Language of document : ECLI:EU:T:2014:583

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

26 de junho de 2014 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado europeu dos fosfatos para alimentação animal – Coimas – Pagamento faseado – Decisão da Comissão que ordena a constituição de uma garantia bancária – Dever de fundamentação – Proporcionalidade»

No processo T‑564/10,

Quimitécnica.com – Comércio e Indústria Química, SA, com sede em Lordelo (Portugal),

José de Mello – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, com sede em Lisboa (Portugal),

representadas por J. Calheiros e A. de Albuquerque, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Mongin, V. Bottka e F. Ronkes Agerbeek, na qualidade de agentes, assistidos por M. Marques Mendes, advogado,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da decisão alegadamente contida na carta do contabilista da Comissão, de 8 de outubro de 2010, respeitante ao pagamento da coima aplicada às recorrentes pela Decisão C (2010) 5004 final da Comissão, de 20 de julho de 2010, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.886 – Fosfatos para alimentação animal), na parte em que a referida carta exige que, para poderem beneficiar do pagamento faseado da coima, as recorrentes apresentem uma garantia bancária prestada por um banco com um rating «AA» de longo prazo,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente, M. Kancheva e C. Wetter (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de dezembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Os artigos 85.° e 86.° do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao Orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 357, p. 1), conforme alterado, preveem o seguinte:

«Artigo 85.°

[…]

O contabilista, em articulação com o gestor orçamental competente, só pode conceder prazos suplementares de pagamento mediante pedido por escrito, devidamente fundamentado, do devedor, e na dupla condição de:

a)      O devedor [se] compromete[r] ao pagamento de juros à taxa prevista no artigo 86.°, relativamente à totalidade do prazo concedido e a contar do final do prazo referido no n.° 3, alínea b), do artigo 78.°;

b)      O devedor constitui[r], no intuito de se protegerem os direitos das Comunidades, uma garantia financeira aceite pelo contabilista da Instituição, que cubra o montante ainda em dívida, tanto em termos de capital como dos respetivos juros.

A garantia referida na alínea b) do primeiro parágrafo pode ser substituída por um aval pessoal e solidário de um terceiro aprovado pelo contabilista da Instituição.

Artigo 86.°

[…]

2.      A taxa de juro a aplicar a créditos não reembolsados no prazo referido no n.° 3, alínea b), do artigo 78.° é a taxa aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicado na série C do Jornal Oficial da União Europeia, em vigor no primeiro dia de calendário do mês de vencimento, majorada de:

[…]

b)      Três pontos e meio de percentagem, em todos os restantes casos;

[…]

5.      No caso de multas e desde que o devedor constitua uma garantia financeira aceite pelo contabilista em vez de um pagamento provisório, a taxa de juro aplicável a partir do final do prazo referido no n.° 3, alínea b), do artigo 78.° será a taxa referida no n.° 2 do presente artigo, acrescida de apenas um ponto e meio de percentagem.»

 Factos na origem do litígio

2        Na Decisão C (2010) 5004 final, de 20 de julho 2010, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.866 – Fosfatos para alimentação animal) (a seguir «decisão de base»), a Comissão Europeia declarou que as recorrentes, Quimitécnica.com – Comércio e Indústria Química, SA (a seguir «Quimitécnica»), e José de Mello – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (a seguir «JMS»), violaram o artigo 101.° TFUE e o artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) por terem participado num cartel com cinco outros grupos de empresas no mercado de fosfatos para alimentação animal. A decisão de base foi notificada às recorrentes em 23 de julho de 2010.

3        Devido a esta infração, a Comissão, no artigo 2.° da decisão de base, aplicou à JMS, por um lado, a título individual, uma coima no montante de 1 044 095 euros e, por outro, conjunta e solidariamente à JMS e à Quimitécnica, uma coima no montante de 1 750 905 euros.

4        O artigo 2.° da decisão de base especifica que as coimas aplicadas às recorrentes devem ser pagas mediante transferência para uma conta da Comissão no prazo máximo de três meses a contar da notificação dessa decisão, exceto no caso de virem a interpor recurso, facto que lhes permite prestar uma garantia bancária a ser aceite pelo contabilista da Comissão ou efetuar um pagamento provisório. É ainda enunciado que ao montante das coimas são aplicados juros contados a partir do termo do prazo de três meses, à taxa fixada pelo Banco Central Europeu (BCE), acrescida de 3,5 pontos percentuais.

