Language of document : ECLI:EU:T:2022:43

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

2 de fevereiro de 2022 (*)

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercados do gás da Europa Central e Oriental — Decisão que torna obrigatórios os compromissos individuais assumidos por uma empresa — Artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Adequação dos compromissos face às preocupações em matéria de concorrência inicialmente identificadas na comunicação de objeções — Renúncia da Comissão em exigir compromissos relativos a certas preocupações iniciais — Princípio da boa administração — Transparência — Dever de fundamentação — Objetivos da política energética da União — Princípio da solidariedade energética — Desvio de poder»

No processo T‑616/18,

Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo S.A., com sede em Varsóvia (Polónia), representada por K. Karasiewicz, radca prawny, T. Kaźmierczak, K. Kicun e P. Moskwa, advogados,

recorrente,

apoiada por

República da Lituânia, representada por K. Dieninis e R. Dzikovič, na qualidade de agentes,

por

República da Polónia, representada por B. Majczyna e M. Nowacki, na qualidade de agentes,

e por

Overgas Inc., com sede em Sófia (Bulgária), representada por S. Gröss e S. Cappellari, advogados,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Meessen e J. Szczodrowski, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Gazprom PJSC, com sede em Moscovo (Rússia),

e

Gazprom export LLC, com sede em São Petersburgo (Rússia),

representadas por J. Karenfort, J. Hainz, B. Evtimov, N. Tuominen, J. Heithecker, advogados, e D. O’Keeffe, solicitor,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação da Decisão C(2018) 3106 final da Comissão, de 24 de maio de 2018, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo AT.39816 — Abastecimento de gás a montante na Europa Central e Oriental),

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, J. Svenningsen (relator), R. Barents, C. Mac Eochaidh e T. Pynnä, juízes,

secretário: R. Ūkelytė, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 e 19 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio e evolução após a interposição do recurso

1        A recorrente, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo S.A., é a sociedade‑mãe do grupo PGNiG, que opera no setor do gás e do petróleo, principalmente na Polónia. Este grupo desenvolve, nomeadamente, atividades de exploração e produção de gás e petróleo bruto, bem como de importação, venda e distribuição de gás.

2        A recorrente solicita a anulação da Decisão C(2018) 3106 final da Comissão Europeia, de 24 de maio de 2018, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo AT.39816 — Abastecimento de gás a montante na Europa Central e Oriental) (a seguir «decisão impugnada»), que tornou obrigatórios os compromissos assumidos pela Gazprom PJSC e pela Gazprom export LLC (a seguir, conjuntamente denominadas, «Gazprom»).

3        A decisão impugnada pôs termo a um procedimento administrativo conduzido pela Comissão, que, à luz da proibição dos abusos de posição dominante prevista no artigo 102.o TFUE, examinou a conformidade de determinadas práticas da Gazprom que afetam o setor do gás em determinados países da Europa Central e Oriental (a seguir «PECO»), concretamente na Bulgária, na República Checa, na Estónia, na Letónia, na Lituânia, na Hungria, na Polónia e na Eslováquia (a seguir, conjuntamente denominadas, «PECO em causa»).

A.      Quanto ao procedimento administrativo que esteve na origem da decisão impugnada

4        Entre 2011 e 2015, a Comissão tomou diversas medidas para investigar a forma como funcionavam os mercados do gás na Europa Central e Oriental. Em especial, com base nos artigos 18.o e 20.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), procedeu ao envio de pedidos de informações a diversos atores do mercado, incluindo à Gazprom e a alguns dos seus clientes, entre os quais a recorrente, e procedeu a inspeções, inclusive nas instalações desta última em 2011. O procedimento administrativo correspondente a este inquérito e que aqui está diretamente em causa foi registado sob a referência «Processo AT.39816 — Abastecimento de gás a montante na Europa Central e Oriental» (a seguir «Processo AT.39816»).

5        No âmbito desse processo, a Comissão deu formalmente início, em 31 de agosto de 2012, a um processo, em conformidade com o disposto nos artigos 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003 e 2.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), tendo em vista a adoção de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003.

6        Em 22 de abril de 2015, a Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 10.o do Regulamento n.o 773/2004, enviou uma comunicação de objeções à Gazprom (a seguir «CO»). Nessa comunicação e a título preliminar, a Comissão chegou à conclusão de que a Gazprom ocupava uma posição dominante nos mercados nacionais de fornecimento grossista de gás a montante nos PECO em causa e abusava dessa posição ao pôr em prática uma estratégia anticoncorrencial com o intuito de fragmentar e isolar esses mercados e, assim, impedir a livre circulação de gás nos PECO em causa, em violação do artigo 102.o TFUE.

7        A Comissão considerou que essa estratégia da Gazprom englobava três conjuntos de práticas anticoncorrenciais que afetavam os seus clientes nos PECO em causa (a seguir «clientes afetados») e os contratos que com ela haviam celebrado (a seguir «contratos em causa»):

—        em primeiro lugar, a Gazprom, nos contratos de abastecimento de gás que celebrara com grossistas e alguns clientes industriais dos PECO em causa, tinha imposto restrições territoriais (a seguir «objeções relativas às restrições territoriais»), restrições que resultavam de cláusulas contratuais que proibiam a exportação para fora do território de fornecimento ou obrigavam à utilização do gás fornecido num dado território; a Gazprom também tinha recorrido a outras medidas impeditivas dos fluxos transfronteiriços de gás;

—        em segundo lugar, essas restrições territoriais tinham permitido à Gazprom praticar uma política de preços desleal em cinco dos PECO em causa, ou seja, na Bulgária, na Estónia, na Letónia, na Lituânia e na Polónia (a seguir «cinco PECO afetados pelas práticas de preços»), ao impor preços excessivos, dado serem claramente superiores ao nível dos seus custos ou de determinados preços considerados preços de referência (a seguir «objeções relativas às práticas tarifárias»);

—        em terceiro lugar, a Gazprom tinha, em relação à Bulgária e à Polónia, subordinado os seus fornecimentos de gás à obtenção de determinadas garantias, dos grossistas, no que toca às infraestruturas de transporte de gás; essas garantias diziam respeito, por um lado, a investimentos do grossista búlgaro no projeto de gasoduto South Stream e, por outro, à aceitação, pelo grossista polaco, isto é, pela recorrente, do reforço do controlo da Gazprom da gestão do troço polaco do gasoduto Yamal, um dos principais gasodutos de trânsito da Polónia (a seguir «objeções Yamal»).

8        Em 29 de setembro de 2015, a Gazprom respondeu à CO contestando as preocupações em matéria de concorrência da Comissão, tendo em seguida sido ouvida, em conformidade com o disposto no artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, numa audição que teve lugar em 15 de dezembro de 2015.

9        Em 14 de fevereiro de 2017, a Gazprom, embora continuando a contestar as preocupações em matéria de concorrência da CO, apresentou, ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, um projeto formal de compromissos (a seguir «compromissos iniciais»). Anteriormente a esse projeto tinham sido apresentadas propostas informais de compromissos.

10      Em 16 de março de 2017, a fim de recolher as observações das partes interessadas sobre os compromissos iniciais, a Comissão publicou no Jornal Oficial da União Europeia uma comunicação nos termos do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2017, C 81, p. 9), que inclui um resumo do Processo AT.39816, bem como o essencial do conteúdo dos compromissos iniciais. Nos termos dessa mesma disposição, as partes interessadas dispunham de um prazo de sete semanas a contar da data de publicação da referida comunicação para apresentar as respetivas observações (a seguir «consulta do mercado»). A Comissão recebeu 44 séries de observações de partes interessadas, incluindo da recorrente, do Governo polaco, do presidente da Urząd Regulacji Energetyki (Autoridade Reguladora da Energia polaca, a seguir «Regulador polaco») e da Gaz‑System S.A., que é o gestor do troço polaco do gasoduto Yamal.

11      Em 15 de março de 2018, após ter recebido as versões não confidenciais das observações das partes interessadas relativas aos compromissos iniciais, a Gazprom apresentou um projeto de compromissos alterado (a seguir «compromissos finais»).

12      De acordo com o disposto no artigo 14.o do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão consultou o Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e posições dominantes (a seguir «Comité Consultivo») e transmitiu‑lhe um anteprojeto de decisão. Em 2 de maio de 2018, o Comité Consultivo deu parecer favorável a esse a anteprojeto. Além disso, o Auditor, de acordo com o disposto no artigo 16.o da Decisão 2011/695/UE do presidente da Comissão, de 13 de outubro de 2011, relativa às funções e ao mandato do Auditor em determinados procedimentos de concorrência (JO 2011, L 275, p. 29), apresentou o seu relatório final em 2 de maio de 2018.

13      Em 24 de maio de 2018, a Comissão adotou a decisão impugnada, à qual foram juntos os compromissos finais. Com essa decisão, aprovou e tornou obrigatórios os referidos compromissos e encerrou o procedimento administrativo, tendo concluído que tinham deixado de existir motivos para uma intervenção sua no que respeitava às práticas potencialmente abusivas inicialmente identificadas na CO.

B.      Quanto à decisão impugnada

14      Na decisão impugnada, a Comissão começou por proceder a uma apreciação preliminar das práticas da Gazprom, antes de apresentar os compromissos iniciais, os resultados da consulta do mercado e os compromissos finais. Em seguida, expôs a sua avaliação dos compromissos finais e as razões que a levaram a considerá‑los satisfatórios face às suas preocupações em matéria de concorrência.

1.      Quanto à apreciação preliminar das práticas em causa

15      Na secção 4 da decisão impugnada, onde se encontra exposta a apreciação preliminar, a Comissão definiu os mercados pertinentes como sendo os mercados nacionais de fornecimento grossista de gás a montante. A este respeito, também observou que a Gazprom detinha uma posição dominante nos mercados pertinentes dos PECO em causa.

16      A Comissão considerou que a Gazprom podia ter abusado da sua posição dominante, desrespeitando o artigo 102.o TFUE, pondo em prática uma estratégia anticoncorrencial destinada a impedir a livre circulação de gás nos PECO em causa e, ao proceder dessa forma, isolar os mercados pertinentes desses países. Considerou, em especial, que essa estratégia englobava três conjuntos de práticas anticoncorrenciais que correspondem, no essencial, às preocupações em matéria de concorrência identificadas na CO e expostas no n.o 7, supra.

17      Quanto às objeções Yamal, embora, no contexto da consulta do mercado, algumas das partes interessadas tenham posto em causa a inexistência de compromissos para pôr cobro a essas objeções, a Comissão explicou, no considerando 138 da decisão impugnada, que, após ter investigado um pouco mais, as suas preocupações prévias em matéria de concorrência não se tinham confirmado. Por um lado, indicou que, numa decisão de 19 de maio de 2015 que confirmava a Gaz‑System como gestora da rede independente (a seguir «GRI») do troço polaco do gasoduto Yamal (a seguir «decisão de certificação»), o Regulador polaco tinha chegado à conclusão, nomeadamente, de que a Gaz‑System exercia um controlo decisivo sobre as decisões em matéria de investimentos nesse troço, bem como sobre a sua execução. Por conseguinte, nem a System Gazociągów Tranzytowych EuRoPol Gaz S.A. (a seguir «EuRoPol»), enquanto proprietária do gasoduto, nem a Gazprom, enquanto acionista da EuRoPol, estavam em condições de bloquear essas decisões. Por outro lado, a Comissão sublinhou o caráter intergovernamental das relações entre as partes ativas no setor do gás na Polónia, em especial no que respeita à construção e gestão do troço polaco do gasoduto Yamal, e concluiu que essa circunstância podia, em larga medida, ter determinado o comportamento das partes em causa.

2.      Quanto ao conteúdo dos compromissos finais

18      Os compromissos finais, que foram juntos à decisão impugnada, deveriam dar resposta às preocupações da Comissão em matéria de concorrência.

19      No que toca, em primeiro lugar, aos compromissos destinados a responder às preocupações relativas às restrições territoriais (a seguir «compromissos relativos às restrições territoriais»), antes de mais, a Gazprom comprometeu‑se, no essencial, a suprimir dos contratos de fornecimento de gás celebrados com clientes estabelecidos nos PECO em causa todas as cláusulas que proibiam ou dificultavam, direta ou indiretamente, a livre circulação de gás na região constituída por esses países.

20      Em seguida, para permitir um fluxo de gás entre, por um lado, a Bulgária e os países bálticos e, por outro, os demais PECO em causa, apesar do isolamento infraestrutural dos primeiros, a Gazprom comprometeu‑se a tomar medidas para oferecer aos clientes afetados a possibilidade de pedirem que a totalidade ou parte dos respetivos volumes de gás contratados fornecidos em determinados pontos de entrega na Hungria, na Polónia e na Eslováquia sejam entregues noutro ponto de entrega na Bulgária ou nos países bálticos. Na sequência da consulta do mercado, a Gazprom, nos compromissos finais, reforçou a sua proposta relativa à alteração dos pontos de pontos de entrega.

21      Além disso, para permitir ao gestor da rede de transporte búlgara controlar os fluxos na Bulgária, a Gazprom comprometeu‑se, em particular, a adotar medidas para alterar os contratos pertinentes de fornecimento e transporte de gás a fim de permitir a celebração de contratos em sede de interconexão entre a Bulgária e outros Estados‑Membros, em especial a Grécia, bem como o ajustamento do método de repartição do gás.

22      Quanto, em segundo lugar, aos compromissos para responder às preocupações em matéria de preços (a seguir «compromissos relativos às práticas tarifárias»), a Gazprom comprometeu‑se a introduzir cláusulas de revisão de preços ou, eventualmente, a modificar as cláusulas existentes nos contratos com os clientes afetados na Bulgária, na Estónia, na Letónia, na Lituânia e na Polónia. Essas cláusulas novas ou modificadas de revisão dos preços previam, designadamente, que, caso as partes não chegassem a acordo sobre um novo preço no prazo de 120 dias, podiam submeter o diferendo a um tribunal arbitral, que deverá fundar‑se nas orientações de preços incluídas nessas cláusulas e ter sido instituído no interior da União Europeia. Além disso, os preços revistos aplicar‑se‑ão retroativamente a partir da data de notificação do pedido de revisão de preços.

23      Relativamente, em terceiro lugar, aos compromissos associados às preocupações em matéria de concorrência no que toca à subordinação do fornecimento de gás a um determinado preço à obtenção de garantias do grossista búlgaro no que respeita a investimentos no projeto do gasoduto South Stream, a Gazprom comprometeu‑se a permitir aos parceiros búlgaros implicados nesse projeto dele se retirarem sem a terem de indemnizar e sem recuperar os descontos sobre os preços do gás que lhes havia concedido em contrapartida da sua participação no referido projeto. Além disso, dada a anunciada renúncia ao troço búlgaro desse projeto de gasoduto, a Gazprom também se comprometeu a não pedir qualquer indemnização a título de compensação especifica por essa renúncia.

3.      Quanto à avaliação e aplicação dos compromissos finais

24      Na decisão impugnada, a Comissão concluiu, no essencial, que os compromissos finais eram eficazes e necessários, sem ser desproporcionados, para responder às suas preocupações em matéria de concorrência, ao indicar ter tido em atenção, a esse respeito, a evolução nos mercados de gás desde a notificação da CO. Em especial, sublinhou, em primeiro lugar, que a Gazprom já tinha tomado determinadas medidas para tornar o seu comportamento mais consentâneo com as regras do direito da concorrência; em segundo, que a situação em termos de infraestruturas de gás tinha melhorado em alguns dos PECO em causa, concretamente na República Checa, na Hungria, na Polónia e na Eslováquia, de forma a tornar possíveis fluxos transfronteiriços de gás, embora os mercados de gás nos países bálticos e na Bulgária continuem isolados dos outros mercados de gás da União; e, em terceiro, que, na sequência da queda do preço do petróleo, alguns preços a longo prazo do gás, resultantes de fórmulas que incluem uma indexação aos preços dos produtos petrolíferos, tinham igualmente baixado.

25      Em consequência, a Comissão decidiu, ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, tornar obrigatórios os compromissos finais. No que toca à sua duração, a decisão impugnada prevê serem aplicáveis durante um período de oito anos a contar da data da notificação da referida decisão à Gazprom, com exceção dos compromissos relativos ao projeto de gasoduto South Stream, evocados no n.o 23, supra, que são obrigatórios por um período de quinze anos a contar dessa data.

26      O dispositivo da decisão impugnada tem o seguinte teor:

«Artigo 1.o

Os compromissos constantes do anexo vinculam [a Gazprom], bem como qualquer entidade jurídica por ela direta ou indiretamente controlada, por um período de oito anos, exceto os compromissos identificados no n.o 21 do anexo que são vinculativos por um período de quinze anos, e isto a contar da data definida nos compromissos.

Artigo 2.o

Conclui‑se que, neste processo, deixa de haver lugar [à intervenção da Comissão] […]»

C.      Quanto à denúncia

27      Paralelamente ao procedimento administrativo desencadeado pela Comissão e que esteve na origem da decisão impugnada, a recorrente, em 9 de março de 2017 e ao abrigo do artigo 5.o do Regulamento n.o 773/2004, apresentou uma denúncia sobre alegadas práticas abusivas da Gazprom (a seguir «denúncia»). Essas práticas, que em grande parte coincidiam com as preocupações já expostas na CO, incluíam, designadamente, alegações de abusos da Gazprom relacionados com o troço polaco do gasoduto Yamal.

28      Em 29 de março de 2017, a Comissão acusou a receção da denúncia, que foi em seguida registada sob a referência «Processo AT.40497 — Preços polacos do gás» (a seguir «Processo AT.40497»).

29      Num ofício de 31 de março de 2017 enviado à recorrente, a Comissão sublinhou que as práticas expostas na denúncia e as objeto dos compromissos iniciais pareciam sobrepor‑se e convidou‑a a apresentar as suas observações sobre esses compromissos no âmbito da consulta do mercado lançada em 16 de março de 2017. Após ter obtido a prorrogação do prazo aplicável, a recorrente apresentou as suas observações em 19 de maio de 2017.

30      Em 15 de maio de 2017, a Gazprom transmitiu à Comissão as suas observações sobre a denúncia.

31      Por ofício enviado à recorrente em 23 de janeiro de 2018 (a seguir «ofício de intenção de rejeição»), a Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, indicou prever rejeitar a denúncia e convidou‑a a dar a conhecer o seu ponto de vista no prazo de quatro semanas a contar da receção desse ofício. A Comissão também procedeu ao envio de uma versão não confidencial da CO, bem como de uma versão não confidencial das observações da Gazprom sobre a denúncia, evocadas no n.o 30, supra.

32      Em 2 de março de 2018, a recorrente apresentou as suas observações relativas ao ofício de intenção de rejeição. Para além de exprimir a sua insatisfação no que respeita às conclusões constantes do referido ofício, a recorrente criticava a forma como a Comissão conduzira o inquérito e observava que esta tinha violado os seus direitos enquanto autora da denúncia no Processo AT.39816, em especial porque, malgrado inúmeras insistências, a Comissão não lhe permitido aceder à CO durante cerca de um ano, nem lhe permitira apresentar observações sobre essa comunicação.

33      Em 5 de setembro de 2018, ou seja, posteriormente à adoção da decisão impugnada, a recorrente enviou ao Auditor um pedido fundamentado, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, alínea b), da Decisão 2011/695, no qual solicitava lhe fosse autorizado o acesso a todos os documentos em que a Comissão baseava a sua apreciação provisória constante do ofício de intenção de rejeição, nomeadamente acesso a uma versão da CO com menos informações omissas. Em 17 de setembro de 2018, o Auditor remeteu à Direção‑geral (DG) «Concorrência» da Comissão os pedidos de acesso formulados nessa correspondência de 5 de setembro de 2018. Por ofício de 25 de setembro de 2018, a Comissão indeferiu os pedidos de acesso a documentos formulados pela recorrente nas suas cartas de 2 de março e de 5 de setembro de 2018.

34      Em 24 de janeiro de 2019, a recorrente enviou uma carta ao membro da Comissão responsável pela concorrência na qual convidava a Comissão, ao abrigo do artigo 265.o, segundo parágrafo, TFUE, a agir, ou rejeitando a denúncia, ou dando continuidade ao Processo AT.40497. Em 8 de fevereiro de 2019, a Comissão respondeu a essa carta recordando que a denúncia já tinha dado origem a diversas trocas de correspondência entre ambas. A Comissão também referiu, no que respeita ao Processo AT.39816, que tinha adotado a decisão impugnada, a qual, nomeadamente, tinha em atenção as observações apresentadas pela recorrente no âmbito da consulta do mercado, e, no que respeita ao Processo AT.40497, que tinha enviado o ofício de intenção de rejeição, a que a recorrente respondera, e que terminava a sua análise da denúncia.

35      Em 17 de abril de 2019, a Comissão adotou a Decisão C(2019) 3003 final, relativa à rejeição de uma denúncia (Processo AT.40497 — Preços polacos do gás).

36      Em 25 de junho de 2019, a recorrente interpôs recurso dessa decisão de rejeição da denúncia no Tribunal Geral, recurso esse que ficou registado sob o número de processo T‑399/19.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

37      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de outubro de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso. A contestação, a réplica e a tréplica foram apresentadas em, respetivamente, 9 de janeiro, 27 de fevereiro e 8 de maio de 2019.

38      Em requerimento separado apresentado com a petição, a recorrente pediu ao Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que o processo fosse julgado segundo tramitação acelerada. O Tribunal Geral, por decisão de 30 de novembro de 2018, indeferiu esse pedido.

39      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de fevereiro de 2019, a Gazprom pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão. Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral em, respetivamente, 25 de fevereiro, 27 de fevereiro e 28 de fevereiro de 2019, a Overgas Inc., a República da Lituânia e a República da Polónia pediram para intervir no presente processo em apoio da recorrente.

40      Por Decisão de 5 de abril de 2019, a presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral, ouvidas as partes principais, autorizou a intervenção da República da Polónia. Por Despachos de 17 de maio de 2019, ouvidas as partes principais, autorizou as intervenções da República da Lituânia, da Gazprom e da Overgas.

41      Os articulados de intervenção foram apresentados em 30 de agosto de 2019 pela República da Lituânia, em 6 de setembro de 2019 pela República da Polónia e pela Overgas e em 4 de outubro de 2019 pela Gazprom. A recorrente e a Comissão apresentaram as suas observações sobre os articulados de intervenção em 15 de novembro de 2019, tendo no entanto a Comissão renunciado a apresentar observações sobre o articulado de intervenção da Gazprom.

42      Em 4 de outubro de 2019, tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi afetado à Oitava Secção, secção essa a que o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

43      Por ofícios da Secretaria do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 2019, no âmbito das medidas de organização do processo, a recorrente foi convidada a apresentar diversos documentos e a Comissão a responder por escrito a uma questão relativa à confidencialidade de determinadas informações constantes da versão confidencial da CO.

44      Por despacho do mesmo dia, o Tribunal Geral ordenou à Comissão, ao abrigo, por um lado, do artigo 24.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e, por outro, do artigo 91.o, alínea b), e do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, e sem prejuízo da aplicação do artigo 103.o desse regulamento, que apresentasse uma cópia integral da versão confidencial da CO.

45      As partes cumpriram devidamente, dentro dos prazos fixados, as medidas de organização do processo adotadas em 17 de dezembro de 2019 e o despacho de diligências de instrução proferido no mesmo dia pelo Tribunal Geral.

46      Por ofícios da Secretaria do Tribunal Geral de 6 de maio de 2020, a recorrente e a Comissão foram convidadas a apresentar documentos e a responder por escrito a questões colocadas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo. Deram cumprimento a essas medidas no prazo fixado.

47      Por Decisão de 28 de maio de 2020, o presidente da Oitava Secção, dadas as circunstâncias especiais do presente processo, decidiu, ao abrigo do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, conjugado com o artigo 19.o, n.o 2, desse mesmo diploma, julgá‑lo com prioridade.

48      Em 8 de junho de 2020, mediante proposta da Oitava Secção, o Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remetê‑lo à Oitava Secção alargada. Tendo um membro dessa secção alargada ficado impedido de nela participar, o presidente do Tribunal Geral foi designado para completar a secção por Decisão de 15 de junho de 2020.

49      Mediante proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral do processo. Para efeitos dessa fase, a recorrente, a Comissão e a Overgas foram convidadas a apresentar alguns documentos e a responder por escrito às questões colocadas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo. Em cumprimento dessas medidas, a Overgas apresentou as suas observações em 26 de novembro de 2020, enquanto a recorrente e a Comissão apresentaram as respetivas observações e documentos em 8 de dezembro de 2020 (a seguir «respostas de 8 de dezembro de 2020»).

50      Além disso, no que respeita à cópia integral da versão confidencial da CO apresentada pela Comissão (v. n.os 43 e 45, supra), o Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 103.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, levar esse documento ao conhecimento dos representantes da recorrente, sob condição de estes previamente assumirem compromissos de confidencialidade, para que esta pudesse apresentar observações a esse respeito. Tendo esses representantes entregado os compromissos de confidencialidade assinados, foi‑lhes dado conhecimento do referido documento e a recorrente apresentou as suas observações em 8 de dezembro de 2020.

51      Por razões atinentes à crise sanitária decorrente da COVID‑19 e na sequência de pedidos formulados por algumas das partes, o presidente da Oitava Secção alargada decidiu adiar a audiência, inicialmente fixada para 20 e 21 de janeiro de 2021.

52      As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 18 e 19 de maio de 2021. Nessa ocasião, o Tribunal Geral também declarou ter tomado conhecimento das observações sobre o relatório para audiência apresentadas pela Comissão em 27 de abril de 2021.

53      No segundo dia de audiência, e no âmbito das questões colocadas pelo Tribunal Geral a propósito da admissibilidade do recurso, a Comissão reviu a sua posição relativamente a essa admissibilidade e sustentou que a recorrente não tinha feito prova do seu interesse em agir no presente processo, pelo que o recurso não seria admissível.

54      A recorrente apresentou pedidos de tratamento confidencial em relação à República da Lituânia, à República da Polónia, à Gazprom e à Overgas, no que respeita a determinadas informações incluídas em diversos atos processuais. Estas não formularam quaisquer objeções a esses pedidos.

55      A recorrente, apoiada pela República da Lituânia, a República da Polónia e a Overgas, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

56      A Comissão, apoiada pela Gazprom, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        declarar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, julgá‑lo improcedente;

—        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

57      Em apoio do seu recurso, a recorrente apresenta seis fundamentos, relativos, no essencial:

—        o primeiro, a uma violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, pois a Comissão teria cometido um erro manifesto de apreciação ao concluir que as objeções Yamal se revelaram infundadas e ao aceitar compromissos que de forma alguma respondiam a essas objeções;

—        o segundo, a uma violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, dado a Comissão ter aceitado os compromissos finais embora estes não respondessem adequadamente às objeções relativas às práticas tarifárias;

—        o terceiro, a uma violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, dado a Comissão ter aceitado os compromissos finais embora não fornecessem uma resposta adequada às objeções relativas às restrições territoriais;

—        o quarto, a uma violação do artigo 194.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 7.o TFUE, dado a decisão impugnada ser contrária aos objetivos da política energética da União e a Comissão não ter tido em conta os efeitos prejudiciais dessa decisão para o mercado Europeu do fornecimento de gás;

—        o quinto, a uma violação do artigo 18.o, n.o 1, TFUE e do princípio da igualdade de tratamento, pois a Comissão teria procedido a uma discriminação entre os clientes da Gazprom ativos nos Estados‑Membros da Europa Ocidental e os ativos nos PECO em causa;

—        o sexto, a um desvio de poder e a uma violação de formalidades essenciais, pois, com a decisão impugnada, a Comissão tinha desrespeitado o objetivo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, bem como os limites dos seus poderes na gestão do procedimento administrativo.

A.      Quantos aos pedidos de medidas de organização do processo

58      Nos seus articulados, a recorrente pediu que fosse ordenado à Comissão que, a título principal, apresentasse «os atos do processo AT.39816», «os atos do processo AT.40497», bem como, quando não se incluam em nenhuma dessas duas categorias, determinados documentos identificados com maior precisão. A título subsidiário, a Comissão devia apresentar estes últimos documentos, bem como uma versão não confidencial da CO que incluísse menos informações omissas do que a que já se encontra na posse da recorrente. Os documentos solicitados eram úteis pois o Tribunal Geral só lograria controlar a legalidade da decisão impugnada se tivesse em conta o contexto constituído pela totalidade dos elementos constantes dos processos AT.39816 e AT.40497.

59      A Comissão considera que, com exceção da CO, nenhum dos documentos ou das informações em causa é útil para efeitos do presente processo e alega que a recorrente não fundamenta suficientemente os seus pedidos.

60      A este propósito, cabe recordar que o autor de uma denúncia ou um terceiro admitido a intervir, na aceção dos artigos 5.o e 11.o do Regulamento n.o 773/2004, não dispõe de um direito de acesso ao processo como aquele, previsto no artigo 15.o desse regulamento, de que beneficiam os destinatários de uma comunicação de objeções, relativamente aos quais esse acesso tem designadamente por objeto permitir‑lhes tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de que se possam pronunciar de forma útil, com base nesses elementos, sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de objeções (v. designadamente, Acórdão de 14 de maio de 2020, NKT Verwaltung e NKT/Comissão, C‑607/18 P, não publicado, EU:C:2020:385, n.o 261 e jurisprudência referida). Em contrapartida, de acordo com o disposto no artigo 6.o do referido regulamento, o autor da denúncia tem o direito de receber uma cópia da versão não confidencial da comunicação de objeções respeitante a um processo a propósito do qual a Comissão tenha recebido uma denúncia.

61      Porém, essas regras não se aplicam aos processos judiciais no Tribunal Geral, já que estes se regem pelo artigo 24.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo seu Regulamento de Processo. Neste contexto, a apreciação da oportunidade de adoção de uma medida de organização do processo ou de uma medida de instrução é da competência do Tribunal e não das partes, podendo estas, eventualmente, contestar a escolha feita em primeira instância no âmbito de um recurso (Acórdão de 12 de maio de 2010, Comissão/Meierhofer, T‑560/08 P, EU:T:2010:192, n.o 61). Por conseguinte, o Tribunal Geral pode, ao abrigo do disposto no artigo 89.o do Regulamento de Processo, pedir às partes que apresentem todos os documentos e forneçam todas as informações que considere importantes. Para esse efeito, a recorrente pode pedir ao Tribunal Geral que ordene a apresentação de documentos na posse da recorrida, mas, para que este possa determinar se é útil à boa marcha do processo ordenar essa apresentação, a recorrente deve identificar os documentos solicitados e fornecer pelo menos um mínimo de elementos que justifiquem a utilidade dos referidos documentos para a instância (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.os 90 a 93).

62      No presente caso, a recorrente limita‑se, em larga medida, a formular pedidos que abrangem vastos conjuntos de documentos sem identificar com suficiente precisão os documentos cuja apresentação solicita e sem especificar as razões pelas quais os documentos solicitados podiam ser úteis para a instância, afirmando apenas que constituíam «o contexto» a que o Tribunal Geral devia atender na sua apreciação da legalidade da decisão impugnada.

63      Por conseguinte, e após ter examinado os pedidos formulados pela recorrente à luz dos fundamentos e argumentos invocados, o Tribunal Geral conclui que não há necessidade de, ao abrigo do artigo 89.o, n.o 3, alínea d), do Regulamento de Processo, adotar as medidas de organização do processo solicitadas. Assim sendo, importa sublinhar que, conforme observado nos n.os 43, 46 e 49, supra, o Tribunal Geral, para efeitos da apreciação dos fundamentos apresentados em apoio do recurso, adotou diversas medidas de organização do processo, entre as quais se incluem pedidos de apresentação de documentos.

64      No que se refere ao tratamento reservado à CO, e mais particularmente à versão confidencial desse documento, essa questão será examinada no âmbito da apreciação infra do sexto fundamento.

B.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, porquanto a Comissão terá cometido um erro manifesto de apreciação ao concluir que as objeções Yamal se revelaram infundadas e ao aceitar compromissos que de forma alguma respondiam a essas objeções

65      O primeiro fundamento é relativo à forma como a Comissão tratou as objeções Yamal. No essencial, este fundamento divide‑se em duas partes.

