Language of document : ECLI:EU:T:2000:208

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

12 de Setembro de 2000 (1)

«Funcionários - Dever de lealdade e de dignidade da função - Princípio da separação de poderes - Liberdade sindical - Regime disciplinar - Sanção»

No processo T-259/97,

Rui Teixeira Neves, funcionário do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, representado por A. Encarnação, advogado no Porto, com domicílio escolhido no Luxemburgo, 10, am Gronn, Sandweiler,

recorrente,

contra

Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, inicialmente representado por T. Millet, consultor jurídico, e posteriormente por M. Schauss, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por F. Ferreira Pinto, advogado em Lisboa, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Palais de la Cour de Justice, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto, por um lado, um pedido de anulação da decisão do Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 1997 que aplicou ao recorrente a sanção disciplinar de descida de escalão e, por outro, um pedido de indemnização destinado a obter a condenação do recorrido a reparar os danos morais alegadamente sofridos pelo recorrente em consequência dessa decisão,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: V. Tiili, presidente, R. M. Moura Ramos e P. Mengozzi, juízes,

secretário: G. Herzig, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Março de 2000,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto

1.
    R. Teixeira Neves, colocado na Divisão de tradução portuguesa do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (a seguir «Tribunal de Justiça»), assumiu funções como jurista-linguista do grau LA/6 a partir de 1986. Por decisão de 28 de Setembro de 1992, foi-lhe aplicada uma sanção de suspensão de subida de escalão por dois anos por ter escrito no seu relatório de classificação referente ao período de 1989-1990, comentários injuriosos e difamatórios contra o seu chefe de divisão e o director da tradução.

2.
    Contra esta decisão, por petição de 17 de Agosto de 1993, R. Teixeira Neves interpôs um recurso que foi registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância sob o número T-500/93. Por acórdão de 28 de Junho de 1996 (Y/Tribunal de Justiça, T-500/93, Colect.FP, p. I-A- 335 e II-977), o Tribunal concedeu provimento ao recurso e anulou, por violação dos direitos da defesa, a sanção disciplinar aplicada ao recorrente. Não tendo sido interposto recurso deste acórdão, a decisão de anulação transitou em julgado.

3.
    No quadro do processo T-500/93, em 7 de Fevereiro de 1994, o recorrente, na réplica, fez afirmações que o Tribunal de Primeira Instância considerou caluniosas sobre o Tribunal de Justiça, instituição recorrida, os seus agentes e outros funcionários e anexou a este articulado documentos confidenciais ou privados. Por despacho de 8 de Julho de 1994, o Tribunal decidiu que a réplica, na sua versão original, não podia ser junta aos autos e fixou ao recorrente um prazo de dez dias para apresentar uma nova versão deste articulado.

4.
    Por carta de 10 de Novembro de 1994, a Secretaria do Tribunal informou o recorrente de que, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, das Instruções ao Secretário do Tribunal de Primeira Instância e do artigo 17.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, não poderia pleitear por si próprio na audiência do processo T-500/93 e de que deveria, por conseguinte, fazer-se representar por um advogado.

5.
    Em 19 de Setembro de 1995, R. Teixeira Neves divulgou, através do correio electrónico, três propostas de moções a apresentar à assembleia geral do pessoal marcada para o dia seguinte. Essasmoções referiam-se ao assédio sexual, à discriminação dos funcionários em matéria de promoções e ao direito de pleitear em causa própria em audiência do Tribunal de Primeira Instância. Deste último texto constavam, entre outras, as seguintes afirmações:

«Le personnel de la Cour et du Tribunal réuni en assemblée générale rappelle au TPI qu'en tant que haute instance judiciaire de la Communauté européenne, il ne saurait se permettre un comportement autre que irréprochable et qu'il ne serait pas admissible que les droits de défense les plus élémentaires, reconnus par les législations de tous les états membres, soient méconnus lors de recours de fonctionnaires.

En particulier, il est incompréhensible que le TPI refuse, sans daigner motiver sa décision, le droit d'un fonctionnaire [de] se représenter [...] soi[-]même lors d'une audience, lorsqu'il est ancien avocat et a demandé et obtenu la nécessaire autorisation de son barreau national, seule condition légalement exigée.

[...]

En outre, il est tout à fait inhabituel qu'un tribunal, sur demande de la partie [défenderesse], oblige un requérant à retirer des moyens et arguments absolument essentiels pour obtenir gain de cause, [sous] le faux prétexte, qu'ils sont 'injurieux‘ pour l'autre partie. Cette pratique bizarre, en violant ouvertement le Règlement de Procédure, constituerait ainsi une recette miracle qui permettrait à la Cour de justice de faire échouer tous les recours de fonctionnaires formés à son encontre. Il suffirait de qualifier d''injurieux‘ les moyens et arguments les plus embarrassants et difficiles à contester d'une requête et de demander ensuite au TPI, faisant fi du devoir d'indépendance qui lui incombe, de les enlever 'manu militari‘ du procès.

Il est également étonnant que, lorsqu'un requérant parvient à obtenir des preuves écrites embarrassantes qui démontrent le caractère mensonger des accusations de la partie [défenderesse], celle-ci (la Cour), démasquée et incapable de trouver une réponse satisfaisante demande et obtienne du TPI, l'élimination de tous les documents en cause, sous prétexte, sans preuves à l'appui, qu'ils ont été obtenus 'illicitement‘. Si on ajoute à ces méthodes pour le moins originales la loi du silence qui est imposée dans certains services de la Cour, il est clair que jamais un fonctionnaire ne pourra reporter la preuve de quoi que [ce] soit dans le cadre d'une procédure devant le TPI.

Il est incontestable qu'aucun vrai juriste ne saurait considérer de telles méthodes compatibles avec les notions de procès équitable et de Communauté de droit. Cependant, elles ont été utilisées dans l'affaire T-500/93, qui, de surcroît, a été placée il y a un an dans une voie de garage, puisque l'on refuse de fixer la date d'audience».

6.
    Por causa desta moção e da moção relativa ao assédio sexual, o Secretário do Tribunal de Justiça propôs, em dois memorandos de 27 de Setembro de 1995, a instauração de um processo disciplinar contra o recorrente e convocou-o, nos termos do artigo 87.°, segundo parágrafo, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), para a audição prévia pelo comité administrativo do Tribunal de Justiça (a seguir «comité administrativo»). Durante a audição, realizada em 3 de Outubro de 1995, R. Teixeira Neves foi assistido por G. Lequime, na qualidade de defensor.

7.
    Depois de ouvir o recorrente, o comité administrativo decidiu instaurar contra ele um processo disciplinar nas condições previstas no anexo IX do Estatuto (a seguir «anexo IX»). Para o efeito, o Presidente do Tribunal de Justiça consultou o Conselho de Disciplina por relatório de 24 de Outubro de 1995.

8.
    Por carta de 10 de Novembro de 1995, o recorrente, queixando-se de não ter recebido previamente a comunicação integral das faltas disciplinares que lhe eram imputadas, pediu ao comité administrativo que considerasse nula para todos os efeitos a sua audição de 3 de Outubro de 1995. Este pedido foi indeferido por decisão de 20 de Novembro de 1995.