5        As recorrentes não recorreram da decisão de base.

6        Por carta de 3 de setembro de 2010, as recorrentes, aludindo ao artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002, requereram ao contabilista da Comissão que aceitasse um plano de pagamento da sua dívida conjunta e solidária que lhes permitisse pagar em duas prestações o montante da coima, a saber, em outubro de 2011 e em outubro de 2012. As recorrentes ainda propuseram apresentar uma garantia bancária, emitida pelo Banco Comercial Português, SA (a seguir «BCP»), que cobrisse o montante ainda em dívida e os juros correspondentes.

7        Por carta de 8 de outubro de 2010, o contabilista da Comissão deu resposta ao pedido das recorrentes, informando‑as de que o pagamento faseado podia ser efetuado em três prestações, devendo a primeira prestação ser paga antes de 25 de outubro de 2010, a segunda antes de 25 de outubro de 2011 e a terceira antes de 25 de outubro de 2012, na condição de as recorrentes apresentarem uma garantia bancária emitida por um banco com um rating «AA» de longo prazo (a seguir «ato impugnado»). A este respeito, o contabilista da Comissão verificou que o banco proposto pelas recorrentes na carta de 3 de setembro de 2010, a saber, o BCP, não tinha obtido tal notação.

8        Por carta de 22 de outubro de 2010, as recorrentes informaram o contabilista da Comissão de que os valores correspondentes ao montante da coima individualmente devida pela JMS e a primeira prestação do montante da coima conjunta e solidariamente devida pela JMS e pela Quimitécnica tinham sido transferidos para a conta da Comissão. As recorrentes indicaram, porém, não terem obtido uma garantia bancária emitida por um banco com o rating «AA» de longo prazo.

9        Por carta de 27 de outubro de 2010 enviada às recorrentes, o contabilista da Comissão manteve o seu pedido de que fosse apresentada uma garantia bancária prestada por um banco com o rating «AA» de longo prazo.

10      Cumprindo o plano de pagamento elaborado pelo contabilista da Comissão no ato impugnado, mas sem apresentarem uma garantia bancária prestada por um banco com o rating «AA» de longo prazo, as recorrentes pagaram, em seguida, a segunda prestação da coima em 25 de outubro de 2011 e a terceira e última prestação da coima em 25 de outubro de 2012.

11      Em 30 de outubro de 2012, a Comissão enviou às recorrentes uma carta em que confirmava a receção do pagamento da coima em três prestações. A Comissão informou ainda as recorrentes de que, não tendo elas apresentado uma garantia bancária prestada por um banco com o rating «AA» de longo prazo, a taxa de juro aplicável era de 4,5% e que, desta forma, continuava por pagar o montante de 36 357,83 euros.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

12      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de dezembro de 2010, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

13      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de março de 2011, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. As recorrentes apresentaram as suas observações sobre esta exceção em 29 de abril de 2011.

14      Por despacho de 28 de setembro de 2011, o presidente da Sexta Secção decidiu que a exceção de inadmissibilidade seria apreciada juntamente com o mérito.

15      Em 14 de novembro de 2011, a Comissão apresentou na Secretaria do Tribunal Geral a sua contestação.

16      Em 6 de março de 2012, as recorrentes apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral a réplica.

17      Em 30 de abril de 2012, a Comissão apresentou na Secretaria do Tribunal Geral a tréplica.

18      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de dezembro de 2012, a Comissão apresentou um pedido de não conhecimento do mérito. Em 11 de janeiro de 2013, as recorrentes apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral observações sobre este pedido.

19      Em 21 de março de 2013, o presente processo foi distribuído a um novo juiz‑relator da Sexta Secção.

20      Na sequência da renovação parcial do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi colocado na Oitava Secção, à qual o presente processo foi, portanto, redistribuído.

21      Por despacho de 8 de novembro de 2013, o presidente da Oitava Secção reservou para final o pedido de não conhecimento do mérito.

22      Na audiência de 6 de dezembro de 2013, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

23      As recorrentes concluem pedindo ao Tribunal que se digne:

–        anular o ato impugnado, na parte em que o contabilista da Comissão exige que a garantia bancária a prestar o seja por um banco com um rating «AA» a longo prazo;

–        julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade;

–        julgar improcedente o pedido de não conhecimento do mérito;

–        condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        declarar que não há que conhecer do mérito do recurso;

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, julgar o recurso improcedente;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto às questões prévias à apreciação do mérito

 Quanto ao pedido de não conhecimento do mérito

25      A Comissão alega que, embora não tenham apresentado garantia bancária emitida por um banco com rating «AA» de longo prazo, as recorrentes pagaram a coima em conformidade com o plano de pagamento elaborado pelo contabilista da Comissão no ato impugnado, tendo pagado em 25 de outubro de 2012, cumprindo o prazo fixado, a terceira e última prestação do plano de pagamento. Daqui resulta, no entender da Comissão, que o recurso de anulação interposto pelas recorrentes ficou desprovido de objeto e que não há que conhecer do mérito do referido recurso.

