiscalização jurisdicional do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efetuada tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de caráter económico que fazem parte do regime das concentrações (v. Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 29 e jurisprudência referida).

201    Embora a Comissão disponha de uma margem de apreciação em matéria económica nos domínios que deem origem a apreciações económicas complexas, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve nomeadamente verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39, e de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 54).

202    Há que lembrar ainda que a questão de saber se o entendimento material de que a concentração em causa não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, faz parte do exame da existência de um erro manifesto de apreciação. Com efeito, para verificar se a Comissão teve razão ao basear‑se na disposição acima referida para tomar a sua decisão, há que analisar se a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto na sua apreciação dos efeitos do projeto de concentração sobre a concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 48).

203    É à luz destas considerações que há que examinar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

204    A recorrente apresenta, em substância, quatro alegações de existência de erros manifestos de apreciação da Comissão. A recorrente acusa nomeadamente a Comissão, com a primeira alegação, de ter procedido a uma definição errada do mercado relevante, com a segunda alegação, de ter procedido a uma delimitação errada do período de análise, na terceira alegação, de ter procedido a uma apreciação errada do poder de mercado da RWE e, com a quarta alegação, de ter procedido a uma apreciação errada da relação entre a RWE e a E.ON.

b)      Quanto à primeira alegação, relativa a uma definição errada do mercado relevante

205    A recorrente critica a Comissão por se ter afastado, sem justificação, da delimitação do mercado relevante, tal como realizada pelo Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas por força de uma prática decisória constante. Neste sentido, a Comissão refere‑se a um «mercado da eletricidade produzida de forma convencional» que, na realidade, não existe e que engloba a eletricidade destinada aos caminhos de ferro e ao consumo próprio industrial.

206    Segundo a recorrente, há que distinguir o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade convencional do da produção de eletricidade renovável. Este último mercado é autónomo, uma vez que está sujeito ao regime de auxílios previsto pela lei EEG e que, contrariamente ao mercado grossista de eletricidade convencional, os preços não são, no essencial, fixados em função da oferta e da procura. Além disso, a recorrente refere que, no passado, a prática decisória relativa ao direito dos cartéis consistiu, nomeadamente, em tratar os serviços de regulação e de equilíbrio enquanto segmento do mercado autónomo.

207    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

208    Antes de mais, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, a definição adequada do mercado em causa é condição necessária e prévia a qualquer apreciação feita sobre o impacto concorrencial de uma operação de concentração (v. Acórdão de 27 de janeiro de 2021, KPN/Comissão, T‑691/18, não publicado, EU:T:2021:43, n.o 63 e jurisprudência referida).

209    O mercado dos produtos abrangidos pela operação deve ser definido tendo em conta todo o contexto económico, a fim de poder apreciar‑se o poder económico efetivo da empresa ou das empresas em questão, e, para esse efeito, há que definir previamente os produtos que, não sendo substitutos de outros produtos, são suficientemente intermutáveis com os produtos que essas empresas oferecem, em função não só das suas características próprias mas também das condições de concorrência e da estrutura da procura e da oferta no mercado (Acórdão de 6 de junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, EU:T:2002:146, n.o 20).

210    Em especial, segundo jurisprudência constante, a definição do mercado relevante, na medida em que envolve apreciações económicas complexas por parte da Comissão, só pode ser objeto de fiscalização limitada por parte do juiz da União (Acórdãos de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 482, e de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 53). Segundo jurisprudência igualmente constante, a fiscalização jurisdicional das apreciações da Comissão em matéria de definição dos mercados de referência é a do erro manifesto (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Cableuropa e o./Comissão, T‑346/02 e T‑347/02, EU:T:2003:256, n.o 119; v., ainda, neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, EU:T:2002:146, n.os 26 e 32).

211    A este respeito, há que lembrar que o juiz da União aceitou que a Comissão pudesse deixar em aberto a definição do mercado do produto em causa, uma vez que nenhuma das definições do mercado permitia constatar a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva na sequência da concentração, como resultava de forma clara e inequívoca dos fundamentos explicitados pela Comissão na decisão em causa (Acórdão de 26 de outubro de 2017, KPN/Comissão, T‑394/15, não publicado, EU:T:2017:756, n.o 60).

212    Por último, o juiz da União já reconheceu que, embora a Comissão não estivesse vinculada pelas apreciações relativas aos mercados relevantes realizadas nas suas decisões anteriores, isso não significava que essas apreciações anteriores não pudessem ser tidas em conta pela Comissão na sua análise como um elemento pertinente entre outros, se nada indicasse que as condições de concorrência no mercado relevante tinham substancialmente mudado em relação às decisões anteriores (v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2017, Topps Europe/Comissão, T‑699/14, não publicado, EU:T:2017:2, n.o 93).

213    No caso, refira‑se primeiro que, como resulta do n.o 13 da decisão recorrida, a Comissão seguiu a sua prática decisória anterior que consiste em definir o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade no sentido de que inclui o comércio no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade produzida num determinado mercado geográfico e a eletricidade fisicamente importada nesse mercado geográfico por intermédio de interconectores, independentemente da fonte da eletricidade produzida.

214    No entanto, a Comissão teve em conta, como resulta do n.o 14 da decisão recorrida, a prática do Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, que, contrariamente à Comissão, distingue, em substância, o mercado da eletricidade convencional e o da eletricidade proveniente de energias renováveis que beneficiam de subvenções públicas ao abrigo da lei EEG.

215    No entanto, a Comissão considerou, no essencial, no n.o 15 da decisão recorrida, que tal distinção não era necessária para efeitos da análise do impacto da concentração, uma vez que nenhum problema de concorrência ocorreria quer se considerassem estes dois mercados em conjunto quer separadamente.

216    Por outro lado, a Comissão referiu, no n.o 16 da decisão recorrida, que, no passado, tinha segmentado o mercado entre a produção e o fornecimento grossista de eletricidade, por um lado, e os serviços de regulação e auxiliares, por outro, mas que, no caso, isso não era necessário, uma vez que não surgiria nenhum problema de concorrência mesmo que fosse definido um mercado distinto de serviços de regulação e auxiliares.

217    Segundo, a Comissão identificou, nos n.os 21 e 22 da decisão recorrida, o mercado do transporte de eletricidade como um mercado distinto do da produção e do fornecimento grossista de eletricidade.

218    Por último e terceiro, a Comissão considerou, nos n.os 23 e 24 da decisão recorrida, que a definição do mercado do fornecimento a retalho de eletricidade podia manter‑se aberta, tanto no que respeita aos produtos como à extensão geográfica, uma vez que, qualquer que fosse a definição adotada, a concentração não colocava problemas de concorrência.

219    Com a sua argumentação, por um lado, a recorrente acusa, em substância, a Comissão de se ter afastado, sem dar explicações a este respeito, da sua própria prática decisória anterior ao não distinguir o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade do mercado dos serviços de regulação e auxiliares, e ao não distinguir, no âmbito da delimitação do mercado de fornecimento a retalho, um mercado próprio da eletricidade destinada aos caminhos de ferro e ao consumo próprio industrial. Por outro lado, a recorrente considera que foi erradamente e sem dar mais explicações que a Comissão se afastou da prática decisória do Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, que faz uma distinção entre o mercado da eletricidade convencional, que inclui simultaneamente a eletricidade proveniente de fontes convencionais e de fontes de energia renováveis que não beneficiam da lei EEG, e o mercado da eletricidade renovável, incluindo a eletricidade proveniente de fontes de energias renováveis que beneficiam da lei EEG, quando definiu o mercado dos produtos em causa.

220    Em primeiro lugar, há que observar, porém, que resulta dos n.os 213 a 218, supra, que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão explicou por que razão, primeiro, decidiu não adotar a mesma definição do mercado que o Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, segundo, não distinguia o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade do mercado dos serviços de regulação e auxiliares e, terceiro, no âmbito da delimitação do mercado de fornecimento a retalho, não procedia a uma diferenciação em função do tipo de clientes. A este respeito, indicou que, em seu entender, sejam quais forem as definições do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade e do mercado do fornecimento a retalho de eletricidade finalmente adotadas, a concentração não colocava problemas de concorrência.

221    Ora, a recorrente não apresentou nenhum argumento específico para pôr em causa a apreciação da Comissão. Neste sentido, não explica, concretamente, por que razões a Comissão deveria ter adotado uma definição diferente dos dois mercados em questão. Em especial, não apresenta nenhum elemento relativo às características próprias das diferentes fontes de energia, à sua falta de intermutabilidade, às condições de concorrência e à estrutura da procura e da oferta nesses mercados, que justifique uma maior segmentação. É certo que evoca, na petição, o facto de o mercado da eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis que beneficiam da lei EEG ser um mercado autónomo, uma vez que, contrariamente ao mercado da eletricidade convencional, os preços não são, no essencial, fixados em função da oferta e da procura, mas também não desenvolve o seu propósito, pelo que esta afirmação não é suscetível de pôr em causa a definição adotada pela Comissão.

222    Em segundo lugar, primeiro, no que respeita à definição do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na medida em que inclui os serviços de regulação e auxiliares, por um lado, resulta da jurisprudência acima lembrada no n.o 212, que a Comissão não está vinculada pelas apreciações relativas aos mercados relevantes feitas nas suas decisões anteriores. Assim, podia decidir, no caso, não distinguir o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade do mercado dos serviços de regulação e auxiliares.

223    Por outro lado, resulta dos n.os 46 e 47 da decisão recorrida que a Comissão analisou, ainda assim, os efeitos da concentração no caso de se dever considerar um mercado distinto para os serviços de regulação e auxiliares.

224    Em segundo lugar, uma vez que a Comissão não seguiu a definição adotada pelo Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, por um lado, refira‑se que o Tribunal de Justiça já indicou que, atendendo à repartição precisa das competências em que assenta o Regulamento n.o 139/2004, as decisões das autoridades nacionais não podem vincular a Comissão no âmbito dos procedimentos de controlo das concentrações (Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Cementbouw Handel Industrie/Comissão, C‑202/06 P, EU:C:2007:814, n.o 56). Assim, a Comissão não era obrigada a adotar a mesma definição de mercado relevante que o Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas.

225    Por outro lado, mesmo embora a Comissão tenha decidido deixar a definição do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade aberta e de não adotar a mesma definição do mercado que o Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, analisou, no entanto, nos n.os 31, 34, 45, 47 e 99 da decisão recorrida, o impacto do aumento das quotas de mercado da RWE ligado à concentração na hipótese de serem distintos os mercados da produção de energias renováveis que beneficiam da lei EEG e das que dela não beneficiam. Por conseguinte, teve em conta o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, tal como definido pelo Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas.

226    Terceiro, no que respeita à definição do mercado de fornecimento a retalho de eletricidade, a Comissão indicou, nas notas de pé de página n.os 27 e 29 da decisão recorrida, que o valor relativo à produção total de eletricidade na Alemanha, sem distinção de fontes de energia, indicado no quadro 1, e o valor relativo à produção de eletricidade convencional, indicado no quadro 2, incluíam igualmente o consumo atual dos caminhos de ferro. Precisou que, mesmo excluindo o volume ligado a esses elementos, as quotas de mercado dos diferentes produtores de eletricidade alemães permaneceriam substancialmente inalteradas.

227    Ora, embora a recorrente considere que, ao fazê‑lo, a Comissão teve em conta um volume real do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade de 396,6 Terawatts‑hora (TWh), para o ano de 2017, em vez de um volume de 363,5 TWh, não indica que tenha tido um impacto significativo na repartição das quotas de mercado tal como apresentada pela Comissão na decisão recorrida.

