Language of document : ECLI:EU:T:2020:98

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

12 de março de 2020 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílios concedidos por Espanha a favor de certos clubes de futebol profissional — Aval — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Vantagem — Empresa em dificuldade — Critério do investidor privado — Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade — Montante do auxílio — Beneficiário do auxílio — Princípio da não discriminação — Dever de fundamentação»

No processo T‑732/16,

Valencia Club de Fútbol, SAD, com sede em Valência (Espanha), representada por J. García‑Gallardo Gil‑Fournier, G. Cabrera López e D. López Rus, advogados,

recorrente,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por J. García‑Valdecasas Dorrego e J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Luengo, B. Stromsky e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, com base no artigo 263.o TFUE, um pedido de anulação da Decisão (UE) 2017/365 da Comissão, de 4 de julho de 2016, relativa a auxílios estatais SA.36387 (2013/C) (ex 2013/NN) (ex 2013/CP) concedidos pela Espanha ao Valencia Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva, ao Hércules Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva e ao Elche Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva (JO 2017, L 55, p. 12),

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: H. Kanninen (relator), presidente, J. Schwarcz e C. Iliopoulos, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de março de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Valencia Club de Fútbol, SAD, é um clube de futebol profissional com sede em Valência, Espanha.

2        A Fundación Valencia é uma organização sem fins lucrativos cujo principal objetivo é preservar, divulgar e promover os aspetos desportivos, culturais e sociais da recorrente e a sua relação com os seus adeptos.

3        Em 5 de novembro de 2009, o Instituto Valenciano de Finanzas (a seguir «IVF»), instituição financeira da Generalitat Valenciana (Governo da região autónoma de Valência, Espanha), concedeu à Fundación Valencia um aval para um empréstimo bancário de 75 milhões de euros concedido pela Bancaja (atual Bankia), com o qual adquiriu 70,6 % das ações da recorrente.

4        O aval cobria 100 % do capital do empréstimo, acrescido dos juros e das despesas da operação avalizada. Em contrapartida, a Fundación Valencia tinha de pagar ao IVF uma comissão anual de aval de 0,5 %. O IVF recebeu como contragarantia um penhor em segundo grau das ações da recorrente adquiridas pela Fundación Valencia. A duração do empréstimo subjacente era de seis anos. A taxa de juro do empréstimo subjacente era, primeiro, de 6 % no primeiro ano, depois a «Euro Interbank Offered Rate» (Euribor) a 1 ano, acrescida de uma margem de 3,5 %, com uma taxa mínima de 6 %. Aplicava‑se ainda uma comissão de abertura de 1 %. O calendário estipulava o reembolso dos juros a partir de agosto de 2010 e um reembolso do capital em duas parcelas de 37,5 milhões de euros, respetivamente, em 26 de agosto de 2014 e em 26 de agosto de 2015. Estava estipulado que o reembolso do empréstimo avalizado (capital e juros) seria financiado pela venda das ações da recorrente adquiridas pela Fundación Valencia.

5        Em 10 de novembro de 2010, o IVF aumentou o seu aval a favor da Fundación Valencia em 6 milhões de euros, com vista a obter um aumento do mesmo montante do empréstimo já concedido pela Bankia, para cobrir o pagamento do capital, juros e despesas resultantes do incumprimento no pagamento dos juros do empréstimo garantido em 26 de agosto de 2010. Como resultado desse aumento, o calendário de pagamentos inicialmente determinado foi modificado e complementado com um reembolso de 40,5 milhões de euros previsto para 26 de agosto de 2014 e um reembolso de 40,5 milhões de euros previsto para 26 de agosto de 2015. A taxa de juro do empréstimo manteve‑se inalterada.

6        Informada da existência de presumíveis auxílios de Estado concedidos pelo Governo Regional de Valência sob a forma de avales de empréstimos bancários a favor do Elche Club de Fútbol, SAD, do Hércules Club de Fútbol, SAD, e da recorrente, a Comissão Europeia convidou o Reino de Espanha, em 8 de abril de 2013, a apresentar as suas observações sobre essas informações. Este respondeu em 27 de maio e 3 de junho de 2013.

7        Por ofício de 18 de dezembro de 2013, a Comissão notificou o Reino de Espanha da sua decisão de dar abertura ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Por ofício de 10 de fevereiro de 2014, o Reino Espanha apresentou as suas observações sobre a decisão de abertura.

8        No procedimento formal de investigação, a Comissão recebeu as observações e informações do Reino de Espanha, do IVF, da Liga Nacional de Fútbol Profesional (a seguir «LFP»), da recorrente e da Fundaciόn Valencia.

9        Pela sua Decisão (UE) 2017/365, de 4 de julho de 2016, relativa a auxílios estatais SA.36387 (2013/C) (ex 2013/NN) (ex 2013/CP) concedidos pela Espanha ao Valencia Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva, ao Hércules Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva e ao Elche Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva (JO 2017, L 55, p. 12; a seguir «decisão recorrida»), a Comissão declarou que o aval público prestado pelo IVF, em 5 de novembro de 2009, ao empréstimo bancário concedido à Fundación Valencia para a subscrição de ações da recorrente, no âmbito da operação de aumento de capital decidida por esta (a seguir «medida 1»), e ao seu aumento decidido em 10 de novembro de 2010 (a seguir «medida 4») (a seguir «medidas em causa»), constituíam auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno, no montante, respetivamente, de 19 193 000 euros e de 1 188 000 euros (artigo 1.o). A Comissão intimou, consequentemente, o Reino de Espanha a recuperar os referidos auxílios junto da recorrente (artigo 2.o), devendo a recuperação ocorrer de forma «imediata e efetiva» (artigo 3.o).

10      Na decisão recorrida, em primeiro lugar, a Comissão considerou que as medidas em causa concedidas pelo IVF mobilizavam recursos estatais e eram imputáveis ao Reino de Espanha. Em segundo lugar, a Comissão considerou que o beneficiário dos auxílios era a recorrente e não a Fundación Valencia, que atuou como veículo financeiro, tendo em conta, nomeadamente, o objetivo da medida de facilitar o financiamento do aumento de capital da recorrente. Ora, a situação financeira da recorrente no momento da concessão das medidas em causa era a de uma empresa em dificuldade na aceção do n.o 10, alínea a), e do n.o 11 das Orientações Comunitárias Relativas aos Auxílios Estatais de Emergência e à Reestruturação a Empresas em Dificuldade (JO 2004, C 244, p. 2; a seguir «orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação»). À luz dos critérios definidos pela Comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos [107.o] e [108.o TFUE] aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO 2008, C 155, p. 10; a seguir «comunicação relativa às garantias»), e tendo em conta a situação financeira da recorrente assim como as condições do aval público de que beneficiou, a Comissão concluiu pela existência de uma vantagem indevida, suscetível de falsear ou ameaçar falsear a concorrência e afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Por outro lado, a Comissão quantificou, na decisão recorrida, o elemento de auxílio alegadamente concedido à recorrente com base na taxa de referência aplicável em conformidade com a sua Comunicação da Comissão sobre a revisão do método de fixação das taxas de referência e de atualização (JO 2008, C 14, p. 6; a seguir, «comunicação sobre as taxas de referência»), na falta de uma comparação significativa com base em operações semelhantes realizadas no mercado. Na quantificação do auxílio controvertido, a Comissão considerou que o valor das ações da recorrente dadas em penhor ao IVF, a título de contragarantia, era praticamente nulo. Por último, a Comissão considerou, na decisão recorrida, que o auxílio controvertido não era compatível com o mercado interno, especialmente à luz dos princípios e das condições estabelecidos nas orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. A Comissão observou a este respeito que o plano de viabilidade da recorrente de maio de 2009 não era suficientemente completo para permitir o regresso à viabilidade num período de tempo razoável.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de outubro de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso.

12      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de outubro de 2016, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias de suspensão dos artigos 3.o e 4.o da decisão recorrida, na parte em que a Comissão ordena a recuperação dos auxílios que alegadamente lhe foram concedidos.

13      A Comissão apresentou contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de janeiro de 2017.

14      Por Decisão de 23 de março de 2017, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Reino de Espanha em apoio dos pedidos da recorrente.

15      A recorrente apresentou réplica na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de março de 2017.

16      O Reino de Espanha apresentou os seus articulados de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de junho de 2017.

17      A Comissão apresentou a tréplica na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de junho de 2017.

18      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de fevereiro, 15 de fevereiro, 5 de abril e 27 de junho de 2017, a recorrente requereu o tratamento confidencial de determinados elementos da petição, da contestação, da resposta e da tréplica em relação ao Reino de Espanha. O Reino de Espanha não se opôs aos pedidos de tratamento confidencial.

19      A Comissão e a recorrente apresentaram as suas observações sobre a declaração de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral em 14 e 17 de julho de 2017, respetivamente.

20      Por Despacho de 22 de março de 2018, Valencia Club de Fútbol/Comissão (T‑732/16 R, não publicado, EU:T:2018:171), confirmado em recurso [Despacho de 22 de novembro de 2018, Valencia Club de Fútbol/Comissão, C‑315/18 P(R), EU:C:2018:951], o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias e reservou para final a decisão quanto às despesas.

21      Por Despachos de 26 de abril de 2018, Valencia Club de Fútbol/Comissão (T‑732/16, não publicado, EU:T:2018:237); de 26 de abril de 2018, Valencia Club de Fútbol/Comissão (T‑732/16, não publicado, EU:T:2018:238); e de 26 de abril de 2018, Valencia Club de Fútbol/Comissão (T‑732/16, não publicado, EU:T:2018:239), o presidente da Quarta Secção indeferiu os pedidos de intervenção da Fundación Valencia, da LFP e da Bankia.

22      Por carta de 25 de maio de 2018, a recorrente indicou que desejava ser ouvida em audiência.

23      Por cartas da Secretaria do Tribunal Geral de 5 de fevereiro de 2019, o Tribunal Geral colocou questões escritas a todas as partes, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, às quais estas responderam em 20 de fevereiro de 2019.

24      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida, na parte que lhe diz respeito;

–        condenar a Comissão nas despesas.

25      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

26      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        dar provimento ao recurso e anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

 Sobre a admissibilidade do recurso, na parte que remete para o anexo A.2

27      A Comissão critica a petição por proceder por remissão geral para o relatório dos consultores mandatados pela recorrente, junto como anexo A.2 da petição.

28      Segundo jurisprudência constante, para um recurso ser admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Embora, em pontos específicos, o corpo da petição possa ser escorado e completado por remissões para determinadas passagens de documentos anexos, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a falta dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo estatuto, e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, devem figurar na petição. Os anexos só podem ser tidos em conta na medida em que alicercem ou complementem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelos recorrentes no corpo dos seus articulados e seja possível determinar com precisão quais os elementos neles contidos que alicerçam ou complementam os referidos fundamentos ou argumentos (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Ryanair e Airport Marketing Services/Comissão, T‑53/16, pendente de recurso, EU:T:2018:943, n.o 379 e jurisprudência aí referida).

29      No caso, refira‑se que a petição, longe de proceder por remissão geral para o anexo A.2, identifica sistematicamente, quando é feita referência a esse anexo, o ponto ou pontos específicos desse anexo que complementam ou apoiam o argumento apresentado na petição. Além disso, no corpo da petição são reproduzidos várias vezes extratos inteiros do anexo. Há que considerar, portanto, que a recorrente não fez uma remissão geral para o anexo A.2, contrariamente ao que alega a Comissão, e que, desse modo, o recurso é admissível a esse respeito.

 Quanto à admissibilidade da argumentação desenvolvida no anexo A.2

30      A Comissão alega que o anexo A.2 é inadmissível, na medida em que contém argumentos que não estão incluídos na petição.

31      Resulta de um exame do anexo A.2 que os argumentos aí expostos já foram expressamente invocados no corpo da petição. Além disso, a Comissão não identifica quais os argumentos que, na sua opinião, figuram nesse anexo sem terem sido apresentados no corpo da petição.

32      Improcede, pois, a causa de não‑conhecimento de mérito arguida pela Comissão quanto à argumentação desenvolvida no anexo A.2.

 Quanto à admissibilidade do oitavo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

33      Segundo a recorrente, resulta das considerações expostas nos primeiro a sétimo fundamentos que a decisão recorrida está ferida de falta de fundamentação em aspetos essenciais para a apreciação da existência de um auxílio e da sua incompatibilidade.

34      Questionada pelo Tribunal Geral na audiência sobre o respeito dos requisitos de clareza e precisão, tal como decorrem do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, a recorrente declarou, em substância, na exposição deste fundamento, ter querido ser concisa, identificando, por remissão para os outros fundamentos do recurso, sete pontos que, no seu entender, revelavam falta de fundamentação.

35      No caso, o Tribunal Geral considera que a recorrente se limita a reiterar, de forma geral, as considerações de suporte dos outros fundamentos do recurso. Como acertadamente refere a Comissão, a recorrente não especifica as passagens da decisão recorrida feridas de falta de fundamentação nem, por maioria de razão, de que modo estas não permitiriam que os interessados compreendessem o raciocínio da Comissão.