1.      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a erros da Comissão no que respeita ao abandono das objeções Yamal e à inexistência de compromissos que deem resposta a essas objeções

66      A recorrente, apoiada pela República da Polónia, critica a Comissão por esta ter abandonado as objeções iniciais relativas ao gasoduto Yamal e, a título de corolário, pela inexistência de compromissos em relação a essas objeções. Considera que a Comissão, contrariamente ao que no presente recurso defende, era obrigada a justificar essa maneira de proceder. Além disso, os dois fundamentos apresentados a este respeito no considerando 138 da decisão impugnada padecem de um erro manifesto de apreciação.

67      A Comissão considera que esta parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

a)      Quanto à acusação relativa à obrigação da Comissão de justificar a inexistência de compromissos capazes de dar resposta às objeções Yamal

68      A recorrente alega que a Comissão não respeitou as exigências definidas no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 no que se refere ao seu tratamento e, mais em especial, ao abandono das objeções Yamal.

69      Com efeito, a Comissão, na CO, expôs o comportamento da Gazprom que consistia em bloquear as decisões da EuRoPol necessárias à criação de fluxos bidirecionais, virtuais ou físicos, no troço polaco do gasoduto Yamal e considerou que esse comportamento constituía uma prática anticoncorrencial suficientemente demonstrada. Assim, atentas as exigências definidas no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão não podia, no entender da recorrente, aceitar compromissos que de modo algum pusessem termo às objeções Yamal. Na verdade, a Comissão tinha essencialmente modificado o âmbito das críticas feitas à Gazprom, sem adotar o procedimento previsto para o efeito e sem explicar as razões dessa modificação.

70      Além disso, a recorrente contesta a posição da Comissão que pretende dar primazia às preocupações em matéria de concorrência expostas na «apreciação preliminar» da decisão impugnada (secção 4) sobre as constantes da CO. De acordo com o n.o 123 da Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o do TFUE (JO 2011, C 308, p. 6, a seguir «boas práticas»), quando uma comunicação de objeções tenha sido notificada à empresa em causa, essa comunicação «cumpre os requisitos de uma apreciação preliminar». Ora, nada indica que, no presente caso, a Comissão, após ter notificado a CO, tenha notificado uma nova apreciação preliminar, sem as objeções Yamal. Por conseguinte, nunca tinha formalmente modificado o âmbito da sua CO.

71      Quanto a este aspeto, a recorrente entende que a Comissão não pode abstrair das fases do procedimento administrativo que precederam a adoção da decisão impugnada, nomeadamente, em especial, a notificação da CO. Com efeito, um tal comportamento dificultaria a fiscalização do órgão jurisdicional da União, que deve verificar a correção, completude e fiabilidade dos factos que estiveram na origem de uma decisão da Comissão e não pode ser impedido de utilizar uma comunicação de objeções para proceder à interpretação dessa decisão. A abordagem defendida pela Comissão equivalia a atribui‑lhe um poder arbitrário no que respeita à aprovação de compromissos, dado que estaria em condições de «alinhar» o conteúdo de uma apreciação preliminar pelos compromissos que uma empresa estava pronta a assumir.

72      Por seu lado, a Comissão recorda que o seu papel, no âmbito da aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, é o de examinar os compromissos propostos pela empresa em causa na perspetiva das preocupações em matéria de concorrência de que deu conhecimento a essa empresa através de uma «apreciação preliminar». A Comissão distingue as preocupações constantes da CO das expostas na apreciação preliminar da decisão impugnada, pois estas já não incluem as objeções Yamal. Assim, a partir do momento em que essas objeções foram abandonadas, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro, proceder ao exame dos compromissos, mesmo que estes não pusessem termo às referidas objeções.

73      Além disso, a Comissão, para além de considerar que a recorrente interpreta erradamente o Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392), e atribui à CO um valor que excede a natureza processual e preparatória normalmente reconhecida a esse tipo de documento, sublinha que, contrariamente às decisões adotadas ao abrigo do artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003, a decisão impugnada no presente caso, adotada ao abrigo do artigo 9.o desse regulamento, não era vinculativa no que respeita à existência de uma infração. Assim, havia que rejeitar o postulado de uma fiscalização jurisdicional para apreciar a regularidade da decisão impugnada, que compreendia uma avaliação de natureza preliminar, à luz das preocupações expostas na CO, que tinha caráter provisório.

74      Ainda relativamente ao alegado caráter arbitrário da sua abordagem, a Comissão sublinha que não tinha de fundamentar o abandono das objeções Yamal, quer à luz da jurisprudência relativa ao direito de ser ouvido quer do dever de fundamentação inerente às decisões adotadas ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003. Assim sendo, a Comissão, uma vez que as partes interessadas a tinham interpelado a propósito da inexistência de compromissos relativamente ao gasoduto Yamal, incluiu, de acordo com os princípios da boa administração e da transparência, as razões pelas quais as suas preocupações preliminares não tinham sido confirmadas.

75      Recorde‑se que, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, quando a Comissão tencione aprovar uma decisão que exija a cessação de uma infração e as empresas em causa assumirem compromissos suscetíveis de dar resposta às objeções expressas pela Comissão na sua apreciação preliminar, esta pode, mediante decisão, tornar estes compromissos obrigatórios para as empresas.

76      A este propósito, o mecanismo introduzido pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 destina‑se a assegurar uma aplicação eficaz das regras de concorrência, proporcionando uma solução mais rápida às preocupações de concorrência que a Comissão identificou, em vez de agir por via da declaração formal de uma infração. Essa disposição inspira‑se em considerações de economia processual e permite às empresas participar plenamente no procedimento, propondo soluções que lhes pareçam as mais apropriadas e adequadas para responder às referidas preocupações (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, a seguir «Acórdão Alrosa», EU:C:2010:377, n.o 35, e de 15 de setembro de 2016, Morningstar/Comissão, T‑76/14, a seguir «Acórdão Morningstar», EU:T:2016:481, n.o 39).

77      Além disso, embora o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 não se refira expressamente ao conceito de proporcionalidade, contrariamente ao artigo 7.o desse regulamento, que se refere às decisões que verificam uma infração, não é menos verdade que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral do direito da União, é um critério para apreciação da legalidade de qualquer ato das instituições da União. Assim sendo, as características específicas dos mecanismos previstos nos artigos 7.o e 9.o desse regulamento e os meios de ação previstos por força de cada uma destas disposições são diferentes, nomeadamente porque o objetivo do primeiro é pôr termo a uma infração enquanto o do segundo é responder às preocupações da Comissão resultantes da sua apreciação preliminar. Por conseguinte, a obrigação de assegurar o respeito do princípio da proporcionalidade, que incumbe à Comissão, tem um âmbito e um conteúdo diferentes consoante seja considerada no quadro de um destes artigos ou do outro (v., neste sentido, Acórdão Alrosa, n.os 36 a 38 e 46, e Acórdão Morningstar, n.os 43 e 44).

78      Assim, num caso de aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, a apreciação preliminar evocada nessa disposição destina‑se às empresas objeto do inquérito da Comissão e deve permitir‑lhes apreciar a oportunidade de propor compromissos apropriados. Quanto à Comissão, está dispensada da obrigação de qualificar e de verificar a existência de uma infração, limitando‑se a proceder ao exame e à eventual aceitação dos compromissos propostos, à luz das preocupações em matéria de concorrência que identificou nessa apreciação e dos objetivos por ela prosseguidos. Nesse contexto, a aplicação do princípio da proporcionalidade está limitada à verificação, por um lado, de que os compromissos em questão respondem a essas preocupações e, por outro, de que as referidas empresas não propuseram compromissos menos gravosos que respondessem de forma igualmente adequada às mencionadas preocupações. Ao efetuar essa verificação, a Comissão deve ter em consideração as circunstâncias do caso em apreço, isto é, em especial, os interesses de terceiros e a dimensão das preocupações identificadas (v., neste sentido, Acórdão Alrosa, n.os 40 e 41; Acórdão de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão, C‑132/19 P, EU:C:2020:1007, n.o 105, e Acórdão Morningstar, n.o 45).

79      No presente caso, importa, antes de mais, declarar que, não obstante o que a Comissão possa ter deixado entender, a CO desempenhou o papel de apreciação preliminar na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conforme manifestamente resulta da decisão impugnada e também corresponde à hipótese contemplada no n.o 123 das boas práticas.

80      Daqui se conclui que a Comissão não pode sustentar que a exposição apresentada sob a epígrafe «Apreciação preliminar» (secção 4) na decisão impugnada, decisão essa que foi adotada no termo do procedimento administrativo e que lhe pôs termo, deve constituir o ponto de referência à luz do qual deve ser apreciada a adequação de compromissos apresentados antes da adoção dessa decisão. Do mesmo modo, a Comissão não identifica mais nenhum documento, produzido entre a notificação da CO e a adoção da decisão impugnada, em que tenha informado a Gazprom de uma apreciação preliminar revista, em especial no que respeita às objeções Yamal, antes de essa empresa ter apresentado propostas informais de compromissos em 2015 e 2016, e em seguida os compromissos iniciais em fevereiro de 2017.

81      À luz desta conclusão relativa à CO, importa reconhecer que as exigências associadas ao respeito do princípio da proporcionalidade não podem implicar a obrigatoriedade de todas as preocupações em matéria de concorrência constantes de uma apreciação preliminar, mesmo quando essa apreciação assuma a forma de comunicação de objeções, obterem resposta nos compromissos propostos pelas empresas em causa, conforme a recorrente reconheceu para outras situações no que respeita às objeções Yamal no presente caso.

82      Com efeito, interpretar de outra forma o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 e o princípio da proporcionalidade poderia fixar a apreciação preliminar da Comissão, por natureza provisória, e pôr termo, em determinadas circunstâncias, ao procedimento de compromisso. De igual modo, resulta da jurisprudência que a comunicação de objeções é um documento de caráter processual e preparatório que circunscreve o objeto do procedimento administrativo iniciado pela Comissão, devendo esta ter em conta os elementos resultantes do procedimento administrativo para, designadamente, desistir de acusações infundadas (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 63 e jurisprudência referida, e de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europa/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 66 e jurisprudência referida).

83      É também verdade que, nas condições do presente caso e, em especial, não existindo uma apreciação preliminar revista, o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 obrigava a Comissão, contrariamente ao que esta sustenta, a ter motivos capazes de justificar a inexistência de compromissos suscetíveis de responder às objeções Yamal. De igual modo, na medida em que a Comissão sustenta que o seu erro não pode conduzir à anulação, ainda que parcial, da decisão impugnada, o Tribunal Geral entende que esse erro faz efetivamente parte do dispositivo dessa decisão, pois, embora essas objeções não sejam alvo do artigo 1.o, tornado obrigatórios os compromissos finais, estão abrangidos pelo artigo 2.o que afirma não haver mais lugar a intervenção no Processo AT.39816.

84      Quanto ao mais, esta obrigação de justificar a inexistência de compromissos não podia ir ao ponto de se esperar que a Comissão demonstrasse a impossibilidade de verificar uma infração. Uma tal abordagem não era compatível com a natureza de um procedimento de compromisso, uma vez que, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, interpretado à luz do considerando 13 desse regulamento, uma decisão relativa a compromissos não demonstra se houve ou se continua a haver uma infração e não prejudica a possibilidade que as autoridades da concorrência e os órgãos jurisdicionais têm de proceder a essas verificações (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de novembro de 2017, Gasorba e o., C‑547/16, EU:C:2017:891, n.os 26 e 30, e de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão, C‑132/19 P, EU:C:2020:1007, n.o 108).

85      No presente caso, de todo o modo, importa declarar que a Comissão apresentou as razões pelas quais não impôs compromissos que respondessem às objeções Yamal, as quais assumem a forma de dois fundamentos constantes do considerando 138 da decisão impugnada. O primeiro fundamento é relativo à decisão de certificação e o segundo está relacionado com o caráter intergovernamental das relações no setor do gás na Polónia (conforme exposto no n.o 17, supra).

b)      Quanto às acusações relativas à procedência dos dois fundamentos constantes do considerando 138 da decisão impugnada

86      No contexto de uma primeira acusação, a recorrente, apoiada pela República da Polónia, sustenta que a Comissão invocou erradamente a decisão de certificação para concluir que as objeções Yamal não obrigavam a compromissos da Gazprom.

87      Em primeiro lugar, a recorrente considera que a adoção da decisão de certificação pelo Regulador polaco não constitui uma circunstância capaz de justificar a evolução da apreciação da Comissão em relação às objeções Yamal entre a notificação da CO, em 22 de abril de 2015, e a apresentação dos compromissos iniciais, em 14 de fevereiro de 2017, que não respondiam a essas objeções. Na verdade, apesar da adoção, em 19 de maio de 2015, dessa decisão pelo referido Regulador, a Comissão viu‑se confrontada com um conjunto de circunstâncias fundamentalmente inalteradas entre o momento em que formulou as suas preocupações na CO e o momento, algumas semanas após a notificação dessa CO, da adoção da referida decisão, ou seja, até ao termo do Processo AT.39816.

88      Em segundo lugar, a Comissão estava particularmente ciente das questões relacionadas com a influência da Gazprom no troço polaco do gasoduto Yamal, dada precisamente a sua intervenção no processo de certificação da Gaz‑System. Assim, nos dois pareceres que enviara ao Regulador polaco, datados de 9 de setembro de 2014 e de 19 de março de 2015, relativos a projetos de decisão similares à decisão de certificação, a Comissão tinha examinado as condições da gestão, pela Gaz‑System, desse troço e tinha expressamente recomendado que a exploração das estações de compressão e medição situadas no referido troço fosse transferida para esta, a fim de evitar uma distorção da concorrência em benefício da Gazprom.

89      Nesse contexto, a apreciação da Comissão que acabou por ser acolhida na decisão impugnada era surpreendente, dado que a transferência da exploração das estações de compressão e medição acabou por não se realizar, apesar do prazo de 24 meses definido na decisão de certificação e que expirava em maio de 2017. Era irrelevante que essa transferência mais não fosse do que uma «recomendação», pois o importante era que o bloqueamento fosse imputável à Gazprom e que a Comissão disso tivesse sido informada, no quadro da consulta do mercado, pelo Governo polaco, pelo presidente do Regulador polaco, pela Gaz‑System e pela recorrente.

90      Em terceiro lugar, a Comissão também não teve em conta as ameaças de suspensão do fornecimento de gás em caso de execução da transferência de exploração, situação de que a recorrente a tinha informado na denúncia. Por conseguinte, a realidade dessas ameaças tinha ficado demonstrada pelo facto de a Gazprom ter injetado no gasoduto Yamal gás de uma qualidade não adequada à rede de gás polaca pouco tempo após o termo do prazo de 24 meses em que essa transferência devia ter ocorrido, bem como à luz de um ofício que o ministro da energia russo enviou ao seu homólogo polaco em 30 de agosto de 2016, em que aquele ameaçara suspender o fornecimento de gás pela Gazprom se esta fosse obrigada a proceder à referida transferência.

91      Relativamente a esse ofício, o ministro da energia russo recordou aí que o fornecimento de gás à Polónia dependia de o Governo da República da Polónia respeitar as suas obrigações decorrentes de uma série de acordos intergovernamentais entre a República da Polónia e a Federação Russa, relativos, nomeadamente, ao volume de gás a fornecer à Polónia, bem como à construção e gestão do gasoduto Yamal (a seguir «acordos Polónia‑Rússia»), isto é, em concreto, obrigações por força das quais a exploração das estações de compressão e medição devia permanecer nas mãos da EuRoPol. Ora, a recorrente sublinha que, de acordo com a regulamentação da União em matéria de gás, essa exploração cabia à Gaz‑System para assegurar a sua independência, e a própria Comissão tinha considerado, no seu parecer de 19 de março de 2015, que se tratava de uma das funções centrais dos poderes de gestão dos GRI.

92      A Comissão considera que essa acusação deve ser julgada improcedente.

93      A este propósito, recorde‑se que a Comissão goza de uma margem de apreciação no âmbito da aceitação de compromissos ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, pois é chamada a efetuar uma análise que implica a tomada em consideração de numerosos fatores económicos, como uma análise prospetiva destinada a avaliar a adequação dos compromissos oferecidos pela empresa em causa, e que o Tribunal Geral deve ter em conta no exercício da sua fiscalização. Assim, essa fiscalização centra‑se exclusivamente na questão de saber se a apreciação efetuada pela Comissão está manifestamente errada e o juiz da União não pode substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação, apresentando a sua própria avaliação de situações económicas complexas, salvo imiscuindo‑se na margem de apreciação desta, em vez de fiscalizar a legalidade da apreciação em causa (v., neste sentido, Acórdão Alrosa, n.os 42, 60 e 67, e Acórdão Morningstar, n.o 41).

94      No presente caso, há que sublinhar que as objeções Yamal são examinadas principalmente nas secções 13 e 15.9 da CO. Daqui resulta que as preocupações da Comissão estão centradas nos alegados comportamentos da Gazprom destinados a manter ou reforçar o seu controlo dos investimentos no troço polaco do gasoduto Yamal, designadamente na medida em que essa empresa tinha procurado dispor de importantes poderes de decisão no seio da EuRoPol e manter nesta entidade, mais do que na GRI responsável por este troço, ou seja, a Gaz‑System, as competências em matéria de investimentos no referido troço. Foi neste contexto que a Comissão examinou o contrato de gestão celebrado em 2010 entre a EuRoPol e a Gaz‑System, os novos estatutos da EuRoPol adotados em 2011 e [confidencial] (1).

95      Mais especialmente, conforme designadamente resulta da secção 15.9.2 da CO, o objetivo dos comportamentos alegadamente abusivos da Gazprom com vista a manter o controlo dos investimentos no troço polaco do gasoduto Yamal era o de impedir a expansão das infraestruturas capazes de permitir a diversificação das fontes e dos fornecedores de gás (ou seja, os concorrentes da Gazprom). Em especial, a Gazprom tinha logrado atrasar a criação de fluxos inversos virtuais e físicos nesse troço e, assim, impedido essa diversificação. Por conseguinte, a Comissão tinha provisoriamente concluído que, por meio da obtenção de poderes sobre os investimentos, a Gazprom tinha, pelo menos potencialmente, procedido a uma exploração abusiva ao impedir o acesso de concorrentes ao referido troço, em violação do artigo 102.o, alínea d), TFUE.

96      Em seguida, a Comissão acabou porém por aceitar tornar obrigatórios os compromissos finais, que não incluem qualquer medida suscetível de responder às objeções Yamal. Na decisão impugnada, após ter sublinhado, no considerando 137, que algumas das partes interessadas, no âmbito da consulta do mercado, tinham ficado admiradas por essa falta de medidas, a Comissão explicou, no considerando 138 dessa decisão, que as suas preocupações prévias em matéria de concorrência não se confirmaram, o que terá acontecido pelos dois motivos expostos nesse considerando.

97      No que toca ao primeiro motivo, referente à decisão de certificação, a Comissão observou, em especial, que, através da decisão de certificação, o Regulador polaco tinha chegado à conclusão, nomeadamente, que a Gaz‑System exercia um controlo decisivo das decisões em matéria de investimentos no troço polaco do gasoduto Yamal, bem como em relação à sua execução. Por conseguinte, nem a EuRoPol, enquanto proprietária do gasoduto, nem a Gazprom, enquanto acionista da EuRoPol, estavam em condições de bloquear essas decisões.

98      A este propósito, em primeiro lugar, sublinhe‑se que a decisão de certificação, conforme corretamente sustenta a Comissão, inclui, quando se procede a uma análise detalhada das circunstâncias pertinentes, nomeadamente do contrato de gestão de 25 de outubro de 2010 e dos estatutos da EuRoPol, diversas conclusões a respeito do controlo da Gaz‑System dos investimento no troço polaco do gasoduto Yamal. Com base nessas conclusões, o presidente do Regulador polaco atribuiu, em definitivo, um certificado de independência à Gaz‑System, em que declarava que essa empresa cumpria os requisitos associados à função de GRI, designadamente em termos de controlo dos investimentos.

99      Decerto, a recorrente e a República da Polónia alegam diversas circunstâncias suscetíveis de implicar que a Gaz‑System pudesse ser desencorajada de tomar certas decisões em matéria de investimentos no referido troço ou ficar exposta a custos importantes relacionados com procedimentos administrativos ou judiciais desencadeados sobretudo pela EuRoPol. Ao proceder desse modo, põem em causa a apreciação que a Comissão faz da decisão de certificação.

100    Porém, a recorrente e a República da Polónia não contestam a própria validade da decisão de certificação adotada pelo Regulador polaco e não evocaram erros que este tivesse cometido e que estariam relacionados com determinadas conclusões constantes dessa decisão, nem indicaram as conclusões que, em sua opinião, eram incorretas. Neste contexto, e dado o papel atribuído às autoridades reguladoras nacionais dos Estados‑Membros no âmbito da regulamentação da União relativa ao setor do gás, nomeadamente pela Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94, a seguir «diretiva sobre o gás»), era razoável que a Comissão pudesse atender às conclusões dessa autoridade e, no presente caso, basear‑se na referida decisão, em que o Regulador polaco concluiu que a Gaz‑System controlava os investimentos no troço polaco do gasoduto Yamal e certificou esse operador como GRI.

101    Em segundo lugar, os argumentos aduzidos pela recorrente e pela República da Polónia no que respeita à decisão de certificação focam‑se sobretudo na existência e natureza da recomendação, incluída nessa decisão, relativa à transferência da exploração das estações de compressão e medição, bem como na alegada inobservância dessa recomendação. Ora, nem da referida decisão nem dos argumentos aduzidos pela recorrente e pela República da Polónia resulta que o controlo dos investimentos no troço polaco do gasoduto Yamal pela Gaz‑System dependia da observância da referida recomendação.

102    A este respeito, importa sublinhar que a exploração quotidiana das estações de compressão e medição não se confunde com a questão dos fluxos de gás no troço polaco do gasoduto Yamal. Interrogada sobre a questão de saber se a Gaz‑System tinha o controlo efetivo dos fluxos de gás nesse troço, a recorrente confirmou ser esse o caso. Assim, a inobservância da recomendação relativa a essa exploração não pode implicar um eventual controlo desses fluxos pela Gazprom, através da EuRoPol, passível de desencadear dúvidas sobre a pertinência do controlo dos investimentos nesse troço pela Gaz‑System e, consequentemente, sobre as possibilidades de diversificação das fontes de gás.

103    Nestas condições, os argumentos relativos à inobservância da recomendação relativa à transferência da exploração, bem como ao alegado comportamento obstrutivo da Gazprom, através da EuRoPol, no que respeita ao cumprimento dessa recomendação não são suscetíveis de pôr em causa a apreciação da Comissão relativa ao controlo dos investimentos pela Gaz‑System.

104    Do mesmo modo, a argumentação da recorrente a propósito dos dois pareceres enviados pela Comissão ao Regulador polaco, no quadro do processo de certificação da Gaz‑System como GRI, não pode pôr em causa a apreciação que essa instituição fez do motivo em causa. Com efeito, cabe sublinhar que, nos diversos considerandos da decisão de certificação que acabou por ser adotada, o Regulador polaco respondeu às observações que a Comissão formulou nesses pareceres.

105    Além disso, embora seja verdade que a Comissão, nesses seus dois pareceres, formulou observações sobre a necessidade de transferir a exploração quotidiana das estações de compressão e medição e considerou que essa exploração constituía uma das «principais funções» de um gestor de rede, essas observações não diziam respeito à planificação e controlo dos investimentos, antes se guiando sobretudo por considerações relativas a outras exigências que decorrem da diretiva sobre o gás, designadamente associadas ao risco de a EuRoPol aceder a informações confidenciais sobre outros operadores. Ora, esse risco não correspondia às preocupações manifestadas pela Comissão nas objeções Yamal.

106    Além disso, há que observar que o serviço da Comissão que elaborou os dois pareceres examinou os projetos de decisão do Regulador polaco à luz da regulamentação da União relativa ao setor do gás, enquanto a DG «Concorrência» analisou os factos pertinentes no contexto de um processo relativo à aplicação do artigo 102.o TFUE. Por conseguinte, embora as reservas eventualmente manifestadas nos referidos pareceres pudessem, pelo menos algumas, ser de interesse para essa Direção‑geral, não podiam determinar a sua análise no plano do direito da concorrência e, em especial, no que respeita à manutenção das objeções Yamal e à eventual necessidade de um compromisso a esse respeito. A este propósito, embora seja verdade que a própria Comissão, no n.o 1016 da CO, notou uma aparente contradição entre o teor do contrato de gestão de 25 de outubro de 2010 e as regras previstas na diretiva sobre o gás, o presidente do Regulador polaco observou, na decisão de certificação, que o plano de desenvolvimento da rede preparado pela EuRoPol se referia sobretudo a questões de renovação e que, de todo o modo, isso não limitava os poderes da Gaz‑System em matéria de investimentos, designadamente no que toca à preparação do plano decenal de desenvolvimento previsto nessa diretiva.

107    Em terceiro lugar, a recorrente não pode ser acompanhada quando sustenta que, não se tendo verificado nenhuma evolução de qualquer circunstância pertinente, a Comissão tinha, erradamente, modificado a sua apreciação relativa às objeções Yamal entre abril de 2015, data em que comunicou a CO à Gazprom, e maio de 2018, data em que adotou a decisão impugnada. Com efeito, a adoção da decisão de certificação constituía uma tal circunstância pertinente. Além disso, essa adoção inseria‑se num contexto em que se realizaram investimentos significativos no troço polaco do gasoduto Yamal ou relacionados com esse troço, investimentos esses que deviam precisamente permitir diversificar as fontes de abastecimento em gás. Assim, o presidente do Regulador polaco tinha declarado, nessa decisão, que os investimentos relativos à criação de fluxos inversos físicos no troço polaco do gasoduto Yamal tinham sido realizados. Quanto a este aspeto, a Comissão já havia sublinhado, a título preliminar, que os métodos dilatórios da Gazprom tinham sido postos em prática entre 2009 e 2013 e que a Gaz‑System tinha logrado proceder a diversos investimentos para possibilitar esses fluxos inversos a partir de 2014 (v. n.os 734 e 1033 da CO).

108    Consequentemente, à luz da obrigação enunciada no n.o 83, supra, e das considerações que precedem relativas às conclusões apresentadas na decisão de certificação e aos investimentos realizados no troço polaco do gasoduto Yamal, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, aceitar, pelo motivo fundado nessa decisão de certificação, os compromissos finais, embora não incluam qualquer medida que responda às objeções Yamal. Por conseguinte, a presente objeção deve ser julgada improcedente.

109    Nestas condições, e dado ser certo que as duas razões aduzidas pela Comissão no considerando 138 da decisão impugnada são autónomas, não é necessário examinar a procedência da segunda acusação da primeira parte do primeiro fundamento, em que é contestado o motivo fundado nos acordos Polónia‑Rússia e na aplicação da exceção dita da atuação dos Estados (a seguir «exceção da ação estatal»). Com efeito, mesmo admitindo que essa segunda crítica seja procedente, não era passível de acarretar a anulação da decisão impugnada dado encerrar o Processo AT.39816, pelo que deve ser rejeitada por ser irrelevante.

110    Atento o conjunto das considerações anteriores, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

2.      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação dos princípios da boa administração, da transparência e da cooperação leal

111    Em apoio de argumentos da recorrente relacionados com a extensão da fiscalização jurisdicional no que toca ao abandono das objeções no decurso de um procedimento de compromissos, a República da Polónia aduziu uma argumentação relativa à violação dos princípios da boa administração, da transparência e da cooperação leal.

112    A Comissão, que, no essencial, alega que esta argumentação constitui um fundamento novo, considera ainda que a segunda parte deve ser julgada improcedente.

113    A este propósito, relativamente à admissibilidade dos argumentos aduzidos pela República da Polónia, importa declarar que podem constituir um fundamento distinto do primeiro tal como foi apresentado na petição e baseado numa violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 e do princípio da proporcionalidade.

114    Todavia, esses argumentos inserem‑se no contexto da contestação formulada pela recorrente no que respeita à inexistência de compromissos capazes de responder às objeções Yamal, pelo que não alteram o objeto do litígio, conforme circunscrito pelos pedidos e fundamentos das partes principais. Por conseguinte, os referidos argumentos são admissíveis ao abrigo do artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do referido estatuto, e do artigo 142.o, n.o 1, do Regulamento de Processo deste, conforme interpretados pela jurisprudência (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de novembro de 2016, DTS Distribuidora de Televisión Digital/Comissão, C‑449/14 P, EU:C:2016:848, n.o 114 e jurisprudência referida; de 20 de setembro de 2019, Port autonome du Centre et de l'Ouest e o./Comissão, T‑673/17, não publicado, EU:T:2019:643, n.os 44 e 45; e Despacho de 15 de novembro de 2019, Front Polisario/Conselho, T‑279/19, não publicado, EU:T:2019:808, n.o 41).

a)      Quanto à violação dos princípios da boa administração e da transparência

115    A República da Polónia, sem contestar o direito da Comissão de desistir de algumas críticas expostas inicialmente numa comunicação de objeções, sustenta que esta não observou os princípios da boa administração e da transparência, tendo violado o artigo 1.o e o artigo 10.o, n.o 3, TUE e o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Com efeito, esses princípios implicavam, em especial, a obrigação de a administração fundamentar as suas decisões. Ora, não é possível considerar que as conclusões de caráter geral constantes dos considerandos 137 e 138 da decisão impugnada constituem fundamento bastante, e essa insuficiência era tanto mais indesculpável quanto a Comissão, durante anos, tinha dado a conhecer às autoridades polacas as suas inquietações relativas à gestão do troço polaco do gasoduto Yamal.

116    Além disso, o considerando 138 da decisão impugnada era enganador, pois deixava a impressão de que a decisão de certificação, mais do que uma aplicação ao presente caso da exceção da ação estatal, constituía a principal razão para o abandono das objeções Yamal. Quanto a este aspeto, os acordos Polónia‑Rússia eram evocados em termos gerais que não deixavam perceber que a Comissão invocava essa exceção, o que só se tinha tornado percetível no âmbito do presente recurso. Ademais, a Comissão não se tinha explicado quanto às medidas de direito russo que alegadamente guiavam o comportamento da Gazprom e quanto à possibilidade de invocar a referida exceção, atenta a jurisprudência e a efetividade do direito da concorrência, quando as limitações estatais tinham origem num Estado terceiro.

117    A Comissão contesta esta argumentação.

118    A este propósito, importa recordar que entre as garantias conferidas pelo direito da União nos procedimentos administrativos figura nomeadamente o princípio da boa administração, consagrado pelo artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a que está ligada a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto (v. Acórdão de 27 de setembro de 2012, Applied Microengineering/Comissão, T‑387/09, EU:T:2012:501, n.o 76 e jurisprudência referida).

119    No presente caso, a República da Polónia, embora seja manifesto que contesta a apreciação da Comissão relativa ao abandono das objeções Yamal, não refere quais foram os elementos pertinentes do presente caso que não foram examinados com cuidado e imparcialidade por essa instituição, tanto mais que não alega uma violação específica das normas processuais previstas nos Regulamentos n.os 1/2003 e 773/2004. Similarmente, a República da Polónia não explica de que forma a Comissão violou o princípio da transparência, conforme consagrado nesses regulamentos.

120    Por outro lado, na medida em que a República da Polónia e, no essencial, a recorrente contestam o caráter bastante da fundamentação constante do considerando 138 da decisão impugnada, essa acusação também deve ser julgada improcedente.

121    Com efeito, recorde‑se que o dever de fundamentação deve aplicar‑se, em princípio, a qualquer ato da União que produza efeitos jurídicos. A fundamentação deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir, por um lado, aos interessados conhecerem as razões da decisão tomada a fim de defenderem os seus direitos e, por outro, ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade dessa decisão (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.o 94 e jurisprudência referida). A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas com legitimidade para agir podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s França, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63 e jurisprudência referida).

122    No presente caso, a Comissão, no considerando 138 da decisão impugnada, expôs os dois motivos que justificam a inexistência de compromissos que respondam às objeções Yamal. No que se refere ao primeiro motivo, baseado na decisão de certificação, afigura‑se, à luz do tratamento dado à acusação relativa a esse motivo (v. n.os 86 a 110, supra), que a recorrente e a República da Polónia, que estavam em especiais condições de ser informadas sobre a situação no setor polaco do gás e sobre as atividades do Regulador polaco, estavam em condições de conhecer as justificações relacionadas com o referido motivo, a fim de defender os seus direitos, e que o Tribunal Geral pôde fiscalizar a legalidade da decisão impugnada, em especial no que respeita ao seu considerando 138. Por conseguinte, a Comissão observou o dever de fundamentação a este respeito.