228    Resulta do exposto que a recorrente não logrou demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na definição do mercado relevante. Por conseguinte, há que julgar improcedente a alegação de definição errada do mercado relevante.

c)      Quanto à segunda alegação, relativa a uma delimitação errada do período de análise

229    A recorrente acusa a Comissão de se ter limitado a um período de análise demasiado curto, ao orientar‑se para o período anterior a 2022. Entende ainda que a Comissão só teve em conta o abandono do nuclear e, por outro, não tomou em consideração o facto de o setor da energia se caracterizar por ciclos de investimentos a longo prazo, calculados entre 15 e 20 anos. Ora, o mercado alemão da eletricidade é irremediavelmente confrontado com a transição energética e climática que perturbaria todas as constantes anteriores. Por último, a recorrente observa que, na sua prática anterior, a Comissão teve frequentemente em conta, nas suas previsões, longos períodos de amortização.

230    A Comissão, apoiada pela E.ON, contesta os argumentos da recorrente.

231    Há que lembrar que, no controlo das concentrações, é exigido à Comissão que forneça um prognóstico sobre a evolução futura do mercado. Com efeito, deve apreciar se uma concentração é suscetível de entravar de forma significativa uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste. Isto resulta do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004.

232    Essa análise prospetiva necessita de ser efetuada com grande atenção, uma vez que não se trata de examinar acontecimentos do passado, a respeito dos quais se dispõe frequentemente de numerosos elementos que permitem compreender as suas causas, nem mesmo acontecimentos presentes, mas sim de prever os acontecimentos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adotada nenhuma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração projetada. A análise prospetiva que consiste em examinar de que modo uma operação de concentração pode alterar os fatores que determinam o estado da concorrência num dado mercado, a fim de verificar se daí resulta um entrave significativo de uma concorrência efetiva exige que se imaginem os diversos encadeamentos de causa e efeito, a fim de ter em conta aqueles cuja probabilidade é maior (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, EU:T:2005:456, n.o 64).

233    Por último, em substância, como acima se recorda no n.o 110, a apreciação da Comissão quanto à compatibilidade com o mercado interno de uma operação de concentração entre empresas deve ser feita unicamente com base nas circunstâncias de facto e de direito existentes no momento da notificação dessa operação e não com base em elementos hipotéticos cujo alcance não pode ser avaliado no momento em que é tomada a decisão de autorização (v. Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384, n.o 327 e jurisprudência referida).

234    Daí resulta que é expectável que a Comissão proceda a uma apreciação dos efeitos da concentração num período cuja duração máxima não pode ultrapassar o horizonte da ocorrência, com um grau de certeza suficiente, de determinados acontecimentos. Quanto mais o evento a prever estiver afastado no tempo, maior será a incerteza quanto à sua ocorrência. Neste sentido, não se pode exigir à Comissão que se preste a uma análise prospetiva com base em elementos cujos efeitos a longo prazo não esteja em condições de prever com uma margem de erro razoável.

235    No caso, em primeiro lugar, não se pode deixar de observar que a Comissão se submeteu a uma análise prospetiva tendo em conta a transição energética e o abandono do nuclear, acontecimentos com um grau de certeza suficiente, à data da adoção da decisão recorrida, uma vez que foram decididos pelo Governo alemão.

236    A este título, a Comissão examinou os efeitos da concentração nas quotas de mercado detidas pela RWE, distinguindo dois períodos, a saber, o período compreendido entre a realização da referida concentração até 31 de dezembro de 2022 e o período posterior a essa data, como resulta, particularmente, dos n.os 30 e 35 da decisão recorrida. A Comissão fez o mesmo no respeitante à análise relativa aos efeitos da concentração sobre o risco associado às estratégias de retenção de capacidade (n.os 56, 80 e 81 da decisão recorrida), sobre o papel pivot da RWE (n.os 62 e 65 da decisão recorrida) e sobre o mercado de transporte da eletricidade (n.os 99 e 100 da decisão recorrida). A data de 31 de dezembro de 2022 foi a escolhida, uma vez que, de acordo com a Gesetz zur geordneten Beendigung der Kernenergienutzung zur gewerblichen Erzeugung von Energie (Lei da Paragem Ordenada da Utilização da Energia Nuclear na Produção Industrial de Energia), de 22 de abril de 2002 (BGBl. 2002 I 1351), os ativos nucleares a que dizia respeito a concentração deviam estar fechados até essa data.

237    Há que observar que, no âmbito da análise da vantagem concorrencial na atribuição das subvenções para o desenvolvimento e construção de novos ativos de produção proveniente de energias renováveis que a RWE podia adquirir graças à concentração, resulta dos n.os 68 e 69 da decisão recorrida que a Comissão não se limitou no tempo. Isto é igualmente verdade no que respeita à análise efetuada pela Comissão, nos n.os 82 a 88 da decisão recorrida, da questão de saber se a aquisição pela RWE da participação minoritária na E.ON poderia dar origem a um bloqueio dos fatores de produção ou da clientela, à análise do risco de repercussões negativas sobre a liquidez do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, feita nos n.os 89 a 91 da decisão recorrida, e à avaliação do risco de acesso, pela RWE, a informações sobre as estratégias e atividades da E.ON a jusante, feita nos n.os 92 a 94 da decisão recorrida.

238    Assim, não se pode deixar de observar que a Comissão não parou no período anterior a 2022.

239    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da recorrente destinado a criticar a Comissão por se ter limitado ao período anterior a 2022.

240    Em segundo lugar, uma vez que a Comissão considerou o período posterior a 2022 sem, contudo, precisar o horizonte máximo em que se colocou para analisar os efeitos da concentração, é razoável considerar que se baseou num período de 3 a 5 anos a contar da notificação da concentração, feita em 2019, para conduzir a sua análise.

241    Esta interpretação é corroborada pelos articulados da Comissão e da E.ON.

242    A este respeito, a recorrente considera que a Comissão devia ter previsto um período de 15 a 20 anos. Esse período tem em conta, por um lado, os ciclos de investimento próprios do mercado da eletricidade e, por outro, as perturbações que vive este mercado devido à transição energética e à saída da energia nuclear. De resto, acusa a Comissão de só ter tomado em consideração o abandono do nuclear e de não ter seguido a sua prática decisória anterior.

243    Quanto às decisões da Comissão referidas pela recorrente em apoio da sua argumentação, refira‑se, à semelhança da Comissão, que estas foram adotadas num contexto económico e político diferente do caso presente.

244    Assim, no que respeita à Decisão C(2005) 5593 final da Comissão, de 21 de dezembro de 2005, que declara uma concentração compatível com o mercado comum e com o Acordo EEE (processo COMP/M.3696 — E.ON/MOL), esta dizia respeito ao mercado da eletricidade húngaro de 2005, que estava destinado a sofrer muitas alterações, como evidenciado, inter alia, pelos projetos de construção de centrais já decididos (v., particularmente, n.os 150, 594, 601 e 602). Quanto à Decisão C(2009) 9059 final da Comissão, de 12 de novembro de 2009, que declara a compatibilidade com o mercado comum de uma concentração (processo COMP/M.5549 — EDF/Segebel), não só dizia respeito ao mercado de eletricidade francês, belga e neerlandês de 2009, mas, além disso, a própria transação previa determinados prazos para a realização de determinadas etapas (v., particularmente, n.os 66 e 75 dessa decisão). Por último, no que respeita à decisão da Comissão, de 7 de maio de 2002, que declara a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum (processo COMP/M.2745 — Shell/Enterprise Oil), esta visava o mercado do Reino Unido de 2002 e os dados fornecidos pelas empresas notificantes e os terceiros tinham permitido à Comissão basear‑se num período de 10 anos.

245    Assim, longe de ter decidido, de forma abstrata, considerar um período de mais de 10 anos para analisar os efeitos das concentrações que lhe tinham sido notificadas, simplesmente porque pertenciam ao mercado da eletricidade, a Comissão fê‑lo porque tinha na sua posse elementos que lhe permitiam, com certeza razoável, considerar a evolução do mercado durante esse período de tempo e, por conseguinte, os efeitos das concentrações.

246    Por conseguinte, há que colocar a questão de saber se, no caso, a Comissão tinha na sua posse elementos que lhe teriam permitido proceder a uma análise prospetiva mais longínqua no tempo.

247    A esse respeito, como acima se indica no n.o 235, a Comissão teve em conta a transição energética e a saída do nuclear. Isso reflete‑se no facto de, por um lado, a Comissão ter mencionado, várias vezes na decisão recorrida, a saída do nuclear e, por outro, ter abordado os efeitos da concentração tomando em consideração o impacto da lei EEG.

248    Isto basta para rejeitar o argumento da recorrente de a Comissão só ter considerado a saída do nuclear.

249    Por outro lado, há que observar que, embora a recorrente critique a Comissão por não ter tido em conta o facto de, no mercado da eletricidade, os ciclos de investimento se estenderem por períodos de 15 a 20 anos, menciona apenas os seus projetos de investimento. Assim, não refere investimentos que a RWE pudesse realizar, na sequência da concentração, suscetíveis de alterar o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade. Pelo contrário, mesmo, assinala que, em seu entender, a RWE e a E.ON poderiam ser dissuadidas de realizar investimentos massivos na sequência da concentração. Daí resulta que não era certo, à data da adoção da decisão recorrida, que a RWE e a E.ON efetuariam, na sequência da concentração, investimentos suscetíveis de modificar a estrutura do mercado. Por conseguinte, mesmo admitindo que os ciclos de investimento se estendessem efetivamente por períodos de 15 a 20 anos, como sustenta a recorrente, a Comissão não podia basear a sua análise prospetiva nesse período apenas por essa razão.

250    Quanto ao potencial impacto da saída do carvão, mencionado simultaneamente pela recorrente e pela RWE, refira‑se que essa saída está prevista na Gesetz zur Reduzierung und zur Beendigung der Kohleverstromung (Lei da Redução e Fim da Produção de Eletricidade a Partir do Carvão) de 8 de agosto de 2020 (BGBl. I 2020, p. 1818, a seguir «lei da saída do carvão»). Por outras palavras, é posterior à adoção da decisão recorrida, pelo que se pode considerar que, por esta simples razão, a Comissão não podia ter em conta os efeitos dessa lei para determinar o período em que devia realizar a sua análise.

251    Contudo, há que observar que essa lei foi adotada na sequência da entrega de um relatório de 31 de janeiro de 2019 elaborado pela Kommission für Wachstum, Strukturwandel und Beschäftigung (commission pour la croissance, les mutations structurelles et l’emploi, Allemagne) (Comissão para o Crescimento, Mudanças Estruturais e Emprego, Alemanha), nomeada pelo Governo federal alemão em 6 de junho de 2018. Esse relatório continha recomendações para a elaboração de um plano destinado à redução e à eliminação progressivas da produção de eletricidade a partir do carvão, bem como as medidas jurídicas, económicas, de acompanhamento social, de restauração da natureza e de política estrutural necessárias à sua realização. A data de saída do carvão estava prevista para 2038.

252    A este respeito, a recorrente invoca o desaparecimento da Uniper SE para sustentar que a estrutura do mercado vai mudar em benefício da RWE. A Uniper é uma antiga companhia de energia e filial da E.ON, adquirida pela Fortum Oyj na sequência da Decisão C(2018) 3921 final da Comissão, de 15 de junho de 2018, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo M.8660 — Fortum/Uniper).

253    Ora, quanto à Uniper, refira‑se que o relatório acima mencionado no n.o 251 não se pronunciava sobre uma data precisa de encerramento das suas centrais elétricas a carvão, mas indicava que o operador da mina de carvão que fornecia a Uniper previa uma exploração até meados dos anos 2030.

254    Além disso, resulta do comunicado de imprensa do Governo federal alemão, de 15 de janeiro de 2020, mencionado pela Comissão na tréplica, que foi celebrado um acordo entre o Governo federal alemão e os Länder para a saída do carvão. Esse acordo visava dar execução às recomendações da Comissão para o Crescimento, Mudanças Estruturais e Emprego. Além disso, no comunicado de imprensa da Uniper de 30 de janeiro de 2020, esta última empresa comunicava a sua vontade de sair progressivamente do carvão e que o relatório da Comissão para o Crescimento, Mudanças Estruturais e Emprego propunha que o Governo federal alemão chegasse a um acordo com ela para que a central elétrica a carvão Datteln 4 não fosse posta em funcionamento em troca de uma compensação financeira. Foi neste contexto que foi adotada a lei da saída do carvão. Há que assinalar ainda que, embora o artigo 4.o dessa lei preveja um calendário de redução e de paragem das emissões das centrais a carvão, não refere, contrariamente à lei da saída do nuclear, os nomes das centrais em causa.

