Language of document : ECLI:EU:T:2023:847

Processo T113/17

(publicação por excertos)

Crédit agricole SA
e
Crédit agricole Corporate and Investment Bank

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção Alargada) de 20 de dezembro de 2023

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Setor dos produtos derivados de taxas de juro em euros — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo EEE — Manipulação das taxas de referência interbancárias da Euribor — Troca de informações confidenciais — Restrição da concorrência por objeto — Infração única e continuada — Procedimento “híbrido” escalonado no tempo — Presunção de inocência — Imparcialidade — Coimas — Montante de base — Valor das vendas — Artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Dever de fundamentação — Decisão de alteração que completa a fundamentação — Igualdade de tratamento — Competência de plena jurisdição»

1.      Concorrência — Procedimento administrativo — Inaplicabilidade do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem — Aplicabilidade dos princípios gerais do direito da União — Princípio da boa administração — Princípio do contraditório — Princípio da presunção de inocência — Violação — Inexistência

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 41.° e 48)

(cf. n.os 42‑51, 65‑71)

2.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Audição das empresas — Recusa da Comissão em responder às perguntas formuladas pelas empresas em causa na audição — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°; Regulamento n.° 773/2004 da Comissão, artigo 14.°)

(cf. n.os 54‑60)

3.      Concorrência — Procedimento administrativo — Procedimento de transação — Procedimento que não envolve todos os participantes num cartel — Adoção de uma decisão de transação e de uma decisão no termo de um processo ordinário de forma desfasada no tempo — Admissibilidade — Requisitos — Respeito do dever de imparcialidade e da presunção de inocência — Respeito dos direitos de defesa — Alcance

(Artigo 101.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 41.° e 48.°; Regulamento n.° 773/2004 da Comissão, artigo 10.°A)

(cf. n.os 75‑107, 137‑139)

4.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Obrigação de a Comissão examinar com diligência e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso em apreço — Declarações públicas do membro da Comissão responsável pela concorrência durante o procedimento administrativo — Declarações que podem indicar uma falta de imparcialidade subjetiva — Inexistência de impacto na apreciação imparcial do processo pela Comissão

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 111‑121)

5.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Acesso ao processo — Objeto — Comunicação das respostas a comunicação de acusações — Requisitos — Necessidade de distinguir entre documentos incriminatórios e ilibatórios

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 2)

(cf. n.os 146‑170)

6.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Acesso ao processo — Obrigação de tornar acessível a integralidade do dossier — Limites — Processo que contém informações confidenciais de outras partes no processo — Conciliação dos direitos de defesa com a proteção da confidencialidade — Acesso às informações confidenciais de acordo com um procedimento de sala de dados — Admissibilidade

(Artigos 101.° e 339.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 2; Regulamento n.° 773/2004 da Comissão, artigo 15.°)

(cf. n.os 171‑183)

7.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Acordos entre empresas e práticas concertadas — Conceito — Participação em reuniões com objeto anticoncorrencial — Inclusão — Requisito — Inexistência de distanciamento em relação às decisões tomadas — Condição cumprida

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 213‑228)

8.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação que incumbe a cada empresa de determinar de maneira autónoma o seu comportamento no mercado — Troca de informações entre concorrentes — Troca de informações confidenciais entre traders de instituições financeiras — Trocas relativas às tentativas de manipulação das taxas de referência interbancárias da Euribor — Trocas sobre as posições de negociação e sobre as estratégias em matéria de preços no setor dos produtos indexados à Euribor e à EONIA — Inexistência de efeitos próconcorrenciais confirmados, relevantes, específicos do acordo em causa e suficientemente importantes — Trocas que apresentam um grau suficiente de nocividade para serem qualificados de restrição por objeto

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 238‑254, 260‑335)

9.      Concorrência — Regras da União — Infrações — Imputação — Imputabilidade a uma empresa pelos atos dos seus trabalhadores — Requisitos — Trabalhadores que exercem as suas funções para e sob a direção da empresa