36      Por outro lado, as remissões feitas pela recorrente para os outros fundamentos visam exclusivamente faltas de análise ou de verificação e erros de apreciação, todos relacionados com o mérito da fundamentação da decisão recorrida.

37      Ora, há que lembrar que o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade material do ato controvertido. Daqui decorre que as alegações e argumentos destinados a contestar a procedência de um ato são irrelevantes no âmbito de um fundamento relativo à falta ou à insuficiência de fundamentação (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 85).

38      Em face do exposto, há que considerar que o presente fundamento, conforme apresentado, não cumpre os requisitos de clareza e de precisão que decorrem do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo.

39      Por conseguinte, este fundamento deve ser julgado inadmissível. Por outro lado, as circunstâncias do caso não justificam que o Tribunal Geral conheça oficiosamente da questão de saber se a Comissão cumpriu o seu dever de fundamentação.

 Quanto ao mérito

40      A recorrente apresenta oito fundamentos de recurso, relativos:

–        o primeiro, em substância, a erros manifestos de avaliação na caracterização de uma vantagem;

–        o segundo, a título subsidiário, a erro manifesto de apreciação no exame da compatibilidade dos alegados auxílios;

–        os terceiro a quinto, a título ainda mais subsidiário, a erro manifesto de apreciação na fase de cálculo do montante do auxílio, a outros erros no cálculo do capital e dos juros e a violação do princípio da proporcionalidade;

–        o sexto, subsidiário, a erro na identificação do beneficiário do alegado auxílio;

–        o sétimo, a violação do princípio da não discriminação;

–        o oitavo, a violação do dever de fundamentação.

41      Há que conhecer dos fundamentos pela ordem em que são apresentados, com exceção do sexto fundamento, por um lado, de que se deve conhecer na sequência do primeiro fundamento, conforme proposto pela recorrente ao Tribunal Geral, e, do sétimo fundamento, por outro, relativo à adequação da qualificação de auxílio ilegal e incompatível e que, portanto, se deve conhecer antes do terceiro fundamento, relativo ao cálculo do montante do auxílio. Por último, há que lembrar que o Tribunal Geral já analisou e julgou inadmissível o oitavo fundamento (v. n.os 33 a 39, supra).

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo, em substância, a erros manifestos de apreciação na caracterização de uma vantagem

42      O primeiro fundamento articula‑se em três partes, relativas a erros manifestos da Comissão, em primeiro lugar, ao classificar a recorrente como empresa em dificuldade, em segundo lugar, ao considerar que as medidas em causa cobriam mais de 80 % do montante do empréstimo e, em terceiro lugar, ao concluir que a recorrente não tinha pagado um preço de mercado.

–       Quanto ao alcance do primeiro fundamento e à sua admissibilidade na parte relativa à medida 4

43      Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral no âmbito das medidas de organização do processo e depois na audiência, a recorrente indicou que o primeiro fundamento não dizia respeito só à medida 1 mas também à medida 4. Na audiência, a Comissão arguiu a inadmissibilidade do presente fundamento na parte relativa à medida 4.

44      Interrogada, ainda no mesmo contexto, quanto à admissibilidade do fundamento na parte relativa à medida 4, à luz das exigências de clareza e precisão decorrentes do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, a recorrente alega que essa medida é expressamente referida na petição, no pedido e na introdução dos fundamentos de recurso. Além disso, no âmbito do primeiro fundamento, as referências gerais ao «aval», tal como a menção às «medidas de garantia em causa», devem, segundo a recorrente, ser necessariamente entendidas no sentido de que englobam simultaneamente a medida 1 e a medida 4. Afirma ainda que o relatório junto como anexo A.2 procede, em suporte de todos os fundamentos em causa, incluindo o primeiro fundamento, a uma avaliação económica global das duas medidas. Por último, a recorrente remete para o seu segundo fundamento, onde alega que as medidas 1 e 4 constituem uma e a mesma medida de auxílio.

45      A este respeito, há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência constante acima referida no n.o 28, para que uma ação ou recurso seja admissível nos termos do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia devem resultar, de forma pelo menos sumária, mas coerente e compreensível, do texto da própria petição. Assim, a mera formulação abstrata de um fundamento não cumpre os requisitos do Regulamento de Processo (Acórdão de 12 de setembro de 2018, De Geoffroy e o./Parlamento, T‑788/16, não publicado, EU:T:2018:534, n.o 72).

46      No caso, a recorrente refere, a título de introdução à parte da sua petição intitulada «Direito», que considera que as medidas 1 e 4 não constituem um auxílio de Estado, visto não se ter demonstrado a existência de uma vantagem. Daí resulta que o primeiro fundamento, relativo à demonstração da existência de uma vantagem, pode ser interpretado no sentido de se dirigir contra as apreciações formuladas pela Comissão tanto a respeito da medida 1 como da medida 4.

47      No entanto, como resulta claramente dos princípios acima lembrados no n.o 45, para um fundamento ser admissível não lhe basta ser enunciado de forma abstrata. É igualmente necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem de forma coerente e compreensível do texto da própria petição.

48      A esse respeito, refira‑se desde logo que os elementos expostos no âmbito do primeiro fundamento na petição nunca se referem expressamente à medida 4. O Tribunal Geral verifica, em seguida, que a argumentação da recorrente em apoio do primeiro fundamento, incluindo quando se baseia no relatório junto como anexo A.2, assenta integralmente no postulado de que a situação relevante é a que existia à data da concessão da medida 1, em novembro de 2009, e, em contrapartida, não cobre a situação em 10 de novembro de 2010, data da concessão da medida 4. Embora a recorrente remeta posteriormente, em resposta à questão colocada pelo Tribunal Geral, para o seu argumento em apoio do segundo fundamento, segundo o qual as medidas 1 e 4, na realidade, apenas constituem uma só e mesma medida de auxílio, não se pode deixar de observar que esse argumento não é invocado na petição em apoio do primeiro fundamento.

49      Resulta do exposto que não consta da petição nenhuma argumentação expressamente dirigida contra a caracterização de uma vantagem decorrente da medida 4. Além disso, os argumentos invocados em apoio do primeiro fundamento e alegadamente dirigidos contra a caracterização de uma vantagem decorrente da medida 4 não resultam do texto da petição com a clareza necessária.

50      Há que julgar inadmissível, portanto, o primeiro fundamento na parte respeitante à medida 4.

–       Quanto à primeira parte, relativa a erro manifesto da Comissão ao qualificar a recorrente de empresa em dificuldade

51      A recorrente, apoiada pelo Reino de Espanha, apresenta em primeiro lugar as especificidades do modelo empresarial dos clubes de futebol profissional, com base em diversos fatores não financeiros, como as suas funções sociais e educativas, que, de resto, o Tratado FUE tem em conta no artigo 165.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE. A recorrente entende, à semelhança da LFP no procedimento administrativo, que, à luz dessas especificidades setoriais, a aplicação das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, tal como formuladas no caso presente, não era adequada. Além disso, a Comissão deveria ter verificado que o valor contabilístico dos clubes de futebol profissional não refletia necessariamente, por um lado, o preço que os investidores estavam dispostos a pagar e, por outro lado, os lucros esperados no caso de revenda do clube.

52      A recorrente critica ainda a Comissão por ter negado a importância do valor de mercado dos jogadores de um clube de futebol na avaliação da sua situação financeira. A Comissão é criticada, em particular, por ter ignorado a diferença entre o valor contabilístico e o valor de mercado, apesar de ter sido explicada pela recorrente no procedimento administrativo, e por ter exagerado a depreciação do valor dos jogadores em caso de venda coerciva na sequência de uma situação de dificuldade financeira, bem como a volatilidade que resulta do risco de lesão, risco contra o qual a recorrente está segurada.

53      Por último, a recorrente invoca a solidez e credibilidade do plano de viabilidade de 2009, cujas previsões em termos de receitas e despesas eram adequadas, de acordo com a rentabilidade de clubes de futebol europeus e espanhóis comparáveis e, portanto, suficientes para permitir o funcionamento do clube numa base viável.  A esse respeito, a Comissão não pode invocar o risco de não‑reembolso do empréstimo garantido de 2009, uma vez que era a Fundación Valencia, e não a recorrente, que tinha a obrigação de reembolsar esse empréstimo. Refere‑se ainda que as receitas excederam significativamente as previsões do plano de viabilidade e que esse crescimento reflete nomeadamente a execução de um contrato de radiodifusão, celebrado antes da prestação da garantia.

54      A Comissão alega que nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente pode pôr em causa a conclusão de que ela se encontrava em dificuldade à data da concessão das medidas em causa.

55      Afirma que, desde logo, a jurisprudência não reconhece nenhuma exceção específica ao desporto na aplicação das regras em matéria de auxílios estatais. Além disso, o objetivo declarado pelo IVF com a concessão das medidas em causa é indiferente, uma vez que tanto o conceito de auxílio como o conceito de dificuldade financeira são objetivos. Em qualquer caso, afirma que a Comissão teve em conta os elementos relevantes do contexto económico do setor do futebol na sua análise do plano de viabilidade. Alega que o facto de os investidores estarem preparados para adquirir ações em clubes com valor contabilístico negativo não põe em causa a necessidade de ter previsões financeiras fiáveis e plausíveis antes de tal investimento, acrescentando que não lhe foi apresentado no procedimento administrativo nenhum relatório sobre o valor do património da recorrente.

56      Seguidamente, a Comissão salienta que, ao contrário do que alega a recorrente, teve em conta o valor de mercado dos seus jogadores, concluindo, porém, que o seu elevado valor não desmentia a conclusão de que estava em dificuldade. A esse respeito, a Comissão alega que os exemplos de cessões referidas pela recorrente dizem principalmente respeito a transferências posteriores à concessão do empréstimo garantido pelo IVF e mostram que a transferência de um jogador envolve longas negociações, o que tem influência quando a transferência tiver que ocorrer rapidamente devido a dificuldades financeiras. Além disso, os jogadores não podem ser transferidos simultaneamente, uma vez que não atingem um valor de mercado elevado ao mesmo tempo. Finalmente, embora o clube esteja segurado contra os riscos dos seus jogadores, o facto é que uma lesão tem influência no valor de venda do jogador e, indiretamente, nos resultados do clube.

57      Por último, quanto ao plano de viabilidade de 2009, a Comissão considera que a recorrente não apresenta nenhuma prova que ponha em causa o facto de esse plano, por um lado, não conter nenhuma análise de sensibilidade em relação aos riscos suscetíveis de afetar os resultados financeiros do recorrente e, por outro, se basear em perspetivas inadequadas para um regresso à viabilidade a longo prazo. A Comissão contesta ainda a abordagem comparativa e setorial adotada no relatório junto como anexo A.2 para se concluir que a recorrente não se encontrava em dificuldade. Por último, a Comissão considera que a questão da capacidade da recorrente para reembolsar o empréstimo avalizado é relevante, contrariamente ao que esta afirma na resposta, uma vez que está assente que é ela a beneficiária do empréstimo.

58      Há que lembrar que, no domínio específico dos auxílios de Estado, a Comissão está vinculada pelos enquadramentos e comunicações que adota, desde que não se afastem das normas do Tratado (Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Holland Malt/Comissão, C‑464/09 P, EU:C:2010:733, n.o 47). Em especial, esses textos não podem ser interpretados num sentido que reduza o âmbito dos artigos 107.o e 108.o TFUE ou que contradiga os seus objetivos (Acórdão de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.os 61 e 65).

59      Por outro lado, não cabe ao juiz da União Europeia, no âmbito dessa fiscalização, substituir a apreciação económica da Comissão pela sua. Com efeito, a fiscalização que os tribunais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão é uma fiscalização restrita, que se limita necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 66, e jurisprudência aí referida).

60      A esse respeito resulta de jurisprudência constante que, para considerar que uma empresa está em dificuldade, a Comissão se baseia em apreciações económicas complexas, sobre as quais o Tribunal Geral exerce apenas uma fiscalização restrita (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de setembro de 2008, Kahla/Thüringen Porzellan/Comissão, T‑20/03, EU:T:2008:395, n.o 133; de 3 de março de 2010, Freistaat Sachsen/Comissão, T‑102/07 e T‑120/07, EU:T:2010:62, n.os 122 e 157; de 12 de maio de 2011, Région Nord‑Pas‑de‑Calais e Communauté de agglomération du Douaisis/Comissão, T‑267/08 e T‑279/08, EU:T:2011:209, n.o 153; e de 3 de julho de 2013, MB System/Comissão, T‑209/11, não publicado, EU:T:2013:338, n.o 37).

61      No entanto, embora a Comissão goze de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica apreciações de ordem económica a efetuar no contexto da União, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação de dados de natureza económica feita pela Comissão. Com efeito, segundo a jurisprudência, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas (Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.os 64 e 65; e de 2 de março de 2012, Países Baixos/Comissão, T‑29/10 e T‑33/10, EU:T:2012:98, n.o 102).

