Language of document : ECLI:EU:T:2006:389

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

13 de Dezembro de 2006 (*)

«Política agrícola comum – Polícia sanitária – Encefalopatia espongiforme bovina – Regulamentação relativa à protecção da saúde animal e da saúde pública – Acção de indemnização – Responsabilidade extracontratual – Nexo de causalidade – Vícios de forma – Associação de operadores económicos – Inadmissibilidade»

No processo T‑304/01,

Julia Abad Pérez, residente em El Barraco (Espanha), e outros 481 demandantes cujos nomes constam em anexo ao presente acórdão,

Confederación de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos, com sede em Madrid (Espanha),

Unió de Pagesos, com sede em Barcelona (Espanha),

representados por M. Roca Junyent, J. Roca Sagarra, M. Pons de Vall Alomar e E. Sagarra Trias, advogados,

demandantes,

contra

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por J. Carbery e F. Florindo Gijón, e em seguida por Florindo Gijón e M. Balta, na qualidade de agentes,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Berscheid e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes, assistidos por J. Guerra Fernández, advogado,

demandados,

que tem por objecto um pedido de indemnização, nos termos dos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, destinado a obter o ressarcimento dos prejuízos alegadamente sofridos pelos demandantes devido a acções e omissões do Conselho e da Comissão na sequência do aparecimento da doença da encefalopatia espongiforme bovina em Espanha,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: R. García‑Valdecasas, presidente, J. D. Cooke e I. Labucka, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Fevereiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        Os demandantes são 482 produtores pecuários espanhóis – concretamente, profissionais, empresas do sector da pecuária e cooperativas agrícolas constituídas por diversas empresas do sector bovino –, apoiados por duas organizações profissionais agrícolas constituídas nos termos do direito espanhol, a Unió de Pagesos e a Confederación de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos (a seguir «COAG»).

2        A encefalopatia espongiforme bovina (a seguir «EEB»), doença dita «das vacas loucas», faz parte de um grupo de doenças chamadas encefalopatias espongiformes transmissíveis, que se caracterizam por uma degenerescência do cérebro e pelo aspecto esponjoso das células nervosas na análise microscópica. A origem provável da EEB é uma alteração na preparação dos alimentos destinados aos bovinos que continham proteínas provenientes de ovelhas atingidas pela doença chamada «tremor epizoótico da ovelha». A transmissão da doença ocorreu, principalmente, devido à ingestão de alimentos, designadamente farinhas de carne e de ossos, que continham agentes infecciosos não eliminados, e, em escassa medida, por transmissão materna. A doença caracteriza‑se por um período de incubação de vários anos.

3        A EEB foi detectada pela primeira vez no Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte em 1986. Segundo o Relatório Especial n.° 14/2001 do Tribunal de Contas, de 13 de Setembro de 2001, relativo à EEB (JO C 324, p. 1), até 31 de Maio de 2001, tinham sido confirmados quase 180 000 casos de EEB no efectivo desse país, quando nos restantes países da União Europeia tinham sido confirmados 1 738 casos. O número de casos no Reino Unido alcançou o seu nível máximo em 1992 e, depois, baixou, enquanto, no resto da União Europeia, a incidência da EEB aumentou desde 1996.

4        Em Julho de 1988, o Reino Unido decidiu, por uma lado, proibir a venda de alimentos destinados aos ruminantes que contivessem proteínas de ruminantes, e, por outro, proibir os criadores de alimentarem os ruminantes com esses alimentos [«Ruminant Feed Ban», contido na Bovine Spongiform Encephalopathy Order (1988 SI 1988/1039), posteriormente alterada].

5        As instituições comunitárias também adoptaram, a partir de Julho de 1989, disposições para fazer face à EEB. A maior parte dessas medidas foi adoptada com base na Directiva 89/662/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário, na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 395, p. 13) e na Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29), que permitem à Comissão tomar medidas de protecção quando existe um risco para os animais ou para a saúde humana.

6        Assim, a Decisão 89/469/CEE da Comissão, de 28 de Julho de 1989, relativa a determinadas medidas de protecção contra a EEB no Reino Unido (JO L 225, p. 51), introduziu um certo número de restrições às trocas intracomunitárias de bovinos nascidos no Reino Unido antes do mês de Julho de 1988. Esta Decisão foi alterada pela Decisão 90/59/CEE da Comissão, de 7 de Fevereiro de 1990 (JO L 41, p. 23), que generalizou a proibição de exportação de bovinos a partir do Reino Unido aos bovinos com idade superior a seis meses. A Decisão 90/261/CEE da Comissão, de 8 de Junho de 1990, que altera a Decisão 89/469 e a Decisão 90/200/CEE, relativa a exigências suplementares para determinados tecidos e órgãos no que diz respeito à EEB (JO L 146, p. 29), determinou que o cumprimento dessa proibição devia ser garantido através da aposição nesses animais de uma marca especial e da utilização de um sistema de fichas computorizadas para permitir a identificação dos animais. Além disso, a Decisão 90/134/CEE da Comissão, de 6 de Março de 1990 (JO L 76, p. 23), acrescentou a EEB à lista das doenças sujeitas a notificação pela Directiva 82/894/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1982, relativa à notificação de doenças dos animais na Comunidade (JO L 378, p. 58; EE 03 F26 p. 227), instituindo a obrigação de notificação semanal dos novos focos de EEB identificados.

7        A Decisão 90/200/CEE da Comissão, de 9 de Abril de 1990, relativa a exigências suplementares para determinados tecidos e órgãos no que diz respeito à EEB (JO L 105, p. 24), introduziu uma série de medidas destinadas a limitar as trocas intracomunitárias entre o Reino Unido e os outros Estados‑Membros de certos tecidos e órgãos – cérebro, espinal medula, amígdalas, timo, baço, intestinos – provenientes de animais da espécie bovina, em especial, os provenientes de bovinos com seis ou mais meses de idade na data do abate. A expedição de outros tecidos e órgãos não destinados ao consumo humano também foi proibida, e estabeleceu‑se que todos os bovinos que apresentassem sintomas clínicos de EEB deviam ser abatidos separadamente e que o seu cérebro devia ser submetido a um exame para pesquisa da doença. Se se confirmasse um caso de EEB, a decisão impunha a destruição das carcaças e das miudezas dos animais. A Decisão 92/290/CEE da Comissão, de 14 de Maio de 1992, relativa a determinadas medidas de protecção de embriões de bovino contra a EEB no Reino Unido (JO L 152, p. 37), impôs a todos os Estados‑Membros a obrigação de não enviar para outros Estados‑Membros embriões da espécie bovina produzidos por fêmeas relativamente às quais se suspeitasse ou tivesse sido confirmada a existência de EEB. Quanto ao Reino Unido, essa Decisão proibiu a exportação de embriões provenientes de animais nascidos antes de 18 de Julho de 1988 e impôs a adopção das medidas necessárias à identificação dos animais dadores.

8        A Decisão 94/381/CE da Comissão, de 27 de Junho de 1994, relativa a certas medidas de protecção respeitantes à EEB e à alimentação à base de proteínas derivadas de mamíferos (JO L 172, p. 23), proibiu em toda a Comunidade a utilização de proteínas provenientes de mamíferos na alimentação dos ruminantes; no entanto, os Estados‑Membros que instaurassem um sistema que possibilitasse a distinção entre proteínas animais derivadas de ruminantes e de espécies não ruminantes podiam ser autorizados pela Comissão a permitir a alimentação dos ruminantes com proteínas derivadas de outras espécies de mamíferos. A Decisão 94/382/CE da Comissão, de 27 de Junho de 1994, que aprovou sistemas alternativos de tratamento térmico para a transformação de resíduos provenientes de ruminantes no respeitante à inactivação de agentes da encefalopatia espongiforme (JO L 172, p. 25), precisou os métodos de transformação de resíduos de origem animal que não podiam ser utilizados para a alimentação dos ruminantes devido à sua ineficácia para desactivar os agentes infecciosos da EEB e enumerou os produtos que aparentemente não apresentavam risco de transmissão da doença e, consequentemente, não eram abrangidos pelo âmbito de aplicação dessas disposições – gelatina, peles, glândulas e órgãos destinados à indústria farmacêutica, sangue e produtos derivados do sangue, leite, banha e gorduras fundidas e tripas.

9        A Decisão 94/474/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1994, que diz respeito a determinadas medidas de protecção relativas à EEB e revoga as Decisões 89/469 e 90/200 (JO L 194, p. 96), aumentou de dois para seis anos o período durante o qual se exigia que não tivessem sido confirmados casos de EEB na exploração em que os bovinos tinham sido criados a fim de se permitir a exportação da sua carne fresca do Reino Unido para os outros Estados‑Membros. Essa decisão também proibiu a exportação a partir do Reino Unido de todas as matérias e produtos abrangidos pela Decisão 94/382 e fabricados antes de 1 de Janeiro de 1995.

10      Em 20 de Março de 1996, o Spongiform Encephalopathy Advisory Committee (a seguir «SEAC»), organismo científico independente encarregado de aconselhar o Governo do Reino Unido em matéria de EEB, emitiu um comunicado que revelou a existência de dez casos de uma variante da doença de Creutzfeldt‑Jakob – doença neurológica mortal que atinge o homem – diagnosticados em pessoas com a idade máxima de 42 anos, e esclareceu que, «embora não exist[isse] qualquer prova directa de uma relação […], a explicação [nessa altura] mais provável [era] a de esses casos estarem relacionados com uma exposição à EEB antes de ser instituída, em 1989, a proibição de determinadas miudezas especificadas de carne de bovino».

11      No mesmo dia, o Ministro da Agricultura, das Pescas e da Alimentação do Reino Unido tomou a decisão de proibir, por um lado, a venda e o fornecimento de farinhas de carne e ossos de mamíferos, bem como a sua utilização na alimentação destinada a todos os animais de criação, incluindo aves de capoeira, cavalos e peixes, e, por outro, a venda para consumo humano de carne de bovinos com mais de 30 meses de idade. No mesmo momento, um certo número de Estados‑Membros e de países terceiros adoptaram medidas de proibição da importação de bovinos ou de carne de bovino provenientes do Reino Unido ou, no caso das medidas tomadas por alguns países terceiros, da União Europeia.

12      Em 22 de Março de 1996, o Comité Científico Veterinário da União Europeia (a seguir «CCV») concluiu que os dados disponíveis não permitiam provar a possibilidade de transmissão da EEB ao homem. No entanto, tendo em conta a existência desse risco, o CCV preconizou que as medidas adoptadas pelo Reino Unido relativas à desossagem das carcaças de bovinos com mais de 30 meses em estabelecimentos aprovados fossem aplicadas nas trocas intracomunitárias, e que a Comunidade adoptasse as medidas adequadas relativamente à proibição da utilização de farinhas de carne e ossos na alimentação dos animais.

13      Em 27 de Março de 1996, a Comissão adoptou a Decisão 96/239/CE, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a EEB (JO L 78, p. 47), que proibiu, transitoriamente, a expedição de bovinos, de carne de bovino ou de produtos derivados do território do Reino Unido para outros Estados‑Membros e países terceiros. Essa decisão dispunha, designadamente, que o Reino Unido não podia expedir do seu território, em primeiro lugar, bovinos vivos, sémen e embriões de bovinos; em segundo lugar, carne de animais da espécie bovina abatidos no Reino Unido; em terceiro lugar, produtos obtidos a partir de animais da espécie bovina abatidos no Reino Unido susceptíveis de entrar na cadeia alimentar humana ou animal, ou destinados a uso médico, cosmético ou farmacêutico; e em quarto lugar, farinhas de carne e de ossos provenientes de mamíferos. O Reino Unido devia transmitir quinzenalmente à Comissão um relatório sobre a aplicação das medidas adoptadas em matéria de protecção contra a EEB. Por último, o Reino Unido foi convidado a apresentar novas propostas com vista ao controlo da EEB no seu território, devendo a Decisão 96/239 ser revista após análise do conjunto de elementos nela mencionados.

14      Em 26 de Abril de 1996, o CCV emitiu um parecer nos termos do qual o sémen de bovino não apresentava riscos de transmissão de EEB, declarou estar de acordo com as medidas adoptadas pela Decisão 92/290 enquanto estavam em curso estudos científicos relativos à transmissibilidade da doença pelos embriões e especificou os procedimentos que deviam ser utilizados para o tratamento da gelatina e do sebo. Em 11 de Junho de 1996, a Comissão, com base, nomeadamente, nesse parecer, adoptou a Decisão 96/362/CE, que alterou a Decisão 96/239 (JO L 139, p. 17), que levantou a proibição de exportar do Reino Unido sémen de bovinos e outros produtos como a gelatina, o fosfato dicálcico, os aminoácidos e péptidos, os sebos e os produtos à base de sebo ou derivados do sebo, na condição, nomeadamente, de serem produzidos de acordo com os métodos descritos no anexo dessa decisão em estabelecimentos sujeitos a controlo veterinário oficial.

15      Em 4 de Julho de 1996, a Espanha proibiu a entrada no seu território de determinados órgãos e matérias de risco de bovinos provenientes da França, da Irlanda, de Portugal e da Suíça e impôs a destruição dos tecidos de bovinos abatidos em Espanha provenientes desses países. Em 9 de Outubro de 1996, essa medida foi alargada a determinados órgãos de ovinos e caprinos provenientes dos referidos países e do Reino Unido, não tendo este último sido incluído na lista inicial devido às medidas previstas na Decisão 96/239.

16      A Decisão 96/449/CE da Comissão, de 18 de Julho de 1996, que aprovou sistemas alternativos de tratamento térmico para a transformação de resíduos animais com vista à desactivação dos agentes da EEB (JO L 184, p. 43) substituiu a Decisão 94/382, já referida, e instituiu, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1997, parâmetros mínimos para a transformação de resíduos animais. Através da Decisão 97/735/CE, de 21 de Outubro de 1997, relativa a determinadas medidas de protecção respeitantes ao comércio de certos tipos de resíduos de mamíferos (JO L 294, p. 7), a Comissão proibiu a expedição para outros Estados‑Membros e para países terceiros de farinhas de carne e de ossos de mamíferos não produzidas em conformidade com o sistema instituído pela Decisão 96/449.

