Language of document : ECLI:EU:T:2000:217

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)

27 de Setembro de 2000 (1)

«Auxílios de Estado - Recurso de anulação - Interesse em agir - Inadmissibilidade parcial - Artigo 92.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 87.°, n.° 3, CE) - Directiva 92/81/CEE - Noção de 'projecto-piloto para o desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes‘»

No processo T-184/97,

BP Chemicals Ltd, com sede em Londres (Reino Unido), representada por J. Flynn, barrister, e J. A. Rodriguez, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de advogados Loesch et Wolter, 11, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por N. Khan, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger, subdirectora do direito internacional económico e do direito comunitário na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e C. Vasak, secretária-adjunta dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 8 B, boulevard Joseph II,

interveniente,

que tem por objecto a anulação da Decisão da Comissão, de 9 de Abril de 1997 [SG(97) D/3266], relativa a um regime de auxílios aos biocarburantes franceses,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),

composto por: A. Potocki, presidente, K. Lenaerts, J. Azizi, M. Jaeger e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Setembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento legal

1.
    A Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), afirma, no seu sexto considerando, que «é oportuno dar aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem a título facultativo outras isenções ou taxas reduzidas nos respectivos territórios, sempre que tal não dê azo a distorções de concorrência».

2.
    Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, desta directiva os «Estados-Membros aplicam aos óleos minerais um imposto especial de consumo harmonizado de acordo com o disposto na presente directiva». Assim, segundo o artigo 3.°, «[e]m cada Estado-Membro, os óleos minerais são sujeitos a um imposto especial de consumo, específico, calculado por 1 000 litros de produto a uma temperatura de 15 °C».

3.
    O artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 92/81, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 94/74/CE do Conselho de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46), dispõe: «Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros podem aplicar isenções ou reduções totais ou parciais da taxa do imposto especial de consumo aos óleos minerais utilizados sob controlo fiscal: [...] d) Em projectos-piloto de desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes e, principalmente, em relação aos combustíveis provenientes de fontes renováveis...».

4.
    Finalmente o artigo 8.°, n.° 4, permite ao Conselho, deliberando por unanimidade, que autorize qualquer Estado-Membro a introduzir outras isenções para além das explicitamente previstas na Directiva 92/81.

Matéria de facto subjacente ao litígio

5.
    A recorrente, BP Chemicals Ltd, é o principal produtor europeu de etanol sintético. Não realiza, porém, qualquer actividade de produção de etanol de origem agrícola. Esta sociedade é uma filial a 100% da BP Amoco plc (anteriormente The British Petroleum Company plc).

Os regimes de auxílio em causa

6.
    A República Francesa, na sua lei de finanças para 1992 (lei n.° 91-1322, de 30 de Dezembro de 1991, JORF de 31 de Dezembro de 1991, p. 17229), isentou até 31 de Dezembro de 1996, do imposto interno sobre o consumo os estéres de óleo de colza e de girassol utilizados em substituição do fuel doméstico e do gasóleo, bem como o álcool etílico elaborado a partir de cereais, topinambo, batata ou beterraba e incorporado nos supercombustíveis e nas gasolinas, e os derivados desse álcool.

7.
    A recorrente apresentou à Comissão, em 25 de Julho de 1994, uma denúncia a respeito deste regime de auxílios.

8.
    Através de uma comunicação no Jornal Oficial de 9 de Junho de 1995 (JO C 143, p. 8), a Comissão informou os interessados da sua decisão de dar início ao processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 2, CE) a propósito deste regime de auxílios instituído pelas autoridades francesas e solicitou aos interessados que apresentassem as suas observações [decisão de 18 de Dezembro de 1996, ponto II, 1].

9.
    A Comissão adoptou, em 18 de Dezembro de 1996, a Decisão 97/542/CE, relativa às isenções fiscais para os biocombustíveis em França (JO 1997, L 222, p. 26, a seguir «decisão de 18 de Dezembro de 1996»), que dispõe designadamente: «Os auxílios concedidos em França sob forma de isenção fiscal a favor dos biocombustíveis de origem agrícola... são ilegais por terem sido concedidos com violação das regras de processo enunciadas no n.° 3 do artigo 93.° do Tratado. Estes auxílios são incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado. A França fica obrigada a suprimir os auxílios a que se refere o artigo 2.° no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão.» [acórdão Pantochim, n.° 10].

10.
    As principais objecções da Comissão em relação a este regime de auxílios diziam respeito ao número limitado de produtos agrícolas a partir dos quais os biocarburantes podiam ser fabricados e à obrigação de cultivar esses produtos em terras de pousio.

11.
    Em Novembro de 1996, as autoridades francesas notificaram à Comissão um regime modificado de auxílios aos biocarburantes (a seguir «regime contestado»).

12.
    Por decisão de 9 de Abril de 1997, a Comissão declarou o regime contestado compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado (a seguir «decisão impugnada»).

13.
    Esta decisão foi adoptada sem publicação prévia no Jornal Oficial de qualquer notificação convidando os terceiros interessados a apresentarem as suas observações. A recorrente obteve uma cópia desta decisão em 11 de Junho de 1997. A decisão não foi publicada no Jornal Oficial.

