Language of document : ECLI:EU:C:2020:396

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 28 de maio de 2020 (1)

Processo C134/19 P

Bank Refah Kargaran

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização — Medidas restritivas adotadas contra o Irão — Artigo 29.o TUE — Artigo 215.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça para apreciar uma ação de indemnização — Indemnização pelo dano alegadamente sofrido pelo recorrente devido à inscrição do seu nome em diversas listas de medidas restritivas — Possibilidade de obter uma indemnização por violação do dever de fundamentação»






I.      Introdução

1.        A proliferação de armas nucleares é uma das maiores ameaças que a humanidade enfrenta. No Médio Oriente esta ameaça tem sido sentida de forma especialmente grave nos últimos anos. Para lhe pôr termo, os Estados‑Membros da União Europeia e a própria União Europeia procuraram, através de determinadas medidas restritivas (ou sanções), dissuadir a República Islâmica do Irão de dar passos que permitam que aquele Estado desenvolva sistemas de armas nucleares. É este o contexto geral do presente processo.

2.        No seu recurso, o Bank Refah Kargaran pede a anulação parcial do Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Bank Refah Kargaran/Conselho (T‑552/15, a seguir «acórdão recorrido», não publicado, EU:T:2018:897), no qual o Tribunal Geral julgou improcedente a ação que intentou com vista à obtenção de uma indemnização pelo dano que alegadamente sofreu em resultado da inscrição do seu nome em diversas listas de medidas restritivas. O presente recurso suscita questões de difícil interpretação do Tratado, relativas à competência do Tribunal de Justiça para fiscalizar decisões em matéria de segurança comum e política externa e, especificamente, a questão de saber se pode ser concedida uma indemnização quando uma decisão que impõe medidas restritivas contra uma pessoa singular ou coletiva, adotada pelo Conselho com base no capítulo 2 do título V TUE, tenha sido anulada pelo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 275.o TFUE.

II.    Antecedentes do litígio

3.        Os antecedentes do litígio, conforme estabelecidos nos n.os 1 a 13 do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma.

4.        Conforme referi, o litígio tem por objeto medidas restritivas adotadas pela União Europeia relativamente à República Islâmica do Irão. Estas medidas visavam, e visam, pressionar a República Islâmica do Irão a suspender determinadas atividades que podem representar um risco real de proliferação nuclear e pôr fim ao desenvolvimento de vetores de armas nucleares.

5.        Em 26 de julho de 2010, o nome do recorrente, um banco iraniano, foi inscrito na lista de entidades envolvidas na proliferação nuclear constante do anexo II da Decisão 2010/413/PESC do Conselho de 26 de julho de 2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão (2). Estas medidas foram adotadas com o fundamento de que este banco tinha alegadamente assumido determinadas transações financeiras de outra importante instituição financeira iraniana, o Bank Melli, na sequência da adoção de medidas restritivas contra esta última instituição financeira.

6.        Pelos mesmos motivos, o nome do recorrente também foi inscrito na lista do anexo V do Regulamento (CE) n.o 423/2007 do Conselho, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2007, L 103, p. 1). Estas medidas restritivas contra o Bank Refah foram mantidas pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 668/2010 do Conselho de 26 de julho de 2010, que dá execução ao n.o 2 do artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 423/2007 que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2010, L 195, p. 25).

7.        Após a revogação do Regulamento n.o 423/2007 pelo Regulamento (UE) n.o 961/2010 do Conselho de 25 de outubro de 2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão (3), o nome do recorrente foi inscrito na lista constante do anexo VIII deste regulamento.

8.        Na Decisão 2010/644/PESC (4), o Conselho da União Europeia manteve o nome do recorrente na lista constante do anexo II da Decisão 2010/413 (5).

9.        O nome do recorrente foi igualmente mantido na lista do anexo VIII do Regulamento n.o 961/2010 pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1245/2011 do Conselho, de 1 de dezembro de 2011, que dá execução ao Regulamento (UE) n.o 961/2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2011, L 319, p. 11).

10.      Uma vez que o Regulamento n.o 961/2010 foi revogado pelo Regulamento (UE) n.o 267/2012 do Conselho, de 23 de março de 2012, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2012, L 88, p. 1), o nome do recorrente foi inscrito pelo Conselho no anexo IX deste último regulamento. O fundamento para a inscrição do nome do recorrente é igual ao que foi adotado na Decisão 2010/413.

11.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de janeiro de 2011, o recorrente intentou um recurso com vista, nomeadamente, à anulação da Decisão 2010/644 e do Regulamento n.o 961/2010, na medida em que estes atos lhe dizem respeito. Posteriormente, o recorrente adaptou a sua petição de modo a pedir a anulação da Decisão 2011/783, do Regulamento de Execução n.o 1245/2011 e do Regulamento n.o 267/2012, na medida em que estes atos lhe dizem respeito.

12.      No n.o 83 do Acórdão de 6 de setembro de 2013, Bank Refah Kargaran/Conselho (T‑24/11, EU:T:2013:403, a seguir «acórdão de anulação»), o Tribunal Geral julgou procedente o segundo fundamento do recorrente, na medida em que este invocou uma violação do dever de fundamentação. Por conseguinte, o Tribunal Geral anulou a inscrição do nome do recorrente da lista constante, primeiro, do anexo II conforme resulta da Decisão 2010/644 e, posteriormente, da Decisão 2011/783, segundo, do anexo VIII do Regulamento n.o 961/2010 (conforme alterado, em particular, pelo Regulamento de Execução n.o 1245/2011) e, terceiro, do anexo IX do Regulamento n.o 267/2012. Para chegar a esta decisão, o Tribunal Geral não considerou necessário apreciar os outros argumentos e fundamentos invocados pelo recorrente.

13.      Nos termos do segundo parágrafo do artigo 60.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, as decisões do Tribunal Geral que anulem um regulamento só produzem efeitos depois de expirado o prazo para interposição de um recurso referido no primeiro parágrafo do artigo 56.o do presente Estatuto ou, se tiver sido interposto recurso dentro desse prazo, a contar do indeferimento deste. Por conseguinte, o Tribunal Geral decidiu que, para as datas em que a anulação de cada uma das inscrições na lista produz efeitos fossem as mesmas, os efeitos do anexo II da Decisão 2010/413, conforme resulta da Decisão 2010/644 e, posteriormente, da Decisão 2011/783, tinham de ser mantidos em relação ao recorrente até que a anulação da inclusão do seu nome na lista do anexo IX do Regulamento n.o 267/2012 produzisse igualmente efeitos ao mesmo tempo.

14.      Mais tarde, o nome do recorrente foi reintroduzido na lista de medidas restritivas constante do anexo II da Decisão 2010/413 pela Decisão 2013/661/PESC do Conselho, de 15 de novembro de 2013 (6). O artigo 2.o desta decisão estabelecia que a mesma entraria em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, a saber, 16 de novembro de 2013.

15.      O nome do recorrente foi posteriormente incluído na lista do anexo IX do Regulamento n.o 267/2012 pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1154/2013 do Conselho, de 15 de novembro de 2013 (7). Este regulamento de execução entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, que também teve lugar em 16 de novembro de 2013. No anexo IX, foi referido o seguinte fundamento em relação ao recorrente:

«Entidade que presta apoio ao Governo do Irão. É detida, em 94 %, pela organização da segurança social do Irão, que é, por seu turno, controlada pelo Governo do Irão e fornece serviços bancários aos ministérios do Governo.»

16.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de janeiro de 2014, o recorrente intentou um recurso com vista, nomeadamente, à anulação da Decisão 2013/661 e do Regulamento de Execução n.o 1154/2013, na medida em que estes atos lhe dizem respeito. Este recurso foi julgado improcedente pelo Acórdão de 30 de novembro de 2016, Bank Refah Kargaran/Conselho (T‑65/14, não publicado, EU:T:2016:692). Este segundo acórdão do Tribunal Geral não foi objeto de recurso.

III. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

17.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de setembro de 2015, o ora recorrente intentou uma ação de indemnização. Nesta ação, pediu ao Tribunal Geral para condenar a União Europeia a indemnizá‑lo pelo dano resultante da adoção e da manutenção das medidas restritivas em causa até as mesmas terem sido anuladas pelo acórdão recorrido, mediante o pagamento do montante de 68 651 318 euros, acrescido de juros de mora à taxa legal, pelos danos materiais, e do montante de 52 547 415 euros, acrescido de juros de mora à taxa legal, pelos danos morais. A título subsidiário, o recorrente pediu ao Tribunal Geral para considerar que todos, ou parte, dos montantes reclamados pelos danos morais deveriam ser entendidos como danos materiais.

18.      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de janeiro de 2016, a Comissão pediu para intervir no processo em apoio dos pedidos do Conselho. Por decisão de 3 de fevereiro de 2016, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral autorizou esta intervenção. A Comissão apresentou o seu articulado de intervenção e as partes principais apresentaram as suas respostas no prazo fixado (8).

19.      Através de uma medida de organização do processo de 19 de setembro de 2018, o recorrente foi convidado a apresentar observações, nomeadamente em relação ao argumento do Conselho, referido no n.o 4 da tréplica, segundo o qual o Tribunal Geral não teria competência para apreciar esta ação de indemnização no que diz respeito às Decisões 2010/413, 2010/644 e 2011/783. As respostas às questões do recorrente foram recebidas na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de outubro de 2018.

20.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu, nos n.os 25 a 32, sobre a sua competência para apreciar uma ação de indemnização por danos alegadamente sofridos em resultado de medidas restritivas. Após apreciar as disposições relevantes do Tratado, concluiu que, por efeito conjugado do artigo 24.o, n.o 1, TUE, do artigo 40.o TUE e do primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE, não tinha competência para apreciar uma ação de indemnização por danos alegadamente sofridos em resultado da adoção de decisões tomadas no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) nos termos do artigo 29.o TUE, tais como as Decisões 2010/413, 2010/644 e 2011/783. No entanto, o Tribunal Geral declarou que era competente para apreciar um pedido de indemnização por danos alegadamente sofridos por uma pessoa ou entidade em resultado de medidas restritivas adotadas com fundamento no artigo 215.o TFUE, como as medidas individuais constantes dos Regulamentos n.o 961/2010 e n.o 267/2012 e do Regulamento de Execução n.o 1245/2011, adotadas contra o recorrente.

21.      Quanto ao mérito do pedido, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 34 e 35 do acórdão recorrido, que têm de estar preenchidos três requisitos para a União Europeia incorrer em responsabilidade extracontratual, designadamente, tem de ser demonstrado um comportamento ilegal que consista numa violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que «confere direitos aos particulares», o recorrente tem de ter sofrido um dano efetivo e tem de existir um nexo de causalidade entre o comportamento recriminado e o alegado dano.

22.      O Tribunal Geral teve em consideração, nos n.os 42 e seguintes, os três argumentos apresentados pelo recorrente para demonstrar a existência de tal violação.

23.      Quanto ao primeiro argumento, relativo à existência de uma violação grave de uma norma jurídica devido ao incumprimento do dever de fundamentação no acórdão de anulação, o Tribunal Geral julgou‑o improcedente por entender que não era provável que a violação do dever de fundamentação constituísse um fundamento de responsabilidade por parte da União.

24.      Quanto ao segundo argumento, que foi entendido pelo Tribunal Geral no sentido de que o recorrente alega que, no acórdão de anulação, o Tribunal Geral concluiu que o Conselho violou os seus direitos de defesa e de tutela jurisdicional efetiva, o Tribunal Geral julgou‑o improcedente com o fundamento de que, nesse acórdão, as decisões em causa foram anuladas apenas com base na existência de uma violação do dever de fundamentação, sem apreciar os argumentos do recorrente relativos à violação dos seus direitos de defesa e de tutela jurisdicional efetiva.

25.      Com o seu terceiro argumento, o recorrente alega que o Conselho não aplicou o critério que afirma ter aplicado para justificar a inscrição do seu nome. O Tribunal Geral julgou esta alegação inadmissível por ser sido apresentada extemporaneamente. Com efeito, de acordo com o Tribunal Geral, os argumentos referidos na petição baseavam‑se exclusivamente na ilegalidade constatada pelo Tribunal Geral no acórdão de anulação, pelo que este terceiro argumento, referido pela primeira vez na tréplica do recorrente, não pode ser entendido no sentido de que amplia os argumentos apresentados na petição.

26.      O Tribunal Geral concluiu que o primeiro requisito exigido para desencadear a responsabilidade extracontratual da União, relativo à existência de um comportamento ilegal por parte do Conselho, não se encontrava preenchido no presente processo. Por conseguinte, o Tribunal Geral julgou improcedente a ação sem apreciar os outros dois requisitos exigidos para desencadear a responsabilidade extracontratual da União para efeitos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE.

IV.    Quanto ao presente recurso

A.      Tramitação processual e pedidos das partes

27.      O recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular parcialmente o acórdão recorrido;

–        no processo principal, conceder‑lhe uma indemnização por danos materiais, no montante de 68 651 318 euros, e por danos morais, no montante de 52 547 415 euros;

–        em alternativa, remeter o processo ao Tribunal Geral;

–        condenar o Conselho da União Europeia nas despesas de ambas as instâncias.

28.      O Conselho e a Comissão pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso; e

–        condenar o recorrente nas despesas.

B.      Resumo dos fundamentos do recorrente

29.      O recorrente invocou sete fundamentos de recurso, nos quais alega, em resumo, que o Tribunal Geral cometeu:

–        um erro de direito ao declarar que a falta de fundamentação da decisão anulada não era uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito da União Europeia (primeiro fundamento);

–        um erro de direito ao decidir que o facto de um recorrente vítima de uma sanção ilegal aplicada pelo Conselho da União Europeia ter interposto um recurso e obtido a anulação da sanção impossibilita a alegação de uma violação suficientemente caracterizada do direito a uma tutela jurisdicional efetiva (segundo fundamento);

–        um erro de direito ao rejeitar um fundamento especificado pelo recorrente na sua réplica sem verificar, conforme exige a jurisprudência, se o desenvolvimento desse fundamento na réplica resulta da evolução normal do debate iniciado a partir da petição inicial durante o processo contencioso (terceiro fundamento);

–        um erro de direito ao interpretar de forma errada o acórdão de anulação e ao considerar que a constatação de que o Conselho violou a sua obrigação de comunicar ao recorrente os elementos que lhe são imputados no que diz respeito ao fundamento invocado para as medidas de congelamento de fundos não demonstra a existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito da União Europeia que dê origem à responsabilidade da União (quarto e quinto fundamentos);

–        uma desvirtuação da petição inicial ao considerar, para lhe opor a inadmissibilidade do seu argumento, que, na fase da petição inicial, o recorrente não tinha invocado a ilegalidade relativa à não conformidade do motivo de inscrição do seu nome nas listas das pessoas visadas por medidas restritivas com o critério aplicado pelo Conselho (sexto fundamento);

–        uma desvirtuação da petição inicial ao reduzir os fundamentos de ilegalidade alegados pela recorrente à violação do dever de fundamentação (sétimo fundamento).

30.      A pedido do Tribunal de Justiça, proponho centrar as presentes conclusões, em primeiro lugar, na questão da competência, isto é, à questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, como decidiu, sobre a sua competência no que diz respeito a medidas restritivas. Quanto ao restante, apenas apreciarei o primeiro fundamento, no qual o recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no presente processo, que uma violação do dever de fundamentação não é suscetível de dar origem a um direito a indemnização, uma vez que os outros fundamentos visam, no essencial, contornar esta conclusão do Tribunal Geral.

V.      Análise

A.      Quanto à competência dos órgãos jurisdicionais da União Europeia para concederem uma indemnização por medidas restritivas

1.      Quanto à possibilidade de o Tribunal de Justiça suscitar esta questão ex officio

31.      Em primeiro lugar, importa observar que, no seu recurso, o recorrente não contestou as conclusões do Tribunal Geral em relação à sua competência. Contudo, na medida em que a questão da competência do Tribunal de Justiça para conhecer de um litígio é de ordem pública, pode ser examinada a todo o momento, inclusivamente de forma oficiosa, pelo Tribunal de Justiça (9).