17      Em 18 de Julho de 1996, o Parlamento Europeu constituiu uma comissão temporária de inquérito em matéria de EEB. Em 7 de Fevereiro de 1997, essa comissão emitiu um relatório sobre as alegações de infracção ou de má administração do direito comunitário relativamente à EEB, sem prejuízo da jurisdição dos tribunais nacionais e comunitários (a seguir «relatório da comissão de inquérito»). Esse relatório afirmava que a Comissão, o Conselho e as autoridades do Reino Unido estavam a gerir mal a crise da EEB e criticava o funcionamento dos comités comunitários responsáveis pelas questões veterinárias e sanitárias. Em 19 de Fevereiro de 1997, o Parlamento adoptou uma resolução sobre as conclusões da comissão temporária de inquérito, que aprovou o referido relatório e solicitou à Comissão, ao Conselho e aos Governos dos Estados‑Membros que adoptassem as medidas necessárias para darem cumprimento às suas recomendações.

18      A Decisão 97/534/CE da Comissão, de 30 de Julho de 1997, relativa à proibição de utilização de matérias de risco no que diz respeito às encefalopatias espongiformes transmissíveis (JO L 216, p. 95), proibiu qualquer utilização de matérias ditas «de risco especificadas» (a seguir MRE), concretamente, em primeiro lugar, o crânio, incluindo o cérebro e os olhos, as amígdalas e a espinal medula de bovinos com idade superior a doze meses e de ovinos e caprinos com idade superior a doze meses ou que apresentassem um dente incisivo definitivo que já tivesse rompido a gengiva e, em segundo lugar, o baço de ovinos ou caprinos. A partir da entrada em vigor dessa decisão, passou a ser proibida qualquer utilização da MRE, bem como a utilização da coluna vertebral de animais das espécies bovina, ovina e caprina para produção de carne separada mecanicamente. Além disso, as MRE deviam ser objecto de um tratamento específico para efeitos de destruição e deviam ser incineradas, sem prejuízo de outras medidas tomadas pelos Estados‑Membros relativamente aos animais abatidos no seu próprio território. A data inicialmente prevista para a entrada em vigor dessa decisão, ou seja, 1 de Janeiro de 1998, foi sucessivamente adiada até 30 de Junho de 2000. No entanto, em 29 de Junho de 2000, a Comissão adoptou a Decisão 2000/418/CE, que regulou a utilização de matérias de risco no que respeita às encefalopatias espongiformes transmissíveis e alterou a Decisão 94/474 (JO L 158, p. 76), que revogou e substituiu a Decisão 97/534.

19      Em 16 de Março de 1998, o Conselho adoptou a Decisão 98/256/CE, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a EEB, que altera a Decisão 94/474 e revoga a Decisão 96/239 (JO L 113, p. 32), e que flexibilizou a proibição de exportação a partir da Irlanda do Norte de certas carnes e produtos obtidos a partir de carne de bovino, em conformidade com os requisitos de um regime de certificação dos efectivos («Export Certified Herds Scheme»). Essa decisão, nomeadamente, levantou a proibição de expedição para outros Estados‑Membros e de exportação para países terceiros de carne de bovino desossada e de produtos à base de carne de bovino provenientes de animais nascidos e criados na Irlanda do Norte originários de grupos de efectivos certificadamente isentos de EEB e abatidos na Irlanda do Norte em instalações de abate utilizadas exclusivamente para esse efeito. As carnes tinham que ser desossadas em instalações de corte e armazenadas em câmaras frigoríficas na Irlanda do Norte, exclusivamente utilizadas para os produtos provenientes dessas instalações de abate. Em seguida, a Decisão 98/351 da Comissão, de 29 de Maio de 1998 (JO L 157, p. 110), determinou que as expedições da Irlanda do Norte podiam iniciar‑se a partir de 1 de Junho de 1998.

20      Em 25 de Novembro de 1998, a Comissão adoptou a Decisão 98/692/CE, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a EEB (JO L 328, p. 28), que alterou a Decisão 98/256 e flexibilizou a proibição de exportação a partir do Reino Unido de determinados produtos, com base no princípio da autorização da expedição no âmbito de um regime de exportação baseado na data (Date‑Based Export Scheme ou DBES). Tratava‑se, designadamente, dos seguintes produtos: carne fresca, carnes picadas e preparados de carne, produtos à base de carne e alimentos destinados a animais domésticos carnívoros, derivados de bovinos nascidos e criados no Reino Unido, aí abatidos em matadouros não utilizados para o abate de quaisquer bovinos inelegíveis. Um bovino era elegível a título do DBES se tivesse nascido e tivesse sido criado no Reino Unido e se, no momento do abate, se encontrassem preenchidos determinados requisitos – nomeadamente, o animal ser identificável, de forma que permitisse rastreá‑lo até ao efectivo de origem e à sua mãe; a sua idade ser superior a 6 mas inferior a 30 meses; a sua mãe ter vivido durante pelo menos 6 meses após o seu nascimento, não ter desenvolvido EEB, e não existirem suspeitas de que tivesse contraído essa patologia. Se um animal apresentado para abate não estivesse em conformidade com essas exigências, devia ser automaticamente recusado e, tendo já ocorrido a exportação, a autoridade competente do local de destino devia ser informada. Além disso, o abate de animais elegíveis devia ser feito em matadouros não utilizados para o abate de animais da espécie bovina não elegíveis. A data fixada para o início da expedição desses produtos pela Decisão 1999/514/CE da Comissão, de 23 de Julho de 1999 (JO L 195, p. 42) foi 1 de Agosto de 1999.

21      A Decisão 2000/418 regulamentou, finalmente, a utilização das MRE, definindo as matérias de bovinos, ovinos e caprinos que deviam ser removidas e destruídas depois de 1 de Outubro de 2000, de acordo com um procedimento específico destinado a garantir a não transmissibilidade da EEB. Essa decisão também proibiu a utilização dos ossos da cabeça e das colunas vertebrais desses animais em certos casos e o recurso a determinados métodos de abate.

22      Entre Novembro e Dezembro de 2000, ocorreu um ressurgimento múltiplo de casos de EEB em vários Estados‑Membros. Em 22 de Novembro de 2000, apareceu o primeiro caso de doença das vacas loucas em Espanha. Em Novembro de 2001, havia 73 casos diagnosticados de EEB em Espanha.

23      Em 4 de Dezembro de 2000, o Conselho adoptou a Decisão 2000/766/CE, relativa a determinadas medidas de protecção relativas às encefalopatias espongiformes transmissíveis e à utilização de proteínas animais na alimentação animal (JO L 306, p. 32), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, e que impunha aos Estados‑Membros a proibição de utilização de proteínas animais transformadas na alimentação de animais de criação mantidos, engordados ou criados para a produção de géneros alimentícios. Além disso, o Estados‑Membros deviam proibir a colocação no mercado, as trocas comerciais, a importação de países terceiros e a exportação para esses países de proteínas animais transformadas destinadas à alimentação de animais de criação e retirar essas proteínas do mercado, dos canais de distribuição e das instalações destinadas ao armazenamento situadas nas explorações agrícolas.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

24      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Dezembro de 2001, os demandantes intentaram a presente acção.

25      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Fevereiro de 2002, a Comissão arguiu uma questão prévia de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Por despacho do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 27 de Junho de 2002, foi decidido julgar a questão prévia de inadmissibilidade juntamente com a questão de mérito.

26      Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal de Primeira Instância colocou várias questões ao Conselho e à Comissão. Os demandados responderam a essas questões no prazo fixado.

27      As partes apresentaram as suas alegações e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência pública de 15 de Fevereiro de 2006.

28      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar a acção admissível;

–        declarar que o Conselho e a Comissão actuaram ilicitamente e, por essa razão, são responsáveis, no termos do artigo 288.° CE, pela propagação da crise da EEB no território da União Europeia e, por conseguinte, pelos prejuízos alegados na petição inicial;

–        condenar solidariamente o Conselho e a Comissão no ressarcimento dos danos patrimoniais causados aos demandantes, avaliados em 19 438 372,69 EUR, bem como dos danos morais sofridos, estimados em 15% desse montante, ou seja, em 2 915 755,80 EUR;

–        condenar o Conselho e a Comissão nas despesas.

29      O Conselho e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar a acção inadmissível;

–        de qualquer forma, julgar a acção improcedente;

–        condenar os demandantes nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

30      O Conselho e a Comissão, demandados, invocam três fundamentos de inadmissibilidade. O primeiro fundamento é relativo à desconformidade da petição inicial com o disposto no artigo 44.°, n.° 1, alínea a), e no artigo 44.°, n.° 5, do Regulamento de Processo, devido à existência de vícios de forma relativos à identificação dos demandantes. O segundo fundamento é relativo à desconformidade da petição inicial com o disposto no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, pela falta de precisão dos elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia a acção. O terceiro fundamento é relativo à falta de interesse em agir da Unió de Pagesos e da COAG.

 Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, relativo a vícios de forma quanto à identificação dos demandantes

 Argumentos das partes

31      Em primeiro lugar, a Comissão refere que a petição inicial não indica o domicílio dos demandantes. Ora, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea a), e do artigo 44.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, essa lacuna constitui uma violação de formalidades essenciais e não pode ser regularizada.

32      Os demandantes respondem que os seus domicílios constam nas folhas de cálculo juntas à petição inicial em anexo. De qualquer modo, a identificação do domicílio não é um requisito essencial susceptível de levar à inadmissibilidade da acção e pode ser objecto de regularização.

33      Em segundo lugar, os demandados sustentam que a petição inicial não identifica correctamente as pessoas colectivas que figuram entre os demandantes. Em particular, contrariamente à exigência do artigo 44.°, n.° 5, do Regulamento de Processo, algumas das pessoas colectivas demandantes não juntaram os seus estatutos e outras não fizeram prova de que o mandato conferido ao advogado tinha sido regularmente subscrito por um representante com poderes para o efeito. Por último, o Conselho observa que alguns demandantes não passaram procuração aos advogados que subscrevem a petição inicial.

34      Os demandantes observam que, nos termos do artigo 44.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento de Processo, a junção dos estatutos das pessoas colectivas é apenas um dos meios de prova possíveis da sua existência jurídica, sendo igualmente admissíveis outros meios de prova. Ora, as facturas originais juntas à petição inicial, de que consta a identidade de cada um dos demandantes, o seu número de identificação fiscal e o seu domicílio, é prova suficiente da existência das pessoas colectivas em causa. Os demandantes, de qualquer modo, juntaram, em anexo às suas observações sobre a questão prévia de admissibilidade, certidões dos actos de constituição e dos estatutos dessas pessoas colectivas. Relativamente à alegada falta de um mandato regularmente conferido por algumas sociedades, os demandantes sustentam que, em vários casos, a prova dos poderes dos signatários do mandato consta dos autos, uma vez que consta dos actos e dos contratos de constituição das sociedades apresentados. Quanto às outras sociedades, os demandantes apresentaram, na fase escrita, a prova do mandato conferido aos advogados por um representante com poderes para o efeito.

35      Em terceiro lugar, a Comissão alega que, não tendo sido juntos os respectivos estatutos, não é possível verificar qual o objecto social de algumas das pessoas colectivas demandantes. De qualquer modo, as denominações sociais de algumas pessoas colectivas demandantes não têm qualquer relação aparente com actividades pecuárias. Ora, as sociedades que não exercem actividades de produção ou de venda de carne de bovino não têm interesse em agir no presente processo.

36      Os demandantes alegam que o Regulamento de Processo não impõe a identificação do objecto social do demandante. De qualquer modo, resulta incontestavelmente dos seus estatutos que todas as pessoas colectivas demandantes exercem uma actividade ligada à agricultura. Consequentemente, têm interesse em agir na presente acção.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

37      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao fundamento relativo à falta de menção do domicílio dos demandantes, importa observar que o artigo 44.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento de Processo dispõe que a petição inicial deve conter os seus nomes e domicílios. Ora, no caso em apreço, embora os domicílios dos demandantes não constem da petição inicial propriamente dita, não é menos verdade que constam dos documentos juntos em anexo a esse articulado. Além disso, há que observar que os demandantes juntaram, em anexo às suas observações sobre a questão prévia de admissibilidade, uma lista dos seus domicílios. Por conseguinte, esse argumento não deve ser acolhido.

38      Em segundo lugar, no que diz respeito ao fundamento relativo à falta de junção dos estatutos das sociedades demandantes, às irregularidades dos mandatos e à falta de mandatos dos advogados, há que observar que o artigo 44.°, n.° 5, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo dispõe que, se o demandante for uma pessoa colectiva de direito privado, deve juntar à petição, por um lado, os seus estatutos ou uma certidão recente do registo comercial ou do registo das pessoas colectivas ou qualquer outro meio de prova da sua existência jurídica e, por outro, a prova de que o mandato conferido ao advogado foi regularmente outorgado por um representante com poderes para o efeito. No entanto, o artigo 44.°, n.° 6, dispõe que, se a petição não preencher os referidos requisitos, o demandante pode regularizá‑la posteriormente, apresentando os documentos em falta. Ora, o Tribunal de Primeira Instância verifica que, no caso em apreço, os demandantes apresentaram, durante o processo, as procurações, estatutos e mandatos que não tinham sido inicialmente juntos à petição inicial. Por conseguinte, esse argumento não deve ser acolhido.

39      Em terceiro lugar, no que diz respeito ao fundamento relativo ao facto de certas pessoas colectivas não terem indicado o seu objecto social e ao facto de a denominação social de algumas delas não ter relação aparente com as actividades de produção e de venda de carne de bovino, há que observar que o artigo 44.°, n.° 5, do Regulamento de Processo se limita a exigir das pessoas colectivas a prova da sua existência jurídica. No âmbito de uma acção de indemnização, o interesse em agir de uma pessoa colectiva depende menos das estipulações dos seus estatutos relativas ao seu objecto social do que das actividades realmente exercidas pela entidade em causa, bem como, mais especificamente, dos alegados danos por ela sofridos em virtude dessas actividades. Ora, no caso em apreço, os demandantes juntaram facturas relativas às suas actividades no âmbito da criação de gado bovino para demonstrarem a natureza e a extensão do prejuízo sofrido individualmente por cada um deles. Por conseguinte, foi feita prova de que as pessoas colectivas demandantes exerciam actividade nesse sector. Assim, esse argumento também não deve ser acolhido.

