Language of document : ECLI:EU:C:2012:272

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 3 de maio de 2012 (1)

Processo C‑376/11

Pie Optiek

contra

Bureau Gevers

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour d’appel de Bruxelles (Bélgica)]

«Política industrial — Internet — Domínio de topo.eu — Regulamento (CE) n.° 874/2004 — Artigos 12.°, n.° 2, e 21.°, n.° 1, alínea a) — Regulamento (CE) n.° 733/2002 — Artigo 4, n.° 2, alínea b) — Definição de ‘titulares de direitos ou licenças anteriores’ — Registos especulativos e abusivos — Registo de um nome ‘sem direitos ou interesse legítimo’ — Direito das marcas»





I —    Introdução

1.        O presente processo tem por base um pedido de decisão prejudicial da cour d’appel de Bruxelles (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») em conformidade com o artigo 267.° TFUE, com o qual submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões relativas à interpretação do Regulamento (CE) n.° 733/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de abril de 2002, relativo à implementação do domínio de topo.eu (2) e do Regulamento (CE) n.° 874/2004 da Comissão, de 28 de abril de 2004, que estabelece as regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do domínio de topo.eu, e os princípios que regem o registo (3).

2.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a SPRL Pie Optiek (a seguir «Pie Optiek»), uma sociedade belga que vende produtos óticos através da Internet, e a empresa S.A. Bureau Gevers (a seguir «Bureau Gevers»), uma sociedade belga que exerce a atividade de consultoria em propriedade intelectual, bem como a ASBL European Registry for Internet Domains, responsável pela atribuição dos nomes de domínios.eu (a seguir EURid), relativo ao registo do nome de domínio «lensworld.eu.» Mediante os recursos interpostos perante as instâncias nacionais, a Pie Optiek pretende, por um lado, ver declarado que o registo deste nome de domínio em benefício da Bureau Gevers foi efetuado de forma especulativa e abusiva. Deseja, por outro lado, que este nome de domínio seja transferido para si.

3.        Como fundamentação, a Pie Optiek alega, em substância, que a Bureau Gevers não tem direito ao registo deste nome de domínio por não ser «titular de um direito anterior» na aceção do Regulamento n.° 874/2004. O titular deste direito é, antes, a sociedade americana Walsh Optical. No entanto, esta não pode solicitar o registo, porque a sua sede se situa fora da União Europeia, não satisfazendo, deste modo, as condições estabelecidas pela legislação. Segundo a Pie Optiek, ambas as empresas usaram um estratagema para contornar os requisitos de eligibilidade que consistiu na celebração de um contrato denominado «acordo de licença», através do qual a Bureau Gevers se comprometeu a ceder o seu nome e morada na União Europeia, para permitir ao seu cliente americano o registo do nome de domínio controvertido. Adicionalmente, a Pie Optiek questiona se, no processo principal, existe sequer um acordo de licença na aceção jurídica, uma vez que a Bureau Gevers recebeu meramente uma autorização de registo, mas não de utilização da marca, por exemplo, para comercializar produtos ou serviços sob essa marca.

4.        Deste modo, o pedido de decisão prejudicial tem, sobretudo, por objeto a questão de saber se, no processo principal, a marca nominativa «lensworld» configura um acordo de licença na sua aceção jurídica. Coloca‑se igualmente a questão de saber se é compatível com o direito da União permitir que uma sociedade não elegível, por pertencer a um país terceiro, registe um nome de domínio mediante a celebração de um acordo de licença com uma sociedade sedeada na União. O processo em apreço levanta questões fundamentais sobre a natureza jurídica dos contratos de licença e a relação entre o direito em matéria de propriedade intelectual e o direito em matéria de Internet da União, as quais carecem de uma análise aprofundada. Para tal, será necessário interpretar, além dos regulamentos referidos supra, a Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (4) e o Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (5).

II — Quadro normativo

A —    Regulamento n.° 733/2002

5.        Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 733/2002, este registo «[r]egistará no TLD.eu os nomes de domínios através de qualquer agente de registo.eu homologado, que for solicitado por qualquer [...] empresa com sede, administração central ou principal local de atividade na Comunidade».

6.        De acordo com o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento, a Comissão adotará «regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do TLD.eu e aos princípios de política de interesse público em matéria de registo. A política de interesse público incluirá, nomeadamente [...] [u]ma política de interesse público em matéria de registo especulativo e abusivo de nomes de domínios, incluindo a possibilidade de registos de nomes de domínios por fases, a fim de garantir aos detentores de direitos anteriores reconhecidos ou consignados no direito interno e/ou no direito comunitário, bem como aos organismos públicos, oportunidades temporárias adequadas de registarem os seus nomes [...]».

7.        Em aplicação desta disposição, a Comissão adotou o Regulamento n.° 874/2004.

B —    Regulamento n.° 874/2004

8.        O artigo 2.°, primeiro a terceiro parágrafos, do Regulamento n.° 874/2004 determina o seguinte:

«Os interessados elegíveis enumerados no n.° 2, alínea b), do artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 733/2002 podem registar um ou mais nomes de domínio no TLD.eu.

Sem prejuízo do disposto no capítulo IV, um nome de domínio específico será atribuído ao interessado elegível que primeiro apresente o pedido ao registo de maneira tecnicamente correta e de acordo com o presente regulamento. Para efeitos do presente regulamento, este critério será adiante designado por princípio do ‘atendimento por ordem de chegada’.

Uma vez registado, um nome de domínio ficará indisponível para novo registo até ter terminado o período de registo sem que tenha havido renovação, ou até à anulação do nome de domínio.»

9.        O capítulo IV deste regulamento diz respeito ao registo por etapas. O artigo 10.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, tem a seguinte redação:

«Os titulares de direitos anteriores reconhecidos ou estabelecidos pelo direito nacional e/ou comunitário e os organismos públicos são elegíveis para requererem o registo de nomes de domínio durante um período de registo por etapas, antes de se iniciar o registo geral do domínio.eu.

Nos ‘direitos anteriores’ estão incluídos, inter alia, as marcas comerciais nacionais registadas, as marcas comunitárias registadas […]»

10.      O artigo 12.°, n.° 2, primeiro a terceiro parágrafos, do regulamento dispõe o seguinte:

«O período de registo por etapas terá uma duração de quatro meses. O registo geral de nomes de domínio não terá início antes de terminado o período de registo por etapas.

O registo por etapas compreenderá duas fases, cada uma com uma duração de dois meses.

Durante a primeira fase do registo por etapas, só as marcas nacionais e comunitárias registadas, as indicações geográficas e os nomes e acrónimos mencionados no n.° 3 do artigo 10.° podem ser objeto de pedidos de registo pelos titulares de direitos ou licenças anteriores e pelos organismos públicos mencionados no n.° 1 do artigo 10.°»

11.      O artigo 21.° do regulamento, intitulado «Registos especulativos e abusivos», prevê no seu n.° 1 o seguinte:

«Um nome de domínio registado será objeto de anulação, no seguimento de um procedimento extrajudicial ou judicial adequado, se o nome de domínio for idêntico ou suscetível de ser confundido com um nome em relação ao qual a legislação nacional e/ou comunitária reconheça ou estabeleça um direito, como os direitos mencionados no n.° 1 do artigo 10.°, e se esse nome de domínio:

a)       Tiver sido registado pelo seu titular sem direitos ou interesse legítimo; ou

b)       Tiver sido registado ou estiver a ser utilizado de má‑fé.»

