Language of document : ECLI:EU:T:2021:822

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

24 de novembro de 2021 (*)

«Função pública — Pessoal do BEI — Estado de saúde — Aptidão para trabalhar — Faltas injustificadas — Recurso de anulação — Conceito de invalidez — Competência de plena jurisdição — Litígios de caráter pecuniário — Pagamento retroativo da pensão de invalidez — Ação de indemnização»

No processo T‑370/20,

KL, representado por L. Levi e A. Champetier, advogadas,

recorrente,

contra

Banco Europeu de Investimento (BEI), representado por G. Faedo e M. Loizou, na qualidade de agentes, assistidos por A. Duron, advogada,

recorrido,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 270.o TFUE e do artigo 50.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e destinado, em primeiro lugar, à anulação das Decisões do BEI de 8 de fevereiro e 8 de março de 2019 que declaram o recorrente apto para o trabalho e em falta injustificada desde 18 de fevereiro de 2019 e, na medida do necessário, da Decisão do presidente do BEI de 16 de março de 2020 que as confirma, em segundo lugar, à condenação do BEI no pagamento retroativo da pensão de invalidez do recorrente desde 1 de fevereiro de 2019 e, em terceiro lugar, à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente, na sequência das decisões.

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, P. Nihoul (relator) e R. Frendo, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        De 1997 a 2001, o recorrente, KL, trabalhou como consultor informático para o Banco Europeu de Investimento (BEI).

2        A partir de 1 de setembro de 2001, foi contratado pelo BEI ao abrigo de um contrato por tempo indeterminado.

3        Após vários períodos de ausência do recorrente, o BEI, por carta de 22 de maio de 2017, informou‑o de que A, médico assessor do BEI em matéria de incapacidade, tinha recomendado que fosse colocado em situação de incapacidade temporária parcial (equivalente a 50 %) durante um período de seis meses a contar de 1 de junho de 2017.

4        Por carta de 1 de junho de 2017, o recorrente contestou a recomendação de A e pediu um procedimento de arbitragem médica para avaliar a sua alegada incapacidade total para retomar as suas funções no BEI.

5        Por carta dirigida ao recorrente em 9 de outubro de 2017, o BEI precisou que o procedimento pedido era o previsto no artigo 4.o do anexo X das disposições administrativas aplicáveis ao pessoal do BEI, adotadas em execução do Regulamento do Pessoal do BEI (a seguir «disposições administrativas»), e informou‑o de que tinha designado B, enquanto médico independente, para o levar a cabo.

6        Em 18 de outubro de 2017, o recorrente reuniu‑se com B, que confirmou o parecer de A e comunicou a sua conclusão ao BEI e ao recorrente, respetivamente, em 29 de novembro e 11 de dezembro de 2017.

7        Por carta de 14 de dezembro de 2017, o BEI informou o recorrente de que estavam em curso discussões para permitir o seu regresso ao trabalho a tempo parcial durante um período de três meses num posto diferente daquele que ocupava, entendendo‑se que, entre 1 de janeiro de 2018 e a sua reintegração, estaria dispensado de se apresentar no BEI.

8        Por faxe de 28 de dezembro de 2017, o advogado do recorrente alegou que o procedimento que devia ter sido aplicado não era o da arbitragem médica, previsto no artigo 4.o do anexo X das disposições administrativas, mas o da comissão de invalidez, previsto no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento transitório do regime de pensões aplicável aos membros do pessoal do BEI (a seguir «RTRP»). Por conseguinte, contestou as conclusões que esta pretendia retirar da arbitragem médica.

9        Por faxe de 19 de janeiro de 2018, o advogado do recorrente solicitou ao BEI que iniciasse o procedimento perante a comissão de invalidez nos termos do artigo 11.o, n.o 3, das disposições administrativas e do artigo 13.o, n.o 1, do RTRP.

10      Por carta de 7 de fevereiro de 2018, o BEI aceitou o pedido do recorrente e convidou‑o a designar um médico para o representar na comissão de invalidez e a comunicar o relatório deste último até 16 de fevereiro de 2018, entendendo‑se que, até que a comissão de invalidez emitisse o seu parecer, seria considerado em situação de incapacidade temporária total.

11      Por faxe de 28 de março de 2018, o advogado do recorrente informou o BEI de que o seu cliente tinha designado o seu médico assistente, C, para o representar na comissão de invalidez e que todos os documentos médicos relativos ao problema colocado seriam comunicados a esta comissão, logo que fosse constituída.

12      Por faxe de 24 de abril de 2018, o advogado do recorrente enviou ao BEI, nomeadamente, um relatório de C relativo às questões médicas contestadas e destinado à comissão de invalidez.

13      Por carta de 26 de outubro de 2018, o BEI informou o recorrente de que a comissão de invalidez era composta por C, médico representante do recorrente, A, médico representante do BEI, e D, médico nomeado de comum acordo pelos dois primeiros, que presidiria à comissão de invalidez em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, do RTRP. Além disso, o BEI convidou o recorrente a apresentar‑se perante a comissão de invalidez em 9 de novembro de 2018.

14      Por faxe de 2 de novembro de 2018, o advogado do recorrente declinou este convite devido ao estado de saúde do seu cliente.

15      Por carta de 6 de novembro de 2018, o BEI indicou ao advogado do recorrente que o estado de saúde do seu cliente não constituía uma contraindicação para a sua presença perante a comissão de invalidez, que, de resto, estava reunida para avaliar esse estado de saúde a pedido do referido cliente.

16      Por carta de 14 de novembro de 2018, o BEI convocou o recorrente para uma reunião em 21 de novembro de 2018 apenas com o Dr. D, presidente da comissão de invalidez, à qual o recorrente compareceu.

17      Como resulta do n.o 15 da tréplica, em 21 de dezembro de 2018, o BEI recebeu de D um documento assinado por este, com data de 18 de dezembro anterior e intitulado «Conclusão da [comissão] de invalidez de 9/11/2018». O seu teor era o seguinte:

«Devido à sua perturbação psíquica, [KL] está inapto a regressar ao seu último posto de trabalho e à sua antiga entidade patronal. É, portanto, inválido para efeitos de funções no BEI, mas não inválido para o mercado geral de trabalho. A [comissão] de invalidez foi unânime a este respeito.»