62      No caso, nos considerandos 73 a 77 da decisão recorrida, a Comissão baseou‑se no ponto 10, alínea a), e no ponto 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação para qualificar a recorrente de empresa em dificuldade à data da concessão da medida 1.

63      O ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação dispõe que uma empresa será, em princípio e independentemente da sua dimensão, considerada em dificuldade «se se tratar de uma sociedade com responsabilidade limitada, quando mais de metade do seu capital subscrito tiver desaparecido e mais de um quarto desse capital tiver sido perdido durante os últimos 12 meses». Seguidamente, nos termos do ponto 11 dessas orientações, «[a]inda que nenhuma das condições referidas no ponto 10 esteja preenchida, uma empresa pode ainda ser considerada em dificuldade, designadamente se as características habituais de uma empresa nessa situação se manifestarem, como por exemplo o nível crescente dos prejuízos, a diminuição do volume de negócios, o aumento das existências, a capacidade excedentária, a redução da margem bruta de autofinanciamento, o endividamento crescente, a progressão dos encargos financeiros e o enfraquecimento ou desaparecimento do valor do ativo líquido».

64      A Comissão alega, antes de mais, no considerando 73 da decisão recorrida, que, embora o capital social da recorrente não tenha diminuído nos três exercícios financeiros anteriores à concessão da medida 1, os seus fundos próprios eram negativos no encerramento dos exercícios financeiros de 2006/2007 e 2008/2009. Afirma ainda que «mais de um quarto do [capital social] foi perdido no exercício financeiro encerrado em junho de 2009». No seu conjunto, estes elementos são suficientes, na opinião da Comissão, para considerar preenchidos os critérios previstos no ponto 10, alínea a) das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, na medida em que, se a recorrente tivesse adotado medidas adequadas para restaurar o seu património, por exemplo capitalizando as suas perdas, todo o seu capital social teria sido perdido, uma vez que era inferior às perdas acumuladas (considerando 74).

65      A Comissão considera seguidamente, no considerando 75 da decisão recorrida, que os critérios enunciados no ponto 11 das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação estavam igualmente preenchidos. A esse respeito, observa que a recorrente sofrera perdas significativas nos exercícios de 2006/2007 e 2008/2009, nos montantes de 26,1 milhões de euros e 59,2 milhões de euros, respetivamente, e que o seu volume de negócios tinha caído mais de 20 %, passando de 107,6 milhões de euros (exercício de 2006/2007) para 82,4 milhões de euros (exercício de 2008/2009). A Comissão acrescenta que a recorrente estava fortemente endividada, como evidenciado pelo seu rácio dívida/fundos próprios, que era de 73,5 em junho de 2008 e negativo em junho de 2007 e junho de 2009.

66      No caso, há que examinar primeiro se estão preenchidos os critérios estabelecidos na alínea a) do ponto 10 das orientações de emergência e reestruturação. Só se esses critérios não estiverem preenchidos deve a situação da recorrente ser examinada, se necessário, à luz do ponto 11 dessas orientações.

67      Para determinar se esses critérios estão preenchidos, há que precisar antes de mais o alcance dos conceitos de desaparecimento e perda de capital social referidos no ponto 10 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação (v. n.o 63, supra), na medida em as partes o discutem, em particular, à luz da conclusão do considerando 73 da decisão recorrida de que o capital social da recorrente não tinha diminuído antes da concessão da medida 1 (v. n.o 64, supra). A Comissão defendeu assim, na audiência, que a expressão «mais de metade do seu capital subscrito» devia ser entendida no sentido de que cobria a hipótese de o património líquido de uma empresa ser tão pequeno que era inferior de metade do seu capital social. Entende ser irrelevante o facto de o valor do capital social permanecer constante. Pelo contrário, o Reino de Espanha sustenta, em substância, que a Comissão confunde os conceitos de capital social e de fundos próprios, pelo que a conclusão na decisão recorrida de que não houve redução do capital social da recorrente deveria tê‑la levado a excluir a aplicação no presente caso do ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação.

68      A este respeito, a alínea a) do ponto 10 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação remete «por analogia» para o artigo 17.o da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.o do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44), que, à data da adoção da decisão recorrida, passou a artigo 19.o da Diretiva 2012/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 54.o TFUE, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 2012, L 315, p. 74), que dispõe que «No caso de perda grave do capital subscrito, deve ser convocada uma assembleia geral no prazo fixado pelas legislações dos Estados‑Membros, para examinar se a sociedade deve ser dissolvida ou se deve ser adotada qualquer outra medida», não podendo os Estados‑Membros «fixar em mais de metade do capital subscrito o montante [dessa] perda». No âmbito dessas diretivas, o conceito de «capital subscrito» confunde‑se com o de «capital social» (v., neste sentido, Acórdão de 23 de março de 2000, Diamantis, C‑373/97, EU:C:2000:150, n.os 3 e 32). À luz do objetivo prosseguido por essas disposições, que consagram uma obrigação específica de convocação da assembleia geral, e da sistemática do texto em que se inserem, que visa distinta e separadamente os casos de «redução do capital [social]» e afirma a competência da assembleia geral a esse respeito, resulta de forma evidente que a «perda grave do capital [social]» visada pelo artigo 17.o da Segunda Diretiva 77/91 não é equiparável a uma redução do capital social decidida pelos órgãos sociais competentes, antes abrangendo um caso de diminuição de fundos próprios, eventualmente capaz de levar à adoção pelos órgãos sociais de uma decisão de redução do capital social dessa sociedade. Ora, tendo em conta a ligação feita no ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação com as disposições das referidas diretivas, os conceitos de desaparecimento e de perda de capital social constantes do ponto 10, alínea a), dessas orientações devem ser interpretados de forma coerente com o conceito de «perda grave de capital [social]» a que se referem as diretivas.

69      De resto, o Tribunal Geral já decidiu no sentido de que o nível de fundos próprios era um indicador relevante para determinar se havia desaparecimento ou perda do capital social na aceção do ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, não obstante não se ter observado uma redução do capital social (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, EU:T:2005:221, n.o 196; e de 3 de março de 2010, Freistaat Sachsen/Comissão, T‑102/07 e T‑120/07, EU:T:2010:62, n.o 106).

70      Em face do exposto, há que considerar que a Comissão se podia basear no nível dos fundos próprios da recorrente para determinar se estavam preenchidos os critérios previstos no ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e reestruturação.

71      No caso, a Comissão observa, no considerando 73 da decisão recorrida, que as demonstrações financeiras da recorrente apresentam fundos próprios negativos devido a perdas acumuladas superiores à totalidade do seu capital social no final do exercício financeiro de 2008/2009. A Comissão afirma ainda, no mesmo considerando, que «mais de um quarto [do capital social] tinha sido perdido durante o exercício fiscal que terminou em junho de 2009». Essa afirmação é apoiada pelos dados financeiros da recorrente reproduzidos no considerando 15 da decisão recorrida. Com efeito, os fundos próprios da recorrente representavam pouco mais de metade do seu capital social em junho de 2008 (5,9 milhões de euros e 9,2 milhões de euros, respetivamente) e tornaram‑se negativos em junho de 2009, como acaba de ser lembrado, pelo que mais de metade do capital social, e, portanto, a fortiori, mais de um quarto do mesmo, foi «perdido» no exercício de 2008/2009.

72      Resta verificar se os três argumentos invocados pela recorrente no âmbito da presente parte, relativos, o primeiro, às especificidades do setor do futebol profissional, o segundo, ao não‑reconhecimento do valor de mercado dos jogadores da recorrente e, o terceiro, à solidez e credibilidade do plano de viabilidade de 2009, no todo ou em parte, são suscetíveis de pôr em causa a conclusão da Comissão de que, com base no nível dos seus fundos próprios, a recorrente era uma empresa em dificuldade para efeitos dos critérios estabelecidos no ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação.

73      Em primeiro lugar, quanto às especificidades do setor do futebol profissional, há que observar, antes de mais, que o artigo 165.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE dispõe que «A União contribui para a promoção dos aspetos europeus do desporto, tendo simultaneamente em conta as suas especificidades […] e a sua função social e educativa».

74      A esse respeito, embora o preceituado no artigo 165.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE implique, sendo caso disso, que a Comissão aprecie a compatibilidade de um auxílio à luz do objetivo de promoção do desporto, no âmbito do seu amplo poder de apreciação nessa fase (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2016, Magic Mountain Kletterhallen e o./Comissão, T‑162/13, não publicado, EU:T:2016:341, n.os 79 e 80), não é menos verdade que, no momento prévio da qualificação de uma medida como auxílio, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue consoante as causas ou objetivos das intervenções estatais, antes as definindo em função dos seus efeitos (Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 94).

75      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou, no que respeita à necessidade decorrente do Tratado FUE de ter em conta as exigências relativas à proteção do ambiente, que esta não justificava a exclusão de uma medida do âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, podendo essas exigências, em todo o caso, intervir utilmente na apreciação da sua compatibilidade ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 92).

76      Por outro lado, a recorrente não impugna a natureza económica da prática do futebol pelos clubes profissionais, já reconhecida pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2005, Piau/Comissão, T‑193/02, EU:T:2005:22, n.o 69).

77      Em face do exposto, há que deve considerar que, por força do artigo 165.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, a Comissão não era obrigada a ter em conta as características específicas da recorrente, enquanto clube de futebol profissional, além das diretamente relevantes para o exame do conceito objetivo de empresa em dificuldade.

78      A recorrente critica, porém, a Comissão por, com o seu critério, não levar em conta uma série de fatores apresentados como «não financeiros» e específicos do modelo de negócios dos clubes de futebol profissional, tais como questões de desempenho desportivo ou o número de adeptos e subscritores.

79      Refira‑se que a recorrente mais não faz aqui do que referir parâmetros que têm um impacto direto no desempenho económico e, portanto, nos resultados financeiros de um clube de futebol profissional. A recorrente refere, aliás, nos seus articulados a diminuição significativa das suas receitas causada pela sua não participação na Liga dos Campeões da União das Federações Europeias de Futebol (UEFA) na época 2008‑2009. Daí resulta que o exame dos resultados financeiros da recorrente pela Comissão tem necessariamente em conta os parâmetros acima referidos, na medida em que estes têm impacto na solidez financeira da recorrente.

80      Além disso, a Comissão referiu especificamente vários destes fatores, tais como o desempenho desportivo ou a capacidade dos adeptos para comprarem bilhetes ou subscrições, na sua análise do plano de viabilidade de 2009 (considerando 110 da decisão recorrida). O argumento da recorrente não tem, pois, suporte nos factos.

81      Quanto ao resto, refira‑se que os argumentos da recorrente se baseiam em alegações gerais comuns a todo o setor, incapazes de pôr em causa as conclusões da Comissão sobre a situação económica e financeira específica da recorrente.

82      A recorrente alega ainda que o valor contabilístico dos clubes de futebol profissional não reflete necessariamente o seu preço de compra ou revenda. Afirma, assim, haver investidores privados dispostos a pagar grandes somas de dinheiro para assumir o controlo de clubes de futebol com valor contabilístico negativo.

83      No entanto, a recorrente limita‑se a acompanhar esta alegação de dois exemplos de clubes de futebol inglês com valor contabilístico negativo adquiridos entre 2007 e 2009. De qualquer forma, pela sua generalidade, essa argumentação é incapaz de desmentir o facto apurado pela Comissão depois de analisar a situação individual da recorrente (v. n.os 64 e 65, supra), sendo de lembrar que o conceito de empresa em dificuldade é apreciado unicamente com base em indícios concretos da situação financeira e económica da empresa em causa (Acórdão de 6 de abril de 2017, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑219/14, EU:T:2017:266, n.o 184).

84      Em segundo lugar, quanto ao argumento relativo ao facto de a Comissão não ter tido em conta o valor de mercado dos jogadores da recorrente na avaliação da sua situação financeira, refira‑se, em primeiro lugar, que as orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, na versão aplicável ao caso, preveem que a Comissão considerará «em princípio» que uma empresa se encontra em dificuldade quando em presença das circunstâncias referidas no ponto 10, alínea a). Ao fazê‑lo, a Comissão fixou uma orientação que, na sua própria redação, prepara a possibilidade de se afastar dela [v., neste sentido, Acórdão de 6 de abril de 2017, Saremar/Comissão, T‑220/14, EU:T:2017:267, n.o 174 (não publicado)].

85      Por outro lado, tal como lembrado no ponto 9 das orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, o conceito de empresa em dificuldade refere-se a uma empresa que é incapaz, com os seus próprios recursos ou com os recursos que pode obter dos seus proprietários, acionistas ou credores, de suportar prejuízos que, sem uma intervenção externa dos poderes públicos, a levam quase certamente ao desaparecimento a curto ou médio prazo. Embora a Comissão possa apresentar certos indícios particularmente fortes de dificuldades financeiras nos pontos 10 e 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, que ilustram concretamente o conceito de empresa em dificuldade, não pode, no entanto, renunciar à sua margem de apreciação ao proceder a avaliações económicas complexas, como é o caso do exame da situação financeira da recorrente (v. n.o 60, supra).