9.
    Por carta de 21 de Dezembro de 1995, o recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, uma reclamação contra a tramitação do processo disciplinar e, designadamente, contra as decisões da entidade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») de 27 de Setembro, 3 de Outubro e 20 de Novembro de 1995. Esta reclamação foi indeferida por decisão de 26 de Março de 1996, notificada a R. Teixeira Neves em 2 de Maio de 1996.

10.
    Uma vez concluído o processo de reclamação, o Conselho de Disciplina emitiu o seu parecer em 21 de Junho de 1996. Para este efeito, reuniu-se por várias vezes, em 24 e 25 de Novembro e 5 de Dezembro de 1995, 14 e 22 de Maio e 21 de Junho de 1996, e ouviu o recorrente, assistido por G. Lequime, em 29 de Março de 1996.

11.
    No seu parecer, o Conselho de Disciplina afirma, relativamente à proposta de moção referente aos pretensos actos de assédio sexual, que o texto desta não permitia identificar os autores desses actos e, relativamente à proposta de moção a respeito do direito de pleitear por si nas audiências no Tribunal de Primeira Instância, que esta moção, proposta por R. Teixeira Neves enquanto parte no processo T-500/93, não podia servir de base a um procedimento disciplinar. O Conselho de Disciplina concluía assim que não devia ser aplicada ao recorrente qualquer sanção.

12.
    O parecer do Conselho de Disciplina não foi totalmente seguido pelo comité administrativo. Com efeito, este, na sua reunião de 7 de Outubro de 1996, decidiu prosseguir o processo disciplinar iniciado em 1995 contra o recorrente, limitando-o à moção respeitante ao direito de pleitear por si em audiência do Tribunal de Primeira Instância. Para tanto, convocou o recorrente para nova audição que, tendo sido inicialmente fixada para 11 de Novembro de 1996, foi adiada para 9 de Dezembro de 1996, para permitir ao defensor do recorrente estar presente.

13.
    Por decisão de 20 de Janeiro de 1997, notificada ao recorrente em 30 de Janeiro de 1997, o comité administrativo aplicou-lhe a sanção de descida de escalão por ter divulgado, sob a forma de uma proposta de moção à assembleia geral do pessoal, afirmações caluniosas sobre o Tribunal de Primeira Instância, em violação dos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.°, primeiro parágrafo, e 21.° do Estatuto.

Tramitação processual

14.
    Por carta de 7 de Abril de 1997, o recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, uma reclamação destinada a obter designadamente a anulação da decisão disciplinar de 20 de Janeiro de 1997 e o pagamento de BFR 2 000 000, a título de reparação por danos morais sofridos.

15.
    Por decisão de 8 de Julho de 1997, o Comité encarregado das reclamações indeferiu esta reclamação.

16.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Setembro de 1997, o recorrente interpôs o presente recurso.

17.
    A fase escrita do processo concluiu-se em 3 de Abril de 1998, na sequência da renúncia do recorrido à apresentação da tréplica.

18.
    Visto o relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

19.
    As alegações das partes e as respostas destas às perguntas do Tribunal foram ouvidas na audiência pública de 23 de Março de 2000.

Pedidos das partes

20.
    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão de 20 de Janeiro de 1997, pela qual o Tribunal de Justiça lhe aplicou a sanção de descida de escalão, e condenar este no pagamento retroactivo da parte do vencimento que deixou de pagar por efeito dessa decisão, acrescida de juros de mora à taxa de 8%;

-    condenar a parte recorrida a pagar-lhe BFR 2 000 000, a título de reparação por danos morais resultantes da decisão impugnada;

-    condenar o recorrido nas despesas.

21.
    Na audiência, o recorrente reformulou, aumentando-o, o seu pedido de indemnização, pedindo que o Tribunal se digne:

-    condenar o recorrido a pagar-lhe BFR 3 000 000, a título de indemnização por danos morais resultantes da decisão impugnada.

22.
    O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar o recorrente a suportar as suas próprias despesas.

Sobre o pedido de anulação

23.
    O recorrente invoca onze fundamentos de anulação. O primeiro, é baseado em violação do princípio da separação de poderes. O segundo, em deturpação do conteúdo da moção em causa. O terceiro, em erro de direito na interpretação dos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.° primeiro parágrafo, e 21.° do Estatuto. O quarto, em falta de queixa do Tribunal por ultraje. O quinto e o sexto, em violação dos direitos de defesa, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes por falta de comunicação da acusação antes da audição de 3 de Outubro de 1995 e por participação da parte adversa nas deliberações do comité administrativo. O sétimo, em violação da presunção de inocência. O oitavo, em falta de independência do conselho de disciplina. O nono, em violação da liberdade sindical e das prerrogativas do comité do pessoal e da assembleia geral do pessoal. O décimo, em desvio de poder e, finalmente, o décimo primeiro, em violação do princípio da proporcionalidade e em falta ou insuficiência de motivação.

24.
    Há que examinar, em primeiro lugar, conjuntamente, o segundo e o terceiro fundamentos que, no fundo, põem em causa a qualificação dos factos imputados ao recorrente tal como esta consta da decisão impugnada.

Quanto ao segundo e ao terceiro fundamentos assentes, respectivamente, em deturpação do conteúdo da moção em causa e em erro de direito na interpretação dos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.° primeiro parágrafo, e 21.° do Estatuto

Argumentos das partes

25.
    Com o segundo fundamento, o recorrente sustenta que a decisão impugnada deturpa grosseiramente o sentido das afirmações constantes da moção incriminada e convida o recorrido a indicar as passagens da moção que atentam contra a honra dos Membros do Tribunal.

26.
    Com o terceiro fundamento, o recorrente alega que, ao caracterizar a sua conduta como uma violação dos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.° primeiro parágrafo, e 21.° do Estatuto, o recorrido cometeu um erro de direito. Com efeito, ao criticar de forma séria e construtiva certas decisões do Tribunal, o recorrente não teria faltado aos seus deveres de reserva, lealdade e cooperação para com a instituição, mas, pelo contrário, teria colaborado na boa administração da justiça.

27.
    O recorrido contrapõe, em primeiro lugar, que a decisão impugnada retoma quase textualmente o conteúdo da moção do recorrente e enumera os pontos do texto que, na sua opinião, contêm termos insultuosos em relação aos Membros do Tribunal.

28.
    Observa, a seguir, que o recorrente, em vez de se dirigir directamente ao Tribunal de Primeira Instância, divulgou a sua moção ao conjunto do pessoal. Longe de colaborar na boa administração da justiça, afectou, com os seus termos insultuosos, a administração corrente da instituição.

Apreciação do Tribunal

29.
    Há que sublinhar, em primeiro lugar, que, como resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Março de 1996, Williams/Tribunal de Contas (T-146/94, Colect.FP, p. I-A-103 e II-329, n.° 67) e do despacho do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1997, Williams/Tribunal de Contas (C-156/96 P, Colect., p. I-239, n.os 21 e 22), os juízes comunitários já classificaram como «injúrias graves ofensivas da honra das pessoas [visadas]» afirmações vexatórias a respeito do comportamento dos membros e dos agentes de uma instituição no exercício das suas funções. Na jurisprudência comunitária, esta expressão não designa, assim, apenas as imputações susceptíveis de atentar contra a dignidade da pessoa, enquanto tal, mas igualmente as alegações susceptíveis de lançar o descrédito sobre a honorabilidade profissional desta.

30.
    A forma que revestem essas alegações não importa: trata-se tanto de acusações directas como de alegações sob forma dubitativa, indirecta, encapotada, insinuada ou referidas a uma pessoa não expressamente mencionada mas cuja identificação é tornada possível.