(Artigo 101.° TFUE)

(cf. n.os 338‑350)

10.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Infrações — Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infração única — Imputação de uma responsabilidade a uma empresa pela totalidade da infração — Requisitos — Práticas e atuações ilícitas que se inscrevem num plano global — Apreciação — Critérios — Contribuição para o objetivo único da infração — Conhecimento ou previsibilidade do plano global do cartel e dos seus elementos principais

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 353‑364, 375‑432)

11.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Alcance do ónus probatório — Infração continuada

(Artigo 101.° TFUE)

(cf. n.os 438‑449)

12.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição do juiz da União — Alcance — Determinação do montante da coima aplicada — Critérios de apreciação

(Artigos 101.°, n.° 1, TFUE e 261.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 23.°, n.° 3, e 31.°)

(cf. n.os 459, 460, 656‑683)

13.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Determinação do valor das vendas — Aplicação da metodologia prevista nas orientações — Valor de substituição estabelecido com base nas receitas em numerário atualizadas através da aplicação de um fator de redução — Insuficiência de fundamentação relativa à determinação do fator de redução

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, pontos 13 e 37)

(cf. n.os 474‑488, 496‑512)

14.    Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão de aplicação das regras de concorrência — Regularização de uma falta de fundamentação na fase contenciosa do processo através da adoção de uma decisão de alteração — Inadmissibilidade

(Artigos 101.°, n.° 1, e 296.°, segundo parágrafo, TFUE)

(cf. n.os 519‑526)

15.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Determinação do valor das vendas — Aplicação da metodologia prevista nas orientações — Valor de substituição estabelecido com base nas receitas em numerário atualizadas através da aplicação de um fator de redução — Cálculo das receitas em numerário das empresas implicadas na mesma infração segundo métodos heterogéneos — Impacto negligenciável sobre os valores fixados — Violação do princípio da igualdade de tratamento — Inexistência

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 532‑556, 571‑587)

16.    Concorrência — Procedimento administrativo — Pedido de informações — Obrigação da Comissão de verificar todas as informações transmitidas — Inexistência — Indícios suficientes para duvidar da exatidão das informações fornecidas — Obrigação de a Comissão adotar medidas de investigação suplementares

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 18.°)

(cf. n.os 559‑569)

17.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Gravidade da infração — Taxa de entrada — Fatores a tomar em consideração

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 25)

(cf. n.os 617‑624)

18.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Ajustamento do montante de base — Circunstâncias atenuantes — Menor intensidade da participação na infração relativamente aos operadores principais — Redução de 10 por cento do montante de base — Violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento ou da individualização das sanções — Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 29)

(cf. n.os 628‑652)

Resumo

Em 2011, o grupo bancário Barclays apresentou à Comissão um pedido de clemência, informando‑a da existência de um cartel no setor dos produtos derivados de taxas de juro em euros (Euro Interest Rate Derivatives, a seguir «EIRD»).

Estes EIRD são indexados à Euribor (Euro Interbank Offered Rate), um conjunto de taxas de juro de referência que visa refletir o custo dos empréstimos interbancários em euros, ou à EONIA (Euro OverNight Index Average), que cumpria uma função equivalente à Euribor, mas no que se refere às taxas diárias. A taxa Euribor baseia‑se na cotação individual referenciada pelos bancos pertencentes a um painel constituído por 47 instituições financeiras (a seguir «painel Euribor»).

Na sequência da abertura de um processo por infração pela Comissão, as instituições financeiras Barclays, Deutsche Bank, Royal Bank of Scotland e Société Générale decidiram participar num procedimento de transação nos termos do artigo 10.°‑A do Regulamento (CE) n.° 773/2004 (1). No termo desse processo, a Comissão adotou, em 4 de dezembro de 2013, uma decisão (2)      que declarava que essas instituições tinham participado numa infração única e continuada que tinha por objeto a alteração do curso normal de fixação dos preços no mercado dos EIRD.