26      A Comissão afirma também que a quantia ainda em dívida pelas recorrentes corresponde aos juros adicionais devidos pelas recorrentes por força do artigo 86.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 2342/2002, que ascendem a 36 357,83 euros. Nos termos desta disposição, a taxa de juro aplicável é a taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três vírgula cinco pontos percentuais. O artigo 86.°, n.° 5, do mesmo regulamento prevê uma taxa mais favorável, mas unicamente quando o devedor constitua uma garantia financeira.

27      As recorrentes contestam os argumentos da Comissão.

28      Nos termos do artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode, a todo o tempo e oficiosamente, ouvidas as partes, declarar que a ação ou recurso ficaram sem objeto e que não conhecerá do mérito da causa.

29      Há que observar que, apesar de as recorrentes, em conformidade com o plano de pagamento elaborado pelo contabilista da Comissão, terem pagado integralmente a coima sem apresentar garantia bancária desde a interposição do presente recurso, a Comissão não revogou nem alterou o ato impugnado e nem sequer se absteve de pedir o pagamento do montante dos juros. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a Comissão, o recurso não ficou desprovido de objeto.

30      O pedido de não conhecimento do mérito deve, assim, ser julgado improcedente.

 Quanto à admissibilidade

31      Quanto à exceção de inadmissibilidade, a Comissão alega, nomeadamente, que o ato impugnado não constitui um ato suscetível de ser objeto de recurso de anulação na aceção do artigo 263.° TFUE e da jurisprudência pertinente.

32      A Comissão considera também que as recorrentes não têm interesse em interpor recurso de anulação do ato impugnado. A este respeito, afirma que as recorrentes conseguiram alcançar a situação jurídica que tinham pedido à Comissão porque o seu pedido de ver aprovado um plano de pagamento foi deferido. Nessas circunstâncias, o ato impugnado satisfaz as recorrentes e, atendendo à sua natureza, não é suscetível de alterar a sua situação jurídica nem de lesar os interesses das mesmas.

33      Nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, as recorrentes afirmam que o ato impugnado afeta os seus interesses, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, na medida em que lhes recusa efetivamente a possibilidade de pagar a coima em prestações. Esta recusa afeta‑as de forma negativa, uma vez que a obrigação de pagar a coima numa única transação e no prazo de três meses exigiria um esforço financeiro maior relativamente ao pagamento faseado. Um pagamento em várias prestações permitir‑lhes‑ia evitar uma forte restrição dos meios financeiros de que necessitam para fazer face às suas responsabilidades, designadamente perante os fornecedores, as autoridades fiscais e, sobretudo, os seus trabalhadores.

34      As recorrentes afirmam igualmente que, se o ato impugnado não fosse entendido como um ato lesivo e suscetível de ser objeto de recurso, seria impossível garantir a fiscalização jurisdicional das decisões que concedem ou negam um prazo suplementar para pagamento, independentemente das razões invocadas para o efeito, ainda que isso conduzisse a um flagrante tratamento discriminatório.

35      Decorre de jurisprudência constante que, quando um recurso cuja admissibilidade se discute deva improceder quanto ao mérito, o julgador pode, por razões de economia processual, pronunciar‑se desde logo sobre a sua substância (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, Colet., p. I‑1873, n.° 52; despacho do Tribunal Geral de 18 de junho de 2012, Transports Schiocchet – Excursions/Conselho e Comissão, T‑203/11, n.° 26, não publicado na Coletânea, e acórdão do Tribunal Geral de 7 de março de 2013, Acino/Comissão, T‑539/10, não publicado na Coletânea, n.° 27).

36      Daqui resulta que, neste caso, por razões de economia processual, há que apreciar os argumentos invocados pelas recorrentes em apoio dos fundamentos de mérito sem previamente decidir sobre a admissibilidade, tendo em conta que esses argumentos não permitem, de resto e pelos motivos a seguir expostos, demonstrar que o ato impugnado violou o artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002.