86      Dito isto, há que observar desde logo que a Comissão não ignorou nem o valor de mercado nem o valor contabilístico dos jogadores da recorrente, na medida em que os tomou em consideração para concluir que a notação financeira da recorrente não podia ser considerada inferior à categoria CCC à data da concessão das medidas em causa (considerandos 80 e 81 da decisão recorrida).

87      Contudo, a Comissão observa, no considerando 82 da decisão recorrida, que «o valor contabilístico relativamente elevado dos jogadores de futebol do Valencia CF (ativos) não significa que o clube não atravessasse dificuldades financeiras». A este respeito, afirma que «o valor de uma venda forçada dos […] jogadores [do Valencia CF] seria relativamente baixo porque os compradores aproveitar‑se‑iam das conhecidas dificuldades do vendedor (Valencia CF) com o fito de fazer baixar os preços». Refere ainda que o valor de mercado desses jogadores estava sujeito a fatores aleatórios significativos, nomeadamente em caso de lesão.

88      Daí resulta que, embora, ao contrário do que alega a recorrente, a Comissão não tenha recusado ter em conta o valor de mercado dos seus jogadores para concluir, nos considerandos 80 e 81 da decisão recorrida, que a notação financeira da recorrente não podia ser inferior à categoria CCC, afirmou, em contrapartida, no considerando 82, com base nos riscos de depreciação em caso de venda coerciva e nas incertezas que tornam o valor dos intervenientes mais volátil, que a existência desses ativos não punha em causa a sua conclusão de que a recorrente era uma empresa em dificuldade. A Comissão esclareceu na audiência que, para determinar se a recorrente estava em dificuldade, se baseou apenas no valor contabilístico dos seus jogadores e considerou, pelas razões que acabam de ser recordadas, que o valor de mercado era irrelevante.

89      Resta, portanto, determinar se essas avaliações feitas pela Comissão quanto ao alcance e à fiabilidade da avaliação dos jogadores da recorrente pelo seu valor de mercado estão feridas de erro manifesto.

90      Em primeiro lugar, no que respeita aos riscos de depreciação do valor dos jogadores em caso de venda coerciva, há que observar primeiro que, independentemente da qualificação como empresa em dificuldade aqui em causa, está assente que a recorrente estava pelo menos em necessidade de tesouraria no encerramento do exercício de 2008/2009. Ora, é plausível que tais circunstâncias, em particular se forem conhecidas de um potencial comprador, possam ser por este utilizadas para negociar um preço de revenda dos jogadores inferior ao seu valor estimado de mercado.

91      Isto não é posto em causa pela referência da recorrente a vários exemplos de transferências de jogadores realizadas a um preço próximo do seu valor estimado de mercado. Por um lado, a maioria dos exemplos referidos diz respeito ao período posterior à decisão de concessão da medida 1 ou a um período anterior ao período considerado na decisão recorrida, ou ainda a um exercício em que os resultados financeiros da recorrente tinham melhorado. Esses exemplos não são, portanto, capazes de desmentir o facto de, em caso de dificuldades financeiras comprovadas e conhecidas, como as observadas no final do exercício financeiro 2008/2009, os clubes com os quais a recorrente negoceia uma transferência aproveitarem essa informação para obter um preço inferior ao valor de mercado do jogador. Por outro lado, embora seja verdade que a recorrente se refere no presente recurso a um caso de transferência ocorrida pouco antes da concessão da medida 1 a um preço superior ao valor de mercado estimado do jogador, há que observar, como faz a Comissão, que se trata de um exemplo isolado e que, além disso e inversamente, foi realizada uma transferência na mesma altura a um preço inferior ao valor estimado de mercado.

92      Em segundo lugar, no que diz respeito à volatilidade do valor de mercado dos jogadores, dados os fatores aleatórios que os podem afetar, refira‑se também que essa afirmação não é desprovida de verosimilhança. Os argumentos apresentados pela recorrente não permitem pôr isto em causa. Por um lado, o facto alegado pela recorrente de estar segurada contra o risco de morte ou invalidez total permanente dos seus jogadores não é suscetível de a imunizar contra o risco de perda de valor dos jogadores associado a uma lesão que diminua, apenas temporariamente, o rendimento do jogador em causa. Por outro lado, o alcance do argumento da recorrente de que a volatilidade do valor de mercado de um jogador é atenuada pelo facto de se dever raciocinar à escala de uma equipa. Com efeito, como alega a Comissão, o desempenho de um jogador, e, portanto, o seu valor, depende, pelo menos em parte, da condição e do desempenho do resto da sua equipa.

93      Além disso, o Tribunal Geral refere que, no exercício do seu poder de apreciação na presença de avaliações económicas complexas, a Comissão pode privilegiar, para efeitos de avaliação da situação financeira de uma empresa, a valorização dos seus ativos que resulte das suas demonstrações contabilísticas, com o fundamento de esta última ser mais prudente do que uma valorização baseada numa estimativa do preço de mercado.

94      Resulta do exposto que as apreciações da Comissão sobre o alcance e a fiabilidade da valorização dos jogadores da recorrente pelo seu valor de mercado estão isentas de erro manifesto.

95      Em terceiro e último lugar, no que respeita à invocação da solidez e credibilidade do plano de viabilidade de 2009, refira‑se que esse argumento, desenvolvido no contexto da primeira parte baseada num alegado erro na classificação da recorrente como empresa em dificuldade, também serve de apoio ao segundo fundamento, apresentado a título subsidiário, relativo à compatibilidade do auxílio em causa.

96      A esse respeito, embora, como resulta do ponto 34 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à restruturação, os auxílios a empresas em dificuldade devam estar ligados a um plano de restruturação para serem declarados compatíveis com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.o 45), há que observar que a existência e o conteúdo desse plano constituem igualmente elementos relevantes para o caso presente para determinar se, à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, decorre uma vantagem do aval controvertido (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2000, EPAC/Comissão, T‑204/97 e T‑270/97, EU:T:2000:148, n.os 72 a 74). Com efeito, as perspetivas de recuperação da situação financeira da recorrente eventualmente resultantes do plano de viabilidade de 2009 têm influência, pelo menos indireta, no risco de ativação dessa garantia, na medida em que o reembolso do empréstimo subjacente pela Fundación Valencia deveria ser efetuado através da revenda das ações da recorrente (v. n.o 4, supra), cujo valor é necessariamente afetado pela sua situação financeira.

97      No caso, a Comissão, nos considerandos 58 e 59 da decisão recorrida, observa que o plano de viabilidade não continha nenhuma análise de sensibilidade, por um lado, e se baseava em perspetivas que não eram adequadas para um retorno à viabilidade a longo prazo, por outro.

98      Quanto ao primeiro fundamento, a recorrente não nega que o plano de viabilidade não continha uma análise de sensibilidade, mas alega que as projeções do plano eram, no entanto, adequadas, na medida em que se baseavam numa evolução plausível das suas receitas e custos.

99      Ao fazê‑lo, a crítica feita pela recorrente não pode pôr em causa o fundamento da decisão recorrida de falta de análise de sensibilidade, que a Comissão podia com razão considerar prova da falta de solidez das previsões feitas no plano de viabilidade. A esse respeito, a recorrente não alega que o mercado em que opera é tão desprovido de fatores aleatórios e de riscos que não seria necessário estabelecer vários cenários de evolução das despesas e das receitas que traduzissem hipóteses otimistas, pessimistas e medianas (v., a esse respeito, ponto 36 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação).

100    Além disso, resulta das respostas da recorrente às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral no âmbito das medidas de organização do processo que as previsões do plano de viabilidade que apresenta como «conservadoras» se baseiam, na realidade, quanto a um certo número de parâmetros nomeadamente em matéria de receitas, em projeções que não têm minimamente em conta a potencial ocorrência de acontecimentos adversos.

101    Quanto ao segundo fundamento acima referido no n.o 97, a recorrente contesta a análise da Comissão, apontando o retorno esperado dos lucros num horizonte de cinco anos e o facto de a rentabilidade do clube estar de acordo com as médias observadas no setor.

102    A este respeito, é de notar, antes de mais, que o horizonte temporal tido em conta no plano de viabilidade de 2009 para um regresso aos lucros, a saber, cinco anos, não parece irrazoável, na ausência de elementos em contrário fornecidos pela Comissão.

103    Em seguida, deve notar‑se que o argumento da recorrente se baseia essencialmente no facto de, após a execução do plano de viabilidade, os seus resultados financeiros estarem de acordo com a rentabilidade média registada no setor, não obstante a conclusão da Comissão na decisão recorrida de que a rentabilidade da recorrente permaneceria muito baixa, tendo em conta a margem de exploração e o lucro antes de impostos esperados após a execução do plano de viabilidade.

104    Ora, como, em substância, alega a Comissão, a referência a uma rentabilidade média do setor é inoportuna, na medida em que os Estados‑Membros poderiam então justificar qualquer investimento em setores em declínio, deficitários ou caracterizados por baixa rentabilidade, sem prejuízo de as suas perspetivas de lucros se situarem na média do setor (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2014, Espanha e o./Comissão, T‑319/12 e T‑321/12, não publicado, EU:T:2014:604, n.o 44). No caso, os elementos apresentados pela recorrente, partindo do princípio que se destinam a demonstrar que o desempenho esperado no plano de viabilidade de 2009 está dentro da média do setor, não põem em causa a conclusão de que a rentabilidade esperada permaneceria, em qualquer caso, muito baixa.

105    Em face do exposto, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o plano de viabilidade de 2009 não era suficientemente sólido e credível para demonstrar a capacidade da recorrente para restabelecer a sua situação financeira.

106    Portanto, há que julgar improcedente a primeira parte do presente fundamento.

–       Quanto à segunda parte, relativa a erro manifesto da Comissão ao considerar que a medida 1 cobria mais de 80 % do empréstimo subjacente

107    A recorrente, apoiada pelo Reino de Espanha, impugna o facto de a medida 1 cobrir 100 % do montante do empréstimo de 75 milhões de euros concedido pela Bankia. A recorrente invoca, a este respeito, o valor da participação detida pela Fundación Valencia no seu capital e dada em penhor ao IVF, o que, independentemente do método de avaliação utilizado, levava a uma diminuição da exposição do IVF para menos de 80 % do montante do empréstimo.

108    O Reino de Espanha acrescenta que, mesmo admitindo que a garantia cobria 100 % do empréstimo em causa, esse nível de cobertura era justificado pelos termos da medida 1 no seu conjunto, tendo em conta o valor do clube, os significativos direitos e meios de controlo da recorrente assim conferidos ao IVF, as contribuições e receitas esperadas e o elevado valor das ações empenhadas a favor do IVF.

109    No caso, a Comissão considerou, no considerando 86, alínea b), da decisão recorrida, que o aval controvertido cobria mais de 100 % do empréstimo subjacente, ou seja, a totalidade do capital mais os juros e despesas associados à operação garantida (considerando 8 da decisão recorrida).

110    Desde logo, refira‑se que os argumentos da recorrente em apoio da presente parte se baseiam numa confusão entre a questão da extensão do aval em causa da obrigação da Fundación Valencia de reembolso do empréstimo de 75 milhões de euros concedido pela Bankia, por um lado, e a questão, distinta, do risco financeiro a que o IVF está exposto em caso de incumprimento pela Fundación Valencia da sua obrigação de reembolso, por outro. No primeiro caso, é uma questão de analisar a que obrigações está o IVF juridicamente sujeito. No segundo caso, está em causa o risco financeiro a que está exposto o IVF.

111    Ora, como lembra acertadamente a Comissão, sem impugnação desse ponto pela recorrente, o IVF está efetivamente sujeito ao pagamento integral da dívida exigível se a Bankia decidir acionar o seu aval. Daí resulta que o aval prestado pelo IVF ao abrigo da medida 1 cobriu 100 % do empréstimo em causa.

112    De resto, seguir a interpretação proposta pela recorrente quanto à extensão da cobertura de uma garantia, que consiste, em substância, em incluir o valor das contragarantias que podem ser acionadas pelo avalista público, iria contra o objetivo prosseguido por esse parâmetro, como resulta do ponto 3.2, alínea c), da comunicação relativa às garantias. Com efeito, o que está em causa é encorajar o mutuante a avaliar, segurar e minimizar corretamente o risco associado à operação de crédito e, em particular, a avaliar corretamente o grau de solvência do mutuário. Ora, o facto de a entidade pública beneficiar de certas contragarantias não é suscetível de encorajar o credor a ser mais diligente na avaliação do seu próprio risco.

113    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento do Reino de Espanha de que uma cobertura superior a 80 % do montante da transação subjacente era, no caso, justificada pelas condições de concessão da garantia em causa.