C —    Diretiva 89/104

12.      O artigo 5.° da Diretiva 89/104, intitulado «Direitos conferidos pela marca», estipula, no seu n.° 1, o seguinte:

«1.       A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)       De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)       De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

13.      O artigo 8.° desta diretiva, com o título «Licenças», prevê o seguinte:

«1.       Uma marca pode ser objeto de licenças para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais tenha sido registada e para a totalidade ou parte do território de um Estado‑Membro. As licenças podem ser exclusivas ou não exclusivas.

2.       O titular de uma marca pode invocar os direitos conferidos por essa marca em oposição a um licenciado que infrinja uma das disposições do contrato de licença, em especial no que respeite ao seu prazo de validade, à forma abrangida pelo registo sob que a marca pode ser usada, à natureza dos produtos ou serviços para os quais foi concedida a licença, ao território no qual a marca pode ser aposta ou à qualidade dos produtos fabricados ou dos serviços fornecidos pelo licenciado.»

III — Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

14.      A Pie Optiek é uma sociedade belga que vende lentes de contacto, óculos e outros produtos para os olhos através da Internet. É titular de uma marca figurativa do Benelux, que inclui o sinal nominativo «Lensworld», depositada em 8 de dezembro de 2005 e registada em 4 de janeiro de 2006 para produtos e serviços das classes 5, 9 e 44 em conformidade com o Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas. Opera o sítio www.lensworld.be.

15.      A Bureau Gevers é uma sociedade belga que exerce atividade de consultoria em propriedade intelectual.

16.      Por sua vez, a Walsh Optical é uma sociedade americana de Nova Jersey, igualmente ativa no setor das lentes de contacto e outros artigos óticos, comercializados na Internet. A Walsh Optical opera o sítio www.lensworld.com desde 1998 e era também titular da marca do Benelux «Lensworld», depositada em 20 de outubro de 2005 e registada em 26 de outubro de 2005 para produtos e serviços da classe 35. Esta marca foi cancelada em 30 de outubro de 2006.

17.      Em 18 de novembro de 2005, a Walsh Optical assinou um acordo de licença («license agreement», a seguir «acordo») com a Bureau Gevers. Nos termos da sua cláusula 1, o acordo tem por finalidade autorizar o licenciado a registar um nome de domínio em seu nome, mas por conta do licenciante, ou seja, a Walsh Optical, definir os direitos e as obrigações de cada uma das partes durante a sua vigência e regular o procedimento segundo o qual o licenciado transmite o(s) nome(s) de domínio.eu para o licenciante ou para a pessoa por este designada. Nos termos da sua cláusula 3, o licenciante paga as taxas do licenciado. A cláusula 4 prevê que o licenciado fatura os seus serviços ao licenciante. Nos termos da cláusula 5 do acordo, o licenciado envida esforços razoáveis no sentido de submeter um pedido/pedidos de domínio.eu e de obter um registo.eu para o(s) nome(s) de domínio.

18.      Decorre das declarações da EURid que a primeira fase do registo por etapas de acordo com o capítulo IV do Regulamento n.° 874/2004 começou em 7 de dezembro de 2005. Nessa mesma data, a Bureau Gevers solicitou, junto da EURid, o registo do nome de domínio «lensworld.eu» em seu nome mas por conta da Walsh Optical. Este nome de domínio foi atribuído em 10 de julho de 2006 à Bureau Gevers. Entretanto, a Pie Optiek também solicitou, em 17 de janeiro de 2006, o registo do nome de domínio «lensworld.eu». O registo foi‑lhe recusado em razão do pedido anterior da Bureau Gevers.

19.      O pedido apresentado pela Pie Optiek no tribunal arbitral da República Checa, o órgão jurisdicional responsável pela resolução dos litígios relativos aos nomes de domínio.eu, no sentido de ordenar a transferência do nome de domínio «lensworld.eu» foi indeferido em 12 de março de 2007. Em 13 de abril de 2007, a Pie Optiek intentou uma ação contra a Bureau Gevers junto do tribunal de première instance de Bruxelles. Em 8 de maio de 2007, a EURid interveio voluntariamente no processo. A ação foi julgada improcedente por acórdão de 14 de dezembro de 2007. A interposição do recurso perante o órgão jurisdicional de reenvio opõe‑se a este acórdão de primeira instância.

20.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à interpretação da expressão «titulares de direitos ou licenças anteriores», tal como referido no artigo 12.°, n.° 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 874/2004 e da expressão «direitos ou interesse legítimo» do artigo 21.°, n.° 1, alínea a), do mesmo regulamento. Por este motivo, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão prejudicial:

1)         O artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 874/2004, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que o direito anterior em causa é um direito de marca, a expressão «titulares de direitos ou licenças anteriores» pode abranger uma pessoa que tenha sido autorizada pelo titular da marca unicamente a registar, em seu próprio nome mas por conta do outorgante da licença, um nome de domínio idêntico ou semelhante à marca, sem, no entanto, estar autorizada a dar outras utilizações à marca ou a usar o sinal como marca, como, por exemplo, a comercializar produtos ou serviços sob a marca?

2)         Em caso de resposta afirmativa à questão:

O artigo 21.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 874/2004 deve ser interpretado no sentido de que existem «direitos ou interesse legítimo» mesmo que o «titular de direitos ou licenças anteriores» tenha registado o nome de domínio.eu em seu nome mas por conta do titular da marca quando este último não seja elegível em conformidade com o disposto no artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 733/2002?

IV — Tramitação no Tribunal de Justiça

21.      O despacho de reenvio, com data de 29 de junho de 2011, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de julho de 2011.

22.      As partes do processo principal, a EURid e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas dentro do prazo referido no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

23.      Na audiência de 21 de março de 2012 compareceram, para apresentarem as suas alegações, os representantes das partes do processo principal, da EURid e da Comissão.

V —    Argumentação essencial das partes

24.      Farei referência à argumentação das partes, na medida em que seja relevante, no âmbito da minha exposição.

VI — Apreciação jurídica

A —    Observações preliminares

25.      Em 7 de dezembro de 2005, foi lançado o registo de nomes de domínio na Internet sob o domínio de topo.eu. A introdução destes nomes de domínio tem a sua origem no plano de ação «eEurope 2002» da União Europeia (6), que definiu o objetivo da «criação do domínio de topo.eu» no ponto «Acelerar o comércio eletrónico». Através da criação destes domínios de topo com código de país («country‑code Top‑Level‑Domain», ou ccTLD), pretendia‑se melhorar a visibilidade do mercado interno da União no mercado virtual da Internet e acelerar o comércio eletrónico. A utilização deste domínio visava revelar claramente a ligação das organizações, empresas e pessoas singulares registadas com a União, o seu enquadramento jurídico e o mercado europeu.

26.      Para criar este novo domínio europeu de topo, a União desenvolveu um considerável enquadramento legislativo. Apesar de o sistema mundial de nomes de domínios se ter desenvolvido, no início, como um fenómeno primordialmente técnico, sem regulação pormenorizada das condições básicas de registo e utilização, a União, aquando da introdução dos nomes de domínio.eu, compensou esta situação com a adoção de dois instrumentos legislativos. No Regulamento‑quadro n.° 733/2002 e no Regulamento n.° 874/2004, adotado para a sua execução, incluem‑se, paralelamente a disposições relativas a questões técnicas, em particular, complexos de normas relativas a sinais.