32.      Uma vez que os órgãos jurisdicionais da União estão vinculados pelo princípio do contraditório, a referida apreciação exige, no entanto, que as partes tenham sido informadas de que o Tribunal de Justiça estava a considerar suscitar tal questão de forma oficiosa e que tenham tido a oportunidade de discuti‑la. Estes requisitos foram preenchidos no presente processo.

33.      Por carta de 10 de dezembro de 2019, as partes foram convidadas a apresentar observações na audiência sobre a questão de saber se os órgãos jurisdicionais da União Europeia têm competência para apreciar o pedido do recorrente com vista à indemnização dos danos alegadamente sofridos em resultado das medidas restritivas previstas em decisões que se encontram abrangidas pelo âmbito da PESC. Foram igualmente convidadas a pronunciar‑se sobre a competência do Tribunal de Justiça para suscitar esta questão ex officio.

34.      Daqui decorre que, se considerar adequado, o Tribunal de Justiça pode, por sua iniciativa, apreciar a questão de saber se os órgãos jurisdicionais da União Europeia têm competência para se pronunciar sobre uma ação de indemnização por danos alegadamente sofridos em resultado de uma decisão que impõe medidas restritivas adotada no âmbito da PESC.

2.      Quanto ao mérito

35.      Antes de apreciar o mérito do processo afigura‑se oportuno, em primeiro lugar, descrever o que parece ser a prática geral do Conselho quanto à adoção de medidas restritivas, bem como examinar a jurisprudência do Tribunal Geral no que diz respeito à sua competência em relação a estas matérias.

36.      As medidas restritivas são adotadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade, nos termos do artigo 29.o TUE. Estas medidas, como as que estão em causa no presente processo, incluem disposições gerais que podem, por exemplo, destinar‑se a restringir a importação e a exportação de determinadas mercadorias entre Estados específicos. Estas medidas podem também assumir a forma de proibições específicas direcionadas a uma categoria de destinatários com vista a impedir que essas pessoas negociem ou recebam bens ou serviços no território da União.

37.      Para este efeito, as medidas restritivas têm de especificar as condições em que o nome de uma pessoa pode ser inscrito e mantido nessas listas. Essas decisões baseadas no artigo 29.o podem também incluir conjuntos de decisões individuais que assumem a forma de um anexo contendo a lista de pessoas identificáveis, organismos ou entidades e os motivos pelos quais o Conselho considera que preenchem os requisitos estabelecidos nos critérios gerais para inscrição na lista (10).

38.      As medidas restritivas adotadas nos termos de uma decisão baseada no artigo 29.o TUE possuem, assim, uma natureza particular, que se equiparam, simultaneamente, a atos de caráter geral, na medida em que proíbem que uma categoria de destinatários determinados de forma geral e abstrata, nomeadamente, coloquem fundos e recursos económicos à disposição das pessoas e das entidades cujos nomes figuram nas listas contidas nos respetivos anexos, e a um conjunto de decisões individuais relativas a essas pessoas e entidades (11).

39.      Estas decisões baseadas no artigo 29.o aplicam‑se, no entanto, apenas aos Estados‑Membros e não produzem efeitos relativamente a terceiros. Por conseguinte, para garantir a sua aplicação uniforme pelos operadores económicos em todos os Estados‑Membros (12), a prática do Conselho consiste também na adoção, em paralelo, de regulamentos nos termos do artigo 215.o TFUE. Regra geral, estes regulamentos reproduzem o texto das decisões baseadas no artigo 29.o TUE (13). Para o efeito, o Conselho delibera por maioria qualificada, sob proposta conjunta da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e informa o Parlamento Europeu. Em caso, por exemplo, de alteração da lista das pessoas afetadas pelas medidas restritivas, são efetuadas alterações à decisão baseada no artigo 29.o TUE e ao regulamento baseado no artigo 215.o TFUE.

40.      Contudo, importa observar que é inquestionável que as decisões individuais que inscrevem e que mantêm determinadas pessoas nas listas constantes dos anexos desses regulamentos baseados no artigo 215.o TFUE podem ser objeto de ações de indemnização nos termos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE, quando o próprio regulamento tiver sido anulado ou se se considerar que foi aplicado indevidamente.

41.      Até à data, no que diz respeito à competência dos órgãos jurisdicionais da União Europeia para apreciarem uma ação de indemnização por danos alegadamente sofridos em resultado da adoção de decisões baseadas no artigo 29.o TUE, o Tribunal Geral declarou‑se incompetente, neste e noutros processos semelhantes (14).

42.      Segundo a atual jurisprudência do Tribunal Geral, resumida nos n.os 30 e 31 do acórdão recorrido, por força do sexto período do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE e do primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE, os órgãos jurisdicionais da União Europeia, em princípio, não têm competência no que respeita às disposições de direito primário relativas à PESC e aos atos jurídicos adotados com base nelas (15). Apenas a título excecional, de acordo com o segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE, é que os órgãos jurisdicionais da União Europeia têm alguma competência em matéria de PESC. Esta competência inclui, por um lado, a fiscalização da observância do artigo 40.o TUE, e, por outro, recursos de anulação interpostas por pessoas ou entidades, nas condições estabelecidas no quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE, no que diz respeito a medidas restritivas adotadas pelo Conselho no quadro da PESC.

43.      Contudo, no essencial, o Tribunal Geral interpreta o segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE no sentido de que não atribui qualquer competência aos órgãos jurisdicionais da União Europeia para apreciarem e decidirem uma eventual ação de indemnização (16). Por conseguinte, uma ação de indemnização relativa a danos alegadamente sofridos em resultado de um ato adotado em matéria da PESC não está abrangida pela competência do Tribunal Geral (17). Os órgãos jurisdicionais da União Europeia apenas têm competência para apreciar uma ação de indemnização por danos alegadamente sofridos por uma pessoa ou uma entidade em resultado da aplicação de medidas restritivas adotadas em relação a essa pessoa ou a essa entidade, em conformidade com o artigo 215.o TFUE, desde que esta última disposição não esteja abrangida pelas disposições dos Tratados em matéria de PESC (18).

44.      Por outras palavras, o Tribunal Geral considera que embora seja incompetente para apreciar um pedido de indemnização de uma pessoa ou entidade relativamente a quaisquer alegados danos sofridos em resultado de medidas restritivas adotadas a respeito desta pessoa ou entidade numa decisão adotada nos termos das disposições em matéria de PESC (como o artigo 29.o TUE), é efetivamente competente para apreciar este mesmo pedido, na medida em que o mesmo se destine a obter a reparação dos danos alegadamente sofridos por essa pessoa ou entidade alegadamente em resultado da execução dessas mesmas decisões, sempre que isso tenha sido feito por meio de um regulamento nos termos do artigo 215.o TFUE (19).

45.      Qualquer análise a esta importante questão jurisdicional obriga, em primeiro lugar, a uma apreciação das disposições relevantes do Tratado.

46.      Embora o artigo 19.o TUE confie aos órgãos jurisdicionais da União Europeia a missão de «[garantirem] o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados», tanto o último período do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE como o primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE também estabelecem expressamente que, em matéria de Política Externa e de Segurança Comum, o Tribunal de Justiça não é, em princípio, competente no que diz respeito às disposições relativas à PESC nem «no que diz respeito aos atos adotados com base nessas disposições» (20).

47.      A este propósito, conforme observou o advogado‑geral N. Wahl nas suas Conclusões no processo H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:212, n.o 2), estas disposições do Tratado refletem práticas consolidadas dos órgãos jurisdicionais nacionais no que diz respeito a decisões em matéria de política externa adotadas pelos Governos dos respetivos Estados‑Membros. Esta tradicional deferência para com o executivo em relação à fiscalização jurisdicional de tais decisões pode ser justificada com base em vários fundamentos distintos. Muitas destas decisões — que envolvem, por exemplo, questões de reconhecimento de Estado ou a resposta adequada a ações hostis de um Estado estrangeiro, para não referir matérias como o destacamento de pessoal militar — envolvem questões de política e diplomacia de alto nível, que, por natureza, não podem ser objeto de uma resolução judicial. Não é raro as decisões relativas a tais matérias implicarem o exercício de discricionariedade política pelos Governos dos Estados‑Membros, em relação à qual é importante que os poderes executivo e judicial não se pronunciem de forma discordante. Além disso, é frequente as questões apresentadas no domínio dos negócios estrangeiros não poderem ser prontamente resolvidas através da aplicação de princípios jurídicos convencionais ou da utilização de métodos judiciais normais de apuramento de factos, de produção da prova e de avaliação jurídica dos elementos de prova (21).

