Language of document : ECLI:EU:T:2001:223

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

19 de Setembro de 2001 (1)

«Marca comunitária - Pastilha para máquinas de lavar roupa ou louça - Marca figurativa - Motivo absoluto de recusa do registo - Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T-30/00,

Henkel KGaA, com sede em Düsselforf (Alemanha), representada por H. F. Wissel e C. Osterrieth, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. von Mühlendahl, D. Schennen e S. Laitinen, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um recurso contra a decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 25 de Novembro de 1999 (processo R 75/1999-3) notificada à recorrente em 10 de Dezembro de 1999,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. W. H. Meij, presidente, A. Potocki e J. Pirrung, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a petição de recurso que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Fevereiro de 2000,

vista a contestação que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Maio de 2000,

e após a audiência de 5 de Abril de 2001,

profere o presente

Acórdão

Factos subjacentes ao litígio

1.
    Em 2 de Junho de 1998, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na redacção então em vigor.

2.
    Na parte reservada, no formulário ad hoc, à indicação do tipo de marca pedida, a recorrente assinalou a casa com a menção «marca figurativa». A marca cujo registo foi pedido é a representação, em perspectiva, de uma pastilha rectangular com os cantos ligeiramente arredondados, com duas camadas, cujas cores - branca (parte inferior) e vermelha (parte superior) - são igualmente reivindicadas.

3.
    Os produtos e serviços para os quais foi pedido o registo da marca enquadram-se nas classes 3 e 42 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços, para efeitos do registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, talcomo revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «produtos para roupa e louça sob a forma de pastilhas» e «investigação na área dos produtos para roupa e louça». A recorrente reivindicou um direito de propriedade com base num pedido de registo apresentado na Alemanha.

4.
    Através de uma comunicação datada de 14 de Julho de 1998, o examinador formulou uma objecção a esta reivindicação, indicando que o pedido de registo apresentado na Alemanha dizia respeito a uma marca tridimensional. Por carta, recebida no Instituto em 17 de Julho de 1998, a recorrente indicou que o seu pedido, apresentado em 2 de Junho de 1998, se destinava efectivamente a obter o registo de uma marca tridimensional.

5.
    Por comunicação datada de 1 de Dezembro de 1998, o examinador formulou objecções ao pedido de marca comunitária, com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

6.
    Por carta de 3 de Dezembro de 1998, a recorrente apresentou observações. Numa carta de 6 de Janeiro de 1999 endereçada ao Instituto, a recorrente afirmou que um pedido de marca de um concorrente relativo a pastilhas para máquinas de lavar roupa semelhantes tinha sido publicado no boletim das marcas comunitárias.

7.
    Por decisão de 26 de Janeiro de 1999, o examinador recusou o pedido de registo ao abrigo do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94, por a marca tridimensional pedida não ter carácter distintivo.

8.
    Em 5 de Fevereiro de 1999, a recorrente interpôs recurso para o Instituto, ao abrigo do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, contra a decisão do examinador.

9.
    Convidada pela Câmara de Recurso a tomar posição sobre a modificação do pedido de registo no decurso do processo e sobre a própria possibilidade dessa modificação, a recorrente afirmou que pretendia que o seu pedido fosse tratado como sendo destinado ao registo de uma marca figurativa ou de cor.

10.
    Por decisão de 25 de Novembro de 1999 (a seguir «decisão impugnada»), a Câmara de Recurso anulou a decisão do examinador na parte em que a recusa de registo dizia respeito aos serviços da classe 42 do Acordo de Nice, com fundamento no facto de a marca pedida apresentar relativamente a estes o mínimo requerido de carácter distintivo e rejeitou o recurso quanto ao mais.

11.
    A Câmara de Recurso considerou errada a decisão do examinador, por este não se ter pronunciado sobre a marca figurativa inicialmente pedida, mas sobre uma marca tridimensional, quando a modificação da categoria de marca não era admissível depois de ter sido fixada a data de apresentação. A Câmara de Recurso considerou-se, no entanto, competente, ao abrigo do artigo 62.°, n.° 1, segundoperíodo, do Regulamento n.° 40/94, para decidir sobre o pedido de marca figurativa.