40      Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar este fundamento de inadmissibilidade improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade, relativo à falta de precisão dos elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia a acção

 Argumentos das partes

41      A Comissão recorda que, nos termos do artigo 21.º do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. Não preenche estes requisitos uma petição inicial destinada a obter o ressarcimento dos danos causados por uma instituição comunitária que não contém nenhum elemento relativo à natureza do prejuízo alegado nem relativo ao modo como a actuação imputada à instituição demandada deu causa ao prejuízo eventualmente sofrido (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Novembro de 1996, Syndicat des producteurs de viande bovine e o./Comissão, T‑53/96, Colect., p. II‑1579, n.° 23).

42      Ora, no caso em apreço, a petição inicial não expõe com a clareza exigida as actuações alegadamente ilícitas das instituições demandadas e não indica a razão dessa ilegalidade. A petição inicial também não especifica as disposições comunitárias das quais resulta a obrigação de agir das instituições que os demandantes consideram que foi violada. Os demandados ignoram, em suma, quais são exactamente os actos ou omissões ilícitos que lhes são imputados, e não podem, consequentemente, articular correctamente a sua defesa. Do mesmo modo, o nexo de causalidade entre a actuação alegadamente ilícita e o prejuízo invocado também não foi suficientemente precisado. Com efeito, a petição inicial não esclarece que medidas comunitárias provocaram a aparecimento da EEB em Espanha, não identifica os produtos ou matérias cuja comercialização provocou o aparecimento da doença e não especifica a relação entre a venda desse produtos e a regulamentação comunitária que autorizou a respectiva importação ou comercialização.

43      Os demandantes sustentam que a petição inicial permite identificar o objecto do litígio e os fundamentos e elementos de direito e de facto em que se baseia. Contém, assim, um quadro que apresenta as acções e omissões imputadas às instituições denunciadas e causadoras de um prejuízo aos criadores. Do mesmo modo, a materialidade do prejuízo sofrido está devidamente provada pelas facturas juntas.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

44      Por força do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, qualquer petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (despachos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 1993, Koelman/Comissão, T‑56/92, Colect., p. II‑1267, n.° 21, e de 14 de Maio de 1998, Goldstein/Comissão, T‑262/97, Colect., p. II‑2175, n.° 21). Resulta de jurisprudência assente que, para preencher estes requisitos, uma petição que vise a reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante imputa à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido, bem como a natureza e a extensão desse prejuízo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T‑387/94, Colect., p. II‑961, n.° 107, e despacho Syndicat des producteurs de viande bovine e o./Comissão, já referido, n.° 22).

45      Ora, no caso em apreço, a petição inicial preenche os referidos requisitos. Com efeito, em primeiro lugar, identifica as acções e as omissões imputadas às instituições demandadas, bem como as disposições e os princípios por elas violados. Em segundo lugar, a petição inicial pormenoriza o carácter e a extensão do prejuízo alegadamente sofrido pelos demandantes, quantificando‑o em relação a cada um deles. Por último, em terceiro lugar, os demandantes expõem as razões pelas quais consideram que existe um nexo de causalidade entre as actuações imputadas ao Conselho e à Comissão e os prejuízos que alegam ter sofrido.

46      Consequentemente, há que concluir que os requisitos previstos no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo se encontram preenchidos no caso em apreço.

47      Por conseguinte, este fundamento de inadmissibilidade deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento de inadmissibilidade, relativo à falta de interesse em agir da Unió de pagesos e da COAG

48      O Conselho contesta a posição processual da Unió de Pagesos e da COAG, que consiste em «apoiar» os demandantes. De acordo com o Regulamento de Processo, o único modo de uma pessoa ou associação apoiar as pretensões dos demandantes é o pedido de intervenção. Ora, essas duas organizações profissionais não fizeram esse pedido. A Comissão, por sua vez, afirma desconhecer o alcance que os demandantes pretendem dar à intervenção da Unió de Pagesos e da COAG no presente processo. Contesta, de qualquer modo, o interesse em agir dessas duas organizações profissionais, na medida em que não demonstraram que actuam em nome dos seus membros.

49      Os demandantes alegam que o interesse em agir da Unió de Pagesos e da COAG resulta do prejuízo sofrido por essas organizações, constituído pela soma de todos os prejuízos sofridos pelos seus membros e pelo dano moral sofrido por elas próprias. A Unió de Pagesos e a COAG não procuram obter um ressarcimento pecuniário, mas moral, nomeadamente o de ver declarada a insuficiência da actuação das instituições comunitárias na gestão da crise da EEB. O seu comparecimento não tem outro objectivo que o de apoiar os seus membros.

50      Na audiência, a Unió de Pagesos e a COAG esclareceram que pretendiam participar no presente processo na qualidade de intervenientes. O Tribunal de Primeira Instância recorda que, nos termos dos artigos 115.° e 116.° do Regulamento de Processo, conjugados com o artigo 40.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, qualquer pessoa ou associação que pretenda intervir num litígio submetido à apreciação do Tribunal de Primeira Instância deve apresentar um pedido de intervenção por requerimento separado.

51      No caso em apreço, a Unió de Pagesos e a COAG não cumpriram essa formalidade. O Tribunal de Primeira Instância, por conseguinte, não pode reconhecer‑lhes a qualidades de intervenientes para efeitos do presente processo.

52      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância observa que o direito de agir, nos termos do artigo 288.° CE, só é reconhecido a associações profissionais quando possam invocar em juízo um interesse próprio distinto do dos seus membros ou um direito à reparação que lhes tenha sido cedido por outras pessoas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1998, Coldiretti e o./Conselho e Comissão, T‑149/96, Colect., p. II‑3841, n.° 57; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T‑481/93 e T‑484/93, Colect., p. II‑2941, n.os 76 e 77).

53      No caso em apreço, por um lado, a Unió de Pagesos e a COAG não alegam uma cessão de direitos ou um mandato explícito que as habilite a apresentarem um pedido de reparação dos prejuízos sofridos pelos seus membros. Por outro, essas organizações esclarecem que não pretendem obter uma reparação pecuniária, sendo o prejuízo que sofreram constituído pelas soma de todos os danos sofridos pelos seus membros e pelo dano moral que elas próprias sofreram. Este alegado dano moral próprio dessas associações não foi, no entanto, de modo algum fundamentado.

54      Consequentemente, a Unió de Pagesos e a COAG não demonstraram ter interesse em agir no caso em apreço.

55      Por conseguinte, a acção deve ser julgada inadmissível no que diz respeito a essas duas organizações profissionais agrícolas.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

56      Os demandantes alegam que os requisitos de que depende o direito ao ressarcimento dos danos sofridos com base na responsabilidade extracontratual das instituições comunitárias nos termos do artigo 288.° CE, ou seja, a existência de um acto ilícito ou de uma actuação ilegal imputável a uma instituição comunitária, de um dano real e de um nexo de causalidade entre o acto ilícito e o prejuízo invocado, estão preenchidos no caso em apreço. Os demandantes alegam que o Conselho e a Comissão adoptaram, entre 1990 e 2000, normas e medidas insuficientes, erradas, inadequadas e tardias para fazer face à doença da EEB e que, por essa razão, essas instituições são responsáveis pela propagação dessa doença em vários Estados‑Membros, como a Espanha, o que causou danos muito significativos aos demandantes, nomeadamente pelo facto de ter diminuído o consumo de carne de bovino e de ter baixado o respectivo preço nesse país.

57      Os demandados sustentam que a sua actuação em relação à EEB nunca foi ilícita e que, de todo o modo, não há nenhum nexo de causalidade entre essa actuação e o prejuízo invocado.

 1. Quanto à existência de uma actuação ilegal do Conselho e da Comissão

58      Os demandantes alegam que as instituições demandadas violaram a regulamentação comunitária relativa à protecção da saúde animal e da saúde pública, bem como os princípios da boa administração, da confiança legítima e da precaução, que constituem normas jurídicas hierarquicamente superiores que protegem os particulares. Observam que as omissões dessas instituições são susceptíveis de gerar a responsabilidade da Comunidade na medida em que as instituições tenham violado uma obrigação legal de agir resultante de uma disposição comunitária (acórdão do Tribunal de Primeira Instância do 6 de Julho de 1995, Odigitria/Conselho e Comissão, T‑572/93, Colect., p. II‑2025, n.° 35).

59      Os demandados referem que a actuação ilícita que os demandantes lhes imputam está relacionada com a sua actividade legislativa, em que só existe responsabilidade da Comunidade a título excepcional (acórdão do Tribunal de Justiça do 4 de Outubro de 1979, Ireks‑Arkady/Conselho e Comissão, 238/78, Recueil, p. 2955, n.° 9) e quando esteja em causa uma norma jurídica hierarquicamente superior que proteja os particulares (acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 81). Quando gozam de um amplo poder de apreciação para a adopção de um acto normativo, a responsabilidade da Comunidade exige, além disso, que a violação seja caracterizada, quer dizer, que se revista de um carácter manifesto e grave (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 1978, HNL e o./Conselho e Comissão, 83/76, 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209, n.° 6, Colect., p. 421). Consequentemente, é necessário que a instituição em causa tenha infringido gravemente os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes (acórdão do Tribunal de Justiça do 15 de Setembro de 1982, Kind/CEE, 106/81, Recueil, p. 2885, n.° 12). A prova de tal ilegalidade deve ser feita pelos demandantes (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, Colect., p. I‑4199, n.os 43 e 44). Ora, o Conselho e a Comissão não cometeram nenhuma ilegalidade no âmbito da luta contra a EEB.

–       Quanto à violação da regulamentação comunitária relativa à protecção da saúde animal e da saúde pública

60      Os demandantes alegam que o Conselho e a Comissão dispunham, quando apareceu a EEB, de uma base jurídica suficiente para adoptarem os instrumentos jurídicos necessários a impedir a propagação da doença. Evocam, em primeiro lugar, as competências em matéria de protecção da saúde animal, previstas nos artigos 32.° CE e seguintes, relativas à política agrícola comum e aos regulamentos que instituem as OCM nos sectores suíno e bovino. Os demandantes também fazem referência ao artigo 100.° do Tratado CE (actual artigo 94.° CE), base jurídica geral que permite adoptar as directivas necessárias ao bom funcionamento do mercado comum. Além disso, a Directiva 89/662 impõe à Comissão uma obrigação de acompanhamento dos programas de controlo implementados pelas autoridades nacionais, bem como a realização de inspecções ao local para se assegurar da eficácia desses controlos. Os demandantes invocam, em segundo lugar, as competências comunitárias em matéria de saúde pública, expressamente reconhecidas pelo Tratado de Maastricht e ampliadas pelo Tratado de Amesterdão (artigo 152.° CE). A protecção da saúde pública é um interesse público peremptório e deve ser‑lhe atribuída uma importância preponderante relativamente às considerações económicas (despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1996, Reino Unido/Comissão, C‑180/96 R, Colect., p. I‑3903, n.os 91 a 93, e acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Affish, C‑183/95, Colect., p. I‑4315, n.os 43 e 57).

61      Os demandantes sustentam que a Comissão e o Conselho violaram a regulamentação comunitária nos domínios da saúde animal e da saúde pública. Para fundamentar esta tese, invocam o relatório da comissão de inquérito, em que o Parlamento concluiu pela responsabilidade do Conselho e da Comissão na crise da EEB. Em particular, relativamente à Comissão, o referido relatório contém as seguintes acusações: a suspensão das missões de inspecção veterinárias no Reino Unido entre 1990 e 1994; a falta de coordenação entre as diversas direcções‑gerais competentes; a falta de transparência no funcionamento do CCV, tendo o seu subgrupo EEB sido quase sempre presidido por um membro de nacionalidade britânica e composto por numerosos cientistas dessa nacionalidade; o facto de não ter garantido uma execução correcta dos controlos veterinários nem cumprido as obrigações previstas na Directiva 89/662 e o atraso e a ineficácia da regulamentação relativa às farinhas de carne e de ossos. Os demandantes esclarecem que a acção é contra o Conselho e a Comissão porque as competências para fazer face à EEB eram partilhadas entre estas duas instituições. A actuação imputada ao Conselho consiste nomeadamente em não ter aplicado o artigo 152.°, n.° 4, alíneas b) e c), CE nem as disposições da Directiva 89/662, bem como na adopção da Decisão 98/256, que levantou o embargo imposto ao Reino Unido. No que diz respeito à Comissão, é‑lhe especificamente censurado não ter exercido as competências de execução, vigilância e controlo previstas nas Directivas 89/662 e 90/425.

62      Os demandados alegam que sempre agiram no estrito cumprimento da legalidade e com firmeza, dentro dos limites das suas competências respectivas e adaptando a sua actuação aos conhecimentos científicos disponíveis sobre a epizootia e respectivas consequências para a saúde pública e animal. Os demandados observam que gozam de um amplo poder de apreciação, tanto em matéria de política agrícola comum como na aplicação do artigo 152.° CE. No que mais especificamente diz respeito à luta contra a EEB, a jurisprudência reconheceu que as instituições dispõem de um amplo poder discricionário quanto à adopção de medidas de protecção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, National Farmers’Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.os 61 e seguintes, e Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colect., p. I‑2265, n.° 37).

63      Os demandados alegam igualmente que as suas «omissões» só são susceptíveis de gerar a responsabilidade da Comunidade na medida em que as instituições tenham violado uma obrigação legal de agir resultante de uma disposição comunitária (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 2001, Area Cova e o./Conselho e Comissão, T‑196/99, Colect., p. II‑3597, n.° 84). Ora, o artigo 152.°, n.° 4, alíneas b) e c), CE limita‑se a definir os objectivos da Comunidade em matéria de saúde pública, sem instituir uma obrigação legal de agir. Do mesmo modo, as Directivas 89/662 e 90/425 atribuem aos Estados‑Membros, a título principal, a responsabilidade pelos controlos de polícia sanitária e de inspecção dos produtos animais (despacho Reino Unido/Comissão, já referido, n.os 53 e 54), apenas conferindo à Comissão poderes de vigilância. Com efeito, a responsabilidade pelo controlo efectivo da aplicação da legislação comunitária incumbe aos Estados‑Membros, consistindo essencialmente o papel da Comissão em verificar se as autoridades nacionais cumprem essa obrigação, como salientou o relatório consolidado final apresentado à comissão temporária de inquérito do Parlamento de 20 de Outubro de 1997 [COM (97) 509 final, p. 5].