14.
    No corpo da decisão impugnada, a Comissão precisava:

«[página 2] A França prevê a concessão de uma redução do Imposto Interno sobre os Produtos Petrolíferos (IIPP) relativamente a certos produtos obtidos a partir de matérias-primas vegetais e destinados a serem incorporados em carburantes ou combustíveis...

A colocação no mercado dos referidos produtos beneficiará de uma isenção total ou parcial do IIPP, até um limite máximo global anual, a fim de compensar parcialmente o custo de produção mais elevado destes produtos em relação aos de origem fóssil...

Haverá uma taxa de isenção para a categoria estéres e outra para a categoria [éter etilterbutílico]...

[página 3] O benefício desta isenção de IIPP será concedido às unidades de produção de biocarburantes reconhecidas pelas vossas autoridades na sequência de um convite à apresentação de candidaturas publicado no Jornal Oficial dasComunidades Europeias. Esse reconhecimento autorizará as unidades em causa a lançar no mercado em França um determinado volume de biocarburantes que beneficiará da isenção fiscal prevista pela lei de finanças anual...

[página 7] O sector dos biocarburantes é objecto de comércio e, portanto, de concorrência, entre Estados-Membros. Como é óbvio, os biocarburantes estão em concorrência com a maior parte dos carburantes e dos combustíveis de origem fóssil.

Designadamente o ETBE está em concorrência com o éter metilterbutil (MTBE) que se obtém a partir do metanol, que é normalmente produzido a partir do gás natural, o que lhe permite ter custos de produção inferiores em cerca de metade aos do ETBE. Estes dois produtos são perfeitamente substituíveis e servem para aumentar o teor em octano da gasolina sem chumbo...

Há que recordar liminarmente que, segundo as vossas autoridades, as medidas por elas tomadas até à data em matéria de promoção dos biocarburantes se limitaram a estudar a possibilidade técnica da produção destes em unidades-piloto e de incorporação nos carburantes e combustíveis colocados no mercado no seu território. Trata-se agora de demonstrar a exequibilidade económica das categorias biocarburantes e de conseguir melhores resultados económicos...

Como os biocarburantes estão em concorrência com os carburantes e combustíveis de origens fósseis como aditivos ou substitutos e são objecto de comércio intracomunitário, os auxílios em causa são susceptíveis de afectar esse comércio e de falsear a concorrência...

[página 9] Como o projecto de dispositivo tem como efeito o desenvolvimento de um sector de actividade que se pretende promover na Comunidade, ter-se-á que assegurar que esse dispositivo não afecta o comércio em medida contrária ao interesse comum. Neste aspecto, a derrogação prevista no artigo [92.°, n.° 3, alínea c)] só pode aplicar-se se o dispositivo em causa definir critérios objectivos para as condições de elegibilidade das empresas interessadas... bem como a inexistência de discricionariedade na escolha pelos poderes públicos das unidades de produção que poderão beneficiar da isenção...

[página 11] Em contrapartida, põe-se a questão de saber em que medida as capacidades de produção desenvolvidas em França graças ao regime de auxílios que a Comissão acaba de declarar ilegal e incompatível com o Tratado [CE] entram em conta na determinação dos volumes para os quais uma unidade pode pedir a aprovação.

É óbvio que não se pretende tornar a elegibilidade dessas empresas mais complicada do que a dos outros produtores potencialmente interessados. No entanto, há que evitar que os únicos beneficiários efectivos do dispositivo sejam osprodutores franceses de biocarburantes graças à sua disponibilidade ex ante de uma capacidade de produção desenvolvida com base num regime de auxílios não conforme ao direito comunitário.

A Comissão já tratou desta questão na referida decisão, em que considerou que 'o benefício do auxílio que foi directamente concedido aos fabricantes (de biocarburantes) era, ao nível destes, de carácter passageiro ou, pelo menos, marginal, embora não quantificável. É certo que o auxílio lhes permitia fornecer a um preço concorrencial quantidades de biocarburantes que eram, porém, em relação ao mercado dos biocarburantes em geral, relativamente pouco importantes‘...

[página 12] Em conclusão, o projecto de dispositivo de isenção tal como foi notificado pelas vossas autoridades não falseia a concorrência nem afecta o comércio em medida contrária ao interesse comum, visto que não contém nenhum elemento de discriminação nos critérios de elegibilidade das empresas nem nenhum elemento de discricionariedade na escolha dos beneficiários e na concessão das aprovações. Pode assim beneficiar da derrogação prevista no artigo [92.°, n.° 3, alínea c)], por se destinar a facilitar o desenvolvimento de certas actividades, tendo em conta o facto de que se inscreve na estratégia de redução da dependência energética do petróleo, de desenvolvimento de fontes de energia alternativas e de melhor utilização dos recursos agrícolas...

Por último, a Comissão regista que a presente notificação se refere a uma redução do imposto sobre o consumo sujeita às regras da Directiva 92/81...

[página 13] Com base nas informações prestadas pelas autoridades francesas, verifica-se que estamos perante a 'aplicação de um programa limitado de não tributação, destinado a demonstrar a exequibilidade industrial das categorias biocarburantes e a conseguir melhores resultados económicos‘.