255    Assim, mesmo que a Comissão tivesse conhecimento de que estava em preparação uma lei da saída do carvão e que a Uniper cessaria a exploração das suas centrais elétricas a carvão, não estava, todavia, em condições de conhecer as modalidades exatas da execução dessa lei, ou mesmo de as prever, uma vez que, de qualquer modo, só foram precisadas em janeiro de 2020. Além disso, a recorrente apenas se interessa pela Uniper sem ter em conta os efeitos prováveis dessa lei sobre a situação da RWE, que detém igualmente centrais a carvão. Por último, uma vez que os ativos de produção de eletricidade convencional da E.ON abrangidos pela concentração são ativos nucleares e não centrais elétricas a carvão, há que concluir que a Comissão não tinha que tomar em consideração as alterações induzidas por esta lei no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade para antecipar de forma razoável os efeitos da concentração num mercado assim redefinido. Isto justificava‑se tanto mais que, devendo a saída do carvão estender‑se até 2038, tal exercício exigiria à Comissão uma projeção num futuro muito longínquo que pudesse ser marcada pela ocorrência de outras alterações ainda não previsíveis e, no entanto, suscetíveis de alterar ainda a estrutura do mercado.

256    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da recorrente a esse respeito, tal como o seu argumento relativo à alteração da estrutura do mercado devido à deterioração da posição da Uniper por causa do encerramento das suas centrais elétricas a carvão.

257    Além disso, a recorrente sustenta que a lei de saída do carvão provoca uma distorção da concorrência, na medida em que o Governo alemão dota a RWE de meios financeiros consideráveis. A esse respeito, há que observar, em todo o caso, que, como sustenta a Comissão, esta não qualificou precisamente o mecanismo de concurso da República Federal da Alemanha de distorção da concorrência. Pelo contrário, concluiu que os auxílios que constituem esses meios financeiros são compatíveis com o mercado interno [Decisão C(2020) 8065 final da Comissão, de 25 de novembro de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.58181 (2020/N) — Mecanismo de concursos para a saída do carvão na Alemanha].

258    Resulta do exposto que a Comissão não dispunha de elementos que lhe permitissem dedicar‑se a uma análise prospetiva baseada num período mais longo do que aquele que fixou, a saber, 3 a 5 anos a contar da notificação da concentração. Não cometeu, portanto, nenhum erro manifesto de apreciação na delimitação do período de análise.

259    Improcede, portanto, a alegação de delimitação errada do período de análise.

d)      Quanto à terceira alegação, relativa à apreciação errada do poder de mercado da RWE

260    A recorrente acusa a Comissão de ter avaliado de forma errada a posição de mercado da RWE, ao concluir que o aumento do poder de mercado da RWE não era um entrave. Em primeiro lugar, sustenta que a Comissão só teve em conta, para analisar o poder de mercado da RWE, as quotas de mercado dessa empresa. Em segundo lugar, entende que a Comissão cometeu um erro na análise das quotas de mercado e de outros fatores pertinentes, a saber, o papel pivot da RWE no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, os incitamentos da RWE a estratégias de retenção de capacidade e a outras utilizações estratégicas da sua carteira de produção e o papel pivot da RWE no mercado dos serviços de regulação e auxiliares.

261    A Comissão, apoiada pela E.ON e pela RWE, contesta os argumentos da recorrente.

262    Há que examinar cada uma das críticas feitas pela recorrente, começando pela relativa aos fatores tidos em conta pela Comissão.

1)      Quanto aos elementos tidos em conta pela Comissão para efeitos da sua análise do poder de mercado da RWE

263    A recorrente critica a Comissão por ter procedido à análise do crescente poder de mercado da RWE baseando‑se exclusivamente nas quotas de mercado, sem ter em conta fatores suplementares. A Comissão reduziu a análise do poder de mercado às quotas de mercado dos produtores, calculadas com base nas quantidades de eletricidade produzidas e nas capacidades, sem recorrer a outros fatores pertinentes segundo os padrões de controlo das concentrações e utilizados em análises anteriores do mercado alemão da produção e do fornecimento grossista de eletricidade. A recorrente faz mais especificamente referência ao grau de concentração calculado com base no índice da Herfindahl‑Hirschman (a seguir «IHH»), ao papel pivot da RWE, demonstrado pelo índice RSI, às análises apresentadas por terceiros e ao estudo Oxera ou ainda ao estudo de mercado. Assim, a Comissão não abordou a maior parte dos problemas concorrenciais resultantes da concentração. Desse modo, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

264    Refira‑se, a esse respeito, que, no seu exame, a Comissão tratou as quotas de mercado principalmente na secção 5.1.1 da decisão recorrida, intitulada «Estrutura do mercado» (n.os 25 a 29), e na secção 5.1.2 da decisão recorrida, intitulada «O aumento resultante da concentração» (n.os 30 a 35).

265    Além disso, a Comissão detalhou «o regime de subvenção dos ativos que produzem a partir de energias renováveis» (secção 5.1.3 da decisão recorrida, n.os 36 a 39), bem como «O ponto de vista da parte notificante» (secção 5.1.4 da decisão recorrida, n.os 40 a 42), que assenta principalmente, primeiro, na debilidade das quotas de mercado acumuladas, segundo, no aumento mínimo destas, terceiro, na presença de outros concorrentes e, quarto, no não aumento do papel pivot da RWE.

266    À luz das quotas de mercado e dos elementos mencionados no número anterior, a Comissão efetuou a sua análise na secção 5.1.5 intitulada «A apreciação da Comissão» (n.os 43 a 65). A Comissão determinou aí que, tendo em conta o aumento limitado e a natureza temporária das quotas de mercado no conjunto do mercado ou em todos os segmentos previstos, seria pouco provável, à primeira vista, que esse aumento reforçasse substancialmente o poder de mercado da RWE (n.o 47 da decisão recorrida).

267    Todavia, a Comissão não chegou a esta conclusão. Com efeito, reconheceu que, em razão da natureza do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, uma empresa que detivesse quotas de mercado limitadas podia, ainda assim, influenciar os preços. Por conseguinte, analisou a capacidade e o interesse da RWE em influenciar os preços (n.o 48 da decisão recorrida). A Comissão começou esta análise com a avaliação do risco associado às estratégias de retenção de capacidade (n.os 49 a 58 da decisão recorrida) e concluiu que, tendo em conta a carteira de produção da RWE e as respostas ao estudo de mercado, a concentração não aumentava a capacidade da RWE para reter uma parte da sua produção numa medida determinante (n.o 54 da decisão recorrida). A Comissão analisou, em seguida, as análises RSI apresentadas pela RWE e por terceiros (secção 5.1.5.1 da decisão recorrida, n.os 59 a 65) e concluiu igualmente que a levariam a alterar a sua conclusão, a saber, que a concentração não alteraria substancialmente a capacidade ou o interesse da RWE em falsear a concorrência (n.o 65 da decisão recorrida).

268    Atendendo às quotas de mercado e, especialmente, ao seu aumento pequeno e temporário, à sua análise da capacidade de retenção da RWE e às análises do papel pivot da RWE, a Comissão concluiu que a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. Para a Comissão, isto é válido independentemente de se considerar que o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na Alemanha inclui toda a produção ou é segmentado entre a produção de eletricidade convencional e a produção de eletricidade renovável (secção 5.1.6 da decisão recorrida, n.o 66).

269    Além disso, tendo em conta a natureza da indústria em causa, a Comissão decidiu analisar outros elementos que poderiam demonstrar uma incidência concorrencial nos mercados, tais como análises baseadas no índice RSI relativamente ao papel pivot ou ao índice «Return on Withholding Capacity Index» (índice de rendimento sobre as capacidades retidas, a seguir «índice RWC») para analisar a capacidade de retenção. A Comissão teve igualmente em conta as respostas ao estudo de mercado, às quais fez várias referências (n.os 53, 59, 67, 71, 92, 94 e nota de pé de página n.o 9 da decisão recorrida). Por último, a Comissão analisou as preocupações manifestadas por terceiros que responderam ao estudo de mercado sobre a participação minoritária da RWE na E.ON, bem como sobre os efeitos da concentração em mercados diferentes do mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade na Alemanha.

270    É certo que, como sustenta a recorrente, a Comissão não analisou, na decisão recorrida, o índice IHH.

271    Segundo o ponto 14 das orientações, o grau de concentração dá frequentemente uma primeira indicação útil sobre a estrutura do mercado e sobre a importância das partes na concentração. Resulta igualmente do ponto 16 das orientações que o grau de concentração global de um mercado pode constituir um dado precioso sobre as condições de concorrência. Ora, segundo este último ponto, para medir os níveis de concentração, a Comissão utiliza frequentemente o IHH, que é igual à soma dos quadrados das quotas de mercado de cada uma das empresas presentes no mercado. Embora o nível absoluto do IHH possa dar uma primeira indicação das pressões concorrenciais exercidas no mercado no termo da operação de concentração, a variação do IHH, conhecida pelo nome de «delta», é um indicador útil da alteração do grau de concentração que resultará diretamente da operação. Contudo, nem o ponto 14 nem o ponto 16 das orientações exigem que a Comissão se ocupe da IHH em todas as suas decisões (v. Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.os 65 e 66 e jurisprudência referida).

272    Há que observar, por outro lado, que os pontos 19 a 21 das orientações definem, no essencial, os limites do IHH abaixo dos quais uma concentração não coloca, com toda a probabilidade, problemas de concorrência. Assim, nas orientações, a Comissão considera, nomeadamente, que é pouco provável que uma operação levante problemas de concorrência horizontais num mercado cujo IHH, depois de efetuada a operação, esteja compreendido entre 1 000 e 2 000 e cujo delta seja inferior a 250, ou quando o IHH, após a concentração, for superior a 2 000 e o delta inferior a 150, exceto em casos excecionais.

273    No caso, não se pode deixar de observar que a recorrente não fornece os seus próprios cálculos da IHH. Ora, cabe‑lhe fazê‑lo a fim de demonstrar que, se a Comissão o tivesse tido em conta, teria chegado a uma conclusão diferente quanto aos efeitos da concentração no mercado.

274    Resulta do exposto que, não só a Comissão teve em conta outros fatores pertinentes além das quotas de mercado para apreciar o poder de mercado da RWE, mas que, além disso, a recorrente não demonstrou em que medida a consideração do IHH, o que não era exigido segundo a jurisprudência acima referida no n.o 271, ou de eventuais outros fatores teriam sido suscetíveis de pôr em causa as conclusões da Comissão.

275    Por conseguinte, há que examinar a análise que a Comissão fez, primeiro, das quotas de mercado detidas pela RWE e, segundo, dos outros fatores.

2)      Quanto à análise das quotas de mercado

276    A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na avaliação das quotas de mercado.

277    A esse respeito, em primeiro lugar, a recorrente utiliza dados diferentes dos transmitidos pelas partes na concentração em que a Comissão se baseou para analisar as quotas de mercado da RWE. Ora, há que observar que a recorrente não indica a existência de uma norma jurídica que proíba a Comissão de se basear em dados fornecidos pelas próprias partes na concentração no âmbito do procedimento administrativo ou, pelo contrário, a obrigue a levar a cabo o seu próprio estudo de mercado independentemente dos dados fornecidos pelas partes na concentração (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 126).

278    Além disso, a recorrente limita‑se a utilizar os seus próprios dados sem explicar as razões pelas quais os dados utilizados pela Comissão não estão corretos.

279    Ora, não basta a recorrente utilizar dados diferentes dos que foram utilizados pela Comissão na decisão recorrida para demonstrar um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão sem apresentar nenhum elemento concreto capaz de demonstrar que a consideração dos dados na decisão recorrida constitui um erro manifesto de apreciação da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 156).