 Quanto ao mérito

 Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

37      As recorrentes sustentam que a Comissão violou o dever de fundamentação conforme previsto no artigo 296.° TFUE e que, por isso, o ato impugnado deve ser anulado.

38      No essencial, as recorrentes alegam que o ato impugnado carece de fundamentação e que, atendendo ao nível de rating exigido, essa fundamentação deveria existir. As recorrentes sustentam ainda que o ato impugnado não invoca o direito da União Europeia e que a exigência de fundamentação se justifica ainda mais por estar em causa o exercício de um poder discricionário.

39      As recorrentes sustentam igualmente que apresentaram uma garantia bancária em conformidade com as normas em vigor, que as normas jurídicas aplicáveis não exigem um tipo de garantia específico, que corresponde a um critério estabelecido internamente pela Comissão, e que os contactos com a Comissão não permitiram às recorrentes tomar conhecimento dos fundamentos que justificam o requisito do rating «AA» de longo prazo.

40      A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

41      O artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE dispõe o seguinte:

«Os atos jurídicos são fundamentados e fazem referência às propostas, iniciativas, recomendações, pedidos ou pareceres previstos pelos Tratados.»

42      Decorre da jurisprudência que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato possam ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2003, Freistaat Sachsen e o./Comissão, C‑57/00 P e C‑61/00 P, Colet., p. I‑9975, n.° 76 e jurisprudência aí referida).

43      No caso em apreço, consta do ato impugnado que o banco emissor da garantia bancária deve ter um rating «AA» de longo prazo e que o banco proposto, o BCP, não satisfaz esta exigência.

44      Ora, há que considerar que, embora a Comissão não fundamente expressamente esta exigência, não deixa de ser verdade que a base do seu raciocínio, a saber, a proteção dos interesses financeiros da União, decorre da própria exigência.

45      Resulta do exposto que a fundamentação da Comissão permite às recorrentes conhecerem as razões desta exigência e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

46      Daqui resulta que o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade

47      As recorrentes alegam que existe uma desproporção entre a exigência imposta pela Comissão e o objetivo por esta prosseguido.

48      Em primeiro lugar, as recorrentes recordam os critérios previstos no artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002 e consideram que esses critérios são suficientes para proteger os direitos da União. A este propósito, as recorrentes alegam que uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação constitui um meio adequado e mesmo privilegiado para garantir o cumprimento de qualquer obrigação.

49      As recorrentes sustentam que a garantia bancária que apresentaram preenche os requisitos do artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002.

50      Em segundo lugar, as recorrentes consideram que o banco emissor da garantia proposta, o BCP, foi sujeito ao exercício de Stress Test coordenado pelo Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária em cooperação com o BCE, com a Comissão e com o Banco de Portugal. As conclusões deste teste demonstram que o BCP revelou um elevado grau de resistência a um cenário adverso.

51      Além disso, as recorrentes observam que se tem crescentemente afirmado «um conjunto de princípios relativos à redução de confiança nas notações das agências de rating, com o objetivo de acabar com a excessiva dependência verificada na utilização das mesmas».

52      Daqui resulta que, segundo as recorrentes, nada parece justificar, para defesa «dos direitos das Comunidades», que se negue a possibilidade de a garantia ser emitida pelo BCP e se exija a emissão por um banco com rating «AA» de longo prazo.

53      Por último, as recorrentes alegam que a exigência contida no ato impugnado, para além de desadequada, desrespeita o critério da necessidade, que constitui uma importante dimensão do princípio da proporcionalidade. Sustentam que, de entre as medidas possíveis, a Comissão optou por aquela que, na atual conjuntura, mais lesa os interesses das recorrentes.

54      A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

55      O princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que seja adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos visados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de junho de 2009, Agrana Zucker, C‑33/08, Colet., p. I‑5035, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

56      Decorre igualmente da jurisprudência que a fiscalização jurisdicional dos requisitos de aplicação do princípio da proporcionalidade, em domínios em que o legislador da União dispõe de um amplo poder de apreciação, se limita a uma apreciação através da qual verifica se uma medida adotada é manifestamente desadequada. É por exemplo o que sucede quando as apreciações da Comissão intervêm em domínios políticos complexos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, Colet., p. 2237, n.° 22, e Agrana Zucker, referido no n.° 55 supra, n.° 32 e jurisprudência aí referida).

57      Importa assim verificar se a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para fixar as condições de aplicação do artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002.