É igualmente patente que este programa tem um alcance limitado, dado que os biocarburantes só representam actualmente em França cerca de 0,5% do consumo de produtos petrolíferos e 0,8% do mercado dos carburantes.

Está prevista uma vigilância rigorosa dos produtos para controlar eventuais incidentes ligados à utilização dos produtos de origem vegetal e para informar e proteger o consumidor.

Serão igualmente realizados testes complementares sobre a estabilidade do produto em armazenamento e sobre os problemas de corrosão.

Por todas estas razões, verifica-se que o dispositivo notificado tem as características de um projecto-piloto na acepção do artigo [8.°, n.° 2, alínea d)] da Directiva 92/81...

À luz das considerações acima expostas, tenho a honra de vos informar que a Comissão decidiu não levantar objecções com fundamento nas disposições relativas aos auxílios de Estado em matéria de isenção do Imposto interno sobre os produtos petrolíferos que a França pretende conceder a certos volumes de ETBE e de estéres metílicos...»

15.
    Na lei de finanças rectificativa para 1997 (lei n.° 97-1239, de 29 de Dezembro de 1997, JORF de 29 e 30 de Dezembro de 1997, p. 19101), a República Francesa previu, no artigo 25.°, uma isenção parcial do IIPP fixado, por um lado, em 230 FRF/hl para os estéres de óleo vegetal incorporados no fuel doméstico e no gasóleo e, por outro, de 329,50 FRF/hl para o teor em álcool dos derivados do álcool etílico (designadamente etil-ter-butil-etere, a seguir «ETBE») de origem agrícola incorporados nos supercarburantes e nas gasolinas. Esta isenção fiscal aproveita às unidades de produção reconhecidas pelas autoridades francesas após convite à apresentação de candidaturas publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

16.
    Um convite à apresentação de candidaturas para autorização de unidades de produção de biocarburantes para volumes máximos de 350 000 toneladas de estéres e 270 000 toneladas de ETBE foi publicado no Jornal Oficial de 19 de Novembro de 1997 (JO C 350, p. 26). Por carta de 18 de Fevereiro de 1998, as autoridades francesas comunicaram à Comissão o teor e os resultados do referido convite à apresentação de candidaturas. Foram apresentados quatro pedidos de autorização, para um volume total de 227 600 toneladas por ano no quadro da categoria ETBE.

O mercado dos biocarburantes

17.
    O termo «biocarburante» é um termo genérico que engloba stricto sensu apenas os combustíveis de origem biológica não fóssil. Este termo é igualmente utilizado, de um modo geral, para descrever misturas de carburantes, que contêm tanto componentes de origem fóssil como «biocarburantes» em sentido estrito.

18.
    Portanto, os biocarburantes em sentido lato, em causa no presente processo, podem dividir-se em duas grandes categorias: por um lado, o etanol utilizado enquanto tal como carburante, embora ainda esteja actualmente apenas em fase experimental e, por outro, os bioaditivos aos carburantes destinados a aumentar a taxa de octano destes. Esta segunda categoria pode ainda dividir-se em duas subcategorias: por um lado, os bioaditivos do gasóleo e, por outro, os bioaditivos da gasolina.

19.
    A decisão impugnada incide, essencialmente, sobre as medidas previstas no quadro do regime contestado a respeito destas duas últimas subcategorias: por um lado, o ETBE, que é utilizado como bioaditivo da gasolina e, por outro, os estéres de óleos de colza e de girassol, utilizados como bioaditivos do gasóleo e do fuel doméstico. No presente recurso, a recorrente contesta a decisão impugnadaessencialmente na parte em que esta incide sobre as medidas do regime contestado respeitantes à categoria ETBE.

20.
    O ETBE é produzido por reacção catalítica entre o isobutileno (produto petroquímico) e o etanol (cuja designação corrente é «álcool») em quantidades mais ou menos equivalentes. Este etanol pode ser obtido quer a partir de produtos agrícolas (a seguir «bioetanol»), quer sinteticamente com etileno (produto petroquímico) e água.

21.
    O MTBE, que é produzido por reacção catalítica entre o isobutileno e o metanol, um derivado do metano, quer dizer, do gás natural, pode igualmente ser utilizado como aditivo para aumentar o nível de octano na gasolina.

Tramitação processual

22.
    Por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Junho de 1997, a recorrente interpôs o presente recurso, ao abrigo do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE).

23.
    

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Setembro de 1997, a República Francesa solicitou a sua admissão como parte interveniente em apoio da posição da recorrida.

24.
    Por despacho do presidente da Terceira Secção Alargada, de 9 de Dezembro de 1997, esse pedido foi deferido.

25.
    Visto o relatório do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo. No quadro das medidas de organização processual, convidou as partes a responderem por escrito a determinadas questões, o que estas fizeram. Na sequência das respostas escritas dadas pela recorrida, a recorrente, por carta de 7 de Setembro de 1999, requereu a apresentação pela recorrida de determinados documentos suplementares.