18      Além disso, resulta do n.o 16 da tréplica que, paralelamente, D comunicou ao serviço médico um relatório completo, igualmente datado de 18 de dezembro de 2018 e intitulado «Peritagem médica no âmbito da [comissão] de invalidez de 9/11/2018». Este relatório continha a mesma conclusão que o documento intitulado «Conclusão da [comissão] de invalidez de 9/11/2018».

19      Em 27 de dezembro de 2018, o recorrente enviou um recordatório ao BEI relativamente ao parecer da comissão de invalidez. Este respondeu que ainda não tinha recebido esse parecer.

20      Por carta de 8 de fevereiro de 2019, o BEI informou o advogado do recorrente de que, no dia 23 de janeiro anterior, a comissão de invalidez lhe tinha comunicado a sua decisão, adotada por unanimidade, segundo a qual o seu cliente não era inválido, e pediu‑lhe que retomasse o trabalho a partir de 18 de fevereiro seguinte, após ter contactado o Serviço dos recursos humanos e do bem‑estar para discutir as condições da sua reintegração. A esta carta foram anexados três formulários, intitulados «Invalidity committee decision» (decisão do comité de invalidez), nos quais tinha sido assinalado o quadrado «not invalid» (não inválido). Dois destes formulários estavam datados de 16 de janeiro de 2019 e o terceiro de 23 de janeiro seguinte (a seguir «formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019»). Nessa mesma carta de 8 de fevereiro de 2019, o BEI acrescentou que o seu serviço médico tinha recebido um documento suplementar de D, que poderia ser entregue ao recorrente mediante pedido.

21      A decisão constante dessa carta de 8 de fevereiro de 2019 (a seguir «Decisão de 8 de fevereiro de 2019»), na parte em que declara o recorrente apto para o trabalho e em falta injustificada desde 18 de fevereiro de 2019, constitui a primeira decisão impugnada no âmbito do presente recurso.

22      Por faxe de 14 de fevereiro de 2019, o advogado do recorrente solicitou ao BEI que lhe enviasse o parecer fundamentado da comissão de invalidez, referida no artigo 15.o, n.o 3, do RTRP.

23      Por carta de 8 de março de 2019, o BEI comunicou ao advogado do recorrente o documento, mencionado no n.o 17, supra, intitulado «Conclusão da [comissão] de invalidez de 9/11/2018», explicando que o tinha interpretado no sentido de que sugeria um acordo segundo o qual o recorrente teria de deixar definitivamente o BEI tendo como contrapartida o pagamento de uma quantia em dinheiro. Tal acordo teria sido possível no sistema de segurança social luxemburguês, mas não no quadro jurídico do BEI.

24      Consequentemente, na mesma carta, o BEI repetiu que, em aplicação da decisão da comissão de invalidez que o declarou não inválido, o recorrente deveria ter retomado o serviço em 18 de fevereiro de 2019. Acrescentou que a sua ausência seria considerada injustificada em conformidade com o artigo 3.4.o do anexo X das disposições administrativas, pelo que os dias em que não tinha trabalhado seriam deduzidos das suas férias anuais.

25      A decisão constante desta carta de 8 de março de 2019, na parte em que declara o recorrente apto para o trabalho e em falta injustificada desde 18 de fevereiro de 2019 (a seguir «Decisão de 8 de março de 2019»), constitui a segunda decisão impugnada no âmbito do presente recurso.

26      Por faxe de 29 de março de 2019 dirigido ao BEI, o advogado do recorrente contestou as Decisões de 8 de fevereiro e 8 de março de 2019. A este faxe foi anexado um atestado médico de C, de 15 de março de 2019, no qual este afirmava que «o parecer unânime [da comissão] de invalidez, emitido nas suas conclusões de 9 de novembro de 2018, [era] que [o recorrente era] inválido quanto a um eventual regresso ao trabalho no BEI» e que, se tivesse compreendido corretamente o formulário entregue ao BEI, «teria assinalado a quadrícula “invalid” em referência ao BEI».

27      Por carta enviada em 2 de maio de 2019 ao advogado do recorrente, o BEI confirmou as suas Decisões de 8 de fevereiro e 8 de março anteriores.

28      Em 16 de maio de 2019, após ter feito ele próprio o pedido, o recorrente recebeu de D o documento intitulado «Peritagem médica no âmbito d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», bem como um postit assinado que clarificava que a decisão da comissão de invalidez era efetivamente declará‑lo «inválido para efeitos de funções no BEI».

29      Em 8 de junho de 2019, o recorrente solicitou a abertura de um procedimento de conciliação ao abrigo do artigo 41.o do Regulamento do Pessoal do BEI (a seguir «Regulamento do Pessoal»). Este pedido visava a Decisão de 8 de março de 2019, na medida em que esta confirmava a Decisão de 8 de fevereiro de 2019, no que dizia respeito à declaração de falta injustificada ao trabalho a partir de 18 de fevereiro de 2019 e aplicou o artigo 3.4.o do anexo X das disposições administrativas, deduzindo os seus dias de falta injustificada das suas férias anuais.

30      Por carta de 25 de julho de 2019, o BEI manifestou o seu acordo quanto à abertura do referido procedimento.

31      A partir de 1 de agosto de 2019, o recorrente deixou de receber a sua remuneração, tendo‑se esgotado os dias de férias a que tinha direito.

32      Em 12 de setembro de 2019, o médico C explicou, numa carta dirigida ao recorrente, que, num primeiro momento, tinha assinalado a quadrícula «invalid» (inválido) mas que, na sequência de um contacto com o BEI, lhe foi indicado que os outros dois médicos tinham assinalado a quadrícula «not invalid» (não inválido) e que devia fazer o mesmo, pelo que alterou a sua resposta para «not invalid», pensando que o formulário servia para indicar que o recorrente não era inválido para o mercado geral de trabalho.