114    Com efeito, resulta do exame da primeira parte do fundamento que a Comissão podia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, qualificar a recorrente como empresa em dificuldade e considerar o plano de viabilidade insuficientemente sólido e credível. Daí resulta que nem o valor empresarial da recorrente à data da concessão da medida 1 nem as previsões de contribuições e receitas contidas no plano de viabilidade, nem, a fortiori, os direitos conferidos ao IVF com vista a assegurar a execução desse plano eram capazes de justificar a cobertura da totalidade do empréstimo em causa. Quanto à questão do valor das ações dadas em garantia ao IVF, à luz do que foi acima lembrado no n.o 112, o facto de a entidade pública avalista ter uma contragarantia de um determinado valor não pode, por si só, justificar que a transação subjacente esteja integralmente coberta.

115    Em face do exposto, improcede esta parte.

–       Quanto à terceira parte, relativa a erro manifesto da Comissão ao considerar que a medida 1 não fora concedida a um preço de mercado

116    A recorrente, apoiada pelo Reino de Espanha, considera que a Comissão se deveria ter baseado nas taxas de empréstimos e créditos comparáveis que obteve no período 2008‑2009, sendo inadequada, neste caso, a utilização da «metodologia clássica» das agências de notação. Ora, a taxa média a que a recorrente se financiava nesse período correspondia à soma da taxa mínima prevista no contrato de empréstimo celebrado com a Bankia com a taxa do prémio de garantia pago ao IVF. A recorrente refere a este respeito que a Euribor e, de um modo mais geral, as taxas oferecidas no mercado estavam em baixa na altura da concessão da medida 1 em novembro de 2009, circunstância que a Comissão não teve em conta. Na réplica, a recorrente precisa que um empréstimo de montante comparável ao empréstimo concedido pela Bankia tinha sido concedido a uma taxa equivalente.

117    O Reino de Espanha acrescenta que o facto de a medida 1 só ter entrado em vigor várias semanas após a transferência dos fundos emprestados à Fundación Valencia e a repetida suspensão dos seus efeitos na sequência de decisões judiciais demonstram que o empréstimo concedido pela Bankia poderia ter sido concedido independentemente da existência da garantia pública. O prémio de aval pago à IVF reflete efetivamente o valor das contragarantias que recebeu.

118    A Comissão alega que, devido à falta de operações semelhantes observadas no mercado, utilizou, em conformidade com a comunicação sobre as taxas de referência, a taxa de referência aplicável a uma empresa na situação da recorrente, ou seja, com uma notação financeira da categoria CCC. A esse respeito, a Comissão contesta a relevância das comparações feitas pela recorrente com outras operações de crédito em que foi parte no período de 2008‑2009, tendo em conta as especificidades dessas operações, nomeadamente o seu montante muito inferior ao empréstimo avalizado pela medida 1. Refere ainda que não ela não mencionou esses empréstimos na fase administrativa.  Por último, quanto à tendência em baixa da Euribor, a Comissão observa que não era possível prever a sua evolução à data da concessão da medida 1.

119    A Comissão acrescenta na tréplica que a decisão da recorrente de suspender a construção de um novo estádio, em fevereiro de 2009, foi um ponto de viragem e que havia uma maior probabilidade de a recorrente obter um empréstimo antes dessa data, observando ainda que no exercício de 2007‑2008 tinha obtido lucros. Especificamente quanto ao exemplo invocado pela recorrente do empréstimo de montante próximo do concedido pela Bankia, a Comissão alega que, longe de pôr em causa a sua análise, tende, pelo contrário, a apoiá‑la, na medida em que, por um lado, o valor das garantias oferecidas ao mutuante eram, segundo a Comissão, superiores ao valor das ações empenhadas no âmbito do empréstimo concedido pela Bankia e, por outro, a taxa aplicada era também superior. Além disso, este exemplo demonstra, na opinião da Comissão, as dificuldades da recorrente na obtenção de fundos suficientes, inclusive através do penhor dos seus ativos mais valiosos.

120    Em resposta à argumentação do Reino de Espanha no seu articulado de intervenção, a Comissão alega que a data de entrada em vigor da medida 1 é irrelevante, uma vez que parece que o IVF se obrigou a prestar o aval controvertido antes de a Bankia conceder o empréstimo à Fundación Valencia.

121    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que um mutuário que contrai um empréstimo avalizado pelas autoridades públicas de um Estado‑Membro obtém normalmente uma vantagem, na medida em que o custo financeiro que suporta é inferior ao que teria de suportar se tivesse de obter o mesmo financiamento e a mesma garantia a preços de mercado (Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Residex CapitalIV, C‑275/10, UE:C:2011:814, n.o 39; e de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 96).

122    Como recordado no ponto 3.2, alínea d), da comunicação relativa às garantias, para determinar o preço de mercado correspondente, há que tomar em consideração as características da garantia e do empréstimo subjacente, que incluem, nomeadamente, o montante e a duração da operação, a garantia dada pelo mutuário e os demais elementos que afetem a avaliação da taxa de recuperação, a probabilidade de incumprimento do mutuário devido à sua situação financeira, o seu setor de atividade e as suas perspetivas.

123    Quando o preço pago pela garantia for pelo menos igual ao prémio de garantia de referência correspondente que estiver disponível no mercado financeiro, a garantia não inclui um elemento de auxílio [v. ponto 3.2, alínea d), segundo parágrafo, da comunicação relativa às garantias]. Se não existir nos mercados financeiros nenhum prémio de garantia de referência correspondente, o custo financeiro total do empréstimo avalizado, incluindo a taxa de juro e o prémio da garantia, deve ser comparado ao preço de mercado de um empréstimo semelhante não garantido [v. ponto 3.2, alínea d), terceiro parágrafo, da comunicação relativa às garantias]. Por último, na falta de preços de mercado de empréstimos semelhantes não garantidos, deve‑se recorrer à taxa de referência, definida de acordo com a comunicação sobre as taxas de referência (v. ponto 4.2, segundo parágrafo, da comunicação relativa às garantias)].

124    No caso, a Comissão exclui, no considerando 86, alínea c), da decisão recorrida, a possibilidade de o prémio de garantia pago ao IVF ter tido em conta as dificuldades financeiras da recorrente e o risco de incumprimento associado aos empréstimos garantidos, tendo observado, no considerando 85, que, um mutuário «em dificuldade, sem um aval público não teria encontrado nenhuma instituição financeira disposta a conceder‑lhe um empréstimo, quaisquer que fossem as condições».

125    Em parte nenhuma desses considerandos, nem em nenhum outro lugar dos desenvolvimentos relativos à caracterização de uma vantagem (ponto 7.1.2 da decisão recorrida), a Comissão indica o preço de mercado em relação ao qual avalia o prémio em causa. A Comissão também não examina, nessa fase, o penhor concedido ao IVF como contragarantia (v. n.o 4, supra). De um modo geral, a Comissão limita‑se a avaliar a situação financeira da recorrente e conclui, à luz do montante do prémio de garantia pago ao IVF, que esta não satisfaz as condições do mercado. Questionada pelo Tribunal Geral no âmbito das medidas de organização do processo, a Comissão confirmou que tinha considerado que, tendo em conta a situação financeira da recorrente, que era uma empresa em dificuldade, não existia um preço de mercado que pudesse servir de referência para o prémio de aval pago ao IVF.

126    A fim de determinar se o prémio pago à IVF envolvia uma vantagem, a Comissão, por um lado, não teve em conta todas as características relevantes do aval e do empréstimo subjacente, em particular a existência de garantias dadas pelo mutuário, e, por outro, não encontrou um preço de mercado com o qual comparar o prémio em causa, considerando que, para uma empresa em dificuldade, tal preço não existia.

127    Quanto a este último ponto, refira‑se que tal afirmação, segundo a qual não existe um preço de mercado que possa servir de referência quando a operação garantida beneficia uma empresa em dificuldade, é desmentida pelo ponto 4.1, alínea a), da comunicação relativa às garantias, a propósito do cálculo do elemento de auxílio de uma garantia concedida a uma empresa em dificuldade. Com efeito, a Comissão distingue aí a situação das empresas em dificuldade em função do seu risco de incumprimento, que não é uniforme. A comunicação distingue assim entre os casos em que existe um fiador no mercado e os casos em que é provável que não exista um fiador. Admite‑se, pois, a possibilidade de existir um preço de mercado, mesmo quando a garantia é concedida a uma empresa em dificuldade.

128    A este respeito, o Tribunal Geral observa que a Comissão afirma no considerando 80 da decisão recorrida que a recorrente «não se encontrava […] numa situação de crise grave, conforme definida no ponto 2.2 e no ponto 4.1, alínea a), da Comunicação relativa às garantias», tendo declarado, nos considerandos 74 e 77 que era uma empresa em dificuldade financeiras na aceção do ponto 10, alínea a), e do ponto 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. Ao fazê‑lo, a Comissão subscreveu igualmente a leitura acima feita no n.o 127 do ponto 4.1, alínea a), da comunicação relativa às garantias no sentido de distinguir entre duas subcategorias de empresas em dificuldade na aceção das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação de acordo com o seu risco de incumprimento. Isto é ainda mais evidente na versão espanhola da decisão recorrida, a única versão que faz fé, que menciona no considerando 80 a inexistência de qualquer «situação de crise grave» (situación de crisis grave), uma vez que o adjetivo «grave» que qualifica o termo «crise» e que distingue mais claramente a situação prevista no considerando 80 da prevista no considerandos 74 e 77 da decisão recorrida, ao ter em conta uma categoria de empresas em dificuldade na aceção das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação que não se encontram numa situação de crise grave na aceção do ponto 4.1, alínea a), da comunicação relativa às garantias.

129    Além disso, ao contrário do que alega a Comissão, o ponto 3.3 da comunicação relativa às garantias não demonstra que não existe um preço de mercado para as garantias concedidas a uma empresa em dificuldade. Com efeito, esse ponto diz respeito ao regime de avaliação simplificado que se aplica, a título excecional, às pequenas e médias empresas e limita‑se a indicar que não é aplicável a empresas com notação CCC/Caa ou inferior.

130    Não obstante as omissões acima referidas no n.o 126, na parte da decisão recorrida relativa à verificação da existência de um auxílio, é verdade que, no considerando 93, no contexto da quantificação do auxílio controvertido, a Comissão faz uma análise mais detalhada. Embora não procure a existência de um prémio de aval de referência correspondente nos mercados financeiros, exclui a possibilidade de existência de um empréstimo semelhante não garantido (v. n.o 123, supra), «devido ao número limitado de observações de operações semelhantes no mercado», que «não proporciona […] uma comparação significativa». Utiliza, portanto, de acordo com o ponto 4.2 da comunicação relativa às garantias, a taxa de referência aplicável nos termos da comunicação sobre as taxas de referência (v. n.o 123, supra), comparando‑a com o custo financeiro total do empréstimo garantido, incluindo a taxa de juro e o prémio de garantia. Por último, a Comissão tem em conta o penhor das ações da recorrente e conclui que o seu valor é praticamente nulo e, por conseguinte, não tem impacto na taxa de referência a utilizar no caso presente.

131    Em particular, quanto à conclusão de que não existiam suficientes operações semelhantes para uma comparação significativa, o Tribunal Geral interrogou a Comissão, no contexto das medidas de organização do processo, sobre a natureza e a extensão das investigações por ela efetuadas para chegar a essa conclusão. Em resposta, a Comissão começou por indicar, em relação a um possível prémio de garantia de referência, que as instituições financeiras não apoiavam operações tão arriscadas como o aval prestado a empresas com notação CCC e que nada no processo administrativo poderia indicar o contrário. Seguidamente, quanto a um possível preço de mercado para um empréstimo não garantido semelhante, a Comissão alegou que a investigação administrativa não revelou quaisquer informações sobre taxas de juro de empréstimos concedidos em situações semelhantes. Novamente interrogada sobre este ponto na audiência, a Comissão remeteu para o conteúdo da decisão de abertura do procedimento formal de investigação, na qual manifestou dúvidas quanto à existência de um preço de mercado para uma operação dessa natureza.

132    Resulta do exposto, primeiro, que a Comissão não investigou se existia «um prémio de garantia de referência correspondente oferecido nos mercados financeiros», presumindo que nenhuma instituição financeira atuaria como avalista de uma empresa em dificuldade e, segundo, que a Comissão considerou que tinha cumprido as suas obrigações de investigação relativamente à existência de um preço de mercado para um empréstimo semelhante sem garantia, expressando as suas dúvidas a este respeito na decisão de abertura do procedimento formal de investigação.

133    Ora, como acima lembrado no n.o 123, os pontos 3.2, alínea d), e 4.2 da comunicação relativa às garantias exigem a determinação prévia de um possível preço de mercado, quer ao nível da garantia, quer ao nível do empréstimo subjacente, com o qual comparar os termos da operação controvertida. Como acima referido no n.o 127, essa comunicação não prevê uma presunção geral de que, na presença de uma empresa em dificuldade, não pode haver preço de mercado.

134    Por conseguinte, a Comissão, ao presumir que nenhuma instituição financeira prestaria um aval a favor de uma empresa em dificuldade e, portanto, que nenhum prémio de garantia de referência correspondente estaria disponível no mercado, violou a comunicação relativa às garantias, à qual está vinculada (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.os 60 e 61 e jurisprudência aí referida). Pelas mesmas razões, não cumpriu também o seu dever de proceder a uma apreciação global que tivesse em conta todos os elementos relevantes que, no caso concreto, lhe permitissem determinar se a recorrente manifestamente não teria obtido facilidades comparáveis por parte de um operador privado (Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 73).