26.
    As alegações das partes e as suas respostas às perguntas formuladas pelo Tribunal foram ouvidas na audiência de 15 de Setembro de 1999.

Pedidos das partes

27.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a recorrida nas despesas;

-    condenar a interveniente nas despesas causadas pela sua intervenção.

28.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    rejeitar o recurso por inadmissível na parte em que este impugna a decisão a respeito das medidas do regime contestado relativas aos estéres, e por improcedente quanto ao restante;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

29.
    A recorrente começa por lembrar que é um dos principais produtores de etanol sintético, produto concorrente do bioetanol que beneficia do regime contestado. Tendo, por outro lado, a decisão impugnada sido adoptada sem instauração do processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, entende que tem legitimidade, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão (C-198/91, Colect., p. I-2487). Afirma a este propósito que a Comissão errou ao não instaurar este processo.

30.
    A recorrente sustenta, por outro lado, que a Comissão não pode pôr em causa a sua legitimidade para contestar a decisão impugnada na parte em que esta incide sobre as medidas do regime contestado relativas à categoria estéres, visto que este regime cobre de modo não diferenciado tanto a categoria ETBE como a categoria estéres.

31.
    A Comissão não põe em causa a legitimidade da recorrente para contestar a decisão impugnada na parte em que esta incide sobre as medidas do regime contestado relativas à categoria ETBE. Alega, em contrapartida, que a recorrente não tem essa qualidade relativamente à parte da decisão impugnada que contém as disposições aplicáveis à categoria estéres. Sublinha, com efeito, que a recorrente nunca demonstrou qualquer interesse em relação a esta categoria. A argumentação viciada por petição de princípio da recorrente a este propósito ocultaria o facto de as duas categorias em causa serem independentes uma da outra.

32.
    A República Francesa alega que a recorrente não pode ser considerada nem como empresa «interessada» na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado nem como sendo individual e directamente afectada pela decisão impugnada. Em consequência, julga o recurso inadmissível no seu conjunto.

Apreciação do Tribunal

33.
    Em primeiro lugar, há que decidir sobre a inadmissibilidade parcial alegada pela Comissão.

34.
    Ter-se-á que recordar a este propósito que só podem ser impugnados por uma pessoa singular ou colectiva, nos termos do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado, os actos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os seus interesses, modificando de forma nítida a sua situação jurídica (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 30 de Janeiro de 1997, Corman/Comissão, T-117/95, Colect., p. II-95, e de 18 de Dezembro de 1997, ATM/Comissão, T-178/94, Colect., p. II-2529, n.° 53). Em consequência, quando o acto objecto do recurso de anulação contém partes substancialmente distintas, só podem ser impugnadas as partes desse acto que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar, de forma nítida, a situação jurídica do recorrente.

35.
    No presente caso, o Tribunal constata que a decisão impugnada incide sobre medidas de auxílio aplicáveis a duas categorias de biocarburantes distintas no que diz respeito à sua composição e à utilização desses biocarburantes e aos mercados que essas categorias afectam. Há que realçar a este propósito que a argumentação da recorrente no quadro dos quatro fundamentos que aduziu quanto ao mérito da causa só diz respeito, do ponto de vista substancial, às medidas aplicáveis à categoria ETBE. A recorrente baseou-se aliás na sua qualidade de produtor de etanol sintético, produto concorrente de um dos dois componentes do ETBE, o bioetanol, para justificar a sua legitimidade.

36.
    Nestas circunstâncias, há que concluir que a decisão impugnada, na parte em que incide sobre as medidas relativas à categoria estéres não modifica de forma nítida a sua situação jurídica e não afecta, portanto, os seus interesses.

37.
    O presente recurso contra a decisão impugnada na parte em que esta incide sobre as medidas previstas no regime contestado aplicáveis à categoria estéres é, pois, inadmissível.

38.
    No que diz respeito, a seguir, à alegação, por parte da República Francesa, de inadmissibilidade do recurso no seu todo, há que sublinhar que, nos termos do quarto parágrafo do artigo 37.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 46.°, primeiro parágrafo, desse mesmo Estatuto, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes.

39.
    Assim, a inadmissibilidade alegada pela República Francesa não procede porque excede o pedido da recorrida de inadmissibilidade parcial do recurso. Com efeito, a recorrida não contestou a admissibilidade do recurso na parte em que este se refere à decisão impugnada a respeito das medidas aplicáveis à categoria ETBE.

40.
    No presente caso não há que averiguar oficiosamente a admissibilidade do recurso na parte em que este diz respeito à parte da decisão relativa à categoria ETBE do regime contestado.

Quanto ao mérito

41.
    No presente recurso, a recorrente alega, no essencial, quatro fundamentos. O primeiro assenta em violação do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 3, CE). O segundo, em violação da Directiva 92/81. O terceiro, em violação do artigo 95.° do Tratado CE (que passou, após alteração a artigo 90.° CE). O último fundamento assenta em violação do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE).

42.
    Por razões que se explicarão adiante, o Tribunal examinará em primeiro lugar o segundo fundamento, assente em violação da Directiva 92/81.