12.
    No essencial, a Câmara de Recurso considerou que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 obsta ao registo da marca pedida relativamente aos produtos para máquinas de lavar roupa e louça. Entendeu que, para ser registada, uma marca deve permitir distinguir os produtos para os quais é pedida em função da sua origem e não em função da sua natureza. Acrescentou que não se pode negar, a priori, que uma marca figurativa consistente na representação de um produto, fiel à realidade, possa ter esse carácter distintivo. Tal pressupõe, porém, que a forma do produto seja suficientemente original para se gravar facilmente na memória e que se distinga do que é usual no comércio. Tendo em conta o risco que há em conferir ao titular da marca, através da protecção da representação do produto, um monopólio sobre este, os critérios de apreciação do carácter distintivo devem ser estritos. A Câmara de Recurso considera que, no presente caso, o pedido de marca não satisfaz estas exigências acrescidas. Segundo a Câmara de Recurso, a representação reivindicada pela recorrente corresponde a um produto cuja forma não é excepcionalmente especial nem fora do comum, cabendo, ao contrário, entre as formas de base típicas do mercado em causa. O modo como as cores, o vermelho e o branco, estão dispostas também não consegue conferir qualquer especificidade à imagem reivindicada. A Câmara de Recurso acrescentou que nem a falta de uniformidade na prática decisória do Instituto nem os registos anteriores invocados pela recorrente podiam ter um efeito vinculativo sobre a sua decisão.

Pedidos das partes

13.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar o recorrido nas despesas.

14.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

O direito

15.
    Importa realçar desde logo que só o ponto 3 da decisão impugnada é que não acolhe os pedidos da recorrente. Só este ponto é, portanto, susceptível de constituir o objecto do presente recurso de anulação.

16.
    A recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro baseia-se em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. O segundo consiste em «desvio de poder» e em violação do princípio da igualdade de tratamento.

Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

17.
    A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso ignorou o facto de a marca pedida ter um carácter distintivo, sendo certo que um grau mínimo de dissemelhança basta para justificar a protecção de um sinal ao abrigo do Regulamento n.° 40/94. Para apurar se uma marca figurativa, constituída pela reprodução fiel de um produto, tem carácter distintivo, é preciso, segundo a recorrente, partir do próprio produto.

18.
    Defende que a marca pedida tem carácter distintivo devido à combinação das cores e recorda que segundo o Regulamento n.° 40/94 as cores podem ser registadas como marcas. Invoca a posição de um autor que afirma que a admissão das cores e das combinações de cores como marcas não deve ser entravada por uma aplicação restritiva dos motivos de recusa.

19.
    A recorrente considera a marca pedida distintiva também pela forma do produto representado e contesta a posição da Câmara de Recurso que exige que esta tenha um carácter especial e seja fácil de recordar, isto é, que apresente uma originalidade que a diferencie do que é habitual no comércio. Segundo a recorrente, o facto de a forma do produto apresentar uma especificidade ou originalidade só é determinante para o exame dos requisitos de protecção dos desenhos e modelos. Quando o que está em causa é o carácter distintivo de uma marca figurativa constituída pela representação do produto, a única questão que se põe é a de saber se essa representação, caracterizada por uma combinação de forma e de cores determinada, pode ser entendida pelo público como constituindo uma indicação da proveniência desse produto.

20.
    A recorrente sustenta que é esse o caso presente, porque o carácter distintivo da marca pedida deve ser apreciado à luz dos critérios aplicáveis às marcas figurativas. A recorrente lembra que um mínimo de carácter distintivo basta para que estas sejam registadas e que isto vale igualmente para uma marca figurativa consistente na imagem do produto e representando não apenas a forma do produto mas também, como no presente caso, outras características, como um determinado colorido. A recorrente entende que existe uma diferença entre as marcas tridimensionais e as marcas figurativas. Se, para as primeiras, o carácter distintivo se baseia na forma do produto, para as segundas, incluindo as consistentes unicamente na representação fiel do produto, a existência de outras características para além da forma, como por exemplo, o colorido, sobressai mais. A recorrente sustenta que, por conseguinte, não é primeiro a forma do produto que confere àmarca figurativa a função de identificador da origem do produto mas a combinação de todos os elementos específicos da marca que são visíveis na imagem. Além disso, regra geral, existem outras características que se juntam, na prática à própria marca figurativa, como por exemplo, o nome do produto ou a apresentação da embalagem. Segundo a recorrente, estes elementos reforçam a aptidão da marca figurativa para indicar a origem do produto.