33      Numa mensagem de correio eletrónico de 18 de setembro de 2019, D escreveu ao recorrente:

«O BEI encarregou‑me de uma missão que considero ter efetuado. A conclusão dos três médicos do comité de peritagem foi a de invalidez relativamente ao último local de trabalho, ou seja, o BEI, mas não de invalidez em relação ao mercado geral de trabalho, o que não é sinónimo de aptidão para retomar o trabalho no BEI. Os três médicos foram de opinião de que já não pode regressar ao BEI. Tal foi claramente indicado no meu relatório pericial e na conclusão [da comissão] de invalidez (que inclui apenas, por razões de sigilo médico, a última frase do relatório de peritagem e não do diagnóstico médico: o relatório pericial foi enviado apenas ao médico do BEI). Enviei a V. Exa. estes dois documentos.

Não vejo em que medida posso ser ainda mais preciso. Se a administração do BEI interpreta este relatório e esta conclusão à sua maneira, é a nível jurídico que deve ser clarificado com eles. Segundo a peritagem, V. Exa. é inválido para efeitos do último local de trabalho.»

34      Por mensagem de correio eletrónico de 27 de novembro de 2019, o advogado do recorrente alegou junto da comissão de conciliação que o BEI tinha cometido um erro na aplicação das conclusões da comissão de invalidez ao interpretar incorretamente o seu próprio conceito de invalidez, tal como estabelecido no artigo 46.o, n.o 1, do RTRP, segundo o qual a invalidez devia ser avaliada em relação ao posto ocupado pelo funcionário do BEI em causa.

35      Em 20 de janeiro de 2020, o presidente da comissão de conciliação informou o presidente do BEI de que o procedimento de conciliação tinha falhado.

36      Por carta de 16 de março de 2020, o BEI declarou o fracasso do procedimento de conciliação e comunicou as conclusões desta comissão ao recorrente. A decisão contida nessa carta, na medida em que regista as conclusões da comissão de conciliação e, por conseguinte, confirma as Decisões de 8 de fevereiro e 8 de março de 2019, é impugnada na medida do necessário no presente recurso.

37      Entre 18 de fevereiro de 2019 e 28 de dezembro de 2020, o recorrente apresentou diferentes atestados médicos para justificar as suas faltas ao trabalho.

38      Em 12 de junho, 18 de julho, 13 de agosto, 25 de setembro, 28 de outubro, 14 de novembro, 18 de dezembro de 2019 e 15 e 25 de fevereiro de 2020, o BEI convocou o recorrente para controlos médicos que deviam ter lugar, respetivamente, em 18 de junho, 8 de agosto, 27 de agosto, 2 de outubro, 4 de novembro, 25 de novembro, 23 de dezembro de 2019 e 3 e 28 de fevereiro de 2020.

39      O recorrente, por intermédio do seu advogado, recusou submeter‑se a estes controlos e transmitiu atestados médicos para justificar a sua incapacidade de se apresentar ao trabalho.

 Tramitação processual e pedidos das partes

40      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de junho de 2020, o recorrente interpôs o presente recurso.

41      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, o recorrente apresentou um pedido de anonimato. O Tribunal Geral deferiu este pedido por decisão de 21 de julho de 2020.

42      A contestação, a réplica e a tréplica foram apresentadas, respetivamente, em 17 de setembro de 2020, 25 de novembro de 2020 e 19 de janeiro de 2021.

43      Em 26 de abril de 2021, o recorrente apresentou provas suplementares nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

44      Em 27 de abril de 2021, sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, solicitou às partes que apresentassem determinados documentos e colocou‑lhes questões escritas convidando‑as a responder‑lhes por escrito. As partes responderam a esses pedidos no prazo fixado.

45      Na audiência de 24 de junho de 2021, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.

46      Na audiência, o Tribunal Geral pediu, por um lado, ao BEI que apresentasse novos documentos e que respondesse a várias questões e, por outro, ao recorrente que apresentasse as suas observações sobre as respostas que seriam dadas pelo BEI, o que ambas as partes fizeram nos prazos fixados.

47      A fase oral do processo foi encerrada a 29 de julho de 2021.

48      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular as Decisões de 8 de fevereiro e de 8 de março de 2019 na parte em que o declaram apto para o trabalho e em falta injustificada desde 18 de fevereiro de 2019;

–        na medida do necessário, anular a Decisão do presidente do BEI de 16 de março de 2020, na parte que confirma as conclusões da Comissão de Conciliação e, consequentemente, as Decisões de 8 de fevereiro e 8 de março de 2019;

–        por conseguinte, condenar o BEI no pagamento retroativo da pensão de invalidez devida, em princípio, desde 1 de fevereiro de 2019, até integral pagamento, sendo os juros de mora fixados à taxa de juro do Banco Central Europeu (BCE), acrescida de dois pontos percentuais;

–        condenar o BEI no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente;

–        condenar o BEI na totalidade das despesas.

49      O BEI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso parcialmente inadmissível;

–        negar integralmente provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente na totalidade das despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao pedido de anulação

50      Em apoio do seu pedido de anulação, o recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro é relativo a uma violação dos artigos 46.o‑1, e 48.o‑1, do RTRP e dos artigos 11.o, n.os 1 e 3, das disposições administrativas, bem como a um erro manifesto de apreciação, ao passo que o segundo é relativo a uma violação do dever de solicitude.

51      Com o primeiro fundamento, o recorrente alega, nomeadamente, que, ao considerar, nas Decisões de 8 de fevereiro e de 8 de março de 2019, confirmadas pela de 16 de março de 2020 (a seguir «decisões impugnadas»), que estava apto para o trabalho e em ausência injustificada desde 18 de fevereiro de 2019, o BEI, por um lado, violou os artigos 46.o‑1 e 48.o‑1 do RTRP e os artigos 11.o, n.os 1 e 3, das disposições administrativas e, por outro, cometeu um erro manifesto de apreciação.

52      Segundo o recorrente, estas ilegalidades decorrem do facto de a comissão de invalidez o ter declarado inválido para efeitos de funções no BEI em dois documentos, intitulados, respetivamente, «Peritagem médica no âmbito d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018» e «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018».

53      A posição formulada pela comissão de invalidez nestes dois documentos foi corroborada, por um lado, pelo atestado de C de 12 de setembro de 2019 e, por outro, pela mensagem de correio eletrónico de D de 18 de setembro de 2019.