123    Quanto ao segundo motivo, relacionado com o caráter intergovernamental das relações entre partes no setor do gás na Polónia, sobre que incidem em especial as críticas da recorrente e da República da Polónia, estas consideram, no essencial, que a Comissão não fundamentou suficientemente a sua posição porquanto invoca fundamentalmente uma possível aplicação da exceção da ação estatal devido ao impacto, no comportamento da Gazprom, dos acordos Polónia‑Rússia e da regulamentação russa, bem como a conduta do Governo da Federação Russa.

124    A este respeito, conforme se expôs nos n.os 108 e 109, supra, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não tinha cometido qualquer erro manifesto de apreciação ao aceitar, pelo motivo baseado na decisão de certificação, os compromissos finais embora não incluíssem qualquer medida destinada a responder às objeções Yamal e que, por essa razão, e dado o caráter autónomo de cada um dos dois motivos constantes do considerando 138 da decisão impugnada, não havia que examinar a justeza da crítica da recorrente relativa ao segundo motivo. Daqui decorre que os argumentos da recorrente e da República da Polónia quanto à insuficiência da fundamentação relativa a este segundo motivo também são inoperantes.

125    Por último, como a República da Polónia pretende, na verdade, contestar a apreciação da Comissão no que respeita ao abandono das objeções Yamal, basta sublinhar que essa acusação já foi afastada no contexto da apreciação da primeira parte do primeiro fundamento.

126    Assim, os argumentos relativos à violação dos princípios da boa administração e da transparência devem ser julgados improcedentes.

b)      Quanto à violação do princípio da cooperação leal

127    Segundo a República da Polónia e a recorrente, a decisão impugnada implica uma violação do princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Com efeito, ao concluir que as objeções Yamal «não [tinham] sido confirmadas», a Comissão tinha de facto concluído que não houve violação do artigo 102.o TFUE a esse respeito e adotou uma decisão que excedia o permitido pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003. Ao proceder desse modo, decidiu uma questão não incluída nos compromissos finais e que podia ter sido apreciada, eventualmente de forma diferente, pelas autoridades nacionais da concorrência ou pelos órgãos jurisdicionais nacionais. De facto, a Comissão tinha‑os impedido de atuar em relação às práticas a que as referidas objeções se referiam, embora desempenhassem uma função essencial na aplicação das regras da concorrência da União.

128    Ora, essa violação era tanto mais lamentável quanto as autoridades nacionais da concorrência e os órgãos jurisdicionais nacionais não podiam atuar enquanto o Processo AT.39816 estivesse a decorrer. Com efeito, por força, respetivamente, do artigo 11.o, n.o 6, e do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, essas autoridades e esses órgãos jurisdicionais já tinham ficado privados do poder de agir durante um período de cerca de seis anos, ou seja, desde o início do procedimento formal, em 31 de agosto de 2012, até à adoção da decisão impugnada, em 24 de maio de 2018. Como a Comissão não alterou formalmente o âmbito da CO, a autoridade nacional da concorrência e os órgãos jurisdicionais polacos podiam legitimamente esperar que a Comissão interviesse no que se refere a essas objeções, dadas em especial as posições manifestadas a esse respeito pela Gaz‑System, pelo presidente do Regulador polaco e pelo Governo polaco no contexto da consulta do mercado. No que em especial respeita aos órgãos jurisdicionais nacionais, tinham permitido atrasos, com o risco de algumas ações estarem agora prescritas.

129    A Comissão contesta esta argumentação.

130    A este propósito, de acordo com o disposto no artigo 16.o do Regulamento n.o 1/2003, é verdade que as autoridades da concorrência e os órgãos jurisdicionais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão impugnada. Além disso, não podem ignorar uma decisão tomada ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, pois um ato desse tipo possui, de qualquer modo, caráter decisório e tanto o princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, como o objetivo de uma aplicação eficaz e uniforme do direito da concorrência da União obrigam essas autoridades e esses órgãos jurisdicionais a ter em conta uma apreciação preliminar da Comissão e a considerá‑la um indício, ou mesmo um início de prova, da existência de uma violação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2017, Gasorba e o., C‑547/16, EU:C:2017:891, n.o 29).

131    No presente caso, é verdade que a Comissão precisou, no considerando 138 da decisão impugnada, que as suas preocupações prévias em matéria de concorrência, formuladas sob a forma das objeções Yamal, «não [tinham] sido confirmadas».

132    Todavia, embora as autoridades da concorrência e os órgãos jurisdicionais nacionais devam ter efetivamente em conta o considerando 138 da decisão impugnada, eventualmente como indício da inexistência de violação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, não resulta nem da letra desse considerando nem, mais genericamente, do teor do resto da decisão impugnada que a Comissão tenha expressamente declarado, no que respeita às objeções Yamal, que não houve violação do artigo 102.o TFUE. Por conseguinte, o texto controvertido deve antes ser entendido no sentido de significar que a Comissão decidiu abandonar essas objeções e satisfazer‑se com os compromissos finais, embora estes não respondam às referidas objeções.

133    De todo o modo, o texto controvertido constante do considerando 138 da decisão impugnada não pode modificar a natureza da decisão impugnada e impedir as autoridades da concorrência e os órgãos jurisdicionais nacionais de intervir. Com efeito, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, interpretado à luz do considerando 13 desse regulamento, a Comissão pode efetuar uma mera «apreciação preliminar» da situação concorrencial, sem que, posteriormente, a decisão relativa aos compromissos tomada com base nesse artigo estabeleça se houve ou se continua a haver uma infração. Assim, não se pode excluir que um órgão jurisdicional nacional conclua que comportamentos objeto de uma decisão sobre compromissos violam os artigos 101.o ou 102.o TFUE e que, ao fazê‑lo, tenciona, contrariamente à Comissão, concluir pela existência de uma infração a um ou outro artigo. No mesmo sentido, os considerandos 13 e 22 do Regulamento n.o 1/2003, interpretados conjuntamente, precisam expressamente que as decisões relativas aos compromissos se aplicam sem prejuízo da possibilidade de as autoridades da concorrência e os tribunais dos Estados‑Membros decidirem sobre o processo e não afetam a competência desses tribunais e dessas autoridades relativamente à aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2017, Gasorba e o., C‑547/16, EU:C:2017:891, n.os 26 e 27).

134    Por conseguinte, a Comissão não violou o princípio da cooperação leal e esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos aduzidos pela República da Polónia e pela recorrente.

135    Em primeiro lugar, o facto de as autoridades nacionais da concorrência não terem podido atuar durante seis anos mais não é do que o resultado da aplicação do artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, que determina que o início do procedimento formal priva essas autoridades da competência para aplicarem os artigos 101.o e 102.o TFUE. A sua competência é reativada a partir do momento em que o processo instaurado pela Comissão está concluído (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.os 80 e 83 a 87).

136    No que respeita aos órgãos jurisdicionais nacionais e em caso de abertura do procedimento formal, estes não ficam indefinidamente privados da possibilidade de intervir em processos relativos a factos ligados ou conexos às objeções Yamal. O artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 apenas prevê que esses órgãos jurisdicionais devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com a decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado e podem, para esse efeito, avaliar se é ou não necessário suspender a instância. A alegação de que algumas ações nacionais já tinham prescrito, devido a atrasos dos órgãos jurisdicionais polacos, não tem qualquer pertinência, pois os prazos de prescrição pertinentes e a gestão judiciária dessas ações, na falta de regulamentação de direito da União aplicável, fazem parte da autonomia processual da República da Polónia.

137    Além disso, nenhuma disposição dos Regulamentos n.os 1/2003 ou 773/2004 obriga a Comissão a informar formalmente as autoridades nacionais da concorrência ou, de forma mais genérica, os terceiros interessados quando, no decurso do processo, abandona determinadas objeções em relação a uma empresa interessada. De todo o modo, a recorrente e a República da Polónia não referem qualquer processo nacional específico alegadamente afetado pelo comportamento da Comissão no presente caso.

138    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento da República da Polónia segundo o qual a autoridade da concorrência e os órgãos jurisdicionais polacos podiam legitimamente esperar que a Comissão interviesse no que respeita às objeções Yamal, a menos que esta tivesse formalmente modificado o âmbito da CO. Com efeito, a consequência prevista no artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, ou seja, que o início do procedimento formal priva as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência da competência para aplicarem os artigos 101.o e 102.o TFUE aos factos objeto desse processo, consiste em proteger as empresas em causa de ações paralelas por parte dessas autoridades (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 18, e Despacho de 15 de março de 2019, Silgan Closures e Silgan Holdings/Comissão, T‑410/18, EU:T:2019:166, n.o 20), mas não pode significar que a Comissão estava obrigada a adotar uma decisão nos termos do artigo 7.o ou do artigo 9.o desse regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, EAEPC/Comissão, T‑574/14, EU:T:2018:605, n.o 86).

139    Por último, para o caso de a República da Polónia invocar o princípio da proteção da confiança legitima, cabe recordar que o direito de invocar esse princípio pertence a qualquer sujeito de direito no qual uma instituição da União, ao fornecer‑lhe garantias precisas, criou esperanças fundadas (v. Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 132 e jurisprudência referida). Ora, a República da Polónia não alega qualquer garantia precisa dada pela Comissão. Quanto ao mais, a CO não pode constituir uma tal garantia, pois esse documento tinha por destinatário a Gazprom e só tinha caráter provisório. Do mesmo modo, também a organização da consulta do mercado e o facto de algumas partes interessadas terem apresentado observações no âmbito dessa consulta não podem corresponder a tais garantias, dado que essas circunstâncias se incluem na normal aplicação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003.

140    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento relativo à violação do princípio da cooperação leal, bem como à segunda parte do primeiro fundamento.

141    Atento o conjunto das considerações que precedem, há que negar provimento ao primeiro fundamento na sua integralidade por ser, em parte, improcedente e, em parte, inoperante.

C.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, dado a Comissão ter aceitado os compromissos finais, embora não respondessem adequadamente às objeções relativas às práticas tarifárias

142    A recorrente, apoiada pela República da Polónia e pela República da Lituânia, alega que a Comissão cometeu diversos erros manifestos de apreciação e erros de direito, em violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, dado essa instituição ter concluído que os compromissos relativos às práticas tarifárias (n.os 18 e 19 dos compromissos finais) eram adequados, embora, segundo a recorrente, a República da Polónia e a República da Lituânia, os referidos compromissos não permitissem manter ou restabelecer, de forma rápida e eficaz, os preços do gás a um nível comparável aos preços de referência concorrenciais. Este fundamento divide‑se, fundamentalmente, em quatro partes.

143    A Comissão, apoiada pela Gazprom, considera que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

1.      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a um erro cometido no que toca ao objeto dos compromissos relativos às práticas tarifárias, dado não corrigirem a essência das objeções referentes a essas práticas

144    A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar compromissos circunscritos a modificações das cláusulas de revisão dos preços (price revision clauses) incluídas nos contratos da Gazprom com os seus clientes nos cinco PECO afetados pelas práticas de preços, quando as preocupações em matéria de concorrência expostas na CO não tinham que ver com as revisões de preços, mas sim com o caráter iníquo e excessivo dos preços aplicados pela Gazprom no contexto desses contratos (a seguir «preços contratuais»). Esses compromissos, que se limitavam a instituir um novo método de revisão dos preços, não iam à fonte do problema, que era a existência de fórmulas de fixação dos preços (price formulae) indexadas aos preços de determinados produtos petrolíferos.

145    Assim, em primeiro lugar, a recorrente sublinha que, na CO, a Comissão considerou que as práticas em causa eram contrárias à primeira parte do artigo 102.o, alínea a), TFUE, relativa aos «preços não equitativos», e não à segunda, relativa às «outras condições de transação não equitativas». Eram, portanto, os preços excessivos que estavam em causa nas preocupações em matéria de concorrência, e não o método de revisão desses preços.

146    A este respeito, a própria Comissão observou, na CO, que as fórmulas de fixação dos preços existentes, indexadas aos preços do petróleo, eram o fator que mais contribuía para os preços contratuais excessivos. Também observou que a indexação dos preços do gás aos preços dos produtos petrolíferos era uma prática ultrapassada, passível de dar origem a preços que não refletem o valor económico do gás. No mesmo sentido, também considerou expressamente, na CO, a hipótese de medidas corretoras, em especial a alteração dessas fórmulas, a fim de gerarem preços não superiores aos da plataforma neerlandesa Title Transfer Facility (TTF) ou que sejam função dos custos da Gazprom. Assim, a Comissão, ao não impor, nos compromissos finais, a alteração das fórmulas de fixação dos preços e ao permitir, assim, o regresso de preços excessivos, não tinha corrigido a essência das suas preocupações iniciais relativas às práticas de preços nem as causas desses preços excessivos, pelo que os compromissos relativos às práticas tarifárias eram inadequados e a decisão impugnada era contrária aos objetivos do artigo 102.o TFUE.

147    No mesmo sentido, a República da Lituânia recorda que os preços não equitativos e excessivos em vigor nos cinco PECO afetados pelas práticas de preços resultavam do facto de a formação dos preços do gás nesses países ser diferente da aplicável na Europa Ocidental. A fim de evitar esse resultado, as próprias fórmulas de fixação dos preços deviam originar preços concorrenciais, pelo que essa fórmula deveria ter sido modificada, e não o processo de revisão dos preços, que demoraria pelo menos seis meses e dependia da boa vontade da Gazprom.

148    Em segundo lugar, a recorrente considera improcedente o único verdadeiro fundamento apresentado pela Comissão, no considerando 165 da decisão impugnada, para justificar a sua opção de não modificar as fórmulas de fixação dos preços. Com efeito, o simples facto de os preços resultantes dessas fórmulas terem conhecido, em 2015 e 2016, uma baixa e uma «certa convergência» com os preços nas plataformas de negociação não permitiu que a Comissão chegasse à conclusão de que a sua intervenção já não se justificava.

149    Em especial, esse fundamento não encontrava qualquer apoio, nomeadamente em análises económicas, e não tinha de modo nenhum em conta o caráter naturalmente evolutivo dos preços do petróleo, dado esses preços escaparem ao controlo das instituições da União, e, portanto, a possibilidade de os preços contratuais poderem voltar a ser excessivos. A Comissão ignorou o facto de os preços do petróleo, por volta de 2015 e 2016, se situarem, por diversas razões, a níveis mínimos, desfasados em relação às médias desses preços.

150    A Comissão contesta não ter corrigido a essência das preocupações em matéria de concorrência em causa nas objeções relativas às práticas tarifárias.

151    Recorde‑se que os compromissos relativos às práticas tarifárias figuram nos n.os 18 e 19 dos compromissos finais. O n.o 18 prevê, fundamentalmente, que, no prazo de dez semanas a contar da sua entrada em vigor, a Gazprom deveria propor modificar os contratos em causa, para neles incluir uma nova cláusula de revisão dos preços ou modificar as cláusulas existentes a fim de chegar ao mesmo resultado, ou seja, em concreto, a um novo método de revisão das fórmulas de fixação dos preços que servem para determinar os preços contratuais do gás. A Gazprom devia fazer essa proposta em relação a todos os contratos de fornecimento de gás com uma duração mínima de três anos, independentemente de se tratar de contratos em curso ou de novos contratos. O n.o 19 dos compromissos finais prevê cinco elementos a incluir nesse novo método para, caso seja ativado, se chegar a novas fórmulas de fixação dos preços.

152    Resulta, portanto, dos n.os 18 e 19 dos compromissos finais que a Comissão optou efetivamente por autorizar um novo método de revisão dos preços em vez de garantir uma modificação imediata das fórmulas de fixação dos preços.

153    A este propósito, é verdade que, na CO, a Comissão não se focou no método de revisão dos preços, mas examinou as fórmulas de fixação dos preços existentes nos contratos em causa e, em especial, a indexação aos preços dos produtos petrolíferos integrada nessas fórmulas, questionando‑se sobre os efeitos inflacionistas, nos preços contratuais do gás, dessa indexação, conforme resulta nomeadamente da secção 11.4 da CO, sob a epígrafe «[confidencial]». A Comissão tinha observado que as razões que inicialmente justificavam a indexação das fórmulas de fixação dos preços aos preços dos produtos petrolíferos, especialmente a insuficiente maturidade dos mercados do gás, tinham, em larga medida, desaparecido (n.o 545 da CO), resultando também esta conclusão do considerando 76 da decisão impugnada. Porém, também é verdade que as preocupações em matéria de concorrência expostas, a título preliminar, na CO pela Comissão versavam, antes de mais, sobre a existência de preços contratuais potencialmente excessivos e que a Comissão não tinha [confidencial] (v. nomeadamente n.os 949 e 981 da CO). No essencial, tudo isto figura no resumo da apreciação preliminar constante da decisão impugnada (considerandos 62 e 63).

154    Fosse qual fosse a posição da Comissão, na fase da sua apreciação preliminar, no que respeita à indexação das fórmulas de fixação dos preços, em primeiro lugar, importa sublinhar que, na fase do procedimento administrativo em que foram examinados os compromissos propostos pela Gazprom, os preços contratuais, com conexão à queda dos preços dos produtos petrolíferos, tinham baixado, pelo que convergiam com os aplicáveis nas plataformas de negociação do gás da Europa Ocidental. Esta conclusão, exposta pela Comissão e pela Gazprom no âmbito do presente recurso, resulta da decisão impugnada (v. considerando 76 e nota 49, bem como considerandos 162 e 164) e, na verdade, não é contestada pela recorrente, que sublinha sobretudo o risco de um futuro aumento dos preços do petróleo e, correlativamente, de uma alta dos preços contratuais para níveis potencialmente excessivos.

155    Por conseguinte, dado o nível dos preços quando da adoção dos compromissos finais, não se tratava de preços potencialmente excessivos que exigiam uma alteração imediata das fórmulas de fixação dos preços.

156    Quanto a este aspeto, acrescente‑se que os clientes afetados podiam rapidamente apresentar um pedido de revisão dos preços a fim de obter uma modificação das fórmulas de fixação dos preços. Com efeito, por força do disposto no n.o 19, alínea ii), último parágrafo, dos compromissos finais, esses clientes podem apresentar a todo o momento o primeiro pedido de revisão dos preços, desde que o novo método de revisão dos preços tenha sido integrado num dado contrato, estando assente que a Gazprom devia propor essa integração no prazo de dez semanas a contar da data de notificação da decisão impugnada.

157    Em segundo lugar, importa sublinhar que, conforme referido no considerando 176 da decisão impugnada, a opção pela via de um novo método de revisão dos preços permitia à Comissão não ter de ser ela própria, coordenada com a Gazprom, a configurar novas fórmulas de fixação dos preços para cada um dos contratos em causa, o que não teria sido fácil dada a complexidade desse exercício. Com efeito, [confidencial] (conforme resulta dos n.os 223 e 1065 da CO). Daqui decorre que não era manifestamente irrazoável para a Comissão, em especial atenta a necessidade de ter de estudar o equilíbrio económico e as características específicas de cada contrato em causa, não ter participado, no quadro dessa elaboração dos compromissos, nessa configuração das fórmulas de fixação dos preços.

158    Quanto ao demais, há que rejeitar o argumento segundo o qual os compromissos relativos às práticas tarifárias permitiam replicar práticas inicialmente postas em causa, ou seja, as dos preços potencialmente excessivos, e eram, portanto, contrárias ao artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 7.o desse regulamento. Com efeito, uma vez que a escolha de um novo método de revisão dos preços deve permitir contrariar os efeitos de uma eventual futura alta dos preços do petróleo, ao assegurar, conforme afirmado no considerando 179 da decisão impugnada, que os preços nos cinco PECO afetados pelas práticas de preços nunca divergirão dos preços de referência concorrenciais da Europa Ocidental «por um período de tempo que não seja muito curto», essa escolha visa precisamente evitar uma tal repetição.

159    Atento o que precede, e sem prejuízo do tratamento das outras partes do segundo fundamento, através das quais a recorrente contesta, no essencial, a adequação do novo método de revisão dos preços enquanto tal, há que concluir que a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, aceitar um compromisso que previsse a instituição desse novo método e não uma modificação imediata das fórmulas de fixação dos preços.

160    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

2.      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa ao caráter não efetivo do novo método de revisão dos preços

161    No contexto da segunda parte, a recorrente põe em causa a efetividade do novo método de revisão dos preços previsto nos compromissos relativos às práticas tarifárias. Esta parte do segundo fundamento divide‑se, essencialmente, em quatro acusações.

162    A Comissão contesta os erros alegados pela recorrente.

a)      Quanto à ineficácia dos compromissos dadas as práticas obstrutivas da Gazprom (primeira acusação)

163    A recorrente sustenta que a Comissão errou no que respeita às razões pelas quais a Gazprom tinha logrado manter preços contratuais excessivos, o que a tinha levado a aceitar um novo método de revisão dos preços ineficaz.

164    Com efeito, a Comissão concluiu erradamente que os passados preços contratuais excessivos resultavam da inexistência, nos contratos em causa, de cláusulas efetivas de revisão dos preços que remetessem para preços de referência adequados, como os preços constantes das plataformas de negociação do gás. Essa conclusão era contrária era contrária aos elementos de prova de que a Comissão dispunha e às conclusões a que havia chegado na CO. Em especial, um correto exame da cláusula de revisão de preços constante do contrato da recorrente com a Gazprom teria permitido à Comissão concluir que essa cláusula já permitia que se invocasse o nível de certos preços de referência, tanto enquanto circunstância justificadora do despoletar de uma revisão de preços como enquanto critério para a determinação de novo preço.

165    Ora, não obstante o facto de as cláusulas de revisão de preços existentes já remeterem para preços de referência concorrenciais e para a realização de determinadas revisões, os clientes da Gazprom tiveram, no entanto, de fazer face a divergências contínuas entre os preços revistos e os preços concorrenciais do gás e foram obrigados a pagar preços não concorrenciais.

166    Na realidade, o verdadeiro obstáculo às revisões de preços, conforme de resto a Comissão declarou na CO, eram os comportamentos obstrutivos da Gazprom, que no passado se tinha recusado a rever os seus preços e a aplicar os preços revistos. Enquanto a fórmula de fixação dos preços existente favorecesse a Gazprom, essa empresa permitir‑se‑ia fazer com que os processos de revisão de preços se arrastassem, pois os seus clientes, obrigados a pagar preços excessivos, acabariam por estar dispostos a aceitar mesmo reduções marginais de preços.

167    Mais em especial, a recorrente sublinha, antes de mais, que as revisões de preços implicam a cooperação da Gazprom em diversas fases, partindo do pressuposto de que esta está pelo menos pronta a de boa‑fé encetar negociações sobre preços e a reconhecer os preços revistos resultantes do método de revisão, eventualmente cumprindo uma sentença arbitral. Ora, a Gazprom tinha precisamente utilizado as debilidades do método de revisão dos preços previsto nas cláusulas existentes e exercido durante inúmeros anos chantagem sobre os seus clientes, nomeadamente ameaçando‑os de reduzir ou interromper os fornecimentos de gás se estes insistissem em preços revistos. Além disso, a Gazprom também estava em condições de prejudicar a eficácia das arbitragens, ao recusar cumprir decisões arbitrais ou prorrogando a sua execução. Essas práticas eram ilustradas pela situação em que se encontravam, respetivamente, a Naftogaz, estabelecida na Ucrânia, e a recorrente. Na verdade, durante o período sobre o qual a Comissão se debruçou, só os clientes da Europa Ocidental tinham verdadeiramente beneficiado de preços revistos, enquanto as alegadas revisões de preços com os clientes dos cinco PECO afetados pelas práticas de preços só ocorreram em determinados «cenários» que permaneceram essencialmente sob o controlo da Gazprom.

168    Quanto a este aspeto, a Comissão não podia afirmar que o facto de os clientes da Gazprom aceitarem preços revistos, nas circunstâncias que caracterizam esses cenários, nomeadamente no contexto de um «compromisso forçado», resultou de escolhas efetuadas livremente por esses clientes. Pelo contrário, essas escolhas foram feitas sob pressão dessa empresa e mais não eram do que componentes ou efeitos da exploração abusiva dessa posição pela Gazprom.

169    A Comissão também não pode sustentar que as práticas anteriores da Gazprom quando confrontada com pedidos de revisão de preços, em especial aqueles de que teve conhecimento, não eram relevantes no contexto da apreciação da adequação do novo método de revisão dos preços, pela simples razão de esse novo processo estar consagrado em compromissos obrigatórios. Essa abordagem permitia ignorar circunstâncias factuais pertinentes e, portanto, era contrária à natureza do papel da Comissão decorrente do artigo 102.o TFUE, bem como às exigências da produção de prova, conforme confirmadas pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval (C‑12/03 P, EU:C:2005:87), e de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392). Na verdade, os elementos que comprovam as dificuldades com que os clientes da Gazprom se viram confrontados no passado e, consequentemente, a ineficácia dos compromissos relativos às práticas tarifárias deviam ser considerados manifestos a ponto de serem incontestáveis, pelo que as conclusões preliminares da Comissão não podiam sofrer alterações quanto a este aspeto.

170    No mesmo sentido, a Comissão não explicou concretamente como é que no futuro os comportamentos obstrutivos da Gazprom seriam evitados graças aos compromissos relativos às práticas tarifárias ou como poderiam constituir uma violação desses compromissos. Na verdade, conforme declarado na CO, as negociações de preços, ou mesmo arbitragens, não garantiam o fim dos preços excessivos, dado que as práticas da Gazprom se manteriam enquanto existissem fórmulas de fixação dos preços estruturalmente iníquas.

171    A este propósito, a eficácia da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque, em 10 de junho de 1958, era muito relativa face às práticas da Gazprom, pois esta recusava‑se a executar sentenças arbitrais, fazia obstrução aos processos de execução e dissimulava os seus ativos transferindo‑os para fora do alcance dos órgãos jurisdicionais a quem os beneficiários dessas sentenças poderiam recorrer.

172    Por último, na linha dos argumentos aduzidos pela recorrente, a República da Polónia e a República da Lituânia sublinham que a Gazprom continua a ser um fornecedor indispensável na região e que, não obstante a realização dos investimentos em infraestruturas programados e, em especial, a construção de uma interconexão entre a Polónia e a Lituânia, o seu poder de negociação não é suscetível de enfraquecer. Nestas condições, a Comissão deveria ter exigido à Gazprom compromissos mais ambiciosos capazes de garantir revisões efetivas de preços, pois, na situação atual desses compromissos, a Gazprom, através dos comportamentos obstrutivos evocados, não violava formalmente os compromissos relativos às práticas tarifárias.

173    A Comissão, apoiada pela Gazprom, contesta a argumentação da recorrente quanto à ineficácia do novo processo de revisão dos preços, pelo que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

174    A este propósito, o Tribunal Geral observa que, através da sua argumentação, a recorrente imputa à Comissão um erro manifesto de apreciação com duas componentes, que explicam a ineficácia do novo processo de revisão dos preços. Por um lado, essa instituição identificou erroneamente, como causa das revisões ineficazes dos preços no passado, a impossibilidade de invocar preços de referência concorrenciais e, por outro, não identificou nem sanou a verdadeira causa dessas revisões ineficazes, isto é, os comportamentos obstrutivos da Gazprom.

175    No que respeita à primeira componente da argumentação da recorrente, relativa à inexistência de preços de referência concorrenciais nas cláusulas de revisão de preços existentes, contrariamente ao que alega a recorrente, dos exemplos de contratos constantes da CO (em especial dos n.os 226 à 232, conforme a Comissão indica) resulta que, pelo menos para um certo número de contratos em causa, não é possível considerar que incluíam remissões, nas cláusulas de determinação ou de revisão dos preços, para preços de referência concorrenciais e claramente definidos, conforme considerados pela Comissão na decisão impugnada. Esses exemplos revelam cláusulas cujo teor difere significativamente do das orientações para a fixação de preços incluídas no n.o 19, alínea iii), dos compromissos finais, em especial por essas orientações remeterem para «o nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Continental Ocidental» e se referirem aos preços médios ponderados na importação para a Alemanha, França e Itália, bem como ao nível dos preços nas plataformas de negociação de gás líquido da Europa Continental geralmente aceites.

176    No que em especial respeita à cláusula ínsita no contrato celebrado entre a Gazprom e a recorrente, de que esta entregou uma cópia juntamente com as respostas de 8 de dezembro de 2020, o Tribunal Geral observa que [confidencial].

177    Por conseguinte, na apreciação da adequação dos compromissos relativos às práticas tarifárias e, em especial, da oportunidade de atuar por meio de um novo método de revisão dos preços, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, fundar‑se na conclusão preliminar, constante, designadamente, do considerando 63 da decisão impugnada (e, em termos similares, do considerandos 78, 79 e 177 dessa decisão), segundo a qual a inexistência, nas cláusulas de revisão de preços, de um preço de referência claramente definido, concorrencial e publicamente disponível (como os preços concorrenciais nas plataformas de negociação do gás), era um dos principais fatores que poderiam dar lugar a preços não equitativos nos cinco PECO afetados pelas práticas de preços.

178    Quanto ao segundo componente da argumentação da recorrente, relativo aos comportamentos obstrutivos da Gazprom, importa, antes de mais, sublinhar que com os compromissos relativos às práticas tarifárias se pretende estabelecer um novo método de revisão dos preços que reforce a posição dos clientes da Gazprom nos PECO em causa, por referência à situação que era a deles de acordo com o que resulta da CO (em especial dos n.os 226 a 232). Conforme decorre do n.o 151, supra, o n.o 19 dos compromissos finais prevê cinco elementos a incluir no referido processo.

179    Em especial, para além da imposição de orientações para a fixação de preços [v. n.o 19, alínea iii), dos compromissos finais, secção intitulada «Adjustment part of the price review clause» (parte da cláusula de revisão dos preços destinada ao ajustamento)], que inclui remissões para preços de referência concorrenciais (v. n.o 175, supra), esse novo método prevê, designadamente, o seguinte:

—        critérios precisos que permitem a esses clientes solicitar uma revisão dos preços, nomeadamente um critério fundado numa divergência entre o nível dos preços contratuais e a evolução dos preços nos mercados Europeus do gás de acordo com o reflexo dessa evolução na dos preços médios ponderados na importação para a Alemanha, França e Itália ou na dos preços nas plataformas de negociação de gás líquido da Europa Continental geralmente aceites [v. n.o 19, alínea i), dos compromissos finais, secção intitulada «The trigger part of the price review clause» (a parte da cláusula de revisão dos preços destinada à ativação)];

—        possibilidade de todos os dois anos requerer uma revisão dos preços e, a acrescer a essa possibilidade, o direito de uma vez em cada cinco anos requerer uma revisão (o que corresponde ao «joker» evocado nos considerandos 125 e 156 da decisão impugnada) [v. n.o 19, alínea ii), dos compromissos finais, secção intitulada «The frequency and timing of the price review» (a frequência e o calendário da revisão dos preços)];

—        possibilidade de submeter o diferendo sobre os preços a arbitragem caso não haja acordo entre as partes no prazo de 120 dias após a apresentação do pedido de revisão de preços [v. n.o 19, alínea iv), dos compromissos finais, secção intitulada «Arbitration part of the price review clause» (parte da cláusula de revisão dos preços destinada à arbitragem)].

180    Acima de tudo, para lá destes elementos estruturantes do novo método de revisão dos preços, a recorrente não pode ignorar uma diferença importante relativamente aos pedidos de revisão dos preços feitos no passado por um dos clientes afetados da Gazprom. Se um cliente tivesse de apresentar um tal pedido de acordo com o referido método, esse pedido teria lugar no contexto da execução de compromissos tornados obrigatórios por força do processo instituído pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

181    Assim, a conduta da Gazprom na execução dos compromissos finais será controlada, em primeiro lugar, pelo mandatário responsável pelo acompanhamento desses compromissos, em conformidade com a secção 5.2 dos referidos compromissos. Será, portanto, lícito aos clientes afetados da Gazprom, nomeadamente à recorrente, informar esse mandatário e a Comissão de comportamentos que, segundo esses clientes, não eram conformes aos compromissos finais. Ora, se a Comissão, à luz das informações transmitidas pelo referido mandatário ou clientes, concluísse existir um comportamento contrário ao teor e objetivo desses compromissos, poderia aplicar uma coima à Gazprom ao abrigo do artigo 23.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003.