27.      Por um lado, previu‑se que a criação dos nomes de domínios.eu fosse efetuada num processo de registo por etapas («período Sunrise») (7), no qual foi concedido aos titulares de direitos relativos a sinais acesso prioritário aos nomes de domínios.eu correspondentes aos sinais. Na primeira fase do «período Sunrise» que se estendeu por dois meses (7 de dezembro de 2005 a 6 de fevereiro de 2006), os titulares de marcas nacionais e comunitárias, indicações geográficas e designações de origem podiam apresentar pedidos de registo do domínio. Nos termos do artigo 12.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 874/2004, os titulares de licenças também podiam participar. Com base nesta disposição, a Bureau Gevers afirma ter direito a poder registar o nome de domínio «lensworld.eu». Durante a segunda fase do «período Sunrise», também era possível solicitar nomes de domínios baseados em outros direitos protegidos ao abrigo do direito nacional, como, por exemplo, designações comerciais, nomes de empresas, títulos caraterísticos de obras literárias ou artísticas protegidas, marcas não registadas e nomes comerciais.

28.      Por outro lado, foram integradas disposições no corpo legislativo para proteger titulares de direitos anteriores, e também outros interessados elegíveis contra registos especulativos e abusivos de nomes de domínios.eu. São estas disposições que a Pie Optiek invoca para que se cancele o registo em benefício da Bureau Gevers. Atendendo a que a Bureau Gevers requereu e registou o nome de domínio «lensworld.eu» cronologicamente ainda antes da Pie Optiek, a questão de saber se a Bureau Gevers pode, de facto, ser considerada «titular de um direito ou licença anterior» na aceção do artigo 12.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 874/2004, é pertinente para a decisão da causa. A confirmar‑se a sua qualidade de licenciado, ter‑se‑ia de considerar correta a decisão da EURid de não admitir o pedido de registo da Pie Optiek. Este aspeto é objeto da primeira questão prejudicial, a qual deve ser analisada, em primeiro lugar, de acordo com a sequência indicada.

B —    Relativamente à primeira questão prejudicial

1.      Inexistência de um contrato de licença

29.      Com a primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber o que se deve entender pela expressão «titular de um direito ou licença anterior» na aceção do artigo 12.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 874/2004 quando o direito anterior é um direito de marca.

30.      A este respeito, observe‑se, antes de mais, que o Regulamento n.° 874/2004 não contém uma definição desta expressão nem remete para os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros. Segundo jurisprudência assente, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente encontrar, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (8). Dado que, no caso em apreço, o ato normativo que necessita de interpretação é um regulamento de execução, ele deve, na medida do possível, ser interpretado num sentido conforme com as disposições do regulamento de base (9).

31.      A expressão «titular de um direito ou licença anterior» é composta por dois elementos. Por um lado, trata‑se do conceito de «direito anterior», cuja determinação, no presente processo de decisão prejudicial, não coloca dificuldades particulares, desde logo porque o regulamento, no seu artigo 10.°, n.° 1, segundo parágrafo, menciona expressamente as várias categorias de direitos anteriores, nomeadamente, as marcas comerciais nacionais registadas. Considerando que a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo constituem uma área jurídica uniforme com um direito de marcas uniforme e um gabinete de marcas comum aos três países (10), a marca Benelux registada em favor da Walsh Optical pode ser corretamente classificada como sendo uma marca nacional na aceção desta disposição.

32.      Em contrapartida, é mais difícil a definição de contrato de licença. Desta depende, nomeadamente, a clarificação da questão central de saber se a Walsh Optical, mediante o acordo celebrado, concedeu validamente à Bureau Gevers uma licença sobre a marca registada. Para este efeito, deverá averiguar‑se se o direito da União contém uma definição jurídica do contrato de licença. Em seguida, deverá analisar‑se se o acordo em questão corresponde a essa definição.

33.      Como expus nas minhas conclusões no processo Falco Privatstiftung e Rabitsch (11), as regras da União em sede de proteção da propriedade intelectual preveem, de facto, a possibilidade de concessão de licenças (12), mas não contêm disposições relativas à celebração do contrato de licença. Da legislação pertinente é possível deduzir meramente que o contrato de licença é um contrato sinalagmático, pelo qual o licenciante confere ao licenciado a exploração de determinados direitos de propriedade intelectual e o licenciado paga ao licenciante uma contrapartida correspondente. Mediante a atribuição da licença, o licenciante autoriza o licenciado a exercer uma atividade que, se a licença não existisse, constituiria uma violação de direitos de propriedade intelectual. Com raiz na palavra latina «licet», licença significa, pela sua origem, algo como «autorização de exploração de um bem ou de exercício de uma atividade». Em conformidade com o princípio da autonomia privada, também é possível determinar contratualmente uma restrição à licença; esta pode ser exclusiva ou não exclusiva ou ser limitada geograficamente, temporalmente ou em função do tipo de exploração (13).

34.      O Tribunal de Justiça concordou com este entendimento da essência de um contrato de licença, ao considerar, no acórdão proferido no processo Falco Privatstiftung e Rabitsch, ser um elemento caraterístico dos acordos de licença a obrigação do titular de um direito de propriedade intelectual de não contestar a exploração desse direito pelo seu cocontratante contra pagamento de uma contrapartida financeira. O Tribunal de Justiça considera que este é um critério de distinção fundamental relativamente ao contrato de prestação de serviços. Ao contrário deste tipo de contrato, o titular do direito não efetua nenhuma prestação ao ceder a exploração desse direito, obrigando‑se meramente a permitir que o seu cocontratante explore livremente tal direito (14). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça considerou irrelevante que o licenciado seja eventualmente obrigado a explorar o direito de propriedade intelectual cedido (15).

35.      Em conformidade com uma teoria mais recente e defendida na doutrina, a licença não pode ser, contudo, entendida como uma mera tolerância da exploração e, por conseguinte, como obrigação puramente passiva do licenciante no sentido da renúncia à aplicação de direitos de defesa. Ao invés, os defensores desta teoria partem do princípio de que a licença também concede um direito de exploração positivo (16). Como demonstrarei em seguida, alguns atos jurídicos da União permitem concluir que, no direito da União, a licença é concebida como uma autêntica autorização de exploração e não como mera tolerância. É possível compreender o conceito de licença, nos seus traços gerais, através de uma análise comparativa de diversos atos jurídicos da União (17).