280    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que os dados utilizados pela Comissão eram incorretos.

281    Em segundo lugar, há que verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na sua análise dos dados em que se baseou.

282    Há que recordar que, no âmbito da sua apreciação dos efeitos anticoncorrenciais de uma operação de concentração, a Comissão compara as condições de concorrência tal como resultariam da operação notificada com as que existiriam no mercado se a concentração não tivesse lugar (Acórdão de 23 de maio de 2019, KPN/Comissão, T‑370/17, EU:T:2019:354, n.o 115).

283    Ora, a existência de quotas de mercado muito grandes é altamente significativa e a relação entre as quotas de mercado detidas pela ou pelas empresas participantes na concentração e pelos seus concorrentes, particularmente os que estão imediatamente a seguir, constitui um indício válido da existência de uma posição dominante. Além disso, uma quota de mercado especialmente grande pode, em si mesma, constituir a prova da existência de uma posição dominante, sobretudo quando os outros operadores no mercado possuem quotas menores (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 201). A contrario, podem presumir‑se compatíveis com o mercado interno as concentrações que, devido à quota de mercado limitada das empresas em causa, não sejam suscetíveis de entravar a manutenção de uma concorrência efetiva (considerando 32 do Regulamento n.o 139/2004).

284    Resulta do ponto 17 das orientações, por um lado, que só uma quota de mercado particularmente elevada de 50 % e mais pode, em si mesma, constituir a prova da existência de uma posição dominante no mercado e, por outro, que, embora com uma quota de mercado inferior a 50 % a operação de concentração possa, não obstante, suscitar problemas de concorrência, isso deve‑se a outros fatores, nomeadamente o poder dos concorrentes e o seu número (Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 59).

285    É, portanto, neste contexto que se deve determinar se, no caso, como alega a recorrente, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao avaliar de forma errada a posição de mercado da RWE e ao concluir que o aumento do poder de mercado da RWE não era um entrave.

286    No caso, primeiro, a Comissão observou, nos n.os 26 e seguintes da decisão recorrida, que, no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, a RWE detinha, antes da concentração, no mercado da produção total de eletricidade, uma quota de mercado compreendida entre 20 % e 30 %, a saber, [confidencial] (1) % na produção de eletricidade e compreendida entre 20 % e 30 %, a saber, [confidencial] %, na capacidade de produção instalada. Graças à concentração, a RWE adquiriria uma quota de mercado suplementar de entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] TWh) da produção total de eletricidade de entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] MW) da capacidade de produção instalada (n.o 27, quadro 1 e nota de rodapé n.o 26 da decisão recorrida). Todavia, devido à concentração M.8870, o aumento passaria a ser fixado entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] %, na produção de eletricidade (ou seja, [confidencial] TWh) e entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] MW) na capacidade de produção instalada (n.o 34 e nota de pé de página n.o 36 da decisão recorrida). Isto explica‑se pelo facto de, através da concentração M.8870, certos ativos de produção da innogy, antiga filial da RWE, serem transferidos para a E.ON.

287    Em segundo lugar, a Comissão referiu, no que respeita à produção de eletricidade convencional, que, antes da concentração, a RWE detinha uma quota de mercado compreendida entre 30 % e 40 %, a saber, [confidencial] %, na produção de eletricidade e compreendida entre 20 % e 30 %, a saber, [confidencial] %, na capacidade de produção instalada e que a concentração conferia à RWE uma quota de mercado suplementar entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] TWh) na produção de eletricidade ou entre 0 % e 1 %, a saber [confidencial] % (isto é, cerca de [confidencial] MW) na capacidade de produção instalada (n.o 28, quadro 2 e nota de pé de página n.o 28 da decisão recorrida). Devido à concentração M.8870, o aumento só se estabeleceria entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] %, para a produção de eletricidade (n.o 34 da decisão recorrida).

288    Terceiro, no que respeita à produção de eletricidade renovável, a Comissão observou que, antes da concentração, a RWE detinha uma quota de mercado compreendida entre 0 % e 5 %, a saber, [confidencial] %, na produção de eletricidade e compreendida entre 0 % e 5 %, a saber, [confidencial] %, na capacidade de produção instalada e que a concentração conferia à RWE uma quota de mercado suplementar entre 0 % e 1 %, ou seja, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] TWh) na produção de eletricidade e entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] TWh) na produção instalada (n.o 29, quadro 3 e nota de pé de página n.o 31 da decisão recorrida). Devido à concentração M.8870, o aumento só se estabeleceria então entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] %, para a produção de eletricidade (n.o 34 da decisão recorrida).

289    Por conseguinte, a concentração confere à RWE uma quota de mercado suplementar que ascende ao máximo de entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] %. Um aumento tão limitado não pode ser considerado, em si mesmo, significativo.

290    Há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar que a concentração não provocaria um aumento significativo das quotas de mercado detidas pela RWE, independentemente da delimitação do mercado adotada.

291    Além disso, com o fim do funcionamento da Gundremmingen C, prevista para 31 de dezembro de 2021, e da Emsland, prevista o mais tardar para 31 de dezembro de 2022, uma parte do aumento das quotas de mercado será ainda reabsorvida, a saber, [confidencial] dos [confidencial] TWh de produção e [confidencial] dos [confidencial] MW da capacidade de produção instalada. Assim, o aumento que subsiste de forma duradoura será o relativo à capacidade dos parques eólicos e que é de [confidencial] MW. Na medida em que o aumento das quotas de mercado no mercado da eletricidade convencional assenta exclusivamente na aquisição das centrais nucleares, esse aumento devia desaparecer completamente na sequência da saída do nuclear, prevista para, mais tardar, 31 de dezembro de 2022. Assim, o aumento líquido das quotas de mercado após a realização da concentração M.8871 só se estabelecerá entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (ou seja, [confidencial] TWh) para a produção de eletricidade no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade. Além disso, com a saída do nuclear até 31 de dezembro de 2022, a produção de eletricidade devia diminuir em [confidencial] TWh. Por conseguinte, o aumento das quotas de mercado na sequência da concentração será temporário, ou mesmo negativo, a partir de 2023.

292    Em face do exposto, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao concluir que o aumento real resultante da concentração era de natureza unicamente temporária, uma vez que devia desaparecer em grande parte uma vez definitivamente encerrados os ativos nucleares até ao final de 2022 (n.o 35 da decisão recorrida). Assim, o pequeno aumento, que passa de [confidencial] % para [confidencial] % no mercado da produção e do fornecimento de eletricidade convencional na Alemanha, desaparecerá uma vez realizada a saída do nuclear.

293    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

294    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento de que a Comissão ignorou o facto de a RWE dominar o mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade antes da concentração, é verdade que a Comissão não menciona, na decisão recorrida, a existência de uma posição dominante preexistente da RWE. No entanto, uma vez que a Comissão é capaz de demonstrar com base nos elementos do processo que uma concentração não é suscetível de criar ou de reforçar uma posição dominante, a Comissão não é obrigada a determinar previamente se a empresa em causa já gozava de uma posição dominante.

295    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao não analisar se a RWE era uma empresa dominante antes da concentração.

296    Em todo o caso, como acima indicado no n.o 310, o principal elemento quantitativo em que se baseia a recorrente para sustentar a existência de uma posição dominante preexistente da RWE, a saber, o papel pivot ocupado pela RWE e medido pelo índice RSI do estudo Oxera, não constitui um indício dessa posição.

297    Segundo, a recorrente alega que a aquisição quase total do conjunto da produção de eletricidade renovável da E.ON permite à RWE destacar‑se ainda mais claramente enquanto primeiro produtor de eletricidade convencional e tornar‑se o primeiro produtor de eletricidade renovável. Esta combinação dá‑lhe margem de manobra consideráveis no mercado, o que agrava os efeitos da concentração na concorrência tendo em conta as barreiras estruturais criadas à entrada e à necessidade de investimentos em capital muito grandes e uma planificação a longo prazo.

298    A este respeito, como acima se refere nos n.os 290 e 292, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação quando considerou que o aumento das quotas de mercado era limitado e temporário. Além disso, a Comissão sublinha com razão que, no que respeita à produção a partir de energias renováveis, a E.ON e a RWE têm uma quota de mercado muito pequena, que é apenas entre 0 % e 5 %, a saber, [confidencial] %. Quanto à produção proveniente de fontes de energia convencionais, embora a RWE seja o maior fornecedor na Alemanha ([confidencial] %), o aumento líquido é limitado ([confidencial] %) e, em todo o caso, inteiramente devido a ativos que funcionam a partir de energia nuclear que iriam parar definitivamente até ao final de 2022 (n.o 45 da decisão recorrida). Assim, a Comissão concluiu, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, que, à primeira vista, era pouco provável que esse aumento reforçasse substancialmente o poder da RWE no mercado alemão da produção e do fornecimento grossista de eletricidade (n.o 47 da decisão recorrida).

299    Resulta do exposto que, no que respeita à análise das quotas de mercado detidas pela RWE, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação.

3)      Quanto ao papel pivot da RWE no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade

300    A recorrente acusa a Comissão de não ter examinado de forma exaustiva o reforço do papel pivot da RWE no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, demonstrado nomeadamente pelo índice RSI.

301    Segundo a recorrente, à luz, nomeadamente, do estudo Oxera, a RWE já desempenhava, antes da concentração, um papel central no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, o que refletia uma posição dominante. Entende que, através da concentração, o papel pivot da RWE é reforçado.

302    Como resulta do n.o 60 da decisão recorrida, uma análise RSI consiste em determinar se uma sociedade desempenha um papel pivot, ou seja, se é indispensável para satisfazer a procura. Na prática, o RSI serve para verificar, relativamente a todas as horas de um determinado ano, se a capacidade dos concorrentes é suficiente para responder à procura uma vez retirada do mercado a entidade resultante da operação de concentração.

303    A esse respeito, a Comissão explicou, no n.o 60 da decisão recorrida, que o Instituto Federal da Concorrência e a Monopolkommission (comissão dos monopólios, Alemanha) consideraram que, quando um fornecedor desempenhava um papel pivot durante mais de 5 % das horas de um dado ano, isso era indicativo de um poder de mercado.

304    No entanto, reconhecendo embora a sua utilidade, a Comissão considerou, no n.o 61 da decisão recorrida, que o índice RSI sofria de certos limites que importava ter em conta na análise dos efeitos das concentrações. Com efeito, uma sociedade que não desempenhe um papel secundário pode, ainda assim, influenciar os preços grossistas, por exemplo, através da retenção de capacidades. Referiu igualmente que uma sociedade que desempenhasse, porém, um papel pivot podia ter apenas um interesse limitado no seu exercício, caso a procura residual não pudesse ser satisfeita pelos concorrentes.

305    No entanto, não deixando de explicar a razão pela qual considerava que as análises RSI eram de utilidade limitada no controlo das concentrações, a Comissão tomou‑as em conta e examinou‑as. A este respeito, a Comissão pode, no âmbito do seu poder de apreciação na matéria, chamar a atenção para os limites do modelo das análises económicas baseadas no índice RSI a ter em conta na avaliação global da concentração (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.os 116 a 118). Por conseguinte, a recorrente não pode acusar a Comissão de ter tido em conta os limites das análises baseadas no índice RSI no âmbito da sua análise do papel pivot desempenhado pela RWE.

306    Além disso, a Comissão indicou, na nota de pé de página n.o 46 da decisão recorrida, sem impugnação da recorrente, que em função de terceiros, o aumento do papel pivot, ou seja, o aumento absoluto da percentagem de todas as horas do ano durante as quais a RWE é indispensável para responder à procura, se situava entre 0,4 % e 1,1 % para 2017, e entre 0,7 % e 1,1 % para 2019.