31.
    Ora, no caso em apreço, forçoso é constatar que as afirmações sobre o Tribunal de Primeira Instância que constam da proposta de moção incriminada apresentam um carácter injurioso, no sentido acima especificado. Em primeiro lugar, a proposta de moção em causa caracteriza-se - mesmo no primeiro e no segundo parágrafos que criticam a decisão do Tribunal de negar aos funcionários o direito de pleitearem por si nas audiências - por um tom agressivo e ofensivo. Além disso, nos terceiro, quarto e quinto parágrafos, a moção põe em causa - por vezes de modo indirecto, evitando a menção expressa do Tribunal e utilizando o condicional, como no terceiro parágrafo, ou dirigindo-se em primeira linha ao Tribunal de Justiça e só por ricochete ao Tribunal de Primeira Instância, como no quarto parágrafo - a independência e a imparcialidade dos membros deste órgão e, por isso, a sua honorabilidade profissional. Por conseguinte, o recorrido não manipulou nem deturpou o conteúdo da moção incriminada.

32.
    Em segundo lugar, há que acrescentar que, como as asserções da moção incriminada se referem à actividade do Tribunal de Primeira Instância no exercício das suas funções jurisdicionais, atentam simultaneamente contra a honorabilidade profissional dos membros deste órgão e contra o respeito devido à Justiça.

33.
    Embora na estrutura da moção incriminada, os propósitos injuriosos contra o Tribunal de Justiça, na sua qualidade de parte no processo T-500/93, pareçam, à primeira vista, mais numerosos, violentos e directos do que os relativos ao Tribunal de Primeira Instância, bem procedeu o comitéadministrativo, na decisão impugnada, ao sancionar o recorrente apenas por ultraje a este órgão. Com efeito, as acusações contra o Tribunal de Primeira Instância, enquanto órgão jurisdicional comunitário no exercício das suas funções devem ser consideradas mais graves do que as acusações dirigidas ao Tribunal de Justiça na sua qualidade de empregador e recorrido num processo laboral.

34.
    O comité administrativo teve igualmente razão ao tipificar como violação do disposto nos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.°, primeiro parágrafo, e 21.° do Estatuto as afirmações constantes da moção incriminada. Com efeito, estas afirmações, tendo em conta o seu tom e o seu conteúdo, não são expressão de meras críticas e, longe de contribuirem para a boa administração da justiça, atentam contra o respeito que lhe é devido.

35.
    De onde se conclui que o segundo e terceiro fundamentos devem ser rejeitados por improcedentes.

Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação do princípio da separação de poderes

Argumentos das partes

36.
    O recorrente sustenta que as afirmações críticas que divulgou a respeito dos Membros do Tribunal são alheias à relação hierárquica e que escapam, por isso, à competência disciplinar directa da AIPN. Com efeito, as críticas feitas ao Tribunal na moção incriminada, referiam-se à actividade deste órgão enquanto órgão jurisdicional comunitário. Ora, no exercício das suas funções jurisdicionais, os Membros do Tribunal não seriam superiores hierárquicos do recorrente. A não ser assim, estar-se-ia perante uma violação flagrante do princípio da separação de poderes, dado que os litígios entre funcionários do Tribunal de Justiça e a sua instituição seriam resolvidos por um órgão, o Tribunal de Primeira Instância, que, sendo simultaneamente superior hierárquico e jurisdição, poderia exercer, em relação a esses funcionários, um poder disciplinar por actos ligados ao processo.

37.
    A tese do recorrido, que afirma a competência disciplinar da administração do pessoal do Tribunal de Justiça em relação a ultrajes aos Membros do Tribunal de Primeira Instância no exercício das suas funções, seria igualmente incompatível com o princípio da não discriminação. Com efeito, segundo esta tese, os funcionários do Tribunal de Justiça não disporiam das mesmas garantias de protecção jurisdicional, em caso de litígio, que os funcionários de outras instituições. Os processos respeitantes a estes últimos seriam decididos por uma jurisdição, o Tribunal de Primeira Instância, efectivamente imparcial e orgânico-funcionalmente independente da instituição em causa. Os primeiros, ao invés, seriam sujeitos ao julgamento de um órgão semi-jurisdicional que, em vez de ser supra partes, se identificaria com a autoridade administrativa.

38.
    Por outro lado, segundo o recorrente, é óbvio que não passaria pela cabeça de nenhum superior hierárquico, nas outras instituições comunitárias, levantar um processo disciplinar contra um funcionário que, numa assembleia do pessoal, criticasse certas orientações jurisprudenciais do Tribunal. Esse comportamento seria considerado totalmente estranho à relação hierárquica e não violaria quaisquer deveres profissionais.

39.
    Daqui o recorrente deduz que, como os ultrajes, reais ou presumidos, dos Membros do Tribunal escapam à competência disciplinar directa da AIPN, devem ser investigados e punidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes em razão do território, mediante queixa a apresentar pelos ofendidos. Só na hipótese de se vir a provar o ultraje e de o autor ser condenado pelo órgão jurisdicional nacional competente em razão do território, é que a AIPN poderia apreciar se e em que medida é que essa condenação afectaria o prestígio da função pública europeia, de forma a justificar uma sanção disciplinar.

40.
    A estes argumentos, o recorrido contrapõe que a moção em causa foi divulgada através da rede interna de correio electrónico do Tribunal de Justiça, rede essa a que o recorrente tinha acesso como funcionário e que a moção era dirigida ao pessoal do Tribunal de Justiça, tendo em vista a assembleia geral. Daí resulta, segundo o recorrido, que o comportamento que foi causa da sanção disciplinar foi praticado pelo recorrente na qualidade de funcionário e no quadro de uma relação hierárquica.

41.
    Não se poderia invocar contra esta conclusão o princípio da separação de poderes. Com efeito, segundo o recorrido, este princípio só diria respeito às relações entre o Estado e o cidadão e não seria aplicável às relações entre o funcionário e a sua instituição. Ao contrário do cidadão comum, o funcionário não estaria, perante a sua instituição, numa posição de fraqueza, mas numa situação que se caracteriza pela existência de direitos e deveres recíprocos. A posição relativamente privilegiada de que beneficia justificaria a sua sujeição a um regime derrogatório, em matéria de liberdade de expressão, em relação à generalidade dos cidadãos.

42.
    Na réplica, o recorrente contesta a tese do recorrido de que qualquer acto praticado nas instalações da instituição e através dos meios de comunicação utilizados nestas está sujeito ao poder disciplinar da AIPN. Ao critério físico-espacial utilizado pelo recorrido, o recorrente contrapõe um critério funcional-teleológico, segundo o qual só estariam sujeitos ao poder disciplinar da AIPN os actos que atentem contra o interesse da instituição praticados nas instalações desta ou fora delas.

43.
    Finalmente, o recorrente invoca o princípio da independência do juiz que, na sua opinião, é «uma das ideias implícitas na separação de poderes». Afirma que a tese do recorrido, que qualifica as críticas aos Membros do Tribunal como uma violação de deveres profissionais passível de sanção disciplinar acaba por atribuir a este órgão competência para julgar ultrajes cometidos contra ele próprio.