64      Os demandantes esclarecem as suas críticas à actuação das instituições distinguindo três grandes períodos. O primeiro período vai da descoberta da EEB, em meados dos anos 80, até 1994, momento em que a Comissão, proibindo a utilização das farinhas de origem animal, fez face pela primeira vez às causas da doença. Esta etapa caracteriza‑se pela omissão culposa das instituições comunitárias, tanto a nível legislativo como a nível das suas obrigações de vigilância e de controlo. O segundo período vai de 1994 a 1998 e é marcado por uma actuação claramente insuficiente, tardia e incoerente da Comissão e do Conselho para erradicar a doença, tendo essas instituições adoptado medidas muitas vezes contraditórias e que ignoraram os pareceres científicos disponíveis. O terceiro período vai de 1998 a 2000 e caracteriza‑se por um comportamento passivo das instituições e por um abrandamento dos controlos e das inspecções, que tornaram possível o aparecimento em massa de novos casos em Novembro de 2000.

65      Mais precisamente, os demandantes sustentam que, embora a Comissão tenha tido conhecimento desde 1989 da existência de numerosos focos de EEB no Reino Unido, bem como dos riscos significativos de transmissão desta doença, as instituições comunitárias abstiveram‑se durante vários anos de tomar as precauções necessárias para evitar a sua propagação. Assim, entre 1990 e 1994, a actividade legislativa comunitária em matéria de EEB foi praticamente suspensa, não tendo o Conselho efectuado nenhum debate sobre esta doença. Os demandantes também acusam a Comissão de ter negligenciado as competências de vigilância que lhe incumbem por lei, nomeadamente de não ter tomado as medidas de protecção e de controlo previstas pelas Directivas 89/662 e 90/425. Como resulta do relatório da comissão de inquérito, a Comissão chegou mesmo a suspender, durante esse período, as missões de inspecção veterinária no Reino Unido. Por último, diversas notas internas redigidas em 1990 na Comissão demonstram que, nessa altura, apenas era sugerida uma política de desinformação.

66      A Comissão alega que as instituições comunitárias não podem ser acusadas de falta de vigilância nem de terem violado as obrigações legais de agir a que estão alegadamente vinculadas. Recorda que a legalidade de um acto deve ser apreciada em função dos seus elementos de facto e de direito existentes na data em que foi adoptado (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7). Por conseguinte, a adequação das medidas adoptadas deve ser analisada à luz dos conhecimentos científicos disponíveis na época da sua adopção. Ora, desde a publicação, em Fevereiro de 1989, do «relatório Southwood», que confirmava os primeiros casos de EEB no Reino Unido, as instituições comunitárias pediram ao CCV e aos meios científicos que se pronunciassem sobre os diferentes problemas ligados à doença e financiaram a investigação nesse domínio. No entanto, os cientistas consideraram durante muito tempo que a transmissão da doença ao homem era bastante improvável. Foram as informações recolhidas pelo comunicado do SEAC, de 20 de Março de 1996, que tornaram necessária a adopção das medidas de urgência objecto da Decisão 96/239.

67      A Comissão observa que, enquanto a possibilidade de transmissão da EEB ao homem era uma simples hipótese científica, considerou que a conciliação de interesses dos operadores do sector e dos consumidores estaria adequadamente garantida através da proibição de exportar do Reino Unido bovinos vivos com idade superior a seis meses e toda uma série de produtos susceptíveis de transmitir a doença. Por outro lado, segundo a Comissão, embora pudesse, em determinadas condições, realizar inspecções, não era obrigada a fazê‑lo. De qualquer modo, desde 1990, foram realizadas numerosas inspecções no Reino Unido.

68      Os demandantes criticam especialmente o atraso das instituições comunitárias na proibição de utilização das farinhas de carne e de ossos na alimentação dos animais de criação, considerando que estas constituíram o principal vector de transmissão da doença. Observam que, em 1989, o Reino Unido proibiu a utilização dessas farinhas na alimentação animal, não tendo, no entanto, proibido a respectiva produção e exportação. Assim, a venda de farinhas britânicas a outros Estados‑Membros passou de 12 500 toneladas em 1988 para 25 000 toneladas em 1989. No entanto, a Comissão só proibiu a utilização de proteínas de mamíferos na alimentação dos ruminantes em Julho de 1994, através da Decisão 94/381. Este atraso explica que os casos de EEB tenham diminuído no Reino Unido mas tenham aumentado nos outros Estados‑Membros. Além disso, essa decisão só proibiu a utilização de proteínas derivadas de tecidos de mamíferos na alimentação dos ruminantes. Esta proibição parcial das farinhas revelou‑se posteriormente a causa de contaminações cruzadas e, portanto, da propagação da doença. A proibição absoluta de utilização de proteínas animais na alimentação dos animais de criação só ocorreu através da Decisão 2000/766.

69      Os demandantes verificam, por outro lado, que o Parlamento solicitou, desde 1993, a aplicação de um determinado procedimento de transformação de resíduos animais provenientes de mamíferos para garantir a inactivação dos agentes da EEB, mas que nada foi feito nesta matéria até à Decisão 96/449, que entrou em vigor em 1 de Abril de 1997. Por último, os demandantes acusam as instituições comunitárias de terem reagido demasiado tarde às recomendações do grupo de peritos reunidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em Abril de 1996 e às conclusões do CCV de Outubro de 1996 sobre a necessidade de eliminar as MRE de todas as cadeias alimentares. Com efeito, a entrada em vigor da proibição de utilização de qualquer tipo de MRE, instituída inicialmente pela Decisão 97/534, foi sucessivamente adiada pela Comissão e pelo Conselho em quase três anos, tendo essa proibição sido apenas aplicada a partir de 1 de Outubro de 2000, através da Decisão 2000/418.

70      A Comissão sustenta que os demandantes não apresentaram nenhum relatório científico anterior à data de adopção das medidas em causa que demonstre que estas eram inadequadas ou insuficientes. Esclarece que a adopção da Decisão 94/381 era conforme ao parecer do comité veterinário permanente, indicando que, nessa época, as proteínas derivadas dos tecidos dos ruminantes eram consideradas a única fonte potencial de agentes da EEB e, portanto, que a sua exclusão da alimentação dos ruminantes reduzia ao mínimo o risco de infecção. Acrescenta que a Decisão 94/474 proibiu a exportação a partir do Reino Unido de farinha de carne e de ossos que contivesse proteínas de ruminantes não produzidas em conformidade com as novas regras comunitárias. A Comissão admite que a aplicação da regulamentação relativa ao tratamento das farinhas de carne e de ossos nos Estados‑Membros foi inicialmente insatisfatória, mas observa que foi por essa razão que, em 1997, deu início a procedimentos de infracção contra dez Estados‑Membros, nomeadamente a Espanha.

71      Os demandantes observam também que a actuação das instituições comunitárias foi incoerente e contraditória. Em particular, o embargo imposto pela Decisão 96/239 aos bovinos e às farinhas de carne e de ossos provenientes do Reino Unido, que já tinha sido considerado necessário, adequado e não desproporcionado pelo Tribunal de Justiça (despacho Reino Unido/Comissão, já referido), foi imediatamente flexibilizado, tendo sido admitidas derrogações e tendo sido adoptadas medidas muito menos estritas em sua substituição. Assim, a Decisão 96/362 levantou a proibição de expedição de vários produtos, como o sémen, a gelatina, o sebo e os produtos derivados de sebos. Em seguida, a Decisão 98/256, de modo muito subtil, envolveu o levantamento da proibição de exportação de produtos bovinos do Reino Unido, substituindo, no diploma aplicável, a menção «o Reino Unido não expedirá do seu território», pela menção «o Reino Unido assegurará que não sejam expedidos do seu território», tendo esta última fórmula um carácter muito pouco vinculativo. Deste modo, a responsabilidade pela vigilância da exportação dos produtos bovinos foi transferida, em 1998, da Comissão para o Reino Unido, o que constitui um «abandono de responsabilidades». Por último, a adopção da Decisão 98/692 marcou a última etapa do processo de levantamento progressivo e condicionado do embargo ao Reino Unido.

72      A Comissão alega que a adopção da Decisão 96/362 se justificava plenamente à luz, nomeadamente, dos pareceres do CCV de 9 e 18 de Abril de 1996. Quanto à Decisão 98/256, os demandados alegam que essa medida não levantou a proibição de exportar produtos de bovinos do Reino Unido, tendo‑se limitado a proibir a exportação de certos produtos da Irlanda do Norte em condições rigorosas. A alteração de redacção referida pelos demandantes não passa de um aperfeiçoamento linguístico, na medida em que não é o Reino Unido que «expede», mas as pessoas aí estabelecidas, sendo, consequentemente, o mesmo o alcance da proibição. As entidades responsáveis pela aplicação dessa decisão e as obrigações de inspecção da Comissão também se mantiveram inalteradas. A Comissão acrescenta que a Decisão 96/239 era uma medida de protecção de carácter transitório e que a sua revisão já estava prevista. Por último, a adequação do levantamento do embargo na perspectiva da protecção da saúde humana já foi analisada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Comissão/França (C‑1/00, Colect., p. I‑9989), que concluiu que, ao não adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento às Decisões 98/256 e 1999/514, a República Francesa não cumpriu as suas obrigações.

73      Os demandantes concluem que a inacção do Conselho e da Comissão tornou possível o aparecimento em massa, em Novembro de 2000, de novos casos de EEB. Os demandantes esclarecem, a este respeito, que a EEB se propagou porque, em vários Estados‑Membros (Espanha, Portugal, França), os animais tinham consumido farinhas animais provenientes do Reino Unido. As consequências da forte crise de confiança dos consumidores, que começou em Novembro e em Dezembro de 2000 em vários Estados‑Membros, nomeadamente na Espanha, incitou finalmente a Comissão e o Conselho a reagirem e a adoptarem as medidas adequadas, nomeadamente a Decisão 2000/766. A Comissão e o Conselho demoraram doze anos, desde a proibição pelo Reino Unido da utilização de farinhas de carne na alimentação dos ruminantes, a reagir face à gravidade da crise e às suas consequências.

74      A Comissão considera que, tendo em conta o número elevado de disposições específicas adoptadas, não se podem acusar as instituições de terem ficado inactivas face à doença. Essas medidas, de facto, permitiram reduzir e paliar a crise.

–       Quanto à violação dos princípios da boa administração, da confiança legítima e da precaução

75      Em primeiro lugar, os demandantes alegam que a Comissão infringiu o princípio da boa administração. Com efeito, ao demonstrar uma falta de diligência inexplicável, a Comissão violou o seu dever de vigilância e, ao ignorar os interesses da saúde pública em prol da protecção dos interesses económicos do Reino Unido, não cumpriu o seu dever de adequada ponderação dos interesses em causa. O princípio da boa administração impunha, nomeadamente, às instituições comunitárias que levassem em conta as consequências que a flexibilização das medidas de controlo da EEB, anteriormente instauradas, era susceptível de ter no sector da pecuária (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T‑73/95, Colect., p. II‑381, n.° 32), o que não aconteceu.

76      Os demandados alegam que o princípio da boa administração foi escrupulosamente cumprido no caso em apreço. Quando, para adoptar uma regulamentação, o legislador comunitário avalia os seus efeitos futuros e esses efeitos não podem ser previstos com exactidão, a sua apreciação só pode ser censurada se se afigurar manifestamente errada à luz dos elementos de que dispunha no momento da adopção da regulamentação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1990, Wuidart e o., C‑267/88 a C‑285/88, Colect., p. I‑435, n.° 14, e de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.° 90). Ora, no caso em apreço, os demandantes limitaram‑se a exprimir, de um modo geral, o seu desacordo com a ponderação dos interesses em causa levada a cabo pelas instituições comunitárias, sem no entanto provarem que as disposições pertinentes eram, no momento da sua adopção, manifestamente erradas (v., neste sentido, acórdão KYDEP/Conselho e Comissão, já referido, n.° 47).

77      Em segundo lugar, os demandantes alegam que a Comissão violou o princípio da confiança legítima quando, em 1998, levantou o embargo de 1996 sobre os produtos provenientes do Reino Unido. Este embargo criou uma confiança legítima no sector da pecuária quanto à manutenção posterior do mesmo nível de controlo. Assim, se os operadores económicos não tivessem tido confiança no controlo da situação pelas instituições comunitárias, teriam implementado um conjunto de medidas preventivas específicas para evitar que a crise os afectasse directamente.

78      Os demandados recordam que os operadores económicos não podem criar confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no âmbito do poder de apreciação das instituições comunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça do 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C‑350/88, Colect., p. I‑395, n.° 33). Aliás, o conceito de confiança legítima pressupõe a existência de expectativas do interessado fundadas em garantias precisas dadas pela administração comunitária (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1996, Guérin automobiles/Comissão, T‑195/95, Colect., p. II‑171, n.° 20). Ora, os demandantes não fizeram qualquer prova de que as instituições lhes deram essas garantias, indicando claramente a Decisão 96/239, além disso, o seu carácter temporário e transitório. De qualquer modo, é evidente que as instituições não podiam assegurar que a doença não atingiria o território espanhol, e ainda menos dar garantias precisas a esse respeito.

79      Em terceiro lugar, os demandantes sustentam que a Comissão e o Conselho não cumpriram as exigências do princípio da precaução, nomeadamente pelo facto de não terem adoptado medidas de controlo mais severas. Com efeito, no caso em apreço, as medidas adequadas só foram tomadas em 2000, apesar de os riscos associados à EEB terem sido cientificamente provados desde o fim dos anos oitenta para a saúde animal e desde 1996 para a saúde humana. De qualquer forma, mesmo que a Comissão e o Conselho tivessem podido considerar que o risco não estava completamente demonstrado, deveriam ter tomado medidas de protecção muito mais firmes, depois de terem avaliado adequadamente todos os riscos, indo mesmo além das informações científicas disponíveis.