135    Do mesmo modo, há que considerar que a Comissão errou ao excluir, no considerando 93 da decisão recorrida, a existência de um preço de mercado para um empréstimo semelhante sem garantia «devido ao número limitado de observações de operações semelhantes no mercado», na medida em que resulta das respostas dadas pela Comissão na presente lide (v. n.o 131, supra) que essa afirmação não tem suficiente suporte jurídico.

136    A esse respeito, o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos de aplicação do critério do operador privado é da Comissão, a quem cabe pedir todas as informações relevantes no procedimento administrativo (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.os 33 e 34; e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 24). Além disso, a Comissão não pode invocar o caráter fragmentário das informações que lhe foram transmitidas no procedimento administrativo, para justificar a sua decisão, na medida em que não exerceu todos os poderes de que dispunha para obter as informações necessárias (v., neste sentido, Acórdão de 13 de abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C‑324/90 e C‑342/90, EU:C:1994:129, n.o 29). Isto vale ainda mais quando a decisão recorrida não assenta na falta de apresentação de elementos que tivessem sido pedidos pela Comissão ao Estado‑Membro em causa, mas sim na declaração de que um credor privado não teria atuado da mesma forma que as autoridades do referido Estado‑Membro, declaração essa que pressupõe que a Comissão dispunha de todos os elementos relevantes necessários à sua decisão (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 35).

137    Ora, na decisão de abertura do procedimento formal, a Comissão limitou‑se a manifestar as suas dúvidas quanto à existência de transações semelhantes sem pedir, como tinha o poder de fazer uma vez aberto o procedimento formal, ao Estado‑Membro em causa ou a outras fontes informações sobre a existência de empréstimos semelhantes ao empréstimo subjacente à operação controvertida. Além disso, a Comissão não apresenta quaisquer outros elementos obtidos no procedimento administrativo que apoiem a sua conclusão de que não havia operações comparáveis.

138    Em face do exposto, há que concluir que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar, por um lado, que não era oferecido no mercado qualquer prémio de garantia de referência correspondente e, por outro, que não havia preço de mercado para um empréstimo semelhante não garantido. Consequentemente, é procedente a terceira parte do primeiro fundamento.

–       Conclusões sobre o primeiro fundamento e sobre o alcance da anulação

139    O Tribunal Geral considera que a terceira parte do presente fundamento é procedente, devendo, portanto, ser acolhida.

140    Resulta ainda do n.o 50, supra, que o presente fundamento só é admissível na parte relativa à medida 1. Consequentemente, o fundamento cuja procedência o Tribunal Geral analisou e declarou refere‑se unicamente a um aspeto específico do ato recorrido, no caso, a medida 1.

141    Por conseguinte, nestas circunstâncias, os restantes fundamentos de recurso só são examinados no que respeita à medida 4.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro na identificação do beneficiário do alegado auxílio

142    A recorrente critica a Comissão por não ter concluído que a Bankia era a única e verdadeira beneficiária das medidas 1 e 4 e por nem sequer ter analisado esse ponto na decisão recorrida. Na réplica, a recorrente afirma que a Bankia poderia, pelo menos, ser considerada cobeneficiária indireta dos auxílios em causa.

143    A este respeito, a recorrente insiste nos interesses pecuniários da Bankia na realização da operação de empréstimo subjacente às medidas em causa. Alega também a influência adquirida pela Bankia sobre a Fundación Valencia, e indiretamente sobre ela própria, através dessa operação. O penhor a seu favor das ações da recorrente detidas pela Fundación Valencia também garantia o direito de veto sobre qualquer plano de transferência posterior das ações do clube. Isto é demonstrado pelo envolvimento da Bankia nas negociações relativas à compra da recorrente pela Meriton em 2014 (v. considerandos 24 a 28 da decisão recorrida), em particular com vista à salvaguarda dos seus interesses financeiros, tendo em conta ser o principal credor do clube.

144    Na réplica, a recorrente afirma que, admitindo que a avaliação da Comissão sobre o valor do penhor estava correta, as medidas 1 e 4 limitaram o risco da sua insolvência e o risco resultante para a Bankia, o seu primeiro credor.

145    Por último, a recorrente nega que a sua venda em 2014 tenha tido o efeito de transferir os auxílios incluídos nas medidas 1 e 4 para o novo acionista majoritário, a Meriton. A recorrente alega assim que, uma vez que o comprador adquiriu a empresa beneficiária do auxílio a um preço de mercado, a Fundación Valencia, como vendedora, ou a Bankia, deveria ser considerada o beneficiário efetivo do auxílio.

146    Desde logo, há que lembrar que os argumentos da recorrente em apoio deste fundamento são examinados apenas na medida em que digam respeito ao beneficiário da medida 4 (v. n.o 141, supra).

147    No seu sexto fundamento, a recorrente alega, desde logo, em substância, que o beneficiário da medida 4 é a Bankia, quer exclusivamente, quer como cobeneficiária da medida (primeira parte). A recorrente alega seguidamente que, tendo em vista a sua venda em 2014 a um preço de mercado, o auxílio foi transferido para o vendedor, no caso, a Fundación Valencia, ou para a Bankia, conjuntamente com a fundação ou a título exclusivo, e não para a Meriton (segunda parte).

148    Há que analisar neste momento a primeira parte do fundamento, relativa à identidade do beneficiário à data da concessão da medida de auxílio. A segunda parte, relativa à eventual transmissão do auxílio concomitantemente com a revenda da recorrente, só deverá ser examinada, sendo caso disso, em sede posterior, a fim de determinar junto de que empresa deve ser efetuada a recuperação do auxílio. De resto, foi também nessa sede que o argumento, já formulado pela recorrente na fase administrativa, foi analisado na decisão recorrida (v. considerandos 129 e 130 da decisão recorrida).

149    No caso, resulta dos considerandos 6 a 8 da decisão recorrida que a medida 1 consiste numa garantia concedida para cobrir um empréstimo destinado a financiar uma operação de aumento de capital da recorrente. Resulta do considerando 12 que o objetivo da medida 4 é aumentar a garantia concedida, a fim de cobrir uma linha de crédito adicional para o pagamento do capital, juros e despesas em consequência do não pagamento dos juros devidos de acordo com o calendário inicialmente acordado para esse empréstimo.

150    A este respeito, não se pode deixar de observar que o artigo 107.o TFUE proíbe os auxílios concedidos pelo Estado ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, sem fazer distinção consoante as vantagens relativas aos auxílios sejam concedidas de forma direta ou indireta (Acórdão de 4 de março de 2009, Itália/Comissão, T‑424/05, não publicado, EU:T:2009:49, n.o 108). Assim, a Comissão pode ter em conta a afetação decidida, se for caso disso, no momento da concessão da medida, a fim de determinar o beneficiário de um auxílio. Nesse caso, é possível, em especial, que o beneficiário não seja a pessoa que contraiu o empréstimo avalizado (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2003, Bélgica/Comissão, C‑457/00, EU:C:2003:387, n.os 56 e 57). Em última análise, para determinar o beneficiário do auxílio estatal, é necessário identificar as empresas que dele beneficiaram efetivamente (Acórdão de 3 de julho de 2003, Bélgica/Comissão, C‑457/00, EU:C:2003:387, n.o 55).

151    No caso, a Comissão afirmou, nos considerandos 7 e 68 da decisão recorrida, que o objetivo do aval concedido pelo IVF, como resulta da decisão do IVF de conceder esse aval, era avalizar um empréstimo da Fundación Valencia destinado exclusivamente a financiar o aumento de capital da recorrente. A esse respeito, a recorrente não nega que o aval concedido pelo IVF só era aplicável se o empréstimo avalizado fosse utilizado para os fins mencionados na decisão de concessão do aval, nomeadamente a participação no aumento de capital da recorrente. Está também assente que as quantias obtidas através dos empréstimos avalizados foram efetivamente afetadas à recapitalização da recorrente.

152    Especificamente quanto à medida 4, resulta da decisão recorrida, sem impugnação da recorrente, que o seu único objetivo era permitir à Fundación Valencia continuar a cumprir as suas obrigações decorrentes do empréstimo inicialmente contraído. Ora, o único objetivo deste último era permitir à Fundación Valencia participar no aumento de capital decidido pela recorrente, como acima lembrado no n.o 151.

153    Daí resulta que a Comissão considerou, acertadamente, que a recorrente era o beneficiário da medida 4.

154    Esta conclusão não é posta em causa pelos restantes argumentos da recorrente.

155    Primeiro, refira‑se que o facto de a Bankia poder ser o «cobeneficiário» ou o beneficiário indireto dessa medida não põe em causa, enquanto tal, a conclusão de que a recorrente também dela beneficiou. Tal como esta acertadamente refere nos seus articulados, a mesma medida pode beneficiar diretamente uma empresa e beneficiar indiretamente outra (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2002, Países‑Baixos/Comissão, C‑382/99, EU:C:2002:363, n.os 61 e 62). Daí resulta que a argumentação da recorrente no sentido de demonstrar que a Bankia beneficiou indiretamente da concessão da medida 4 deve ser julgada inoperante.

156    Em qualquer caso, há que considerar que não resulta das condições para a concessão do empréstimo garantido nem das condições para o seu aumento em 2010 que este fosse afetado ao reembolso dos créditos anteriormente contraídos pela recorrente junto da Bankia. Daí resulta que, ao contrário do que alega a recorrente, a garantia do IVF não teve necessariamente o efeito de reduzir o risco da Bankia em relação aos créditos existentes.

157    Segundo, a recorrente não demonstrou que a remuneração decorrente do empréstimo garantido, a título de pagamento de capital e juros, fosse suscetível de conter um elemento de auxílio, limitando‑se a afirmar que a taxa aplicada, de pelo menos 6 %, era «alta».

158    Terceiro, a influência alegadamente adquirida pela Bankia sobre a recorrente, tal como o processo de posterior revenda das ações desta, é independente das condições de concessão das medidas 1 e 4. A esse respeito, não resulta da decisão do IVF de prestar o aval nem da convenção de aval celebrada em 5 de novembro de 2009, conforme alterada em 10 de novembro de 2010, que a concessão do aval controvertido estava sujeita à condição de a ser atribuído à Bankia um controlo alargado sobre a atividade da recorrente. Além disso, a recorrente não demonstra que essa influência fosse capaz, enquanto tal, de constituir uma vantagem abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, nem apresenta provas de que isso seria uma contrapartida desproporcionada pelo empréstimo concedido à Fundación Valencia.

159    Em face do exposto, improcede a primeira parte do sexto fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação no exame da compatibilidade dos alegados auxílios

160    Os argumentos da recorrente em apoio deste fundamento são adiante reproduzidos e examinados apenas na medida em que digam respeito à compatibilidade da medida 4.

161    A recorrente considera, antes de mais, que a condição de auxílio único, prevista no ponto 3.3 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, não foi violada, uma vez que a medida 4 não a beneficiou, pois não recebeu nenhum montante na sequência da sua adoção. Além disso, a situação da recorrente tinha melhorado consideravelmente à data de adoção dessa medida. Por último, a recorrente entende que, à luz das decisões anteriores, do quadro adotado pela Comissão e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, se deve considerar que as medidas 1 e 4 constituem uma única e mesma intervenção que faz parte de uma única estratégia de reestruturação, justificando a aplicação da exceção prevista no ponto 73 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação no caso de circunstâncias excecionais e imprevisíveis não imputáveis à empresa.

162    No caso, a Comissão indica no considerando 124 da decisão recorrida que o princípio do «auxílio único», segundo o qual uma empresa que tenha beneficiado de um auxílio de emergência ou à restruturação nos últimos dez anos não pode beneficiar de novo auxílio da mesma natureza, não foi respeitado no âmbito da medida 4. No mesmo considerando, a Comissão rejeita a argumentação do Reino de Espanha no sentido de as medidas 1 e 4 serem consideradas uma medida de auxílio único, pelo facto de a medida 4 não estar prevista nem planeada à data da concessão da medida 1, tendo sido decidida ad hoc para cobrir a falta de pagamento dos juros do empréstimo avalizado devidos em 26 de agosto de 2010. A Comissão precisa ainda, no considerando 98 da decisão recorrida, que nem o Reino de Espanha nem as partes interessadas apresentaram observações no procedimento administrativo especificamente sobre a compatibilidade da medida 4. Não alegaram, em particular, que tivesse sido apresentado ou alterado um plano de restruturação, por ocasião da concessão da medida 4.