21.
    A recorrente alega ainda que o registo de um sinal figurativo consistente na representação de um produto que apresenta, além da forma, outras características, não impede os concorrentes do titular dessa marca figurativa de utilizar a forma do produto representada pelos seus próprios produtos, se estes concorrentes acrescentarem a estes outros traços distintivos, como por exemplo outra combinação de cores. Segundo a recorrente, o registo de uma marca figurativa bidimensional não tem como consequência, na mesma proporção do que o de uma marca tridimensional, uma protecção da própria forma do produto que é, por princípio, estranha ao direito das marcas. A recorrente sustenta que, devido a esta diferença de natureza entre estas duas categorias de marcas, a apreciação do carácter distintivo em relação à forma do produto deve ser menos severa no caso de uma marca figurativa do que no caso de uma marca tridimensional.

22.
    A recorrente descreve a evolução das várias apresentações dos produtos para roupa e louça. Refere que a apresentação sob a forma de pastilhas de duas cores é recente e que são possíveis múltiplas formas para essas pastilhas. A escolha das cores e o modo como são dispostas na pastilha também podem ser muito variados.

23.
    Segundo a recorrente, a situação nos mercados destes produtos caracteriza-se pela presença de um número limitado de fabricantes principais e o número de produtos apresentados sob a forma de pastilhas de duas cores nos diferentes mercados nacionais é muito reduzido. Nestas condições, os consumidores associaram, desde o início, os detergentes apresentados sob a forma de pastilhas de duas cores a um número muito limitado de fabricantes de artigos de marca, entre os quais se conta a recorrente. Esta atitude do consumidor foi, segundo a recorrente, reforçada e perenizada por uma publicidade intensiva e duradoura que realçou a presença das duas cores que dão ao produto o seu aspecto característico e a forma específica das pastilhas de detergente. A recorrente sublinha a importância das despesas que efectuou com essa publicidade e do volume de negócios atingido pelos produtos em questão.

24.
    A recorrente invoca a situação clara do mercado bem como o interesse de qualquer fabricante, por um lado, em diferenciar os seus produtos dos dos outros fabricantes graças a uma forma e a uma combinação de cores determinadas e, por outro, em tornar os seus produtos visíveis sob essa forma igualmente nas embalagens, para daí deduzir que não se pode afirmar que uma combinação específica de forma e de cores de uma marca figurativa não serve, por si só, para indicar a proveniência do produto em causa. A recorrente considera que a questão do alcance da protecção de uma marca desse tipo deve ser analisada em separado.O facto de essa protecção poder ser muito limitada num determinado caso não justifica, do seu ponto de vista, a recusa imediata de qualquer carácter distintivo a uma marca figurativa que apresenta uma determinada combinação de forma e de cores.

25.
    A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao considerar, nos pontos 22 e 23 da decisão impugnada, que se deve apreciar mais severamente o carácter distintivo da marca pedida, pelo facto de o público não ver na representação de uma pastilha para máquina de lavar roupa se não uma indicação da apresentação específica do produto e não uma indicação de proveniência. A recorrente explica que a Câmara de Recurso tomou como referência, no ponto 23 da decisão impugnada, a percepção do consumidor final «superficial», quando se deve ter em consideração a percepção de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. Segundo a recorrente, este consumidor aperceber-se-á, ao deparar com a marca pedida, que a pastilha reproduzida não constitui apenas uma indicação da apresentação do produto mas que indica igualmente, graças a uma combinação específica de forma e de cores, a sua proveniência.