80      Os demandados sustentam que o modo como geriram a crise da EEB nunca infringiu o princípio da precaução. Alegam que as medidas baseadas nesse princípio devem ser proporcionadas ao nível de protecção pretendido – sem, no entanto, «querer atingir um nível de risco zero» –, não discriminatórias, coerentes e baseadas numa análise das vantagens e dos custos potenciais da acção e da abstenção de agir. Pronunciando‑se sobre a aplicação desse princípio nos processos relativos à validade da Decisão n.° 96/239, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância referiram que, quando subsistam incertezas quanto à existência ou alcance de riscos para a saúde das pessoas, as instituições podem adoptar medidas de protecção sem terem de esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (acórdão Reino Unido/Comissão, já referido, n.° 99; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1998, Bergaderm e Goupil/Comissão, T‑199/96, Colect., p. II‑2805, n.° 66). O princípio da precaução não tem por efeito, todavia, obrigar as instituições comunitárias a seguir qualquer parecer científico sem nenhuma faculdade de apreciação. Ora, as medidas adoptadas para gerir a crise da EEB foram sempre adaptadas aos riscos existentes, de acordo com a apreciação efectuada pelas instituições comunitárias.

 2. Quanto à existência de um prejuízo

81      Os demandantes invocam, por um lado, um prejuízo económico e, por outro, um dano moral.

82      Assim, em primeiro lugar, alegam que sofreram um prejuízo patrimonial directo, real e certo devido ao aparecimento da crise da EEB em Espanha, tanto pelo facto de os seus encargos terem aumentado (damnum emergens – dano emergente) como pela perda de lucros que teriam realizado se a crise não tivesse existido (lucrum cessans – lucro cessante). O dano sofrido constituiu um prejuízo totalmente imprevisível e ultrapassou os riscos económicos normais inerentes às actividades do sector em causa (acórdão do Tribunal de Justiça do 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colect., p. I‑2477, n.° 28). Os demandantes baseiam o cálculo do montante desse dano em três critérios. Em primeiro lugar, observam que o aparecimento do primeiro caso de EEB em Espanha provocou uma queda entre 25% e 47% no consumo de carne de bovino nesse país, que levou a uma diminuição até 70% do volume de abates. Em segundo lugar, alegam que a referida redução do consumo conduziu a uma baixa de preço significativa da carne de bovino em Espanha, que passou de 484 pesetas espanholas (ESP)/quilograma em 2000 para 331 ESP/quilograma ao longo dos cinco primeiros meses de 2001. Em terceiro lugar, os demandantes identificam danos «colaterais», nomeadamente: a manutenção prolongada do gado nos estábulos para além do ciclo normal de engorda, o aumento do preço dos alimentos para animais (na sequência da proibição de utilização das farinhas de origem animal), os custos de extracção das MRE e os prejuízos relacionados com a depreciação do valor no mercado das carcaças cuja coluna vertebral havia sido retirada e, por último, a remoção, o transporte e a destruição dos cadáveres, na sequência das medidas adoptadas pela Comissão. O montante global do prejuízo económico sofrido pelos demandantes ascende, sem levar em conta esses prejuízos «colaterais», a 19 438 372,69 EUR.

83      O Conselho recorda que a responsabilidade da Comunidade pressupõe que o prejuízo alegado ultrapasse os limites dos riscos económicos normais inerentes às actividades do sector em causa (acórdão Ireks‑Arkady/Conselho e Comissão, já referido, n.° 11). O Conselho considera que o método de cálculo proposto não permite demonstrar que os demandantes tenham sofrido qualquer dano nem apreciar a extensão dos referidos prejuízos para cada operador. Observa também que a Comunidade e os Estados‑Membros tomaram medidas importantes para minorar a perda de rendimento dos criadores, devendo esses benefícios ser tomados em consideração no momento do cálculo do alegado prejuízo (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1993, Comissão/Stahlwerke Peine‑Salzgitter, C‑220/91 P, Colect., p. I‑2393, n.° 57). A Comissão, por sua vez, observa que, tendo em conta a complexidade do cálculo do prejuízo económico invocado, a sua determinação deveria ser objecto, sendo caso disso, de uma análise posterior, numa nova fase processual. De qualquer modo, observa que uma boa parte dos alegados «prejuízos colaterais» não são indemnizáveis, uma vez que foram precisamente ocasionados por medidas destinadas a erradicar a doença, cuja adopção foi reclamada pelos demandantes.

84      Em segundo lugar, os demandantes alegam que a crise da EEB lhes causou um dano moral. Primeiro, a actuação ilícita das instituições e a inquietação social provocada pela crise causaram uma perda de confiança dos consumidores nos criadores e nos outros operadores económicos do sector, que afectou o prestígio da profissão. Em segundo lugar, esse clima traduziu‑se numa incerteza do futuro profissional dos criadores. Além disso, a abstenção de agir ou a acção insuficiente das instituições também geraram a perda de confiança dos demandantes nos organismos que representavam e defendiam os seus interesses. Em terceiro lugar, os demandantes sofreram perturbações relacionadas com um sentimento de impotência, de ansiedade, de angústia e de incerteza. Os demandantes calculam o montante do dano moral em 15% do montante dos pedidos individuais baseados na baixa de preços, ou seja, no total, em 2 915 755,8 EUR.

85      O Conselho sustenta que os demandantes não concretizaram o dano moral alegadamente sofrido e que procederam a uma quantificação arbitrária e aleatória desse dano. A Comissão observa que a pecuária é uma actividade económica em que os operadores correm o risco de sofrer prejuízos e que as alegadas lesões ao prestígio profissional dos demandantes e o sofrimento psíquico que sofreram não foram provados.

 3. Quanto à existência de um nexo de causalidade

86      Os demandantes alegam que o requisito da existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal imputado e o prejuízo alegado se encontra preenchido no caso em apreço. Alegam que se a Comissão e o Conselho tivessem tomado as medidas necessárias para evitar o alargamento do foco da doença, os danos que os criadores sofreram teriam sido evitados. A má gestão, por parte dessas instituições, impediu o exercício de um melhor controlo dos agentes responsáveis pela propagação da doença fora do território geográfico onde ela apareceu e constitui, por conseguinte, a causa directa da crise.

87      Os demandantes observam que está cientificamente provado que as farinhas de carne e de ossos foram o vector de transmissão da EEB. Ora, a Comissão e o Conselho só tomaram as medidas adequadas nesta matéria em de Dezembro de 2000, com a adopção da Decisão 2000/766, que proibiu de modo absoluto a utilização de proteínas animais transformadas na alimentação dos animais de criação. Na sequência da adopção dessas medidas, a crise não se reproduziu.

88      Por outro lado, os demandantes alegam que a Decisão 98/256, que levantou o embargo de 1996 sobre o gado, a carne e as farinhas de origem animal provenientes do Reino Unido foi a causa directa da propagação da doença em Espanha no fim do ano 2000. Esse levantamento prematuro do embargo permitiu a propagação da EEB nos países importadores. Os demandantes observam, a este respeito, que, embora a duração média de incubação da doença seja de 4 a 5 anos, estudos científicos demonstraram que o período mínimo de incubação era de cerca de 22 meses. Ora, o aparecimento dos primeiros casos em Espanha ocorreu dois anos depois do levantamento do embargo.

89      Os demandantes alegam igualmente que os factos do caso em apreço são diferentes dos do processo em que foi proferido o acórdão Coldiretti e o./Conselho e Comissão, já referido, em que o Tribunal de Primeira Instância julgou a acção improcedente por ter considerado que a queda do consumo de carne de bovino em 1996 se deveu à publicação de informações sobre a transmissibilidade da EEB ao homem. No caso vertente, o consumo de carne de bovino em Espanha baixou drasticamente em 2000 sem que nenhuma publicação de divulgação científica tivesse estado na sua origem. A causa desta crise foi o aparecimento em massa de novos casos de EEB, tendo o primeiro caso surgido em Espanha, em Novembro de 2000. Com efeito, se o consumidor espanhol soubesse que a doença estava confinada ao território do Reino Unido, não teria deixado de consumir carne de bovino. A imprensa não pode ser considerada responsável pela crise em Espanha pelo simples facto de ter feito eco dessa crise. Por outro lado, no processo em que foi proferido o acórdão Coldiretti e o./Conselho e Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância referiu que não tinha sido demonstrado que, mesmo que as medidas reclamadas tivessem sido adoptadas, os criadores não teriam sofrido na mesma um prejuízo na sequência da queda do mercado. Ora, no presente processo, as medidas cuja não adopção se critica são precisamente as que o Conselho adoptou em 4 de Dezembro de 2000, ou seja, apenas quinze dias depois do aparecimento dos primeiros casos de EEB em Espanha, concretamente, a proibição absoluta das farinhas de carne e de ossos na alimentação dos animais de criação.

90      Por último, os demandantes observam que o relatório da comissão de inquérito confirma que a Comissão e o Conselho são responsáveis pela crise provocada pela propagação da EEB nos Estados‑Membros. Apesar de esse relatório ter sido redigido em 1997, as suas conclusões são extrapoláveis para a situação do caso em apreço, na medida em que as disposições aprovadas pelas instituições demandadas depois de 1997 não seguiram, pelo menos até Dezembro de 2000, as recomendações formuladas no referido relatório.

91      Os demandados sustentam que os demandantes não provaram a existência, no caso em apreço, de um nexo de causalidade directo entre as ilegalidades imputadas e o prejuízo invocado.

92      O Conselho admite que os conhecimentos científicos sobre a EEB indicam que a transmissão da doença ocorreu principalmente através da ingestão de farinhas de carne e de ossos que continham o agente infeccioso. Salienta todavia que, desde Julho de 1994, os Estados‑Membros estavam obrigados, por força da Decisão 94/381, a proibir a utilização de proteínas derivadas de tecidos de mamíferos na alimentação dos ruminantes.

93      A Comissão observa que, como resulta do seu relatório de 20 de Outubro de 1997 (v. n.° 64, supra), vários Estados‑Membros, nomeadamente a Espanha, cometeram irregularidades na aplicação das medidas adoptadas em matéria de EEB e que, por essa razão, em 26 de Junho de 1997, decidiu dar início a um processo de infracção contra dez Estados. De resto, também há que levar em conta a eventual responsabilidade dos produtores britânicos de farinhas e do Reino Unido na propagação da doença ao continente.

94      Os demandados alegam, além disso, que os demandantes não demonstraram que uma actuação mais precoce da sua parte ou a adopção de medidas diferentes teria podido evitar o aparecimento do primeiro caso de EEB em Espanha. Tendo em conta a duração do período de incubação da EEB, bem como as infracções cometidas pelos Estados‑Membros, concluem que mesmo uma acção mais precoce e drástica das instituições comunitárias não teria necessariamente evitado a propagação da doença. Além disso, nada indicia que, se tivessem sido tomadas medidas diferentes, os preços não teriam caído devido aos dados e informações provenientes de outros países.

95      Os demandados consideram, por outro lado, que o elemento que despoletou as reacções dos consumidores espanhóis foi a percepção que tiveram do risco. Assim, a campanha mediática alarmista desencadeada aquando do aparecimento do primeiro caso de EEB em Espanha provocou um certo pânico entre os consumidores. A adopção de novas medidas de proibição em Dezembro de 2000, a inexistência de casos da doença de Creutzfeldt‑Jakob no homem em Espanha ou o impacto reduzido da EEB nesse país em relação aos outros Estados‑Membros não foram suficientes para paliar essa crise de confiança do consumidor espanhol.

96      Por último, o Conselho contesta o alegado valor probatório, no caso em apreço, do relatório da comissão de inquérito. Em primeiro lugar, o referido relatório foi elaborado mais de um ano antes da adopção da Decisão 98/256. Em segundo lugar, esse documento não se pronuncia sobre possíveis responsabilidades legais, limitando‑se a formular uma série de recomendações e de apreciações de ordem política.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

97      Resulta de jurisprudência assente que a responsabilidade extracontratual da Comunidade por comportamento ilícito dos seus órgãos, na acepção do artigo 288.º, segundo parágrafo, CE, depende do preenchimento de um conjunto de requisitos, a saber: a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o dano invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30; e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.° 20).

98      Quanto ao primeiro requisito, a jurisprudência exige a prova de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42). Quanto à exigência de a violação ser suficientemente caracterizada, o critério decisivo do seu preenchimento é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para se concluir pela existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdão do Tribunal de Justiça do 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 54; acórdão do Tribunal de Primeira Instância do 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 134).

99      Quando um destes requisitos não estiver preenchido, a acção deve ser julgada improcedente na totalidade, sem ser necessário apreciar os outros requisitos (acórdão KYDEP/Conselho e Comissão, já referido, n.os 19 e 81, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37).

100    No caso em apreço, há que começar por examinar a questão da existência de um nexo de causalidade entre a actuação alegadamente ilegal das instituições comunitárias e o dano invocado pelos demandantes.

101    De acordo com jurisprudência assente, considera‑se estabelecido um nexo de causalidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, quando existe uma relação directa de causa e efeito entre o acto culposo da instituição em causa e o prejuízo invocado, nexo cuja prova deve ser feita pelos demandantes (acórdão do Tribunal de Justiça do 30 de Janeiro de 1992, Finsider e o./Comissão, C‑363/88 e C‑364/88, Colect., p. I‑359, n.° 25 e acórdão Coldiretti e o./Conselho e Comissão, já referido, n.° 101).

102    No caso em apreço, as ilegalidades alegadas pelos demandantes consistem essencialmente na adopção de normas e de medidas insuficientes, erradas, inadequadas ou tardias para fazer face à doença da EEB. Assim, os demandantes acusam as instituições demandadas de não terem cumprido as suas obrigações de vigilância e de controlo no domínio da saúde animal e da saúde pública, em particular, em primeiro lugar, ao não aplicarem as disposições do artigo 152.°, n.° 4, alíneas b) e c), CE; em segundo lugar, ao não adoptarem as medidas de protecção previstas nas Directivas 89/662 e 90/425; e, em terceiro lugar, ao não controlarem o cumprimento da regulamentação comunitária pelas autoridades dos Estados‑Membros, nomeadamente as do Reino Unido. Mais precisamente, os demandantes censuram às instituições comunitárias, em primeiro lugar, o facto de só muito tardiamente terem proibido a utilização das farinhas de carne e de ossos na alimentação dos animais de criação, bem como de não terem instituído atempadamente procedimentos adequados de transformação dos resíduos animais para garantir a inactivação dos agentes da EEB; em segundo lugar, o facto de só muito tardiamente terem proibido a utilização das MRE; e, em terceiro lugar, o facto de terem levantado prematuramente o embargo imposto em 1996 sobre os bovinos, as carnes bovinas e as farinhas de carne e de ossos provenientes do Reino Unido.