54      Segundo o recorrente, para ser declarado inválido na aceção do artigo 46.o‑1 do RTRP, basta que o agente ou funcionário seja inválido para efeitos de funções no BEI sem que seja declarada uma invalidez para efeitos do mercado geral de trabalho.

55      Pelo contrário, o BEI considera que o parecer da comissão de invalidez não assenta nos documentos citados pelo recorrente, mas nos formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019, nos quais os três membros da comissão de invalidez assinalaram a quadrícula «not invalid» (não inválido). No seu conjunto, estes três formulários constituiriam o parecer que a comissão de invalidez era obrigada a remeter‑lhe nos termos do artigo 15.o‑4 do RTRP.

56      O BEI alega que resulta do parecer da comissão de invalidez, considerando o recorrente «não inválido», que este deveria ter retomado as suas funções no BEI em 18 de fevereiro de 2019 e, não o fazendo, ser considerado em situação de falta injustificada a partir dessa data, como este lhe indicou nas Decisões de 8 de fevereiro e de 8 de março de 2019.

57      Segundo o BEI, o RTRP apenas reconhece um tipo de invalidez, a saber, uma invalidez no mercado geral de trabalho, e não uma invalidez que existiria apenas para efeitos do BEI.

 Quanto aos documentos que constituem o parecer da comissão de invalidez

58      Como resulta dos n.os 52, 53 e 55, supra, as partes estão em desacordo quanto aos documentos a ter em conta para determinar se, segundo a comissão de invalidez, o recorrente era ou não inválido.

59      No caso em apreço, resulta dos n.os 17, 18 e 20, supra, que, no momento da adoção das Decisões de 8 de fevereiro e de 8 de março de 2019, o BEI dispunha:

–        do documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», recebido em 21 de dezembro de 2018;

–        dos formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019, recebidos em janeiro de 2019;

–        do relatório intitulado «Peritagem médica no âmbito d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», que tinha sido dirigido, em 18 de dezembro de 2018, ao serviço médico do BEI, que, como indicado na Decisão de 8 de março de 2019, comunicou o seu conteúdo à administração do BEI sem divulgar dados pessoais sensíveis; a conclusão mencionada na parte inferior deste documento coincidia com a que figura no documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018».

60      Nos seus articulados, o BEI considera que, desses documentos, só os formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019 podiam ser tidos em conta, por quatro razões.

61      Em primeiro lugar, esses formulários constituíam o único documento oficial autêntico contendo o parecer da comissão de invalidez, em conformidade com o artigo 15.o‑4 do RTRP.

62      Em segundo lugar, os referidos formulários eram posteriores ao documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018».

63      Em terceiro lugar, os formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019 foram assinados pelos três membros da comissão de invalidez, ao passo que o documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018» foi assinado apenas por D.

64      Em quarto lugar, o título deste último documento continha uma data enganosa, na medida em que o recorrente não tinha sido examinado pela comissão de invalidez em 9 de novembro de 2018.

65      No que diz respeito ao primeiro argumento do BEI, importa salientar que este último não elaborou nenhum regulamento ou disposição internos a partir do qual resulte que o parecer da comissão de invalidez comunicado à sua administração nos termos do artigo 15.o‑4 do RTRP tenha de ser obrigatoriamente expresso num formulário como os de 16 e 23 de janeiro de 2019. Nestas condições, não se pode considerar que estes formulários constituíam o único documento oficial emanado da comissão de invalidez que o BEI estava autorizado a ter em conta para declarar o recorrente inválido.

66      Quanto ao segundo argumento do BEI, importa salientar que a anterioridade do documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018» relativamente aos formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019 não constituía um obstáculo à sua tomada em consideração, uma vez que o seu teor não foi infirmado pelos membros da comissão de invalidez quando preencheram esses formulários. Se os membros da comissão de invalidez tivessem pretendido rever a apreciação formulada no primeiro documento, ou matizá‑la, ter‑lhes‑ia bastado apor nos referidos formulários indicações nesse sentido.

67      Quanto ao terceiro argumento do BEI, há que observar que, embora o documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018» esteja efetivamente assinado apenas pelo doutor D, o mesmo faz referência à comissão de invalidez no seu conjunto e indica sob este título «Composição d[a comissão]: Dr [C], Dr [A], Dr [D]». Ora, segundo o artigo 15.o‑2 do RTRP, a comissão de invalidez regula ela própria o seu procedimento. Na falta de uma disposição apresentada pelo BEI, da qual resulte que o parecer da comissão de invalidez devia ser assinado por cada um dos seus membros, este documento não poderá, portanto, ser afastado pelo facto de só ser assinado pelo presidente da comissão de invalidez, podendo este ser mandatado pelos outros membros para o elaborar. O BEI não apresentou nenhum elemento que indique que os membros da comissão de invalidez, que não o seu presidente, se distanciaram do conteúdo desse documento e do relatório de peritagem médica.

68      Quanto ao quarto argumento do BEI, importa salientar que a data de 9 de novembro de 2018 que figura no título do referido documento não pode levar a que seja afastado por o recorrente não se ter apresentado perante a comissão de invalidez nessa data.

69      Com efeito, para a determinação da eventual invalidez do recorrente, só tem de ser tida em conta a realidade das constatações efetuadas por cada membro da comissão de invalidez quanto ao seu estado de saúde e à existência de uma maioria ou unanimidade nessa comissão para sustentar a conclusão a que chegou.

70      Ora, nenhum destes elementos foi posto em causa no Tribunal Geral. Por um lado, resulta dos autos que o processo médico do recorrente foi estudado pelos três membros da comissão de invalidez e que D se encontrou com o recorrente em 21 de novembro de 2018. Por outro lado, a existência de um acordo no seio desta comissão para considerar que o recorrente era inválido para efeitos de funções no BEI, mas não em relação ao mercado geral de trabalho, não é contestada pelas partes.

71      Nestas condições, o documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018» não pode ser afastado pelo facto de a data que aí figura não ser aquela em que o recorrente foi examinado pela comissão de invalidez.