48.      No entanto, isto não é verdade relativamente a todas as decisões que envolvem questões de política externa. Especificamente, qualquer decisão de inscrever o nome de uma pessoa singular ou coletiva numa lista de medidas restritivas é suscetível de fiscalização com base em fundamentos jurídicos padrão, tais como o respeito pelo direito de defesa, pelo dever fundamentação e pelo princípio da proporcionalidade. Com efeito, o anterior acórdão de anulação que está na base do presente processo é, à sua maneira, uma prova da forma como estes tipos específicos e particulares de decisões de política externa podem efetivamente ser objeto de fiscalização jurisdicional.

49.      Conforme referi, esta linha de raciocínio explica claramente essas disposições do Tratado relativas a decisões em matéria de PESC. Com efeito, importa recordar que, em princípio, os atos adotados com base nas disposições relativas à PESC visam apenas traduzir as decisões de natureza puramente política ligadas à execução da PESC, em relação às quais é difícil compatibilizar a fiscalização jurisdicional com a separação de poderes. Por conseguinte, conforme salientou o advogado‑geral N. Wahl no processo H/Conselho e Comissão, o exercício do poder de fiscalização jurisdicional pelo TJUE tem lugar «apenas em circunstâncias excecionais» (22).

50.      No entanto, importa igualmente recordar que as disposições relevantes do Tratado não excluem todos os atos adotados no quadro da PESC do âmbito da fiscalização do Tribunal de Justiça.

51.      Em primeiro lugar, conforme decorre da redação do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE e do primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE, a exclusão expressa prevista por estas disposições diz apenas respeito aos atos adotados com base numa das disposições previstas nos artigos 23.o a 46.o TUE ou por força de um ato adotado com base nessas disposições.

52.      Em segundo lugar, independentemente da sua base legal, o Tribunal de Justiça declarou que, pela sua própria natureza, determinados atos não estão excluídos do âmbito da fiscalização jurisdicional pelo disposto no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE e no primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE. O Tribunal de Justiça declarou, por exemplo, que era competente para fiscalizar a legalidade de atos de gestão do pessoal, os quais são semelhantes a decisões adotadas pelas instituições da União no âmbito do exercício das suas competências, tais como medidas reafetação (23).

53.      Em terceiro lugar, uma vez que o segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE e o primeiro parágrafo do artigo 275.o TFUE introduzem uma derrogação à regra da competência geral que o artigo 19.o TUE confere ao Tribunal de Justiça para assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados, essas medidas devem, por conseguinte, ser interpretadas restritivamente (24). Em resultado, quando um ato está sujeito à aplicação de regras estabelecidas no TFUE, tais como as disposições do Regulamento financeiro em matéria de adjudicação de contratos públicos, o Tribunal de Justiça mantém competência para interpretar e aplicar estas regras (25).

54.      Em quarto lugar, os próprios Tratados identificam duas situações relativas à PESC em que a competência dos órgãos jurisdicionais da União Europeia foi expressamente reconhecida. Com efeito, quer o último período do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE quer o segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE estabelecem que o Tribunal de Justiça é competente para controlar a observância do artigo 40.o TUE, nomeadamente para fiscalizar se um ato foi adotado em observância dos processos e poderes das instituições estabelecidos pelos Tratados (26).

55.      Além disso, nos termos do último período do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE e do segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE, os Tratados conferiram expressamente ao Tribunal de Justiça competência para fiscalizar a legalidade das decisões do Conselho que impõem medidas restritivas a pessoas singulares ou coletivas.

56.      Quanto a esta segunda exceção, enquanto o último período do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 24.o TUE confira ao Tribunal de Justiça competência para fiscalizar a legalidade de determinadas decisões referidas no segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE, a última disposição também estabelece que o Tribunal de Justiça é competente para fiscalizar a legalidade das decisões do Conselho que impõem medidas restritivas a pessoas singulares ou coletivas no âmbito de recursos interpostos «nas condições do quarto parágrafo do artigo 263.o [TFUE]».

57.      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 70 do Acórdão Rosneft, que esta referência às «condições do quarto parágrafo do artigo 263.o» não deve ser entendida no sentido de que diz respeito ao «tipo de processo no âmbito do qual o Tribunal de Justiça pode fiscalizar a legalidade de certas decisões, mas [ao] tipo de decisões cuja legalidade pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Justiça no âmbito de qualquer processo que tenha por objeto essa fiscalização de legalidade» (27). Por conseguinte, uma vez que o mesmo tipo de decisões pode ser sujeito a um reenvio prejudicial para apreciação da validade ou ser objeto de um recurso de anulação (28) e que estes dois processos têm por objetivo fiscalizar a legalidade desta decisão, o Tribunal de Justiça concluiu que é competente, nos termos do artigo 267.o TFUE, para decidir, a título prejudicial, da validade de medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas (29).

58.      Assim, resulta claramente da redação do segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE que a competência do Tribunal de Justiça em relação à legalidade de medidas restritivas diz simplesmente respeito a recursos «interpostos nas condições do quarto parágrafo do artigo 263.o [TFUE]».

59.      De um certo ponto de vista, a competência do Tribunal de Justiça está limitada, por força do segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE, simplesmente à fiscalização da legalidade das medidas restritivas impostas a pessoas singulares ou coletivas no âmbito de um recurso de anulação nos termos do segundo parágrafo do artigo 263.o TFUE. Segundo esta perspetiva, tal competência não é extensível a qualquer ação de indemnização por danos consequentes ou relacionados. Com efeito, segundo jurisprudência assente, uma ação de indemnização não faz parte do sistema de fiscalização da legalidade dos atos da União (30). Conforme o Tribunal de Justiça sublinhou no Acórdão Lütticke/Comissão (31), «a ação de indemnização […] foi instituída […] como uma via processual autónoma com uma função específica no contexto do sistema de vias de recurso e subordinada a condições de exercício concebidas com vista ao seu objeto específico» (32).

60.      Mais explicitamente, o Tribunal Geral declarou que «a ação de indemnização [d]iferencia‑se do recurso de anulação na medida em que se destina não à supressão de uma medida determinada, mas à reparação do prejuízo causado por uma instituição. O princípio da autonomia da ação de indemnização justifica‑se, assim, pelo facto de esta ação se distinguir pelo seu objeto do recurso de anulação» (33). Pode acrescentar‑se que a responsabilidade extracontratual da União nos termos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE está sujeita a requisitos distintos dos estabelecidos no artigo 263.o TFUE. Nomeadamente, para que a União incorra em responsabilidade, o recorrente tem de demonstrar não apenas a violação de uma norma jurídica mas também que se trata de uma violação grave de uma norma que confere direitos aos particulares e, além disso, que esta violação lhe causou perdas e danos (34). Por outras palavras, mesmo quando uma ilegalidade tenha sido claramente demonstrada na sequência de um recurso de anulação bem-sucedido nos termos do artigo 263.o TFUE, o direito à indemnização não é automático.

61.      Simultaneamente, embora a fidelidade ao atual texto do Tratado seja especialmente importante — sobretudo no âmbito de limitações de competência como as que estão em causa no presente processo — o artigo 275.o TFUE não pode, todavia, ser objeto de uma interpretação literal inflexível. Com efeito, todo o Tratado deve ser lido de forma holística e harmoniosa para que os seus elementos conexos produzam um resultado que garanta, adaptando ligeiramente a expressão utilizada pelo Tribunal de Justiça no n.o 78 do Acórdão Rosneft, «a necessária coerência» (35), que é inerente a qualquer sistema de tutela jurisdicional efetiva.