103    Os demandantes sustentam que essa alegada má gestão da crise da EEB pelo Conselho e pela Comissão impediu que a EEB fosse confinada ao território do Reino Unido, onde tinha aparecido, e permitiu a propagação dessa doença em vários países da Europa continental, nomeadamente a Espanha. O aparecimento da EEB nesse país provocou prejuízos económicos muito significativos aos demandantes, nomeadamente pelo facto de o consumo de carne de bovino ter diminuído e de os respectivos preços terem baixado, tendo‑lhes causado danos morais. Segundo os demandantes, as acções e omissões alegadamente culposas das instituições demandadas constituem, portanto, a causa directa dos prejuízos invocados no caso em apreço.

104    O Conselho e a Comissão alegam, ao invés, que os demandantes não provaram a existência, no caso em apreço, de um nexo de causalidade directo entre essas alegadas actuações ilegais e os danos invocados. Essas instituições contestam, em particular, que as suas acções e omissões possam ser consideradas a causa do aparecimento da EEB em Espanha. Sustentam que não foi demonstrado que uma actuação mais precoce da sua parte ou a adopção de medidas diferentes teria podido evitar o aparecimento do primeiro caso de EEB nesse país. As instituições demandadas, por outro lado, alegam que, de qualquer modo, a crise de confiança dos consumidores, que constitui a causa da queda dos preços e do consumo de carne de bovino no mercado espanhol, foi, na realidade, provocada pela cobertura mediática alarmista do aparecimento dos primeiros casos de EEB em Espanha.

105    Há que referir, desde logo, que, no caso vertente, a queda do consumo e dos preços no mercado da carne de bovino em Espanha ocorreu na sequência do aparecimento, em 22 de Novembro de 2000, do primeiro caso de EEB nesse país, ao qual sucedeu a descoberta, entre Novembro de 2000 e Novembro de 2001, de mais de 70 casos de EEB no território espanhol.

106    Não foi contestado que, na altura, o consumidor espanhol já estava ao corrente, há vários anos, tanto da existência da doenças das vacas loucas nos efectivos do Reino Unido e de outros Estados europeus – nomeadamente em França e em Portugal, países vizinhos –, como do risco de transmissibilidade dessa doença ao homem e do seu carácter mortal. Por conseguinte, contrariamente à situação do processo em que foi proferido o acórdão Coldiretti e o./Conselho e Comissão, já referido, em que a queda do mercado ocorreu devido à publicação do comunicado do SEAC de 20 de Março de 1996, que mencionava a possibilidade de transmissão ao homem da doença da EEB (v. n.° 113 do acórdão Coldiretti e o./Conselho e Comissão, já referido), no caso em apreço, a quebra da procura na origem dos prejuízos invocados não foi provocada pelos efeitos na opinião pública da difusão de informações científicas ou da divulgação dos riscos que a EEB representava para a saúde humana.

107    No caso em apreço, a crise de confiança do consumidor, que levou à queda do consumo de carne de bovino em Espanha, foi directamente causada pela descoberta nesse país de vacas infectadas pela doença da EEB. Contrariamente ao que parecem sustentar as instituições demandadas, foi o próprio aparecimento da EEB em Espanha que provocou inquietação no consumidor espanhol, e não o tratamento da informação, alegadamente «alarmista», pelos meios de comunicação social espanhóis. Com efeito, na determinação do nexo de causalidade, no caso em apreço, não é possível dissociar o aparecimento da doença em Espanha da respectiva difusão mediática, por mais alarmista que possa ter sido.

108    Por conseguinte, embora a queda do mercado espanhol da carne de bovino tenha sido provocada pela propagação da doença da EEB a Espanha, só pode existir responsabilidade da Comunidade pelos danos sofridos pelos demandantes por essa razão se as acções e omissões alegadamente ilegais do Conselho e da Comissão estiverem directamente na origem do aparecimento dessa doença nesse país e, assim, só se se verificar que, se essas instituições tivessem tomado as medidas que os demandantes as acusam de não terem tomado, essa doença provavelmente não teria chegado a Espanha.

109    Consequentemente, há que verificar, em seguida, se os demandantes carrearam provas ou indícios susceptíveis de demonstrar que as acções e omissões alegadamente culposas imputadas às instituições demandadas podem ser consideradas uma causa certa e directa da propagação da EEB a Espanha.

 1. Quanto ao alegado atraso da proibição de utilização das farinhas de carne e de ossos e na instituição de procedimentos adequados de transformação dos resíduos animais

110    Os demandantes sustentam que a crise da EEB que atingiu a Espanha não teria ocorrido se as instituições demandadas tivessem instituído, logo em 1990, uma proibição absoluta de utilização das farinhas de origem animal na alimentação dos animais de criação. Ora, tal proibição só foi instituída através da Decisão 2000/766, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001. Os demandantes acusam igualmente as demandadas de terem instituído tardiamente procedimentos adequados de transformação de resíduos animais provenientes de mamíferos. Só foram instituídos procedimentos adequados através da adopção da Decisão 96/449, que entrou em vigor em 1 de Abril de 1997.

111    Há que referir desde já que, apesar de não ser totalmente conhecida a origem exacta da EEB, as investigações científicas realizadas sobre esta doença indicam que – com excepção de um número reduzido de casos (menos de 10%) de transmissão por via materna – a EEB é provavelmente contraída através da ingestão de alimentos que contêm farinha de carne e ossos contaminada com o agente infeccioso. Com efeito, como refere a Decisão 94/381, considera‑se que a ocorrência de EEB nos bovinos tem origem em proteínas de ruminantes que contêm o agente de tremor epizoótico dos ovinos e, posteriormente, o agente da EEB, que não foram suficientemente transformadas para inactivar os agentes infecciosos. Por conseguinte, para lutar contra a propagação desta doença, era necessário, designadamente, impedir que os tecidos susceptíveis de conter o agente da EEB fossem introduzidos na cadeia alimentar animal.

112    Assim sendo, há que analisar as medidas adoptadas pelas instituições demandadas nesta matéria, concretamente, as relativas à utilização das farinhas de carne e de ossos e a instituição de procedimentos de transformação dos resíduos animais. A este respeito, há que distinguir duas fases na actuação dessas instituições: uma primeira fase, que vai da descoberta da doença da EEB no Reino Unido em 1986 até à adopção pela Comissão, em 27 de Junho de 1994, da Decisão 94/381, que proíbiu em toda a Comunidade a utilização de proteínas provenientes de mamíferos na alimentação dos ruminantes; e uma segunda fase, que vai da adopção da referida decisão até à instituição, em 4 de Dezembro de 2000, de uma proibição absoluta de utilização de proteínas animais transformadas na alimentação dos animais de criação, através da Decisão 2000/766.

–       A actuação das instituições demandadas antes de Junho de 1994

113    As instituições demandadas consideraram inicialmente que a EEB constituía um problema de saúde animal, circunscrito essencialmente ao território do Reino Unido, onde esta doença tinha sido detectada pela primeira vez em 1986. Assim, a partir de 1989, adoptaram uma primeira série de medidas destinadas a evitar a propagação da EEB a outros Estados‑Membros, introduzindo nomeadamente determinadas restrições às trocas intracomunitárias de bovinos provenientes do Reino Unido (v., nomeadamente, Decisões 89/469, 90/59 e 90/261). Em seguida, a Decisão 90/200 instituiu medidas destinadas a limitar as trocas intracomunitárias entre o Reino Unido e os outros Estados‑Membros de determinados tecidos e órgãos (cérebro, espinal medula, timo, amígdalas, baço e intestinos) provenientes de bovinos com idade superior a seis meses na data do abate, proibindo também a expedição de outros tecidos e órgãos não destinados ao consumo humano. A Decisão 92/290 impôs a todos os Estados‑Membros que assegurassem a não expedição de embriões da espécie bovina produzidos por fêmeas relativamente às quais se suspeitasse ou tivesse sido confirmada a existência de EEB; relativamente ao Reino Unido, essa decisão proibiu a exportação de embriões provenientes de animais nascidos antes de Julho de 1988.

114    Há que referir, por conseguinte, que, apesar de as autoridades do Reino Unido terem proibido no seu território, desde Julho de 1988, a alimentação de ruminantes com farinhas de carne e de ossos que contivessem proteínas de ruminantes, as instituições demandadas, numa primeira fase, não adoptaram medidas semelhantes a nível comunitário. Com efeito, como foi evocado, só em Junho de 1994 proibiram a utilização de proteínas provenientes de mamíferos na alimentação dos ruminantes em toda a Comunidade, através da adopção da Decisão 94/381. Do mesmo modo, a exportação de farinhas de carne e de ossos do Reino Unido para outros Estados‑Membros só foi expressamente proibida em 1996, através da Decisão 96/239.

115    É certo que, nessa altura, as características da doença e, mais especificamente, as suas causas de transmissão, não eram inteiramente conhecidas. De igual modo, antes de 1994, a incidência da EEB em países diferentes do Reino Unido – e, em escassa medida, na Irlanda – era consideravelmente limitada. Com efeito, entre 1988 e 1994, na Europa continental, a EEB apenas tinha sido detectada na Alemanha (4 casos), na Dinamarca (1 caso), em França (10 casos), na Itália (2 casos) e em Portugal (18 casos). Além disso, muitos desses casos verificaram‑se em vacas importadas por esses países.

116    Não é menos verdade que, já em 1989, a Comissão tinha considerado a EEB uma «nova doença grave e contagiosa, cuja presença pod[ia] constituir um perigo para os bovinos dos […] Estados‑Membros». Há que observar igualmente que as medidas comunitárias adoptadas entre 1989 e 1992 que impuseram restrições às trocas de produtos provenientes do Reino Unido abrangiam, nomeadamente, animais nascidos nesse país antes de Julho de 1988, ou seja, antes da instituição no Reino Unido da proibição de alimentar os ruminantes com farinhas de carne e de ossos que contivessem proteínas de ruminantes (v., em particular, artigo 1.° da Decisão 89/469, artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 90/200 e artigo 2.°, n.os 1 e 2, da Decisão 92/290). Assim, há que observar que a Decisão 90/59 refere que «os bovinos nascidos fora do Reino Unido, mas exportados para o Reino Unido após 18 de Julho de 1988, não [foram] expostos ao agente da doença através de alimentos infectados».

117    Por conseguinte, aparentemente, em 1990, as instituições demandadas já estavam conscientes, pelo menos em certa medida, tanto do risco que representava a EEB para os efectivos dos Estados‑Membros como da possível existência de uma relação causal entre a transmissão dessa doença e o consumo de farinhas infectadas de carne e de ossos de ruminantes. Pode‑se, pois, considerar que teria sido prudente, por parte dessas instituições, adoptar, antes de Junho de 1994, medidas específicas relativas à utilização das referidas farinhas, com base, nomeadamente, no artigo 9.°, n.os 3 e 4, da Directiva 89/662, e no artigo 10.°, n.os 3 e 4, da Directiva 90/425.

118    De qualquer forma, não é possível concluir que a adopção de tais medidas, mesmo nessa fase inicial, teria necessariamente permitido impedir a propagação da EEB no continente, e, mais precisamente, a propagação dessa doença a Espanha em 2000. Com efeito, há que referir que sete Estados‑Membros adoptaram, entre 1989 e 1990, medidas de proibição de utilização de proteínas derivadas de tecidos de mamíferos na alimentação dos ruminantes. No entanto, em muitos desses Estados, essas disposições não conseguiram impedir a propagação da EEB aos seus territórios. Assim, por exemplo, a República Francesa, que proibiu a utilização de proteínas de mamíferos na alimentação dos bovinos em Julho de 1990, registou 328 casos de EEB entre 1991 e Maio de 2001, todos excepto um relativos a bovinos nascidos nesse país. De igual modo, a Irlanda, que proibiu a alimentação dos ruminantes com proteínas de ruminantes em Agosto de 1989, registou 651 casos entre 1989 e Maio de 2001, sendo a maior parte antes de 1996 e todos os casos detectados depois dessa data também não o foram em animais importados. Por último, o Reino dos Países Baixos também proibiu a utilização de proteínas de ruminantes na alimentação dos ruminantes em Agosto de 1989; ora, surgiram 16 casos de EEB nesse país entre 1997 e Maio de 2001, todos em bovinos não importados.

119    Além disso, há que referir que, não existindo normas comunitárias nesta matéria, o Reino de Espanha podia ter adoptado medidas nacionais de proibição, no seu território, de alimentação dos ruminantes com farinhas de carne e de ossos que contivessem proteínas de ruminantes, tal como fizeram, como acima referido, vários Estados‑Membros. É certo que, só tendo a doença surgido nesse país em 2000, as autoridades espanholas podem ter considerado, antes dessa data, que essas medidas não se impunham necessariamente. Mas não é menos verdade que a EEB surgiu bastante cedo nos países vizinhos da Espanha (em 1990 em Portugal e em 1991 em França) e, portanto, que as autoridades espanholas poderiam ter considerado prudente, antes de 1994, adoptar medidas específicas relativas à utilização de farinhas de carne e de ossos no seu território.

–       A actuação das instituições demandadas entre Junho de 1994 e Dezembro de 2000

120    A partir de 1994, os demandados implementaram progressivamente uma estratégia especificamente destinada a impedir, em toda a Comunidade, que os tecidos susceptíveis de conter o agente da EEB fossem introduzidos na cadeia alimentar animal. Essa estratégia previa, por um lado, normas destinadas a minimizar o risco de contágio no tratamento dos resíduos animais e, por outro, uma proibição alimentar destinada a garantir que, em caso de falha dos referidos sistemas de tratamento dos resíduos, o gado não fosse exposto ao agente infeccioso da EEB através da sua alimentação.