307    Além disso, resulta do n.o 62 da decisão recorrida que as diversas análises RSI apresentadas à Comissão estão todas de acordo quanto ao facto de que, por um lado, a RWE é, a curto prazo, a saber, até 2022, um fornecedor indispensável para satisfazer a procura durante significativamente menos de 10 % de todas as horas do ano e, por outro, qualquer aumento dos períodos durante os quais a RWE continua a ser indispensável desapareceria até à saída do nuclear prevista para o final de 2022.

308    Por outro lado, a Comissão sublinhou, no n.o 64 da decisão recorrida, que só o estudo Oxera previa um cenário baseado numa retenção da capacidade de produção eólica e no controlo dos ativos de produção à base de fontes de energia convencionais da E.ON cujos efeitos eram relativamente mais significativos. A Comissão considerou, porém, que as hipóteses em que o referido cenário se baseava não eram sustentadas pelos factos do caso presente: por um lado, a RWE não estava em condições de proceder a uma retenção de capacidade da produção resultante de energias renováveis hora a hora, uma vez que os ativos de produção resultante de energias renováveis não se prestavam às intervenções de retenção; por outro, a sua participação minoritária na E.ON não conferia à RWE o pleno controlo da gestão quotidiana dos ativos conservados pela E.ON.

309    A este respeito, como adiante se refere, nos n.os 322 e 391, estão devidamente sustentadas as afirmações da Comissão de que, por um lado, as instalações de produção de eletricidade renovável não se prestam à retenção e, por outro, a RWE não adquire controlo sobre as operações quotidianas da E.ON. Assim, a Comissão podia considerar, de forma plausível, que as hipóteses em que o modelo do estudo Oxera assentava não refletiam a realidade.

310    Além disso, o estudo Oxera não pode sustentar, através do papel pivot da RWE, a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Antes de mais, resulta deste estudo que, em 2019, sem a concentração, a RWE desempenharia um papel pivot durante 4 % das horas do ano, situando‑se assim abaixo do limiar de 5 %, indicativo de poder de mercado segundo o Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas e a Comissão dos Monopólios, pelo que não se pode concluir por uma posição dominante da RWE a este respeito antes da concentração. Em seguida, o aumento do RSI na sequência da concentração é limitado. Assim, para 2019, esse modelo prevê que a parte das horas do ano durante as quais a RWE desempenha um papel pivot passa de 4 % na ausência da concentração para 5,5 % na sequência da concentração, e em 2022 de 8,6 % na ausência da concentração a 9,9 % na sequência da concentração. Isto significa, portanto, que o aumento das horas durante as quais a RWE desempenha um papel pivot aumenta em 1,5 pontos percentuais para 2019 e 1,3 pontos percentuais para 2022. Assim, o aumento do papel pivot da RWE constatada pelo estudo Oxera não é radicalmente diferente do constatado pelos terceiros e acima lembrado no n.o 306. Além disso, os valores do RSI para o ano de 2024 são idênticos para a situação na ausência e na sequência da concentração, o que demonstra que não há nenhum aumento do papel pivot da RWE devido à concentração na sequência da saída do nuclear.

311    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou a existência de um erro manifesto de apreciação na análise feita pela Comissão do papel pivot da RWE.

4)      Quanto aos incitamentos da RWE a estratégias de retenção de capacidade e a outras utilizações estratégicas da sua carteira de produção

312    A recorrente alega que a Comissão negou erradamente o potencial de retenção de capacidade da RWE, por um lado, ao referir‑se ao caráter insignificante do crescimento da RWE e, por outro, ao basear‑se no estudo de mercado em vez de avaliar as margens de manobra suplementares. A este respeito, a recorrente sustenta, nomeadamente, que o índice RWC relativo ao rendimento das capacidades detidas revela que a RWE estava em condições de influenciar os preços e de otimizar os rendimentos da sua carteira, retendo capacidades já antes da concentração devido ao seu poder de mercado. Com a concentração, a RWE podia reter capacidades suplementares e beneficiar ainda mais dos aumentos de preços. Assim, o índice RWC relativo ao rendimento das capacidades retidas revela que a retenção era rentável para a RWE vários milhares de horas por ano.

313    As estratégias de retenção de capacidade pelos fornecedores consistem em reter física ou economicamente uma parte da sua produção para desencadear um aumento dos preços, o que necessita, para dela beneficiar, da combinação de uma produção flexível (o carvão e o gás) que pode ser retida e de uma produção de base (a energia nuclear, a lenhite, e as energias renováveis) que continua operacional e beneficia do aumento resultante dos preços.

314    Em primeiro lugar, há que recordar que cabe à Comissão avaliar globalmente o resultado do leque de indícios utilizado para avaliar a situação de concorrência. De acordo com essa avaliação global, a Comissão pode privilegiar determinados elementos e dela afastar outros. O Tribunal Geral deve fiscalizar a legalidade desse exame e a sua fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 136).

315    Há que observar que, no n.o 51 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a capacidade adicional adquirida pela RWE não reforçava substancialmente a sua capacidade ou o seu interesse em proceder a retenções de capacidade.

316    Por um lado, as instalações de energia produzida a partir de fontes de energia renováveis têm, entre as tecnologias de produção flexível, os custos marginais mais baixos, pelo que são as mais difíceis de reter (n.o 52 da decisão recorrida). Os produtores de eletricidade confirmaram, no estudo de mercado, que essas instalações eram habitualmente exploradas a plena capacidade e que a sua retenção, possível no plano técnico, só fazia sentido, economicamente falando, nas raras circunstâncias em que os preços grossistas fossem negativos (n.o 53 da decisão recorrida). A Comissão considerou, no n.o 54 da decisão recorrida, que a aquisição de parques eólicos devido à concentração não aumentava a capacidade de detenção da RWE em qualquer medida determinante. Resulta do n.o 57 da decisão recorrida que também não aumentava o interesse da RWE em proceder a retenções de capacidade, uma vez que o aumento líquido temporário de [confidencial] TWh da capacidade renovável eólica era remunerado ao abrigo do regime da «venda direta», pelo que um aumento dos preços no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade tendia a reduzir consideravelmente a medida em que uma instalação que beneficiava da lei EEG beneficiava de um aumento dos preços nesse mercado.

317    Por outro lado, a Comissão salientou, nos n.os 55, 56 e 58 da decisão recorrida, que o aumento da capacidade de detenção da RWE com a aquisição das capacidades nucleares era temporário e limitado a [confidencial] TWh ou entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] %, da produção total e era pouco suscetível de ter um efeito sensível no interesse da RWE em lançar‑se numa estratégia de recuperação de capacidade.

318    A Comissão precisou, no n.o 63 da decisão recorrida, que só o estudo Oxera apresentou um modelo de simulação que visava avaliar o interesse que a RWE teria em ponderar retenções de capacidade. A Comissão retirou desse modelo a conclusão de que, no caso de uma retenção das capacidades de produção baseada em fontes de energia convencionais, como as centrais a gás e a carvão, os efeitos da concentração eram muito limitados.

319    Assim, resulta da decisão recorrida, mais concretamente do seu n.o 65, que a Comissão analisou o estudo Oxera, através do qual a recorrente tenta apoiar as suas afirmações sobre a possibilidade e os incentivos da RWE para reter capacidades, e que concluiu que as diversas análises apresentadas, incluindo o estudo Oxera, não tinham alterado as suas conclusões.

320    Em segundo lugar, há que verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na sua análise do risco de uma retenção das capacidades de produção.

321    Como foi acima assinalado nos n.os 290 e 292, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto ao considerar que o aumento das quotas de mercado não era significativo e, em todo o caso, que esse aumento seria temporário. Há que deduzir daí que nenhuma capacidade suplementar de retenção pode também decorrer da concentração a partir da saída do nuclear, prevista para finais de 2022. Isto é confirmado pelo estudo Oxera, cujo modelo mostra que, para o ano de 2024, não haverá nenhum incentivo suplementar de retenção em relação à situação antes da concentração.

322    No que respeita às capacidades ou incentivos suplementares à retenção adquiridos a curto prazo, ou seja, até à saída do nuclear, prevista para o final de 2022, por um lado, no que respeita às instalações de energia renovável, a Comissão constatou que os participantes na investigação de mercado indicavam que as instalações que funcionam as energias renováveis não podiam estar envolvidas em estratégias de retenção. Importa igualmente observar que a recorrente não põe em causa a conclusão da Comissão de que as instalações de energia renovável apresentam os custos marginais mais baixos das instalações de energia, pelo que são as mais rentáveis e as menos suscetíveis de ser retidas. A Comissão verificou igualmente se a aquisição temporária de uma capacidade renovável suplementar podia incentivar a RWE a reter as suas instalações de energia diferentes das instalações de energia renovável. A esse respeito, observou que um eventual aumento dos preços provocado pela retenção de outras instalações de energias teria significado que a remuneração das instalações renováveis pela lei EEG diminuiria. Assim, à natureza temporária dos possíveis aumentos da capacidade de retenção, é necessário acrescentar que qualquer incentivo suplementar à retenção a curto prazo decorrente da capacidade de energia renovável seria limitado.

323    Por outro lado, quanto à aquisição de uma participação minoritária no capital das centrais nucleares da Emsland e da Gundremmingen C, as capacidades ou incentivos suplementares à retenção são temporários e limitados, por causa da sua paragem até ao final de 2022. Importa igualmente observar que o estudo Oxera não demonstrou a existência de um aumento significativo dos incentivos para reter. No que respeita à energia proveniente de fontes de energia convencionais, o estudo Oxera não mostra, a este respeito, nenhuma variação significativa dos preços e do número de horas rentáveis ligada à retirada de uma central a gás após a concentração. No caso da retirada de uma central a carvão, o número de horas rentáveis é um pouco mais alto nos anos de 2019 e 2022 e praticamente idêntico em 2024.

324    Em face do exposto, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação no que respeita à sua análise da possibilidade e dos incentivos para reter capacidades da RWE na sequência da concentração.

325    Em terceiro lugar, há que analisar as preocupações suplementares da recorrente relacionadas com o potencial uso estratégico da carteira de produção da RWE, a saber, em primeiro lugar, a elaboração de previsões deliberadamente erradas no domínio da eletricidade renovável eólica, em segundo lugar, a utilização estratégica do lapso de tempo entre o mercado da véspera e o mercado infra‑diário mais volátil e, em terceiro lugar, a manipulação dos preços.

326    A este respeito, a Comissão observou, no n.o 71 da decisão recorrida, que a rendibilidade de uma estratégia baseada em previsões deliberadamente erradas para provocar uma procura mais forte em serviços de equilíbrio caracterizados por preços mais altos era difícil de demonstrar e que, além disso, a maioria dos concorrentes que tinham participado no estudo de mercado tinham indicado que os fornecedores não tinham geralmente nenhum interesse em fornecer previsões erradas da produção proveniente de fontes de energia renováveis. A Comissão concluiu, no n.o 72 da decisão recorrida, que a concentração só poderia produzir efeitos em dois cenários alternativos, a saber, se as capacidades renováveis da RWE aumentassem de forma significativa, ou se a posição da RWE fosse reforçada no mercado dos serviços de regulação e auxiliares. Não tendo a recorrente contestado a pertinência destes dois cenários nem apresentado outras hipóteses em que a concentração pudesse ter efeitos, há que verificar unicamente se esses dois cenários se verificaram no caso presente.

327    Ora, no que respeita às capacidades eólicas e às capacidades no domínio dos serviços de regulação e auxiliares, conclui‑se, respetivamente, no n.o 290, supra, e no n.o 331, infra, que a Comissão podia considerar, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, que os aumentos devidos à concentração eram limitados e temporários. Além disso, a capacidade ou os incentivos da RWE para decidirem os preços de qualquer forma não estão ligados à capacidade ou aos incentivos para manter capacidades ou ao mercado de regulação, na medida em que a venda no mercado diário e a venda no mercado infra‑diário ocorrem no mesmo mercado, o da produção e do fornecimento grossista de eletricidade. A natureza limitada e temporária de qualquer aumento da capacidade da RWE leva à mesma conclusão: a capacidade e os incentivos da RWE para manipular os preços só podem aumentar de forma limitada e temporária devido à concentração. Por conseguinte, nenhum dos dois cenários acima referidos no n.o 326 se verificou.