62.      A este respeito, pode observar‑se que, na medida em que o Conselho atua nestas matérias por via regulamentar nos termos do artigo 215.o TFUE, sempre que os elementos relevantes do regulamento tenham sido anulados ou erradamente aplicados, pode ser concedida uma indemnização nos termos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE, se tiver ocorrido uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que, por sua vez, tenha causado diretamente perdas e danos. Com efeito, foi o que sucedeu no processo Safa Nicu Sepahan,  no qual foi concedida uma indemnização nos termos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE por o Conselho não ter demonstrado que a sociedade recorrente cumpria, pelo menos, um dos requisitos fixados nos regulamentos relevantes que impunham as medidas restritivas, e no qual, dadas as circunstâncias do processo, isto foi considerado uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que causou perdas e danos à sociedade recorrente, e sempre que, dadas as circunstâncias, se verifique que se trata de uma violação suficientemente grave de um Estado de direito.

63.      Por conseguinte, é possível colocar a seguinte questão: por que motivo não deveria o Tribunal de Justiça ser competente para conceder indemnizações quando a decisão de medidas restritivas em matéria de PESC relevante tenha sido adotada nos termos do capítulo 2 do título V TUE, mas, em contrapartida, goza de tal competência quando o Conselho tenha adotado um regulamento (como invariavelmente faz) nos termos do artigo 215.o TFUE, que, para todos os efeitos, se limitou a reproduzir a decisão de medidas restritivas original? É difícil evitar a conclusão de que essa situação apenas resultaria em anomalias indefensáveis que seriam impossíveis de justificar. Tudo isto conduziria a uma situação em que o sistema de vias de recurso previsto nos Tratados em matéria de fiscalização jurisdicional de medidas restritivas não teria a coerência necessária.

64.      A este respeito, considero que não é possível concordar com a opinião expressada pelo Conselho, segundo a qual a falta de competência do Tribunal Geral ou do Tribunal de Justiça para apreciar um recurso de anulação interposto contra uma decisão individual adotada com base no artigo 29.o TUE é contrabalançada pela existência de outras vias de recurso, designadamente a possibilidade de ser intentada uma ação do tipo Francovich (36) contra cada um dos Estados‑Membros em razão de medidas nacionais adotadas nos termos de uma decisão desse tipo. A resposta mais óbvia a este argumento é que, nos termos do segundo período do artigo 29.o TUE, os Estados‑Membros estão obrigados a executar quaisquer decisões adotadas nos termos desta disposição. Em nenhuma interpretação da doutrina Francovich um Estado‑Membro pode ser considerado responsável pelos danos causados por uma medida nacional adotada para dar cumprimento a tal decisão, uma vez que não lhes pode ser imputada qualquer eventual ilegalidade causadora de dano.

65.      Neste sentido, importa igualmente recordar os n.os 72 a 74 do Acórdão Rosneft, nos quais o Tribunal de Justiça declarou que a União se baseava no Estado de direito e que a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva «destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito». Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que se é verdade que o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia «não pode criar uma competência do Tribunal de Justiça, quando os Tratados a excluem», o princípio da fiscalização jurisdicional efetiva «implica, contudo, que a exclusão da competência do Tribunal de Justiça em matéria de PESC seja interpretada de modo restritivo».

66.      Regressando à redação do segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE, considero que a melhor interpretação destas disposições de exclusão é que os redatores pretenderam — por razões compreensíveis — excluir apenas a competência do Tribunal de Justiça no que diz respeito à generalidade dos atos da PESC, com exceção das decisões relativas às medidas restritivas. Uma vez que uma ação de indemnização não foi excluída no que diz respeito aos atos adotados com base no artigo 215.o TFUE em relação à mesma matéria, é possível duvidar se foi efetivamente intenção dos redatores excluir uma ação de indemnização resultante ou estreitamente relacionada com o recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE no que diz respeito a tais medidas restritivas. Em particular, não foi de modo algum intenção dos redatores impedir que um recorrente que teve êxito num recurso de anulação peça uma indemnização por danos por aquilo que pode ter sido uma violação muito grave de uma norma jurídica.

67.      Conforme referi, qualquer outra conclusão conduziria a anomalias indefensáveis que não só seriam contrárias aos princípios fundamentais relativos à proteção do Estado de direito — em si mesmo, um princípio fundador do direito da União Europeia — como prejudicariam a eficácia bem como a necessária coerência do sistema de vias de recurso previsto nos Tratados.

68.      Por conseguinte, considero que, nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça não está obrigado a interpretar as parcas palavras do segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE de forma categoricamente literal e inflexível. Em meu entender, é possível interpretar os Tratados de uma forma holística e harmoniosa, tendo particularmente em conta, se necessário, a aplicação do artigo 215.o TFUE.

69.      É verdade que tanto o artigo 24.o TUE como o artigo 275.o TFUE mencionam a fiscalização da legalidade de determinadas decisões, mas, no que diz respeito à referência às condições estabelecidas no quarto parágrafo do artigo 263.o (37), estes termos devem ser entendidos de um modo geral, por referência aos tipos de decisões que podem ser sujeitas a fiscalização jurisdicional pelos órgãos jurisdicionais da União, e não a um procedimento específico de fiscalização jurisdicional.

70.      Em todo o caso, embora o recurso de anulação e a ação de indemnização não prossigam os mesmos objetivos, de modo que, no âmbito desta última ação, «uma violação de uma norma jurídica» não é, por si só, suficiente para dar origem a responsabilidade, não deixa de ser verdade que uma fiscalização da legalidade da decisão que causou o alegado dano é, contudo, necessária enquanto fase processual para apreciar o mérito de qualquer ação de indemnização (38). Sem dúvida que a existência de uma ilegalidade não é, por si só, suficiente para a União Europeia incorrer em responsabilidade extracontratual, mas, tal como num recurso de anulação, algumas irregularidades podem não resultar na anulação da decisão (39).

71.      Por conseguinte, considero que o Tribunal de Justiça é competente para apreciar uma ação de indemnização diretamente conexa ou complementar a um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, relativo à legalidade de medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas adotadas pelo Conselho com base no capítulo 2 do título V TUE, e que, tendo em conta esta interpretação, tal competência não é excluída pelo segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE.

72.      Em seguida, apreciarei o mérito do primeiro fundamento do recorrente.

B.      Quanto ao primeiro fundamento

73.      Em conformidade com os requisitos desenvolvidos no Acórdão Francovich (40) — que são aplicáveis por analogia (41) —, para que a União Europeia incorra em responsabilidade extracontratual nos termos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE no que diz respeito ao comportamento ilegal das suas instituições, é necessário estarem preenchidos três requisitos. Estes são, primeiro, a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares, segundo, ter sido causado dano, e, terceiro, a existência de um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que recai sobre o autor do ato e o dano sofrido pelas partes lesadas (42).

74.      Quanto ao primeiro requisito, que é o único que está em causa no presente recurso, o Tribunal de Justiça já declarou que fica demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos a pessoas e entidades quando a mesma implica uma violação grave e manifesta, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. A este respeito, os fatores a ter em conta são, designadamente, a complexidade das situações a resolver, a clareza e precisão da norma violada e o âmbito da margem de apreciação que a norma violada deixa à instituição da União (43). Pode considerar‑se demonstrada uma violação quando se constata a existência de uma irregularidade que uma administração normalmente prudente e diligente não teria cometido (44).

75.      No acórdão recorrido, ao julgar improcedente a ação intentada pelo ora recorrente, o Tribunal Geral baseou‑se em jurisprudência que estabelece que a violação do dever de fundamentação não é suficiente para dar origem a responsabilidade extracontratual. Uma vez que, na sua petição, o recorrente baseou a sua ação apenas no acórdão de anulação através do qual o Tribunal Geral anulou as decisões de incluir o nome do recorrente nas listas por motivos de fundamentação insuficiente, o Tribunal Geral concluiu que o primeiro requisito para a União Europeia incorrer em responsabilidade extracontratual não estava preenchido (45).

76.      No seu primeiro fundamento de recurso, o recorrente alega que o Tribunal Geral aplicou erradamente esta jurisprudência, uma vez que a mesma apenas se aplica a medidas regulamentares e que, no presente processo, se verificaram circunstâncias excecionais que deveriam ter levado o Tribunal Geral a não a aplicar.