182    Esse comportamento também permitiria à Comissão reabrir o procedimento administrativo, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003. Na mesma ordem de ideias, cabe sublinhar que, em função das informações transmitidas pelo mandatário encarregado da monitorização desses compromissos ou pelos clientes afetados, a Comissão podia, de acordo com o disposto no artigo 9.o, n.o 2, alíneas a) e c), do referido regulamento, reabrir esse processo se concluísse ter ocorrido uma alteração substancial da situação de facto em que a decisão se fundou ou que a decisão se baseia em informações incompletas, inexatas ou deturpadas fornecidas pelas partes. Ora, dada o profundo inquérito já realizado e a notificação da CO, essa reabertura do processo, a sua tramitação e a sua cronologia não eram comparáveis à abertura de um novo inquérito ab initio em relação à referida empresa.

183    Nestas circunstâncias, sem prejuízo dos resultados e conclusões a que possa chegar o mandatário encarregado da monitorização dos compromissos finais ou a Comissão, e mesmo admitindo que o comportamento da Gazprom em determinadas circunstâncias possa ser difícil de apreciar e de qualificar, seria arriscado para essa empresa tornar‑se eventualmente culpada de comportamentos obstrutivos no contexto de futuros processos de revisão dos preços. Em especial, conforme nomeadamente a Comissão alegou, comportamentos por meio dos quais a Gazprom procurasse ligar o resultado de negociações de preços à obtenção de vantagens em seu favor sem, manifestamente, qualquer relação com os preços, ou entravasse significativamente o desenrolar de uma arbitragem, eram suscetíveis de implicar as consequências evocadas nos dois parágrafos que precedem.

184    Além disso, atentas as considerações que precedem, as conclusões preliminares constantes dos n.os 976 a 979 da CO, que dizem respeito às insuficiências verificadas nas cláusulas existentes de revisão dos preços e à situação que existia antes da adoção da decisão impugnada, não justificam que se ponha em causa a adequação dos compromissos relativos às práticas tarifárias. Do mesmo modo, a simples circunstância, posterior a essa adoção e cuja veracidade é contestada pela Comissão, de, após a entrada em vigor desses compromissos nunca ter sido assinalado qualquer pedido de revisão de preços, não basta para pôr em causa a sua adequação.

185    Quanto ao demais, há que rejeitar os argumentos aduzidos pela República da Lituânia e relativos, por um lado, ao facto de a Comissão não ter atendido às observações apresentadas pelo seu Ministério da Energia e, por outro, ao facto de o mandatário encarregado da monitorização dos compromissos finais ser remunerado pela Gazprom. Com efeito, o primeiro argumento não tem fundamento. No que toca ao segundo, dadas as medidas previstas nos n.os 23 a 44 dos compromissos finais, o facto de esse mandatário ser remunerado pela Gazprom não basta para pôr em causa a sua independência. Em especial, a escolha do mandatário obedece a um processo rigoroso e, eventualmente, a própria Comissão poderia proceder a essa seleção. Além disso, esses parágrafos explicitam claramente a missão do mandatário e indicam que a Comissão lhe pode dar instruções.

186    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira acusação da segunda parte do segundo fundamento.

b)      Quanto à insuscetibilidade de os compromissos porem termo às preocupações em matéria de concorrência em tempo útil (segunda acusação)

187    A recorrente alega que uma decisão sobre os compromissos deve pôr rapidamente termo às preocupações em matéria de concorrência identificadas pela Comissão. Ora, a duração expectável dos procedimentos iniciados com base no novo método de revisão dos preços tornava‑o ineficaz. Embora a própria Comissão tivesse posto em evidência, na CO, esse problema relativo às cláusulas de revisão de preços, de modo algum explicava como é que o novo método de revisão dos preços podia em tempo útil corrigir preços excessivos.

188    Mais especialmente, a maior frequência das possibilidades de requerer uma revisão dos preços não eliminava o risco de preços excessivos, nem os seus efeitos ao longo dos inúmeros anos abrangidos pelo método de revisão. A redução em 60 dias do período de negociação antes do início das arbitragens, passando de 180 para 120 dias, não afetava a duração dos próprios processos de arbitragem, pois a margem de manobra da Gazprom para atrasar uma revisão materializava‑se na fase da arbitragem, podendo aí alongar a duração do processo. A este propósito, a recorrente sublinha que as arbitragens entre a Gazprom e os seus clientes tinham uma duração de cerca de 25 meses. A esse prazo acrescia a duração dos processos judiciais necessários à execução das sentenças arbitrais, em especial dada a prática da Gazprom que consistia em recusar executá‑las. Nada nos compromissos relativos às práticas tarifárias obrigava a Gazprom a procurar obter uma resolução rápida de um diferendo sobre preços, quer intervindo nas negociações de preços quer executando prontamente uma sentença arbitral.

189    Além disso, a recorrente contesta que a aplicação retroativa dos preços revistos, conforme prevista no n.o 19, alínea v), dos compromissos finais, possa compensar os riscos ligados à duração do processo de revisão, quando, na verdade, essa aplicação não sanava as dificuldades com que se depararam os clientes da Gazprom, ou seja, uma exploração deficitária durável, perdas de liquidez, incapacidade de financiar desenvolvimentos futuros ou ainda a falência.

190    A Comissão, apoiada pela Gazprom, considera que a presente acusação não deve ser acolhida.

191    Recorde‑se que a aplicação, pela Comissão, do princípio da proporcionalidade no contexto do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 limita‑se à verificação de que os compromissos em questão respondem às preocupações que comunicou às empresas em causa e de que estas últimas não propuseram compromissos menos gravosos que respondessem de forma igualmente adequada a estas preocupações (Acórdão Alrosa, n.o 41). Se essas exigências podem implicar, como a recorrente sustenta, que esses compromissos ponham «rapidamente» termo a preocupações em matéria de concorrência, a apreciação dessa necessidade depende do caso concreto.

192    A este propósito, recorde‑se que, na fase do procedimento administrativo em que foram examinados os compromissos propostos pela Gazprom, na sequência da baixa de preços dos produtos petrolíferos, os preços contratuais baixaram e, assim, convergiram com os aplicáveis nas plataformas de negociação da Europa Ocidental. Por conseguinte, na referida fase, não estavam em causa preços potencialmente excessivos a exigirem uma solução imediata.

193    Importa igualmente recordar que, por força do n.o 18 dos compromissos finais, num prazo relativamente curto, de dez semanas após a sua entrada em vigor, a Gazprom devia propor alterar os contratos em causa, a fim de incluir uma nova cláusula de revisão dos preços ou modificações das cláusulas existentes que permitam chegar ao novo método de revisão. Além disso, o n.o 19, alínea i), último parágrafo, dos compromissos finais prevê que o primeiro pedido de revisão de preços possa ser feito a qualquer momento após a instituição desse novo método (v. n.o 156, supra).

194    Além disso, no âmbito do novo método de revisão dos preços, é efetivamente verdade que os clientes afetados da Gazprom permanecerão sujeitos às fórmulas de fixação dos preços existentes enquanto aguardam pelos preços revistos resultantes dos processos de arbitragem, que podem demorar vários meses, ou mesmo anos. A recorrente e a Gazprom referem exemplos de durações médias desses processos de, respetivamente, 25 e 17,6 meses.

195    Todavia, conforme se expôs nos n.os 178 a 182, supra, por um lado, os compromissos relativos às práticas tarifárias têm por objetivo definir um novo método de revisão dos preços que reforce a posição dos clientes da Gazprom nos PECO em causa, por referência à situação existente. Por outro lado, ao adotar comportamentos contrários ao teor e objetivo dos compromissos finais, a Gazprom corria o risco de uma eventual aplicação do artigo 9.o, n.o 2, e do artigo 23.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003.

196    Nestas condições, é erradamente que a recorrente sustenta que nada nos compromissos relativos às práticas tarifárias obriga a Gazprom a modificar o seu comportamento, em especial no quadro de arbitragens ou da execução de sentenças arbitrais, por referência às anteriores revisões de preços. No mesmo sentido, sem prejuízo da análise das acusações e partes que se seguem, importa declarar que a situação resultante do novo método de revisão de preços se distingue das circunstâncias expostas, a título de exemplo, nos n.os 977 e 978 da CO, que são invocadas pela recorrente, em que os processos de arbitragem foram particularmente demorados ou não levaram necessariamente a preços concorrenciais.

197    Além disso, no que respeita às alegadas dificuldades financeiras com que os clientes afetados da Gazprom se viram confrontados enquanto aguardavam pelos preços revistos, apesar da aplicação retroativa desses preços, importa referir que a recorrente não apresentou qualquer exemplo concreto passado, escorado em dados, ilustradores dessas alegadas dificuldades, incluindo no que a si respeita.

198    No máximo, o estudo económico apresentado pela recorrente no anexo U.6 das suas observações sobre o articulado de intervenção da Gazprom esclarece que um adquirente de gás, como a recorrente, enfrenta diversos inconvenientes financeiros, nomeadamente uma perda devido ao sobrecusto associado ao preço do gás e uma possível perda de clientes para concorrentes com melhores preços (pontos 19 a 21 desse estudo). Ora, sem que haja necessidade de apreciar a admissibilidade dessa parte do referido estudo, importa sublinhar que esses inconvenientes financeiros já não encontram justificação em números ou exemplos concretos do passado e que, de todo o modo, não implicam prejuízos financeiros suficientemente graves, como a falência ou o abandono do mercado em causa, para pôr em causa a adequação do novo método de revisão dos preços, em especial por pressupor um eventual recurso à arbitragem.

199    A probabilidade do risco da ocorrência desses danos é ainda menor pelo facto de, no essencial, resultar do considerando 32 da decisão impugnada que, de um modo geral, muitos clientes afetados são os principais grossistas em cada um dos PECO em causa e, historicamente, não estão expostos a um afluxo de grandes volumes de gás provenientes de outros PECO em causa.

200    Atento o que precede, e contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão podia afirmar, no considerando 133 da decisão impugnada, que os compromissos finais podiam pôr imediatamente termo às preocupações em matéria de concorrência e ofereciam um quadro prospetivo (forward‑looking framework) capaz de garantir que a Gazprom não repetirá no futuro o mesmo comportamento abusivo no mercado.

201    Quanto ao mais, na medida em que a recorrente sustenta, no contexto da presente acusação, que Comissão deveria ter intervindo impondo uma alteração direta das fórmulas de fixação dos preços incluídas nos contratos em causa, basta recordar que essa acusação foi julgada improcedente no quadro da primeira parte do presente fundamento.

202    Nestas condições, o Tribunal Geral entende que a Comissão não cometeu o erro manifesto de apreciação alegado pela recorrente por os compromissos relativos às práticas tarifárias não responderem em tempo útil às acusações relativas a essas práticas.

203    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda acusação da segunda parte do segundo fundamento.

c)      Quanto à não tomada em consideração dos custos dos processos de arbitragem (terceira acusação)

204    Segundo a recorrente, a Comissão não teve em conta os elevados custos dos processos de arbitragem, embora esse problema fosse referido na CO. Os clientes da Gazprom podiam decerto solicitar revisões dos preços, mas teriam de fazer face a um duplo encargo financeiro durante o processo de revisão, pois eram obrigados a assumir os próprios efeitos dos preços excessivos e os elevados montantes necessários para cobrir os custos dos processos de arbitragem.

205    Além disso, caso os clientes da Gazprom desejassem pôr em causa a conformidade de uma sentença arbitral com o artigo 102.o TFUE, teriam de suportar custos adicionais dado terem de apresentar provas de natureza económica ou de designar peritos.

206    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

207    A este propósito, é verdade que, na CO, a Comissão referiu o caráter dispendioso dos processos de arbitragem desencadeados no contexto das revisões dos preços e observou que, dada também a incerteza quanto ao desfecho desses processos e a sua natureza morosa, [confidencial] (v., em especial, n.os 236 e 977 da CO).

208    Todavia, acontece que dessas conclusões preliminares não resulta que a Comissão considerava que os clientes da Gazprom não conseguiriam suportar os custos associados a um processo de arbitragem. Acima de tudo, conforme no essencial se expôs nos n.os 178 a 182, supra, os clientes afetados da Gazprom encontram‑se, na sequência da adoção dos compromissos finais, numa posição reforçada relativamente à que era a sua antes dessa adoção, dado os elementos constantes do n.o 19 desses compromissos e os riscos, para a Gazprom, associados a uma eventual aplicação do artigo 9.o, n.o 2, e do artigo 23.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003.

209    Nestas condições, a Comissão podia validamente considerar que, no contexto da aplicação do novo método de revisão dos preços, esses clientes podiam chegar a conclusões diferentes, atentas as conclusões preliminares evocadas no n.o 207, supra, quando analisassem a oportunidade de recorrer à arbitragem e, mais em especial, estavam muito mais dispostos a expor‑se aos custos dessa arbitragem.

210    Atendendo ao que precede, há que declarar que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação que seria o resultado de não ter tido em devida conta o custo dos processos de arbitragem desencadeados no contexto do novo método de revisão dos preços.

211    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira acusação da segunda parte do segundo fundamento.

d)      Quanto à inadequação da limitação da duração dos contratos (quarta acusação)

212    Segundo a República da Lituânia, a Comissão, ao limitar a inclusão da nova cláusula de revisão dos preços apenas aos contratos com uma duração superior a três anos, o que nunca foi o caso dos contratos celebrados na Lituânia, permitia que a Gazprom contornasse os compromissos relativos às práticas tarifárias, pois essa empresa poderia, ao celebrar contratos de menor duração, continuar a incluir fórmulas de fixação dos preços que dariam azo a preços não equitativos.

213    O risco decorrente dessa possibilidade dada à Gazprom era corroborado pelo facto de a própria Comissão, na sua Decisão C(2016) 4764 final, de 26 de julho de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o do TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo AT.39317 — E.ON Gas), ter concluído que os grossistas de gás, clientes da Gazprom, preferiam cada vez mais contratos de curta duração.

214    Além disso, a Comissão observou, na decisão impugnada, que a longa duração dos contratos em causa contribuía para manter a posição dominante da Gazprom nos mercados dos cinco PECO afetados pelas práticas de preços. Assim, era incompreensível que, ao reservar o novo método de revisão dos preços para os contratos de longa duração, incite agora os clientes afetados a celebrar esses contratos.

215    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

216    A este propósito, importa reconhecer que resulta manifestamente tanto da CO (v., em especial, n.os 206, 217, 396, 458, 498 e, mais genericamente, secção 15.8.2) como da decisão impugnada (v., em especial, considerandos 70, 72, 75, 162 e 176) que as preocupações em matéria de concorrência manifestadas pela Comissão a propósito das práticas de preços diziam apenas respeito aos contratos de longa duração, isto é, aos contratos com uma duração superior a três anos.

217    Esta situação explica‑se, segundo a Comissão, nomeadamente pelo facto de os contratos com duração inferior a três anos implicarem uma renegociação mais frequente dos preços, o que afastava o risco de esses preços se tornarem duradouramente preços de referência concorrenciais, contrariamente ao que a título preliminar tinha sido declarado na CO para os contratos de longa duração celebrados pela Gazprom com os seus clientes nos cinco PECO afetados pelas práticas de preços.

218    Nestas condições, e tendo em particular atenção o facto de que as objeções relativas às práticas tarifárias se referiam aos contratos de longa duração, a Comissão não podia ser acusada de, para responder a essas objeções, ter aceitado compromissos relativos às práticas tarifárias aplicáveis aos contratos com uma duração superior a três anos.

219    Além disso, no que respeita à alegação de que a limitação dos referidos compromissos aos contratos de longa duração permitia à Gazprom contornar esses compromissos celebrando contratos com uma duração inferior a três anos, note‑se que, interrogados sobre a questão dos interesses respetivos, por um lado, dos clientes da Gazprom e, por outro, desta em celebrar contratos de pequena ou longa duração, a recorrente e a Comissão indicaram ambas, no essencial, nas respostas de 8 de dezembro de 2020, que as considerações pertinentes eram diversas e que tanto os referidos clientes como a Gazprom podiam ter interesse em celebrar um ou outro tipo de contrato, pelo que essa escolha obrigava a um exame caso a caso.

220    Ademais, sempre nas respostas de 8 de dezembro de 2020, a recorrente sublinhou que, no que toca aos países bálticos, uma vez que esses mercados não ofereciam à Gazprom a garantia de volumes significativos, era‑lhe claramente menos importante celebrar contratos de longa duração com clientes ativos nesses mercados, pelo que a Gazprom podia facilmente decidir desistir dos contratos de longa duração em favor dos de curta duração (geralmente com a duração de um ano). Ora, este elemento indicia que a opção da Gazprom de celebrar um contrato de curta duração não se guiava necessariamente pelo desejo de contornar os compromissos relativos às práticas tarifárias.

221    Atento o que precede, há que julgar improcedente a quarta acusação da segunda parte do segundo fundamento e, em consequência, julgar integralmente improcedente esta parte do segundo fundamento.

3.      Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa a erros na formulação das orientações para a fixação de preços

222    Na continuação da segunda parte do presente fundamento, em que é posta em causa a eficácia do novo processo de revisão dos preços, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação no que toca ao teor das orientações para a fixação de preços previstas no n.o 19, alínea iii), dos compromissos finais, na secção intitulada «Parte da cláusula de revisão dos preços relativa ao ajustamento». Esta parte do fundamento decompõe‑se, no essencial, em cinco acusações.

223    A Comissão contesta esses alegados erros.

a)      Quanto ao não estabelecimento de uma hierarquia entre os critérios definidos nas orientações para a fixação de preços e ao caráter vago dessas orientações (primeira acusação)

224    Segundo a recorrente, as orientações para a fixação de preços definem três critérios para a revisão das fórmulas de fixação dos preços, concretamente, em primeiro lugar, a média ponderada dos preços na importação para a Alemanha, França e Itália, em segundo lugar, os preços nas plataformas de negociação de gás líquidas geralmente aceites na Europa Continental e, em terceiro lugar, as características do gás fornecido no âmbito de um dado contrato. Ora, esses três critérios diferiam dos comparativos utilizados pela Comissão na CO para avaliar o caráter eventualmente excessivo dos preços contratuais.

225    A recorrente alega que era necessário ter ficado definida uma hierarquia entre os três critérios previstos nas orientações para a fixação de preços e que o critério dos preços nas plataformas de negociação geralmente aceites devia ser o principal. Essa não hierarquização não pode encontrar justificação no facto de que permitiria atenuar os riscos ligados a um aumento significativo dos preços devido a um dos critérios, dado que o estabelecimento de uma hierarquia seria feito livremente pelos tribunais arbitrais, de uma forma potencialmente favorável à Gazprom.

226    Além disso, a recorrente e a República da Polónia sustentam que as orientações para a fixação de preços estavam formuladas em termos demasiado genéricos, pelo que os preços revistos podem variar em função dos árbitros, da interpretação que esses árbitros façam das cláusulas contratuais, dos peritos escolhidos ou ainda da apreciação das circunstâncias concretas de cada diferendo sobre os preços. Por último, na prática, isto permitia à Gazprom proteger‑se contra as baixas de preços e não contribuía para o regresso de uma concorrência livre e não falseada nos mercados Europeus do gás.

227    A Comissão, apoiada pela Gazprom, considera que as orientações para a fixação de preços são adequadas, pelo que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

228    Recorde‑se que, por força do n.o 19, alínea iii), dos compromissos finais, a cláusula pertinente dos contratos em causa deve incluir as seguintes orientações para a fixação de preços:

«quando procedem à revisão do estipulado em relação ao Preço Contratual, as Partes têm em consideração o nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental, designadamente os preços médios ponderados na importação na fronteira da Alemanha, de França e de Itália e o nível dos preços nas plataformas líquidas geralmente aceites na Europa Continental (incluindo, designadamente, TTF, NCG, etc.), tendo devidamente em conta todas as características do gás natural fornecido no âmbito do Contrato (como, não exaustivamente, a quantidade, a qualidade, a continuidade e a flexibilidade).»

229    Ora, resulta da conjugação das orientações para a fixação de preços com o corpo da decisão impugnada (em especial dos seus considerandos 103 e 155) que essas orientações para a fixação de preços preveem dois critérios, e não os três identificados pela recorrente. Assim, e conforme a Comissão alegou, nomeadamente na audiência, na determinação de novas fórmulas de fixação dos preços importa, em primeiro lugar, ter em conta o nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental, e ao fazê‑lo, em segundo lugar, tendo também devidamente em conta as características específicas do contrato objeto da revisão de preços.

230    Quanto a este primeiro critério, resulta ainda das orientações para a fixação de preços que o nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental deve ser entendido por referência, designadamente, a dois tipos de dados, ou seja, em primeiro lugar, os preços médios ponderados na importação para a Alemanha, França e Itália (a seguir «preços médios de importação») e, em segundo lugar, o nível dos preços nas plataformas de negociação do gás líquidas geralmente aceites na Europa Continental (a seguir «preços nas plataformas»).

231    É à luz destas considerações que se deve apreciar os argumentos aduzidos pela recorrente.

232    No que respeita à inexistência da hierarquização invocada pela recorrente, cabe sublinhar que, independentemente dos dados utilizados, o critério central a utilizar pelas partes num contrato destes e os tribunais arbitrais eventualmente demandados é o do «nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental».

233    Ora, uma vez que parte do gás adquirido na Europa Ocidental Continental o é através de contratos de fornecimento de gás, eventualmente de longa duração, celebrados no contexto de operações distintas daquelas que tiveram lugar em plataformas de negociação do gás, os preços do gás resultantes desses contratos participam na formação do nível dos preços «nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental», o que de resto a recorrente não contesta. Além disso, importa sublinhar que a Comissão utilizou os preços aplicáveis aos contratos de longa duração da Gazprom com clientes alemães na sua apreciação preliminar, na CO, do caráter potencialmente excessivo dos preços aplicáveis aos contratos com os seus clientes nos PECO em causa (v. secção 10.2.1 da CO). A recorrente não criticou esta abordagem feita pela Comissão na CO.

234    Assim, nas orientações para a fixação de preços, os dados relativos aos preços médios de importação são utilizados para obter os preços aplicáveis aos contratos de fornecimento de gás que não os preços nas plataformas de negociação. A esse título, esses dados podem refletir razoavelmente o nível dos preços «nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental».

235    Além disso, importa sublinhar que os compromissos relativos às práticas tarifárias não se destinam a garantir aos clientes afetados preços comparáveis aos mais baixos preços disponíveis nos mercados concorrenciais da Europa Ocidental Continental, mas sim preços comparáveis ao nível geral dos preços nesses mercados, nível esse que resulta tanto dos preços nas plataformas, como dos preços médios de importação. Nestas condições, a recorrente não pode validamente alegar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não ter definido uma hierarquia entre esses dois tipos de dados previstos nas orientações para a fixação de preços.

236    Quanto à argumentação segundo a qual o teor das orientações para a fixação de preços é vago e demasiado genérico, importa, antes de mais, observar que o facto de a aplicação das orientações para a fixação de preços poder dar lugar a preços revistos que podem variar de um contrato para outro, nomeadamente em função dos árbitros, não pode justificar que se considere que as orientações para a fixação de preços são inadequadas, uma vez que, podendo as características dos contratos em causa variar, as diferenças nos preços aplicáveis de um contrato para outro não são, por si só, suscetíveis de justificar que se considere serem essas orientações manifestamente inadequadas. Com efeito, os compromissos relativos às práticas tarifárias não visam obter preços revistos muito próximos ou idênticos de um contrato para outro.

237    Em seguida, recorde‑se que o primeiro critério, na medida em que visa expressamente «o nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental», remete para preços de referência (benchmark) muito mais claramente concorrenciais do que os preços de referência identificados nas cláusulas de determinação ou de revisão dos preços existentes nos contratos em causa, nomeadamente a cláusula constante do contrato da recorrente, que remete para «[confidencial]». Desse ponto de vista, longe de serem vagas, as orientações para a fixação de preços constituem uma melhoria relativamente às cláusulas existentes.

238    Além disso, o Tribunal Geral sublinha que a Gazprom, ao propor à Comissão o encerramento do procedimento administrativo ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, ou seja, através de uma decisão que torne os compromissos obrigatórios, e não tendo interrompido as negociações com essa instituição, aceitou que os compromissos finais fossem tornados obrigatórios por força do artigo 1.o da decisão impugnada. A escolha desta via permitiu à Gazprom evitar uma eventual declaração de que violara o direito da concorrência e a eventual aplicação de uma coima pela Comissão devido a essa violação (v., neste sentido, Acórdão Alrosa, n.os 35 e 48), o que confirma a conclusão, constante do artigo 2.o da referida decisão, segundo a qual não há mais lugar à intervenção da Comissão. Porém, isso implica que a Gazprom é obrigada a respeitar esses compromissos, salvo a correr o risco de suportar as consequências da declaração de violação dessa decisão evocadas nos n.os 181 e 182, supra, nomeadamente a aplicação de uma coima. Essa empresa também está sujeita a um controlo contínuo para efeitos da verificação da observância desses compromissos durante o seu período de validade, conforme ilustrado na secção 5 dos referidos compromissos, que prevê, nomeadamente, a designação de um mandatário encarregado da monitorização da sua aplicação.

239    Neste contexto, a Gazprom está vinculada não apenas pelo conteúdo desses compromissos finais, mas também pela própria decisão impugnada, recordando‑se também que o dispositivo de um ato deve ser lido à luz dos seus fundamentos (v., neste sentido, Despacho de 10 de julho de 2001, Irish Sugar/Comissão, C‑497/99 P, EU:C:2001:393, n.o 15, e Acórdãos de 22 de outubro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑95/12, EU:C:2013:676, n.o 40, e de 13 de dezembro de 2013, Hungria/Comissão, T‑240/10, EU:T:2013:645, n.o 90). Por conseguinte, no contexto do cumprimento dos compromissos finais, designadamente na execução e interpretação das orientações para a fixação de preços, a Gazprom deve aplicar e interpretar esses compromissos de acordo com os fundamentos da decisão impugnada, incluindo no que respeita às posições que adota no âmbito das negociações de preços e de arbitragens iniciadas ao abrigo da cláusula compromissória prevista no artigo 19.o, alínea iv), dos referidos compromissos.

240    Ora, resulta dos fundamentos da decisão impugnada que o nível dos preços nas plataformas de negociação é particularmente pertinente, segundo a Comissão, para definir os preços revistos (v., em especial, considerandos 103, 164 e 178). Por conseguinte, no âmbito de um dado processo de arbitragem, a Gazprom deve adotar uma posição conforme a esses fundamentos e não pode, em princípio, alegar que os árbitros deviam abstrair dos nível dos preços nessas plataformas.

241    Por último, a recorrente e a República da Polónia não apresentaram formulações alternativas para essas orientações que, segundo entendem, teriam garantido a adequação dos compromissos relativos aos preços. Também não aduziram, nos respetivos articulados, argumentos específicos capazes de sustentar as suas críticas quanto ao caráter vago e demasiado genérico das orientações para a fixação de preços. Os únicos elementos mais específicos apresentados em apoio dessa argumentação encontram‑se no estudo económico que a recorrente juntou às suas observações relativas ao articulado de intervenção da Gazprom.

242    Ora, esses elementos, incluídos no estudo económico da recorrente, são, em larga medida, inadmissíveis.

243    Com efeito, exceto na medida em que os referidos elementos se destinam a responder às provas apresentadas pela Gazprom no estudo económico que juntou ao seu articulado de intervenção, as provas incluídas no estudo económico da recorrente são intempestivas por força do artigo 85.o, n.os 2 e 3, do Regulamento de Processo [v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Monolith Frost/EUIPO — Dovgan (PLOMBIR), T‑830/16, EU:T:2018:941, n.o 21 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.o 72]. Em especial, os elementos constantes das secções 3.2 e 3.5 não são fornecidos para responder a uma prova contrária apresentada pela Comissão ou pela Gazprom, e nada indicia que essas secções do estudo económico da recorrente não pudessem ter sido anteriormente encomendadas ao consultor em causa para, pelo menos, serem apresentadas como prova oferecida na petição.

244    No mesmo sentido, os elementos expostos no estudo económico da recorrente são argumentos que deviam ter sido apresentados na petição ou nas observações da recorrente sobre o articulado de intervenção da Gazprom. Com efeito, não compete ao Tribunal Geral procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e argumentos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental. Estas exigências também se impõem quando se procede a uma acusação em apoio de um fundamento. Por conseguinte, a acusação cujos elementos essenciais se encontram reproduzidos apenas nos anexos da petição não cumpre as referidas exigências (v. Acórdão de 13 de julho de 2011, Polimeri Europa/Comissão, T‑59/07, EU:T:2011:361, n.os 161 e 162 e jurisprudência referida).

245    Contudo, o Tribunal Geral procede ao exame dos elementos pertinentes expostos nos n.os 25, 27, 32 e 33 do estudo económico da recorrente.

246    Em primeiro lugar, relativamente ao argumento de que uma revisão dos preços apenas podia ter em conta os preços médios de importação, com exclusão dos preços nas plataformas (n.o 25 do estudo económico), importa considerar que a inclusão expressa, nas orientações para a fixação de preços, das duas categorias de dados evocados, supra, precedida pela expressão «inter alia», sublinha a importância desses dois tipos de dados, que devem ser tidos em conta pelos tribunais arbitrais responsáveis pela aplicação dessas orientações, mesmo que eles próprios não estejam vinculados pela decisão impugnada.

247    Além disso, a Gazprom está vinculado tanto pelos compromissos finais como pela decisão impugnada que os torna obrigatórios. Ora, resulta dos fundamentos dessa decisão que os dados relativos aos preços nas plataformas são particularmente relevantes para definir preços revistos (v., em especial, considerandos 103, 164 e 178). Por conseguinte, no âmbito de um dado processo de arbitragem, a Gazprom deve adotar uma posição conforme a esses fundamentos e não pode, em princípio, sustentar que os árbitros deviam abstrair desses preços nas plataformas.

248    Em segundo lugar, de acordo com o estudo económico da recorrente (n.o 27), o critério associado às características de um dado contrato em causa (como a quantidade, a qualidade, a continuidade e a flexibilidade) permitiria à Gazprom não ter qualquer necessidade de ter em conta o nível dos preços nas plataformas. Como esta interpretação é contrária aos termos das orientações para a fixação de preços e não se encontra fundamentada, deve ser rejeitada.

249    Em terceiro lugar, segundo o estudo da recorrente, as orientações para a fixação de preços eram inadequadas, pois nada previam no que respeita à indexação contínua dos preços contratuais aos preços dos produtos petrolíferos (n.os 32 e 33 desse estudo). Basta sublinhar a este respeito que essas orientações não tinham de evocar expressamente essa indexação, pois, ao garantir preços que se aproximam dos preços concorrenciais da Europa Ocidental, devem assim permitir corrigir os eventuais efeitos inflacionistas dessa indexação.

250    Além disso, como a recorrente considera que as orientações para a fixação de preços não são eficazes dado terem vagamente em vista «o nível dos preços» nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental, em vez de preverem uma indexação a esses preços, basta sublinhar que de forma alguma explica como é que essa indexação se faria na prática e que não está excluído que uma revisão por via de negociações ou de um processo de arbitragem chegue a tal solução. Além disso, como se refere no n.o 239, supra, as orientações para a fixação de preços devem aplicar‑se à luz dos fundamentos da decisão impugnada, os quais referem, em especial, que os compromissos finais «se destinam a assegurar que os preços do gás aplicáveis aos contratos indexados ao petróleo nos [PECO em causa] permanecem alinhados pelos preços de referência concorrenciais» (considerando 164) e que esses compromissos «se destinam, portanto, a assegurar que os preços aplicáveis nos cinco [PECO em causa pelas práticas em matéria de preços], após terem sido revistos, serão fixados na linha dos preços de referências concorrenciais da Europa Ocidental» (considerando 179).