328    Em todo o caso, qualquer que seja o efeito que os aumentos de capacidades possam ter a curto prazo, estes são incertos e a recorrente não demonstrou, em conformidade com o nível de prova exigido, a existência de um indício sério de um entrave significativo a uma concorrência efetiva a este respeito.

329    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação na sua análise das preocupações suplementares decorrentes de uma utilização estratégica da carteira de produção da RWE.

5)      Quanto ao papel pivot da RWE no mercado dos serviços de equilíbrio e auxiliares

330    A recorrente alega, no essencial, que a RWE já era um fornecedor pivot no mercado dos serviços de regulação e auxiliares antes da concentração e que, através da concentração, o número de horas durante as quais a RWE desempenha um papel pivot continua a ser o mesmo, mas que a E.ON desapareceria enquanto concorrente. Segundo a recorrente, a Comissão não examinou especificamente o facto de a RWE ter assegurado um papel pivot no domínio dos serviços de regulação e auxiliares.

331    Refira‑se, em primeiro lugar, que a Comissão, no n.o 46 da decisão recorrida, concluiu que, no mercado dos serviços de regulação e auxiliares, o aumento resultante da concentração seria muito limitado e temporário. A Comissão observou que a produção de eletricidade a partir de energias renováveis não era habitualmente utilizada para efeitos de regulação e que as capacidades nucleares deviam ser pré‑qualificadas para esse uso. Esta pré‑qualificação resulta do processo iniciado por um fornecedor que pretenda participar no mercado de equilíbrio através de uma unidade de produção e que se tenha anunciado junto do operador da rede de transporte, competente para o concurso público em matéria de energia de regulação. Ora, no que respeita às capacidades nucleares adquiridas, por um lado, é certo que a central de Emsland era pré‑qualificada, mas a RWE já detinha a totalidade dos direitos de comercialização da energia de reserva. Por outro lado, a central de Gundremmingen C é pré‑qualificada para a constituição de reservas primárias, a saber, as primeiras reservas de eletricidade ativadas automaticamente em caso de desequilíbrio da rede, e terciárias, a saber, as terceiras reservas de eletricidade ativadas pelo operador da rede de transporte segundo um mecanismo de ajustamento, mas nunca tomou parte na venda em leilão das reservas primárias.

332    Há que observar que a recorrente reconhece que o número de horas durante as quais a RWE desempenha um papel pivot no mercado dos serviços de equilíbrio e auxiliares não muda pela concentração. Além disso, o estudo Oxera refere que, na prática, as centrais nucleares não são utilizadas para fins de regulação e indica que não é provável que a concentração tenha efeito direto no mercado dos serviços de regulação e auxiliares.

333    Por este motivo, a concentração não tem incidência na medida em que a RWE é indispensável para satisfazer a procura total de eletricidade no mercado dos serviços de regulação e auxiliares. Por conseguinte, a Comissão concluiu, sem cometer nenhum erro manifesto, que o grau de papel pivot da RWE no mercado dos serviços de regulação e auxiliares não aumentava.

334    Em segundo lugar, quanto ao impacto do desaparecimento da E.ON enquanto concorrente, há que notar que, segundo o estudo Oxera, o reforço da posição da RWE no mercado dos serviços de regulação e auxiliares decorre desse desaparecimento. A relação entre a RWE e a E.ON é adiante analisada nos n.os 339 a 391, mas é desde já possível verificar que, com as reduzidas capacidades de produção que conservava após a venda da Uniper à Fortum, a E.ON já não podia ter, antes da realização da concentração, uma importância relevante no mercado dos serviços de equilíbrio e auxiliares. Além disso, os ativos cedidos à RWE através da concentração não tinham, antes da concentração, capacidades para fins de regulação pelas razões acima detalhadas no n.o 331.

335    Daí resulta que a recorrente não consegue pôr em causa o mérito das constatações feitas pela Comissão na decisão recorrida relativas ao papel pivot que a RWE desempenha no mercado dos serviços de regulação e auxiliares.

6)      Conclusão

336    Resulta do exposto que, sob reserva de um exame do mérito dos argumentos da recorrente relativos à proximidade das partes na concentração (v. n.os 339 a 346, infra) e à eliminação duradoura da E.ON (v. n.os 347 a 365, infra), a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação na sua análise do impacto da concentração no poder de mercado da RWE. A este respeito, foi com razão que considerou que o exame das quotas de mercado adquiridas com a concentração e outros fatores não revelava que a concentração fosse suscetível de alterar de forma significativa o poder de mercado da RWE. Por conseguinte, improcede a alegação da recorrente de errada apreciação do poder de mercado da RWE.

e)      Quanto à quarta alegação, relativa à apreciação errada da relação entre a RWE e a E.ON

337    A recorrente alega, em substância, que a Comissão não analisou de forma adequada a relação entre a RWE e a E.ON e, particularmente, os laços de interdependência e a proximidade entre a RWE e a E.ON, a eliminação duradoura da E.ON, a influência decisiva da RWE sobre a E.ON e a repartição dos mercados da eletricidade decidida pela RWE e pela E.ON. A esse respeito, se tivesse examinado de forma correta e completa os factos ligados à relação entre a RWE e a E.ON e tivesse aceite uma apreciação económica diligente, a Comissão não teria declarado a concentração compatível com o mercado interno.

338    A Comissão, apoiada pela E.ON e pela RWE, contesta os argumentos da recorrente.

1)      Quanto às relações de interdependência e à proximidade entre a RWE e a E.ON

339    A recorrente sustenta que, ao não tomar em conta os vínculos de interdependência e a proximidade entre a RWE e a E.ON, a Comissão determinou erradamente o poder de mercado da RWE.

340    Primeiro, quanto às participações diretas ou indiretas da RWE e da E.ON em empresas do setor da energia na Alemanha, a recorrente considera, em substância, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, uma vez que não tomou em consideração as participações detidas pela RWE e pela E.ON no conjunto do setor da energia.

341    Contudo, a recorrente não explica que incidência podem ter essas participações na análise dos entraves à concorrência ligados à concentração. Com efeito, a recorrente limita‑se a mencionar o número de participações da RWE e da E.ON noutras empresas sem explicar se estas têm atividade nos mercados relevantes, nem que posições ocupam no mercado ou de que modo a sua relação com a RWE e a E.ON poderia entravar a concorrência ou se esses entraves hipotéticos seriam consequências ligadas à concentração.

342    Por outro lado, não se pode deixar de observar que a Comissão teve efetivamente em conta, na sua apreciação da concentração, as capacidades de produção detidas por filiais e empresas em cujo capital a RWE e a E.ON têm participações. Assim, nas quotas de mercado atribuídas à RWE e à E.ON no quadro 1 da decisão recorrida, a Comissão imputou à RWE e à E.ON todas as capacidades de produção que estas controlam de forma direta ou indireta por intermédio de filiais. Por conseguinte, a Comissão tomou efetivamente em consideração as participações diretas ou indiretas da RWE e da E.ON.

343    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento da recorrente de que a E.ON e a RWE estão estruturadas e posicionadas de maneira muito semelhante, sustenta, em substância, que esta proximidade constitui um indício suplementar do poder de mercado da RWE.

344    A este respeito, a recorrente não explica, porém, de que modo o paralelismo da evolução dos preços desses dois valores na bolsa, bem como do resultado de exploração identificado ou o facto de a E.ON e a RWE terem a sua sede na mesma cidade afetam a aplicação do direito das concentrações e, especialmente, de que modo esses elementos podem ter incidência na criação ou no reforço de uma posição dominante da RWE. Estes elementos têm, pelo contrário, natureza meramente incidental. Com efeito, o facto de as duas empresas terem sede em Essen (Alemanha) é irrelevante para apreciar os efeitos da concentração no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade. Quanto à evolução paralela dos seus rendimentos e do seu valor bolsista, pode explicar‑se pela evolução normal de duas empresas com atividade no mesmo setor.

345    Terceiro, a recorrente também não explica de que modo a simples proximidade geográfica do pessoal da RWE e da E.ON poderia conduzir à emergência de uma concertação entre as duas empresas contrária ao artigo 101.o TFUE ou ao direito das concentrações.

346    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação no que respeita às relações de interdependência e à proximidade entre a RWE e a E.ON.

2)      Quanto à eliminação duradoura da E.ON

347    A recorrente alega que a Comissão não examinou o desaparecimento da E.ON e as consequências negativas para a concorrência que daí resultavam, o que é o problema concorrencial central suscitado pela concentração.

348    A recorrente sustenta, em substância, que a E.ON exercia uma pressão concorrencial sã face à RWE e que o resultado mais significativo da concentração é o desaparecimento duradouro da E.ON enquanto concorrente potencial no domínio da produção de eletricidade renovável e no mercado dos serviços de regulação e auxiliares. Assim, a Comissão inobservou o ponto 27 das orientações à luz, primeiro, da proximidade entre as partes na concentração em termos de concorrência, segundo, a capacidade de as empresas partes na concentração travarem a expansão de concorrentes mais pequenos e, terceiro, a eliminação pela concentração de um importante motor da concorrência.

349    Importa recordar que, como acima referido no n.o 185, a Comissão está vinculada pelas comunicações que adota em matéria de controlo das concentrações, na medida em que estas não se afastem das normas do Tratado e do Regulamento n.o 139/2004 (Acórdãos de 3 de abril de 2003, BaByliss/Comissão, T‑114/02, EU:T:2003:100, n.o 143, e de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 58).

350    Ora, as orientações não exigem um exame em todos os casos de todos os elementos nelas mencionados, uma vez que a Comissão dispõe de um poder de apreciação que lhe permite tomar ou não tomar em consideração determinados elementos (Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 274).

351    Por último, a fiscalização jurisdicional da decisão recorrida pelo Tribunal Geral não pode limitar‑se a verificar simplesmente se a Comissão levou em conta ou ignorou elementos mencionados nas orientações como pertinentes para a apreciação dos efeitos de uma concentração sobre a concorrência. O Tribunal deve igualmente decidir, no âmbito dessa fiscalização, se as eventuais omissões da Comissão são suscetíveis de pôr em causa a sua conclusão de que a presente concentração não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T‑282/06, EU:T:2007:203, n.o 61 e jurisprudência referida).

352    Há que observar que resulta da decisão recorrida que as quotas de mercado detidas pela RWE antes da concentração (em 2017) eram limitadas, a saber, compreendidas entre 20 % e 30 % (mais precisamente [confidencial] %) no mercado da produção total de eletricidade na Alemanha, entre 30 % e 40 % (mais precisamente [confidencial] %) no mercado da produção da eletricidade convencional na Alemanha e entre 0 % e 5 % (mais precisamente [confidencial] %) no mercado da produção da eletricidade renovável na Alemanha e que os respetivos aumentos depois da concentração de entre 0 % e 1 % (mais precisamente [confidencial] %), entre 0 % e 1 % (mais precisamente [confidencial] %) e entre 0 % e 1 % (mais precisamente [confidencial] %) nesses mercados são limitados (n.os 27 a 29 da decisão recorrida). O aumento seria mesmo mais reduzido uma vez que alguns dos ativos de produção da innogy serão transferidos para a E.ON a título permanente na sequência da concentração M.8870, pelo que o aumento das quotas de mercado da RWE após a concentração seria de [confidencial] %, [confidencial] % e [confidencial] % nesses mercados respetivos (n.os 33 e 34 da decisão recorrida).

353    Relativamente à produção de eletricidade renovável, a Comissão concluiu, à luz das quotas de mercado e corretamente, que essa produção era fragmentada, repartida entre numerosos fornecedores, e que com [confidencial] TWh em 2017, a RWE possuía uma quota situada entre 0 % e 5 %, a saber, inferior a [confidencial] %, e que os ativos da E.ON eram ainda menores, com [confidencial] TWh, ou seja, entre 0 % e 1 %, a saber, [confidencial] % (n.o 29 da decisão recorrida). A Comissão constatou igualmente, relativamente à capacidade total instalada, que a RWE possuía uma quota situada entre 0 % e 5 %, a saber, [confidencial] %, e que a capacidade de produção proveniente de fontes de energia renováveis dos ativos da E.ON ascendia a cerca de [confidencial] MW, o que representa entre 0 % e 1 %, aproximadamente [confidencial] %, da capacidade instalada de produção alemã proveniente de fontes de energia renováveis (nota de pé de página n.o 31 da decisão recorrida).