Argumentos das partes

43.
    A recorrente sustenta que o artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81, que se refere a «projectos-piloto de desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes» não podia ser aplicado no presente caso. Com efeito, o regime contestado não visaria de modo nenhum um qualquer desenvolvimento tecnológico, mas seria, ao contrário, totalmente orientado para a produção industrial. A única derrogação possível, neste caso, seria, por conseguinte, uma decisão do Conselho adoptada em conformidade com o disposto no artigo 8.°, n.° 4, da Directiva 92/81.

44.
    Salienta ainda que, na decisão impugnada, a Comissão defende a posição de que o regime contestado cabe na previsão do artigo 8.°, n.° 2, alínea d), sem tentar explicar por que razão tinha uma opinião contrária na sua decisão de 18 de Dezembro de 1996.

45.
    O controlo regular da utilização dos produtos de origem vegetal, a informação do consumidor e os testes de estabilidade do produto no armazenamento e dos problemas de corrosão, invocados na decisão impugnada, também não podem levar a concluir que as empresas beneficiárias funcionem como «fábricas-piloto», tendo em conta a importância dos programas de produção em causa e o facto de a viabilidade da tecnologia utilizada ter sido já amplamente demonstrada.

46.
    Respondendo ao argumento da Comissão a respeito da existência de uma margem de apreciação do significado da noção de «projecto-piloto», a recorrente sustenta que essa margem não pode ir até ao ponto de desvirtuar o sentido desses termos. Segundo o uso, um «projecto-piloto» deveria satisfazer, pelo menos, dois critérios: por um lado, ser de escala reduzida e, por outro, ser experimental, de modo que um projecto deste tipo deveria prever um controlo científico dos seus resultados. No presente caso, o regime contestado não satisfaria nenhum destes dois critérios.

47.
    A recorrente salienta, a seguir, que o sexto considerando da Directiva 92/81 exige que as isenções concedidas não dêem azo a distorções de concorrência, e ela teriaprovado, no quadro do seu primeiro fundamento, que o regime contestado provoca essas distorções no mercado do etanol.

48.
    A Comissão recorda que nem a Directiva 92/81 nem qualquer outro acto das instituições definem a expressão «projecto-piloto». Os Estados-Membros beneficiariam assim de uma certa margem de apreciação para determinar o que entendem por esta expressão. A Comissão teria que ter em conta essa margem de apreciação quando aprecia a compatibilidade com a directiva de uma isenção fiscal adoptada ao nível nacional (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsvaerftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 172).

49.
    A decisão de 18 de Dezembro de 1996 não daria indicações válidas a respeito da aplicabilidade do artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81, porque esta decisão se referia à produção de etanol e não à produção de biocarburantes misturados com gasolina, como no presente caso. Por outro lado, o facto de não existir actualmente produção de ETBE fora de França confirmaria a conclusão de que o regime contestado diz realmente respeito a «projectos-piloto».

50.
    A Comissão entende, além disso, que o contexto legal impõe que a noção de «projecto-piloto» seja interpretada em sentido lato. Lembra que o artigo 3.° da Directiva 92/81 estabelece que a taxa do imposto especial de consumo seja fixada por referência a 1 000 litros. Com efeito, a isenção fiscal só seria necessária quando a importância de um projecto é tal que o imposto especial de consumo pode constituir um obstáculo. A Comissão considera que, de qualquer modo, o carácter de «projecto-piloto» não deve ser apreciado em função do número de toneladas produzidas ou das partes de mercado ganhas, mas em função das eventuais distorções da concorrência que o projecto em causa engendra, distorções essas que não existiriam no presente caso.

51.
    Além disso, existiriam ainda alguns problemas técnicos sem solução relativamente aos biocarburantes, como decorreria da investigação efectuada no quadro do programa para a promoção de fontes de energia renováveis na Comunidade, intitulado «Altener» e no departamento de energia dos Estados Unidos da América.

52.
    A Comissão lembra que, desde 1986, a Comunidade recentrou a sua investigação para se orientar para projectos com perspectivas de aplicação comercial mais imediatas. Sublinha, por último, o nexo entre o estatuto de «projecto-piloto» e a sua política destinada a promover a utilização de recursos renováveis.

53.
    O Governo francês sustenta, para além da argumentação da Comissão, que o relatório desta instituição sobre os resultados do programa «Altener» de 12 de Março de 1997 [COM(97)122] precisa que, «em cooperação com peritos dos Estados-Membros, [a Comissão] decidiu que uma abordagem orientada para omercado, com uma vertente industrial importante, era adequada à execução desta componente do programa».

Apreciação do Tribunal

54.
    Ter-se-á que recordar liminarmente que a decisão impugnada se destina a apreciar o regime contestado à luz da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado, nos termos da qual, por derrogação à proibição constante do n.° 1 do mesmo artigo, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades quando estas não afectem as trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum.

55.
    Segundo jurisprudência constante, a Comissão goza de um largo poder de apreciação na aplicação do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado. Sempre que esse poder discricionário implique apreciações complexas a nível económico e social, o controlo jurisdicional que o juiz comunitário é chamado a exercer sobre uma decisão adoptada nesse quadro tem um carácter restrito (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o. e British Midland Airways/Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 79). Porém, este poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 93.° do Tratado não lhe permite autorizar os Estados-Membros a derrogar outras disposições de direito comunitário para além das relativas à aplicação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1992, Kerafina e Vioktimatiki, C-134/91 e C-135/91, Colect., p. I-5699, n.° 20).