Uma vez que as instituições financeiras Crédit agricole SA e Crédit agricole Corporate and Investment Bank (a seguir, em conjunto, «Crédit agricole»), a JP Morgan e a HSBC não apresentaram uma proposta de transação, a Comissão prosseguiu a sua investigação.

Por Decisão de 7 de dezembro de 2016 (3), a Comissão declarou que o Crédit agricole tinha violado o artigo 101.° TFUE e o artigo 53.° do Acordo EEE ao participar, de 16 de outubro de 2006 a 19 de março de 2007, numa infração única e continuada que tinha por objeto a alteração do curso normal de fixação dos preços no mercado dos EIRD e aplicou‑lhe uma coima de 114 654 000 euros.

Segundo a Comissão, os comportamentos ilícitos do Crédit agricole consistiam em trocas entre os seus traders e um trader de outra instituição financeira pertencente ao painel Euribor que diziam respeito, em substância, à manipulação das submissões dos seus bancos ao referido painel para efeitos do cálculo da Euribor, às posições de negociação (trading) no que respeita aos EIRD e às suas intenções e estratégias em matéria de fixação dos preços dos EIRD.

No Tribunal Geral, o Crédit agricole pede, por um lado, a anulação parcial desta decisão e, por outro, a título subsidiário, a anulação ou a redução do montante da coima aplicada.

Após a interposição do recurso, a Comissão adotou uma decisão de alteração (4)      para completar a fundamentação da decisão impugnada à luz do Acórdão HSBC Holdings e o./Comissão, proferido pelo Tribunal num processo conexo (5).

Com o seu acórdão, a Décima Secção Alargada do Tribunal especifica os critérios que permitem constatar a participação de uma empresa em práticas anticoncorrenciais, nomeadamente através de trocas de informações, no setor dos produtos financeiros. No entanto, o Tribunal anula a decisão impugnada na parte em que aplica uma coima ao Crédit agricole. Em seguida, exerce a sua competência de plena jurisdição e aplica ao Crédit Agricole uma coima de um montante fixado em 110 000 000 euros.

Apreciação do Tribunal Geral

Tendo o Crédit agricole invocado, nomeadamente, uma violação dos seus direitos de defesa e do princípio do contraditório devido à falta de resposta, na audição perante o auditor, a algumas das suas perguntas relativas aos métodos de cálculo da sanção proposta, o Tribunal salienta que, enquanto o auditor pode, a título facultativo, autorizar as partes a formularem perguntas na audição, o objetivo principal dessa audição é dar aos destinatários da comunicação de objeções a possibilidade de desenvolverem o seu ponto de vista sobre as conclusões preliminares da Comissão. Além disso, a Comissão não é obrigada a fornecer, na fase do procedimento administrativo, esclarecimentos sobre a forma como pretende aplicar os critérios relativos à gravidade e à duração da infração para a determinação do montante das coimas.

Do mesmo modo, a Comissão não violou os direitos de defesa do Crédit agricole ao organizar o seu acesso a determinados documentos do processo provenientes de outras partes através de uma sala de dados. Com efeito, uma vez que os dados em causa não tinham perdido o seu caráter confidencial apesar da sua antiguidade, o procedimento de sala de dados constituía uma ferramenta adequada para conciliar os direitos de defesa do Crédit agricole com os interesses de confidencialidade que podiam invocar os outros bancos que forneceram esses dados. Além disso, o Crédit agricole não demonstrou que poderia ter assegurado melhor a sua defesa obtendo o acesso completo aos referidos dados diretamente e não através dos seus consultores externos.

O Tribunal confirma, em seguida, a existência de um comportamento ilícito imputável ao Crédit agricole.

Quanto à participação do Crédit agricole nas práticas de manipulação da taxa Euribor, o Tribunal sublinha que as trocas entre os traders invocadas contra o Crédit agricole na decisão impugnada revelam claramente a comunicação das preferências de taxas, das posições de negociação (trading) associadas e de uma oferta ou de uma intenção dos traders do Crédit agricole de influenciar as submissões do seu banco ao painel Euribor.