36.      O direito da União inclui normas sobre a licença, particularmente em dois contextos normativos. Por um lado, a licença é prevista, no âmbito dos regulamentos relativos à configuração de direitos de proteção da União, como forma de exploração para direitos da propriedade intelectual. Até à data, a União já criou três direitos de proteção originais europeus, o regime comunitário de proteção das variedades vegetais, a marca comunitária e os desenhos ou modelos comunitários, estando previsto um projeto de regulamento para uma patente comunitária. Como o artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (18) bem demonstra, o teor das disposições relativas à licença é redigido na perspetiva do licenciado. A sequência «em oposição a um licenciado que infrinja uma das cláusulas [...] no que respeite: [a]o seu prazo de validade; [à] forma abrangida pelo registo sob a qual a marca pode ser utilizada […]» permite concluir que uma autorização é concedida ao licenciado. O facto de, no direito da União, a licença ser concebida como autorização de exploração e não como mera tolerância evidencia‑se claramente nos trabalhos preparatórios do regulamento sobre a marca comunitária, bem como nas respetivas orientações do Instituto de Harmonização do Mercado Interno. A licença é definida no memorando relativo à marca comunitária (19) como contrato pelo qual uma marca é concedida a um terceiro para efeitos de exploração. Nas Orientações relativas ao Regulamento sobre a marca comunitária (20), indica‑se o seguinte: «A mera tolerância ou o consentimento unilateral do titular da marca perante o terceiro não constitui uma licença». Esta conclusão também é confirmada pelo artigo 4.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (21), segundo o qual os instrumentos de proteção criados pela diretiva deverão assistir ao titular do direito e às pessoas «autorizadas a utilizar esses direitos», destacando, entre estas, o titular da licença.

37.      Além disso, existem regulamentações relativas a licenças no contexto da legislação em matéria de concorrência. Por exemplo, a conceção da licença como direito de exploração contratual está claramente na base do Regulamento (CE) n.° 772/2004 da Comissão, de 27 de abril de 2004, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado a categorias de acordos de transferência de tecnologia (22) e das diretrizes publicadas pela Comissão a este respeito. Adicionalmente, a noção de licença pode ser inferida indiretamente das disposições sobre a licença obrigatória — por exemplo, da Diretiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (23). As referidas disposições clarificam que uma licença, em geral, representa uma autorização de exploração de um direito de proteção mediante uma contrapartida recorrente. Por fim, decorre também das normas sobre o princípio do esgotamento que, no direito da União, a licença não deve ser vista como uma mera renúncia à reivindicação de direitos de defesa decorrentes do direito de proteção, mas antes como um direito de exploração positivo.

38.      Independentemente da questão de, numa perspetiva dogmática, em função da tese jurídica, se considerar como principal elemento caraterístico de um contrato de concessão de licença, a renúncia ao exercício de um direito ou, antes, a concessão de uma autorização de utilização por parte do licenciante, deve observar‑se que as opiniões mencionadas supra concordam amplamente em que com a concessão de uma licença se concede, em última análise, ao licenciado a autorização de exploração temporária ou permanente de um direito de proteção comercial (patentes, marcas, modelos), numa medida que, de outra forma, pertence ao foro do ius prohibendi e do direito de utilização do titular do direito de proteção (24).

39.      Certamente, há que entender aqui apenas a utilização em conformidade com o fim deste direito de proteção (25), nomeadamente com vista à comercialização de determinados produtos ou serviços, uma vez que, caso contrário, a concessão de uma licença não teria sentido do ponto de vista económico. A cessão de um direito sobre um bem imaterial não é um fim em si, ocorrendo antes, geralmente, com a perspetiva da sua exploração económica por parte do beneficiário (26).

40.      O legislador da União também parte manifestamente desta premissa, como decorre indiretamente do teor do artigo 22.° do Regulamento n.° 40/94 e do artigo 8.° da Diretiva 89/104, nos termos dos quais uma marca pode ser objeto de licenças para os produtos ou serviços para os quais tenha sido registada. Faz‑se referência a duas categorias diferentes de bens (produtos ou serviços), normalmente destinados a comercialização. As referidas disposições em matéria de legislação das marcas devem ser entendidas no sentido de que, através da atribuição de uma licença, autoriza‑se o licenciado a poder caraterizar com a marca determinados bens oferecidos por si no comércio. Por conseguinte, deve pressupor‑se que, em geral, o licenciado utilizará comercialmente o respetivo direito de proteção.

41.      Continuando a recorrer a uma abordagem económica, não se pode deixar de considerar que, frequentemente, o licenciante também terá um interesse na exploração da marca através da sua utilização no comércio. Com efeito, não é apenas recompensado financeiramente pela cessão de utilização, o que, desde logo, lhe proporciona um significativo incentivo económico, Em função do acordo, poderá receber uma taxa de licença ou até mesmo participar nos lucros obtidos pelo licenciado (27). Adicionalmente, a utilização da marca pelo licenciado garante a manutenção do caráter distintivo da marca e o desenvolvimento das suas funções, que serão abordadas adiante em pormenor (28).

42.      Este aspeto é particularmente pertinente se o titular do direito de proteção não tiver condições, por qualquer motivo, para explorar a marca por si mesmo, algo que, face à complexidade da vida económica atual, não é, de modo algum, invulgar. Num sistema económico em que a internacionalização e as ramificações crescentes do funcionamento da economia dificultam que um monopólio num determinado setor económico possa ser totalmente explorado de forma exclusiva e exaustiva, para já não falar na necessidade de desenvolvimento técnico‑criativo contínuo (29), a exploração de bens imateriais já não é levada a cabo isolada e diretamente pelo titular do direito de proteção, mas antes mediante a participação de outros agentes económicos que, no cômputo global, deverão assegurar uma boa exploração. A concessão de licenças permite sondar diferentes possibilidades de exploração e conquistar novos mercados. Por meio de medidas de marketing que o licenciado adota no seu próprio interesse para atrair clientes, o grau de reconhecimento da marca é aumentado, em última instância, também para vantagem do licenciante (30). A licença serve, deste modo, a boa exploração dos direitos de propriedade intelectual. Não é em vão que é por isso que atualmente é a forma mais frequente da exploração comercial destes direitos, além da transmissão e da penhora. Deste modo, é possível também da perspetiva do licenciante explicar por que motivo uma licença é normalmente concedida com vista a uma futura utilização (31).

43.      A noção de «utilização em conformidade com o fim» na aceção mencionada supra pode ser compreendida de forma diferente conforme o direito de proteção. Os direitos de proteção distinguem‑se entre si no seu âmbito de proteção. Neste ponto, uma abordagem jurídica será também útil para que se possa avaliar se a autorização para utilizar um direito de proteção pertence à essência do contrato de licença. Além das disposições jurídicas vigentes na área do licenciamento de direitos de proteção e que descrevem as caraterísticas que distinguem os vários direitos de proteção, é necessário considerar, caso a caso, o acordado contratualmente pelas partes. É deste acordo, enquanto expressão da autonomia contratual, que decorrem, em última análise, as ilações sobre o alcance das faculdades transferidas (32).

44.      No processo principal, a Bureau Gevers e a Walsh Optical celebraram um contrato relativo a um direito de marca designado «acordo de licença». Por si só, a designação selecionada pelas partes contratuais é pouco reveladora da qualificação jurídica deste acordo (33). Com efeito, existe não só a possibilidade de a classificação realizada pelas partes contratuais ser juridicamente incorreta, mas impõe‑se igualmente evitar que as partes contratuais se esquivem às consequências jurídicas determinadas pelo direito da União para contratos de licença através do recurso a uma terminologia eventualmente escolhida com essa intenção. No caso em apreço, trata‑se do direito de registar um nome de domínio prioritariamente dentro de um prazo de pré‑registo especial («período Sunrise»). Neste contexto, considero apropriada uma abordagem objetiva que analise, em substância, se o objeto deste acordo visava autorizar à Bureau Gevers uma utilização em conformidade com o fim da marca em causa.