26.
    A recorrente refere-se, apresentando para isso uma importante documentação, a vários pedidos de marca relativos a produtos para roupa e louça sob a forma de pastilhas, tanto a nível nacional como internacional, dos quais alguns se concluíram por registos. Invoca igualmente a publicação, pelo Instituto, da apresentação n.° 924 829 relativa a uma marca comunitária tridimensional, que se apresenta sob a forma de uma pastilha para máquinas de lavar roupa e louça. Segundo a recorrente, resulta destes dados, por um lado, que todos os fabricantes de renome de artigos de marca no domínio dos produtos para lavagem de roupa e louça consideraram sempre que a forma e a cor das pastilhas são elementos distintivos que designam o fabricante e, por outro, que vários serviços de registo de marcas reconheceram às pastilhas a qualidade de marca. Invoca, além disso, uma decisão de um órgão jurisdicional italiano que reconheceu a validade de uma marca tridimensional consistente numa pastilha bicolor para máquinas de lavar roupa.

27.
    Para a recorrente, o carácter distintivo da marca pedida deve ser apreciado com referência à data de pedido de registo, de modo que a utilização, em data posterior, de formas e cores semelhantes pelos seus concorrentes não poderia ser invocada para contestar o carácter distintivo da marca pedida. Afirma, no entanto, que este ponto não é decisivo no presente processo, porque a recorrente é a única empresa que produz pastilhas para máquinas de lavar roupa e louça compostas por uma camada vermelha e por uma camada branca.

28.
    A recorrente alega, por último, que a marca pedida adquiriu um carácter distintivo para o seu produto Somat «Profi», graças à utilização que dele foi feita, como prevê o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, especialmente devido à sua combinação de cores única (vermelho e branco).

29.
    O Instituto explica, em primeiro lugar, que a marca pedida no presente caso é uma marca figurativa consistente na representação, fiel à realidade, da forma do produto. Sublinha que a representação da marca fornecida pela recorrente no caso em apreço em nada se distingue da que está em causa no processo T-335/99 (marca tridimensional que se apresenta sob a forma de uma pastilha rectangular vermelha e branca). Segundo o Instituto, devem, pois, definir-se primeiro os critérios a aplicar ao registo das marcas tridimensionais e, a seguir, verificar se esses critérios são diferentes quando a representação do produto não é reivindicada como marca tridimensional, mas como marca figurativa e, portanto, se a apreciação do carácter distintivo deve ser feita com um grau de exigência menor. Explica os princípios que regem o registo das marcas tridimensionais, referindo-se aos diferentes motivos de recusa susceptíveis de actuar neste contexto.

30.
    Para o Instituto, uma marca tem carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, se permitir diferenciar os produtos ou serviços para os quais o registo de marca é pedido em função da sua origem e não em função da sua natureza ou de outras características.

31.
    O Instituto sublinha que os critérios de apreciação do carácter distintivo de uma marca figurativa constituída, como no presente caso, pela representação fiel da forma do próprio produto, não são diferentes dos critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do produto.

32.
    O Instituto considera que os termos utilizados pela Câmara de Recurso na decisão impugnada susceptíveis de serem entendidos como a afirmação da necessidade de critérios mais severos no caso de uma marca figurativa constituída pela representação fiel do produto (pontos 21 e 22 da decisão impugnada) se prestam a confusão, mas que este ponto não é decisivo no quadro da decisão impugnada. Neste caso, a Câmara de Recurso julgou acertadamente que a marca tridimensional pedida não tinha carácter distintivo.

33.
    Em segundo lugar, o Instituto procede à análise da marca pedida.

34.
    Segundo o Instituto, a forma rectangular da pastilha, tal como aparece na representação reivindicada, não é fora do vulgar, mas banal e corrente no mercado.

35.
    No que respeita às cores, o Instituto entende que a junção de uma camada vermelha não confere carácter distintivo ao sinal pretendido. Para o Instituto, não há combinação de cores quando uma única cor é junta à cor de base (branca ou cinzenta) dos produtos para máquinas de lavar roupa ou louça.

36.
    Segundo o Instituto, a cor pretendida é uma das cores básicas. Afirma que todas as pastilhas de detergente no mercado, compostas de duas camadas, apresentam uma camada colorida com uma das cores de base (vermelho, verde ou azul).