121    Entre essa medidas, há que realçar a Decisão 94/381, que proibiu, em toda a Comunidade, a utilização de proteínas provenientes de mamíferos na alimentação dos ruminantes. Como resulta da referida decisão (quarto considerando), a Comissão, depois de ter procedido a um estudo pormenorizado da situação em colaboração com o CCV, concluiu que as proteínas derivadas de tecidos dos ruminantes eram a única potencial fonte significativa de agentes da encefalopatia espongiforme existente para as espécies sensíveis e que, por conseguinte, a sua exclusão da alimentação destas espécies minimizaria a possibilidade de infecção. De qualquer modo, tendo em conta o facto de a distinção entre as proteínas transformadas derivadas de ruminantes e de outras espécies de mamíferos suscitar dificuldades, a Comissão proibiu a alimentação de ruminantes com proteínas derivadas de todas as espécies de mamíferos – prevendo, no entanto, a possibilidade de autorizar, casuisticamente, a aplicação de sistemas que permitissem distinguir as proteínas de ruminantes das provenientes de não ruminantes.

122    Os demandantes sustentam que essas disposições eram insuficientes, nomeadamente uma vez que a Decisão 94/381 só proibiu as proteínas provenientes de mamíferos na alimentação dos ruminantes e, portanto, não na alimentação dos outros animais de criação – porcos e aves de capoeira, em particular. Segundo afirmam, essa proibição parcial revelou‑se posteriormente a causa de contaminações cruzadas e, consequentemente, da propagação da EEB.

123    A este respeito, há que observar que, como foi referido num parecer do Comité Científico Director de 27 e 28 de Novembro de 2000 (terceiro considerando da Decisão 2000/766), bem como no Relatório Especial n.° 14/2001 do Tribunal de Contas (n.os 29, 30, 32 e 33), a utilização de farinhas de carne e de ossos provenientes de mamíferos na alimentação de animais de criação diferentes dos ruminantes revelou posteriormente representar um risco de contaminação em relação à alimentação dos ruminantes. Esse risco de «contaminação cruzada» existia tanto nas fábricas de farinhas como nas explorações pecuárias.

124    Ora, como referem os demandantes, a proibição absoluta de utilização de proteínas animais na alimentação de todos dos animais de criação só foi instituída em toda a Comunidade através da Decisão 2000/766, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001. Importa observar, de qualquer forma, que a adopção dessa Decisão 2000/766 se tornou necessária devido às falhas sistemáticas na aplicação das normas comunitárias relativas às farinhas de carne e de ossos em vários Estados‑Membros (quarto a sexto considerandos da Decisão 2000/766).

125    Com efeito, como decorre do Relatório Especial n.° 14/2001 do Tribunal de Contas (n.° 31), a maioria dos Estados‑Membros (nomeadamente o Reino de Espanha) tolerou um certo nível de contaminação, embora a regulamentação comunitária não permitisse qualquer margem de tolerância. Da mesma forma, inspecções realizadas pelo Serviço Alimentar e Veterinário da Comissão (SAV) entre 1998 e 2000 revelaram deficiências em matéria de controlo da comercialização dessas farinhas na maioria dos Estados‑Membros.

126    Para além do incumprimento dos Estados‑Membros relativamente à aplicação da referida proibição alimentar, as inspecções do SAV também revelaram que a indústria da alimentação para animais – incluindo os responsáveis pela recolha e desmanchas de animais mortos e as fábricas de alimentos – não se esforçou suficientemente para evitar que as farinhas de carne e de ossos entrassem na alimentação do gado e que os alimentos em causa não eram sempre correctamente rotulados (por exemplo em Espanha). Essas omissões contribuíram para o facto de os exploradores terem utilizado acidentalmente alimentos potencialmente infecciosos para o seu gado (Relatório Especial n.° 14/2001 do Tribunal de Contas, n.° 33).

127    Além disso, importa observar que, desde 1994, a Comissão definiu progressivamente os métodos de recolha e desmancha que deviam ser utilizados para reduzir o carácter infeccioso dos agentes da EEB presentes nos resíduos de animais infectados, transformados em farinhas de carne e de ossos destinadas a serem utilizadas na alimentação dos animais de criação diferentes dos ruminantes. Por outro lado, a Comissão instituiu medidas que garantiam a inspecção e a homologação das instalações de recolha e desmancha e dos produtores de alimentos para animais.

128    Assim, a Decisão 94/382 proibiu determinados procedimentos de transformação dos resíduos de ruminantes que, na sequência de um estudo científico, se revelaram ineficazes para inactivar os agentes infecciosos da EEB (sétimo considerando da decisão). As normas mínimas instituídas por essa decisão, porém, eram expressamente qualificadas como provisórias, estando já prevista a sua alteração posterior de acordo com futuros dados científicos, para garantir uma inactivação satisfatória dos agentes por todos os procedimentos. Com efeito, na sequência da realização de novos estudos, a Comissão concluiu que apenas um dos sistemas testados era capaz de inactivar totalmente o agente do tremor epizoótico dos ovinos nas farinhas de carne e de ossos – concretamente, a utilização de calor num dispositivo de fusão descontínuo, sendo o tratamento feito à temperatura mínima de 133°C, sob uma pressão de 3 bars, num período mínimo de 20 minutos, aplicado como processo único ou como fase de esterilização antes ou depois do processamento (quinto e sétimo considerandos da Decisão 96/449). Por essa razão, a Decisão 96/449 estabeleceu, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1997, parâmetros mínimos para a transformação de resíduos de animais de modo a inactivar os agentes da EEB, impondo aos Estados‑Membros a obrigação de deixar de autorizar procedimentos que não estivessem em conformidade com os referidos parâmetros. Ora, embora os demandantes acusem as instituições demandadas de não terem adoptado mais cedo o processo de tratamento dos resíduos animais instituído pela Decisão 96/449, recordando que a sua aplicação tinha sido pedida pelo Parlamento em 1993, não carrearam, no entanto, nenhum elemento susceptível de demonstrar, face aos conhecimentos científicos na altura, que as disposições anteriores, nomeadamente as da Decisão 94/382, deviam ser consideradas, à data da sua aprovação, claramente insuficientes ou erradas.

129    Além disso, há que observar que a Decisão 94/474 proibiu a exportação a partir do Reino Unido de todas as matérias e produtos abrangidos pela Decisão 94/382 e fabricados antes de 1 de Janeiro de 1995. Em seguida, a Decisão 96/239 proibiu, de modo absoluto, a expedição do território do Reino Unido das farinhas de carne e de ossos provenientes de mamíferos, bem como de produtos obtidos a partir de animais da espécie bovina abatidos no Reino Unido e susceptíveis de entrar na cadeia alimentar animal. Por último, a Comissão, através da Decisão 97/735, proibiu, em toda a Comunidade, a expedição para outros Estados‑Membros ou países terceiros dos resíduos animais transformados de mamíferos que não tivessem sido transformados em conformidade com os parâmetros estabelecidos na Decisão 96/449. Além disso, impôs aos Estados‑Membros que assegurassem que os referidos resíduos não pudessem entrar na cadeia alimentar animal.

130    Por último, importa referir, por outro lado, que, como observa o Tribunal de Contas no seu Relatório Especial n.° 14/2001 (n.° 28), as inspecções efectuadas pelo SAV permitiram detectar, na maioria dos Estados‑Membros – nomeadamente a Espanha – problemas relacionados com a transposição tardia das regras comunitárias relativas aos métodos de recolha e desmancha e à alimentação animal, bem como dificuldades nos processos de licenciamento das instalações de recolha e desmancha e com a observância das regras de tratamento aplicáveis.

–       Conclusão

131    Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que a gestão, pelas instituições demandadas, dos problemas relacionados com a utilização das farinhas de carne e de ossos na alimentação dos animais de criação, em particular dos ruminantes, e com a transformação dos resíduos animais não se pode considerar uma causa certa e directa do aparecimento da EEB em Espanha. Com efeito, não se demonstrou que, se essas instituições tivessem adoptado mais cedo as medidas que adoptaram posteriormente, a doença da EEB não teria surgido, mesmo assim, nesse país. A este respeito, importa também observar que a alegada ineficácia de várias medidas adoptadas pelas instituições demandadas foi largamente devida à sua aplicação incorrecta e deficiente pelas autoridades dos Estados‑Membros e pelos operadores privados.

 2. Quanto ao alegado atraso na proibição de utilização das MRE

132    Os demandantes censuram as instituições comunitárias por terem reagido tardiamente às recomendações do grupo de peritos da OMS de Abril de 1996 e às conclusões do CCV de Outubro de 1996 sobre a necessidade de eliminar as MRE de todas as cadeias alimentares. Observam nomeadamente que a entrada em vigor da proibição de utilização de todo o tipo de MRE – que, segundo a Decisão 97/534, devia ocorrer em 1 de Janeiro de 1998 – foi sucessivamente adiada pela Comissão e pelo Conselho de quase três anos, até 1 de Outubro de 2000.

133    Há que referir que, como observam os demandantes, as propostas da Comissão destinadas, precisamente, a excluir as MRE das cadeias alimentares humana e animal, foram adoptadas e aplicadas tardiamente.

134    Importa referir, de qualquer modo, que, antes da adopção da Decisão 97/534, as instituições demandadas tinham adoptado medidas nesse domínio. Assim, em particular, a Decisão 90/200 proibiu a expedição do Reino Unido de matérias como o cérebro, a espinal medula, o timo, as amígdalas, o baço e os intestinos provenientes de bovinos com idade superior a seis meses à data do abate. Do mesmo modo, há que levar em conta as disposições adoptadas pelas instituições demandadas relativas à utilização das farinhas de carnes e de ossos na alimentação dos ruminantes, bem como as relativas ao tratamento dos resíduos de origem animal, já referidas.

135    Além disso, há que referir que, antes da entrada em vigor da Decisão 2000/418, que finalmente regulamentou a utilização das MRE em toda a Comunidade, vários Estados‑Membros já tinham aprovado normas nacionais que excluíam as MRE das cadeias alimentares. Tratava‑se, designadamente do Reino da Bélgica, da República Francesa, da Irlanda, do Grão‑Ducado do Luxemburgo, do Reino dos Países Baixos, da República Portuguesa e do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte. O Reino de Espanha e a República Italiana, por sua vez, excluíram as MRE provenientes de animais originários de países atingidos pela EEB.

136    Em particular, há que referir que, em 4 de Julho de 1996, o Reino de Espanha proibiu a entrada no seu território de determinados órgãos e matérias de risco de bovinos provenientes de França, da Irlanda, de Portugal e da Suíça, e impôs a sua destruição nos casos de bovinos abatidos em Espanha provenientes desses países. Dos produtos objecto dessa proibição constavam, nomeadamente, o cérebro, a espinal medula, o timo, as amígdalas, o baço e os intestinos. Em 9 de Outubro de 1996, essa medida foi alargada a determinados órgãos de ovinos e de caprinos provenientes dos referidos países e do Reino Unido, não estando este último incluído na lista inicial devido às medidas previstas na Decisão 96/239.

137    Nestas circunstâncias, há que concluir que o atraso que os demandantes censuram às instituições demandadas quanto à proibição das MRE em toda a Comunidade não se pode considerar uma causa determinante do aparecimento da EEB em Espanha em 2000. Não foi demonstrado que, se essas instituições tivessem adoptado mais cedo as medidas que adoptaram posteriormente, a EEB não teria chegado, mesmo assim, a esse país.

 3. Quanto ao levantamento, alegadamente prematuro, do embargo sobre os bovinos, as carnes de bovinos e as farinhas de carne e de ossos provenientes do Reino Unido

138    Os demandantes alegam que o embargo imposto pela Decisão 96/239 sobre os bovinos, os produtos bovinos e as farinhas britânicas era necessário e adequado para impedir a propagação da EEB e sustentam que as instituições demandadas flexibilizaram imediata, prematura e erradamente esse embargo. Assim, em primeiro lugar, a Decisão 96/362 levantou a proibição de expedição de produtos como o sémen, a gelatina e o sebo. Em segundo lugar, a Decisão 98/256 implicou o levantamento, a partir de 1 de Junho de 1998, da proibição de exportação de gado, de carnes e de farinhas de origem animal do Reino Unido. Por último, em terceiro lugar, a adopção da Decisão 98/692 marcou a última fase desse processo de levantamento progressivo do embargo imposto a esse país. Segundo os demandantes, este levantamento prematuro do embargo, nomeadamente a adopção da Decisão 98/256, foi causa directa da propagação da doença em Espanha no fim do ano 2000.

139    Há que recordar que, em 27 de Março de 1996, a Comissão adoptou a Decisão 96/239, que proibiu transitoriamente a expedição de todos os bovinos e de toda a carne de bovino ou produtos obtidos a partir desta, do seu sémen e embriões, bem como das farinhas de carne e de ossos proveniente de mamíferos, do território do Reino Unido para os outros Estados‑Membros e países terceiros. Este embargo justificava‑se principalmente pela incerteza quanto ao risco de transmissão da EEB ao homem, que tinha gerado grandes preocupações junto dos consumidores e se seguiu à decisão de vários Estados‑Membros e países terceiros de proibir a entrada no seu território de bovinos vivos e de carne de bovino provenientes do Reino Unido.

140    Em seguida, como observam os demandantes, a Decisão 96/362 levantou a proibição de exportar do Reino Unido o sémen de bovinos e outros produtos como a gelatina, o fosfato dicálcico, os aminoácidos e péptidos, o sebo e produtos à base de sebo, desde que, nomeadamente, tivessem sido produzidos de acordo com os métodos descritos no anexo dessa decisão, nos estabelecimentos sob controlo veterinário oficial. Como refere o preâmbulo da referida decisão, a Comissão consultou previamente os comités científicos competentes para se certificar de que esses produtos eram considerados seguros para a saúde animal. Ora, os demandantes não fundamentaram as suas alegações nem forneceram nenhum indício susceptível de justificar a razão pela qual a expedição desses produtos do Reino Unido pôde ter qualquer influência no aparecimento da EEB em Espanha.