354    Como acima resulta dos n.os 290, 292 e 321, a Comissão concluiu, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, que o aumento das quotas de mercado da RWE em razão da concentração era limitado e temporário.

355    Em face do exposto, mesmo que a Comissão não tenha analisado determinados elementos exigidos pelo ponto 27 das orientações, tais omissões não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão da Comissão de que a concentração não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno.

356    Além disso, a recorrente engana‑se quanto ao alcance do ponto 27 das orientações. As orientações mencionam como elementos concorrenciais a examinar no quadro dos efeitos não coordenados, primeiro, se as partes na concentração são concorrentes próximos (pontos 28 a 30); segundo, se a entidade resultante da concentração pode travar a expansão dos concorrentes (ponto 36); ou, terceiro, se a operação de concentração elimina um importante motor da concorrência (pontos 37 e 38).

357    Ora, a este respeito, em primeiro lugar, basta recordar que as partes na concentração são a RWE e os ativos da E.ON, e não a RWE e a E.ON, pelo que a E.ON não vai desaparecer devido à concentração. Em segundo lugar, a recorrente parece afirmar que a RWE e a E.ON são concorrentes próximos e podem travar a expansão dos outros concorrentes. Todavia, a questão é saber se, por um lado, os ativos da E.ON adquiridos pela RWE e a RWE são concorrentes próximos e, por outro, se os ativos da E.ON adquiridos pela RWE e a RWE podem travar a expansão dos concorrentes. Ora, a recorrente parte da premissa errada de que a RWE adquiriu a totalidade da E.ON através da sua participação minoritária, o que não é correto, como adiante se verá nos n.os 366 a 391.

358    Em terceiro lugar, no que respeita ao desaparecimento da pressão concorrencial sobre a RWE exercida pela E.ON em razão da concentração, refira‑se que a simples diminuição da pressão concorrencial que resulta, nomeadamente, do desaparecimento de uma empresa com um papel mais importante do que as suas quotas de mercado dão a entender não basta, por si só, para provar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

359    A este respeito, há que observar que a redução da capacidade de produção da E.ON não é apenas consequência da concentração.

360    Com efeito, por um lado, sem impugnação da recorrente, não se pode deixar de observar que a E.ON já tinha tomado a decisão, de forma autónoma, de ceder partes essenciais da sua atividade de produção de eletricidade convencional, com exceção essencialmente das capacidades das centrais nucleares, à sua antiga filial, Uniper, e vender a parte que detinha no capital desta última à Fortum.

361    Por outro lado, o encerramento das centrais nucleares da E.ON até finais de 2022 foi decidido pelo legislador alemão, pelo que, mesmo que a E.ON tivesse conservado esses ativos, já não os poderia explorar a partir dessa data. Assim, a atividade de produção de eletricidade da E.ON já tinha diminuído fortemente antes da concentração e tendia a diminuir ainda mais.

362    Além disso, pode deduzir‑se do quadro 1 da decisão recorrida que apenas cerca de [confidencial] da produção total da E.ON em 2017 será adquirida pela RWE. Em relação à energia convencional, a quota da produção total da E.ON em 2017 adquirida pela RWE será apenas de cerca de [confidencial] (quadro 2 da decisão recorrida). Quanto à energia renovável, a RWE adquire quatro sétimos da produção da E.ON (quadro 3 da decisão recorrida). Assim, a E.ON não desaparece como concorrente na sequência da concentração.

363    Por conseguinte, embora a importância da E.ON no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade esteja em vias de diminuir, isso não está exclusivamente ligado à concentração, antes resulta igualmente de outras operações levadas a cabo por esse operador.

364    Por outro lado, há que referir ainda que a Comissão teve em conta critérios que vão além das quotas de mercado (n.os 48 e segs. da decisão recorrida). Assim, embora a Comissão tenha avaliado o relatório concorrencial entre a E.ON e a RWE com base, principalmente, na análise das quotas de mercado, não é menos verdade que a Comissão examinou outros elementos como o papel pivot ou as capacidades de retenção da RWE (v. n.o 267, supra) e a participação minoritária da RWE na E.ON (v. n.o 372, infra).

365    Resulta do exposto que a Comissão não violou o ponto 27 das orientações.

3)      Quanto à influência decisiva da RWE sobre a E.ON

366    A recorrente sustenta que a participação na E.ON não só confere à RWE uma influência decisiva sobre importantes decisões de empresa, mas que o efeito e o verdadeiro objetivo da operação global eram antes permitir à RWE controlar a atividade operacional da E.ON e excluir concreta e duradouramente a E.ON da concorrência na produção, afastando a possibilidade de a E.ON voltar a ser produtor e concorrente da RWE. Assim, a RWE pode restringir a concorrência e reforçar a sua posição na produção através da sua influência enquanto acionista da E.ON.

367    A título preliminar, esclareça‑se que, em sede de fiscalização jurisdicional do mérito da decisão recorrida, o Tribunal Geral não tem que examinar se a influência exercida pela RWE sobre a E.ON era determinante, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, mas unicamente se a RWE era suscetível de exercer uma influência decisiva sobre a E.ON (v. n.o 76 da decisão recorrida), de modo que a concentração fosse suscetível de criar um entrave significativo à concorrência efetiva, na aceção do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004.

368    A esse respeito, como foi acima recordado no n.o 114, quando a interpretação literal de uma disposição de direito da União não permite conhecer o seu alcance exato, há que interpretar a regulamentação em causa tanto com base na sua finalidade como na sua sistemática geral.

369    Quanto aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 139/2004, resulta dos seus considerandos 5, 6 e 8 que este visa assegurar que as reestruturações das empresas não causem um prejuízo duradouro para a concorrência. Por conseguinte, segundo estes considerandos, o direito da União deve conter normas aplicáveis às concentrações suscetíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste último e que permitam um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na União. Por conseguinte, esse regulamento deve aplicar‑se às alterações estruturais importantes cujo efeito no mercado se estende além das fronteiras nacionais de um Estado‑Membro (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.os 20 e 21).

370    Do ponto de vista concorrencial, a detenção de participações minoritárias entre concorrentes pode também produzir efeitos anticoncorrenciais coordenados, influenciando a capacidade e a motivação dos agentes do mercado para se entenderem tácita ou expressamente a fim de realizar lucros superiores à concorrência.

371    Por conseguinte, a Comissão é obrigada a verificar, no âmbito da análise da concentração, se a participação minoritária adquirida pela RWE na E.ON é suscetível de conduzir a um entrave significativo da concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste.

372    No caso, a Comissão analisou, na decisão recorrida, por um lado, os efeitos horizontais, a saber, a redução do interesse da RWE e da E.ON em entrar em concorrência no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade, e, por outro, os efeitos verticais, definidos como a capacidade ou o interesse da RWE e da E.ON em excluir concorrentes a montante e a jusante (n.os 75 e 79 a 95 da decisão recorrida).

373    A Comissão, a RWE e a E.ON referem o acordo de relações entre investidores celebrado entre a RWE e a E.ON para minimizar a influência que a RWE poderia ter sobre a E.ON na sequência da aquisição de uma participação minoritária de 16,67 %.

374    Primeiro, resulta desse acordo que os direitos de voto que podem ser exercidos pela RWE estão limitados a 16,67 % nas assembleias de acionistas, independentemente da taxa de presença (n.o 76 da decisão recorrida).

375    Essa limitação permitiu à Comissão considerar, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, que a RWE não tinha nenhuma influência significativa na exploração diária dos ativos de produção da E.ON (n.o 81 da decisão recorrida). A este respeito, mesmo que a RWE se torne, através dessa participação, o maior acionista da E.ON e a estrutura acionista da E.ON seja fragmentada, não deixa de ser verdade que os direitos de voto da RWE serão sempre limitados à dimensão da sua participação, independentemente do número de ações representadas na votação na assembleia dos acionistas, o que impede, de facto, a RWE de adotar decisões estratégicas e de obter mesmo um controlo negativo sobre a E.ON através de uma minoria de bloqueio na assembleia dos acionistas.

376    A dispersão dos acionistas da E.ON não é suscetível de pôr esta apreciação em causa. Com efeito, mesmo que a taxa de presença nas assembleias gerais possa ser mais reduzida quando os acionistas de uma empresa estão fragmentados, os direitos de voto da RWE serão sempre limitados a 16,67 %.

377    Além disso, através desse acordo, a RWE obriga‑se a não exercer os seus direitos de voto conjuntamente com outros acionistas minoritários; a não adquirir participações adicionais; a não alterar a estrutura jurídica ou financeira nem a gestão da E.ON; e a não exercer os seus direitos de voto contra o conselho de administração ou o conselho de supervisão.

378    Todas estas limitações ao exercício dos direitos sociais da RWE restringem a influência que a RWE pode exercer sobre a E.ON.

379    A recorrente considera erradamente que o acordo de relações entre investidores é irrelevante devido à sua natureza contratual.

380    Refira‑se, a este respeito, que, no âmbito da aplicação do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, o controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem a possibilidade de exercer uma influência determinante. A contrario, a impossibilidade de exercer uma influência determinante pode provir de disposições contratuais. Por analogia, a existência ou a inexistência de uma influência decisiva suscetível de contribuir para a criação de um entrave significativo à concorrência efetiva na aceção do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 deve poder decorrer de uma disposição contratual.

381    Em todo o caso, e independentemente do tratamento dado a esse acordo pelo direito alemão, o desrespeito do acordo de relações entre investidores ou uma alteração deste acordo, na medida em que esse desrespeito permita à RWE adquirir uma influência determinante sobre a E.ON, de facto ou de direito, deverá ser examinado enquanto nova concentração sujeita à obrigação de notificação nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

382    Assim, o argumento de que a RWE obteria uma influência decisiva sobre a E.ON na sequência da aquisição da participação minoritária tendo em conta o facto de a RWE se tornar o maior acionista individual da E.ON e de o capital social da E.ON ser fragmentado, não é corroborado pelos factos. Por conseguinte, a recorrente não logrou demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação a este respeito.

383    Segundo, quanto ao impacto de uma participação fraca nas assembleias gerais na capacidade de a RWE influenciar a E.ON, basta referir que a limitação que o acordo de relações entre investidores impõe sobre os direitos de voto da RWE a impede de exercer uma influência decisiva sobre a assembleia geral da E.ON. Mesmo embora, como alega a recorrente, a taxa de presença numa assembleia geral da E.ON fosse apenas de 38,35 % em média ao longo dos sete anos anteriores à concentração, a RWE não poderia exercer os seus direitos de voto em mais de 6,39 % do capital social da E.ON. O argumento de que a história e a cultura comuns e a sobreposição das suas atividades no mercado são igualmente indícios de que a RWE prossegue interesses estratégicos no interior da E.ON e não só interesses financeiros é irrelevante à luz das estipulações do acordo de relação entre investidores.

384    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão não examinou de forma adequada a influência agrupada exercida pela RWE e pela [confidencial]. A este respeito, a recorrente alega que a [confidencial] detinha, no momento da adoção da decisão recorrida, cerca de 6,5 % das ações da E.ON e cerca de 6,18 % das ações da RWE.

385    Há que assinalar que as «estruturas acionistas comuns», ou seja, a detenção pelos mesmos investidores institucionais de ações em empresas concorrentes e os seus efeitos concorrenciais não coordenados, foram recentemente tomadas em consideração pela Comissão.