45.      Para este efeito, é necessário recordar brevemente a função de uma marca no comércio. Apenas então será possível retirar conclusões sobre a questão de saber se foi acordada uma utilização em conformidade com o seu fim, ou seja, correspondente à função da marca. A ampla jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 89/104 e ao Regulamento n.° 40/94 é uma fonte importante de informações sobre este tema.

46.      Como o Tribunal de Justiça declarou amiúde, a marca cumpre múltiplas funções. A sua principal função consiste, primeiramente, em garantir aos consumidores a origem do produto ou do serviço (34). Desta forma, a marca representa uma forma de identificação e individualização na vida comercial. Porém, esta função da marca como indicação de origem tem facetas distintas que não podem ser ignoradas na apreciação da importância da marca para a vida económica.

47.      O Tribunal de Justiça remeteu para estas diferentes facetas no acórdão Arsenal Football Club (35), onde expôs os respetivos contextos de forma detalhada e clara. O Tribunal de Justiça considera que o direito das marcas é um elemento essencial do sistema de concorrência não falseada que o direito da União pretende criar e manter. Neste sistema, as empresas devem estar em condições de conservar a clientela pela qualidade dos respetivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distintivos que permitem identificá‑los. Nesta perspetiva, a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço designado pela marca, permitindo‑lhe distinguir, sem confusão possível, este produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa. Com efeito, para que a marca possa desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência não falseada que o Tratado pretende criar e manter, ela deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços designados por ela foram fabricados ou prestados sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles.

48.      Prosseguindo o aprofundamento da sua jurisprudência relativa ao direito de marcas, o Tribunal de Justiça destacou posteriormente as outras facetas da função da marca como indicação de origem, às quais reconheceu igual importância. É o caso dos acórdãos L’Oréal e o. (36) e Google France e Google (37), nos quais o Tribunal de Justiça começou por recordar esta função essencial para, em seguida, esclarecer que a marca, além de garantir a qualidade do produto ou do serviço em causa, também cumpre funções de comunicação, de investimento e de publicidade. Face a esta clarificação, é indubitável que, também de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a função de origem é apenas uma das várias funções da marca, com valor equivalente à função de qualidade ou publicidade (38). Por conseguinte, para apreciar a questão de saber se é visada uma utilização em conformidade com o fim de uma marca, é necessário tomar igualmente em consideração as outras funções que a marca cumpre na vida económica.

49.      Segundo a Bureau Gevers, o acordo não previa que a Walsh Optical cedesse contratualmente à Bureau Gevers o direito de oferecer produtos ou serviços sob utilização da marca em causa. Tampouco previa que a Bureau Gevers promovesse os produtos da Walsh Optical no mercado interno da União. Não existem indícios que permitam assumir que a Bureau Gevers pretendia investir na marca. A Bureau Gevers não tem qualquer ligação com o segmento de mercado em causa. O acordo limitava‑se a incumbir a Bureau Gevers de registar o nome de domínio «lensworld.eu» em seu nome. Nestes termos, não foi acordada qualquer utilização da marca entre as partes contratuais minimamente coerente com as suas funções específicas, pelo que não se verifica, assim, a intenção de promover uma utilização em conformidade com o fim da marca.

50.      Por último, refira‑se o facto de o acordo celebrado não conter nenhuma declaração sobre a questão de o licenciado poder invocar contra terceiros, os direitos conferidos pela marca apesar de este aspeto também ser normalmente objeto de regulamentação do contrato de licença. De facto, a inclusão de disposições procedimentais no caso de existirem concorrentes que disputem com o licenciado o direito de proteção ou no caso de o licenciado não cumprir as condições da licença acordadas também confere aos acordos de licença uma função de resolução de conflitos (39). O primeiro aspeto é pertinente no caso do licenciamento de uma marca, uma vez que este direito de proteção concede ao seu titular o direito de proibir a terceiros a utilização não autorizada de uma marca idêntica, como demonstrado pelo artigo 5.° da Diretiva 89/104 e pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94. O contrato celebrado entre a Bureau Gevers e a Walsh Optical deveria ter obrigatoriamente regulado este ponto para poder ser qualificado como um acordo de licença relativo a uma marca. Como tal não se verificou, a qualificação como contrato de licença afigura‑se questionável.

51.      Dado que o acordo controvertido não inclui algumas caraterísticas nucleares de um contrato de licença, a saber, em primeiro lugar, a concessão do direito de exploração económica da marca através da identificação de produtos ou serviços e, em segundo lugar, o poder para invocar contra terceiros os direitos conferidos pela marca, impõe‑se a questão de saber como avaliar, do ponto de vista jurídico, a circunstância de este acordo ter previsto a faculdade de registo do nome de domínio. Coloca‑se assim a questão da sua qualificação jurídica. A este respeito, é de notar o que a seguir se refere:

52.      Por um lado, na minha opinião, não restam dúvidas de que a atribuição desta faculdade deve ser compreendida juridicamente no sentido da renúncia de uma parte dos direitos originários que assistem à Walsh Optical enquanto titular da marca. O direito em causa é o de registo de um nome de domínio, o qual, em princípio, é reservado exclusivamente ao titular de uma marca nacional ou de uma marca comunitária. Ao nível do direito dos domínios.eu, as disposições previstas no artigo 12.° do Regulamento n.° 874/2004 fazem jus a esta prerrogativa do titular da marca, as quais, como já foi exposto nas observações introdutórias, lhe concedem prioridade aquando do registo de nomes de domínio. Essas disposições visam proteger o titular da marca do risco, impedindo que um terceiro registe antes de si um nome de domínio igual.

53.      Por outro lado, importa considerar que a renúncia do titular da marca ao seu direito originário de requerer o registo do respetivo nome de domínio não pode ser equiparada a uma renúncia aos direitos conferidos pela marca, algo normal num contrato de licença. Como anteriormente declarado, o acordo celebrado entre a Walsh Optical e a Bureau Gevers não previa designadamente, nenhuma utilização da marca nem do nome de domínio correspondente para efeitos comerciais. O acordo servia, antes, um objetivo completamente diferente do de um acordo de licença normal. Não obedece, deste modo, objetivamente, à definição de um contrato de licença, tal como este se encontra subjacente às disposições do direito da União.

54.      Consequentemente, a Bureau Gevers não pode ser considerada «titular de um direito ou licença anterior» na aceção do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 874/2004.

2.      Qualificação como contrato de prestação de serviços

55.      Eventualmente, o acordo em causa poderá ser qualificado juridicamente como um contrato de prestação de serviços. Tal como declarado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Falco Privatstiftung Rabitsch, o conceito de «serviços» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 44/2001 implica que a parte que os presta efetue uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração (40). Foi com base nesta definição que o Tribunal de Justiça distinguiu entre contratos de prestação de serviços e contratos de licença, chegando à conclusão de que estes dois tipos de contrato não coincidem no que diz respeito ao seu objeto (41).

56.      Nas minhas conclusões no referido processo (42), procurei começar por definir o conceito de «serviços» de forma abstrata, salientando que há dois aspetos de importância capital para a definição deste conceito. Em primeiro lugar, o significado usual do termo «serviços» exige que quem presta o serviço exerça uma determinada atividade; portanto, a prestação de serviços implica uma atividade qualquer ou um comportamento ativo de quem presta o serviço. Em segundo lugar, os serviços devem, em princípio, ser prestados mediante contrapartida.