Apreciação do Tribunal

44.
    Há que observar que, segundo jurisprudência perfeitamente assente, o dever geral de lealdade que decorre dos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.°, primeiro parágrafo, e 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto impende sobre cada funcionário, não apenas em relação aos seus superiores, mas igualmente em relação à instituição de que depende (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 1991, Williams/Tribunal de Contas, T-146/89, Colect., p. II-1293, n.° 72).

45.
    Ora, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância formam, do ponto de vista administrativo, uma só instituição. Isto mesmo resulta claramente do artigo 45.°, n.° 2, do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, segundo o qual «os funcionários e outros agentes vinculados ao Tribunal de Justiça presta[m] serviço no Tribunal de Primeira Instância, para garantir o seu funcionamento» nas condições que «[o] presidente do Tribunal de Justiça e o presidente do Tribunal de Primeira Instância fix[em], de comum acordo». Por conseguinte, a instituição de que depende o recorrente e à qual este deve lealdade compreende tanto o Tribunal de Justiça como o Tribunal de Primeira Instância. Há, assim, que concluir que o comportamento do recorrente, que ofende a honra e a consideração devidas à sua instituição, constitui uma violação dos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.°, primeiro parágrafo, e 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto.

46.
    Em qualquer caso, mesmo admitindo que o Tribunal de Primeira Instância deva ser considerado, do ponto de vista administrativo, como um órgão distinto do Tribunal de Justiça, o recorrente não pode defender que a divulgação de propósitos injuriosos em relação aos membros do Tribunal de Primeira Instância não constitui, para os funcionários do Tribunal de Justiça e das outras instituições comunitárias, violação dos deveres profissionais a que estão adstritos. Com efeito, entre estes deveres figura, em primeiro lugar, a obrigação de qualquer funcionário de pautar a sua conduta unicamente pelos interesses da Comunidade. Ora, não se pode, evidentemente, afirmar que a divulgação de insultos aos membros do Tribunal de Primeira Instância, no exercício das suasfunções jurisdicionais, não afecta a reputação da Comunidade e, por conseguinte, os interesses desta.

47.
    Entre os deveres profissionais previstos pelo Estatuto, deve contar-se igualmente o dever do funcionário de se abster de qualquer expressão pública de opinião susceptível de atentar contra a dignidade da sua função. Como o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Justiça afirmaram por várias vezes (despacho do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1997, Williams/Tribunal de Contas, n.os 21 e 22, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 1991, Williams/Tribunal de Contas, n.os 76 e 80, e de 7 de Março de 1996, Williams/Tribunal de Contas, n.° 66, já acima referidos nos n.os 29 e 44), injúrias expressas publicamente por um funcionário, ofensivas da honra das pessoas às quais se referem, são, em si mesmas, lesivas da dignidade da função, na acepção do artigo 12.°, primeiro parágrafo, do Estatuto. Assim, para que haja violação dos deveres profissionais previstos no Estatuto, não importa que as afirmações do recorrente se tenham referido à actividade dos membros de uma instituição da Comunidade; basta que essas afirmações tenham atentado contra a honra das pessoas visadas.

48.
    Tendo em consideração o que precede e sem que seja necessário tomar em conta as circunstâncias de facto alegadas pelo recorrido, há que concluir que a competência disciplinar da AIPN está, no presente caso, suficientemente demonstrada.

49.
    O recorrente não pode contrapor a esta conclusão os princípios da separação de poderes e da igualdade de tratamento entre os funcionários das diferentes instituições. No que diz respeito ao princípio da separação de poderes, bastará notar que os membros do Tribunal de Primeira Instância não podem, directa ou indirectamente, exercer ou solicitar o exercício do poder disciplinar contra funcionários do Tribunal de Justiça por actos ligados ao processo. Com efeito, resulta do disposto nos artigos 3.°, n.° 2, e 6.°, n.° 3, da decisão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 1995, relativa ao exercício dos poderes conferidos pelo Estatuto dos funcionários à AIPN, que a decisão de instaurar um procedimento disciplinar é da competência exclusiva do comité administrativo - para os funcionários da categoria A e do quadro LA - e do Secretário do Tribunal de Justiça - para os funcionários das categorias B, C e D. Ora, não existe qualquer relação hierárquica entre os membros do Tribunal de Primeira Instância, por um lado, e o comité administrativo ou o Secretário do Tribunal de Justiça, por outro. Por conseguinte, e ao contrário do que alega o recorrente, não existe qualquer confusão contrária ao princípio da separação de poderes entre o Tribunal de Primeira Instância, no exercício das suas funções jurisdicionais, e a administração do pessoal do Tribunal de Justiça.

50.
    Quanto ao princípio da não discriminação, há que afirmar que não existe qualquer diferença de tratamento entre os funcionários do Tribunal de Justiça, por um lado, e os funcionários das outras instituições comunitárias, por outro. Com efeito, a divulgação de afirmações injuriosas em relação aos membros do Tribunal de Primeira Instância, porque atenta contra o interesse da Comunidade e a dignidade da função pública europeia, constitui, para qualquer funcionário, violação dos deveres profissionais previstos nos artigos 11.°, primeiro parágrafo, 12.°, primeiro parágrafo, e 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto.

51.
    Relativamente ao princípio da imparcialidade do juiz, há que fazer notar que, como se pode ver pela análise do direito da função pública internacional e do direito constitucional de certos Estados-Membros, este princípio não tem valor absoluto. Com efeito, imperativos de interesse geral, e designadamente o de proteger a autonomia de determinadas instituições, podem exigir a introdução de restrições à aplicação deste princípio. Ora, a protecção da autonomia dos órgãos jurisdicionais comunitários exige que todas as questões disciplinares respeitantes aos funcionários do Tribunal de Primeira Instância e do Tribunal de Justiça, incluindo as respeitantes à divulgação de afirmações injuriosas contra os membros destes órgãos no exercício das respectivas funções, escapem à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.

52.
    Seria, por outro lado, incompatível com o princípio da igualdade de tratamento entre funcionários, fazer depender de uma condenação prévia pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes a aplicação de sanções disciplinares aos funcionários responsáveis de ultraje aos membros do Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, dada a multiplicidade de sedes das instituições comunitárias, a aplicação de sanções disciplinares pela mesma falta, isto é, a divulgação de propósitos injuriosos em relação aos membros do Tribunal de Primeira Instância, dependeria do conteúdo das diferentes disposições nacionais que tipificam o delito de ultraje e da apreciação de órgãos jurisdicionais nacionais diferentes.

53.
    Nestas condições, forçoso é concluir que, no estado actual do direito comunitário, a competência do Tribunal de Primeira Instância na fiscalização da legalidade das sanções aplicadas aos funcionários responsáveis de ultrajes contra ele é compatível com o princípio da imparcialidade do juiz.

54.
    O primeiro fundamento deve pois ser rejeitado por improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, assente em falta de queixa do Tribunal de Primeira Instância pelo ultraje

Argumentos das partes

55.
    O recorrente observa que o processo disciplinar foi instaurado por iniciativa do Secretário do Tribunal de Justiça, não havendo queixa por ultraje por parte dos Membros do Tribunal. Ora, em todos os sistemas jurídicos europeus, o delito de ultraje exigiria uma queixa do ofendido como requisito para a abertura da instrução. A apresentação dessa queixa seria igualmente necessária para a instauração de processos disciplinares aos funcionários europeus. Com efeito, como as disposições do Estatuto são omissas quanto ao conceito de ultraje, este deveria ser interpretado à luz do direito penal dos Estados-Membros.