386    Na sua prática decisória, a Comissão considerou que, na presença de uma estrutura acionista comum, que era uma realidade em certos setores, as medidas de concentração, como as quotas de mercado ou o IHH, eram suscetíveis de subestimar o nível de concentração da estrutura de mercado e, por conseguinte, o poder de mercado das partes. Assim, a estrutura acionista comum nestas indústrias devia ser considerada um elemento contextual na apreciação de qualquer entrave significativo à concorrência efetiva [v., como exemplos, Decisão C(2017) 1946 final da Comissão, de 27 de março de 2017, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo M.7932) — Dow/DuPont), n.os 4 e 81, e Decisão C(2018) 1709 final da Comissão, de 21 de março de 2018, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo M.8084 — Bayer/Monsanto), n.os 224 e 3303].

387    Ora, mesmo admitindo que a redução das pressões concorrenciais sobre os outros concorrentes possa resultar de uma estrutura acionista comum, só o efeito dessa redução não é, em princípio, por si só, suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva no âmbito de uma teoria do prejuízo baseada em efeitos não coordenados.

388    No caso, a recorrente não apresentou nenhuns indícios para sustentar a plausibilidade da existência de qualquer coordenação entre a [confidencial] e a RWE nas assembleias gerais da E.ON. A esse respeito, a recorrente não explica em que medida a [confidencial] intervém na gestão da E.ON ou da RWE. Mesmo admitindo demonstrada uma capacidade de influência sobre a gestão da E.ON ou da RWE, a recorrente continua sem identificar indícios capazes de demonstrar que a presença da [confidencial] no capital da RWE e da E.ON constitui um elemento indicativo de que já existe uma tendência de domínio coletivo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, EU:T:2002:146, n.o 91).

389    A omissão de qualquer referência pela Comissão a essa relação não pode, portanto, constituir um erro manifesto de apreciação da sua parte.

390    Quarto, no que respeita à influência na composição dos conselhos de administração e de supervisão, refira‑se que, segundo o artigo 12.o, n.o 3, dos estatutos da E.ON, as resoluções do conselho de supervisão da E.ON são adotadas por maioria simples dos votos expressos e que nenhuma resolução do conselho fiscal da E.ON necessita de maioria qualificada para ser adotada. Com um membro em catorze, a RWE tem apenas um peso muito restrito no conselho de supervisão da E.ON e não tem, portanto, condições para opor um veto à adoção das resoluções do conselho de supervisão da E.ON. Quanto ao conselho de administração, cujos membros são nomeados pelo conselho de supervisão, basta referir que, uma vez que a RWE não controla o conselho de supervisão, também não controla o conselho de administração.

391    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação no que respeita à influência que a RWE tem sobre a E.ON devido à aquisição de uma participação minoritária.

4)      Quanto à repartição dos mercados da eletricidade decidida pela RWE e pela E.ON

392    A recorrente sustenta, em substância, que, através da operação global, a RWE e a E.ON repartiram entre si as etapas da cadeia de valor no mercado alemão da eletricidade, o que representa uma restrição da concorrência, em violação do artigo 101.o TFUE.

393    Refira‑se que, como resulta do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, este último é o único aplicável às concentrações definidas no artigo 3.o desse regulamento, às quais o Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), não é, em princípio, aplicável. Em contrapartida, este último regulamento continua a ser aplicável aos comportamentos das empresas que, sem constituir uma operação de concentração no sentido do Regulamento n.o 139/2004, são contudo suscetíveis de levar a uma coordenação entre elas, contrária ao artigo 101.o TFUE e que, por isso, são submetidos ao controlo da Comissão ou das autoridades de concorrência nacionais (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.os 32 e 33).

394    O facto de o objeto da decisão recorrida dizer respeito a uma operação de concentração não é impugnado. Em face do exposto, o argumento relativo à violação do artigo 101.o TFUE é inoperante.

5)      Conclusão

395    Resulta do exposto que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação quando apreciou a relação entre a RWE e a E.ON e a forma como esta pode ser alterada em razão da concentração e, por conseguinte, impactar a concorrência no mercado interno. Por conseguinte, improcede a alegação da recorrente de apreciação errada da relação entre a RWE e a E.ON.

f)      Conclusão quanto ao quinto fundamento

396    Em face do exposto, há que concluir que, ao contrário do que alega a recorrente, a Comissão não cometeu erros manifestos de apreciação na definição do mercado relevante, na delimitação do período de análise, na apreciação do poder de mercado da RWE ou da relação entre a RWE e a E.ON. Consequentemente, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao concluir que a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004.

397    Por conseguinte, há que julgar integralmente improcedente o quinto fundamento.

7.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do dever de diligência

398    A recorrente alega, no essencial, que a Comissão examinou os factos de forma insuficiente, em violação do seu dever de diligência. Assim, a Comissão não apurou, com circunspeção e cuidado, as circunstâncias suscetíveis de ter incidência no resultado do processo decisório. Também não tomou em consideração os elementos factuais e as informações apresentadas pelas partes e terceiros que participaram no processo nem teve em conta outros parâmetros pertinentes.

399    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

400    Há que lembrar, antes de mais, que, segundo jurisprudência assente, nos casos em que as instituições comunitárias dispõem de poder de apreciação, como na área do controlo de concentrações, o respeito das garantias atribuídas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. Entre essas garantias figuram, nomeadamente, a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto, o direito de o interessado dar a conhecer o seu ponto de vista e o direito a que a decisão seja suficientemente fundamentada (Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 31).

401    Na fiscalização das concentrações, a Comissão dispõe, segundo jurisprudência assente, de margem de apreciação, designadamente no que se refere às apreciações de ordem económica. O seu respeito das garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos, entre os quais o dever de diligência que lhe impõe que examine com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto, assume, portanto, no referido domínio, ainda mais importância (Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 164).

402    Estando a Comissão sujeita, nesse domínio, ao respeito do dever de diligência na sua atuação, cabe‑lhe apurar, com o cuidado necessário, os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do seu dever de apreciação, reunindo os elementos factuais indispensáveis ao exercício desse poder e suscetíveis de terem impacto significativo no resultado do processo decisório. Esse dever implica, em primeiro lugar, que a Comissão é obrigada a tomar em consideração quer os elementos de facto e as informações que lhe tenham sido apresentados pelas partes quer os que lhe tenham sido submetidos por terceiros que participem ativamente no processo e, em segundo lugar, é obrigada, sendo caso disso, a investigar os referidos elementos factuais através de estudos de mercado ou de pedidos de informações dirigidos aos operadores do mercado (Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 165).

403    Refira‑se, porém, que, no âmbito do controlo das concentrações, a exigência de respeito pela Comissão das garantias atribuídas pelo ordenamento jurídico da União nos processos administrativos e, portanto, também a de respeito do dever de diligência deve ser interpretada, à semelhança da do respeito do dever de fundamentação, de modo compatível com o imperativo da celeridade que caracteriza a sistemática geral do Regulamento n.o 139/2004 e que impõe à Comissão o respeito de prazos estritos quando exerce o seu poder de apreciação (Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 166 e jurisprudência referida).

404    À luz dos factos apurados, nomeadamente, no âmbito do quinto fundamento, não se pode negar que a Comissão examinou com o cuidado necessário todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que tomou em consideração todos os elementos factuais e informações fornecidos tanto pela parte notificante como pelos terceiros que participaram no processo. A Comissão também fez as suas próprias investigações através do estudo de mercado e de pedidos de informações dirigidos aos agentes do mercado. Resulta, aliás, claramente da decisão recorrida que a Comissão teve em conta os resultados dessas investigações.

405    Por conseguinte, há que julgar improcedente o sexto fundamento.

C.      Quanto ao requerimento de comparência pessoal ou, a título subsidiário, de inquirição de testemunhas

406    Em 30 de maio de 2022, a recorrente apresentou na Secretaria do Tribunal Geral um requerimento de comparência pessoal, na audiência, de A, antigo presidente da E.ON, de B, antigo presidente da RWE, e de C, diretor da Oitava Secção decisória do Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas. A título subsidiário, requereu que fosse organizada uma inquirição dessas testemunhas.

407    A Comissão, a E.ON e a RWE opõem‑se, em substância, à comparência pessoal e, a título subsidiário, à inquirição das pessoas mencionadas no número anterior.

408    A esse respeito, há que lembrar que só o Tribunal Geral pode ajuizar da eventual necessidade de completar as informações de que dispõe sobre os processos que lhe são submetidos (v. Acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 77 e jurisprudência referida).

409    Cabe, assim, ao Tribunal Geral apreciar a pertinência de um requerimento de comparência pessoal ou de inquirição de testemunhas em relação ao objeto da lide e à necessidade de proceder a uma comparência pessoal ou à inquirição das testemunhas arroladas (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 78 e jurisprudência referida).

410    No caso, além da falta de explicação pela recorrente, em conformidade com o artigo 88.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, das razões pelas quais esses requerimentos de diligências de instrução só foram apresentados após a fase escrita do processo ter sido encerrada e só duas semanas antes da audiência e do seu caráter impreciso, uma vez que a recorrente não indicou os pontos específicos sobre os quais deveriam ser ouvidas essas três pessoas, há que referir que os elementos contidos nos autos e as explicações dadas na audiência são suficientes para permitir ao Tribunal Geral decidir, podendo fazê‑lo utilmente com base nos pedidos, nos fundamentos e argumentos apresentados durante a instância e face aos documentos apresentados pelas partes.

411    Assim, são indeferidos os requerimentos de diligências de instrução.

412    Resulta do exposto que se deve negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

413    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão, pela E.ON e pela RWE, em conformidade com os pedidos destas últimas.

414    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições intervenientes suportarão as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      Negase provimento ao recurso.

2)      A EVH GmbH suportará as suas próprias despesas, bem como as da Comissão Europeia, e da E.ON SE e da RWE AG.

3)      A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Gervasoni

Madise

Nihoul

Frendo

 

      Martín y Pérez de Nanclares

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de maio de 2023.

Assinaturas

Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Empresas em causa

B. Contexto da concentração

C. Procedimento administrativo

D. Decisão recorrida

II. Pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto à admissibilidade

B. Quanto ao mérito

1. Considerações preliminares

2. Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma cisão errada da análise da operação global

a) Quanto ao alcance do primeiro fundamento

b) Quanto ao controlo da concentração B828/19

c) Quanto à existência de uma única concentração

1) Quanto ao conceito de «única concentração»

2) Aplicação ao caso vertente

i) Quanto à condição relativa à interdependência das operações em causa

ii) Quanto ao pressuposto do resultado

3) Conceito de «única concentração» e exigência de uma apreciação global

d) Conclusão

3. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

4. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito de audiência da recorrente

5. Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

6. Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação

a) Considerações preliminares

b) Quanto à primeira alegação, relativa a uma definição errada do mercado relevante

c) Quanto à segunda alegação, relativa a uma delimitação errada do período de análise

d) Quanto à terceira alegação, relativa à apreciação errada do poder de mercado da RWE

1) Quanto aos elementos tidos em conta pela Comissão para efeitos da sua análise do poder de mercado da RWE

2) Quanto à análise das quotas de mercado

3) Quanto ao papel pivot da RWE no mercado da produção e do fornecimento grossista de eletricidade

4) Quanto aos incitamentos da RWE a estratégias de retenção de capacidade e a outras utilizações estratégicas da sua carteira de produção

5) Quanto ao papel pivot da RWE no mercado dos serviços de equilíbrio e auxiliares

6) Conclusão

e) Quanto à quarta alegação, relativa à apreciação errada da relação entre a RWE e a E.ON

1) Quanto às relações de interdependência e à proximidade entre a RWE e a E.ON

2) Quanto à eliminação duradoura da E.ON

3) Quanto à influência decisiva da RWE sobre a E.ON

4) Quanto à repartição dos mercados da eletricidade decidida pela RWE e pela E.ON

5) Conclusão

f) Conclusão quanto ao quinto fundamento

7. Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do dever de diligência

C. Quanto ao requerimento de comparência pessoal ou, a título subsidiário, de inquirição de testemunhas

Quanto às despesas


*      Língua do processo: alemão.


1 Dados confidenciais ocultados.