141    Relativamente à adopção da Decisão 98/256, que revoga a Decisão 96/239, há que observar desde logo que, contrariamente ao que alegam os demandantes, não implicou o levantamento das restrições à expedição a partir do Reino Unido de gado, de farinhas de origem animal e de carnes, nem introduziu alterações nas competências de controlo respectivas das autoridades do Reino Unido e das instituições demandadas. Essa decisão apenas flexibilizou a proibição de exportação a partir da Irlanda do Norte de carnes frescas desossadas, de carne picada e de produtos à base de carne derivados de bovinos nascidos e criados na Irlanda do Norte, originários de manadas certificadamente isentas de EEB e abatidos na Irlanda do Norte em matadouros exclusivamente utilizados para o efeito. Exceptuando esta derrogação, bastante limitada, a Decisão 98/256 manteve a proibição de exportar do Reino Unido animais vivos e embriões de animais da espécie bovina, farinhas de carne, farinhas de ossos e farinhas de carne e de ossos provenientes de mamíferos, bem como carnes e produtos susceptíveis de entrar na cadeia alimentar humana ou animal obtidos a partir de bovinos abatidos no Reino Unido. De igual modo, as farinhas de carne e de ossos produzidas na Irlanda do Norte ficaram de fora dessa derrogação parcial à proibição de exportar produtos do Reino Unido [v. artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Decisão 98/256, conjugado com o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), ponto ii, da Directiva 77/99/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa aos problemas sanitários em matéria de comércio intracomunitário de produtos à base de carne (JO L 26, p. 85; EE 03 F 11 p. 174)].

142    Consequentemente, as medidas introduzidas pela Decisão 98/256 não puderam provocar o aparecimento de casos de EEB em Espanha, uma vez que não permitiam a expedição do Reino Unido de farinhas de carne e de ossos nem de bovinos vivos. Em particular, a possibilidade que a Decisão 98/256 oferece de comercializar carne fresca desossada, carne picada ou produtos à base de carne proveniente da Irlanda do Norte não pode ser a causa do aparecimento da EEB no efectivo espanhol, já que esses produtos se destinam, nomeadamente, ao consumo humano e não são ingeridos por ruminantes.

143    Por último, no que diz respeito à Decisão 98/692, há que recordar que flexibilizou a proibição de exportação, a partir do Reino Unido, de carnes frescas desossadas, de carne picada, de produtos à base de carne e de alimentos destinados ao animais carnívoros domésticos, derivados de bovinos nascidos e criados no Reino Unido, aí abatidos em matadouros não utilizados para o abate de quaisquer bovinos inelegíveis. Ora, em primeiro lugar, tendo em conta o tipo de produtos cuja expedição era autorizada, a flexibilização do embargo instituído por essa decisão também não era susceptível de provocar a propagação da EEB fora do Reino Unido. Em segundo lugar, importa observar que o período médio de incubação da EEB é de quatro a cinco anos. Os demandantes não o contestam, mas alegam que o período mínimo de incubação dessa doença é de 22 meses. Ora, mesmo admitindo esse período mínimo de 22 meses, não se pode deixar de concluir que, de qualquer forma, tendo a data de início das expedições autorizadas pela Decisão 98/692 sido fixada em 1 de Agosto de 1999, esse levantamento parcial do embargo não podia provocar o aparecimento da doença no efectivo espanhol em Novembro de 2000.

144    Face ao exposto, há que concluir que as ilegalidades que os demandantes imputam às instituições demandadas relativamente ao levantamento progressivo do embargo imposto em 1996 sobre os produtos proveniente do Reino Unido não se podem considerar uma causa determinante da propagação da EEB a Espanha.

 4. Quanto ao alegado incumprimento por parte das instituições demandadas das suas obrigações de vigilância e de controlo no domínio da saúde animal e da saúde pública

145    Para além das alegadas ilegalidades analisadas nos títulos precedentes, os demandantes formulam uma crítica geral à actuação das instituições demandadas ao longo de todo o período decorrido entre 1990 e 2000, considerando nomeadamente que estas não cumpriram as suas obrigações de vigilância e de controlo. Os demandantes acusam as instituições demandadas, nomeadamente, de não terem aplicado as disposições do artigo 152.°, n.° 4, alíneas b) e c), CE – que prevêem a possibilidade de adoptar medidas no domínio veterinário e fitossanitário e acções de incentivo destinadas a assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana –, de não terem tomado as medidas de protecção previstas nas Directivas 89/662 e 90/425 e de não terem controlado o cumprimento da regulamentação comunitária pelas autoridades dos Estados‑Membros, especialmente as do Reino Unido.

146    Ora, há que referir que os demandantes não identificaram com precisão que acções e omissões, diferentes das anteriormente analisadas, constituem uma actuação ilegal por parte das instituições demandadas. Por maioria de razão, os demandantes não fundamentaram de modo algum as suas alegações sobre a questão de saber qual a relação causal concretamente existente entre essas alegadas irregularidades e o aparecimento da doença da EEB em Espanha em 2000.

147    Assim, os demandantes limitam‑se a fazer referência ao relatório da comissão de inquérito, que, segundo afirmam, confirma que o Conselho e a Comissão são responsáveis pela crise provocada pela propagação da EEB nos Estados‑Membros. Há que observar, com efeito, que o referido relatório concluiu pela existência de uma má gestão pelas instituições demandadas da crise da EEB entre 1990 e 1994 e lhes imputou responsabilidades nesta matéria. Em particular, foi imputada ao Conselho a sua inacção durante esse período. Relativamente à Comissão, a comissão de inquérito imputou‑lhe nomeadamente o facto de ter privilegiado a gestão do mercado em detrimento da saúde pública, de ter suspendido as inspecções veterinárias no Reino Unido entre Junho de 1990 e Maio de 1994, de ter procurado minimizar o problema, praticando até uma política de desinformação, e de ter regulamentado de modo tardio e ineficaz o problema das farinhas de carne e de ossos. Esse relatório assinalou igualmente a existência de falhas no funcionamento e na coordenação dos serviços da Comissão. Por último, o referido relatório critica o funcionamento do CCV e do comité veterinário permanente.

148    De qualquer modo, há que mencionar que o relatório da comissão de inquérito concluiu que a maior responsabilidade na crise da EEB é do Governo do Reino Unido, que autorizou a alteração do sistema de fabrico das farinhas de carne e de ossos que estiveram na base da contaminação do efectivo inglês e não garantiu, depois de 1988, a eficácia da proibição de alimentar os ruminantes com essas farinhas nem, em seguida, a correcta aplicação da regulamentação comunitária sobre a EEB. O relatório critica também fortemente a actuação dos produtores de farinhas e dos transformadores de resíduos animais no Reino Unido, que fabricaram um produto defeituoso e ignoraram os riscos de contaminação existentes.

149    Por último, há que mencionar que o relatório da comissão de inquérito foi redigido no ano de 1996 e aprovado em Fevereiro de 1997, quase quatro anos antes do aparecimento da EEB em Espanha. Ora, contrariamente ao que pretendem os demandantes, as conclusões do referido relatório não são facilmente extrapoláveis para a situação do presente processo. Assim, apesar de os demandantes afirmarem que, até 2000, as instituições demandadas não seguiram as recomendações formuladas no referido relatório, há que observar que, num relatório de 14 de Novembro de 1997, a comissão temporária do Parlamento responsável pelo seguimento das recomendações relativas à EEB referiu que «a Comissão [tinha executado], total ou parcialmente, a maioria das recomendações da comissão de inquérito em matéria de EEB ou [tinha‑se comprometido] a cumprir os prazos precisos para a sua execução».

150    Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância considera que a invocação das conclusões desse relatório não é suficiente para demonstrar, para efeitos do presente processo, a existência de um nexo de causalidade directo entre as acções e omissões imputadas às instituições demandadas e a propagação da EEB a Espanha em 2000.

151    Por outro lado, no que diz respeito à tese dos demandantes segundo a qual as instituições demandadas não controlaram suficientemente o cumprimento da regulamentação veterinária comunitária, o Tribunal de Primeira Instância considera que, mesmo que tivesse sido demonstrada, não poderia considerar‑se uma causa determinante do aparecimento da EEB em Espanha. Com efeito, a responsabilidade pelo controlo efectivo da aplicação da legislação veterinária comunitária incumbe principalmente aos Estados‑Membros. No que, em particular, diz respeito aos controlos veterinários aplicáveis às trocas intracomunitárias, resulta das Directivas 89/662 e 90/425 que esses controlos competem prioritariamente às autoridades do Estado‑Membro que procede à expedição das mercadorias e, em menor medida, às do Estado de destino. Assim, cabe às autoridades do Estado‑Membro de expedição tomar as medidas necessárias para garantir o cumprimento por parte dos operadores dos requisitos veterinários em todas as fases de produção, armazenamento, comercialização e transporte dos produtos (artigo 4.° da Directiva 89/662; artigo 4.° da Directiva 90/425). Do mesmo modo, os Estados‑Membros, se aparecerem no seu território zoonoses ou doenças que possam constituir um perigo grave para os animais ou para a saúde humana, devem aplicar imediatamente as medidas de luta ou de prevenção previstas pela regulamentação comunitária e decidir qualquer outra medida apropriada (artigo 9.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva 89/662; artigo 10.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva 90/425). Além disso, o Estado‑Membro de destino pode, por razões graves de protecção da saúde pública ou animal, tomar medidas cautelares enquanto se aguarda a tomada de medidas pela Comunidade (artigo 9.°, n.° 1, terceiro e quarto parágrafos, da Directiva 89/662; artigo 10.°, n.° 1, terceiro e quarto parágrafos, da Directiva 90/425).

152    De resto, o Tribunal de Primeira Instância considera que não se demonstrou que, se essas instituições tivessem adoptado – ou tivessem adoptado mais precocemente – medidas mais estritas, nomeadamente as medidas que os demandantes as acusam de não terem tomado, essa doença não teria atingido, de qualquer forma, o efectivo espanhol. Em particular, resulta dos autos que as normas comunitárias foram frequentemente ignoradas tanto pelas autoridades nacionais como por operadores económicos. As suas acções e omissões impedem, na realidade, que se possa considerar que existe um nexo de causalidade directo entre as alegadas ilegalidades cometidas pelas instituições comunitárias e os prejuízos invocados no caso em apreço.

153    Como refere o Relatório Especial n.° 14/2001 do Tribunal de Contas, as inspecções realizadas desde 1996 pelo SAV sugerem que a maioria dos Estados‑Membros (nomeadamente o Reino de Espanha) não tomou medidas suficientemente rigorosas para garantir a devida aplicação das medidas relativas à BSE no seu território. Segundo o Tribunal de Contas, o surgimento em 2000 do segundo surto da EEB tem de ser encarado no contexto dessa aplicação deficiente, pelos Estados‑Membros, da regulamentação comunitária, devido, nomeadamente, à aplicação de medidas de vigilância inadequadas e ao incumprimento da proibição de utilizar farinha de origem animal nos alimentos dos ruminantes, bem como à insuficiência dos controlos relativos ao comércio das referidas farinhas e dos alimentos para animais. Essa aplicação deficiente, pelos Estados‑Membros, da regulamentação comunitária existente, contribuiu, sem dúvida, para impedir a erradicação da EEB e facilitar a sua propagação.

154    Por último, também há que levar em conta a responsabilidade de certos operadores económicos privados na propagação da doença. Assim, o referido Relatório Especial n.° 14/2001 do Tribunal de Contas concluiu que, no sector agro‑alimentar, a legislação comunitária relativa à EEB não tinha sido aplicada com o devido rigor, nomeadamente no que diz respeito à proibição de utilização das farinhas e à obrigação de rotulagem.

155    Por conseguinte, não foi demonstrado que o facto de a Comissão e o Conselho não terem cumprido as suas obrigações de vigilância e de controlo no domínio da saúde pública tenha sido determinante para a propagação da EEB a Espanha.

 5. Conclusão

156    Face ao exposto, o Tribunal de Primeira Instância não considera que esteja demonstrado que as acções e omissões alegadamente ilegais do Conselho e da Comissão possam ser consideradas uma causa certa e directa do aparecimento da doença da EEB em Espanha em 2000 e da subsequente queda do consumo e dos preços da carne de bovino nesse país, factos estes que originaram os prejuízos invocados pelos demandantes no presente processo. Por outro lado, não foi demonstrado que, se as instituições demandadas tivessem adoptado – ou tivessem adoptado mais precocemente – as medidas que os demandantes as acusam de não terem tomado, essa doença não teria atingido, de qualquer modo, o efectivo espanhol.

157    Por conseguinte, há que concluir que não foi demonstrada a existência de um nexo de causalidade entre o prejuízo alegado e a actuação alegadamente culposa das instituições comunitárias.

158    Consequentemente, a acção deve ser julgada improcedente, não sendo necessário apreciar se os outros requisitos da responsabilidade extracontratual da Comunidade, ou seja, a ilegalidade das actuações imputadas às instituições e a realidade do prejuízo, se encontram preenchidos.

 Quanto às despesas

159    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os demandantes sido vencidos, há que condená‑los a suportar as suas despesas, bem como as despesas do Conselho e da Comissão, de acordo com o pedido por eles efectuado.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1)      A acção é julgada inadmissível na parte relativa à Unió de Pagesos e à Confederación de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos.

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      Os demandantes suportarão as suas próprias despesas e as do Conselho e da Comissão.


García‑Valdecasas

Cooke

Labucka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. D. Cooke

Índice


Factos na origem do litígio

Tramitação do processo e pedidos das partes

Quanto à admissibilidade

Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, relativo a vícios de forma quanto à identificação dos demandantes

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade, relativo à falta de precisão dos elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia a acção

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao terceiro fundamento de inadmissibilidade, relativo à falta de interesse em agir da Unió de pagesos e da COAG

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

1. Quanto à existência de uma actuação ilegal do Conselho e da Comissão

– Quanto à violação da regulamentação comunitária relativa à protecção da saúde animal e da saúde pública

– Quanto à violação dos princípios da boa administração, da confiança legítima e da precaução

2. Quanto à existência de um prejuízo

3. Quanto à existência de um nexo de causalidade

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1. Quanto ao alegado atraso da proibição de utilização das farinhas de carne e de ossos e na instituição de procedimentos adequados de transformação dos resíduos animais

– A actuação das instituições demandadas antes de Junho de 1994

– A actuação das instituições demandadas entre Junho de 1994 e Dezembro de 2000

– Conclusão

2. Quanto ao alegado atraso na proibição de utilização das MRE

3. Quanto ao levantamento, alegadamente prematuro, do embargo sobre os bovinos, as carnes de bovinos e as farinhas de carne e de ossos provenientes do Reino Unido

4. Quanto ao alegado incumprimento por parte das instituições demandadas das suas obrigações de vigilância e de controlo no domínio da saúde animal e da saúde pública

5. Conclusão

Quanto às despesas


*Língua do processo: espanhol.