251    Atentas as considerações que precedem, não está provado que a Comissão tenha cometido os erros manifestos de apreciação alegados pela recorrente. Quanto ao demais, mesmo admitindo que a recorrente defende que as orientações para a fixação de preços deviam permitir aos clientes afetados obter os preços mais baixos possíveis, como os preços nas plataformas, basta referir que o facto de outros compromissos também poderem ter sido aceites, ou mesmo que teriam sido mais favoráveis à concorrência, não pode, por si só, conduzir à anulação da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão Morningstar, n.o 59).

252    Por conseguinte, sem prejuízo da análise das outras acusações, há que julgar improcedente a primeira acusação da terceira parte do segundo fundamento.

b)      Quanto à inadequação do critério relativo ao nível dos preços nas plataformas de negociação de gás (segunda acusação)

253    A recorrente sublinha que a plataforma de negociação britânica «National Balancing Point» (NBP) não faz parte das plataformas de referência expressamente identificadas nas orientações para a fixação de preços [contrariamente às plataformas «Title Transfer Facility» (TTF) e «NetConnect Germany» (NCG)], embora a maturidade da NBP e o facto de o Reino Unido ser abastecido com gás proveniente da Europa Continental justifiquem a sua inclusão. Contrariamente ao que inicialmente a Comissão alegara, não era porém possível tomar essa plataforma por referência, pois a letra das orientações para a fixação de preços refere as plataformas da Europa «Continental». Este erro confirmava as dificuldades de interpretação de outro modo alegadas.

254    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

255    A este respeito, importa observar que as duas inclusões do termo «Continental» nas orientações para a fixação de preços excluem a utilização dos dados sobre preços provenientes da plataforma NBP.

256    Todavia, esta exclusão não pode, por si só, levar a que se conclua pela existência de um erro manifesto de apreciação da Comissão ligado à formulação das orientações para a fixação de preços, pois essas orientações permitem que se utilizem outras plataformas «geralmente aceites» e referem‑se expressamente às plataformas TTF e NCG, cuja adequação e liquidez não é posta em causa pela recorrente. De resto, o estudo económico desta refere expressamente que a plataforma TTF atingiu a maturidade e é uma das plataformas de negociação com maior liquidez da Europa.

257    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda acusação da terceira parte do segundo fundamento.

c)      Quanto à inadequação dos preços médios de importação para a Alemanha, França e Itália (terceira acusação)

258    Segundo a recorrente, os dados relativos aos preços médios de importação para a Alemanha, França e Itália eram inadequados e, de resto, não tinham sido utilizados na CO. Em primeiro lugar, as orientações para a fixação de preços não indicavam a fonte que devia ser utilizada para identificar os preços pertinentes e os dados públicos disponíveis não refletiam os preços reais num determinado período se não se efetuasse uma correção retroativa e rigorosa desses dados no caso de uma revisão subsequente dos preços no contexto de uma negociação ou arbitragem.

259    Em segundo lugar, os preços médios de importação eram inadequados pois os mercados do gás em França e Itália, que não eram os com maior liquidez nem os mais liberalizados, revelavam‑se, regra geral, mais altos do que os da Alemanha. De resto, os preços aplicáveis nesses dois países eram pouco utilizados como preços de referência pelos clientes da Gazprom nos cinco PECO afetados pelas práticas de preços.

260    Em terceiro lugar, nos oito anos de aplicação dos compromissos finais, os mercados do gás poderiam evoluir, pelo que os preços médios de importação para um desses três países poderiam perder o «estatuto» de preços de referência, sem que as orientações para a fixação de preços considerem essa possibilidade. Além disso, a Comissão não teve em consideração a proposta formulada pela recorrente, quando da consulta do mercado, de se proceder à determinação dos preços de referência de acordo com um método objetivo.

261    Em quarto lugar, de um modo geral, os preços médios de importação eram mais elevados do que os preços nas plataformas, pelo que exerciam uma pressão ascendente sobre os preços resultantes das orientações para a fixação de preços.

262    A Comissão considera que a utilização dos preços médios de importação é adequada, pelo que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

263    A este propósito, importa antes de mais sublinhar, na linha do que já se afirmou nos n.os 233 a 235, supra, que não parece haver qualquer razão de princípio para se excluir os dados relacionados com os preços de importação. Os argumentos pontuais aduzidos pela recorrente não infirmam esse entendimento.

264    Em primeiro lugar, no que respeita aos obstáculos práticos e técnicos identificados pela recorrente, importa sublinhar que esses obstáculos não são de tal monta que as pessoas implicadas na resolução dos diferendos sobre os preços, nomeadamente o pessoal dos clientes afetados, os árbitros ou os peritos utilizados pelos tribunais arbitrais, não estavam em condições de reagir ou de as ter em consideração na elaboração das fórmulas de fixação dos preços. Assim, essas pessoas podiam utilizar as informações sobre preços disponibilizadas pelas autoridades públicas [autoridades nacionais ou Eurostat (Serviço de Estatística da União Europeia)], assim como as apresentadas por empresas privadas, e definir essas fórmulas de modo a abranger as eventuais deficiências dessas informações, nomeadamente o facto de não refletirem as revisões de preços ocorridas posteriormente à obtenção, pelas referidas autoridades ou empresas privadas, dos dados pertinentes. Do mesmo modo, é razoável esperar que sejam capazes de ter em conta as diferenças geralmente encontradas entre os preços médios de importação e os preços nas plataformas, designadamente no que respeita à incorporação dos «custos de acesso» (entry costs).

265    Em segundo lugar, mesmo admitindo que os mercados do gás de França e de Itália têm menos liquidez e são menos liberalizados do que o da Alemanha, isso não basta para se considerar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao incluir esses dois primeiros países. A verdade é que os mercados do gás de cada um desses três países são concorrenciais, não obstante as importantes partes de mercado da Gazprom. Relativamente ainda ao argumento segundo o qual existiam outros mercados com maior liquidez, como o da Bélgica ou o dos Países Baixos, basta observar que as orientações para a fixação de preços não impedem as partes e os árbitros de ter em conta esses outros mercados.

266    Em terceiro lugar, conforme a Comissão sublinha, a recorrente não aduz qualquer razão para temer uma alteração das circunstâncias tal que os mercados do gás da Alemanha, de França ou de Itália deixariam de ser concorrenciais e os preços médios de importação relativos a um ou outro desses países deixavam de poder servir como preços de referência. De todo o modo, em caso de alteração importante das circunstâncias em que assenta a decisão impugnada, a Comissão pode, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, reabrir o processo.

267    Em quarto lugar, conforme resulta do exposto nos n.os 233 a 235 e 263, supra, mesmo admitindo que os preços médios de importação sejam mais elevados do que os preços nas plataformas e exercem, assim, uma «pressão ascendente» sobre o nível dos preços que resultava das orientações para a fixação de preços, a recorrente não demonstrou que esses preços médios eram por princípio inadequados.

268    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira acusação da terceira parte do segundo fundamento.

d)      Quanto às características do gás fornecido no contexto de um dado contrato (quarta acusação)

269    A recorrente alega que, ao permitir o segundo critério das orientações para a fixação de preços, que obriga a que se «tenha devidamente em conta todas as características do gás fornecido no contexto [de um dado contrato]», a Comissão não teve em atenção a utilização adversa que, no passado, a Gazprom fez dessas características. Com efeito, esta apresentava os seus contratos de longa duração como um produto «premium» relativamente ao gás adquirido nas plataformas de negociação, o que justificava preços mais elevados. Além disso, cada uma das características expressamente identificadas nas orientações para a fixação de preços (ou seja, a quantidade, a qualidade, a continuidade e a flexibilidade) permitia justificar altas de preços, não tendo sido incluída nenhuma característica que pudesse justificar baixas de preços.

270    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

271    A este respeito, conforme se expôs no n.o 229, supra, as orientações para a fixação de preços preveem a aplicação de dois critérios, pelo que importa, quando das revisões de preços, em primeiro lugar, atender ao nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental tendo devidamente em conta, em segundo lugar, as características específicas do contrato em causa.

272    Assim, resulta das orientações para a fixação de preços que, através do primeiro critério, obrigam a ter em consideração elementos estranhos ao contrato em causa, isto é, dados que reflitam o nível dos preços nos mercados do gás concorrenciais da Europa Ocidental Continental. Ora, esses dados podem resultar de diversos contratos potencialmente diferentes desse contrato em causa, por exemplo se estiverem relacionados com operações em plataformas de negociação. Nestas condições, não é possível acusar a Comissão de ter aceitado que as orientações para a fixação de preços também integrem o segundo critério, que permite ter em consideração as características próprias do referido contrato.

273    Além disso, há que reconhecer que, contrariamente ao que a recorrente deixa entender, a inclusão do segundo critério e das características expressamente identificadas nas orientações para a fixação de preços não dará necessariamente lugar a uma pressão para que os preços revistos subam. Com efeito, mesmo admitindo que, num dado caso, o tribunal arbitral eventualmente demandado opte por aplicar o primeiro critério utilizando principalmente dados relacionados com o fornecimento de gás na Europa Ocidental Continental por meio de contratos de longa duração, ou seja, contratos com características potencialmente similares aos contratos em causa, nada impede esse mesmo tribunal de ter em conta essa opção moderando a aplicação do segundo critério.

274    Por conseguinte, há que julgar improcedente a quarta acusação da terceira parte do segundo fundamento.

e)      Quanto aos elementos não evocados nas orientações para a fixação de preços (quinta acusação)

275    A recorrente e a República da Lituânia alegam, no essencial, que as orientações para a fixação de preços deviam incluir elementos adicionais. Em primeiro lugar, essas orientações deviam incluir um elemento relativo aos custos de fornecimento, que variam sensivelmente em função do ponto de entrega e, a título de exemplo, eram claramente menores para a Gazprom no que toca aos fornecimentos de gás na Lituânia, devido à sua proximidade geográfica com a Rússia, comparativamente com os fornecimentos na Europa Ocidental.

276    Em segundo lugar, a recorrente sublinha que, conforme resulta do seu estudo económico, as orientações para a fixação de preços não atribuem qualquer importância às obrigações firmes de compra (mecanismo «take or pay») incluídas em alguns dos contratos em causa, apesar de essas obrigações terem bastante valor para a Gazprom. Só os fatores que permitem subidas de preços foram incluídos nessas orientações.

277    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

278    A este respeito, resulta manifestamente do teor das orientações para a fixação de preços previstas no n.o 19, alínea iii), dos compromissos finais que, no que respeita à tomada em consideração das características de um dado contrato em causa, os exemplos de características expressamente identificadas nessas orientações não são exaustivos.

279    Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar as orientações para a fixação de preços que não mencionam expressamente características relativas aos custos de fornecimento e às obrigações firmes de compra (mecanismo «take or pay»).

280    Quanto ao demais, na medida em que a recorrente alega, mais genericamente, que a Comissão não teve suficientemente em conta, na sua análise da adequação dos compromissos finais, a imposição pela Gazprom de cláusulas de obrigações firmes de compra nos contratos em causa, basta sublinhar que, embora a Comissão tenha, na CO, examinado a presença dessas cláusulas nos referidos contratos, não referiu preocupações em matéria de concorrência relativas especificamente às referidas cláusulas e, de resto, não equacionou medidas corretivas a esse respeito. Por conseguinte, a Comissão não tinha de garantir que os compromissos finais respondiam a essas preocupações.

281    Atento o que precede, há que julgar improcedente a quinta acusação da terceira parte do segundo fundamento e, consequentemente, julgar improcedente a integralidade desta parte do segundo fundamento.

4.      Quanto à quarta parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros manifestos de apreciação no que respeita à articulação entre o direito da União e as arbitragens

282    A recorrente alega que dos fundamentos constantes do considerando 178 da decisão impugnada resulta que a Comissão cometeu erros de direito, bem como, no essencial, erros manifestos de apreciação no que toca, por um lado, à aplicação do direito substantivo da União nas arbitragens previstas no n.o 19, alínea iv), dos compromissos finais e, por outro, à possibilidade de essa instituição intervir como amicus curiae nesses processos.

283    A Comissão considera não ter cometido qualquer erro a este respeito.

a)      Quanto à aplicação do direito substantivo da União nas arbitragens (primeira acusação)

284    Segundo a recorrente, em primeiro lugar, a Comissão, tendo‑se baseado numa interpretação incorreta do Acórdão de 1 de junho de 1999, Eco Swiss (C‑126/97, a seguir «Acórdão Eco Swiss», EU:C:1999:269, n.o 36), considerou erradamente que os tribunais arbitrais, por estarem instalados na União, tinham de necessariamente resolver os diferendos relativos a preços entre a Gazprom e os seus clientes afetados à luz do direito substantivo da União.

285    Com efeito, no Acórdão Eco Swiss, o Tribunal de Justiça dirigiu‑se apenas ao Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) e, indiretamente, aos outros órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, mas não aos tribunais arbitrais, que não são órgãos jurisdicionais na aceção do artigo 267.o TFUE. Esse acórdão apenas obrigava esses órgãos jurisdicionais a aplicar o direito da União no contexto limitado da fiscalização, a posteriori, por esses tribunais do respeito da «ordem pública», sem lhes exigir que apliquem o direito substantivo da União.

286    Na realidade, os tribunais arbitrais em causa apenas eram obrigados a aplicar o n.o 19 dos compromissos finais, e não o artigo 102.o TFUE nem a própria decisão impugnada. Assim, nada indica que um cliente da Gazprom possa facilmente invocar o conteúdo dessa decisão no âmbito de uma arbitragem, embora seja certo que essa possibilidade só poderia ser confirmada no âmbito, ineficaz de um ponto de vista temporal, de uma questão prejudicial colocada pelo órgão jurisdicional que controla a execução da sentença arbitral.

287    Em segundo lugar, a eficácia das arbitragens seria significativamente menor devido à inexistência de qualquer referência à decisão impugnada ou ao artigo 102.o TFUE nos compromissos finais. Os tribunais arbitrais não tinham necessariamente de examinar a conformidade dos preços revistos com os objetivos dessa decisão ou dessa disposição do Tratado FUE e corriam mesmo o risco de exceder as suas competências e de ver as suas sentenças anuladas caso procedessem a esse exame.

288    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

289    Importa recordar que o considerando 178 da decisão impugnada refere, ao remeter para o Acórdão Eco Swiss (n.os 35 e 36), que os compromissos finais «impõem a obrigação de os processos de arbitragem terem lugar na União» e que «[i]sso obriga os tribunais arbitrais a respeitar e aplicar o direito da concorrência da União por ser uma questão de ordem pública, independentemente dos interesses privados das partes na arbitragem».

290    A este propósito, resulta do artigo 3.o, n.o 3, TUE e do Protocolo n.o 27 relativo ao mercado interno e à concorrência, anexo ao Tratado de Lisboa (JO 2010, C 83, p. 309), que os artigos 101.o e 102.o TFUE são disposições fundamentais indispensáveis para efeitos do cumprimento das missões confiadas à União e, em especial, do funcionamento do mercado interno pois destinam‑se a evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores (v., neste sentido, Acórdão Eco Swiss, n.o 36, e Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 20 a 22). Por conseguinte, os artigos 101.o e 102.o TFUE constituem disposições de ordem pública, mesmo na aceção da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque, em 10 de junho de 1958, que devem ser aplicadas oficiosamente pelos órgãos jurisdicionais nacionais, os quais devem deferir um pedido de anulação de uma decisão arbitral se entenderem que essa decisão é contrária aos referidos artigos (v., neste sentido, Acórdão Eco Swiss, n.os 36 a 41, e Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 31 e jurisprudência referida).

291    Daqui resulta que os tribunais arbitrais em causa, ainda que sediados no território da União, não estão necessariamente obrigados pelo direito da concorrência da União no seu conjunto, nem aliás pelo resto do direito substantivo da União. Também é verdade que, conforme a recorrente sustenta, a fiscalização das decisões arbitrais exercida pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros reveste um caráter limitado (v. Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 54 e jurisprudência referida). No entanto, também é verdade que, se um desses tribunais proferisse uma sentença arbitral contrária ao artigo 102.o TFUE, os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros deviam anular essa decisão caso lhes fosse apresentado um pedido nesse sentido; o que era suscetível de levar os referidos tribunais a assegurar‑se de que a decisão arbitral proferida está em conformidade com essa disposição do Tratado FUE.

292    Além disso, embora o presente processo não diga diretamente respeito ao artigo 102.o TFUE, mas à observância de uma decisão sobre os compromissos adotada ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, há que declarar, à luz das considerações expostas no n.o 290, supra, e uma vez que esse regulamento foi adotado ao abrigo do artigo 103.o TFUE e é relativo à execução dos artigos 101.o e 102.o TFUE, que os órgãos jurisdicionais nacionais podem julgar procedente um pedido de anulação de uma sentença arbitral se considerarem que essa sentença não respeita a referida decisão.

293    Esta leitura das implicações, referidas no considerando 178 da decisão impugnada, da obrigatoriedade de os tribunais arbitrais estarem sediados na União não pode ser posta em causa por meio do argumento da recorrente relativo às alegadas dificuldades práticas com que se poderiam ver confrontados os órgãos jurisdicionais nacionais quando da fiscalização da conformidade das sentenças arbitrais com o artigo 102.o TFUE ou com uma decisão adotada ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que a apreciação desses litígios integra a competência material desses órgãos jurisdicionais.

294    Além disso, conforme se sublinhou, supra, a Gazprom deve aplicar os compromissos finais de acordo com os fundamentos da decisão impugnada, ou arrisca‑se a que seja declarado que não cumpriu essa decisão. Por conseguinte, a Gazprom é obrigada, enquanto parte nos processos de arbitragem, a garantir, quando determina a competência dos árbitros e elabora os seus articulados, que estes reveem as fórmulas de fixação dos preços em conformidade com a referida decisão.

295    Atentas as considerações que precedem, o Tribunal Geral considera que, apesar da redação um pouco inábil dos termos controvertidos do considerando 178 da decisão impugnada, a Comissão não cometeu nem um erro de direito ao incluir esses termos, nem um erro manifesto de apreciação ao considerar que a obrigação de organizar as arbitragens no território da União era suscetível de reforçar a eficácia dos compromissos relativos às práticas tarifárias. Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira acusação da quarta parte do segundo fundamento.

b)      Quanto à possibilidade de a Comissão intervir como amicus curiae (segunda acusação)

296    Segundo a recorrente, a Comissão cometeu um erro de direito ao afirmar, no considerando 178 da decisão impugnada, que podia intervir como amicus curiae nas arbitragens. Ora, na fase atual do direito da União, não existia base jurídica para uma cooperação desse tipo entre a Comissão e os tribunais arbitrais. Assim, essa intervenção tinha de ser autorizada pelas partes nas arbitragens, o que não estava garantido no presente caso, dado que a Gazprom nunca a tal se comprometeu e inúmeros clientes podiam estar relutantes em envolver a Comissão dadas as informações sensíveis ou confidenciais trocadas e a postura considerada «favorável» à Gazprom que adotou no Processo AT.39816.

297    A recorrente acrescenta que a Comissão reconheceu que a sua participação como amicus curiae nem sempre estava garantida e insistia mais na possibilidade de intervir, ao abrigo do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, nos processos judiciais de fiscalização das sentenças arbitrais.

298    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

299    A este respeito, importa declarar, como a recorrente alega, que os compromissos finais de modo algum preveem o direito de a Comissão intervir como amicus curiae numa arbitragem que decorreu ao abrigo da cláusula compromissória prevista no n.o 19, alínea iv), desses compromissos e que esse direito não é de outra forma assegurado pelo direito da União.

300    Todavia, uma vez que precisamente a cláusula compromissória prevista no n.o 19, alínea iv), dos compromissos finais não abrange a questão da intervenção da Comissão como amicus curiae, o facto de esta instituição ter evocado, na decisão impugnada, essa possibilidade apesar de não estar garantida por esses compromissos, não é suscetível de pôr em causa a legalidade da referida decisão. Por conseguinte, a acusação da recorrente relativa a um erro de direito é irrelevante.

301    Atento o conjunto das considerações que precedem, há que julgar improcedente a segunda acusação da quarta parte deste fundamento e, consequentemente, julgar improcedente a integralidade do segundo fundamento.

D.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, por a Comissão ter aceitado os compromissos finais, embora não respondessem adequadamente às objeções relativas às restrições territoriais

302    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, a República da Lituânia e a Overgas, alega que a Comissão cometeu diversos erros manifestos de apreciação, em violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, por ter concluído que os compromissos relativos às restrições territoriais (n.os 5 a 17 dos compromissos finais) eram adequados. Este fundamento divide‑se, no essencial, em três partes.

303    A Comissão, apoiada pela Gazprom, considera que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente. No que respeita ao articulado de intervenção da Overgas, alega que a maior parte dos argumentos que aí figuram são inadmissíveis, pois não têm relação com o objeto do litígio conforme definido pelas partes principais.

1.      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à inadequação dos compromissos relativos às restrições territoriais considerados na sua globalidade

304    A recorrente entende que os compromissos relativos às restrições territoriais, considerados na sua globalidade, não são adequados. A Comissão, muito embora a sua análise prospetiva devesse ser particularmente plausível, não atendeu a diversos elementos que deveriam ter influenciado decisivamente o conteúdo desses compromissos.

305    Com efeito, a Comissão, apesar de na CO ter afirmado expressamente que a Gazprom tinha adotado uma «estratégia» de segmentação dos mercados, aceitou todavia compromissos seletivos que não davam uma resposta global a essa estratégia. Em especial, os compromissos relativos às restrições territoriais consistiam, no essencial, em pôr termo a certos mecanismos contratuais, embora a Gazprom também tivesse utilizado diversos procedimentos extracontratuais para impedir as reexportações de gás. Esta focalização nos mecanismos contratuais era tanto mais ineficaz, quanto a maior parte desses mecanismos já há muito havia sido suprimida. A Gazprom serviu‑se amplamente dos procedimentos extracontratuais, tendo a Comissão tido disso conhecimento.

306    Esta conclusão é ilustrada pelo facto de, em 2003 e 2005, a Comissão ter posto termo a inquéritos em matéria de concorrência por meio de transações informais que implicavam a eliminação de cláusulas territoriais expressamente previstas nos contratos celebrados pela Gazprom com a E.ON Ruhrgas AG e a ENI SpA, o que não impediu a Gazprom de continuar a dificultar a reexportação de gás através de outros processos. Do mesmo modo, para além do caso da crise de 2009/2010, no contexto da qual a recorrente tinha ficado exposta a uma grave falta de gás devido a perturbações nos fornecimentos de gás via Ucrânia, a Comissão tinha sido informada de práticas através das quais a Gazprom, durante o inverno de 2014/2015, tinha reduzido os fornecimentos de gás a fim de fazer cessar as reexportações de gás para a Ucrânia, o que teve consequências em alguns dos PECO em causa. Não se pode considerar que estes exemplos correspondem a simples violações contratuais e a abordagem adotada pela Comissão, excessivamente teórica, ignorava o facto de essas perturbações e reduções constituírem uma das facetas da estratégia da Gazprom.

307    Para além destas práticas extracontratuais, a recorrente sublinha o facto de as trocas de gás entre os PECO em causa terem sido difíceis devido a deficiências nas infraestruturas de transporte de gás que, em larga medida, eram o resultado das restrições territoriais impostas pela Gazprom, que, em especial, tinham asfixiado a procura transfronteiriça de gás. As melhorias desde então introduzidas nas infraestruturas não podem justificar a insuficiência dos referidos compromissos, que deveriam ter incluído medidas ativas da parte da Gazprom.

308    A Comissão contesta a argumentação da recorrente e da República da Polónia, que assentava em premissas erróneas, pelo que esta parte do fundamento devia ser julgada improcedente.

309    A este respeito, resulta efetivamente da apreciação preliminar da Comissão (v., em especial, título da secção 8 e n.o 246 da CO) que a Gazprom prossegue uma «estratégia» geral de segmentação dos mercados do gás. Porém, resulta igualmente dessa apreciação que essa estratégia se decompunha em diversas práticas anticoncorrenciais específicas (v., em especial, n.o 248 da CO e considerandos 54 a 60 da decisão impugnada). Era, portanto, lícito à Comissão procurar pôr cobro a esta estratégia de forma gradual, por meio de medidas que pusessem especificamente termo a cada uma dessas práticas, o que desativaria a referida estratégia.

310    Neste contexto, a fim de examinar se os compromissos relativos às restrições territoriais põem globalmente termo às diversas práticas a que se referem as objeções relativas a essas restrições, importa sublinhar que resulta tanto da CO como da decisão impugnada que essas objeções se referiam a duas categorias de práticas:

—        por um lado, restrições territoriais previstas expressamente em cláusulas contratuais, como cláusulas de destino, proibições de revenda ou de exportação (v., em especial, n.os 247 e 897 e secções 8.2 e 15.7.2.2 da CO, bem como o considerando 42 da decisão impugnada);

—        por outro lado, procedimentos contratuais e extracontratuais de efeito equivalente a restrições territoriais expressamente previstas (v., em especial, n.os 248, 322 e 898 e secções 8.3 e 15.7.2.3 da CO, bem como o considerando 43 da decisão impugnada), procedimentos esses que assumiram principalmente quatro formas, concretamente, em primeiro lugar, a combinação de uma cláusula dita de «expansão» com uma obrigação de informar a Gazprom, em segundo lugar, a recusa de alterar um ponto de entrega do gás previsto num contrato, em terceiro lugar, recusa de alterar a estação de medição (metering station) prevista num contrato e, em quarto lugar, no que respeita à Bulgária, estipulações contratuais específicas, designadamente relacionadas com as estações de medição, que atribuíam de facto à Gazprom um controlo das exportações de gás a partir desse país.

311    Ora, os compromissos relativos às restrições territoriais (n.os 5 a 17 dos compromissos finais), que pretendem dar resposta a essas objeções, englobam o seguinte:

—        proibição de cláusulas contratuais por meio das quais a Gazprom possa impedir ou limitar, direta ou indiretamente, a revenda ou a reexportação de gás pelos seus clientes afetados (a seguir «compromissos relativos às restrições à revenda e à reexportação»); conforme resulta, por um lado, dos considerandos 54 a 57 e das secções 5.1.1, 7.1.1 e 8.2.1.1 da decisão impugnada e, por outro, dos n.os 5 e 6 dos compromissos finais, essas medidas destinam‑se a acabar com as restrições territoriais expressamente previstas a que se refere o primeiro travessão do número anterior, bem como com o primeiro tipo de procedimentos a que se refere o segundo travessão desse mesmo número, ou seja, a conjugação de uma cláusula dita de «expansão» com uma obrigação de informar a Gazprom;

—        medidas que permitam alterar os pontos de entrega do gás (a seguir «compromissos relativos aos pontos de entrega»); conforme em especial resulta dos n.os 373 a 375 da CO, dos considerandos 59 e 60 e das secções 5.1.3, 7.1.3 e 8.2.1.3 da decisão impugnada e dos n.os 5 a 17 dos compromissos finais [na secção 1.2, intitulada «Changes of Delivery Points» (Alteração dos pontos de entrega)], essas medidas destinam‑se a pôr termo aos segundo e terceiro tipos de procedimentos expostos no segundo travessão do número anterior, ou seja, a recusa da Gazprom de alterar os pontos de entrega do gás ou as estações de medição;

—        medidas relacionadas com a gestão da rede de gás búlgara (a seguir «compromissos relativos à rede de gás búlgara»); conforme resulta, por um lado, do considerando 58 e das secções 5.1.2, 7.1.2 e 8.2.1.2 da decisão impugnada e, por outro, dos n.os 7 e 8 dos compromissos finais [na secção 1.1, intitulada «1.1 Changes to the Bulgarian Gas System» (Alterações ao sistema de gás búlgaro)], essas medidas destinam‑se a pôr termo ao quarto tipo de procedimentos expostos no segundo travessão do número anterior, ou seja, aos procedimentos que atribuíram de facto à Gazprom um controlo das exportações de gás a partir da Bulgária.

312    Assim, resulta das conclusões constantes do n.o 311, supra, que os n.os 5 a 17 dos compromissos finais abrangem o conjunto das práticas a que se referem as duas categorias incluídas nas objeções relativas às restrições territoriais e evocadas no n.o 310, supra. Por conseguinte, ao comparar essas objeções e esses compromissos, o Tribunal Geral não deteta qualquer lacuna na extensão dos referidos compromissos.

313    A conclusão exposta no número anterior não é posta em causa pelos outros argumentos aduzidos pela recorrente.

314    Com efeito, antes de mais, como a recorrente insiste na insuficiente tomada em consideração dos procedimentos extracontratuais utilizados pela Gazprom para segmentar os mercados dos PECO em causa, resulta das considerações que precedem que, no que respeita às quatro formas de procedimentos contratuais e extracontratuais efetivamente identificadas nas objeções relativas às restrições territoriais, a Comissão obteve compromissos que a isso pretendiam ser uma resposta.

315    Em especial, no que respeita aos procedimentos contratuais e extracontratuais ilustrados pela prática da Gazprom que consiste em utilizar uma combinação de uma cláusula dita de «expansão» com uma obrigação de informar a Gazprom [mencionada no primeiro tipo de procedimentos exposto no segundo travessão do n.o 310, supra, e no considerando 57 da decisão impugnada], cabe observar que a Comissão se referia à utilização por essa empresa de diversas estipulações contratuais que, sem impor restrições territoriais expressamente previstas, reduziu o incentivo económico dos seus clientes para revender ou reexportar o gás por ela fornecido e impediu assim as vendas transfronteiriças.

316    Ora, importa declarar que os n.os 5 e 6 dos compromissos finais se destinam a neutralizar as cláusulas qualificadas de «Clauses Restricting Resale» (cláusulas que limitam as revendas) e de «Territorial Restriction Clause» (cláusulas que impõem restrições territoriais) e que, face à definição desses conceitos constantes do n.o 4 desses compromissos, esses tipos de cláusulas cobrem um espetro muito amplo de estipulações; o que é confirmado pelo teor da «lista indicativa» constante do anexo 1 dos referidos compromissos, por força da qual são proibidas, entre outras, as cláusulas de expansão, os mecanismos de fiscalização e as obrigações de informação previstas nos contratos em causa.

317    Seguidamente, em primeiro lugar, a recorrente, embora deixe perceber que os compromissos relativos à rede de gás búlgara deviam ser alargados ao conjunto dos PECO em causa, não explica a sua relevância no que toca à situação nos outros PECO em causa. Em segundo lugar, o argumento relativo às transações informais efetuadas em 2003 e 2005 deve ser rejeitado, pois essas transações referiam‑se a práticas não relacionadas com os PECO em causa e, sobretudo, os compromissos relativos às restrições territoriais abrangem precisamente práticas que vão para além das restrições territoriais expressamente previstas. Em terceiro lugar, os comportamentos de que a Gazprom é acusada e que estão relacionados com a crise de 2009/2010, ou seja, as recusas em alterar um ponto de entrega ou uma estação de medição, estão abrangidos pelos compromissos relativos aos pontos de entrega (que serão examinados no contexto da segunda parte, infra). Em quarto lugar, as práticas associadas ao inverno de 2014/2015 não estão abrangidas pelas objeções relativas às restrições territoriais, pelo que a Comissão não tinha que sobre elas se pronunciar. Além disso, a própria recorrente admite que essas práticas tinham a ver sobretudo com a Ucrânia, sem explicar como é que as suas alegadas consequências a nível dos PECO em causa corriam o risco de se repetir apesar da adoção dos compromissos finais. Em quinto lugar, dado que a recorrente pretende invocar factos constantes da subsecção 8.2.2.2 da CO, basta observar, conforme manifestamente resulta dos elementos dessa subsecção e, mais genericamente, da secção 8.2, que a referida subsecção é relativa à fiscalização pela Gazprom da observância das antigas cláusulas de restrições territoriais expressamente previstas, e não aos procedimentos extracontratuais alegadamente não cobertos pelos compromissos.

318    Por último, há que rejeitar os argumentos da recorrente relativos às deficiências das infraestruturas de transporte de gás, pois as dificuldades mencionadas não se refletem nas preocupações em matéria de concorrência identificadas pela Comissão, incluindo no que respeita ao impacto futuro da conclusão do gasoduto Nord Stream 2. Além disso, das objeções expostas na CO não resulta que os compromissos finais deveriam incluir obrigações positivas, em termos de infraestruturas, para responder adequadamente a essas objeções, tanto mais que a recorrente não identifica em concreto quais as práticas anticoncorrenciais que justificavam tais obrigações.