57.      No processo principal, observa‑se que a Bureau Gevers se comprometeu contratualmente, contra pagamento de uma contrapartida, a realizar os esforços razoáveis no sentido de submeter um pedido e de obter um registo.eu para o nome de domínio. É significativo que o texto do acordo contratual fale expressamente de «serviços» (43) neste contexto. Todos estes aspetos apontam no sentido de que, na realidade, a Bureau Gevers devia à Walsh Optical a realização de uma atividade, ou seja, um serviço na aceção da definição mencionada supra. Apesar de o registo do nome de domínio ter sido efetuado em nome próprio, deve pressupor‑se que este serviço foi prestado no interesse exclusivo da Walsh Optical, considerando o facto de que a Bureau Gevers não pretendia uma utilização em conformidade com o fim da marca nem do nome de domínio correspondente. Deste modo, o contrato em causa corresponde à definição de um contrato de prestação de serviços.

3.      Risco de frustração do objetivo normativo

58.      Coloca‑se a questão de saber se a qualificação como contrato de prestação de serviços obsta, contudo, à aplicação do artigo 12.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 874/2004. Em meu entender, deve excluir‑se a aplicação desta disposição ao caso em apreço pelos motivos expostos em seguida.

59.      Em primeiro lugar, refira‑se o facto de o círculo dos requerentes elegíveis para nomes de domínios.eu, em conformidade com o teor do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 733/2002, estar limitado a empresas e organizações «com sede, administração central ou principal local de atividade na [União Europeia]» Uma restrição semelhante aplica‑se às pessoas singulares, a quem é exigido que tenham residência na União Europeia (44). Esta regulamentação deve ser entendida, face à sua clareza, como expressão de uma decisão fundamental do legislador da União, a qual deve ser considerada imperativa na interpretação do quadro regulamentar. Não é possível derrogar esta regulamentação sem, desse modo, violar o seu teor.

60.      Apesar de parecer óbvio que o requerente de um registo de domínio de topo com código nacional específico de topo deve ter a sua sede no próprio país, identificado através do domínio com código de país, observe‑se que a prática internacional não é uniforme a este respeito (45). O número de países que exigem que, para o registo de um domínio com o ccTLD nacional, a sede do requerente se situe no país contrabalança com o grupo de países que prescindem desse requisito. Numerosos países — nomeadamente, a Alemanha e o Reino Unido — não exigem que o requerente tenha sede no próprio país ou, pelo menos, permitem que seja suficiente nomear um seu representante com sede no país. No caso dos domínios.eu, o legislador da União parece ter partido de uma abordagem mais rigorosa. A regulamentação fundamental no artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 733/2002 mostra que a União pretende reforçar a força de identificação dos ccTLD.eu, impedindo, a priori, o registo aos requerentes não sedeados num Estado‑Membro (46).

61.      Tal corresponde também ao objetivo normativo do Regulamento n.° 733/2002, como se deduz do seu sexto considerando. Com efeito, deste depreende‑se que o domínio de topo.eu visava «fornecer uma ligação claramente identificada com a Comunidade, o seu quadro jurídico e o mercado europeu». Destinam‑se a possibilitar às empresas, organizações e pessoas singulares da Comunidade o registo num domínio específico, que torna óbvia essa ligação. Estes considerandos apontam no sentido de que, na perspetiva do legislador da União, só é possível assumir uma ligação suficiente de uma determinada empresa com a União, que a habilita a registar o nome de domínio, se esta tiver a sua sede, administração central ou principal local de atividade no seio da União. Como a Comissão (47) expôs corretamente, a ligação de uma empresa ao mercado interno é expressa, por um lado, pelo estabelecimento no território da União, mas também, por outro lado, pela utilização da marca na vida comercial relativamente a produtos ou serviços.

62.      Aplicando estes critérios de interpretação ao processo principal, torna‑se evidente que no caso da Walsh Optical não existe esta ligação com a União. Esta empresa não tem a sua sede na União nem existem indícios de que a Walsh Optical ou a Bureau Gevers, como suposto licenciado, pretendessem proceder a uma utilização em conformidade com o fim da marca. Em primeiro lugar, como já ficou demonstrado, não é esse o objetivo do contrato controvertido. Em segundo lugar, observe‑se que a marca Benelux, a que a Bureau Gevers recorreu inicialmente para fundamentar o seu direito a registo, foi cancelada em 30 de outubro de 2006, pelo que a designação «lensworld» já não está protegida pelo âmbito de aplicação do direito das marcas do Benelux. Simultaneamente, em seu resultado, deixaram de se verificar, a posteriori, os requisitos jurídicos para um registo do nome de domínio.

63.      Por conseguinte, seria igualmente contrário ao sentido e à finalidade do Regulamento n.° 733/2002 admitir que empresas não elegíveis pudessem efetuar o registo do nome de domínio desejado. O mesmo se aplicaria se as disposições relativas à legitimidade fossem contornadas mediante a obtenção do registo recorrendo a uma técnica jurídica, como a delegação numa organização com sede na União e, portanto, elegível. Para excluir a possibilidade de situações como a do caso principal, parece impor‑se uma interpretação estrita do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 733/2002, com vista a garantir a eficácia da referida regulamentação. Uma interpretação que tolerasse um comportamento desta natureza teria por consequência que a ligação com a União pretendida pelo legislador da União não poderia ser garantida sem restrições, o que frustaria o objetivo do regulamento.

64.      Consequentemente, o facto de o acordo celebrado pela Walsh Optical e pela Bureau Gevers não poder ser qualificado juridicamente como contrato de licença, mas antes como contrato de prestação de serviços, obsta à aplicação do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 733/2002. Dado que, no processo principal, no momento da apresentação do pedido, não estava cumprido um requisito essencial de Registo, o registo também não estava autorizado a registar o nome de domínio em questão. Como tal, porque esse registo foi efetuado indevidamente, o Registo deve anular oficiosamente o nome de domínio em questão em conformidade com o artigo 20.°, alínea b), do Regulamento n.° 874/2004.

4.      Conclusão

65.      Pelo exposto, a questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que a expressão «titulares de direitos ou licenças anteriores» do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 874/2004, num caso em que o direito anterior em causa é um direito de marca, não abrange uma pessoa que tenha sido autorizada pelo titular da marca unicamente a registar, em seu próprio nome mas por conta do licenciante, um nome de domínio idêntico ou semelhante à marca, sem, no entanto, estar autorizada a dar outras utilizações à marca ou a usar o sinal como marca, como, por exemplo, a comercializar produtos ou serviços sob a marca.

C —    Relativamente à segunda questão prejudicial

66.      Como a segunda questão prejudicial só foi colocada para o caso de a resposta à primeira questão prejudicial ser afirmativa, é desnecessário responder‑lhe.

VII — Conclusão

67.      Atendendo às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões submetidas pela cour d’appel de Bruxelles:

A expressão «titulares de direitos ou licenças anteriores» do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 874/2004 da Comissão, de 28 de abril de 2004, que estabelece as regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do domínio de topo.eu, e os princípios que regem o registo, deve ser interpretada no sentido de que, numa situação em que o direito anterior em causa é um direito de marca, não abrange uma pessoa que tenha sido autorizada pelo titular da marca unicamente a registar, em seu próprio nome mas por conta do licenciante, um nome de domínio idêntico ou semelhante à marca, sem, no entanto, estar autorizada a dar outras utilizações à marca ou a usar o sinal como marca, como, por exemplo, a comercializar produtos ou serviços sob a marca.