56.
    Há que notar, a seguir, que a margem de apreciação que a Comissão pretende legitimamente deixar aos Estados-Membros para interpretação da noção de «projectos-piloto de desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes», a que se refere o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 92/81 deve ser distinguida do poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 93.° do Tratado para apurar em que medida é que os auxílios de Estado são compatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado. Com efeito, enquanto o poder conferido à Comissão pelo artigo 93.° do Tratado pressupõe que esta instituição faz apreciações discricionárias de situações económicas e sociais complexas, que só devem ser objecto de um controlo jurisdicional restrito, a apreciação da aplicação de uma disposição controvertida da Directiva 92/81 deve, ao invés, ser efectuada no quadro de uma interpretação plausível dos conceitos legislativos de carácter vago e indeterminado que dela constam, apreciação esta que cabe, em última análise, ao órgão jurisdicional comunitário.

57.
    Em consequência, e de acordo com a jurisprudência do acórdão Kerafina e Vioktimatiki, já referido no n.° 55 supra, compete tanto à Comissão, no quadro da apreciação de um regime de auxílios notificado, como ao órgão jurisdicional comunitário competente, chamado a decidir sobre um recurso de anulação, zelarpela observância dos limites inerentes a qualquer interpretação contextual e razoável de noções constantes da legislação comunitária.

58.
    É à luz destes princípios que se deve apreciar o segundo fundamento.

59.
    Através deste fundamento, põe-se, em primeiro lugar, a questão de saber qual é o alcance do artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81, citado no n.° 3 supra. Haverá que analisar a seguir se a aplicação desta disposição efectuada pela decisão impugnada cabe no âmbito de aplicação assim definido.

60.
    Se é verdade que os termos «projectos-piloto de desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes», a que se refere a Directiva 92/81, deixam aberta uma certa margem de interpretação própria a qualquer expressão com conteúdo não exactamente determinado, esses termos não podem, porém, ser interpretados como se autorizassem os Estados-Membros a aplicá-los de modo quase discricionário. Com efeito, a própria letra do artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81 não autoriza os Estados-Membros a aplicarem isenções dos impostos especiais sobre o consumo a todos os projectos-piloto de desenvolvimento de produtos menos poluentes. Este artigo exige explicitamente que esses projectos visem o desenvolvimento tecnológico desses produtos, limitando deste modo o tipo de projectos-piloto que podem caber na sua previsão.

61.
    Convém recordar, a seguir, que resulta dos considerandos e do artigo 1.°, n.° 1, desta directiva, que esta se destina, através da harmonização dos impostos especiais de consumo sobre os óleos minerais, a pôr em prática a livre circulação desses produtos e, ao fazê-lo, a promover o bom funcionamento do mercado interno. Ora, segundo jurisprudência constante, as derrogações a estes princípios comunitários fundamentais são de interpretação e aplicação restrita (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Comissão/Luxemburgo e Bélgica, 2/62 e 3/62, Colect. 1962-1964, p. 147, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão, T-571/93, Colect., p. II-2379, n.° 48). Ao contrário do que a Comissão afirma, decorre desta jurisprudência que o artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 82/91 é de interpretação restrita.

62.
    Acresce que o sexto considerando da Directiva 92/81 estabelece que «é oportuno dar aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem a título facultativo outras isenções ou taxas reduzidas nos respectivos territórios, sempre que tal não dê azo a distorções de concorrência». Resulta deste mesmo considerando que todo o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 92/81 e, por conseguinte, também os termos «projectos-piloto de desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes» que constam da sua alínea d), devem ser interpretados à luz das distorções da concorrência que as medidas de aplicação desta disposição são susceptíveis de criar.

63.
    Quanto a este aspecto, não há dúvida de que, quanto mais as actividades de investigação e desenvolvimento realizadas por uma empresa, por exemplo, nodomínio tecnológico, se aproximam da fase de lançamento no mercado e, portanto, da exploração comercial dos produtos em causa, mais o efeito dessas actividades é susceptível de afectar a concorrência. É igualmente patente que a realização de projectos-piloto ou de amostras constitui geralmente a última fase do processo de investigação e desenvolvimento que precede a aplicação industrial em maior escala dos resultados dessas investigações (v., neste sentido, Enquadramento comunitário dos auxílios estatais à investigação e desenvolvimento, JO 1996 C 45, p. 5, ponto 2.2 e Anexo I).

64.
    Independentemente da questão de saber se o enquadramento comunitário dos auxílios de Estado à investigação e ao desenvolvimento acima mencionado era aplicável no caso vertente, a necessidade de aplicação coerente do conjunto da legislação comunitária implica que esse enquadramento constitua um elemento de que o juiz comunitário pode inspirar-se, entre outros, para determinar o alcance de um conceito utilizado num acto legislativo comunitário.