72      Tanto mais que essa data não está necessariamente incorreta, uma vez que o presidente da comissão de invalidez pôde, nas circunstâncias indicadas no n.o 70, supra, estabelecer já em 9 de novembro de 2018 a existência de uma maioria em apoio da conclusão que ele próprio confirmou em 21 de novembro de 2018, após ter examinado o recorrente.

73      Assim, importa rejeitar os argumentos invocados pelo BEI em apoio da sua posição segundo a qual apenas os formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019 deviam ser tidos em conta para determinar o conteúdo do parecer da comissão de invalidez e, portanto, apreciar a legalidade das decisões impugnadas. Consequentemente, estas apreciações devem basear‑se nos referidos formulários e no documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», o qual foi confirmado pelo documento intitulado «Peritagem médica no âmbito d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018».

 Quanto ao conteúdo do parecer da comissão de invalidez

74      Tendo sido identificados os documentos a ter em conta, importa determinar o conteúdo do parecer da comissão de invalidez.

75      Resulta do documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», recebido em 21 de dezembro de 2018 pela administração do BEI, que, para os três membros da comissão de invalidez, o recorrente já não podia exercer funções no BEI, mas que ainda era capaz de exercer uma atividade profissional fora deste.

76      Esta posição corresponde à expressa na parte inferior do documento intitulado «Peritagem médica no âmbito d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», que foi transmitido em 18 de dezembro de 2018 ao serviço médico do BEI, o qual, como este escreveu em 8 de março de 2019, comunicou esse facto à sua administração, omitindo os dados pessoais sensíveis.

77      O parecer da comissão de invalidez, assim formulado, não está em contradição com a posição adotada pelos três membros desta comissão nos formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019.

78      Com efeito, resulta da Decisão de 8 de março de 2019, do n.o 75 da contestação e das declarações que foram feitas pelo BEI na audiência que, entre a comunicação dos dois documentos mencionados nos n.os 75 e 76, supra, e a transmissão dos formulários de 16 e 23 de janeiro de 2019, houve contactos informais entre o BEI e, pelo menos, o presidente da comissão de invalidez. Na sequência destes contactos, os seus membros puderam considerar que, não sendo o recorrente inválido para efeitos do mercado geral de trabalho, havia que assinalar o quadrado «not invalid», uma vez que era essa a conceção da invalidade sustentada pelo BEI.

79      Contra esta posição, o BEI alega que, ao indicar no documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018» que o recorrente era inválido para efeitos do BEI, mas não para o mercado geral de trabalho, o presidente da comissão de invalidez tinha sugerido, na realidade, uma forma de acordo financeiro existente no direito nacional, que teria permitido ao recorrente abandonar a instituição com um determinado montante em dinheiro.

80      Além do facto de não estar provada, esta alegação diz respeito às razões que incitaram o presidente da comissão de invalidez a afirmar, no referido documento, que o recorrente podia exercer uma atividade profissional no mercado geral de trabalho mesmo que doravante passasse a estar incapacitado para trabalhar no BEI, mas não põe em causa a própria afirmação.

81      Por conseguinte, para apreciar a legalidade das decisões impugnadas, há que ter em conta que, segundo o parecer da comissão de invalidez, o recorrente já não podia exercer funções no BEI, mas ainda era capaz de exercer uma atividade profissional no mercado geral de trabalho.

 Quanto ao conceito de invalidez utilizado no artigo 46.o1 do RTRP e no artigo 11.1.o das disposições administrativas

82      O recorrente considera que, sendo incapaz de trabalhar no BEI, devia ter sido declarado inválido por este, ao passo que, segundo o BEI, o conceito de invalidez exclui que uma pessoa esteja ainda em condições de trabalhar fora desse organismo.

83      A este respeito, importa salientar que, nos termos do artigo 46.o‑1 do RTRP e do artigo 11.1.o das disposições administrativas, um agente é considerado inválido se, em consequência de doença, acidente ou enfermidade, se encontrar física ou mentalmente incapaz, de forma devidamente reconhecida, para desempenhar permanentemente «a sua função ou outra função de nível equivalente».

84      Resulta destas disposições que a invalidez de um agente do BEI deve ser avaliada tendo em conta a sua capacidade de retomar «a sua função ou outra função de nível equivalente».

85      Ao contrário do que afirma o BEI, as «outras funções de nível equivalente» que o recorrente também deve ser incapaz de desempenhar, na aceção do artigo 46.o‑1 do RTRP e do artigo 11.1.o das disposições administrativas, tinham de ser internas ao BEI.

86      Com efeito, em primeiro lugar, o artigo 46.o‑1 do RTRP e o artigo 11.1.o das disposições administrativas devem ser interpretados, quanto a este ponto, por analogia com o artigo 78.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), segundo o qual «o funcionário tem direito a um subsídio de invalidez quando atingido por invalidez permanente considerada total e que o coloque na impossibilidade de exercer funções correspondentes a um lugar do seu grupo de funções».

87      Da mesma forma que o artigo 78.o do Estatuto remete para os grupos de funções definidos no artigo 5.o e no anexo I do Estatuto, que são próprios da organização das instituições europeias, há que considerar que o artigo 46.o‑1 do RTRP e o artigo 11.1.o das disposições administrativas remetem para a classificação das funções internas do BEI, estabelecida pelo artigo 14.o do Regulamento do Pessoal.

88      O artigo 14.o do Regulamento do Pessoal identifica quatro categorias de pessoas, nomeadamente, pessoal de direção, pessoal de conceção, pessoal executivo e jovens licenciados, e, dentro destas categorias, diferentes níveis de funções, nomeadamente, quadros de funções e função C para o pessoal de direção, funções D, E e F para o pessoal de conceção e funções G, H, I e K para o pessoal executivo.

89      Desta remissão para a organização do trabalho estabelecida pelo artigo 14.o do Regulamento do Pessoal, resulta que é em relação ao BEI, e às funções que aí se encontram exercidas, que deve ser definido o conceito de invalidez que figura no artigo 46.o‑1 do RTRP e no artigo 11.1.o das disposições administrativas.