Além disso, os argumentos apresentados pelo Crédit agricole destinados a demonstrar o papel menor que esta instituição desempenhou nas manipulações em causa são inoperantes, uma vez que estes elementos, relativos ao número e à intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais, não são relevantes para efeitos de determinação da existência de uma infração por parte de uma empresa, mas unicamente para a apreciação da gravidade da infração ou das circunstâncias atenuantes e, sendo caso disso, da determinação da coima.

No que respeita à qualificação de infração única adotada pela Comissão, o Tribunal recorda que três elementos são determinantes para concluir pela participação de uma empresa nessa infração:

i) os diferentes comportamentos em causa devem fazer parte de um «plano de conjunto» que possui um objetivo único;

ii) a empresa tem de ter tido conhecimento dos comportamentos ilícitos projetados ou adotados por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado disposta a correr o respetivo risco; e

iii) a empresa tem de ter tido a intenção de contribuir através do seu próprio comportamento para os objetivos comuns prosseguidos por todos os participantes.

Quanto ao primeiro elemento, o Tribunal constata que todas trocas em causa se inscrevem no objetivo único, como considerado pela Comissão, de influenciar os fluxos de tesouraria devidos a título dos EIRD em detrimento dos operadores do mercado que não participam nessas trocas.

No que respeita ao segundo elemento, o Tribunal indica que a Comissão dispunha de provas diretas que demonstravam o conhecimento pelo Crédit agricole de que participava com outros bancos em ações concertadas destinadas a manipular a taxa Euribor com vista a alterar os fluxos de tesouraria devidos a título dos EIRD. Com efeito, resulta dos elementos na decisão impugnada que os seus traders sabiam ou podiam razoavelmente prever que as suas trocas destinadas a manipular a taxa Euribor faziam parte de um «plano de conjunto» que excedia o âmbito das trocas bilaterais.

Em contrapartida, não é esse o caso das trocas relativas às intenções e às estratégias em matéria de fixação dos preços, relativamente às quais as provas apresentadas na decisão impugnada não permitem concluir que o Crédit agricole tinha conhecimento ou devia ter tido conhecimento de que ultrapassavam o quadro bilateral e faziam parte de um plano de conjunto que envolvia igualmente outros bancos. No que diz respeito a estas trocas, não podia ser imputada ao Crédit agricole uma participação na infração única.

Quanto ao terceiro elemento, resulta das trocas invocadas pela Comissão contra o Crédit agricole que os traders envolvidos tinham a intenção de adotar práticas anticoncorrenciais.

Tendo assim confirmado parcialmente a constatação da participação do Crédit agricole na infração única e continuada em causa, o Tribunal julga improcedente o pedido de anulação na parte em que diz respeito à declaração da existência de uma infração, na medida em que esta é fundamentada de forma juridicamente bastante pelas declarações que não contêm erros. Em contrapartida, o Tribunal julga procedente o pedido de anulação da decisão impugnada na parte em que aplica uma coima de 114 654 000 euros ao Crédit agricole.

A este respeito, o Tribunal salienta, por um lado, que esta sanção não reflete a participação do Crédit agricole na infração única e continuada, uma vez que foi erradamente que a Comissão lhe imputou os comportamentos dos outros bancos relativos às trocas sobre as intenções e as estratégias em matéria de fixação dos preços que não tiveram lugar na perspetiva das manipulações das taxas.

Por outro lado, o Tribunal constata que a determinação do montante da coima aplicada ao Crédit agricole carece de fundamentação suficiente.