163    Desde logo, o Tribunal Geral observa que está ferida de erro a premissa em que se baseia a conclusão constante do considerando 124 da decisão recorrida de que a medida 4 viola o princípio do auxílio único, uma vez que resulta do exame do primeiro fundamento que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao qualificar a medida 1 como auxílio de Estado (v. n.o 138, supra). Por conseguinte, a invocação do princípio do auxílio único não pode obstar a que a medida 4 seja considerada compatível com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

164    Lembrado isto, há que salientar, ao mesmo tempo, que é jurisprudência constante que, para serem declarados compatíveis com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, os auxílios a empresas em dificuldade devem estar ligados a um plano de restruturação destinado a reduzir ou reorientar as suas atividades (v. Acórdãos de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.o 45, de 11 de junho de 2009, ACEA/Comissão, T‑297/02, EU:T:2009:189, n.o 137, e de 11 de junho de 2009, ASM Brescia/Comissão, T‑189/03, EU:T:2009:193, n.o 116; v. ainda, neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2009, AEM/Comissão, T‑301/02, EU:T:2009:191, n.o 141).

165    Ora, primeiro, resulta da falta de impugnação admissível da recorrente quanto à qualificação de auxílio de Estado dada à medida 4 (v. n.o 50, supra) que o Tribunal Geral não deve considerar em discussão essa qualificação nem as considerações que a sustentam na decisão recorrida. Assim, a fim de examinar o presente fundamento, há que partir da premissa de que a medida 4 é um auxílio de Estado que beneficia uma empresa em dificuldade.

166    Segundo, resulta da decisão recorrida, sem impugnação da recorrente, que não foi criado nenhum plano de reestruturação relacionado com a concessão da medida 4 (v. n.o 162, supra).

167    No entanto, a recorrente, tal como o Reino de Espanha no procedimento administrativo, alega que as medidas 1 e 4 constituíram uma única intervenção no âmbito de uma única estratégia de reestruturação. Embora esta argumentação seja agora irrelevante na medida em que pretende pôr em causa a violação do princípio do «auxílio único» no contexto da concessão da medida 4 — sendo a constatação dessa violação baseada numa premissa errada, como acima indicado no parágrafo 163 — continua a ser relevante para efeitos de determinar se a medida 4 pode ser considerada parte da implementação de um plano de reestruturação, neste caso o plano de viabilidade elaborado em maio de 2009.

168    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que não se pode excluir que várias intervenções consecutivas do Estado devam, para efeitos da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ser encaradas como uma única intervenção. Tal pode ser nomeadamente o caso quando intervenções consecutivas apresentem, no que respeita à sua cronologia, à sua finalidade e à situação da empresa no momento dessas intervenções, nexos de tal forma estreitos entre elas que seja impossível dissociá‑las (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 97).

169    No caso, não se pode deixar de observar desde logo que as medidas 1 e 4 não foram adotadas concomitantemente, tendo decorrido mais de um ano entre a concessão dos dois avales. Além disso, a recorrente não impugna o facto de o aumento do aval decidido no âmbito da medida 4 não estar previsto quando a medida 1 foi concedida e não estar coberta pelo plano de viabilidade de maio de 2009. Além disso, há que observar que a medida 4 foi adotada para cobrir as consequências financeiras de uma falta de pagamento, imputável à Fundación Valencia, num vencimento do empréstimo garantido. A esse respeito, é certo que existe uma relação entre o objetivo de permitir à Fundación Valencia fazer face às consequências financeiras desse incumprimento e o objetivo inicial de fornecer novos capitais à recorrente, na medida em que a falta de pagamento ocorre no contexto do reembolso de um empréstimo concedido para financiar essa disponibilização de novo capital. Contudo, não é menos verdade que, como refere a própria recorrente, a finalidade da medida 4 distingue‑se da finalidade da medida 1, uma vez que se destina principalmente a cobrir o pagamento pela Fundación Valencia do capital, juros e despesas decorrentes dessa falta de pagamento, o que, segundo a recorrente, resulta do facto de a Fundación Valencia não ter podido ceder um pacote de ações da recorrente em tempo útil. Por último, no que respeita à situação da recorrente no momento das intervenções em causa, há que ter em conta o facto de o aumento de capital já ter ocorrido à data da concessão da medida 4, com a consequência de a situação financeira da recorrente nessa data ser diferente da sua situação financeira na data em que a medida 1 foi concedida.

170    Por conseguinte, está isento de erros o entendimento da Comissão de que as medidas 1 e 4 não podem ser consideradas uma e a mesma intervenção.

171    Daí resulta que a constatação de que a medida 4 não estava ligada a um plano de reestruturação deve ser confirmada, com a consequência, à luz da jurisprudência acima recordada no n.o 164, de não poder ser considerada compatível com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

172    Nenhum outro argumento da recorrente é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

173    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento relativo a uma alegada melhoria considerável da situação financeira da recorrente entre o exercício financeiro de 2008‑2009 e o exercício financeiro de 2009‑2010, há que remeter para a consideração, acima enunciada no n.o 50, de que a impugnação da recorrente da qualificação da medida 4 como auxílio de Estado é inadmissível e, consequentemente, que não está em litígio o fundamento subjacente a essa qualificação, segundo o qual a recorrente era, à data da concessão dessa medida, uma empresa em dificuldade (v. n.° 165, supra). Nestas circunstâncias, é inoperante a invocação da melhoria da sua situação financeira, uma vez que se tem que dar por adquirido que estava em dificuldade. De qualquer modo, a argumentação da recorrente é particularmente sucinta, limitando‑se no essencial a remeter para os indicadores financeiros referidos no considerando 15 da decisão recorrida. Não é, portanto, suscetível de desmentir a conclusão de que se tratava de uma empresa em dificuldade à data da concessão da medida 4.

174    Em segundo lugar, a recorrente alega que não recebeu nenhum montante relacionado com o aumento da garantia ou com a nova linha de crédito aberta ao abrigo da medida 4, que, segundo a recorrente, beneficiam a Fundación Valencia. A este respeito, basta observar que a impugnação da recorrente quanto às apreciações da Comissão sobre a identidade do beneficiário da medida 4 já foi rejeitada no âmbito do exame do sexto fundamento.

175    O segundo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo a uma violação do princípio da não discriminação

176    A recorrente alega que a Comissão tratou de forma igual as situações dos três clubes de futebol profissional que são objeto da decisão recorrida, apesar de as respetivas situações divergirem consideravelmente.

177    A recorrente assinala, no que diz respeito à Fundación Hércules, que esta nunca reembolsou o empréstimo garantido pelo IVF. No que respeita à Fundación Elche, a recorrente refere que, não obstante a existência de dois avales do IVF para dois empréstimos distintos, a Comissão considerou existir no caso apenas uma medida de auxílio. Por último, nenhum dos outros dois clubes apresentou um plano de reestruturação, de investimento ou medidas compensatórias na aceção das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação.

178    Por outro lado, a recorrente compara a decisão recorrida com a Decisão (UE) 2016/1847 da Comissão, de 4 de julho de 2016, sobre o auxílio estatal SA.41612 — 2015/C [ex SA.33584 (2013/C) (ex 2011/NN)] concedido pelos Países Baixos a favor do clube de futebol profissional MVV de Maastricht (JO 2016, L 282, p. 53), sublinhando que, neste último caso, a Comissão tinha identificado uma única medida, apesar de terem sido adotadas várias medidas pelas autoridades públicas em causa. A recorrente baseia‑se também nas diferenças, nos dois processos, no que diz respeito à utilização da classificação de pequena e média empresa e à aplicação dos critérios de compatibilidade estabelecidos nas orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação.

179    A título preliminar, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 14 de abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, EU:C:2005:223, n.o 71, e jurisprudência aí referida).

180    Com o presente fundamento, a recorrente acusa a Comissão, por um lado, de ter violado o princípio da não discriminação ao autorizar, numa decisão distinta, o auxílio concedido ao clube de futebol neerlandês MVV, apesar de ter proibido os auxílios que lhe tinham sido concedidos, alegadamente nas mesmas circunstâncias, e, por outro, de ter violado o mesmo princípio ao tratar de forma igual as diferentes situações dos três clubes objeto da decisão recorrida.

181    Em primeiro lugar, quanto à discriminação resultante da diferença de tratamento concedida à recorrente na decisão recorrida e ao MVV Club na decisão acima referida no n.o 178, refira‑se que é só no quadro do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE que deve ser apreciada a legalidade de uma decisão da Comissão que declare que um novo auxílio não preenche as condições para a aplicação dessa derrogação, e não à luz da sua prática decisória anterior. O conceito de auxílio de Estado assim como as condições necessárias para garantir o regresso do beneficiário à viabilidade correspondem a uma situação objetiva que é apreciada na data em que a Comissão adota a sua decisão. Assim, as razões pelas quais a Comissão tinha feito uma apreciação diferente da situação numa decisão anterior não devem ter influência na apreciação da legalidade da decisão recorrida (Acórdãos de 17 de julho de 2014, Westfälisch‑Lippischer Sparkassen‑ und Giroverband/Comissão, T‑457/09, EU:T:2014:683, n.o 368; e de 11 de dezembro de 2014, Áustria/Comissão, T‑251/11, EU:T:2014:1060, n.o 125).

182    Daí resulta que a recorrente não pode basear‑se utilmente na solução encontrada pela Comissão na decisão acima referida no n.o 178 para daí inferir que o princípio da não discriminação foi violado. Em todo o caso, como acertadamente alega a Comissão, o MVV Club insere‑se na categoria das pequenas e médias empresas, tanto em termos da sua forma jurídica como do número dos seus empregados e do seu volume de negócios, o que o distingue da recorrente, que, de resto, não alega em juízo pertencer ela própria a essa categoria. Ora, esta simples circunstância tem impacto nos critérios de compatibilidade aplicáveis ao abrigo das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, nomeadamente na necessidade de prever medidas compensatórias. Consequentemente, a situação da recorrente e a do MVV Club não são comparáveis.

183    Em segundo lugar, no que respeita à discriminação resultante da igualdade de tratamento das situações alegadamente diferentes dos três clubes abrangidos pela decisão recorrida, há que observar que os elementos apresentados pela recorrente não são capazes de dar origem a uma diferenciação que obste a que as situações dos três clubes sejam tratadas de forma igual, havendo que lembrar que a Comissão aplica neste caso dois enquadramentos, para apurar a existência de um auxílio e, depois, para o exame da sua compatibilidade, do qual não pode, em princípio, afastar‑se sem violar precisamente o princípio da igualdade de tratamento (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 211).

184    Assim, desde logo, o facto de a Fundación Hércules, ao contrário da Fundación Valencia, não ter reembolsado o empréstimo garantido deve‑se a acontecimentos posteriores à concessão da medida de auxílio em causa. Por conseguinte, não era uma informação disponível à data em que o IVF se obrigou a garantir o empréstimo subjacente concedido à Fundación Hércules. Além disso, a recorrente não alega que essa circunstância faça parte de uma evolução previsível logo no momento da concessão da garantia em causa. Consequentemente, essa circunstância não é, enquanto tal, suscetível de obstar a que a Comissão considerasse semelhantes as situações respetivas da recorrente e do Hércules Club de Fútbol, SAD, no contexto da aplicação do teste do operador privado em economia de mercado e de acordo com os critérios especificados pela Comissão na comunicação relativa às garantias.

185    Seguidamente, a recorrente não explica de que modo o facto de a Fundación Elche ter recebido dois avales do IVF para dois empréstimos diferentes constitui um fator de diferenciação que se opõe a que seja tratada de forma igual ao Elche Club de Fútbol, SAD.

186    Por último, quanto ao exame da compatibilidade das medidas tomadas em benefício dos outros dois clubes abrangidos pela decisão recorrida, refira‑se que a Comissão teve efetivamente em conta o facto de esses clubes não terem apresentado um plano de reestruturação nem proposto medidas compensatórias, como resulta dos considerandos 113 e 118 da decisão recorrida, nos quais se observa que as condições previstas nos pontos 34 e 38 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação não foram cumpridas pelos dois clubes. Ao mesmo tempo, são tidos em conta os factos relativos à recorrente para concluir que, devido à sua insuficiência — mas não devido à sua omissão — essas condições também não estão preenchidas em relação a ela. Assim, o facto de as diferenças observadas entre as situações da recorrente e dos outros dois clubes em causa terem acabado por levar a um tratamento idêntico é objetivamente justificado.

187    Resulta do exposto que o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação no cálculo do montante do auxílio

188    A recorrente, apoiada pelo Reino de Espanha, acusa a Comissão de não ter avaliado corretamente o valor das contragarantias oferecidas pela Fundación Valencia ao IVF. Alega, assim, que o nível, a título de garantia, das suas ações detidas por essa fundação era pelo menos «normal», de acordo com a classificação da comunicação sobre as taxas de referência, o que entende ter por efeito reduzir o montante do auxílio a recuperar para menos de 6 milhões de euros. Na réplica, a recorrente refere‑se, por um lado, ao preço de compra pago pelos outros subscritores privados no seu aumento de capital em 2009 e, por outro, à avaliação efetuada pelos consultores que mandatou para efeitos deste processo, com base num método conhecido como «dos múltiplos» a partir de uma amostra de clubes apresentados como comparáveis. Acrescenta que, mesmo que essas ações fossem avaliadas exclusivamente com base nas suas demonstrações financeiras, havia que ter em conta a entrada de capital da Fundación Valencia. A recorrente remete ainda para uma série de condições suspensivas previstas no contrato de aval que se destinam a dar ao IVF uma série de garantias adicionais.