58      O artigo 85.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2342/2002 dispõe que o contabilista «só pode» conceder prazos suplementares mediante pedido por escrito, devidamente fundamentado, do devedor. Isto implica que a Comissão dispõe, por força desta disposição, de um amplo poder de apreciação, uma vez que pode conceder prazos suplementares.

59      Quanto à aceitação da garantia bancária proposta, o artigo 85.°, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 2342/2002 dispõe que, «[…] no intuito de se protegerem os direitos das Comunidades», o devedor deve apresentar uma garantia bancária «aceite» pelo contabilista da Comissão. Isto implica igualmente a atribuição à Comissão de um amplo poder de apreciação. Com efeito, decorre deste artigo que a Comissão pode determinar, cumprindo o princípio da proporcionalidade, o tipo de garantia bancária que considere aceitável, tomando em consideração fatores políticos, efetuando para tal uma arbitragem entre a política concorrencial da União e os interesses das empresas que requerem prazos suplementares para pagamento, económicos, efetuando para tal uma arbitragem entre os riscos económicos para a União e a capacidade de pagamento da empresa e do banco em causa, e jurídicos, respeitando o princípio da igualdade de tratamento.

60      Em face destas considerações, importa notar que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação nos termos do artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002 e que o Tribunal Geral se deve limitar, na sua fiscalização do princípio da proporcionalidade, a um exame pelo qual verifique se a aplicação do referido artigo pela Comissão é manifestamente desadequada.

61      Assim, o que aqui está em causa não é saber se a exigência do contabilista da Comissão corresponde à única ou à melhor condição possível, mas se a condição era manifestamente desadequada aos objetivos prosseguidos (v., neste sentido e por analogia, acórdão Agrana Zucker, referido no n.° 55 supra, n.° 33 e jurisprudência aí referida).

62      O objetivo da garantia bancária é o de garantir que a União não sofra qualquer custo ou risco nos casos de concessão de um prazo para pagamento. É importante, para o efeito, ter a certeza de que o banco emissor dessa garantia bancária é solvente. Assim, a Comissão considerou que o rating «AA» de longo prazo das agências de rating era uma condição adequada. Cumprindo este objetivo, a Comissão deve também ter em consideração outros objetivos políticos e jurídicos (v. n.° 59 supra).

63      Atendendo a estes objetivos, a Comissão deve impor determinadas exigências quanto à solvência dos emissores de garantias bancárias. Caso contrário, o contabilista da Comissão seria levado a aceitar todo o tipo de garantias bancárias, incluindo de bancos com o rating mais baixo ou aos quais não tivesse sido atribuído nenhum rating. Tal situação seria contrária ao objetivo previsto no artigo 85.° do Regulamento n.° 2342/2002 e à sua letra, que prevê a apresentação de uma garantia bancária «aceite» pelo contabilista da Comissão. O argumento de que os critérios enunciados no texto do artigo 85.° são suficientes para alcançar o objetivo fixado nesta disposição deve ser rejeitado.

64      Por outro lado, decorre da decisão de base que, neste caso, a exigência de uma garantia bancária apresentada por um banco com rating «AA» de longo prazo é aplicável não só às recorrentes mas também a outras empresas concorrentes destinatárias dessa decisão. Decorre igualmente dos autos que a Comissão pretendeu aplicar esta exigência às empresas em situação semelhante à das recorrentes.

65      É certo que esta exigência exige um encargo mais elevado para as recorrentes, na medida em que é mais difícil encontrar um banco com rating «AA» de longo prazo e que, normalmente, tal garantia bancária é mais onerosa do que uma garantia bancária prestada por um banco que não tenha obtido o rating exigido. Todavia, as recorrentes não demonstraram em que é que essa exigência seria um encargo desproporcional a seu respeito, nem deram nenhuma explicação quanto à impossibilidade de obter uma garantia bancária junto de um banco com rating «AA» de longo prazo.

66      Resulta do exposto que a exigência de que a garantia bancária seja apresentada por um banco com rating «AA» de longo prazo não é manifestamente desadequada para alcançar os objetivos prosseguidos e, por conseguinte, não deve ser considerada contrária ao princípio da proporcionalidade.

67      Daqui decorre que o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade deve ser julgado improcedente e, consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

68      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Quimitécnica.com – Comércio e Indústria Química, SA, e a José de Mello – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, suportarão as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Gratsias

Kancheva

Wetter

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de junho de 2014.

Assinaturas


* Língua do processo: português.