77.      Não partilho deste entendimento. Tendo em consideração a formulação genérica utilizada e a «raison d’être», esta jurisprudência é aplicável a qualquer decisão, independentemente de ter caráter administrativo ou regulamentar. Com efeito, conforme o Conselho salientou nas suas observações escritas, embora em determinados acórdãos o Tribunal de Justiça tenha aplicado esta jurisprudência em relação a atos regulamentares (46), também a aplicou no âmbito de decisões individuais que incluem o nome de uma pessoa específica entre aquelas que são afetadas por medidas restritivas (47). Apesar de o recorrente ter invocado de forma bastante vaga circunstâncias excecionais, não parece ter existido, no caso vertente, nenhum fundamento legítimo para o Tribunal Geral se afastar desta jurisprudência.

78.      No entanto, esta jurisprudência pode ser clarificada de modo a que quaisquer pessoas ou entidades afetadas consigam compreender de que forma podem obter uma indemnização.

79.      Este esforço de prestar esclarecimentos é importante quando se tem em consideração que, em primeiro lugar, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva implica que, mesmo em circunstâncias como as do processo principal, em que uma instituição causou danos ao adotar uma decisão individual sem a devida justificação, a pessoa afetada deve poder obter uma indemnização adequada por esse dano (48). Como salientou o representante do recorrente na audiência, a existência deste tipo de indemnização é muito mais importante para esta entidade do que a questão de saber se o Tribunal de Justiça tem competência para apreciar uma ação de indemnização por danos decorrentes da adoção de uma decisão baseada no artigo 29.o TUE, uma vez que, conforme já referi, na prática, o Conselho adota sistematicamente duas decisões idênticas, uma, baseada no artigo 29.o TUE, e outra, no artigo 215.o TFUE.

80.      Em segundo lugar, observe‑se que qualquer violação do dever de fundamentação constituirá, por si só, uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos a particulares. Como o artigo 296.o TFUE tacitamente reconhece, o direito à fundamentação é a proteção mais segura contra a tomada de decisões arbitrárias e um elemento fundamental de uma sociedade baseada no Estado de direito. Mais especificamente, como um objetivo da fundamentação é permitir ao destinatário do ato em causa conhecer os fundamentos da sua adoção e, por conseguinte, decidir se deve, ou não, impugná‑lo (49), deve considerar‑se que confere direitos aos particulares.

81.      No entanto, neste contexto específico, merecem atenção dois aspetos distintos do direito à fundamentação. Por um lado, embora o dever de fundamentação constitua um requisito processual essencial que deve ser sempre respeitado (50), a questão de saber se os fundamentos efetivamente apresentados são procedentes — o que está relacionado com a legalidade substantiva da medida em causa — é ligeiramente diferente.

82.      Por outro lado, em matéria de PESC, é certo que o Conselho pode deparar‑se com dificuldades em termos de informação disponível, mas este facto não justifica uma falta de fundamentação. Com efeito, conforme declarou o Tribunal de Justiça, «o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE implica em todas as circunstâncias […] que esta fundamentação identifique as razões individuais, específicas e concretas pelas quais as autoridades competentes consideram que a pessoa em causa deve ser alvo de medidas restritivas» (51). Por conseguinte, qualquer violação do dever de fundamentação deve, em regra, ser considerada uma irregularidade que nenhuma autoridade administrativa que atue com a prudência e a diligência devidas pode cometer.

83.      Embora até à data o Tribunal de Justiça nunca tenha tido a oportunidade de se pronunciar sobre o motivo pelo qual uma violação do dever de fundamentação não é, por si só, suficiente para dar origem a responsabilidade extracontratual, considero, não obstante, que a resposta é evidente. Quando um recorrente pede uma indemnização por danos causados pelas consequências jurídicas produzidas por uma decisão, esses danos não podem resultar exclusivamente da falta de fundamentação. Pelo contrário, tal dano é causado apenas pela falta de um fundamento sólido para esta decisão (52).

84.      Tendo em conta que a existência de uma fundamentação é necessária para garantir que os órgãos jurisdicionais possam fiscalizar devidamente a legalidade da decisão em causa (53), na falta dessa fundamentação não é possível determinar se tal decisão tinha ou não um fundamento sólido, e, por extensão, se o requisito da existência de um nexo de causalidade está preenchido (54).

85.      No entanto, isto não significa que em circunstâncias como as do presente processo, em que, para executar e dar cumprimento a um acórdão de anulação, uma instituição decide adotar uma nova decisão que apenas produz efeitos no futuro, o destinatário desta decisão seja privado de qualquer possibilidade de obter uma indemnização pelo impacto negativo substancial dessa decisão original (55).

86.      Por conseguinte, uma violação do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE não desencadeia, por si só, a responsabilidade extracontratual da União Europeia. O destinatário de uma decisão não fundamentada pode, contudo, ir mais longe e alegar que a decisão efetivamente não está fundamentada e que não foi sustentada por nenhuma informação ou prova relevante (56).

87.      É certo que, na falta de fundamentação, não se pode esperar que o destinatário de uma decisão faça algo mais do que afirmar que o mérito desta decisão também é contestado. Não obstante, o recorrente deve, pelo menos, invocar um fundamento relativo ao que se pode designar de legalidade interna das decisões impugnadas, e nomeadamente que essas decisões não assentam em nenhum elemento de prova adequado. Afinal, o Tribunal de Justiça está vinculado pelas alegações das partes. Por conseguinte, não basta, para este efeito, que o recorrente se limite a referir que contestou a falta de fundamentação.

88.      No caso de o destinatário de uma decisão alegar que não só não foram apresentados fundamentos como também não existem fundamentos sólidos, incumbe à instituição em causa, no presente processo o Conselho, demonstrar que essa decisão estava efetivamente fundamentada (57). Se, nesta fase, não apresentar qualquer explicação sobre os fundamentos que conduziram à adoção desse ato, então, no mínimo, os primeiros requisitos para que a União Europeia incorra em responsabilidade extracontratual nos termos do segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE devem ser considerados estabelecidos.

89.      É verdade que, no âmbito de um recurso de anulação, os fundamentos devem, em princípio, ser apresentados ao mesmo tempo que é adotada essa decisão e, apenas excecionalmente, numa fase posterior, a pedido da pessoa em causa. Contudo, importa recordar que uma ação de indemnização é uma via de recurso autónoma que não se destina à anulação de uma medida específica, mas sim à obtenção de uma indemnização pelos danos causados por uma instituição (58).

90.      Por conseguinte, sempre que, no âmbito de um recurso de anulação, o Tribunal Geral tem de anular uma decisão para a qual não foi apresentada qualquer fundamentação antes da interposição desse recurso, em caso de uma ação de indemnização, o Conselho ainda pode apresentar essa fundamentação na fase de defesa, a fim de demonstrar que a decisão foi efetivamente bem fundamentada e que, por conseguinte, a União Europeia não deve ser considerada responsável (59).

91.      No presente processo, o recorrente baseou‑se exclusivamente, no que dizia respeito ao seu pedido de indemnização, na conclusão do Tribunal Geral, no acórdão de anulação, relativa à falta de fundamentação.

92.      É certo que, no n.o 82 desse acórdão de anulação, o Tribunal Geral declarou que o Conselho tinha violado o seu dever de fundamentação e de divulgação ao recorrente, enquanto entidade em causa, das provas utilizadas contra ele, dando assim, talvez, a impressão de que tinha identificado dois vícios distintos.

93.      No entanto, conforme o Tribunal Geral declarou, corretamente, no n.o 49 do acórdão recorrido, esta referência à não divulgação das provas utilizadas contra o recorrente foi mencionada no acórdão de anulação em resposta a um fundamento relativo, não a um erro manifesto de apreciação, mas sim à violação do dever de fundamentação (60). Por conseguinte, segundo o Tribunal Geral, isto não constitui um fundamento distinto para a anulação do acórdão recorrido, mas apoia a conclusão de que os fundamentos das decisões impugnadas não tinham sido devidamente justificados, uma vez que o Conselho nem sequer foi capaz de divulgar ao recorrente, enquanto entidade afetada, as provas utilizadas contra ele. No entanto, isso não significa que o Tribunal Geral tenha considerado que o Conselho não reuniu provas suscetíveis de justificar as medidas restritivas ou que não existiam fundamentos adequados e procedentes no que diz respeito à inclusão do recorrente na lista de medidas restritivas.