90      Em segundo lugar, importa salientar que as comissões de invalidez instituídas pelo BEI constituem órgãos deste (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 11 de abril de 2006, Angeletti/Comissão, T‑394/03, EU:T:2006:111, n.o 159) e não dispõem, portanto, no plano jurídico, de competência para apreciar a capacidade do pessoal do BEI para exercer funções profissionais fora deste organismo.

91      As referidas comissões dispõem, no plano jurídico, da competência para se pronunciarem sobre a capacidade do pessoal do BEI para trabalhar na instituição. Em contrapartida, não têm competência quando se trata de avaliar a capacidade de uma pessoa, mesmo membro do pessoal do BEI, para trabalhar para outra instituição da União Europeia ou, no âmbito do mercado nacional, para uma empresa ou uma administração dos Estados‑Membros. Para se pronunciar sobre a capacidade destas pessoas para trabalhar fora do BEI, cabe a comissões, constituídas pelas outras instituições ou pelas autoridades nacionais, examinar a pessoa em causa.

92      Assim, não se pode pensar que os pareceres emitidos por uma comissão de invalidez constituída pelo BEI possam vincular as comissões da mesma natureza que são constituídas pelas outras instituições ou pelas autoridades nacionais nos países em que o pessoal do BEI pode em seguida exercer atividades.

93      Ao pronunciar‑se sobre a capacidade do recorrente para exercer atividades no mercado geral de trabalho, a comissão de invalidez instituída no presente processo usurpou a competência dessas comissões, criando assim um risco de contradição entre a sua apreciação da capacidade do recorrente para trabalhar no mercado geral de trabalho e as que poderiam ser emitidas posteriormente pelas comissões de invalidez constituídas pelas outras instituições ou pelas autoridades nacionais.

94      Em terceiro lugar, importa salientar que, nos termos do artigo 51.o‑1 do RTRP, a pensão por invalidez é reduzida se a pessoa inválida exercer uma atividade lucrativa, na medida em que a soma da pensão por invalidez, das pensões dos filhos e dos rendimentos dessa atividade exceda o montante da remuneração líquida correspondente ao escalão e à função que o segurado tinha com a mesma base familiar do momento em que foi declarado inválido.

95      Resulta desta disposição que a regulamentação aplicável ao BEI admite a possibilidade de um agente declarado inválido no âmbito deste último poder exercer uma atividade lucrativa fora deste organismo, desde que a totalidade dos seus diferentes rendimentos não exceda a remuneração líquida que auferia quando trabalhava no BEI.

96      Na audiência, o BEI sustentou que esta possibilidade estava limitada ao exercício de atividades que não podiam ser consideradas equivalentes às que o agente exercia neste organismo. Na sua opinião, o conceito de invalidez que figura no artigo 46.o‑1 do RTRP e no artigo 11.1.o das disposições administrativas deve ser entendido no sentido de que significa a incapacidade de exercer, dentro ou fora deste organismo, uma atividade idêntica ou equivalente à exercida pelo agente no momento em que a comissão de invalidez emitiu o seu parecer. Por conseguinte, o artigo 51.o‑1 do RTRP visa unicamente situações, raras, em que uma pessoa declarada inválida no BEI exerce fora deste uma atividade diferente da que exerceu no mesmo.

97      A interpretação defendida pelo BEI não pode ser acolhida.

98      Por um lado, não encontra suporte no texto da regulamentação em causa que, pelo contrário, afirma, sem a submeter a nenhuma restrição, a possibilidade de um agente do BEI exercer outra atividade após ter sido declarado inválido no mesmo. Resulta de tal formulação, em termos gerais, que o exercício de uma atividade, seja ela qual for, é autorizado fora do BEI, em caso de declaração de invalidade, sendo o único limite o plafonamento dos rendimentos, como é indicado na referida disposição.

99      Por outro lado, a interpretação defendida pelo BEI é suscetível de gerar insegurança jurídica. Com efeito, na eventualidade de tal interpretação ser adotada, cabe questionar como poderia o BEI definir as funções que, no mercado geral de trabalho, poderiam ou deveriam ser consideradas equivalentes às exercidas pelos seus agentes no seu interior. Em especial, o Tribunal Geral interroga‑se sobre os critérios que deveriam então ser adotados para estabelecer tais equivalências, se esses critérios deveriam ser objeto de publicidade e conclui que esse trabalho de definição e publicidade parece impossível de realizar devido à natureza profundamente evolutiva das funções que são exercidas no mercado geral de trabalho.

100    Tendo em conta os diferentes elementos, importa considerar que o conceito de invalidez, na aceção do artigo 46.o‑1 do RTRP e do artigo 11.1.o das disposições administrativas, deve ser interpretado no sentido de que se refere a um agente do BEI que é declarado, por uma comissão de invalidez, criada por este, incapaz de retomar as suas funções ou funções equivalentes nesse organismo.

 Quanto à violação dos artigos 46.o1 e 48.o1 do RTRP e dos artigos 11.1.o e 11.3.o das disposições administrativas

101    No caso em apreço, uma vez que a comissão de invalidez declarou que o recorrente era incapaz de exercer funções no BEI e que o conceito de invalidez utilizado no artigo 46.o‑1 do RTRP e no artigo 11.1.o das disposições administrativas tinha de ser apreciado apenas em relação a este organismo, o BEI era obrigado a declará‑lo inválido.

102    Por conseguinte, importa considerar que, ao declará‑lo apto para o trabalho e em ausência injustificada desde 18 de fevereiro de 2019 nas decisões impugnadas, o BEI violou o artigo 46.o‑1 do RTRP e o artigo 11.1.o das disposições administrativas.

103    Além disso, o BEI violou o artigo 48.o‑1 do RTRP e o artigo 11.3.o das disposições administrativas, igualmente invocados pelo recorrente no âmbito do primeiro fundamento, segundo os quais, em caso de contestação, é a comissão de invalidez que tem competência para declarar a invalidez.

104    A violação das disposições suprarreferidas é tanto mais evidente para a Decisão de 16 de março de 2020 quanto, no momento da adoção desta decisão, o BEI dispunha igualmente do atestado de C de 15 de março de 2019, no qual este indicava, por um lado, que, segundo a opinião unânime da comissão de invalidez, o recorrente era inválido para efeitos de funções no BEI e, por outro, que se tivesse compreendido o formulário de 23 de janeiro de 2019, teria assinalado «a quadrícula “invalid” em relação ao BEI». Este atestado confirmava, sem ser necessário, que, para a comissão de invalidez, o recorrente era incapaz de retomar o trabalho no BEI.