319    Atentas as considerações que precedem, há que declarar que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação no que respeita à adequação dos compromissos relativos às restrições territoriais considerados globalmente. Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

2.      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à inadequação dos compromissos relativos aos pontos de entrega

320    A recorrente, a República da Polónia, a República da Lituânia e a Overgas deduzem, no essencial, seis acusações sobre a inadequação dos compromissos relativos aos pontos de entrega (n.os 9 a 17 dos compromissos finais).

321    A Comissão, apoiada pela Gazprom, contesta essas acusações e pede que seja declarada a inadmissibilidade parcial do articulado de intervenção da Overgas.

a)      Quanto à insuficiência de pontos de entrega em causa (primeira acusação)

322    A recorrente e a República da Lituânia consideram que os compromissos relativos aos pontos de entrega deviam abranger mais pontos do que os previstos no n.o 15 dos compromissos finais, dado que as melhorias nas infraestruturas invocadas pela Comissão para justificar a suficiência dos pontos definidos não asseguravam a livre circulação do gás nos PECO em causa.

323    No que em particular respeita à circulação de gás entre a Polónia e os seus vizinhos, a recorrente sublinha, antes de mais, que a Gazprom, atento o controlo que exerce sobre os troços alemães e polacos do gasoduto Yamal, está em condições de influenciar os fluxos inversos da Alemanha para a Polónia. Além disso, no estado atual das infraestruturas transfronteiriças na República Checa, na Hungria, na Polónia e na Eslováquia, não houve verdadeiramente melhorias nas trocas entre a Polónia e a Hungria. Além disso, a construção do gasoduto Nord Stream 2 devia reforçar a capacidade da Gazprom em termos de comportamentos anticoncorrenciais no mercado polaco. Ora, estas observações põem em relevo a insuficiência, no que respeita à Polónia, dos pontos de entrega limitados aos países bálticos, o que era dissonante com a especial atenção prestada à Polónia na CO.

324    Além disso, a República da Lituânia entende que, devido ao número insuficiente de pontos de entrega em causa, os compromissos relativos aos pontos de entrega não permitem impedir uma segmentação dos mercados do gás lituano, letão e estoniano.

325    A Comissão contesta a argumentação apresentada pela recorrente e pela República da Lituânia, pelo que a presente acusação deveria ser julgada improcedente.

326    O Tribunal Geral observa que os compromissos relativos aos pontos de entrega têm um objeto diferente dos relativos às restrições à revenda e à reexportação e que a sua relevância respetiva depende da existência ou suficiência de infraestruturas transfronteiriças de transporte de gás, ou seja, de um gasoduto que ligue dois PECO em causa ou, eventualmente, de um equipamento que permita o tratamento de gás natural liquefeito.

327    Por um lado, quando existam essas infraestruturas entre PECO em causa, o transporte direto do gás entre dois desses países é tecnicamente possível, embora a revenda ou a reexportação de gás russo de um desses países para outro por um cliente em causa da Gazprom possa ser dificultado por meio de medidas contratuais ou extracontratuais que impeçam ou limitem essa revenda ou essa reexportação. A Gazprom, segundo a apreciação preliminar da Comissão, havia posto essas medidas em prática no passado e os compromissos relativos às restrições à revenda e à reexportação destinam‑se a pôr‑lhes termo.

328    Por outro lado, quando não existam essas infraestruturas entre PECO em causa ou sejam insuficientes, os compromissos relativos às restrições à revenda e à reexportação são ineficazes, conforme no essencial resulta do considerando 171, in fine, da decisão impugnada, pois o transporte direto de gás entre dois desses países é tecnicamente impossível ou insuficiente. Nesta situação, que é objeto da ora segunda parte, a revenda ou reexportação de gás russo pode então ocorrer através de uma alteração do ponto de entrega ou da estação de medição, a fim de o gás adquirido pelo cliente da Gazprom em causa ser redirecionado do seu ponto de entrega inicial para o novo ponto de entrega a que esse cliente pretende revender o gás.

329    Todavia, essa modificação obriga à obtenção de um acordo ou da cooperação da Gazprom, ou seja, a uma intervenção ativa desta (conforme em especial resulta dos n.os 362, 363 e 373 a 375 da CO e dos considerandos 59, 60 e 171 dessa decisão). Segundo a apreciação preliminar da Comissão, a Gazprom recusou no passado essa intervenção, ao recusar alterações do ponto de entrega ou da estação de medição do gás.

330    Ora, os compromissos relativos aos pontos de entrega destinam‑se precisamente a garantir, em determinadas circunstâncias, uma intervenção ativa da Gazprom ao obrigá‑la a aceitar uma alteração do ponto de entrega solicitada por um cliente que pretenda revender o gás, destinado ao seu país, a um outro PECO interessado, subentendendo‑se que essa alteração do ponto de entrega também inclui a eventual alteração da estação de medição. Em especial, esses compromissos definem quatro combinações de alterações de pontos de entrega suscetíveis de permitir a revenda de gás, de forma bidirecional, concretamente, em primeiro lugar, entre a Polónia e os países bálticos, em segundo, entre a Eslováquia e os países bálticos, em terceiro, entre a Hungria e a Bulgária e, em quarto, entre a Eslováquia e a Bulgária [v. considerandos 170 a 172 da decisão impugnada e n.o 15, alíneas i) a iv), dos compromissos finais].

331    Nesse contexto, a recorrente entende que a possibilidade de revender ou de lhe ser revendido gás apenas a partir dos países bálticos, com exclusão de outros países, é insuficiente. Importa a este respeito sublinhar que, efetivamente, as recusas de alteração do ponto de entrega ou da estação de medição, referidas pela Comissão na CO, diziam especialmente respeito à Polónia, dado que os pedidos de alteração em causa tinham sido apresentados para dar resposta à necessidade premente de gás desse país, decorrente da crise que atravessou em 2009/2010 (conforme resulta, em especial, dos n.os 342 a 386, 648 e 878 a 893 da CO, bem como dos considerandos 59 e 60 da decisão impugnada).

332    Todavia, há que reconhecer que a Polónia beneficiou da melhoria das infraestruturas transfronteiriças de transporte de gás referida no considerando 170 da decisão impugnada, dado que esse país pode importar volumes substanciais de gás a partir da Alemanha, muito superiores ao défice de 2,5 milhares de milhões de metros cúbicos de gás que a Polónia teve de enfrentar quando da crise de 2009/2010.

333    Com efeito, conforme resulta dos n.os 734 e 1033 da CO, foram efetuadas no gasoduto Yamal as operações necessárias para permitir, a partir de 2014, fluxos físicos inversos a partir da Alemanha. Do mesmo modo, resulta de um comunicado de imprensa de 8 de janeiro de 2015 publicado pela Gaz‑System que, devido a diversos melhoramentos técnicos, era possível, a partir do início de 2015, importar da Alemanha cerca de 5,5 milhares de milhões de metros cúbicos de gás por ano, em capacidades firmes, através de fluxos inversos virtuais nesse gasoduto (v. nota n.o 76 da CO). O mesmo comunicado refere igualmente que passava a ser possível, a partir dessa data, transportar, a partir do oeste e do sul da Polónia, mais de 90 % das necessidades de importação de gás desse país, tendo em conta outros meios técnicos, incluindo a possibilidade de importar, através do referido gasoduto, 2,7 milhares de milhões de metros cúbicos de gás por ano, no contexto das capacidades interruptíveis.

334    Além disso, o Tribunal Geral sublinha que os compromissos relativos aos pontos de entrega se destinam a dar resposta às deficiências em termos de infraestruturas que, em si mesmas, não são da responsabilidade da Gazprom, não obstante a sua eventual responsabilidade específica enquanto empresa dominante. A acrescer a esse facto, as alterações do ponto de entrega nem sempre são possíveis ou fáceis, pois implicam, para a Gazprom, limitações de ordem técnica, evocadas nos considerandos 59 e 173 da decisão impugnada.

335    Por outro lado, não é decerto de excluir que a Comissão pudesse, eventualmente, declarar, no âmbito de uma decisão adotada ao abrigo do artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003, que as recusas, por parte da Gazprom, em alterar o ponto de entrega ou a estação de medição constantes da CO constituíam uma violação do artigo 102.o TFUE. Porém, essa eventual declaração não implica que a Gazprom tivesse de necessariamente garantir um maior número de alterações do ponto de entrega, mesmo que essa medida pudesse ser mais favorável à concorrência (v., neste sentido, Acórdão Morningstar, n.o 59).

336    Daqui decorre que, apesar de os compromissos relativos aos pontos de entrega se terem inspirado na prática da Gazprom, que consiste em recusar alterações do ponto de entrega ou da estação de medição, e de eventualmente permitirem evitar a situação com que se viu confrontada a Polónia durante a crise de 2009/2010, isto não implica que os referidos compromissos devessem permitir aos clientes afetados desse país revender ou que lhes fosse revendido gás a partir de inúmeros países. Atento o isolamento dos países bálticos e da Bulgária mencionado no considerando 171 da decisão impugnada, a Comissão podia concentrar‑se nas possibilidades oferecidas a esses PECO em causa.

337    Nessas condições, a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, aceitar que, relativamente a esse país, os compromissos relativos aos pontos de entrega ficassem limitados à combinação de alterações prevista no n.o 15, alínea i), dos compromissos finais, ou seja, à possibilidade de estabelecer relações de revenda, num ou noutro sentido, unicamente com os países bálticos.

338    Esta conclusão não é posta em causa pelas alegações da recorrente relativas ao controlo que a Gazprom exerce sobre o troço polaco do gasoduto Yamal. Com efeito, como essas alegações correspondem às apresentadas no contexto da primeira parte do primeiro fundamento, basta recordar que essa parte do primeiro fundamento foi julgada improcedente. Além disso, a Comissão, no seu parecer de 9 de setembro de 2014, declarou que a Gaz‑System controlava os fluxos de gás nesse troço, o que de resto foi confirmado pela recorrente nas respostas de 8 de dezembro de 2020.

339    Por último, no que se refere ao argumento aduzido pela República da Lituânia e relativo ao facto de a insuficiência dos pontos de entrega em causa não permitir impedir uma segmentação dos mercados bálticos do gás, basta referir que não justificou o seu argumento e, designadamente, não indicou que outros pontos de entrega poderiam permitir pôr termo a essa alegada segmentação.

340    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira acusação da segunda parte do terceiro fundamento.

b)      Quanto à inadequação da taxa de serviço (segunda acusação)

341    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, a República da Lituânia e a Overgas, considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar os custos previstos no n.o 15 dos compromissos finais (a seguir «taxa de serviço»), por serem excessivos e, por conseguinte, tornarem impossível, em condições normais de mercado, qualquer alteração rentável do ponto de entrega.

342    Em primeiro lugar, esse caráter excessivo resultava do facto de a taxa de serviço ser fixa, desligada dos custos efetivamente suportados pela Gazprom. Ora, esses custos sofriam a influência de diversos elementos, que variam, em especial, consoante as capacidades de transporte já estejam reservadas ou o gás seja transportado por uma rede de gás pertencente ao grupo Gazprom. A Comissão deveria ter antes previsto um método de cálculo transparente para a referida taxa, conforme algumas das partes interessadas assinalaram quando da consulta do mercado. Na verdade, nada indicava que a Comissão tivesse procedido a uma análise económica ou tivesse recolhido os dados necessários. Quanto a este aspeto, a República da Lituânia e a Overgas sublinham que os custos de transporte suportados pela Gazprom eram mínimos e, de todo o modo, inferiores ao nível da referida taxa.

343    Em segundo lugar, contrariamente ao que a Comissão sustenta, a recorrente considera ter fundamentado suficientemente o caráter excessivo do nível da taxa de serviço, pois apresentou elementos económicos sobre esse aspeto no âmbito da consulta do mercado. Além disso, segundo a Overgas, a evolução do montante dessa taxa, que sofreu uma redução significativa, da ordem dos 30 %, entre os compromissos iniciais e os finais, também confirmava o seu nível excessivo e a necessidade de transparência.

344    Em terceiro lugar, a Overgas sustenta que o pagamento de qualquer taxa reduz a eficácia dos compromissos, pelo que esses compromissos consistiram fundamentalmente em substituir um obstáculo, ou seja, as recusas categóricas da Gazprom em alterar os pontos de entrega, por outro, isto é, o pagamento dessa taxa. Com efeito, o facto de a alteração de ponto de entrega ser normalmente paga não pode justificar o pagamento de uma taxa de serviço no presente caso e a Gazprom deveria proceder às alterações a título gratuito, tendo em vista a sua especial responsabilidade enquanto empresa dominante.

345    Em quarto lugar, os objetivos contraditórios atribuídos aos compromissos relativos aos pontos de entrega confirmavam o nível excessivo da taxa de serviço. Por um lado, o considerando 172 da decisão impugnada refere que o objetivo desses compromissos é «integrar melhor os mercados de gás da Europa Central e Oriental e superar o isolamento infraestrutural dos mercados de gás dos países bálticos e da Bulgária». Esse objetivo sugere que a referida taxa devia ser fixada a um nível que permita um comércio regular entre grossistas, a fim de diversificar duradouramente o fornecimento grossista dos mercados do gás búlgaro e bálticos. Por outro lado, resultava do considerando 174 dessa decisão que as alterações dos pontos de entrega só seriam interessantes se os preços «divergissem significativamente» entre os PECO em causa.

346    Por seu lado, a Comissão e a Gazprom consideram que a taxa de serviço é adequada, pelo que a presente acusação deve ser julgada improcedente. A Gazprom remete, em apoio da sua argumentação, para diversos elementos constantes do seu estudo económico, elementos esses que foram contestados no estudo económico da recorrente.

347    A este propósito, resulta dos autos que, para determinar a taxa de serviço, a Comissão e a Gazprom consideraram inicialmente a hipótese de uma abordagem baseada numa estimativa dos custos de transporte de gás entre pares de pontos de entrega, ilustrada em [confidencial], abordagem essa que se revelou ser complexa e que daria lugar a taxas de serviço muito elevadas.

348    Foi devido a essas taxas de serviço muito elevadas que a Comissão e a Gazprom optaram em seguida por uma abordagem alternativa, ou seja, pela fixação dessa taxa de forma a permitir a arbitragens de preços (price arbitrage) e a constituir apenas uma pequena parte do preço do gás entregue num novo ponto. Dessa opção resultou a taxa de serviço prevista no n.o 15 dos compromissos finais, fixada em 0,76 e 1,52 euros/MWh (megawatt/hora) consoante a combinação de pontos de entrega em causa, taxa essa que sofreu uma redução por referência à prevista nos compromissos iniciais (v. considerando 151 da decisão impugnada).

349    Ora, observe‑se que, no que em especial respeita à taxa de serviço de 0,76 euro/MWh para uma alteração do ponto de entrega entre a Polónia e um dos países bálticos, ou seja, a única taxa de serviço que pode dizer respeito à recorrente, essa taxa corresponde, segundo a Comissão, e sem que a recorrente o conteste, a cerca de [confidencial] do preço do gás pago por esta em 2017 e 2018, ou seja, num período em que esse preço tinha convergido com os aplicáveis na Europa Ocidental. Esta conclusão resulta igualmente das evoluções de preços que figuram no gráfico n.o 1 incluído na contestação (reproduzido infra), pois esse gráfico reflete [confidencial].

350    A esse nível de taxa de serviço, considerando que os preços estão alinhados entre a Polónia e os países bálticos e que correspondem ao preço do gás pago pela recorrente em 2017 e 2018, uma alteração do ponto de entrega seria rentável se os preços na Polónia e nos países bálticos divergissem mais de [confidencial] por referência ao referido preço de 2017 e de 2018, sem prejuízo de eventuais custos adicionais e de uma margem para o cliente revendedor em causa.

[confidencial]

351    Além disso, resulta igualmente desse gráfico n.o 1 que, entre 2009 e 2017, os preços do gás nos PECO em causa eram [confidencial]. A partir da «avaliação contrafactual» constante do estudo económico da Gazprom chega‑se a uma conclusão similar.

352    Por conseguinte, as alterações do ponto de entrega podiam ser rentáveis em determinadas circunstâncias, semelhantes às referidas no referido gráfico, sem prejuízo da eventual existência de custos adicionais e de uma margem para o cliente revendedor em causa. A este propósito, a recorrente apenas evocou potenciais custos de acesso, embora não os tenha quantificado, nem quaisquer outros custos eventuais.

353    Além disso, sublinhe‑se, como já se fez no n.o 334, supra, que os compromissos relativos aos pontos de entrega se destinam a dar resposta às deficiências em termos de infraestruturas que, em si mesmas, não são da responsabilidade da Gazprom. Esta conclusão implica que a Comissão, face às preocupações que expôs em relação às recusas anteriores da Gazprom em alterar um ponto de entrega, embora pudesse exigir um mecanismo como o previsto nos compromissos relativos aos pontos de entrega, não tinha de garantir que esses compromissos permitem operações de arbitragem de preços comparáveis às que podem ter lugar quando existem infraestruturas transfronteiriças.

354    Atento o que precede, o Tribunal Geral considera que a Comissão podia, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, aceitar a taxa de serviço prevista no n.o 15 dos compromissos finais na perspetiva do objetivo dos compromissos relativos aos pontos de entrega, constante do considerando 174 da decisão impugnada, segundo o qual estes devem dar resposta a situações em que os preços deviam «divergir significativamente» entre os mercados do gás dos PECO em causa.

355    Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos apresentados pela recorrente e pela República da Lituânia, pela República da Polónia e pela Overgas, que intervieram em seu apoio.

356    Em primeiro lugar, como a recorrente alega que uma comparação com um período anterior à adoção da decisão impugnada não era adequada, especialmente com o período de 2009 a 2014, pois os preços do gás eram excessivos, importa, por um lado, observar que a adequação da taxa de serviço deve ser apreciada em função das diferenças de preços entre os PECO em causa e não do nível desses preços. Por outro lado, resulta do gráfico n.o 1 mencionado, supra, que, mesmo durante um período de convergência com os preços da Europa Ocidental (conforme representados na curva «TTF — month ahead»), isto é, em especial [confidencial], permitem arbitragens de preços. De todo o modo, não se pode esperar que os compromissos relativos aos pontos de entrega permitam arbitragens de preços em circunstâncias em que os preços dos PECO são concorrenciais e não divergem.

357    Na medida em que a Overgas sustentou, na audiência, que a taxa de serviço passaria a ser inadequada em caso de queda dos preços do gás, como a queda de 40 % ocorrida na Bulgária no decurso do litígio, importa sublinhar que os compromissos relativos aos pontos de entrega permitem tirar partido de uma situação como a queda de preços num dos PECO em causa, que não se repetiria num dos outros PECO em causa, já que essa divergência poderia precisamente permitir uma arbitragem de preços.

358    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual tinha ficado acordado favorecer taxas de serviço baseadas nos custos reais efetivamente suportados pela Gazprom para proceder a alterações de pontos de entrega, o Tribunal Geral observa que a Comissão não parece ter considerado esse método, aparentemente razoável, nem procurado determinar, pelo menos de forma aproximada, o nível desses custos reais, tendo em conta fatores como os custos de transmissão ou de compensação.

359    Porém, a Comissão, dado o seu amplo poder de apreciação no contexto de um procedimento de compromissos, podia aceitar taxas de serviço fixas, dadas as vantagens em termos de transparência e previsibilidade, que permitiriam arbitragens de preços. Além disso, mesmo admitindo que os custos reais de uma alteração do ponto de entrega são inferiores ao valor da referida taxa de serviço, essa circunstância não é suscetível de pôr em causa a sua adequação, desde que as alterações do ponto de entrega sejam possíveis e rentáveis quando existam diferenças significativas de preço entre os PECO em causa.

360    Em terceiro lugar, na medida em que a recorrente e a Overgas enfatizam os riscos ligados à hipótese de os custos reais serem superiores a essa taxa, pelo que a Gazprom faturaria esses custos e não a taxa de serviço fixa, cabe sublinhar que a Gazprom é obrigada a apresentar provas documentais dos referidos custos e que um eventual desacordo entre a Gazprom e o cliente em causa poderá ser submetido ao mandatário responsável pelo acompanhamento dos compromissos finais [v. n.os 15, 16 e 32, alínea vi), dos compromissos finais].

361    Em quarto lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual a alteração do ponto de entrega devia ser gratuitamente oferecida pela Gazprom, basta sublinhar que a Comissão nunca pôs em causa, mesmo quando formulou as suas preocupações na CO, o direito de a Gazprom faturar aos seus clientes o custo dessa alteração (v., em especial, n.o 883 da CO).

362    Em quinto lugar, no que toca à pretensa contradição entre os fundamentos dos considerandos 172 e 173 da decisão impugnada, não se exclui que a afirmação constante do considerando 172 dessa decisão, segundo a qual os compromissos relativos aos pontos de entrega «são um meio eficaz de integrar melhor os mercados de gás da Europa Central e Oriental», seja enfática. Todavia, esta afirmação não é passível de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada, pois não constitui o suporte necessário da parte decisória desse ato (v., neste sentido, Despacho de 28 de janeiro de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑164/02, EU:C:2004:54, n.o 21).

363    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda acusação da segunda parte do terceiro fundamento.

c)      Quanto à inadequada limitação da duração dos contratos (terceira acusação)

364    Segundo a recorrente e a República da Lituânia, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar que os compromissos relativos aos pontos de entrega apenas se apliquem aos contratos com uma duração de pelo menos 18 meses, pois essa condição tornava esses compromissos ineficazes em relação aos clientes Lituanos da Gazprom, que normalmente não celebram contratos com uma duração superior a um ano. Além disso, as limitações ligadas a esses compromissos não encorajavam a Gazprom a aumentar a referida duração.

365    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

366    O Tribunal Geral observa que os compromissos relativos aos pontos de entrega exigem um período mínimo de entrega no novo ponto de pelo menos 12 meses e um prazo de concretização (lead‑time) de pelo menos 4 meses para a execução de um pedido de alteração do ponto de entrega (v. n.o 10, segundo parágrafo, e n.o 11 dos compromissos finais). Resulta do considerando 173 da decisão impugnada que a Comissão considerou que essas exigências eram proporcionadas face às limitações técnicas associadas à alteração de um ponto de entrega.

367    Ora, a recorrente e a República da Lituânia não puseram em causa o facto de esses prazos de 12 e 4 meses, ou seja, de 16 meses no total, serem proporcionados dadas as referidas limitações técnicas. Tendo em conta esse período de 16 meses, a Comissão podia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, reservar as alterações de pontos de entrega para os contratos com uma duração de pelo menos 18 meses.

368    Além disso, importa sublinhar que, se os grossistas que eram clientes da Gazprom em 23 de abril de 2015 tivessem de no futuro celebrar contratos com uma duração de pelo menos 18 meses, poderiam invocar os compromissos relativos aos pontos de entrega, apesar de os seus contratos atuais só terem normalmente uma duração de um ano [v. n.o 4, sob o título «Eligible Customer» (cliente elegível), e n.o 9 dos compromissos finais]. Na medida em que a República da Lituânia sustenta que esses compromissos não incitam a Gazprom a celebrar contratos por períodos superiores a 18 meses, basta observar que, não havendo preocupações em matéria de concorrência no que toca aos contratos de curto duração, a Comissão não tinha de obrigar a Gazprom a propor contratos com uma duração de pelo menos 18 meses.

369    Quanto ao mais, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual o prazo de concretização de 4 meses permitia à Gazprom oferecer melhores condições ao grossista que adquire gás proveniente de outro PECO em causa, pois essa situação decorria da arbitragem de preços e do jogo da concorrência que decorre precisamente da possibilidade de alterar o ponto de entrega.

370    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira acusação da segunda parte do terceiro fundamento.

d)      Quanto à inadequação da condição relativa ao volume mínimo de gás (quarta acusação)

371    A recorrente e a República da Lituânia alegam que o volume mínimo de gás necessário para solicitar uma alteração do ponto de entrega, fixado em 50 milhões de metros cúbicos, é demasiado elevado face aos volumes que podem ser objeto de uma alteração do ponto de entrega. Com efeito, essa alteração só era acessível aos grossistas importantes e implicava que estes tivessem a expectativa de adquirir partes substanciais do mercado servido pelo novo ponto de entrega, o que tornava esses compromissos totalmente ilusórios. Assim, esse volume mínimo representava pelo menos 10 % das necessidades anuais dos maiores grossistas bálticos e, segundo o estudo económico da recorrente, correspondia, em termos de consumo de gás, a 17 % do mercado estoniano, a 12 % do mercado letão e a 3 % do mercado lituano.

372    Além disso, os clientes em causa que pretendessem revender o seu gás não dispunham, na prática, de grandes volumes excedentários, pelo que uma alteração do ponto de entrega implicava, na verdade, uma encomenda adicional à Gazprom para se atingir o limiar de 50 milhões de metros cúbicos de gás, embora a revenda associada a essa alteração fosse incerta, pois, por exemplo, a Gazprom podia recusar a referida alteração caso não existisse capacidade de transporte.

373    A Comissão considera que a presente acusação deve ser julgada improcedente.

374    A este propósito, recorde‑se que, conforme resulta do considerando 173 da decisão impugnada, a Comissão considerou que essas exigências eram proporcionadas face às limitações técnicas ligadas à alteração do ponto de entrega e dada a dimensão dos mercados de gás em causa. Ora, embora a recorrente e a República da Lituânia, face à dimensão dos mercados do gás dos países bálticos, contestem, no essencial, a proporcionalidade do volume mínimo de 50 milhões de metros cúbicos previsto no n.o 20 dos compromissos finais, não põem em causa as considerações relativas às referidas limitações.

375    Em seguida, importa sublinhar que, como os três países bálticos dispõem de importantes capacidades de interconexão, conforme a Comissão alegou sem ser contestada e como resulta do n.o 138 da CO, há que considerar todo o seu consumo de gás. Ora, o volume mínimo de 50 milhões de metros cúbicos só representava 1,25 % desse consumo total em 2018, pelo que a Comissão podia considerar, como de resto fez no considerando 173 da decisão impugnada, que esse volume era proporcionado dada a dimensão desses mercados, considerados no seu conjunto.

376    Quanto ao mais, o argumento da recorrente relativo aos volumes excedentários insuficientes para se tirar partido de uma alteração do ponto de entrega não pode justificar que se conclua pela inadequação do volume mínimo, pois as opções feitas por esses clientes no que respeita à utilização de volumes inicialmente adquiridos à Gazprom ou à aquisição de volumes adicionais são da sua responsabilidade. De todo o modo, importa observar que os clientes estabelecidos nos países bálticos podiam potencialmente abastecer‑se em gás junto de outros grossistas nesses países, dadas as interconexões entre os referidos países mencionadas no número anterior e a existência de um terminal de gás natural líquido na Lituânia (conforme referido no n.o 135 da CO).

377    Atento o que precede e também as considerações expostas nos n.os 334 e 335, supra, há que declarar que os compromissos relativos aos pontos de entrega não padecem de um erro manifesto de apreciação no que respeita à exigência relativa ao volume mínimo de gás necessário para solicitar uma alteração de ponto de entrega. Assim, há que julgar improcedente a quarta acusação da segunda parte do terceiro fundamento.

e)      Quanto à insuficiente tomada em consideração das condições de mercado na Bulgária (quinta acusação)

378    A Overgas considera que os compromissos relativos aos pontos de entrega são inadequados face às preocupações em matéria de concorrência no que respeita ao isolamento do mercado búlgaro e ao objetivo da Comissão de modificar duravelmente a estrutura desse mercado. Esses compromissos não introduzem melhorias nem na segurança nem na diversificação do fornecimento de gás à Bulgária dado que, na verdade, apenas permitem uma substituição do fornecimento de gás russo através de importadores búlgaros pelo fornecimento de gás russo através de exportadores eslovacos ou húngaros.

379    Segundo a Overgas, a Gazprom devia ter‑se comprometido, em primeiro lugar, a permitir não apenas alterações do ponto de entrega do gás russo, mas também trocas entre gás russo e gás natural líquido, em segundo, a criar plataformas de negociação de gás nas fronteiras entre a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia e, em terceiro, a abster‑se de dificultar a aplicação de medidas de diversificação do abastecimento em gás. A Comissão tinha‑se erradamente recusado a considerar medidas desse tipo por entender que extravasavam o âmbito do seu inquérito no Processo AT.39816.

380    De todo o modo, os compromissos relativos aos pontos de entrega não permitiam dar resposta às preocupações que integravam o âmbito do inquérito conforme definido pela Comissão, pois os clientes afetados que pretendiam fornecer gás na Bulgária não tinham capacidade nem incentivos para transportar o gás vendido para além dos pontos de entrega em Negru Vodă (Roménia). Com efeito, o contrato de transporte celebrado entre a Bulgartransgaz e a Gazprom reservava 99,5 % da capacidade de transporte na Bulgária para esta, o que impedia os grossistas de outros PECO em causa de transportar o seu gás entre um dado ponto de Negru Vodă e os eventuais clientes na Bulgária. Além disso, o contrato de fornecimento de gás celebrado entre a Gazprom e a Bulgargaz previa uma obrigação firme de compra (obrigação «take or pay») para volumes importantes de gás, que representavam uma parte importante das necessidades búlgaras e, portanto, um grande obstáculo à entrada desses grossistas. Por último, os clientes búlgaros estavam normalmente vinculados ao seu fornecedor atual, no presente caso a Bulgargaz, por contratos de fornecimento de longa duração, pelo que não eram uma clientela ao dispor dos referidos grossistas.

381    A Comissão considera, a título principal, que a presente acusação é inadmissível, conforme se evocou nos n.os 303 e 321, supra, e, a título subsidiário, improcedente.

382    Nas suas respostas de 26 de novembro de 2020, a Overgas contestou essa inadmissibilidade e alegou, no essencial, que a jurisprudência permitia aos intervenientes aduzir um largo espetro de argumentos e que o conjunto dos seus argumentos estava diretamente relacionado com o objeto do litígio. A interpretação que a Comissão fez do objeto do litígio privava os articulados de intervenção de qualquer utilidade, pois os intervenientes deveriam limitar‑se a repetir os argumentos das partes principais.

383    A este respeito, cabe sublinhar que, apesar de a recorrente se ter focado no impacto que os compromissos relativos aos pontos de entrega teriam na Polónia, a Overgas põe em causa a adequação desses mesmos compromissos na presente acusação, pelo que não extravasa o objeto do litígio e deve ser julgado admissível.

384    Quanto à procedência dessa acusação, Tribunal Geral observa que, como a Overgas pretendia compromissos que garantissem uma diversificação das fontes de abastecimento de gás, a fim de pôr termo à dependência da Bulgária do gás russo, esses compromissos, conforme a Comissão sublinhou, excediam o âmbito dos compromissos relativos aos pontos de entrega conforme definido nas preocupações em matéria de concorrência expostas na CO. Essas preocupações não se referiam à diversificação das fontes de gás, mas em particular à estratégia da Gazprom para evitar que o seu gás russo fornecido por um dos seus clientes faça concorrência ao seu gás russo fornecido por outros dos seus clientes [v., nomeadamente, n.o 250 da CO e considerando 160 da decisão impugnada, que evoca uma «Russian‑on‑Russian gas competition» (concorrência entre gás russo)].

385    Além disso, no que toca à reserva de 99,5 % da capacidade da rede da Bulgartransgaz pela Gazprom, há que sublinhar que a Comissão indicou, sem que a Overgas o tivesse contestado, que essa reserva se referia aos pontos de entrada de Negru Vodă e estava incluída na obrigação, definida no penúltimo parágrafo do n.o 15 dos compromissos finais, de a Gazprom utilizar as suas reservas de capacidade existentes.

386    Além disso, no que respeita às obrigações firmes de aquisição alegadamente impostas à Bulgargaz, basta referir que a Comissão, embora tenha examinado a existência de obrigações desse tipo na CO, não manifestou preocupações em matéria de concorrência a esse respeito, conforme resulta do considerando 134 da decisão impugnada. Ademais, essas obrigações firmes de aquisição não impedem os clientes afetados da Gazprom situados na Eslováquia ou na Hungria de revender volumes de gás a outros grossistas que não a Bulgargaz.