1 – Língua original das conclusões: alemão.


      Língua do processo: francês.


2 – JO L 113, p. 1.


3 – JO L 162, p. 40.


4 – JO 1989, L 40, p. 1.


5 – JO 1994, L 11, p. 1.


6 – «eEurope — Sociedade da informação para todos»: Comunicação respeitante a uma iniciativa da Comissão a apresentar ao Conselho Europeu especial de Lisboa de 23 e 24 de março de 2000, COM(1999) 687 final.


7 – Sobre o processo de registo por etapas em pormenor, v. Bettinger, T., «New European Top‑Level Domain. eu», in Domain Name Law and Practice, Oxford, 2005, p. 44; Muñoz, R., «L’enregistrement d’un nom de domaine ‘.eu’», Journaux des tribunaux —Droit européen, junho de 2005, n.° 120, pp. 161 e segs.


8 – V. acórdãos de 27 de fevereiro de 2003, Adolf Truley (C‑373/00, Colet., p. I‑1931, n.° 35), e de 19 de setembro de 2000, Linster (C‑287/98, Colet., p. I‑6917, n.° 43).


9 – V. acórdão de 24 de junho de 1993, Dr. Tretter (C‑90/92, Colet., p. I‑3569, n.° 11).


10 – Desde 1 de janeiro de 1971, o direito das marcas para marcas de produtos individuais e coletivas está regulado nos Estados do Benelux na lei uniforme Benelux sobre as marcas de produtos e de serviços. Nos seus termos, uma marca só pode vigorar em todo o território do Benelux; o direito não pode ser decomposto territorialmente. O direito das marcas comum ao Benelux substituiu, deste modo, em grande medida, as legislações nacionais autónomas anteriormente vigentes em matéria de direito das marcas (V., a este respeito, Evrard., J./Péters, P., La Défense de la Marque dans le Benelux, 2.ª ed., Bruxelas, 2000, pp. 8 e 17; Verkade, F., «Angleichung des nationalen Markenrechts in der EWG: Benelux‑Staaten», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht Internationaler Teil, 1992, p. 92).


11 – V. as minhas conclusões de 27 de janeiro de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, Colet., p. I‑3327, n.° 50).


12 – Assim, por exemplo, no domínio dos direitos de autor, Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação (JO L 167, p. 10) afirma, no seu trigésimo considerando, que os direitos referidos podem ser transferidos, cedidos ou sujeitos à concessão de licenças numa base contratual, sem prejuízo do direito nacional pertinente em matéria de direito de autor e direitos conexos. No que toca ao direito das marcas, o artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 dispõe que a marca comunitária pode ser objeto de licenças para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais tiver sido registada e para toda ou parte da Comunidade. Também o futuro regulamento relativo à patente comunitária incluirá disposições relativas ao contrato de licença; de facto, o artigo 19.° da proposta de Regulamento do Conselho relativo à Patente Comunitária [COM(2000) 412 final] prevê que a patente comunitária pode ser, na sua totalidade ou em parte, objeto de licenças para o conjunto ou parte do território da Comunidade e que as licenças podem ser exclusivas ou não exclusivas.


13 – V. Vögele, A./Borstell, T./Engler, G., Handbuch der Verrechnungspreise, 3.ª ed., Munique, 2011, n.° 352. Os autores observam que, para a celebração de contratos de licença, existe, em princípio, liberdade contratual, pelo que as partes contratuais podem acordar determinadas restrições de conteúdo aplicáveis à licença, as quais podem ser de natureza geográfica, temporal, material ou pessoal.


14 – Acórdão de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, Colet., p. I‑3327, n.° 31).


15Idem, n.° 32.


16 – V. Stumpf, H./Groß, M., Der Lizenzvertrag, 8.ª ed., Frankfurt am Main 2005, n.° 13, p. 36; Ubertazzi, B., «IP‑Lizenzverträge und die EG‑Zuständigkeitsverordnung», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht Internationaler Teil, 2010, p. 115.


17 – V., em particular, McGuire, M.‑R., «Der Gerichtsstand des Erfüllungsorts nach Art. 5 Nr. 1 EuGVO bei Lizenzverträgen — Anmerkung zur Entscheidung EuGH Rs. C‑533/07 — Falco Privatstiftung und Thomas Rabitsch/Gisela Weller‑Lindhorst», Zeitschrift für Gemeinschaftsprivatrecht, 2010, p. 99.


18 – JO L 78, p. 1.


19 – Comissão Europeia, «Memorando sobre a criação de uma marca CEE», SEC(76)2462 final.


20 – «Diretrizes relativas aos processos perante o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos)», parte E, capítulo 5: Licenças (consultável em http://oami.europa.eu/ows/rw/resource/documents/CTM/guidelines/licences_de.pdf).


21 – JO L 195, p. 16.


22 – JO L 123, p. 11.


23 – JO L 213, p. 13.


24 – V. Pahlow, L., Lizenz und Lizenzvertrag im Recht des Geistigen Eigentums, Tübingen, 2006, p. 182, que realça as diferentes perspetivas sobre a teoria relativa à essência da licença. Alguns falam de um mero «consentimento», ao passo que outros de um «direito de exploração». No entender do autor, é possível recorrer ao «menor denominador comum» e, no caso exclusivo da licença, falar de um «direito de utilização». De forma semelhante, também Miguel Asensio, P. A., «Jurisprudencia española y comunitaria de Derecho internacional privado», Revista española de Derecho Internacional, 2009, p. 201, entende que a compreensão de um acordo de licença como mera renúncia ao exercício de um direito na aceção do acórdão Falco Privatstiftung e Rabitsch é demasiado redutora, uma vez que em muitas configurações contratuais tal não se aplica. Além disso, a título de exemplo, o direito espanhol em matéria de patentes prevê que o licenciante deve garantir ao licenciado a possibilidade de utilização. Porém, o autor não considera incorreta a definição utilizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão referido supra, uma vez que a mesma é condicionada pelas circunstâncias do processo principal. Gouga, A., Die Übertragung und Lizenzierung der Marke nach griechischem und deutschem Recht unter Berücksichtigung der europäischen Markenrechts, Munique, 1996, p. 230, aponta corretamente que, em conformidade com o entendimento do direito atual, a essência do direito das marcas tanto é composto por autorizações de defesa negativas como por autorizações de utilização positivas, de modo que, juridicamente, é admissível compreender a licença de uma marca também na aceção de um direito de utilização positivo. Bühling, J., «Die Markenlizenz im Rechtsverkehr», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht Internationaler, 2010, p. 196, refere que as licenças de direitos de proteção comercial são, em geral, descritas como o direito de usar o direito de proteção comercial num âmbito que, normalmente, está subordinado ao ius prohibendi e ao direito de utilização do titular do direito de proteção. Neste sentido, v., também, Martiny, Münchener Kommentar zum BGB, 5.ª ed., 2010, n.° 222; Stimmel, U., «Die Beurteilung von Lizenzverträgen unter der Rom I‑Verordnung», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht Internationaler, 2010, p. 782; Vögele, A./Borstell, T./ Engler, G., op. cit. (já referido na nota 13), n.° 351.