37.
    O Instituto afirma que as cores, aplicadas a diferentes camadas ou partes das pastilhas, indicam a presença de vários ingredientes activos e servem, portanto, para informar o consumidor sobre as propriedades do produto, o que é sublinhado pela publicidade feita para as pastilhas em causa. O Instituto afirma ainda que resulta do modo como as pastilhas são utilizadas que o consumidor não considera as cores destas como indicações da origem do produto.

38.
    O Instituto contesta a tese da recorrente, segundo a qual a representação de um produto na embalagem é mais facilmente apreendida como uma indicação da origem do que a forma do próprio produto. Para o Instituto, esse tipo de representação, desprovido, como no caso da marca pedida, de qualquer elemento suplementar, permite ao consumidor unicamente obter informação sobre o conteúdo da embalagem, quando esta se refere à marca verbal que figura na embalagem para distinguir o produto que designa do de outros fabricantes.

39.
    O Instituto considera que o argumento aduzido pela recorrente segundo o qual ela é a única empresa que produz pastilhas de detergente vermelhas e brancas é impertinente. Lembra que as considerações a respeito da utilização que é feita da marca se enquadram numa apreciação à luz do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 e que a recorrente só invocou este artigo pela primeira vez na petição de recurso e, portanto, extemporaneamente. Acrescenta que a recorrente não demonstrou que a marca pedida tenha adquirido um carácter distintivo em todos os Estados-Membros antes da data da apresentação.

40.
    O Instituto lembra que não se pode deduzir do facto de os concorrentes da recorrente terem escolhido outras cores para as respectivas pastilhas que as cores permitem distinguir os produtos em função da sua origem. A escolha de cores diferentes explica-se, segundo o Instituto, pelo elevado número de pedidos de marca apresentados para os produtos destinados a máquinas de lavar roupa e louça, desde a sua recente introdução no mercado, nos diferentes registos de marca nacionais e comunitário. O Instituto realça que, devido ao facto de determinados registos nacionais terem concedido a protecção de marca, não é aconselhável que um fabricante apresente o seu produto sob uma forma que corresponde a uma marca registada a favor de um concorrente ou mesmo apenas solicitada por este antes que uma solução judicial venha clarificar a situação.

41.
    Em terceiro lugar, quanto ao registo de marcas tridimensionais constituídas pela forma de uma pastilha para máquinas de lavar roupa ou louça por serviços nacionais de registo dos Estados-Membros, o Instituto indica que a prática desses serviços não é uniforme.

42.
    Segundo o Instituto, o carácter distintivo da marca deve ser apreciado no momento do registo. Afirma que concorrentes da recorrente lançaram no mercado, antes da apresentação do presente pedido de marca, pastilhas rectangulares.

Apreciação do Tribunal

43.
    O carácter distintivo de uma marca deve ser apreciado em relação aos produtos ou aos serviços para os quais o registo da marca é pedido.

44.
    No presente caso, a marca cujo registo é pedido é constituída pela representação de uma pastilha para máquinas de lavar roupa ou louça, ou seja, pela representação do próprio produto.

45.
    Como foi realçado, e bem, pela Câmara de Recurso, não se pode excluir, a priori, que a representação, gráfica ou fotográfica, mesmo fiel à realidade, do próprio produto possa ter carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

46.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo «de marcas desprovidas de carácter distintivo». Considera-se que tem carácter distintivo a marca que permite distinguir, em função da sua origem, os produtos ou serviços para os quais o registo foi pedido. Para este efeito, não é necessário que transmita uma informação precisa quanto à identidade do fabricante do produto ou do prestador de serviços. Basta que a marca permita ao público em causa distinguir o produto ou serviço que ela designa dos que têm outra origem comercial e concluir que todos os produtos ou serviços que designa foram fabricados, comercializados ou fornecidos sob controlo do titular dessa marca, ao qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C-39/97, Colect., p. I-5507, n.° 28).