94.      Daqui resulta que, ao contrário do que o recorrente alega no seu quarto fundamento de recurso, o Tribunal Geral não interpretou erradamente o acórdão de anulação original, no qual o recorrente se baseou exclusivamente no pedido de indemnização que apresentou em primeira instância, ao afirmar que, nesse acórdão, o Tribunal Geral apenas concluiu pela violação do dever de fundamentação, em vez de declarar que nenhuma razão bem fundamentada poderia ter sido invocada.

95.      É igualmente verdade que, nos n.os 24, 31 e 33 do pedido de indemnização que apresentou em primeira instância, o recorrente declarou que, em seu entender, o Conselho, por um lado, violou as disposições regulamentares dos diplomas em que alegadamente se baseou, ao aplicá‑las sem qualquer justificação, e, por outro, ignorou os direitos de defesa e cometeu um erro de direito ao não demonstrar o mérito das medidas adotadas. No entanto, importa recordar que, nos termos do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, uma petição deve conter expressamente os fundamentos invocados pelo demandante. Estes elementos devem ser suficientemente claros e precisos para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral decidir a causa, se for o caso, sem outras informações (61).

96.      Na sua petição, o recorrente referiu essas circunstâncias num subtítulo, cuja epígrafe (62) e cujo primeiro parágrafo estabelecem que o seu objetivo não era identificar a conduta recriminada ao Conselho, mas demonstrar que o comportamento ilegal identificado na parte anterior preenchia os requisitos previstos na jurisprudência do Tribunal de Justiça para efeitos de responsabilidade da União Europeia. No entanto, na parte anterior da petição apresentada em primeira instância, o recorrente limitou‑se a invocar a falta de fundamentação no acórdão de anulação original quando identificou o alegado comportamento ilegal.

97.      Tendo em conta a opção do recorrente de não referir esses argumentos potencialmente mais amplos na parte relevante da sua petição, o Tribunal Geral não pode ser criticado por não deduzir do conteúdo desse segundo subtítulo que o recorrente também pretendia invocar tais atos ilegais. Conforme o Tribunal Geral salientou nos n.os 52 a 58 do acórdão recorrido, foi apenas no decurso do processo que o recorrente esclareceu que pretendia invocar a falta de legalidade interna das decisões impugnadas.

98.      Em meu entender, é este o facto que distingue o presente processo daquele que deu lugar ao Acórdão de 25 de novembro de 2014, Safa Nicu Sepahan/Conselho (T‑384/11, EU:T:2014:986), invocado pelo recorrente no seu recurso. Embora a matéria de facto destes dois processos seja bastante semelhante, resulta do n.o 26 daquele acórdão, confirmado pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso, que, nesse processo, o recorrente tinha invocado expressamente um erro de avaliação — e não (como sucede no presente processo) simplesmente uma falta de fundamentação — em apoio do seu pedido de indemnização (63).

99.      Assim, embora o presente processo e o processo Safa Nicu Sepahan possam parecer semelhantes, o indeferimento pelo Tribunal Geral, no presente processo, do pedido de indemnização apresentado pelo recorrente deve ser considerado, tendo em conta a forma como o recorrente o formulou, perfeitamente justificável dadas as circunstâncias.

100. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente o primeiro fundamento do recurso.

VI.    Conclusão

101. Tendo em consideração o exposto, concluo, no essencial, o seguinte:

O Tribunal de Justiça é competente para apreciar uma ação de indemnização diretamente conexa ou complementar a um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, relativo à legalidade de medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas adotadas pelo Conselho da União Europeia com base no capítulo 2 do título V TUE e, tendo em conta esta interpretação, tal competência não é excluída pelo segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE relativo à legalidade de medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas adotadas pelo Conselho com base no capítulo 2 do título V TUE, e que, tendo em conta esta interpretação, tal competência não é excluída pelo segundo parágrafo do artigo 275.o TFUE.

O primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.


1      Língua original: inglês.


2      Decisão do Conselho, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga a Posição Comum 2007/140/PESC (JO 2010, L 195, p. 39).


3      Regulamento que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga o Regulamento (CE) n.o 423/2007 (JO 2010, L 281, p. 1).


4      Decisão de 25 de outubro de 2010, que altera a Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga a Posição Comum 2007/140/PESC (JO 2010, L 281, p. 81).


5      A Decisão 2011/783/PESC do Conselho, de 1 de dezembro de 2011, que altera a Decisão 2010/413/PESC, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2011, L 319, p. 71), não alterou esta lista no que diz respeito ao recorrente.


6       Decisão do Conselho que altera a Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2013, L 306, p. 18).


7       Regulamento do Conselho que dá execução ao Regulamento (UE) n.o 267/2012, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO 2013, L 306, p. 3).


8      Por decisão de 7 de outubro de 2016 do presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral, o processo foi suspenso, nos termos do artigo 69.o, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, até ser proferida a decisão final do Tribunal de Justiça no processo C‑45/15 P, Safa Nicu Sepahan/Conselho. Por Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho (C‑45/15 P, EU:C:2017:402), o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos interpostos pela Safa Nicu Sepahan e pelo Conselho. A título de medida de organização do processo de 27 de fevereiro de 2018, as partes foram convidadas a informar o Tribunal Geral das consequências desse acórdão para o presente processo. A Comissão respondeu em 13 de março de 2018, o Conselho e o recorrente responderam em 15 de março de 2018.


9      V. Acórdãos de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753, n.os 36 a 38), e de 26 de fevereiro de 2015, Planet/Comissão (C‑564/13 P, EU:C:2015:124, n.o 20).


10      V., por exemplo, Acórdão de 21 de abril de 2016, Conselho/Bank Saderat Iran (C‑200/13 P, EU:C:2016:284, n.o 119).


11      Acórdão de 23 de abril de 2013, Gbagbo e o./Conselho (C‑478/11 P a C‑482/11 P, EU:C:2013:258, n.o 56).


12      V., por exemplo, considerando 3 do Regulamento (CE) n.o 423/2007 e considerando 4 do Regulamento (UE) n.o 961/2010, que estão em causa no presente processo.


13      O artigo 215.o, n.o 2, TFUE estabelece que quando uma decisão, adotada em conformidade com o capítulo 2 do título V TUE, o permita, o Conselho pode adotar medidas restritivas relativamente a pessoas singulares ou coletivas, a grupos ou a entidades não estatais.


14      O Tribunal Geral já tinha evitado tomar posição sobre esta questão: v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2014, Syria International Islamic Bank/Conselho (T‑293/12, não publicado, EU:T:2014:439, n.os 70 e 83), e de 24 de setembro de 2014, Kadhaf Al Dam/Conselho (T‑348/13, não publicado, EU:T:2014:806, n.o 115).


15      Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Iran Insurance/Conselho (T‑558/15, EU:T:2018:945, n.os 53 e 55), e de 13 de dezembro de 2018, Post Bank Iran/Conselho (T‑559/15, EU:T:2018:948, n.os 23 a 55).


16      Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, Jannatian/Conselho (T‑328/14, não publicado, EU:T:2016:86, n.o 30).


17      Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, Jannatian/Conselho (T‑328/14, não publicado, EU:T:2016:86, n.o 31).


18      V., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 2007, Sison/Conselho (T‑47/03, não publicado, EU:T:2007:207, n.os 232 a 251), e de 25 de novembro de 2014, Safa Nicu Sepahan/Conselho (T‑384/11, EU:T:2014:986, n.os 45 a 149), confirmado em sede de recurso por Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho (C‑45/15 P, EU:C:2017:402).


19      V., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 2018, Iran Insurance/Conselho (T‑558/15, EU:T:2018:945, n.o 57) e de 13 de dezembro de 2018, Post Bank Iran/Conselho (T‑559/15, EU:T:2018:948, n.o 57).


20      Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 39). Quanto a uma explicação sobre as origens destas disposições, v. Tomada de posição da advogada‑geral J. Kokott nas Conclusões que apresentou no processo [2/13 (Acesso da União Europeia à CEDH), EU:C:2014:2475, n.o 90].