387    Por último, o argumento relativo aos contratos de longa duração que vinculam os clientes búlgaros a montante deve ser rejeitado, pois esses contratos não fazem parte das preocupações em matéria de concorrência expostas na CO. Além disso, a Overgas não explica como é que eventuais deficiências desses mercados eram imputáveis à Gazprom, nem que compromissos essa empresa poderia ter assumido para corrigir efeitos de contratos em que não é parte.

388    Atento o que precede, há que declarar que a Comissão não cometeu o erro manifesto de apreciação alegado pela Overgas, que decorria do facto de não ter tido suficientemente em conta as condições de mercado na Bulgária. Por conseguinte, há que julgar improcedente a quinta acusação da segunda parte do terceiro fundamento.

f)      Quanto à não tomada em consideração da evolução provável e previsível da política de trânsito da Gazprom (sexta acusação)

389    Segundo a Overgas, os compromissos relativos aos pontos de entrega não têm em devida conta a evolução provável e previsível da política de trânsito da Gazprom, particularmente tendo em vista a construção dos gasodutos Nord Stream 2 e TurkStream, embora essa evolução tenha implicações diretas na eficácia desses compromissos. Além disso, as incertezas quanto à entrada em serviço desses gasodutos não podem justificar essa falha, dadas as intenções notórias da Gazprom e a instabilidade que caracteriza o setor do gás.

390    No que mais em especial respeita à Bulgária, a Comissão, quando da elaboração dos compromissos, devia ter considerado a hipótese de a Gazprom, a termo, decidir não prorrogar o seu contrato de trânsito de gás com a empresa ucraniana Naftogaz e, em substituição, encaminhar o seu gás até a um novo ponto de entrega na fronteira turco‑búlgara. Ora, a República da Turquia não é membro da comunidade da energia, pelo que os pontos de entrega situados no território desse Estado não integravam o âmbito do direito da União.

391    A Comissão considera, a título principal, que a presente acusação é inadmissível e, a título subsidiário, improcedente.

392    A este respeito, pelas razões expostas no n.o 383, supra, e uma vez que a presente acusação da Overgas se refere aos compromissos relativos aos pontos de entrega, há que a declarar admissível.

393    No que respeita à procedência dessa acusação, dado que a recorrente sustenta que uma pretensa evolução da «política de trânsito» da Gazprom pode fazer com que as combinações previstas no n.o 15 dos compromissos finais fiquem desatualizadas, importa sublinhar, como a Comissão corretamente fez, que os compromissos relativos aos pontos de entrega preveem a possibilidade de um ponto de entrega em causa ser substituído por outro se a Gazprom deixar de utilizar o ponto de entrega inicial (n.o 10, quarto parágrafo, dos compromissos finais).

394    Para além disso, a circunstância de um novo ponto de entrega estar localizado fora do território da União ou do território dos membros da comunidade da energia não põe em causa a eficácia dos compromissos, pois essa eficácia não depende da observância do direito da União pelo gestor da rede do país terceiro em causa, mas resulta do facto de ser vinculativo para a Gazprom.

395    Por outro lado, admitindo que a Overgas, com a presente acusação, pretende afirmar que a Comissão deveria ter previsto compromissos que especificamente se referissem à construção e entrada em funcionamento dos gasodutos Nord Stream 2 e TurkStream, basta recordar que a CO não inclui preocupações em matéria de concorrência relativas a esses gasodutos.

396    Por último, na medida em que a entrada em funcionamento desses gasodutos implicava uma evolução significativa do comportamento da Gazprom nos mercados do gás dos PECO em causa, importa observar que essa circunstância pode constituir uma importante alteração de um dos factos em que assenta a decisão impugnada e, portanto, permitir à Comissão, ao abrigo do disposto no artigo 9.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003, reabrir o procedimento administrativo. Todavia, essa circunstância não constitui um elemento que permita considerar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação no que se refere aos compromissos relativos aos pontos de entrega.

397    Por conseguinte, há que julgar improcedente a sexta acusação da segunda parte do terceiro fundamento.

398    Na medida em que, na audiência, a Overgas sublinhou que os compromissos relativos aos pontos de entrega eram inadequados face a uma avaliação global das deficiências e omissões alegadas nas seis acusações examinadas, supra, importa declarar que essas acusações foram individualmente julgadas improcedentes e que, mesmo consideradas no seu conjunto, não permitem concluir que a aceitação desses compromissos padece de um erro manifesto de apreciação, apesar de os clientes afetados da Gazprom só poderem recorrer a alterações do ponto de entrega em determinadas circunstâncias específicas.

399    Atento o que precede, há que julgar totalmente improcedente a segunda parte do terceiro fundamento.

3.      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à inadequação dos compromissos relativos à rede de gás búlgara

400    Segundo a Overgas, os compromissos relativos à rede de gás búlgara, conforme previstos nos n.os 7 e 8 dos compromissos finais, constituem uma resposta inadequada às preocupações em matéria de concorrência a esse respeito. Em primeiro lugar, a Comissão estruturou essas preocupações em duas categorias de restrições imputadas à Gazprom, ou seja, restrições que dificultam as exportações de gás a partir da Bulgária e restrições que dificultam as importações de gás para esse país. Ora, conforme resulta dos considerandos 167 a 169 da decisão impugnada, os compromissos relativos à rede de gás búlgara apenas resolvem o problema das restrições que dificultam as importações de gás para a Bulgária.

401    Em segundo lugar, os compromissos relativos à rede de gás búlgara eram inadequados pois violavam os princípios fundamentais da regulamentação da União relativa ao setor do gás. Com efeito, o contrato de fornecimento de gás celebrado entre a Gazprom e a Bulgargaz incluía cláusulas contrárias ao princípio, consagrado na diretiva sobre o gás, da separação das atividades de gestão da rede de transporte das atividades de produção ou fornecimento de gás. Ora, os referidos compromissos não obrigam à supressão dessas cláusulas.

402    Em terceiro lugar, a Overgas considera que os compromissos relativos à rede de gás búlgara não respeitam as exigências previstas no n.o 128 das boas práticas nem as definidas na jurisprudência, segundo as quais os compromissos devem ser diretamente aplicáveis e, quando não possam ser postos em prática sem o acordo de terceiros, a empresa em causa deve fazer prova de que esses terceiros deram o seu acordo. Em especial, contrariamente a essas exigências, esses compromissos preveem expressamente a obtenção do acordo de terceiros, no presente caso da Bulgargaz e da Bulgartransgaz [v. n.o 7, alíneas a) e b), dos compromissos finais], e eram tributários do respeito de diversas condições pela Bulgartransgaz [v. n.o 7, alíneas i) à iii), dos compromissos finais]. Além disso, a Comissão não solicitou à Gazprom que fizesse prova da vontade dessas duas empresas de cooperar na execução desses compromissos.

403    Em quarto lugar, os compromissos relativos à rede de gás búlgara também era inadequados por serem ambíguos. Com efeito, a letra dos números pertinentes desses compromissos não deixava transparecer claramente as obrigações da Gazprom e deixava demasiado espaço à interpretação, o que, de resto, tornava difícil a monitorização da execução dos compromissos finais pelo mandatário designado para o efeito.

404    Quanto à Comissão, considera, a título principal, que esta parte do fundamento é inadmissível, conforme já referido nos n.os 303 e 321, supra. A título subsidiário, contesta a procedência da argumentação da Overgas.

405    Segundo a jurisprudência já evocada no n.o 114, supra, o artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do referido estatuto, e o artigo 142.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral devem ser interpretados no sentido de que uma parte admitida a intervir num litígio submetido ao órgão jurisdicional da União não pode alterar o objeto do litígio conforme circunscrito pelos pedidos e fundamentos das partes principais. Daí decorre que, embora essa parte possa apresentar argumentos diferentes dos da parte principal que apoia, só são admissíveis os argumentos que se inscrevam no quadro definido por esses pedidos e fundamentos.

406    No presente caso, em primeiro lugar, cabe observar que o recurso interposto pela recorrente está focalizado na situação concorrencial na Polónia e no impacto dos compromissos de âmbito transversal nos mercados do gás desse país. Com efeito, os argumentos que a recorrente apresentou nos seus articulados e, em especial, no contexto do terceiro fundamento, visam pôr em causa a adequação dos compromissos relativos às restrições territoriais no que respeita à Polónia. Além disso, a recorrente não apresentou argumentos que digam especificamente respeito à inadequação dos compromissos relativos à rede de gás búlgara.

407    Em segundo lugar, contrariamente aos outros compromissos relativos às restrições territoriais, que são contestados pela recorrente, ou seja, os compromissos relativos às restrições à revenda e à reexportação (n.os 5 e 6 dos compromissos finais) e os relativos aos pontos de entrega (secção 1.2 e n.os 9 a 17 dos compromissos finais), os compromissos relativos à rede de gás búlgara dizem fundamentalmente respeito aos mercados do gás da Bulgária e não são suscetíveis de se aplicar em vários PECO em causa. A este propósito, os compromissos relativos à rede de gás búlgara, inscritos sob o título «Changes to the Bulgarian Gas System» (Alterações no sistema de gás búlgaro), são apresentados de forma diferente e como sendo independentes dos outros compromissos relativos às restrições territoriais. Analogamente, na decisão impugnada, os referidos compromissos relativos à rede de gás búlgara, examinados na secção 7.1.2 dessa decisão, sob o título «The Commitment dealing with the Bulgarian gas system» (Compromisso relativo à rede de gás búlgara), são tratados separadamente das outras duas categorias de compromissos relativos às restrições territoriais, sobre que se debruçam ao secções 7.1.1 e 7.1.3 da referida decisão, sob os títulos «The Commitment to remove territorial restrictions and measures of an effect equivalent to such restrictions» (Compromisso de acabar com as restrições territoriais e as medidas de efeito equivalente a essas restrições) e «The Commitment dealing with the changes of gas delivery points» (Compromisso relativo à alteração dos pontos de entrega do gás).

408    A este propósito, a Overgas não explicou como é que, eventualmente, os compromissos relativos à rede de gás búlgara estavam relacionados com os outros compromissos finais com um âmbito geográfico que abrange diversos PECO em causa. Da argumentação apresentada pela Overgas, especialmente das respostas que apresentou em 26 de novembro de 2020, não resulta que a eventual inadequação dos compromissos relativos à rede de gás búlgara afetaria necessariamente a adequação dos outros compromissos finais, em especial dos relativos às restrições territoriais.

409    Esta conclusão não é posta em causa pela afirmação da recorrente segundo a qual os argumentos aduzidos pela Overgas são relativos a erros cometidos pela Comissão que dizem igualmente respeito aos mercados do gás de outros PECO que não a Bulgária. Com efeito, a recorrente limita‑se, no essencial, a reiterar alguns dos argumentos da Overgas, sublinhando que são parecidos com os que ela própria apresentou no que se refere aos compromissos relativos às práticas tarifárias, sem no entanto explicar como é que os referidos argumentos permitiam demonstrar a inadequação dos compromissos finais, para além dos compromissos relativos à rede de gás búlgara.

410    Assim, contrariamente ao que a Overgas defende, há que declarar que, dado o teor dos argumentos da recorrente e a extensão geográfica dos compromissos relativos à rede de gás búlgara, o objeto do litígio não é determinado, no presente caso, pelo âmbito da decisão impugnada, considerada na sua globalidade, e pela integralidade das preocupações em matéria de concorrência a que os compromissos finais deviam dar resposta.

411    Do que precede decorre que a argumentação da Overgas em que esta põe em causa a adequação dos compromissos relativos à rede de gás búlgara extravasa o objeto do litígio e, por conseguinte, a terceira parte do terceiro fundamento deve ser julgada inadmissível.

412    Atento o conjunto das considerações que precedem, há que rejeitar a integralidade do terceiro fundamento por ser em parte improcedente e, em parte, inadmissível.

E.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 194.o, n.o 1, TFUE, conjugado com o artigo 7.o TFUE, por a decisão impugnada ser contrária aos objetivos da política energética da União, dada a incidência negativa dessa decisão no mercado europeu do fornecimento de gás

413    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, pela República da Lituânia e pela Overgas, sublinha que os objetivos da política energética da União, enunciados no artigo 194.o, n.o 1, TFUE e em diversos documentos publicados pelas instituições da União, incluem em especial, no que respeita ao setor do gás, a diversificação das fontes de abastecimento e das vias de transporte do gás, bem como a garantia da liberdade dos fluxos de gás entre Estados‑Membros a um preço equitativo e concorrencial. Além disso, o artigo 194.o, n.o 1, TFUE instituiu o princípio da solidariedade energética.

414    Por conseguinte, a Comissão, ao adotar a decisão impugnada, era obrigada a ter em conta os objetivos da política energética da União, pois tinha adotado medidas que determinavam a estrutura e as condições que deveriam vigorar nos mercados do gás da União durante pelo menos oito anos, medidas essas que, por força do artigo 7.o TFUE, deveriam ter sido objeto de uma «avaliação integral» para verificar a sua coerência com esses objetivos. Do mesmo modo, a decisão impugnada devia ser objeto de uma fiscalização jurisdicional que implicasse, para além das exigências já mencionadas pelo juiz da União no que respeita às decisões adotadas ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, o exame da sua conformidade com o artigo 194.o TFUE.

415    Além disso, as considerações expostas pelo Tribunal Geral no Acórdão de 10 de setembro de 2019, Polónia/Comissão (T‑883/16, EU:T:2019:567, n.os 70 a 73), confirmavam a posição defendida pela recorrente. Em especial, isto significava que o princípio da solidariedade, em vez de estar limitado a situações extraordinárias, também implica uma obrigação de caráter geral, para a União e os seus Estados‑Membros, no âmbito do exercício das respetivas competências, de ter em conta os interesses dos outros atores. Além disso, este princípio distinguia‑se de quaisquer exigências específicas que impendem sobre a Comissão quando adota decisões baseadas em disposições de direito derivado. Por conseguinte, a Comissão, com vista à adoção da decisão impugnada, deveria não só ter verificado a adequação dos compromissos, mas também ponderado o interesse da União com os dos Estados‑Membros afetados pelas práticas da Gazprom.

416    Ora, a decisão impugnada era contrária aos objetivos da política energética e ao princípio da solidariedade energética, bem como destituída de fundamentação no que a estes aspetos respeita, o que era tanto mais constrangedor quanto a Comissão tinha aprovado a aplicação dos compromissos finais por um período de oito anos sem prever qualquer mecanismo capaz de permitir a sua rápida adaptação em função da evolução dos mercados do gás. Além disso, a abordagem defendida pela Comissão equivalia a permitir que a sua atividade aqui quase regulamentar não fosse apreciada à luz de outros objetivos também definidos no Tratado FUE e permitia‑lhe neutralizar a consecução dos objetivos definidos no artigo 194.o TFUE. Em especial, a recorrente sublinha o seguinte:

—        em primeiro lugar, a Comissão não teve suficientemente em conta a dependência dos PECO em causa das importações de gás e a forma problemática como a Gazprom tinha influência nas infraestruturas de gás que abasteciam e contornavam essa região, embora essa situação fosse incompatível com o «terceiro pacote energético», que implicava a separação entre as atividades de gestão de rede e as de produção ou fornecimento de gás;

—        em segundo lugar, a Comissão ignorou diversas práticas da Gazprom de que havia tido conhecimento e, assim, recusou ter em consideração os interesses de determinados Estados‑Membros, pelo que nada havia sido feito no que respeita às reduções de fornecimento de gás que impediram as reexportações para a Ucrânia no inverno de 2014/2015, bem como às ações destinadas a bloquear a ativação de fluxos inversos nas fronteiras entre a Polónia e a Ucrânia e entre a Eslováquia e a Ucrânia;

—        tem terceiro lugar, a Comissão aceitou taxas de serviço totalmente desligadas dos custos reais suportados pela Gazprom com a alteração de um ponto de entrega;

—        em quarto lugar, a decisão impugnada não era conforme aos objetivos da política energética da União, pois os compromissos finais reforçavam a diferença de tratamento entre os mercados dos PECO em causa e os da Europa Ocidental.

417    Por seu lado, a Comissão considera que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

418    Nos termos do artigo 7.o TFUE, a União assegura a coerência entre as suas diferentes políticas e ações, tendo em conta o conjunto dos seus objetivos e de acordo com o princípio da atribuição de competências. Esses objetivos abrangem os enunciados no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, ou seja, designadamente, os objetivos de assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União e de promover a interconexão das redes de energia.

419    No domínio da concorrência, o órgão jurisdicional da União já declarou que os objetivos prosseguidos por outras disposições do Tratado podiam ser tidos em conta na determinação da existência de uma restrição à concorrência na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 139 e jurisprudência referida) ou na apreciação das condições de isenção do artigo 101.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão, 26/76, EU:C:1977:167, n.o 43, de 15 de julho de 1994, Matra Hachette/Comissão, T‑17/93, EU:T:1994:89, n.o 139, e de 11 de julho de 1996, Métropole télévision e o./Comissão, T‑528/93, T‑542/93, T‑543/93 e T‑546/93, EU:T:1996:99, n.o 118).

420    Daqui decorre que, no contexto de um processo de aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão podia, no âmbito da sua apreciação preliminar, ter em conta os objetivos prosseguidos por outras disposições do Tratado, nomeadamente para chegar à conclusão provisória de que não há infração às regras da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão, C‑132/19 P, EU:C:2020:1007, n.os 46 a 54). Porém, no que respeita à apreciação dos compromissos, a Comissão limita‑se a verificar, por um lado, se esses compromissos respondem às preocupações que deu a conhecer à empresa em causa e, por outro, se esta não propôs compromissos menos severos capazes de responder de uma forma igualmente adequada a essas preocupações (v., neste sentido, Acórdão Alrosa, n.os 40 e 41, e Acórdão Morningstar, n.o 45), mesmo que o processo não pudesse conduzir a um resultado contrário às disposições específicas dos Tratados (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 78 e jurisprudência referida, e de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 50 e jurisprudência referida).

421    No presente caso, resulta dos elementos expostos no n.o 416, supra, que, na verdade, a recorrente critica essencialmente a Comissão por esta se ter recusado a inquirir sobre determinados comportamentos preocupantes da Gazprom no setor do gás e por ter aceitado compromissos insuficientes ou inadequados na ótica das práticas dessa empresa expostas na CO.

422    Ora, dado a recorrente contestar os compromissos finais por não porem suficientemente termo às referidas práticas, há que referir que, no essencial, essa crítica já foi julgada improcedente no âmbito do primeiro a terceiro fundamentos do presente recurso. Quanto ao mais, a Comissão, no quadro do seu inquérito aberto oficiosamente no Processo AT.39816, não era obrigada, para ter em conta os objetivos da política energética da União, a inquirir sobre outras práticas da Gazprom, nem a exigir‑lhe compromissos mais severos. A eventual tomada em consideração desses objetivos na aplicação das regras de concorrência da União não podia justificar a imposição à Comissão dessas obrigações de fazer.

423    Além disso, a recorrente, embora sustente que os compromissos finais eram, por si sós, contrários aos objetivos da política energética ou ao princípio da solidariedade energética, não o demonstra. Com efeito, contrariamente ao que deixa entender, a decisão impugnada e esses compromissos não congelam a situação nos mercados em causa e de modo algum impedem as instituições da União ou os Estados‑Membros de atuar por outras vias para solucionar os problemas que identificou. Em especial, as instituições da União ou os reguladores nacionais do setor do gás podem intervir para modificar a regulamentação nesse setor ou, eventualmente, para assegurar a observância dessa regulamentação, eventualmente no sentido defendido pela recorrente.

424    A este propósito, pode referir‑se que o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram, em 17 de abril de 2019, a Diretiva (UE) 2019/692, que altera a Diretiva 2009/73 (JO 2019, L 117, p. 1), que pretende, designadamente, por força do seu considerando 3, eliminar os obstáculos à plena realização do mercado interno do gás natural que decorrem da não aplicação, antes da sua adoção, das regras de mercado da União aos gasodutos com início e término em países terceiros.

425    Além disso, as autoridades nacionais da concorrência podem inquirir sobre as práticas alegadamente anticoncorrenciais da Gazprom, designadamente, conforme se recordou no n.o 133, supra, as práticas a que se referem as preocupações em matéria de concorrência da Comissão no presente caso.

426    Por último, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão poderia, eventualmente, utilizar a possibilidade, prevista no artigo 9.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003, de reabrir o processo se tivesse ocorrido uma alteração importante da situação de facto em que a decisão se fundou, nomeadamente em caso de evolução dos mercados do gás.

427    Quanto ao demais, na medida em que a recorrente sustenta que a Comissão era obrigada a fundamentar a decisão impugnada no que respeita à questão da sua conformidade com o artigo 194.o, n.o 1, TFUE, há que declarar que essa acusação deve ser julgada improcedente. Com efeito, dada a jurisprudência em matéria de fundamentação dos atos, recordada no n.o 121, supra, não se pode esperar da Comissão que exponha sistematicamente as razões pelas quais a decisão impugnada é conforme ao conjunto das disposições específicas dos Tratados que, sem constituir a base jurídica do ato jurídico em causa, têm potencialmente um nexo com o contexto factual e jurídico em que esse ato se enquadra, em especial quando, como acontece no presente caso, a recorrente não apresentou, durante o procedimento administrativo que levou à adoção da decisão impugnada, observações relativas ao facto de os compromissos iniciais serem contrários a essa disposição.

428    Atento o que precede, há que julgar improcedente o quarto fundamento.

F.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 18.o, n.o 1, TFUE e do princípio da igualdade de tratamento, dado a Comissão ter procedido a uma discriminação entre os clientes da Gazprom ativos nos EstadosMembros da Europa Ocidental e os ativos nos PECO em causa

429    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, sustenta que a decisão impugnada viola o princípio da igualdade de tratamento. Essa decisão, que tem um impacto direto no grau de realização da livre prestação de serviços, bem como da livre circulação de mercadorias e de capitais, discrimina os clientes que celebraram um contrato de longa duração de fornecimento de gás com a Gazprom em função da respetiva nacionalidade, porquanto os clientes estabelecidos nos PECO em causa eram tratados de forma diferente dos estabelecidos na Europa Ocidental.

430    Com efeito, os clientes da Gazprom nos PECO em causa estavam numa situação comparável à dos clientes da Gazprom da Europa Ocidental, pois, para além do facto de esses dois grupos de cliente se abastecerem na Gazprom, estavam todos instalados em Estados‑Membros e a regulamentação da União não previa qualquer distinção entre essas duas regiões. Além disso, esta conclusão era ainda corroborada pela letra das orientações para a fixação de preços, que fazia referência ao nível de preços na Europa Ocidental Continental. Por último, a própria Comissão confirmou, na CO, que todos os clientes estavam em situações semelhantes.

431    Ora, como não existia qualquer razão objetiva para tratar de forma diferente todos esses clientes, os compromissos finais reforçavam a diferenciação entre os referidos clientes ao manter condições de mercado menos concorrenciais nos mercados dos PECO em causa comparativamente com os da Europa Ocidental. Em especial, os clientes da Gazprom nos PECO em causa não estavam protegidos contra o regresso dos preços excessivos, contrariamente aos clientes da Europa Ocidental que, embora também sujeitos a fórmulas de fixação dos preços indexadas aos preços dos produtos petrolíferos, escapavam a esse risco devido à concorrência entre fornecedores de gás nesses mercados da Europa Ocidental.

432    Por seu lado, a Comissão considera que o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

433    Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado (Acórdãos de 26 de julho de 2017, AGC Glass Europa e o./Comissão, C‑517/15 P, não publicado, EU:C:2017:598, n.o 84 e jurisprudência referida, e de 12 de julho de 2018, Prysmian e Prysmian Cavi e Sistemi/Comissão, T‑475/14, EU:T:2018:448, n.o 144 e jurisprudência referida).

434    No presente caso, apesar das observações feitas pela recorrente e pela República da Polónia e mesmo admitindo que seja possível classificar em dois grupos os clientes da Gazprom estabelecidos em diversos Estados‑Membros, importa referir que as situações em que se encontravam os clientes estabelecidos nos PECO em causa e os estabelecidos na Europa Ocidental não eram comparáveis.

435    Com efeito, resulta do inquérito levado a cabo pela Comissão no quadro do Processo AT.39816, e, mais em especial, das conclusões preliminares constantes da CO e não contestadas pela recorrente e pela República da Polónia, que a situação nos mercados do gás europeus diferia significativamente entre a Europa Ocidental e os PECO em causa. Em especial, enquanto as empresas estabelecidas nos países da Europa Ocidental se podiam abastecer em gás em outras empresas que não a Gazprom e as redes de gás desses países estavam ligadas entre si, os PECO em causa estavam, em larga medida, dependentes do gás fornecido pela Gazprom e os gasodutos de abastecimento tinham sido concebidos para funcionar de leste para oeste (v., em especial, n.os 121, 136, e 489 a 491 da CO).

436    Esta conclusão não é posta em causa pela conclusão, constante do n.o 488 de la CO, segundo a qual «se pode considerar que os mercados do gás da UE [com exceção de Chipre e Malta] e dos PECO são suficientemente comparáveis», devido à proximidade geográfica e às semelhanças em termos regulamentares. Decerto, a Comissão sublinhou a existência de um certo grau de comparabilidade entre os PECO e o resto da União, mas, por um lado, isso aconteceu num contexto de comparação dos preços do gás na Europa com os praticados nos Estados Unidos e, por outro, a Comissão também tinha observado que a situação concorrencial dos mercados nacionais na União apresentava grandes diferenças.

437    Além disso, no que respeita às orientações para a fixação de preços previstas no n.o 19, alínea iii), dos compromissos finais (examinadas em especial no contexto da terceira parte do terceiro fundamento, supra), a remissão que faz para os preços concorrenciais aplicados na Europa Ocidental infirma, mais do que confirma, a conclusão de que os clientes da Gazprom nessa região estavam numa situação comparável à dos clientes nos PECO em causa. Com efeito, se todos esses clientes ativos na União tivessem estado numa situação comparável, não teria sido necessário prever um tal compromisso, especificamente destinado a manter ou garantir uma aproximação entre os preços aplicáveis aos clientes nos PECO em causa e os aplicáveis aos clientes ativos na Europa Ocidental.

438    Quanto ao demais, como a recorrente alega que os compromissos finais reforçam uma diferenciação entre os clientes ativos nos PECO em causa e os ativos na Europa Ocidental, há que sublinhar que, ao adotar os compromissos finais, a Comissão não devia pretender oferecer aos primeiros condições de mercado iguais àquelas em que operam os segundos, mas garantir que esses compromissos respondem às preocupações identificadas em matéria de concorrência.

439    Daqui decorre que, uma vez que os clientes da Gazprom ativos na Europa Ocidental e os ativos nos PECO em causa se encontravam em situações diferentes durante o período em que decorreu o Processo AT.39816, a Comissão, contrariamente ao que a recorrente alega, não tratou de forma irregular diferentemente esses dois grupos de clientes ao adotar a decisão impugnada.

440    Atento o que precede, há que julgar improcedente o quinto fundamento.

G.      Quanto ao sexto fundamento, relativo a um desvio de poder e à violação de formalidades essenciais, na medida em que, através da decisão impugnada, a Comissão inobservou o objetivo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, bem como os limites dos seus poderes na gestão do procedimento administrativo

441    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, alega que a decisão impugnada tem origem num desvio de poder e viola diversos direitos de caráter processual, designadamente formalidades essenciais, no âmbito do tratamento da denúncia. A prova do desvio de poder reside numa série de factos que caracterizaram a tramitação do Processo AT.39816, nas irregularidades no tratamento das objeções Yamal e nas referidas violações.

442    A Comissão considera que o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

443    Importa examinar sucessivamente os factos invocados, as alegadas irregularidades e as alegadas violações dos direitos de caráter processual, antes de apreciar a existência de um eventual desvio de poder.

1.      Quanto aos factos que caracterizam a tramitação do Processo AT.39816

444    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, alega a ocorrência de três factos que reveladores da existência de um desvio de poder. Em primeiro lugar, trata‑se das alterações da posição da Comissão, entre 2013 e 2017, quanto à possibilidade de recorrer a compromissos, os quais, no contexto do presente caso, suscitavam dúvidas quanto à apreciação da «vontade genuína», na aceção do n.o 121 das boas práticas, de a Gazprom propor compromissos.

445    Em segundo lugar, a recorrente salienta o invulgar enquadramento da decisão impugnada em comunicados e declarações públicas que exageravam os efeitos benéficos dessa decisão e que se destinavam, portanto, a desviar a atenção das irregularidades cometidas.

446    Em terceiro lugar, o cumprimento de certas fases processuais como «meras formalidades» também comprova o alegado desvio de poder. Por um lado, as observações recebidas após a consulta do mercado foram rejeitadas por excederem o âmbito dos compromissos iniciais da Gazprom e nos compromissos finais só foram introduzidas modificações menores. Por outro lado, o envio (tardio) do ofício de intenção de rejeição e o acordo sobre os compromissos de Gazprom que apenas teve lugar nove dias úteis após a receção das observações da recorrente a esse ofício demonstram que a Comissão tinha previamente definido a sua posição e deixara de prosseguir objetivos de política de concorrência.

447    Por seu lado, a Comissão contesta a materialidade destas alegações.

448    A este propósito, o Tribunal Geral observa que os dois primeiros factos evocados pela recorrente não são, em si mesmos, invulgares ou especiais. Com efeito, em primeiro lugar, a Comissão, no decurso do processo, pode alterar a sua posição quanto à possibilidade de recorrer a compromissos, o que a própria recorrente admite, pelo que, em si mesma, esta circunstância não é passível de suscitar dúvidas quanto à validade da apreciação da vontade genuína da Gazprom de propor compromissos.

449    Em segundo lugar, a publicação de comunicados de imprensa no âmbito de processos de concorrência encontra‑se expressamente prevista, conforme resulta dos n.os 20, 76, 91, 129 e 147 das boas práticas, e as declarações do membro da Comissão responsável pela concorrência no final de um processo de concorrência não podem ser consideradas inadequadas, em especial num processo com importantes consequências, uma vez que dizia respeito a oito Estados‑Membros e a um setor energético da maior importância. Além disso, não é alegado que o conteúdo dos comunicados e das declarações relativas à decisão impugnada não estão em conformidade com ela.

450    Além disso, no que toca ao alegado cumprimento de certas fases processuais no Processo AT.39816 como «simples formalidades», há que notar, por um lado, que da decisão impugnada resulta que foram tidas em conta as observações recebidas no contexto da consulta do mercado; o que não foi posto em causa, antes pelo contrário, pelo facto de a Comissão ter declarado expressamente, nessa decisão, ter rejeitado algumas observações dado extravasarem o âmbito dos compromissos iniciais.

451    Por outro lado, quanto à afirmação de que os compromissos finais foram aceites sem se atender à resposta da recorrente ao ofício de intenção de rejeição, dado que apenas decorreram nove dias úteis entre a receção dessa resposta pela Comissão e a sua aceitação dos referidos compromissos, basta declarar que essa afirmação assenta numa equiparação incorreta da receção dos compromissos finais, ocorrida a 15 de março de 2018, com a sua posterior aceitação. Daqui não é possível inferir que a Comissão aceitou imediatamente esses compromissos e, de todo o modo, nessa fase avançada do processo, não se pode excluir que esta pudesse estar em condições de, dentro desse prazo, examinar a referida resposta e tomar uma posição tanto a seu respeito como sobre os referidos compromissos.

2.      Quanto às irregularidades no tratamento das objeções Yamal

452    O desvio de poder alegado pela recorrente e pela República da Polónia também é demonstrado pelas diversas irregularidades que inquinam o tratamento dado às objeções Yamal e, em especial, o juízo de adequação dos compromissos da Gazprom. Além disso, em vários aspetos, a Comissão tentou justificar a posteriori essas irregularidades.

453    Em primeiro lugar, trata‑se da aceitação dos compromissos finais, embora, em violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, estes não abranjam todas as preocupações expostas na CO, pelo que a Comissão autorizado fundamentalmente a Gazprom a não apresentar compromissos relativamente às objeções Yamal. A este respeito, a Comissão examinou a adequação dos compromissos de forma manifestamente incorreta, pois não teve em conta circunstâncias pertinentes, de que é exemplo a apreciação da decisão de certificação, que era contrária ao teor dessa decisão e estava em contradição com a posição manifestada pelo presidente do Regulador polaco durante a consulta do mercado.