47.
    Decorre dos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 que um mínimo de carácter distintivo basta para que o motivo de recusa definido neste artigo não seja aplicável. Importa, pois, apurar - no quadro de um exame a priori e sem qualquer tomada em consideração da utilização do sinal na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 - se a marca pedida permitirá ao público visado distinguir os produtos em causa dos que têm outra origem comercial quando, no acto da compra, tiver que escolher.

48.
    O artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não distingue entre as diferentes categorias de marcas. Os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas figurativas constituídas pela representação do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas.

49.
    Há, no entanto, que ter em conta, no quadro da aplicação destes critérios, o facto de a percepção do público visado não ser necessariamente a mesma no caso de uma marca figurativa constituída pela representação fiel do próprio produto ou no caso de uma marca verbal, figurativa ou tridimensional que não represente fielmente o produto. Com efeito, se é certo que o público está habituado a apreender imediatamente estas últimas marcas como sinais identificadores doproduto, já o mesmo não acontece necessariamente quando o sinal se confunde com o aspecto do próprio produto. De onde se conclui que a apreciação do carácter distintivo não pode levar a um resultado diferente no caso de uma marca tridimensional constituída pela apresentação do próprio produto e no caso de uma marca figurativa constituída pela representação, fiel à realidade, desse mesmo produto.

50.
    No que respeita à percepção do público em causa, a Câmara de Recurso salientou, com razão, que os produtos para os quais o registo da marca foi recusado no presente caso, ou seja, os produtos para máquinas de lavar roupa ou louça sob a forma de pastilhas, são bens de consumo largamente difundidos. O público visado por estes produtos é constituído por todos os consumidores. Há assim que apreciar o carácter distintivo da marca pedida tendo em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C-210/96, Colect., p. I-4657, n.os 30 a 32).

51.
    A percepção da marca pelo público em causa é influenciada, em primeiro lugar, pelo nível de atenção do consumidor médio, que é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em questão (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 26). Relativamente a este aspecto, a Câmara de Recurso considerou, com razão, que, tratando-se de produtos de consumo quotidiano, o nível de atenção do consumidor médio em relação ao aspecto das pastilhas detergentes não é elevado.

52.
    Para apurar se a representação reivindicada, tendo em conta a combinação da forma e da distribuição das cores da pastilha representada, pode ser apreendida pelo público como um indicador de origem, há que analisar a impressão de conjunto produzida por essa combinação (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C-251/95, Colect., p. I-6191, n.° 23), o que não é incompatível com o exame um por um dos diferentes elementos que a compõem. Quando se está perante uma marca constituída pela representação fiel do produto, há que verificar, por um lado, se a apresentação do produto representado pode, por si só, influenciar a memória do público e, por outro, se o modo como o produto é representado apresenta uma especificidade susceptível de indicar a origem do produto.

53.
    A forma representada pela imagem cujo registo é pedido, isto é, uma pastilha rectangular, é uma das formas geométricas de base e uma das formas que vem naturalmente à mente para uma pastilha destinada a máquinas de lavar roupa ou louça. Os cantos ligeiramente arredondados da pastilha correspondem a considerações práticas e não são susceptíveis de ser apreendidos pelo consumidormédio como uma particularidade da forma em causa, capaz de a diferenciar de outras pastilhas para máquinas de lavar roupa ou louça.

54.
    Quanto à presença de duas camadas, uma branca e outra vermelha, há que realçar que o público em causa está habituado à presença de elementos de cores diferentes num produto detergente. Os pós, que correspondem à apresentação tradicional destes produtos, são a maior parte das vezes de cor cinzenta ou bege muito claro e parecem quase brancos. Contêm frequentemente partículas de uma ou várias cores diferentes. A publicidade promovida pela recorrente e pelos outros produtores de detergentes põe a tónica no facto de essas partículas consubstanciarem a presença de diferentes substâncias activas. As partículas coloridas evocam, portanto, sem no entanto poderem, por isso, ser consideradas como uma indicação descritiva na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, certas qualidades do produto. Não se pode deduzir, porém, da inaplicabilidade deste último motivo de recusa, que os elementos coloridos conferem necessariamente um carácter distintivo à marca pedida. Com efeito, esse carácter não existe quando o público visado é levado, como no presente caso, a apreender a presença dos elementos coloridos como a evocação de certas qualidades do produto e não como a indicação da sua origem. A eventualidade de os consumidores adquirirem, apesar disso, o hábito de reconhecer o produto com base nas suas cores não basta, por si só, para afastar o motivo de recusa baseado no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Essa evolução na percepção do sinal pelo público só poderá ser tomada em conta, se for provada, no quadro do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