65.
    Sublinhe-se a este respeito que a importância da questão da contiguidade entre a realização de um projecto-piloto e a aplicação comercial posterior desses resultados desse projecto não escapou à Comissão aquando da adopção da Decisão de 18 de Dezembro de 1996, na qual esta instituição considerou, a propósito de um regime anterior, substancialmente semelhante ao regime contestado, que «as observações da França confirmam, por outro lado, a análise da Comissão segundo a qual o objectivo e o efeito real da medida não são a investigação fundamental ou mesmo aplicada, na acepção da directiva [92/81], mas antes o desenvolvimento em termos comerciais das utilizações não alimentares e a instalação de uma produção mais importante de biocombustíveis baseada nas terras retiradas».

66.
    Resulta do conjunto destas considerações que a margem de manobra de que os Estados-Membros devem dispor, segundo os documentos da Comissão, para aplicação da disposição controvertida da Directiva 92/81 arrisca esvaziá-la de qualquer efeito útil, apagando, desse modo, a limitação inerente a essas medidas enquanto medidas derrogatórias das regras harmonizadas relativas aos impostos especiais sobre o consumo. Ora, a Comissão devia interpretar os termos «projectos-piloto de desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes» não só à letra e de modo estrito, mas igualmente tendo especialmente presente a proximidade entre o programa de isenção de impostos especiais sobre o consumo objecto da sua apreciação e a sua eventual aplicação comercial posterior.

67.
    Ter-se-á, pois, que examinar se a aplicação do artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81 efectuada pela Comissão no presente caso é compatível com os princípios que acabámos de enunciar.

68.
    A este propósito, importa salientar, em primeiro lugar, que, na decisão impugnada (página 7), a Comissão afirma: «...as medidas tomadas [pelas autoridades francesas] até à data em matéria de promoção dos biocarburantes se limitaram a estudar apossibilidade técnica da produção destes em unidades-piloto e de incorporação nos carburantes e combustíveis colocados no mercado no seu território. Trata-se agora de demonstrar a exequibilidade económica das categorias biocarburantes e de conseguir melhores resultados económicos.» Nesta mesma decisão, a Comissão salienta mais adiante (página 13) que «com base nas informações prestadas pelas autoridades francesas, verifica-se que estamos perante a 'aplicação de um programa limitado de não tributação, destinado a demonstrar a exequibilidade industrial das categorias biocarburantes e a conseguir melhores resultados económicos‘».

69.
    Consta, pois, expressamente da decisão impugnada que o regime contestado se destinava, no fundo, não a demonstrar a exequibilidade técnica ou tecnológica da produção de biocarburantes, mas a avaliar os desempenhos económicos e as capacidades industriais das instalações de produção de biocarburantes existentes. A Comissão tinha aliás já chegado a esta mesma conclusão na decisão de 18 de Dezembro de 1996. O objectivo inerente ao regime contestado ultrapassa, pois, em muito, a realização de um projecto-piloto para o desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes, como exige o artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81, independentemente da medida do impacto deste regime em termos de partes de mercado nos mercados pertinentes.

70.
    Resulta destas considerações que, ao decidir que o regime contestado, tal como este lhe tinha sido notificado enquanto programa destinado a demonstrar a exequibilidade económica e industrial da categoria ETBE, devia ser considerado como um projecto-piloto para o desenvolvimento tecnológico de produtos menos poluentes, a Comissão infringiu o artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81.

71.
    Esta conclusão não é infirmada pelo argumento da Comissão baseado no carácter alegadamente limitado do impacto do regime contestado no mercado. Com efeito, esse impacto, admitindo que possa ser quantificado de modo preciso, não pode transformar um projecto destinado, no fundo, ao desenvolvimento económico e industrial dos biocarburantes num projecto para o desenvolvimento tecnológico destes.

72.
    Aliás, a decisão impugnada não está isenta de equívocos na análise da parte do mercado das empresas que produzem ETBE. A Comissão indica com efeito nessa decisão, no quadro da apreciação do regime contestado em relação com a Directiva 92/81: «verifica-se além disso que este programa tem um alcance limitado, uma vez que os biocarburantes só representam em França 0,5% do consumo de produtos petrolíferos e 0,8% do mercado dos carburantes».

73.
    Ora, em primeiro lugar, precisa-se na decisão impugnada (página 7): «O sector dos biocarburantes é objecto de comércio e, portanto, de concorrência, entre Estados-Membros. Como é óbvio, os biocarburantes estão em concorrência com a maior parte dos carburantes e dos combustíveis de origem fóssil. Designadamente o ETBE está em concorrência com o [MTBE] que se obtém a partir do metanol,que é normalmente produzido a partir do gás natural, o que lhe permite ter custos de produção inferiores em cerca de metade aos do ETBE. Estes dois produtos são perfeitamente substituíveis e servem para aumentar o teor em octano da gasolina sem chumbo». A República Francesa sublinhou aliás, também, no seu articulado de intervenção, que o produto que está em concorrência directa com o ETBE é o MTBE. A autoridade da afirmação da Comissão de que o impacto do regime contestado no mercado dos carburantes é limitado deve, portanto, ser relativizada. Com efeito, a apreciação do impacto das medidas respeitantes à categoria ETBE não foi efectuada de modo consequente em toda a decisão impugnada, sendo os mercados de referência para análise dos efeitos da aplicação do regime contestado em relação a esta categoria uma vez o mercado restrito dos aditivos para gasolina sem chumbo (página 7) e uma outra vez, um mercado mais vasto englobando o conjunto dos carburantes (página 13).