56.
    A necessidade de queixa é contestada pelo recorrido, que sublinha que nenhuma disposição do Estatuto faz depender a instauração do processo disciplinar da iniciativa da vítima de uma actuação passível de sanção.

Apreciação do Tribunal

57.
    Basta observar a este propósito que, se a jurisprudência comunitária admite o recurso, pelas autoridades disciplinares, aos conceitos de direito penal para definir e eventualmente tipificar os factos submetidos à sua apreciação (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1973, De Greef/Comissão, 46/72, Recueil, p. 543, n.° 30; Colect., p. 231, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Williams/Tribunal de Contas, já referido acima no n.° 44, n.° 68), não as obriga, porém, a interpretar os conceitos utilizados nas suas decisões à luz do sentido habitualmente dado a esses conceitos no direito penal dos Estados-Membros.

58.
    Pelo contrário, no seu despacho de 21 de Janeiro de 1997, Williams/Tribunal de Contas, já referido acima no n.° 29, n.° 21, o Tribunal de Justiça afirmou expressamente que o Tribunal de Primeira Instância, chamado a pronunciar-se sobre a legalidade das sanções aplicadas a um funcionário por divulgação de afirmações injuriosas em relação aos membros do Tribunal de Contas, «não era obrigado a examinar se o comportamento do recorrente constituía uma difamação na acepção que pode ser dada a este conceito em direito penal». Daqui resulta que, tal como o Tribunal de Primeira Instância, no exercício da fiscalização da legalidade, a AIPN, no exercício da sua competência disciplinar, não está obrigada a inspirar-se no direito penal dos Estados-Membros.

59.
    À luz do que precede, há que concluir que, na falta de disposições que exijam uma queixa prévia por parte da pessoa ofendida, o processo disciplinar contra o recorrente foi regularmente instaurado por iniciativa do Secretário do Tribunal de Justiça.

60.
    Nestas circunstâncias, o quarto fundamento deve ser rejeitado, por improcedente.

Quanto ao quinto fundamento, assente em violação dos direitos da defesa, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes por falta de comunicação da acusação antes da audição de 3 de Outubro de 1995

Argumentos das partes

61.
    O recorrente alega que a AIPN não lhe comunicou a acusação antes da sua primeira audição, nos termos do artigo 87.° do Estatuto, perante o comité administrativo. A exigência de uma comunicação prévia dos factos imputados e dos fundamentos e argumentos invocados pela AIPN, embora não expressamente prevista no artigo 87.° do Estatuto, decorreria da jurisprudência comunitária. Com efeito, o Tribunal de Justiça teria excluído qualquer distinção, em matéria de meios de defesa, entre os diferentes tipos e fases do processo disciplinar (v. o acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Demon/Comissão, 115/80, Recueil, p. 3157, n.° 9).

62.
    Seria, aliás, juridicamente aberrante admitir que um processo como o regulado pelo artigo 87.°, que exige a audição do interessado, assistido pelo seu defensor, e que pode levar à aplicação de sanções (a repreensão e advertência por escrito) não impõe a comunicação prévia e detalhada das acusações feitas ao funcionário em causa.

63.
    Segundo o recorrido, nos termos do artigo 2.° do anexo IX e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a AIPN não está obrigada a comunicar a totalidade do dossier disciplinar ao funcionário que é objecto do processo disciplinar antes de recorrer ao Conselho de Disciplina, se tal lhe não for pedido pelo interessado (acórdão de 11 de Julho de 1985, R/Comissão, processos apensos 255/83 e 256/83, Recueil, p. 2473, n.° 18).

64.
    Resultaria de qualquer modo da acta da primeira audição de R. Teixeira Neves pelo comité administrativo que o recorrente, graças à comunicação sumária das acusações constante do memorando de 27 de Setembro de 1995, teve todas as possibilidades de se defender.

Apreciação do Tribunal

65.
    Há que salientar em primeiro lugar que, como decorre dos documentos juntos aos autos, na audição de 3 de Outubro de 1995, o recorrente foi ouvido, em cumprimento do disposto no artigo 87.°, segundo parágrafo, do Estatuto, para permitir ao comité administrativo decidir se se devia instaurar contra ele, o procedimento disciplinar do Anexo IX. A possibilidade de transformar a audição de 3 de Outubro de 1995 numa audição conforme à previsão do artigo 87.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, permitindo a adopção de uma sanção ligeira sem recurso ao procedimento do Anexo IX, nunca foi encarada. De onde resulta que a conformidade da convocatória do recorrente para a audição de 3 de Outubro de 1995 com as exigências decorrentes do respeito do direito de defesa e dos princípios do contraditório e da igualdade das partes deve ser apreciada à luz da função que desempenha a audição a que se refere o artigo 87.°, segundo parágrafo, do Estatuto.

66.
    Recorde-se a este propósito que, ao contrário da audição a que se refere o primeiro parágrafo do artigo 87.°, a audição prevista no segundo parágrafo do artigo 87.° destina-se apenas a permitir à AIPN apreciar prima facie, a realidade e a gravidade dos factos imputados ao funcionário em causa,à luz das explicações fornecidas por este, e formar a sua opinião quanto à oportunidade de submeter o caso ao conselho de disciplina para eventual aplicação de uma sanção disciplinar.

67.
    Atendendo à função da audição prévia e na falta de qualquer disposição estatutária que imponha à AIPN a comunicação ao funcionário visado dos documentos que constituem, nessa fase do processo, o seu dossier disciplinar, não pode considerar-se que a AIPN esteja obrigada, sem pedido do interessado, a comunicar a este, na íntegra, o pedido de instauração de um procedimento disciplinar contra ele. Basta que o funcionário em causa seja claramente informado de todos os factos que, nesse pedido, lhe são imputados e das disposições estatutárias invocadas contra ele.

68.
    No presente caso, há que sublinhar que, antes da audição prévia de 3 de Outubro de 1995, o recorrente não pediu a comunicação do acto através do qual o Secretário do Tribunal de Justiça tinha proposto ao comité administrativo que fosse instaurado contra ele um processo disciplinar nos termos do Anexo IX, e isto, apesar de a existência deste acto poder ser facilmente deduzida da convocatória para essa audição.

69.
    Há que notar ainda que, apesar de o recorrente não ter tido conhecimento do teor integral do pedido de instauração do procedimento disciplinar antes da audição prévia de 3 de Outubro de 1995, a comunicação das acusações constante da convocatória para essa audição lhe forneceu todos os elementos necessários para a sua defesa.

70.
    A este respeito, importa sublinhar que, sendo os factos perfeitamente conhecidos do recorrente e a sua autenticidade incontestável, não era necessário que este recebesse uma exposição detalhada dos elementos de facto que justificavam o pedido de instauração do procedimento disciplinar tal como este foi remetido pelo Secretário do Tribunal de Justiça ao comité administrativo.

71.
    Quanto às disposições do Estatuto invocadas para sustento desse pedido, é verdade que a convocatória do recorrente para a audição prévia de 3 de Outubro de 1995 se limitava a qualificar as afirmações por ele divulgadas como uma «falta grave [às] obrigações profissionais» a que estão sujeitos os funcionários. Há que excluir, porém, que nas circunstâncias do caso ora em apreço, o recorrente tenha podido enganar-se sobre a natureza das infracções que lhe eram imputadas.