55.
    O facto de as partículas coloridas, no presente caso, não se distribuírem de modo regular por toda a pastilha representada, mas se encontrarem concentradas na parte superior desta, não basta para tornar o aspecto da pastilha perceptível como uma indicação da origem do produto. Com efeito, quando se trata de combinar diferentes substâncias num produto para máquinas de lavar roupa ou louça com a forma de uma pastilha, a junção de uma camada faz parte das soluções que vêm naturalmente à mente.

56.
    Não é relevante, neste contexto, que a recorrente seja a única empresa a utilizar a cor vermelha para as pastilhas constituídas por duas camadas. A utilização de cores de base, como o azul ou o verde, é corrente e mesmo típica dos produtos detergentes. O recurso a outras cores básicas, como o vermelho ou o amarelo, faz parte das variações, que vêm naturalmente à mente, da apresentação típica desses produtos.

57.
    De onde se conclui que a apresentação do produto cuja representação constitui a marca pedida consiste numa combinação de elementos que vêm naturalmente à mente e típicas do produto em causa.

58.
    Acresce que são possíveis combinações diferentes destes elementos de apresentação através de uma modificação das formas geométricas de base e dajunção, à cor de base do produto, de outra cor básica que apareça noutra camada da pastilha ou de um mosqueado. As divergências daí resultantes quanto ao aspecto das várias pastilhas não bastam para permitir que cada uma destas pastilhas funcione como um indicador da origem do produto, quando se trata, como no presente caso, de variações que vêm naturalmente à mente das formas de base do produto.

59.
    A representação cujo registo foi pedido é figurada por uma pastilha, vista em perspectiva. Esta perspectiva tem como consequência uma certa distorção da forma da pastilha. O modo de representação neste caso é, pois, ligeiramente diferente de uma representação completamente fiel à realidade. No entanto, como a própria recorrente o reconheceu na audiência, esta visão em perspectiva da pastilha não é susceptível de conferir carácter distintivo à marca pedida. Não constitui uma particularidade susceptível de influenciar a memória do consumidor de modo a permitir-lhe distinguir a pastilha representada de outras pastilhas para máquinas de lavar roupa ou louça.

60.
    Atendendo à impressão de conjunto que sobressai da forma e da combinação das cores da pastilha representada, a marca pedida não permitiria ao público visado distinguir esses produtos dos que têm outra origem comercial, quando efectua a sua escolha no acto da compra.

61.
    Acrescente-se que a falta de aptidão da marca pedida para indicar a priori e independentemente da sua utilização efectiva, a origem do produto não é resolvida pelo número mais ou menos importante de pastilhas semelhantes à representada no presente caso já presentes no mercado. Por conseguinte, não é necessário decidir, no caso em apreço, se o carácter distintivo da marca deve ser apreciado na data da apresentação do pedido de registo ou na data do registo efectivo.

62.
    No que diz respeito aos argumentos que a recorrente retira da prática dos serviços nacionais de registo de marcas e do reconhecimento do carácter distintivo de uma marca tridimensional constituída por uma pastilha de duas cores para máquinas de lavar roupa por uma decisão jurisdicional italiana, recorde-se que os registos já efectuados nos Estados-Membros constituem apenas um elemento que, não sendo determinante, apenas pode ser tomado em consideração para efeitos de registo de uma marca comunitária [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (forma de um sabão), T-122/99, Colect., p. II-265, n.° 16, e de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITE), T-24/00, Colect., p. II-449, n.° 33]. As mesmas considerações são aplicáveis à jurisprudência dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros. Acresce que resulta das respostas do Instituto às perguntas deste Tribunal que a prática dos serviços nacionais de registo de marcas em relação às marcas tridimensionais constituídas por pastilhas para máquinas de lavar roupa e louça não é uniforme. Não pode, portanto, criticar-se a Câmara de Recurso por ter ignorado essa prática e uma jurisprudência nacional.