74.
    Em segundo lugar, na decisão impugnada, a Comissão limita-se a registar as partes de mercado actuais das diferentes categorias de biocarburantes, não se ocupando em determinar as partes de mercado que estas poderiam adquirir na sequência da aplicação do regime contestado, apesar de, na audiência, ter reconhecido que este regime estava destinado a alargar-se.

75.
    A conclusão a que chegámos no n.° 72 supra também não é inquinada pelo facto de o regime contestado comportar acessoriamente algumas medidas de acompanhamento técnico, além do objectivo económico e industrial principal prosseguido pelas autoridades francesas. Isto é tanto mais verdade quanto as medidas de acompanhamento e os testes «complementares», referidos na decisão impugnada, têm um carácter geral. Este tipo de medidas faz aliás parte integrante de qualquer actividade industrial levada a cabo em termos profissionais.

76.
    De qualquer modo, nem a Comissão nem a interveniente alegaram que o regime contestado visava principalmente promover a realização de investigação tecnológica relativa às actividades-chave da produção de ETBE ou de um dos seus componentes essenciais, como o bioetanol. O convite à apresentação de candidaturas publicado no Jornal Oficial, os actos e projectos de actos regulamentares franceses relativos ao regime contestado, o documento da Agência para o ambiente e o domínio da energia (Ademe) relativo ao programa Altener, apresentado pela interveniente, e o Livro Branco para uma Estratégia e um Plano de Acção comunitários destinado a melhorar a penetração dos biocarburantes no mercado, invocado pela Comissão, não demonstram de modo nenhum que o regime contestado vise um qualquer objectivo de desenvolvimento tecnológico desses produtos. Estes documentos acentuam, pelo contrário, o aspecto industrial e a importância económica deste regime e de outros programas similares destinados a melhorar a penetração dos biocarburantes no mercado.

77.
    O programa Altener e o Livro Branco, já referidos, a que se referem a interveniente e a Comissão, poderiam aliás quando muito confirmar que o regimecontestado se inscreve na política da Comunidade destinada a promover as fontes de energia renováveis, sem no entanto demonstrar que este regime satisfaz as exigências do artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81, tal como estas foram interpretadas acima.

78.
    Importa salientar, por último, que nada se oporia a que regimes de não tributação a favor de uma melhor penetração no mercado dos biocarburantes, tal como o que é objecto do presente processo, fossem postos em prática em conformidade com o programa Altener, e satisfazendo os imperativos formulados na Directiva 92/81, posto que esses regimes podem ser objecto de uma decisão do Conselho tomada nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da Directiva 92/81. Numerosos programas de Estados-Membros destinados a promover a utilização de combustíveis mais respeitadores do ambiente foram aliás aprovados pelo Conselho ao abrigo deste artigo, como se pode ver pelas respostas da Comissão às perguntas escritas que o Tribunal lhe dirigiu e pelas declarações do representante desta na audiência.

79.
    Convém sublinhar neste ponto que, ainda que a Comissão chegasse à conclusão de que as medidas previstas não são enquanto tais incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado, essa conclusão não a autorizaria a abster-se de se opor ao regime notificado, ignorando, por essa razão, o disposto no artigo 8.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/81.

80.
    Resulta do que precede que, ao adoptar a decisão impugnada, na parte em que esta incide sobre as medidas do regime contestado respeitantes à categoria ETBE, a Comissão ultrapassou os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 93.°, n.° 3, do Tratado. A decisão impugnada deve ser anulada na parte correspondente.

81.
    Nestas circunstâncias, não se justifica decidir sobre os outros fundamentos alegados pela recorrente. Em consequência, o pedido de apresentação de documentos, a que se refere o n.° 25 supra não é útil à solução do litígio e deve, por conseguinte, ser indeferido.

Quanto às despesas

82.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas efectuadas pela recorrente, nos termos pedidos por esta.

83.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados-Membros intervenientes num processo suportam as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Francesa suportará as suas próprias despesas. A República Francesa suportará, além disso, as despesas efectuadas pela recorrente em consequência da sua intervenção.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada),

decide:

1)    O recurso contra a Decisão da Comissão de 9 de Abril de 1997 [SG(97) D/3266] relativa a um regime de auxílio aos biocarburantes franceses, na parte em que esta decisão incide sobre as medidas aplicáveis à categoria estéres, é rejeitado por inadmissível.

2)    A decisão impugnada, na parte em que incide sobre as medidas respeitantes à categoria ETBE é anulada.

3)    A Comissão é condenada nas despesas efectuadas pela recorrente.

4)    A República Francesa suportará as suas próprias despesas bem como as despesas efectuadas pela recorrente em consequência da sua intervenção.

Potocki
Lenaerts
Azizi

        Jaeger                                Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Potocki


1: Língua do processo: inglês.