72.
    Finalmente, o recorrente não contesta que, em cumprimento do disposto no artigo 2.° do Anexo IX, a AIPN, depois de submeter o caso ao Conselho de Disciplina, lhe comunicou a totalidade do processo, incluindo o pedido de instauração do procedimento disciplinar contra ele. O recorrente pôde, pois, pronunciar-se sobre todos os argumentos e apreciações jurídicas desenvolvidas nesse pedido pelo Secretário do Tribunal de Justiça tanto na audição pelo Conselho de Disciplina de 23 de Março de 1996 como na audição pelo comité administrativo de 9 de Dezembro de 1996.

73.
    Nestas condições o quinto fundamento deve ser rejeitado, por improcedente.

Quanto ao sexto fundamento, assente em violação dos direitos de defesa, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, devido à participação da parte adversa nas deliberações do comité administrativo

Argumentos das partes

74.
    Segundo o recorrente, o Secretário R. Grass e B. Pommiès, chefe da Divisão de pessoal, não teriam saído da sala depois da audição de 3 de Outubro de 1995 e teriam assim podido, na sua ausência, acrescentar novos argumentos. Os mesmos teriam, aliás, participado nas reuniões do comité administrativo de 9 de Dezembro de 1996 e 20 de Janeiro de 1997, reuniões essas durante as quais teria sido decidido infligir-lhe a sanção impugnada.

75.
    O recorrido, por seu lado, afirma que as deliberações sobre a decisão a tomar em relação ao recorrente tiveram lugar na reunião do comité administrativo de 20 de Janeiro de 1997, e que R. Grass e B. Pommiès foram convidados a sair da sala durante as deliberações sobre o processo disciplinar.

Apreciação do Tribunal

76.
    Há que salientar que o recorrente não apresentou qualquer prova da sua afirmação de que R. Grass e B. Pommiès não abandonaram a sala depois da audição de 3 de Outubro de 1995.

77.
    O recorrente também não provou que a decisão impugnada tenha sido tomada no decurso da reunião do comité administrativo de 9 de Dezembro de 1996. Pelo contrário, resulta da acta da reunião do comité administrativo de 20 de Janeiro de 1997 que a decisão a respeito do seguimento a dar ao procedimento disciplinar instaurado contra o recorrente foi tomada nesta reunião, sem a presença de R. Grass e B. Pommiès.

78.
    O sexto fundamento deve pois ser rejeitado, por improcedente.

Quanto ao sétimo fundamento, assente em violação da presunção de inocência

Argumentos das partes

79.
    O recorrente afirma que a sua culpabilidade foi presumida ab initio, que o recorrido tentou manipular o processo disciplinar, designadamente a audição de 3 de Outubro de 1995, de modo a não lhe dar qualquer hipótese de defesa e, por último, que foi alvo de intimidações destinadas a extorquir-lhe «meias confissões».

80.
    O recorrido alega que respeitou todas as garantias previstas no Estatuto a favor do funcionário acusado, designadamente a presunção de inocência. O facto de o comité administrativo ter decidido manter apenas a acusação relativa ao ultraje ao Tribunal de Primeira Instância demonstraria isso mesmo.

Apreciação do Tribunal

81.
    Há que realçar, em primeiro lugar, que, no presente caso, a realidade dos factos imputados ao recorrente, isto é, a divulgação de duas propostas de moções para uma assembleia geral do pessoal e o conteúdo dessas propostas nunca foi contestada.

82.
    Relativamente à apreciação do carácter injurioso e difamatório das afirmações constantes dessas propostas e à sua caracterização como violação dos deveres profissionais do funcionário, nada no processo indica que o comité administrativo, no decurso do procedimento disciplinar, se tenha afastado da presunção de inocência. Pelo contrário, o facto de o comité administrativo, depois do parecer do Conselho de Disciplina, ter decidido renunciar à acusação relativa à divulgação da proposta respeitante ao assédio sexual demonstra que não existia qualquer presunção contra o recorrente.

83.
    Finalmente, o recorrente não apresentou qualquer prova das suas alegações sobre pretensas tentativas de manipulação do procedimento disciplinar e de intimidações destinadas a extorquir-lhe «meias confissões».

84.
    Nestas condições, o sétimo fundamento deve ser rejeitado, por improcedente.

Quanto ao oitavo fundamento, assente em falta de independência do Conselho de Disciplina

Argumentos das partes

85.
    O recorrente sustenta que o Conselho de Disciplina, apesar da solidariedade que lhe demonstrou, foi intimidado, como se poderia ver pelas inúmeras concessões à administração constantes do parecer que emitiu.

86.
    O recorrido retorque que o parecer favorável ao recorrente adoptado pelo Conselho de Disciplina demonstra que este se considerou completamente independente.

Apreciação do Tribunal

87.
    Basta notar que as alegações do recorrente quanto às intimidações de que teria sido alvo o Conselho de Disciplina não são sustentadas pelo oferecimento de qualquer prova.

88.
    O oitavo fundamento deve, assim, ser rejeitado.

Quanto ao nono fundamento, assente em violação da liberdade sindical e das prerrogativas do comité do pessoal e da assembleia geral do pessoal

Argumentos das partes

89.
    O recorrente afirma que divulgou as moções incriminadas simultaneamente a título pessoal e como membro de uma organização profissional, a TAO/AFI (Association des Fonctionnaires Indépendants pour la Défense de la Fonction Publique Européenne) e que, reivindicar um direito dos funcionários, como o direito de se representarem a si próprios perante o Tribunal, é uma actividade abrangida pela liberdade sindical.

90.
    Acrescenta que ao divulgar por correio electrónico as moções em causa agiu por conta do comité do pessoal que tem o dever de divulgar as moções apresentadas antes da assembleia geral. Ao aplicar ao recorrente uma sanção disciplinar, o recorrido teria sancionado um acto juridicamente imputável ao comité do pessoal e teria assim violado as prerrogativas deste.

91.
    Finalmente, o recorrente acusa a AIPN de considerar ipso facto como injuriosas quaisquer críticas à actuação da administração, o que retiraria qualquer utilidade às assembleias gerais do pessoal.

92.
    O recorrido contesta que as moções em causa tenham sido divulgados ao pessoal do Tribunal de Justiça no quadro de uma actividade sindical ou por conta do comité do pessoal.

93.
    Quanto à violação das prerrogativas da assembleia geral, o recorrido invoca a jurisprudência Williams da qual resultaria que textos injuriosos não podem ser difundidos impunemente sob pretexto de exercício de uma actividade sindical, porque o dever de reserva a que o funcionário está adstrito abrange toda a esfera de relações entre este e a sua instituição (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 26 de Novembro de 1991, Williams/Tribunal de Contas, já referido acima no n.° 44, n.os 72 e 76, e de 7 de Março de 1996, Williams/Tribunal de Contas, já acima referido no n.° 29, n.os 68 e 99).

Apreciação do Tribunal

94.
    Recorde-se que, como realça com razão o recorrido, no seu acórdão de 7 de Março de 1996, Williams/Tribunal de Contas, já acima referido no n.° 29, n.° 68, o Tribunal de Primeira Instância declarou que o dever de respeito pela dignidade da função se impõe ao funcionário «em quaisquer circunstâncias e designadamente no quadro de uma eleição para o comité do pessoal, dado que a sua qualidade de funcionário constitui precisamente uma condição de candidatura».