63.
    De onde se conclui que a Câmara de Recurso julgou acertadamente que a marca figurativa pedida não tinha carácter distintivo.

64.
    O facto de os critérios de apreciação desse carácter distintivo, no caso de uma marca figurativa constituída pela representação do próprio produto, não serem mais rigorosos do que os aplicáveis às outras categorias de marcas não implica mais nada além disso mesmo.

65.
    Com efeito, as considerações que levaram a Câmara de Recurso a declarar a falta de carácter distintivo da marca pedida justificam uma conclusão idêntica à luz dos critérios de apreciação respectivos, aplicáveis a todas as marcas, quer estas sejam verbais, figurativas ou tridimensionais.

66.
    A recorrente alega ainda, sem invocar explicitamente como fundamento uma violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, que a marca pedida tem carácter distintivo devido ao uso que dela foi feito. Não tendo este fundamento sido invocado perante a Câmara de Recurso, este argumento não pode ser apreciado pelo Tribunal [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY-DRY), T-163/98, Colect., p. II-2383, n.os 48 a 51].

Quanto ao fundamento baseado em «desvio de poder» e em violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

67.
    Para fundamentar o alegado «desvio de poder», a recorrente sustenta que o Instituto autorizou a publicação de certos pedidos de marcas comunitárias análogas à sua para produtos da mesma área ou de uma área próxima. Invoca designadamente o pedido de marca comunitária n.° 809 830 da sociedade Benckiser NV A recorrente afirma que a Câmara de Recurso violou deste modo o princípio da igualdade de tratamento.

68.
    A recorrente considera, além disso, que a decisão impugnada é contrária ao objectivo superior do direito comunitário em geral e do regulamento sobre a marca comunitária em particular de harmonização do direito das marcas a nível comunitário. Segundo a recorrente, este objectivo de harmonização só poderá ser realmente atingido se o direito das marcas for interpretado de modo uniforme.

69.
    O Instituto afirma que o pedido de marca invocado pela recorrente não se concluiu por um registo. Além disso, mesmo admitindo que o Instituto tivesse efectivamente registado essa marca, essa decisão seria errada e a recorrente não poderia apoiar-se nela para requerer a adopção de uma decisão que seria uma repetição do erro.

Apreciação do Tribunal

70.
    Importa recordar que a noção de desvio de poder tem um alcance preciso em direito comunitário e que se refere ao facto de uma autoridade administrativa utilizar os seus poderes com um objectivo diverso daquele para que lhe foram conferidos. A este respeito, é jurisprudência constante que uma decisão só está viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para alcançar fins diversos dos invocados (v. designadamente o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94, T-232/94, T-233/94 e T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 168). A recorrente não apresentou qualquer elemento do qual se possa deduzir que a adopção da decisão impugnada tinha outro fim que não o de verificar que a marca respeitava as condições de registo previstas pelo Regulamento n.° 40/94.

71.
    Como este fundamento se destina a provar uma violação do princípio da igualdade de tratamento, decorre das respostas do Instituto às perguntas do Tribunal que o pedido de marca cuja publicação foi invocada pela recorrente foi rejeitado pelo examinador em data posterior à apresentação do presente recurso e que esta decisão está actualmente a ser examinada por uma Câmara de Recurso. Por conseguinte, o argumento fundado na publicação desse pedido de marca tornou-se, de qualquer modo, caduco. De onde se conclui que o presente fundamento não colhe.

72.
    Tendo em conta quanto precede, o recurso deve ser rejeitado.

Quanto às despesas

73.
    Por força do disposto no n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode repartir as despesas ou determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte obtiver vencimento parcial ou perante circunstâncias excepcionais. Como o texto da decisão impugnada podia dar origem a dúvidas quanto à correcta aplicação, neste caso, do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 pela Câmara de Recurso, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    Negar provimento ao recurso.

2.
    Condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

Meij
Potocki
Pirrung

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Setembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. W. H. Meij


1: Língua do processo: alemão.