 Conclusão quanto ao primeiro fundamento

105    À luz de todas as considerações precedentes, há que julgar procedente o primeiro fundamento e, por conseguinte, anular as decisões impugnadas, sem ser necessário apreciar os outros argumentos invocados pelo recorrente no âmbito do primeiro fundamento, nem a admissibilidade das provas suplementares apresentadas em 26 de abril de 2021 pelo recorrente em apoio deste fundamento, nem o segundo fundamento.

 Quanto ao pedido de condenação do BEI no pagamento retroativo da pensão de invalidez do recorrente

106    No seu terceiro pedido, o recorrente pede a condenação do BEI no pagamento retroativo da pensão de invalidez devida, em princípio, desde 1 de fevereiro de 2019, até integral pagamento, sendo os juros de mora fixados à taxa de juro do BCE, acrescida de dois pontos percentuais.

107    O BEI considera que este pedido é inadmissível porque, se o referido pedido fosse deferido, isso implicaria que o Tribunal Geral lhe ordenasse o reconhecimento da invalidez do recorrente na aceção da regulamentação aplicável. Ora, segundo o BEI, o Tribunal Geral não pode dirigir injunções às instituições que, por força do artigo 266.o TFUE, devem apenas tomar as medidas necessárias para a execução de um acórdão de anulação.

108    Além disso, segundo o BEI, nem o Tribunal Geral nem ele próprio se podem substituir à comissão de invalidez nas suas conclusões médicas, que deviam ser consideradas definitivas. Para que possa ser atribuída uma pensão de invalidez ao recorrente, o Tribunal Geral considera que deve ser constituída uma nova comissão de invalidez, comissão essa que teria por missão determinar se o recorrente é ou não inválido.

109    A este respeito, importa recordar que, como indica o BEI, o juiz da União não pode, sem usurpar as prerrogativas da autoridade administrativa, ordenar a uma instituição ou a um organismo da União que tome medidas específicas que impliquem a execução de um acórdão que anula uma decisão (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2011, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, EU:T:2011:465, n.o 163 e jurisprudência referida).

110    No entanto, segundo a jurisprudência, há que aplicar aos litígios entre o BEI e os seus agentes a regra prevista no artigo 91.o, n.o 1, segundo período, do Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 1999, Hautem/BEI, T‑140/97, EU:T:1999:176, n.o 77, confirmado pelo Acórdão de 2 de outubro de 2001, BEI/Hautem, C‑449/99 P, EU:C:2001:502, n.o 95).

111    Esta disposição confere ao juiz da União, nos litígios de caráter pecuniário, competência de plena jurisdição, no quadro da qual está investido do poder, se a isso houver lugar, de condenar oficiosamente a parte recorrida no pagamento de uma indemnização pelo prejuízo causado por sua culpa e, nesse caso, de avaliar, ex æquo et bono, tendo em conta todas as circunstâncias do processo, o prejuízo sofrido (v. Acórdão de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 44 e jurisprudência referida).

112    A competência de plena jurisdição assim conferida ao juiz da União pelo artigo 91.o, n.o 1, segundo período, do Estatuto atribui‑lhe a missão, nomeadamente, de dar aos litígios submetidos à sua apreciação uma solução completa e de garantir a eficácia prática dos acórdãos de anulação que profere nos processos de função pública (v. Acórdão de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida).

113    Quando exerce a sua competência de plena jurisdição, o juiz da União não dirige injunções às instituições ou organismos em causa, mas dispõe, sendo caso disso, da competência de se substituir a estes para tomar as decisões que necessariamente implicam as conclusões a que chega no termo da sua apreciação jurídica do litígio.

114    No caso em apreço, coloca‑se a questão de saber se o terceiro pedido do recorrente deve ser interpretado como um pedido dirigido ao Tribunal Geral no sentido de fazer uso da sua competência de plena jurisdição. É necessário, a este respeito, determinar se o Tribunal Geral é, com este pedido, submetido a um «litígio de caráter pecuniário» na aceção do artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto.

115    Questionado a este respeito pelo Tribunal Geral, o BEI não contesta que, nos litígios que o opõem aos seus agentes, o juiz da União dispõe, incluindo em relação ao BEI, de uma competência de plena jurisdição desde que esses litígios apresentem um caráter pecuniário.

116    Todavia, o BEI considera que o presente litígio não apresenta tal caráter, uma vez que o pedido do recorrente destinado ao pagamento retroativo de uma pensão de invalidez pressupõe que tenha sido considerado inválido na aceção da regulamentação aplicável ao BEI e que essa declaração de invalidade seja da exclusiva competência da comissão de invalidez.

117    A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, são «litígios de caráter pecuniário», na aceção desta disposição, não apenas as ações de indemnização intentadas pelos agentes contra uma instituição ou um organismo da União, mas também todos os litígios em que um agente pretende obter dessa instituição ou organismo o pagamento de uma quantia que lhe considera ser‑lhe devida por força do Estatuto ou de outro ato que regule as suas relações de trabalho (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Weißenfels/Parlamento, C‑135/06 P, EU:C:2007:812, n.o 65, e de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 45).

118    No caso em apreço, quando o recorrente pede ao juiz da União que se pronuncie sobre a legalidade da decisão de não lhe ser reconhecido o estatuto de pessoa «inválida» e, como terceiro pedido, que ordene ao BEI que lhe pague uma quantia em dinheiro, há que interpretar no sentido de que o presente recurso se torna um litígio de caráter pecuniário. Com efeito, a decisão de considerar o recorrente «inválido» tem consequências diretas na continuidade da situação do interessado enquanto agente do BEI e, portanto, na sua remuneração e nos seus direitos pecuniários (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 47, e de 30 de setembro de 2013, Possanzini/Frontex, F‑124/11, EU:F:2013:137, n.o 73).