25 – V. Gouga, A., op. cit. (já referido na nota 24), p. 190. Segundo a autora, o conceito de licença abrange todas as faculdades concedidas pelo licenciante ao licenciado para utilizar o direito de proteção ou as suas etapas preliminares do mesmo modo que o titular, embora numa menor extensão.


26 – V., neste sentido, Pfaff, D./Nagel, S., Lizenzverträge, 3.ª ed., 2010, n.° 7, segundo o qual os contratos de licença de acordo com a perspetiva atual se caraterizam pelo facto de o titular de uma posição jurídica absoluta protegida (por exemplo, um titular de uma patente) conceder a terceiros autorização para utilizar e explorar as invenções ou procedimentos protegidos.


27 – V. Stumpf, H./Groß, M., op. cit. (já referido na nota nota 16), n.° 117, p. 95.


28 – V. Bühling, J., op. cit. (já referido na nota 24), p. 199, que refere a limitação de finalidades da licença de uma marca. Neste sentido, a licença deve assegurar as funções da marca e ao mesmo tempo reforçar a própria marca e aumentar o seu valor para o licenciante.


29 – No contexto dos acordos de licenças na área tecnológica, v. Brinker, I., EU‑Kommentar (ed. de Jürgen Schwarze), 2.ª ed., Baden‑Baden, 2009, artigo 81º CE, n.°  96, p. 911, que explica como a celebração de contratos de licenças é um instrumento importante, que simplifica e acelera significativamente a comercialização de produtos no mercado comum. Aquele que desenvolve uma determinada tecnologia e não consegue utilizá‑la plenamente e produzir produtos, opta muitas vezes por outorgar licenças a empresas terceiras, atribuindo‑lhes uma determinada área em que o licenciado pode exercer atividade exclusiva e comercializar os produtos fabricados com base na respetiva tecnologia. Os licenciantes e os licenciados, como também o público em geral, beneficiam da divulgação da tecnologia com base num contrato de licença.


30 – V. Pahlow, L., op. cit. (já referido na nota 24), p. 218.


31Idem, p. 225.


32Idem, p. 187, onde se declara que o acordo concreto das partes e as disposições legais podem fornecer informações sobre o conteúdo da licença.


33 – V. Vögele, A./Borstell, T./Engler, G., op. cit. (já referido na nota 13), n.° 362, segundo os quais a designação dos contratos não é decisiva para diferenciar contratos de licença no que diz respeito aos bens imateriais licenciados. Tanto do ponto de vista jurídico como fiscal é, pelo contrário, decisivo que bens económicos imateriais sejam efetivamente utilizados com base no contrato.


34 – V. acórdãos de 23 de maio de 1978, Hoffmann‑La Roche/Centrafarm (102/77, Colet., p. 391, n.° 7); de 10 de outubro de 1978, Centrafarm BV/American Home Products Corporation (3/78, Colet., p. 621, n.os 11 e 14); e de 17 de outubro de 1990, HAG (C‑10/89, Colet., p. I‑3711, n.° 14). Relativamente à função de origem da marca, Wollmann, H., EU‑ und EG‑Vertrag (ed. de Heinz Mayer), artigo 81º CE, n.° 156, p. 53.


35 – V. acórdão de 12 de novembro de 2002, Arsenal Football Club (C‑206/01, Colet., p. I‑10237, n.os 47 e 48).


36 – V. acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o. (C‑487/07, Colet., p. I‑5185, n.° 58).


37 – V. acórdão de 23 de março de 2010, Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, Colet., p. I‑2417, n.° 77).


38 – V., neste sentido, Bühling, J., op. cit. (já referido na nota 24), p. 199. V. Sakulin, W., Trademarkprotectionand freedom of expression, Alphen aan den Rijn, 2011, p. 51, que atribui uma grande relevância ao facto de o Tribunal de Justiça, nos acórdãos L’Oréal e Google, ter entendido que a proteção das outras funções da marca é igualmente importante. Neste contexto, recorda‑se que o advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer já nas suas conclusões de 13 de junho de 2002, no processo Arsenal Football Club (já referido na nota 35), n.° 77 se tinha pronunciado a favor da proteção das outras funções da marca.


39 – V. Pahlow, L., op. cit. (já referido na nota 24), p. 236.


40 – V. acórdão Falco Privatstiftung e Rabitsch (já referido na nota 14), nº 29.


41Idem, n.° 41.


42 – V. as minhas conclusões no processo Falco Privatstiftung e Rabitsch (já referidas na nota 11), n.° 57.


43 – A cláusula 4.2 do contrato tem a seguinte redação: «O licenciado fatura os seus serviços ao licenciante» («Licensee will charge Licensor for its services»).


44 – V. Scheunemann, K., Die.eu Domain – Registrierung und Streitbeilegung, Münster, 2008, p. 115.


45 – Em alguns países (Argentina, Áustria, Bélgica, China, Dinamarca, Finlândia, Países Baixos, Polónia, Rússia, Suíça, Suécia, Reino Unido), é possível registar nomes de domínios com o ccTLD nacional, sem aplicação de quaisquer critérios ou condições relativas à localização. Segundo esta prática, qualquer um pode, independentemente da sua nacionalidade, da sua residência e do seu estabelecimento, registar um nome de domínio. A única restrição existe no contexto da proibição de nomes de domínios considerados obscenos, que ou são excluídos do registo ou podem ser eliminados a posteriori.


      A maioria dos registos nacionais utiliza um sistema semirrestritivo. De acordo com este sistema, não é necessário apresentar documentos que comprovem que uma marca registada corresponde a um nome de domínio. Contudo, a elegibilidade é limitada a pessoas com presença local ou com ligação territorial com o país do ccTLD. Estes requisitos variam de caso para caso. Em alguns países, é exigida a nacionalidade, bem como um local de residência, no respetivo país; noutros, é necessário o comprovativo do estabelecimento ou de uma atividade comercial no país (Bulgária, Canadá, República Checa, Japão, Hungria, Malta, Noruega, Singapura, Estados Unidos da América) ou na União Europeia (Itália) ou, no mínimo, a nomeação de um agente com estabelecimento no país em causa (Alemanha, Luxemburgo).


      Outros registos nacionais só permitem o registo se o requerente tiver uma ligação territorial com o país ou um estabelecimento no respetivo país e, além disso, puder documentar que é titular de um direito de proteção que corresponde ao nome de domínio (Austrália). Em outros países, o nome de domínio deve estar presente em categorias mais específicas de direitos de marcas e nomes comerciais e o requerente também deve ter uma ligação efetiva com o país (Irlanda). Em outros países ainda, os requisitos de registos restritivos só se aplicam ao registo direto com o ccTLD, ao passo que o registo nos domínios de topo está sujeito a condições menos rigorosas ou poderá mesmo não estar sujeito a requisitos (Índia, Hong Kong, Espanha). A este respeito, v. Bettinger, T., «Registration requirements and dispute resolution», in Domain Name Law and Practice, Oxford, 2005, p. 44


46 – V. Kipping, D., Das Recht der.eu‑Domains, Munique, 2008, p. 4, n.° 11.


47 – V. n.° 30 das observações escritas da Comissão.