Com efeito, embora a Comissão não tenha cometido um erro de apreciação ao basear‑se, para efeitos da determinação do montante da coima aplicada ao Crédit agricole, nas receitas em numerário atualizadas como valor de substituição para o valor das vendas, não explicou suficientemente as razões pelas quais o fator de redução aplicado a estas receitas foi fixado em 98,849 %. Acresce que, não tendo a Comissão demonstrado que se encontrava na impossibilidade prática de fundamentar de forma juridicamente bastante a decisão impugnada quanto a este ponto, o complemento da fundamentação apresentada a este respeito na decisão de alteração sem que esta última alterasse o dispositivo da decisão impugnada também não pode ser aceite.

Segundo o Tribunal, a Comissão violou, além disso, a sua obrigação de exame diligente uma vez que, apesar de existirem indícios suficientes para duvidar da uniformidade das metodologias seguidas pelos bancos em causa para calcular as suas receitas em numerário, não adotou medidas de investigação suplementares. No entanto, essa violação do princípio da boa administração só seria suscetível de conduzir à anulação da decisão impugnada na condição de o Crédit Agricole demonstrar que as divergências metodológicas em causa tiveram como consequência que os montantes de base das coimas aplicadas tivessem sido calculados em violação do princípio da igualdade de tratamento. Ora, tendo em conta o impacto negligenciável das referidas divergências no nível das receitas em numerário, não são suscetíveis de conduzir a uma violação do princípio da igualdade de tratamento no caso em apreço.

Por último, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal examina o pedido do Crédit agricole de redução do montante da coima que lhe tinha sido aplicada.

Ao sublinhar que a fixação de uma coima ao abrigo da sua competência de plena jurisdição não é um exercício aritmético preciso, o Tribunal utiliza, à semelhança da abordagem adotada pela Comissão, o valor das receitas em numerário reduzidas como dado inicial para a determinação do montante de base da coima, na medida em que esse valor reflete a importância económica e o peso da empresa na infração.

Quanto à determinação do fator de redução, cuja aplicação é necessária para evitar a aplicação de uma coima demasiado dissuasiva, o Tribunal observa que é facto assente entre as partes que este fator ascende a, pelo menos, 98,849 %.

Quanto à gravidade da infração, o Tribunal salienta que, na medida em que os comportamentos em causa incidiam sobre os fatores pertinentes para a determinação dos preços dos EIRD, os mesmos estão, devido à sua natureza, entre as restrições de concorrência mais graves. Além disso, as práticas em causa são particularmente graves e nocivas, na medida em que são suscetíveis não só de falsear a concorrência no mercado dos produtos EIRD, mas também, mais amplamente, de comprometer a confiança no sistema bancário e nos mercados financeiros no seu conjunto, bem como a sua credibilidade.

No que respeita às circunstâncias atenuantes, o Tribunal constata que o Crédit agricole desempenhou efetivamente um papel menos importante na infração do que os operadores principais. A sua participação nos comportamentos ilícitos foi, todavia, intencional. Por outro lado, os comportamentos em causa caracterizam‑se por uma gravidade acrescida. Por conseguinte, o impacto das circunstâncias atenuantes consideradas só pode ser marginal.

Em conclusão, o Tribunal considera que se fará uma justa apreciação das circunstâncias do caso em apreço ao fixar o montante da coima em 110 000 000 euros.

À luz das considerações precedentes, o Tribunal anula a decisão impugnada na parte em que aplica uma coima ao Crédit agricole, fixa o montante da coima em 110 000 000 euros, e nega provimento ao recurso quanto ao restante.


1      Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), conforme alterado.


2      Decisão C(2013) 8512 final da Comissão, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° [TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE [processo AT.39914, Euro Interest Rate Derivatives (EIRD) (Settlement)] (a seguir «decisão de transação»).


3      Decisão C(2016) 8530 final da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE [processo AT.39914 ‑ Derivados de taxas de juro em euros (EIRD)] (a seguir «decisão impugnada»).


4      Decisão C(2021) 4610 final da Comissão, de 28 de junho de 2021, que altera a decisão impugnada.


5      Acórdão de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675). Este acórdão foi parcialmente anulado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, EU:C:2023:11).