189    A Comissão alega que nada do que foi apresentado pela recorrente põe em causa as considerações feitas no considerando 93 da decisão recorrida, à luz das informações disponíveis no procedimento administrativo. A este respeito, considera que o valor das ações se tornou praticamente nulo devido às perdas do clube. Afirma ainda que só teriam sido úteis se a recorrente não estivesse em dificuldade ou tivesse uma perspetiva de recuperação credível. Entende ser irrelevante o preço pago pelos acionistas privados que subscreveram o aumento de capital de 2009, dado o contexto dessa subscrição e a provável natureza dos subscritores. Em qualquer caso, não é plausível, na opinião da Comissão, que as ações da recorrente, admitindo que o seu valor não fosse zero, cobrissem pelo menos 40 % do empréstimo, tal como exigido pela comunicação sobre as taxas de referência para que as garantias se situem a um nível «normal». A Comissão alega ainda que, sendo caso disso, se deve subtrair do valor dessas ações o valor dos ativos da recorrente já dados em garantia dos empréstimos concedidos antes do aumento de capital.

190    No caso, a Comissão esclarece o seguinte no considerando 93 da decisão recorrida no que respeita ao valor das ações da recorrente dadas de penhor ao IVF:

«[O] empréstimo [controvertido] foi garantido com o penhor das ações [do Valencia CF] adquiridas. No entanto, [o Valencia CF] estava […] em crise, ou seja, efetuava […] operações que geravam perdas e não existia qualquer plano de viabilidade fiável que demonstrasse que essas operações poderiam proporcionar lucros aos seus acionistas. Por conseguinte, as perdas do [Valencia CF] estavam incluídas no valor das [suas] próprias ações […], pelo que o valor destas ações a título de garantia de empréstimo era praticamente nulo.»

191    No âmbito deste fundamento, a recorrente contesta as conclusões da Comissão sobre o valor da contragarantia oferecida pela Fundación Valencia através do penhor das suas ações, alegando que, independentemente do método de avaliação adotado, as ações empenhadas são equivalentes, pelo menos, a um nível «normal» de garantia, na aceção da comunicação sobre as taxas de referência. Os três métodos de avaliação referidos pela recorrente nos seus articulados procedem, primeiro, por comparação com o preço de compra dos subscritores privados em 2009, segundo, por aplicação do método dos múltiplos, com base numa amostra de clubes apresentada como comparável e, terceiro, por avaliação da sua situação financeira.

192    Antes de mais, há que analisar as críticas da recorrente sobre o método de avaliação das suas ações adotado pela Comissão na decisão recorrida, que se baseia numa avaliação da sua situação financeira (v. n.o 190, supra).

193    A esse respeito, a natureza da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral sobre a apreciação, pela Comissão, do valor de uma contragarantia no âmbito do cálculo do montante exato do auxílio é idêntica à referida no n.o 59, supra.

194    Por outro lado, não há que comentar o argumento subsidiário da Comissão de que não é plausível que as ações em causa cubram pelo menos 40 % do empréstimo, uma vez que a decisão recorrida não se baseia nesse fundamento, mas sim na conclusão de que, em termos absolutos, o valor das ações é «quase nulo». Com efeito, é jurisprudência constante que uma decisão deve bastar‑se a si própria e que a sua fundamentação não pode resultar de explicações dadas posteriormente quando a decisão em causa já é objeto de recurso para o juiz da União (Acórdãos de 12 de dezembro de 1996, Rendo e o./Comissão, T‑16/91, EU:T:1996:189, n.o 45; de 12 de setembro de 2007, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T‑68/03, EU:T:2007:253, n.o 254; e de 16 de setembro de 2013, Wabco Europe e o./Comissão, T‑380/10, EU:T:2013:449, n.o 107).

195    Seguidamente, importa lembrar que as críticas da recorrente giram em torno das avaliações alegadamente erradas da Comissão sobre o impacto do aumento de capital de 2009, no montante de 92,4 milhões de euros, na sua situação financeira e, consequentemente, no valor das suas ações.

196    A título preliminar, há que lembrar que o Tribunal Geral só examina a argumentação da recorrente no que respeita à medida 4 (v. n.o 141, supra). Ora, à data da concessão da referida medida, 10 de novembro de 2010, o aumento de capital de 2009 já tinha sido decidido e as novas ações emitidas já tinham sido subscritas. Esses acontecimentos foram refletidos nas demonstrações financeiras da recorrente relativas ao exercício de 2009/2010, reproduzidas no considerando 15 da decisão recorrida, da qual resulta que, à data de encerramento, o capital social da recorrente tinha aumentado, relativamente ao exercício anterior, de 9,2 milhões de euros para 101,7 milhões de euros e os seus fundos próprios tinham aumentado de ‐33,3 milhões de euros para 57,3 milhões de euros. Além disso, o seu lucro antes de impostos tinha subido de ‐59,2 milhões de euros para 17,9 milhões de euros.

197    Do exposto deve deduzir‑se que é errada a afirmação da Comissão, contida no considerando 93 da decisão recorrida e acima reproduzida no n.o 190, de que as operações da recorrente eram deficitárias, na medida em que o exercício financeiro imediatamente anterior à concessão da medida 4 foi, precisamente, rentável.

198    Por outro lado, os fundos próprios da recorrente no encerramento do exercício de 2009/2010 eram significativos, na ordem dos 57,3 milhões de euros, de acordo com a decisão recorrida. Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral no contexto das medidas de organização do processo, a Comissão sustenta que, na data em que a medida 4 foi concedida, «as obrigações do clube excediam o seu ativo». Na medida em que isso significa que a dívida do clube excede o seu ativo total, há que considerar que essa afirmação não tem nenhum suporte e é desmentida pela própria Comissão, que na audiência admitiu que o ativo líquido do recorrente nessa data era positivo. Ainda no contexto desta resposta, a Comissão refere o facto de as perdas registadas durante o exercício de 2008/2009 representarem dois terços do montante do aumento de capital em 2009, correspondendo os fundos próprios negativos registados no final do mesmo exercício a cerca de um terço desse montante. Contudo, importa observar que essa circunstância não põe em causa a conclusão de que, no final do último exercício financeiro encerrado antes da concessão da medida 4, os fundos próprios da recorrente eram de 57,3 milhões de euros.

199    Na audiência, a Comissão insistiu no facto de a recorrente estar a operar com «prejuízo», na inexistência de um plano de reestruturação fiável e, admitindo que fosse possível tomá‑lo como base, no facto de a implementação do plano assentar, de qualquer forma, na realização de prejuízos nos primeiros quatro anos, o que justificava que as ações da recorrente fossem consideradas de valor quase nulo. Ora, há que lembrar que o exercício encerrado antes da concessão da medida 4 tinha gerado ganhos, o que, por um lado, invalida a alegação da Comissão de que a recorrente apenas realizaria «operações com prejuízo» e, por outro, relativiza a relevância das projeções anteriormente feitas no âmbito do plano de viabilidade de 2009.

200    Por último, resulta do considerando 76 da decisão recorrida que a qualificação da recorrente como empresa em dificuldade à data da concessão da medida 4 se baseia em provas mais limitadas do que as tidas em conta pela Comissão à data da concessão da medida 1, o que, aliás, a levou a só aplicar à primeira os critérios previstos no ponto 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, ao passo que considerou aplicáveis à segunda tanto o ponto 10 como o ponto 11 dessas orientações (v. n.os 64 e 65, supra). Assim, enquanto a Comissão se baseou na existência de prejuízos, na descida do volume de negócios, nos fundos próprios negativos e no nível de endividamento da recorrente para concluir que esta se encontrava em dificuldade à data da concessão da medida 1, só este último fator e «ganhos praticamente nulos» apoiam a conclusão da Comissão relativamente à situação da recorrente à data da concessão da medida 4.

201    Em face do exposto, há que considerar que os elementos em que se baseiam as conclusões da Comissão no considerando 93 da decisão recorrida quanto ao valor «praticamente nulo» das ações da recorrente à data da concessão da medida 4 são parcialmente incorretos, na medida em que o exercício financeiro anterior a essa concessão era positivo. Há que considerar igualmente que, ao recorrer no referido considerando 93 a razões comuns às medidas 1 e 4 para concluir que o valor das ações da recorrente era «praticamente nulo», sem ter em conta os fatores relevantes da existência de fundos próprios significativos e da realização de lucro antes de impostos no exercício anterior à concessão da medida 4, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

202    O argumento da Comissão de que se deveria subtrair ao valor das ações da recorrente o valor dos seus ativos já dados em garantia no âmbito de empréstimos que lhe foram anteriormente concedidos é inadequado para pôr em causa esta conclusão. Primeiro, importa observar que se trata de um fundamento novo em face dos que constam da decisão recorrida, que, como tal, não pode sanar as lacunas dessa decisão acima referidas (v. jurisprudência acima lembrada no n.o 194). Segundo, e em qualquer caso, a Comissão não explica por que razão se deve estabelecer uma relação tão estreita entre o valor dos ativos da recorrente dados em garantia e o valor das ações dadas em penhor. Em terceiro lugar, os empréstimos a que estão associadas tais garantias já são, por hipótese, tidos em conta nos dados financeiros da recorrente reproduzidos no considerando 15 da decisão recorrida e nos quais a Comissão se baseia para chegar às suas conclusões sobre o valor das ações em causa.

203    Assim, e sem necessidade de examinar os outros argumentos da recorrente, há que julgar procedente o terceiro fundamento, na medida em que a apreciação da Comissão sobre o valor das suas ações dadas em penhor assenta numa inexatidão material e está ferida de erro manifesto.

204    Em face desta conclusão e no interesse da economia processual, não é necessário examinar os quarto e quinto fundamentos nem a segunda parte do sexto fundamento, que se referem a uma fase posterior da análise e pressupõem que as características do aval controvertido foram corretamente determinadas.

205    Por outro lado, embora resulte claramente do terceiro fundamento que se refere apenas ao cálculo do montante da medida de auxílio em causa e não à própria existência desse auxílio, refira‑se, ao mesmo tempo, que o caráter manifestamente errado da apreciação feita pela Comissão do valor da contragarantia oferecida ao IVF, tal como apurado pelo Tribunal Geral, pode ter influência na qualificação da medida em causa como auxílio de Estado, tendo em conta a condição da vantagem. Com efeito, não se pode excluir a possibilidade de, ao proceder a um reexame do valor da contragarantia oferecida, a Comissão seja levada a fazer uma nova apreciação da natureza da medida 4 como auxílio de Estado. A esse respeito a determinação do valor das ações da recorrente dadas em penhor tem uma importância essencial na sistemática geral da decisão recorrida (v., por analogia, Acórdão de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, EU:T:2005:221, n.os 319 e 320).

206    Por conseguinte, há que anular a decisão recorrida na parte que diz respeito às medidas 1 e 4 concedidas à recorrente.

 Quanto às despesas

207    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, deve ser condenada a suportar as suas próprias despesas e da recorrente, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias no Tribunal Geral, de acordo com o pedido da recorrente.

208    De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

declara e decide:

1)      A Decisão (UE) 2017/365 da Comissão, de 4 de julho de 2016, relativa a auxílios estatais SA.36387 (2013/C) (ex 2013/NN) (ex 2013/CP) concedidos pela Espanha ao Valencia Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva, ao Hércules Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva e ao Elche Club de Fútbol Sociedad Anónima Deportiva, é anulada na parte que respeita ao Valencia Club de Fútbol, SAD.

2)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas do Valencia Club de Fútbol, incluindo as do processo de medidas provisórias no Tribunal Geral.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Kanninen

Schwarcz

Iliopoulos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de março de 2020.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

Sobre a admissibilidade do recurso, na parte que remete para o anexo A.2

Quanto à admissibilidade da argumentação desenvolvida no anexo A.2

Quanto à admissibilidade do oitavo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo, em substância, a erros manifestos de apreciação na caracterização de uma vantagem

– Quanto ao alcance do primeiro fundamento e à sua admissibilidade na parte relativa à medida 4

– Quanto à primeira parte, relativa a erro manifesto da Comissão ao qualificar a recorrente de empresa em dificuldade

– Quanto à segunda parte, relativa a erro manifesto da Comissão ao considerar que a medida 1 cobria mais de 80 % do empréstimo subjacente

– Quanto à terceira parte, relativa a erro manifesto da Comissão ao considerar que a medida 1 não fora concedida a um preço de mercado

– Conclusões sobre o primeiro fundamento e sobre o alcance da anulação

Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro na identificação do beneficiário do alegado auxílio

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação no exame da compatibilidade dos alegados auxílios

Quanto ao sétimo fundamento, relativo a uma violação do princípio da não discriminação

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação no cálculo do montante do auxílio

Quanto às despesas


*      Língua do processo: espanhol.