95.
    Esta jurisprudência é aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço. Com efeito, a qualidade de funcionário é uma das condições tanto para ser membro de uma organização profissional europeia como para participar na assembleia geral do pessoal. De onde decorre que o recorrente não podia utilizar como pretexto o exercício da liberdade sindical para infringir impunemente os seus deveres profissionais.

96.
    Há que recordar igualmente, porém, que, como resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1999, CES/E (C-150/98 P, Colect., p. I-8877, n.° 15), determinadas circunstâncias podem justificar uma interpretação menos rigorosa do dever de reserva a que estão sujeitos os funcionários. É o que acontece nomeadamente quando estes fazem uso da sua liberdade de expressão tendo em vista uma assembleia geral do pessoal. Neste caso, o dever de reserva só pode considerar-se violado se houver expressões gravemente injuriosas ou gravemente atentatórias do respeito devido às pessoas visadas.

97.
    No presente caso, é forçoso constatar que as afirmações divulgadas pelo recorrente são, como já foi decidido nos n.os 30 e 31 supra, gravemente atentatórias tanto da honorabilidade profissional dos membros do Tribunal de Primeira Instância como do respeito devido à Justiça. Ultrapassam, pois, em muito, os limites de tolerância impostos pela exigência de conciliar o dever de reserva dos funcionários com a sua liberdade sindical.

98.
    Finalmente, no que se refere ao argumento de que as propostas em causa foram divulgadas em nome e por conta do comité do pessoal, basta notar que este argumento não foi apoiado por qualquer prova. Com efeito, o recorrente não demonstrou que o comité do pessoal lhe tenha confiado essa tarefa.

99.
    O nono fundamento deve, pois, ser rejeitado.

Quanto ao décimo fundamento, assente em desvio de poder

Argumentos das partes

100.
    Segundo o recorrente, a decisão impugnada visa apenas prosseguir a campanha de assédio psicológico há muito iniciada contra ele.

101.
    O recorrido contrapõe que só instaura processos disciplinares em último recurso e que, pela decisão impugnada, pretendia apenas proteger as vítimas das injúrias do recorrente, como lhe impunha o dever de assistência previsto no artigo 24.° do Estatuto.

Apreciação do Tribunal

102.
    Há que recordar que segundo jurisprudência constante, só se presume a existência de desvio de poder quando existam provas suficientes de que, ao adoptar o acto em causa, a entidade investida do poder de nomeação prosseguiu um fim diferente do legal (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1992, Hochbaum/Comissão, C-107/90 P, Colect., p. I-157, n.° 14).

103.
    No caso vertente, ter-se-á que constatar que o recorrente não provou que a sanção controvertida lhe foi aplicada com outra finalidade que não a de reagir à violação dos deveres profissionais por ele cometida.

104.
    Por conseguinte, o décimo fundamento deve ser rejeitado, por improcedente.

Quanto ao décimo primeiro fundamento, assente em violação do princípio da proporcionalidade e em falta ou insuficiência da fundamentação

Argumentos das partes

105.
    O recorrente alega, a título subsidiário e por excesso, que a sanção aplicada é desproporcionada, tendo em conta a inexistência de reincidência e o facto de o conselho de disciplina se ter pronunciado pela absolvição.

106.
    Acrescenta que a fundamentação da decisão em causa, por um lado, contém afirmações ininteligíveis e incongruentes, como a de considerar que as atenuantes «não podem justificar» em vez de «não diminuem» a falta do recorrente. Por outro lado, essa fundamentação assenta em erros de direito, porque rejeita a existência de atenuantes, como a recusa continuada, da AIPN, de promover o recorrente ou o atraso anormal na tramitação do processo T-500/93, e considera como circunstância agravante o facto de o recorrente ter referido na segunda audição as exortações que recebeu para desistir do processo «porque o Tribunal não podia 'fazer perder a face‘ ao Tribunal de Justiça».

107.
    O recorrido refuta esta argumentação. Refere a jurisprudência do Tribunal que reconhece à AIPN um amplo poder de apreciação quanto à escolha da sanção a aplicar. Por outro lado, segundo o recorrido, a adequação da sanção aplicada no caso é incontestável, atendendo à gravidade da falta cometida pelo recorrente.

Apreciação do Tribunal

108.
    Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, quando esteja demonstrada a realidade dos factos considerados contra um funcionário, a escolha da sanção disciplinar adequada compete à AIPN. O tribunal comunitário não pode substituir a apreciação dessa autoridade pela sua apreciação, excepto em caso de erro manifesto ou de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1997, Daffix/Comissão, T-12/94, Colect.FP, p. I-A-453 e II-1197, n.° 63).

109.
    No presente caso, tendo em conta a gravidade dos factos imputados ao recorrente e designadamente o facto de ele ter, com as suas afirmações injuriosas, atentado tanto contra a honorabilidade profissional dos membros do Tribunal de Primeira Instância como contra o respeito devido à Justiça, forçoso é constatar que a sanção aplicada, isto é, a descida de um único escalão, não é manifestamente desproporcionada.

110.
    Relativamente à falta ou insuficiência de fundamentação, há que recordar que, segundo jurisprudência perfeitamente assente, a fundamentação de uma decisão que afecta interesses deve permitir ao órgão jurisdicional comunitário exercer o seu controlo da legalidade e fornecer ao interessado as indicações necessárias para saber se a decisão é fundada (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1997, Comissão/V, C-188/96, Colect., p. I-6561, n.° 26).

111.
    Ora, no caso em apreço, ao rejeitar as circunstâncias atenuantes consideradas pelo Conselho de Disciplina, a decisão impugnada satisfaz estes requisitos. Com efeito, resulta claramente do seu texto ou que as circunstâncias invocadas para mitigar a responsabilidade do recorrente foram rejeitadas por serem inexistentes - é o caso da pretensa dificuldade do recorrente em expressar-se em francês - ou que a gravidade dos factos que lhe foram imputados teve como efeito a aniquilação das circunstâncias atenuantes invocadas - é o caso da falta de promoção e do tempo que foi necessário à tramitação do processo T-500/93.

112.
    O recorrente também não pode alegar que o comité administrativo considerou como circunstância agravante o facto de ele ter mencionado, na segunda audição, as exortações que lhe foram feitas para desistir do processo «porque o Tribunal não podia 'fazer perder a face‘ ao Tribunal de Justiça». Com efeito, decorre da leitura da decisão impugnada que o comité administrativo não considerou como circunstância agravante as afirmações do recorrente na audição de 9 de Dezembrode 1996, mas que se limitou a excluir, com base nessas afirmações, incluindo a que ora foi citada, que o recorrente tivesse mudado de atitude durante o procedimento disciplinar e, por conseguinte, a possibilidade de ele beneficiar da circunstância atenuante, baseada no seu pedido de desculpas constante do memorando de 10 de Novembro de 1995, como tinha sido sugerido pelo Conselho de Disciplina no seu parecer.

113.
    Decorre de quanto precede que o décimo primeiro fundamento deve ser rejeitado e que o pedido de anulação deve ser rejeitado no seu todo.

Quanto ao pedido de indemnização

Argumentos das partes

114.
    O recorrente lembra que, segundo jurisprudência assente, se os prazos fixados no artigo 7.° do anexo IX não são peremptórios, o seu desrespeito pode ser gerador de responsabilidade civil da instituição pelos danos morais causados ao funcionário em causa (acórdão de 19 de Abril de 1988, M/Conselho, 175/86 e 209/86, Colect., p. 1891, n.° 16).