454    Em segundo lugar, a recorrente invoca a violação dos direitos de terceiros decorrente da arbitrária alteração de facto das preocupações em matéria de concorrência, sem adaptação da CO, conjugada com a duração excessiva do processo, enquanto as possibilidades de recorrer às autoridades da concorrência e aos órgãos jurisdicionais nacionais ficaram paralisadas pelo facto de a Comissão ter aparentemente examinado as objeções Yamal.

455    Em terceiro lugar, uma vez que a rejeição da denúncia teve por base uma conceção da exceção da ação estatal que, na medida em que admitia a aplicação dessa exceção em caso de pressão exercida por um Estado terceiro, tinha implicações na efetividade do direito da União, a Comissão devia ter baseado tanto a decisão impugnada no presente caso como a decisão de rejeição da denúncia no processo AT.40497 no artigo 10.o do Regulamento n.o 1/2003.

456    Em quarto lugar, a República da Polónia sublinha a insuficiência, ou mesmo o caráter enganador, das razões que justificam o abandono das preocupações em matéria de concorrência relativas ao gasoduto Yamal, na medida em que a justificação para esse abandono foi a aplicabilidade da exceção da ação estatal, embora na decisão impugnada só tivesse sido feita uma alusão lacónica e insuficiente a essa exceção. Na verdade, essa decisão justificava o referido abandono essencialmente através de determinadas conclusões constantes da decisão de certificação.

457    Em quinto lugar, a República da Polónia sustenta que a Comissão induziu em erro os Estados‑Membros ao não submeter a questão da exceção da ação estatal ao Comité Consultivo, em violação do princípio da cooperação leal, bem como, segundo a recorrente, do artigo 14.o do Regulamento n.o 1/2003. Neste sentido, a recorrente alega a violação do artigo 27.o, n.o 4, desse regulamento, por as partes interessadas também terem sido induzidas em erro no que respeita aos verdadeiros motivos que levaram a Comissão a abandonar as objeções Yamal.

458    Por seu lado, a Comissão contesta essas irregularidades. Quanto à argumentação que sustenta a quinta irregularidade, é inadmissível pois, tendo sido apresentada pela República da Polónia, é alheia ao sexto fundamento e altera o objeto do litígio e, na medida em que é assumida e desenvolvida pela recorrente, constitui um fundamento novo.

459    A este propósito, o Tribunal Geral considera que, através da primeira irregularidade alegada, a recorrente reitera, no essencial, acusações já tratadas no contexto da primeira parte do primeiro fundamento. Tendo essa parte do primeiro fundamento sido jugada improcedente (v. n.os 86 a 110, supra), importa declarar que essa irregularidade não ficou demonstrada.

460    No que respeita à segunda irregularidade alegada, relativa à violação dos direitos de terceiros decorrente da alteração de facto das preocupações em matéria de concorrência, conjugada com a duração excessiva do processo, esta irregularidade corresponde, no essencial, à acusação relativa à violação do princípio da cooperação leal, que foi julgada improcedente no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, e, por conseguinte, deve ser rejeitada por improcedente. Além disso, na medida em que a segunda irregularidade se refere a uma alegada duração excessiva do Processo AT.39816, basta observar que a recorrente, por um lado, não demonstrou que esse processo excedeu uma duração razoável e, por outro, não apresentou indícios de que essa alegada duração excessiva tivesse tido impacto na solução adotada na decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão, C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.o 84 e jurisprudência referida).

461    Quanto à terceira irregularidade alegada, recorde‑se que, nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1/2003, sempre que o interesse público da União relacionado com a aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE assim o exija, a Comissão, pode, através de decisão, declarar oficiosamente que o artigo 101.o TFUE não se aplica a um acordo, decisão de associação de empresas ou prática concertada, quer por não estarem preenchidas as condições do n.o 1 do artigo 101.o TFUE, quer por estarem preenchidas as condições do n.o 3 do artigo 101.o TFUE. A Comissão pode do mesmo modo fazer declaração semelhante relativamente ao artigo 102.o TFUE. Além disso, resulta do considerando 14 desse regulamento que o artigo 10.o do Regulamento n.o 1/2003 deve ser aplicado em casos excecionais, a fim de clarificar a legislação e assegurar a sua aplicação coerente na União.

462    Daqui resulta que a Comissão não era de modo algum obrigada a adotar uma decisão ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento n.o 1/2003, mesmo admitindo que a aplicação que fez da exceção da ação estatal, ou seja, numa situação que implicava um Estado terceiro, foi inovadora ou específica e implicou a não aplicação do artigo 102.o TFUE. Por conseguinte, não pode ser criticada por não ter adotado a decisão impugnada também com base nesse artigo.

463    Quanto à quarta irregularidade alegada, relativa a uma insuficiente fundamentação da decisão impugnada, recorde‑se que, no quadro da apreciação da segunda parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral considerou que a fundamentação, incluída no considerando 138 da decisão impugnada, relativa ao motivo relacionado com a decisão de certificação era suficiente e que, dada a autonomia de ambos os motivos que figuram nesse considerando, os argumentos relativos à insuficiente fundamentação do segundo motivo, relacionado com os acordos Polónia‑Rússia e relativo à aplicação da exceção da ação estatal, eram inoperantes (v. n.os 123 e 124, supra). Dessa autonomia dos dois motivos resulta ainda que o argumento da recorrente segundo o qual, contrariamente ao que resulta do referido considerando, o principal motivo para o abandono das objeções Yamal era o relacionado com os referidos acordos e com a referida exceção, e não o relativo à decisão de certificação, também deve ser julgado improcedente.

464    Por último, no que toca à quinta irregularidade, são apresentados, no essencial, dois argumentos distintos, que decorrem do facto de a Comissão, por não ter declarado expressamente que recorrera à aplicação da exceção da ação estatal, ter induzido em erro, por um lado, os Estados‑Membros, em violação do princípio da cooperação leal e do artigo 14.o do Regulamento n.o 1/2003, e, por outro, as partes interessadas, em violação do artigo 27.o, n.o 4, desse regulamento.

465    Sem que seja necessário examinar a admissibilidade desses dois argumentos, há que, de todo o modo, declarar que devem ser julgados improcedentes. Com efeito, no que respeita ao argumento de que a Comissão induziu em erro os Estados‑Membros, há que analisar conjuntamente as alegadas violações do princípio da cooperação leal e do artigo 14.o do Regulamento n.o 1/2003, pois, no que toca às relações que se estabelecem no âmbito dos processos conduzidos pela Comissão ao abrigo dos artigos 101.o  e 102.o TFUE, as regras da execução do dever de cooperação leal foram precisadas nomeadamente nos artigos 11.o a 16.o desse regulamento, no seu capítulo IV, intitulado «Cooperação» (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2012, Espanha/Comissão, T‑398/07, EU:T:2012:173, n.o 47).

466    A este propósito, embora a consulta do Comité Consultivo prevista no artigo 14.o do Regulamento n.o 1/2003 seja uma formalidade essencial, não se trata, no presente caso, de um comportamento que impediu esse comité de emitir o seu parecer com pleno conhecimento de causa nem, portanto, de uma infração que afeta a legalidade da decisão impugnada. Com efeito, embora o conceito de exceção da ação estatal aí não figure expressamente, acontece que a redação do último período do considerando 138 do anteprojeto de decisão transmitido ao Comité Consultivo, anteprojeto esse que era idêntico à decisão impugnada, permitia compreender o essencial do motivo relacionado com os acordos Polónia‑Rússia, ou seja, que a Comissão duvidava de que as objeções Yamal pudessem ser imputadas à Gazprom. Além disso, os representantes dos Estados‑Membros podiam, eventualmente, por ocasião da consulta do referido comité, ter formulado reservas a respeito dos motivos que levaram ao abandono dessas objeções e interrogar a Comissão, em especial, sobre a forma de compreender o motivo indicado nesse último período ou sobre a sua falta de substância. Por conseguinte, o Comité Consultivo não foi induzido em erro sobre um aspeto essencial por faltas de exatidão ou omissões (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 1991, RTE/Comissão, T‑69/89, EU:T:1991:39, n.os 21 a 23; de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.o 742; e de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, de que foi interposto recurso, EU:T:2018:922, n.os 148 e 149 e jurisprudência referida).

467    De todo o modo, como, de acordo com o que resulta do primeiro fundamento, o abandono das objeções Yamal assenta igualmente no motivo relacionado com a decisão de certificação, que por si só é passível de justificar esse abandono e se encontra suficientemente fundamentado, a violação alegada não pode ser julgada procedente, pois a alegada insuficiência da fundamentação relativa ao motivo decorrente dos acordos Polónia‑Rússia não afetou o resultado da consulta.

468    Quanto ao argumento de que a Comissão, no âmbito da consulta do mercado, induziu em erro as partes interessadas, essa alegada irregularidade não corresponde, no presente caso, a uma violação de formalidades essenciais, dado que, em especial, essa consulta não se encontra expressamente prevista nos Tratados e refere‑se a terceiros interessados, e não à empresa afetada pelo processo de concorrência.

469    Quanto ao demais, recorde‑se que, segundo o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão só tem de publicar um resumo conciso do processo e do conteúdo essencial dos compromissos ou da atuação que se propõe seguir. No presente caso, a Comissão respeitou essa obrigação ao publicar no Jornal Oficial a comunicação, evocada no n.o 10, supra, que desencadeou a consulta do mercado. Além disso, resulta da documentação publicada na página Internet da Comissão a propósito dessa consulta, e, especificamente, da ficha de informação evocada pela recorrente e referente à Polónia, que a Comissão participou o abandono das objeções Yamal, abandono esse que já se podia inferir do silêncio a este respeito na comunicação publicada no Jornal Oficial. A Comissão também esclareceu aí que esse abandono se explicava pelo facto de o processo de concorrência não ser capaz de fazer evoluir a situação, dado o impacto dos acordos Polónia‑Rússia.

470    Do que precede decorre que nenhuma das irregularidades alegadas pela recorrente e pela República da Polónia pode ser julgada procedente.

3.      Quanto à violação de diversos direitos processuais, eventualmente de formalidades essenciais, no âmbito do tratamento da denúncia

471    A recorrente, apoiada pela República da Polónia, alega que, no âmbito do tratamento da denúncia, a Comissão violou alguns dos seus direitos de caráter processual decorrentes da sua condição de denunciante. Ora, o respeito por alguns desses direito constitui uma formalidade essencial a que estava obrigada a Comissão. A este propósito, a recorrente e a República da Polónia alegam, no essencial, quatro violações.

472    A Comissão contesta ter cometido essas violações. Além disso, sustenta que a recorrente pode alegar o não respeito pelos seus direitos de caráter processual no contexto do recurso da decisão de rejeição da denúncia no processo T‑399/19.

a)      Quanto à abertura alegadamente irregular de um procedimento distinto para efeitos da apreciação da denúncia (primeira violação)

473    A recorrente alega a abertura irregular de um procedimento distinto (Processo AT.40497) para efeitos da apreciação da denúncia, com o objetivo de a impedir de participar no Processo AT.39816 enquanto denunciante, «transferindo» assim os seus direitos para um processo paralelo. Esta forma de proceder está em contradição com o teor da denúncia, na medida em que remetia para o Processo AT.39816, com a essência da atuação em causa, tendo especialmente em atenção a sobreposição significativa entre a maior parte do alegado na denúncia e as preocupações da Comissão, bem como com a prática administrativa desta.

474    Ora, inicialmente, os ofícios da Comissão de 29 e 31 de março de 2017 estiveram na origem de uma confiança legítima no que respeita à participação da recorrente no Processo AT.39816, devido à indicação de que a Comissão ia proceder ao exame da denúncia e ao convite para participar na consulta do mercado, conforme previsto no n.o 129 das boas práticas em relação ao denunciante. Além disso, apesar da indicação que figura no n.o 183 da decisão impugnada, segundo a qual «[a] Comissão também examinou cuidadosamente todos os argumentos […] apresentados [na] denúncia […], bem como nas observações […] de resposta [ao ofício de intenção de rejeição]», a Comissão não pretendia de facto examinar a denúncia e tomá‑la em consideração no Processo AT.39816.

475    A Comissão considera que a violação alegada não tem fundamento.

476    A este propósito, o Tribunal Geral recorda que, segundo jurisprudência constante, a Comissão, investida pelo artigo 105.o, n.o 1, TFUE da missão de velar pela aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, é chamada a definir e a pôr em prática a política de concorrência da União, dispondo para esse efeito de um poder discricionário para o tratamento das denúncias. Para desempenhar eficazmente esta tarefa, a Comissão pode assim conceder diferentes graus de prioridade às denúncias que lhe são apresentadas (v. Acórdão de 16 de maio de 2017, Agria Polska e o./Comissão, T‑480/15, EU:T:2017:339, n.o 34 e jurisprudência referida). No mesmo sentido, há que reconhecer à Comissão um poder de apreciação no que toca à forma como pretende organizar o tratamento de uma denúncia, desde que respeite as disposições pertinentes do Regulamento n.o 773/2004 e, especialmente, os direitos reconhecidos aos denunciantes enquanto tais.

477    No presente caso, é pacífico entre as partes que a denúncia comporta alegações que, em larga medida, correspondem às preocupações em matéria de concorrência que foram objeto do inquérito da Comissão em curso no Processo AT.39816 e que foram expostas na CO. Nestas condições, não é de excluir que teria sido desejável tratar as referidas alegações no âmbito do mesmo processo, sem prejuízo da possibilidade de dissociar as outras alegações que não correspondem às referidas preocupações.

478    Dito isto, esta circunstância não basta para pôr em causa os motivos legítimos aduzidos pela Comissão, relativos à economia processual e à sua vontade de não atrasar a instrução de um processo que se encontrava numa fase adiantada por meio da ampliação do seu objeto, pelo que há que considerar que a abertura, no presente caso, de um procedimento distinto para o tratamento de uma denúncia não é, em si mesma, irregular.

479    Por conseguinte, importa rejeitar o argumento relativo a essa abertura alegadamente irregular.

b)      Quanto à violação do artigo 5.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 (segunda e terceira violações)

480    Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de nunca se ter pronunciado sobre o seu interesse legítimo em participar no Processo AT.39816. Concretamente, essa instituição, em violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, conjugado com o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, não tomou posição, na decisão impugnada, acerca da existência de um interesse legítimo da recorrente em intervir como denunciante no referido processo, embora a ofício de intenção de rejeição, envidado alguns meses antes, esclarecesse que a Comissão ainda não se tinha pronunciado sobre essa questão. Ora, a existência desse interesse não suscitava quaisquer dúvidas, designadamente porque a recorrente tinha sido vítima das práticas da Gazprom e as suas instalações tinham sido inspecionadas pelos serviços da Comissão.

481    Em segundo lugar, a recorrente alega uma violação do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, que lhe conferia, enquanto denunciante, o direito de receber e apresentar observações sobre a CO, direito que invocou por diversas vezes no decurso do procedimento administrativo. Com efeito, a Comissão recusou‑lhe o exercício desse direito, com fundamento na tardia apresentação da denúncia, embora, de acordo com a jurisprudência, os denunciantes dispusessem desse direito até o Comité Consultivo ser consultado. Ora, esta questão da violação dos direitos que para ela decorrem do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 dizia efetivamente respeito à decisão impugnada no termo do Processo AT.39816, pois tinha assim ficado privada da possibilidade de apresentar observações sobre as propostas de compromissos da Gazprom ao ter conhecimento prévio dos elementos obtidos durante o inquérito, o que restringiu indevidamente a sua capacidade de contestar a adequação desses compromissos.

482    Por conseguinte, é erradamente que a Comissão alega ter respeitado o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 ao invocar a transmissão da CO em anexo ao ofício de intenção de rejeição, pois, por diversas razões, essa transmissão não constitui uma aplicação legítima dessa disposição. Com efeito, em primeiro lugar, a versão não confidencial então transmitida não estava suficientemente completa; em segundo lugar, a transmissão da CO e a apreciação das observações a ela relativas deviam ter precedido o envio do ofício de intenção de rejeição; em terceiro lugar, essa transmissão, que ocorreu após onze meses e no âmbito do Processo AT.40497, por ocasião do envio do ofício de intenção de rejeição, implicava a recusa do exame da denúncia no âmbito do Processo AT.39816 e impedira a recorrente de apresentar observações complementares no quadro da consulta do mercado; em quarto lugar, as observações de resposta ao ofício de intenção de rejeição tinham por objeto comentar as razões da prevista rejeição da denúncia, e não a CO; e, em quinto lugar, a Comissão, nos articulados que apresentou no âmbito do recuso interposto no processo T‑399/19, indicou que a CO não tinha servido de fundamento para a avaliação provisória constante do ofício de intenção de rejeição, o que implicou que a Comissão considerasse que as observações apresentadas pela recorrente em resposta a esse ofício, na parte em que respeitavam à CO, eram destituídas de pertinência, mesmo no contexto do Processo AT.40497.

483    A Comissão considera que as violações alegadas não têm fundamento.

484    Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, as pessoas singulares e coletivas devem demonstrar um interesse legítimo para poderem apresentar uma denúncia nos termos do artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003. Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento, sempre que a Comissão transmita uma comunicação de objeções respeitante a uma matéria sobre a qual tenha recebido uma denúncia, deve remeter ao autor da denúncia uma cópia da versão não confidencial da comunicação de objeções e fixar um prazo durante o qual o autor da denúncia pode apresentar, por escrito, as suas observações.

485    No presente caso, há que reconhecer que a recorrente preenchia as condições para beneficiar dos direitos a que se refere o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004. Com efeito, por um lado, a Comissão admite que a recorrente, que era afetada pelas alegadas práticas da Gazprom, tinha interesse legítimo em apresentar a denúncia e considera ter‑se implicitamente pronunciado sobre esse interesse, porquanto a decisão no Processo AT.40497 rejeita a denúncia por razões de mérito. Por outro lado, há que reconhecer que o Processo AT.39816 diz respeito a «um caso a propósito do qual» foi apresentada à Comissão a denúncia, sendo certo, conforme referido no n.o 477, supra, que é pacífico entre as partes que algumas alegações deduzidas nessa denúncia correspondem em larga medida às objeções expostas na CO.

486    Além disso, embora seja verdade que a recorrente apresentou a denúncia numa fase avançada do Processo AT.39816, num momento em que, tendo estado em diversas ocasiões envolvida nesse processo (v. n.o 4, supra), tinha desde há vários anos conhecimento da sua existência, essa circunstância não põe em causa a possibilidade de beneficiar dos direitos que lhe são conferidos pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004. Com efeito, o direito de receber uma versão não confidencial de uma comunicação de objeções pode ser exercido enquanto esse processo se encontra pendente, ou seja, enquanto o Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e posições dominantes não tiver dado o seu parecer sobre o anteprojeto de decisão transmitido pela Comissão, pois a referida disposição não prevê um prazo específico para que um denunciante que demonstre um interesse legítimo exerça os direitos consagrados nessa disposição (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2006, Österreichische Postsparkasse und Bank für Arbeit und Wirtschaft/Comissão, T‑213/01 e T‑214/01, EU:T:2006:151, n.os 148 e 149 e jurisprudência referida).

487    Assim, embora a Comissão pudesse, sem cometer qualquer erro, proceder à abertura de um procedimento distinto para tratar a denúncia, conforme se referiu nos n.os 477 e 478, supra, a verdade é que essa forma de proceder não podia impedir a recorrente, no contexto do Processo AT.39816, de beneficiar dos direitos a que se refere o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004.

488    Ora, importa reconhecer que, no âmbito da tramitação paralela dos processos AT.39816 e AT.40497, a Comissão foi ambígua no que respeita à participação da recorrente, bem como no que toca ao seu direito de receber uma cópia da CO e a apresentar observações sobre esse documento no Processo AT.39816.

489    Com efeito, após a apresentação da denúncia, em 9 de março de 2017, a Comissão informou a recorrente da aceitação dessa denúncia e convidou‑a, por ofício de 29 de março de 2017, a participar na consulta do mercado, que teve início em 16 de março do mesmo ano no âmbito do Processo AT.39816, para, em 31 de março de 2017, a informar do registo da denúncia noutro processo, ou seja, no Processo AT.40497. Mais tarde, tendo sido por diversas vezes interpelada pela recorrente para obter uma versão não confidencial da CO, a Comissão reagiu por ofícios de 28 de abril e de 24 de agosto de 2017 e indicou que a sua avaliação a este respeito estava pendente e que voltaria a contactá‑la em devido tempo, ou simplesmente tomou nota da reiteração desse pedido, mas sempre observando que a queixa tinha sido apresentada numa «fase avançada» do Processo AT.39816.

490    Mais tarde, através do ofício de intenção de rejeição, de 23 de janeiro de 2018, enviado no contexto do Processo AT.40497, a Comissão transmitiu uma versão não confidencial da CO, embora sublinhando que «deix[ava] em aberto a questão de saber se a intempestiva apresentação da denúncia […] tinha impacto na qualificação dos interesses legítimos da recorrente ou afetava o seu direito de participar no Processo AT.39816». Por fim, só posteriormente à adoção da decisão impugnada, em 24 de maio de 2018, é que a Comissão, através do seu ofício de 25 de setembro de 2018, respondeu às objeções relativas ao caráter não suficientemente completo da versão não confidencial da CO que a recorrente tinha formulado na sua resposta ao ofício de intenção de rejeição.

491    Nestas circunstâncias, a recorrente podia duvidar de que as suas observações plasmadas na resposta ao ofício de intenção de rejeição fossem tidas em conta ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 no âmbito do Processo AT.39816. Importa sublinhar, em especial, que a Comissão, no essencial, recusou pronunciar‑se sobre a qualidade de denunciante da recorrente no Processo AT.39816, que a transmissão da CO ocorreu expressamente no âmbito de um ofício que tinha por objeto o Processo AT.40497, e não o Processo AT.39816, e que a CO foi transmitida enquanto um dos documento em que a Comissão fundava a sua apreciação provisória, segundo a qual a denúncia devia ser rejeitada, com base no artigo 7.o, n.o 1, e no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, e não para obter as observações escritas da recorrente relativas à CO, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, desse regulamento.

492    Todavia, essas circunstâncias não foram até ao ponto de afetar o exercício efetivo dos direitos que para a recorrente decorrem do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004.

493    Com efeito, importa sublinhar que, embora a transmissão da CO tenha sido formalmente feita com base no artigo 7.o, n.o 1, e no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, a recorrente pôde efetivamente dispor de uma versão não confidencial dessa CO e pôde, no âmbito da sua resposta ao ofício de intenção de rejeição, apresentar observações escritas sobre, nomeadamente, o conteúdo dessa versão da CO, e isto antes da adoção da decisão impugnada no presente caso. Além disso, a recorrente, embora contestando que as observações apresentadas nessa resposta pudessem ser consideradas observações escritas na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, referiu, no entanto, no n.o 3 da referida resposta, que estas incluíam uma reavaliação exaustiva das observações que haviam sido previamente apresentadas no âmbito da consulta do mercado e da denúncia, para a Comissão poder dar por terminado o inquérito à Gazprom em matéria de concorrência com uma decisão que melhorasse a situação concorrencial nos mercados dos PECO em causa.

494    Além disso, a Comissão pôde tomar conhecimento dessas observações no âmbito do Processo AT.39816 e teve‑as aí em consideração, conforme resulta dos vistos e dos n.os 17 e 183 da decisão impugnada.

495    Esta última conclusão não é posta em causa pelos argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão não teve verdadeiramente em conta as observações incluídas na resposta ao ofício de intenção de rejeição, dado que só aceitou os compromissos da Gazprom nove dias úteis após a receção dessa resposta e que o relatório final do Auditor no Processo AT.39816 não incluía qualquer referência à denúncia. Por um lado, como referido no n.o 451, supra, o argumento relativo ao prazo de nove dias úteis baseia‑se numa incorreta equiparação da data de receção dos compromissos finais à data subsequente da sua aceitação pela Comissão. Por outro lado, a ausência de qualquer menção à denúncia no referido relatório não bastava para sustentar a presunção de que a Comissão não tinha examinado a referida resposta de forma diligente, especialmente porque o relatório está validamente centrado no respeito dos direitos processuais da Gazprom.

496    Ainda em relação à crítica da recorrente relativa ao facto de que deveria ter recebido uma versão não confidencial da CO antes do termo do prazo para apresentar as suas observações, que se distinguem da sua resposta ao ofício de intenção de rejeição, no âmbito da consulta do mercado, esta deve ser rejeitada. Com efeito, não resulta nem do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 nem do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 que a recorrente tinha o direito de receber uma cópia da versão não confidencial da CO a tempo de lhe ser possível tê‑la em atenção nas observações que poderia apresentar no âmbito dessa consulta. Além disso, há que atender ao facto de a recorrente ter apresentado a sua denúncia apenas alguns dias antes do início da referida consulta e do início do prazo necessário para a preparação de uma versão não confidencial da CO.

497    Por último, na medida em que a recorrente contestou o caráter suficientemente completo da versão não confidencial da CO, recorde‑se, como de resto se realçou no n.o 50, supra, que o Tribunal Geral levou ao conhecimento dos representantes da recorrente a sua versão confidencial após estes terem assinado compromissos de confidencialidade. Mais tarde, esses representantes apresentaram as respetivas observações sobre a versão confidencial da CO, nas quais identificaram determinados aspetos pertinentes dessa versão e esclareceram como é que, em seu entender, esses aspetos puderam ser utilizados para reforçar, desenvolver ou confirmar as alegações apresentadas pela recorrente no decurso tanto do procedimento administrativo como do presente processo perante o Tribunal Geral.

498    Todavia, resulta das observações relativas à versão confidencial da CO que, embora a recorrente pudesse ter sido mais bem informada acerca dos exatos comportamentos imputados à Gazprom, dispunha do essencial das informações pertinentes e, em especial, já tinha conhecimento do teor das práticas anticoncorrenciais em causa. Por conseguinte, igualmente a este respeito, deve reconhecer‑se que o exercício efetivo dos direitos da recorrente decorrentes do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 não foi afetado.

499    Atento o que precede, o argumento relativo à violação do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 deve ser rejeitado.

c)      Quanto à violação dos outros direitos processuais associados à qualidade de denunciante (quarta violação)

500    A recorrente alega a violação do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, resultante da insuficiente transmissão, no contexto do ofício de intenção de rejeição, de informações sobre a aplicação, no presente caso, da exceção da ação estatal e sobre os documentos em que a Comissão se fundou para rejeitar a denúncia. Além disso, a recorrente nunca recebeu uma cópia da resposta da Gazprom à CO, embora, contrariamente ao que a Comissão deixou perceber durante o processo, essa resposta tenha influenciado a decisão de rejeitar a denúncia. Ora, a inobservância das referidas disposições, ocorrida nos dois processos (AT.39816 e AT.40497), consubstancia uma violação de formalidades essenciais, que deve implicar necessariamente a anulação da decisão adotada em cada um desses processos, pois a retificação da irregularidade num processo não afeta a irregularidade cometida no outro.

501    A Comissão considera que a violação alegada não tem fundamento.

502    A este respeito, os artigos 7.o e 8.o do Regulamento n.o 773/2004 são normas de enquadramento da rejeição das denúncias. Ora, a denúncia foi rejeitada através da decisão adotada no termo do Processo AT.40497, e não da adotada no termo do Processo AT.39816. Assim, a questão da observância dos direitos consagrados nas referidas disposições está intrinsecamente relacionada com o Processo AT.40497 e uma eventual violação desses direitos não é suscetível de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada.

503    Por conseguinte, os argumentos relativos à violação dos artigos 7.o e 8.o do Regulamento n.o 773/2004 são inoperantes no contexto do presente recurso e devem ser rejeitados.

4.      Quanto à existência de um desvio de poder

504    Segundo a recorrente, os factos que apontou, as irregularidades cometidas no tratamento das objeções Yamal e a violação dos seus direitos de caráter processual enquanto denunciante demonstram a existência de um desvio de poder, na medida em que a Comissão adotou a decisão impugnada com fundamento no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 com um objetivo diferente do previsto nesse artigo.

505    A Comissão alega que os elementos apresentados pela recorrente e pela República da Polónia não demonstram a existência de um desvio de poder e, na verdade e em larga medida, não têm qualquer relação com o objeto de um fundamento relativo a um tal desvio.

506    A este propósito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, um ato só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, ter sido adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de alcançar fins diferentes dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.o 99, e de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão, C‑132/19 P, EU:C:2020:1007, n.o 31).

507    No presente caso, em primeiro lugar, importa referir que a recorrente não expôs claramente o objeto do desvio de poder que alega. Do mesmo modo, ao invocar os factos, as irregularidades e as violações de direitos de caráter processual sobre que se debruçam as considerações que precedem, e ao afirmar que essas circunstâncias traduzem uma «falta de vontade de pôr em prática os interesses da União», a recorrente e a República da Polónia juntaram elementos dispersos sem identificar o verdadeiro objetivo, pretensamente dissimulado, prosseguido pela Comissão ou o procedimento eludido.

508    Ora, como a recorrente entende que, em vez de encerrar o Processo AT.39816 tornando obrigatórios os compromissos finais, a Comissão deveria ter prosseguido o seu inquérito e adotado uma decisão ao abrigo do artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003, importa referir que não apresentou argumentos nesse sentido e que, além disso, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para tornar obrigatória uma proposta de compromisso ou para a recusar (v., neste sentido, Acórdão Alrosa, n.o 94), sendo certo que o considerando 13 do referido regulamento esclarece que as decisões relativas a compromissos não são adequadas nos casos em que a Comissão tencione aplicar uma coima.

509    Em segundo lugar, e de qualquer modo, resulta das considerações relativas ao sexto fundamento que precedem, em primeiro lugar, que nenhum dos factos invocados em relação ao desvio de processo no Processo AT.39816 possui um caráter inabitual ou especial que possa conduzir a que seja considerado um potencial indício de um desvio de poder (v. n.os 444 a 451, supra), em segundo lugar, que as alegadas irregularidades que afetavam o tratamento das objeções Yamal não ocorreram (v. n.os 444 e 452 a 470, supra) e, em terceiro lugar, que o início do Processo AT.40497 não é em si mesmo irregular, enquanto as pretensas violações de direitos de caráter processual cometidas no quadro desse processo ou são improcedentes, ou não dizem respeito à decisão impugnada (v. n.os 473 a 503, supra).

510    Assim, das conclusões constantes do parágrafo anterior resulta que, mesmo admitindo que o objeto do desvio de poder alegado possa ser determinado, os elementos aduzidos pela recorrente e pela República da Polónia, mesmo considerados conjuntamente, não bastam para demonstrar a existência desse desvio de poder. Além disso, como no essencial já se declarou nos n.os 58 a 64, supra, esses elementos são igualmente insuficientes para justificar o exame do alegado «contexto» pertinente, constituído pela integralidade dos dossiês nos processos AT.39816 e AT.40497, e, por conseguinte, o Tribunal Geral considera ser igualmente inútil adotar as medidas de organização do processo solicitadas pela recorrente.

511    Atento o conjunto das considerações que precedem, há que julgar improcedente o sexto fundamento. Por conseguinte, o recurso deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário apreciar a sua admissibilidade, tendo especialmente em conta, conforme evocado no n.o 53, supra, o fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Comissão na audiência (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.os 51 e 52).

 Quanto às despesas

512    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que a condenar nas suas próprias despesas, bem como nas despesas da Comissão e da Gazprom, de acordo com o pedido destas.

513    Além disso, por força do artigo 138.o, n.os 1 e 3, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, tal como qualquer interveniente diferente de um Estado‑Membro ou de uma instituição da União, se o Tribunal Geral assim o decidir. No presente caso, a República da Lituânia, a República da Polónia e a Overgas suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo S.A. suportará as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão Europeia, pela Gazprom PJSC e pela Gazprom export LLC.

3)      A República da Lituânia, a República da Polónia e a Overgas Inc. suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de fevereiro de 2022.

Assinaturas


Índice


Quanto às despesas


*      Língua de processo: polaco.


1      Os dados confidenciais foram ocultados.