21      V., em geral, Butler G., Constitutional Law of the EU’s Common Foreign and Security Policy, Hart Publishing, Oxford, 2019, pp. 202‑213.


22      Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral N. Wahl no processo H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:212, n.o 2).


23      Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.os 54 e 59).


24      V. Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 40.)


25      Acórdão de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753, n.o 49).


26      V. Acórdãos de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho (C‑263/14, EU:C:2016:435, n.o 42) e de 5 de março de 2015, Ezz e o./Conselho (C‑220/14 P, EU:C:2015:147, n.o 42).


27      Acórdão de 28 de março de 2017 (C‑72/15, EU:C:2017:236).


28      Desde que, no último caso, a pessoa em causa não seja a destinatária desta decisão, caso em que se aplicaria a jurisprudência TWD. V. Acórdão de 9 de março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, EU:C:1994:90, n.o 18).


29      Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 66, 68, 76 e 81).


30      Acórdão de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão (C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 83).


31      Acórdão de 28 de abril de 1971, Lütticke/Comissão (4/69, EU:C:1971:40, n.o 6).


32      Sublinhado nosso.


33      Acórdão de 24 de outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão (T‑178/98, EU:T:2000:240, n.o 45).


34      V., por exemplo, Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho (C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.os 29 a 32 e 61 e 62 e jurisprudência referida).


35      Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236).


36      Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428).


37      O n.o 70 do Acórdão Rosneft poderia dar a impressão de que o Tribunal de Justiça pretendeu excluir um recurso que não tem por objetivo essa fiscalização da legalidade. Contudo, este número deve ser entendido no contexto específico do processo Rosneft, que dizia respeito à questão de saber se o Tribunal de Justiça era competente para decidir nos termos do artigo 267.o TFUE, e não deve ser considerado uma regra de aplicação geral. Na medida em que o Tribunal de Justiça tinha anteriormente declarado que tanto o recurso de anulação como o reenvio prejudicial sobre a validade tinham ambos por objeto essa fiscalização da legalidade, este número devia efetivamente ser interpretado no sentido de que apenas se destina a sublinhar que a remissão efetuada pelo artigo 275.o TFUE para o artigo 263.o TFUE inclui, em particular, qualquer processo que tenha por objeto essa fiscalização da legalidade no que diz respeito a um ato referido no artigo 263.o TFUE.


38      V., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 120).


39      É o que sucede em situações de poderes limitados ou quando a irregularidade provavelmente não afetou o conteúdo da decisão. V., por exemplo, Acórdão de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão (C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.o 84).


40      Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 40).


41      Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 41).


42      V., por exemplo, Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 42).


43      V., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 42).


44      Ibidem, n.o 43.


45      N.os 42 e 43 do acórdão recorrido.


46      Acórdãos de 15 de setembro de 1982, Kind/CEE (C‑106/81, EU:C:1982:291, n.o 14) e de 6 de junho de 1990, AERPO e o./Comissão (C‑119/88, EU:C:1990:231, n.o 20).


47      Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 103).


48      V., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão (C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.os 80 a 83).


49      V., por exemplo, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Conselho/Bamba (C‑417/11 P, EU:C:2012:718, n.o 50).


50      Em francês, «une formalité substantielle».


51      V. Acórdãos de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.os 116 a 118), e de 18 de fevereiro de 2016, Conselho/Bank Mellat (C‑176/13 P, EU:C:2016:96, n.o 76).


52      É verdade que a falta de fundamentação pode provocar danos devidos à incerteza sofrida pelo destinatário da decisão em causa, mas estes danos são morais. Quando uma pessoa alega ter sofrido danos em resultado dos efeitos jurídicos produzidos por uma decisão, tais danos são seguramente materiais, mas isso apenas pode resultar da falta de um fundamento sólido para essa decisão.


53      V. Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑84/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 100).


54      Embora alguns acórdãos pareçam relacionar esta jurisprudência com o primeiro requisito, nomeadamente a existência de uma violação de uma norma jurídica, no primeiro acórdão em que o Tribunal de Justiça chegou a essa conclusão, atribui‑a à impossibilidade de este género de ilegalidade causar danos deste tipo, que, ao invés, são relativos à falta de um nexo de causalidade. V., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 1982, Kind/CEE (106/81, EU:C:1982:291, n.os 14 e 34).


55      V., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 132). O destinatário de uma decisão não fundamentada não deve sofrer nem as consequências da negligência da instituição em causa nem as consequências do facto de o Tribunal Geral ter optado por anular uma decisão sem apreciar, por razões de economia processual, todos os fundamentos invocados pelo recorrente. Além disso, importa salientar que, quando um acórdão anula uma decisão por violação do dever de fundamentação, o recorrente não pode interpor recurso desse acórdão com o fundamento de que o Tribunal Geral qualificou indevidamente o vício constatado como violação do dever de fundamentação.


56      Poderia considerar‑se que, quando uma decisão é anulada é, em princípio, prematuro estabelecer a responsabilidade extracontratual da União Europeia, uma vez que cabe à instituição que adotou essa decisão decidir como executar aquele acórdão. Por conseguinte, só depois da adoção das medidas de execução do acórdão é possível determinar a extensão dos danos a indemnizar, uma vez que a adoção de algumas destas medidas poderia ter reparado consequências negativas da referida decisão. V., por exemplo, Acórdão de 14 de dezembro de 2018, FV/Conselho (T‑750/16, EU:T:2018:972, n.os 176 e 177). No entanto, no presente processo, ao executar o acórdão de anulação, o Conselho não adotou retroativamente novas decisões devidamente fundamentadas, mas decidiu adotar decisões apenas para o futuro, sem compensar o prejuízo sofrido pelo recorrente em causa em resultado dos efeitos passados das medidas anuladas. V. a respeito da obrigação de reparar os efeitos passados de uma decisão anulada, Acórdão de 14 de maio de 1998, Conselho/De Nil e Impens (C‑259/96 P, EU:C:1998:224, n.o 16). Não obstante, no caso vertente, o recorrente não alegou que o Conselho violou a obrigação que lhe incumbe, nos termos do artigo 266.o TFUE, de adotar as medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão que anulou a decisão.


57      Acórdão de 26 de julho de 2017, Conselho/Hamas (C‑79/15 P, EU:C:2017:584, n.o 49).


58      V. Acórdão de 2 de dezembro de 1971, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho (5/71, EU:C:1971:116, n.o 3). Esta conclusão não é posta em causa pela solução adotada pelo Tribunal de Justiça no n.o 46 do Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694), que diz respeito à possibilidade de o Conselho invocar factos posteriores a uma decisão para justificar retroativamente essa decisão, e não à questão de saber se, no âmbito de uma ação por responsabilidade, o Conselho ainda pode apresentar fundamentos que justifiquem a adoção de uma decisão.


59      É possível acrescentar, de passagem, que, nestas circunstâncias, a natureza extemporânea da fundamentação teria de ser levada em conta em qualquer eventual condenação nas despesas. O recorrente teria igualmente de ser autorizado a adaptar os seus argumentos de acordo com a explicação até ao momento apresentada.


60      V. n.o 70 do acórdão recorrido.


61      V., por exemplo, Despacho de 21 de janeiro de 2016, Internationaler Hilfsfonds/Comissão (C‑103/15 P, não publicado, EU:C:2016:51, n.o 33).


62      Este subtítulo tinha por epígrafe: «B. Esta ilegalidade dá origem à responsabilidade da União».


63      Com efeito, conforme referi anteriormente, a violação do dever de fundamentação e o incumprimento da obrigação de reunir as informações ou provas que substanciem as medidas restritivas são duas coisas completamente diferentes. V., neste sentido, Acórdãos de 26 de julho de 2017, Conselho/Hamas (C‑79/15 P, EU:C:2017:584, n.o 48) e de 26 de julho de 2017, Conselho/LTTE (C‑599/14 P, EU:C:2017:583, n.o 70) que utiliza «primeiro» e «segundo» para distinguir cada um dos deveres. Uma violação do primeiro dever constitui um vício daquilo que se pode designar por legalidade externa, enquanto uma violação do segundo dever afeta a legalidade interna da decisão em causa.