115.
    Ora, no presente caso, o processo disciplinar prolongou-se por dezasseis meses. Ao exceder largamente os prazos fixados à AIPN pelo artigo 7.°, n.° 3, do anexo IX, o comité administrativo adoptou a decisão que aplicou a sanção sete meses depois da transmissão do parecer do Conselho de Disciplina. A isto acresceria o facto de não haver qualquer causa legítima para este atraso, que visaria unicamente agravar os danos sofridos pelo recorrente em consequência da instauração do processo disciplinar contra ele.

116.
    Segundo o recorrente, o prejuízo por ele sofrido não pode ser reparado de modo adequado pela mera anulação da sanção disciplinar. Com efeito, o recorrente teria sido profundamente ferido pelas acusações injustas e infundadas que o recorrido formulou contra ele, de tal modo que, durante o longo processo disciplinar que lhe foi movido, sofreu depressões e perdeu oportunidades de promoção e transferência.

117.
    O recorrente entende que os graves danos morais que sofreu impõem uma indemnização de um montante significativo. Este montante, que, na petição inicial, tinha sido fixado em BFR 2 000 000, ter-se-ia revelado posteriormente manifestamente insuficiente e isto por duas razões. Em primeiro lugar, o recorrente esperou, durante a fase escrita do processo, que o recorrido se apercebesse da ilegalidade da decisão impugnada. Limitou-se, pois, a pedir uma indemnização conforme ao prejuízo sofrido. Por outro lado, em 1997, a jurisprudência comunitária em matéria de responsabilidade extra-contratual da Comunidade por danos morais causados aos funcionários era restritiva, o montante máximo das indemnizações atribuídas não ultrapassava as centenas de milhar de francos. Só no acórdão de 28 de Setembro de 1999, Frederiksen/Parlamento (T-48/97, ainda não publicado na Colectânea), é que o Tribunal de Primeira Instância atribuiu, pela primeira vez, a um funcionário uma indemnização de BFR 3 000 000.

118.
    O recorrente sublinha que o aumento da indemnização pedida não constitui uma ampliação do pedido inicial e que esse aumento pode ser requerido em qualquer altura no decurso do processo. É por esta razão que, revendo o montante de indemnização pedido, eleva o quantitativo da reparação para BFR 3 000 000.

119.
    O recorrido observa que o recorrente contribuiu ele próprio para prolongar a duração do procedimento disciplinar. Seja como for, na medida em que a ultrapassagem dos prazos estatutários lhe pudesse ser imputada, o recorrido lembra que, segundo jurisprudência assente, esses prazos não são peremptórios e que, quando o processo disciplinar é conduzido com diligência e cada actoprocessual é praticado num prazo razoável relativamente ao que o precede, esses prazos podem ser excedidos.

120.
    O recorrido acrescenta que o recorrente não provou a existência de um comportamento culposo da sua parte, nem a existência do prejuízo alegadamente sofrido. Em qualquer caso, se o Tribunal viesse a declarar a sua responsabilidade, o recorrido entende que a anulação da sanção disciplinar constituiria reparação adequada e suficiente dos danos morais alegados pelo recorrente.

Apreciação do Tribunal

121.
    Há que recordar que, para que a Comunidade incorra em responsabilidade é preciso que estejam reunidos um conjunto de requisitos relativos à ilegalidade do comportamento imputado à instituição, à realidade do dano alegado e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1998, Ouzounoff Popoff/Comissão, T-236/97, Colect.FP, p. I-A-311 e II-905, n.° 63).

122.
    No presente caso, nenhum desses requisitos se encontra preenchido. Com efeito, o recorrente não provou a ilegalidade da decisão impugnada ou a realidade do dano alegado - designadamente as depressões de que afirma ter sofrido e as oportunidades de promoção e de transferência que declara ter perdido - nem a existência de um nexo de causalidade entre o prejuízo alegado e a decisão impugnada.

123.
    Quanto à duração do procedimento disciplinar, é verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o desrespeito dos prazos previstos no artigo 7.° do Anexo IX do Estatuto pode, em certas condições, fazer incorrer a instituição em responsabilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1970, Van Eick/Comissão, 13/69, Recueil, p. 3, n.° 7; Colect. 1969-1970, p. 251). Constitui, porém, igualmente jurisprudência constante que os prazos previstos pelo artigo 7.° do Anexo IX não são peremptórios mas enunciam uma regra de boa administração que impõe à instituição que conduza com diligência o procedimento disciplinar e que actue de modo a que cada acto processual siga num prazo razoável o que o precede (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Janeiro de 1995, D/Comissão, T-549/93, Colect.FP, p.I-A-13 e II-43, n.° 25). O Tribunal de Justiça acrescenta ainda que, para avaliar em que prazo razoável deve ser conduzido um processo disciplinar, o juiz comunitário apenas deve «considerar o tempo decorrido entre um acto processual e o seguinte. Essa apreciação é independente da duração total do processo [disciplinar]» (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1994, De Compte/Parlamento, C-326/92 P, Colect., p. I-2091, n.° 31).

124.
    Resulta da jurisprudência acima citada que o facto de o procedimento disciplinar instaurado contra o recorrente se ter prolongado durante 16 meses não é, por si só, decisivo. Quanto ao tempo transcorrido entre cada acto processual e o seguinte, há que salientar que:

-    o recorrente foi ouvido pela primeira vez em 3 de Outubro de 1995;

-    o caso foi submetido ao Conselho de Disciplina em 24 de Outubro de 1995;

-    o Conselho de Disciplina deu o seu parecer em 21 de Junho de 1996, depois da apresentação de uma reclamação de R. Teixeira Neves contra a primeira audição e a instauração do procedimento disciplinar (21 de Dezembro de 1995) e do indeferimento desta pelo comité de reclamações (26 de Março de 1996);

-    o comité administrativo reuniu-se em 7 de Outubro de 1996 para examinar qual o seguimento a dar ao parecer do Conselho de Disciplina e, por carta de 25 de Outubro de 1996, o recorrente foi convocado para nova audição em 11 de Novembro de 1996;

-    a audição foi adiada para 9 de Dezembro de 1996, a pedido do recorrente, para permitir ao seu defensor assistir a essa audição;

-    a decisão final foi adoptada pelo comité administrativo em 20 de Janeiro de 1997.

125.
    Resulta desta breve resenha do processo disciplinar que o tempo que transcorreu entre cada acto processual e o seguinte foi perfeitamente razoável e que, se houve atraso, este foi devido à necessidade de respeitar os direitos do recorrente que resultam dos artigos 90.° do Estatuto e 7.°, n.° 3, do Anexo IX.

126.
    Nestas condições, o pedido de indemnização deve ser rejeitado, por improcedente.

127.
    O recurso deve, pois, ser rejeitado na íntegra.

Quanto às despesas

128.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Porém, nos termos do artigo 88.° do mesmo Regulamento, nos litígios entre a Comunidade e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas.

129.
    Tendo o recorrente sido vencido e tendo o Tribunal de Justiça requerido que o Tribunal decida sobre as despesas nos termos legais, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1.
    O recurso é rejeitado.

2.
    Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Tiili                    Moura Ramos                Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Setembro de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: português.