119    Nestas condições, há que concluir que o presente litígio apresenta um caráter pecuniário e que, por conseguinte, o Tribunal Geral dispõe, no caso em apreço, de uma competência de plena jurisdição.

120    É certo que é necessário que, na sequência da anulação das decisões impugnadas, decidida no n.o 105, supra, o BEI adote, com fundamento no artigo 266.o TFUE, uma nova decisão que registe a situação de invalidez do recorrente e lhe reconheça o direito a uma pensão de invalidez, não podendo o parecer da comissão, por si só, produzir esses efeitos.

121    Contudo, para adotar essa decisão, o BEI não terá de reexaminar a situação do recorrente, uma vez que, no presente processo, tem apenas uma competência limitada, obrigando‑o a retirar as consequências administrativas da declaração de invalidez da comissão de invalidez regularmente constituída para o efeito (v., a contrario, relativamente à anulação de uma decisão médica na sequência da qual a administração era obrigada a reexaminar a situação do recorrente, Acórdão de 28 de setembro de 2011, Allen/Comissão, F‑23/10, EU:F:2011:162, n.o 115).

122    Com efeito, por um lado, decorre dos artigos 46.o‑1 e 48.o‑1 do RTRP que o estado de invalidez é reconhecido pela comissão de invalidez. Por outro lado, nos termos dos artigos 33.o‑D e 36.o do Regulamento do Pessoal e do artigo 49.o‑1 do RTRP, os agentes declarados inválidos pela comissão de invalidez têm direito a uma pensão de invalidez.

123    No caso em apreço, como resulta dos n.os 75 a 81, supra, o parecer da comissão de invalidez segundo o qual o recorrente é inválido foi expresso no documento intitulado «Conclusão d[a comissão] de invalidez de 9/11/2018», sobre o qual foi dito, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço, que exprimia a posição dos membros da comissão de invalidez, de modo que o BEI, que não alegou ao irregularidade do procedimento na comissão de invalidez, não tem, portanto, outra escolha que não seja declarar o recorrente inválido e, por conseguinte, reconhecer‑lhe o direito de receber uma pensão de invalidez, sem que tenha de ser constituída uma nova comissão de invalidez.

124    Por conseguinte, há que condenar o BEI no pagamento ao recorrente de uma pensão de invalidez que lhe é devida a partir de 1 de fevereiro de 2019, bem como nos juros de mora sobre esta pensão até integral pagamento, sendo os juros de mora fixados à taxa de juro aplicada pelo BCE para as suas operações principais de refinanciamento e em vigor no primeiro dia do mês em que é devido o pagamento, acrescida de dois pontos percentuais.

125    Do montante assim avaliado, há que deduzir as importâncias que foram pagas ao recorrente a título de remuneração durante o mesmo período e dos quais se afigura que, devido ao pagamento da pensão de invalidez, não lhe eram devidas.

 Quanto ao pedido de indemnização

126    O recorrente considera que, ao obrigá‑lo a interpor recurso não obstante o parecer da comissão de invalidez ser claro quanto à sua invalidez, o BEI lhe causou um dano não patrimonial, que consiste no agravamento do seu estado de ansiedade, que deve ser indemnizado mediante o pagamento do montante de 5 000 euros, avaliado ex æquo et bono.

127    Segundo o recorrente, o nexo de causalidade entre este dano não patrimonial e o comportamento adotado pelo BEI é evidente, na medida em que não teria sofrido este stress adicional se o BEI tivesse aceitado confirmar as conclusões da comissão de invalidez.

128    O recorrente apresentou a este propósito um relatório do seu psiquiatra, E, datado de 2 de junho de 2020.

129    O BEI contesta este pedido.

130    A este respeito, importa salientar que, segundo a jurisprudência, a anulação de um ato que enferma de ilegalidade pode constituir, em si mesma, a reparação adequada e, em princípio, suficiente de qualquer dano moral que esse ato possa ter causado (Acórdão de 9 de novembro de 2004, Montalto/Conselho, T‑116/03, EU:T:2004:325, n.o 127; v., também, neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 1987, Hochbaum e Rawes/Comissão, 44/85, 77/85, 294/85 e 295/85, EU:C:1987:348, n.o 22).

131    Só assim não será se o recorrente demonstrar ter sofrido um dano não patrimonial destacável da ilegalidade em que assenta a anulação e insuscetível de ser integralmente reparado pela anulação (Acórdão de 31 de maio de 2018, Korwin‑Mikke/Parlamento, T‑352/17, EU:T:2018:319, n.o 78).

132    No caso em apreço, embora se deva constatar que o dano de agravamento do estado de ansiedade alegado pelo recorrente tem um nexo de causalidade com o comportamento adotado pelo BEI na fase pré‑contenciosa, o Tribunal Geral considera, no entanto, que o recorrente não demonstra que esse dano não seja suscetível de ser integralmente reparado pela anulação da decisão do BEI, tanto mais que, no caso em apreço, esta é acompanhada de uma condenação do organismo ao pagamento ao recorrente de todas as prestações financeiras de que foi privado por efeito da decisão anulada (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, BZ/Comissão, T‑336/19, não publicado, EU:T:2020:21, n.o 55).

133    Por conseguinte, o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais formulado pelo recorrente deve ser julgado improcedente.

 Quanto às despesas

134    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

135    Tendo o BEI sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos do recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      São anuladas as Decisões do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 8 de fevereiro e de 8 de março de 2019, na parte em que declaram KL apto para o trabalho e em falta injustificada desde 18 de fevereiro de 2019, e a Decisão do presidente do BEI de 16 de março de 2020, que as confirma.

2)      O BEI é condenado no pagamento de uma pensão de invalidez a KL a partir de 1 de fevereiro de 2019, bem como nos juros de mora sobre esta pensão até integral pagamento, sendo os juros de mora fixados à taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE) para as suas operações principais de refinanciamento e em vigor no primeiro dia do mês em que é devido o pagamento, acrescida de dois pontos percentuais, sendo descontadas as importâncias que foram pagas ao recorrente a título de remuneração durante o mesmo período e das quais se afigura que, devido ao pagamento da pensão de invalidez, não lhe eram devidas.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      O BEI é condenado nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de novembro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.