CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
GIOVANNI PITRUZZELLA
apresentadas em 21 de janeiro de 2021(1)
Processo C‑52/19 P
Banco Santander, SA
contra
Comissão Europeia
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Seletividade»
1. O presente processo tem por objeto o recurso interposto pelo Banco Santader, SA (a seguir «Banco Santander»), contra o Acórdão de 15 de novembro de 2018, Banco Santander/Comissão (2) (a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação, nos termos do artigo 263.o TFUE, do artigo 1.o, n.o 1, da Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras aplicada pela Espanha (a seguir «decisão impugnada») (3), e, a título subsidiário, do artigo 4.o dessa decisão, interposto pelo Banco Santander.
2. O presente recurso faz parte de uma série de oito processos paralelos que têm por objeto a anulação dos acórdãos pelos quais o Tribunal Geral negou provimento aos recursos interpostos por algumas empresas espanholas contra a decisão impugnada ou contra a Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras, aplicada pela Espanha (a seguir «Decisão de 12 de janeiro de 2011») (4).
I. Matéria de facto, medida controvertida e decisão impugnada
3. Em 10 de outubro de 2007, no seguimento de várias perguntas escritas que lhe tinham sido colocadas ao longo dos anos de 2005 e 2006 por membros do Parlamento Europeu e de uma denúncia de um operador privado que lhe fora dirigida em 2007, a Comissão Europeia deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (5) (a seguir «decisão de abertura»), relativamente ao dispositivo previsto no artigo 12.o, n.o 5, introduzido na Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei do Imposto sobre as Sociedades) pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, que Aprova Medidas Fiscais, Administrativas e de Ordem Social), de 27 de dezembro de 2001 (6), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que Aprova o Texto Adaptado da Lei do Imposto sobre as Sociedades, a seguir «TRLIS»), de 5 de março de 2004 (a seguir «medida controvertida»). A medida controvertida dispõe que, no caso de uma aquisição de participação de uma empresa sujeita a tributação em Espanha numa «empresa estrangeira», quando essa aquisição de participação seja de pelo menos 5 % e a participação em causa seja detida de forma ininterrupta durante pelo menos um ano, o financial goodwill (7) (8) daí resultante pode ser deduzido, sob a forma de amortização, do rendimento tributável do imposto sobre as sociedades a pagar pela empresa. A medida controvertida precisa que, para ser qualificada de «empresa estrangeira», uma sociedade tem de estar sujeita a um imposto idêntico ao imposto aplicável em Espanha e os seus rendimentos têm de provir essencialmente do exercício de atividades no estrangeiro.
4. Em 28 de outubro de 2009, a Comissão adotou a decisão impugnada, pela qual encerrou o procedimento formal de investigação no que se refere às aquisições de participações ocorridas no interior da União Europeia. Após ter assinalado, no considerando 19 dessa decisão, que «[p]or força dos princípios consignados no direito fiscal espanhol, com exceção da medida impugnada, o goodwill só pode ser amortizado na sequência de uma concentração de empresas que resulte de uma aquisição ou da contribuição dos ativos detidos por empresas independentes, ou ainda de uma operação de concentração ou cisão» e precisado, no considerando 20, que «[o] conceito de diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) previsto [na medida controvertida] introduz […] no domínio das aquisições de ações uma noção normalmente utilizada na transmissão de ativos ou em operações de concentração de empresas», a Comissão considerou que a medida controvertida era seletiva na medida em que favorecia apenas certos grupos de empresas que efetuassem determinados investimentos no estrangeiro e que este caráter específico não é justificado pela natureza do próprio regime. Segundo a Comissão, essa conclusão é válida independentemente de o sistema de referência se definir como o conjunto de regras relativas ao tratamento fiscal da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) ao abrigo do sistema fiscal espanhol (v. considerandos 89 e 92 a 114) ou como o tratamento fiscal do goodwill resultante de um interesse económico adquirido numa empresa estabelecida fora do território espanhol (v. considerandos 89 e 115 a 119). No artigo 1.o, n.o 1, dessa decisão, a Comissão declarou «[o] regime de auxílios aplicado pela Espanha ao abrigo [da medida controvertida] […] incompatível com o mercado comum no que respeita aos auxílios concedidos aos beneficiários em relação às aquisições intracomunitárias» e, no artigo 4.o, determinou a recuperação dos auxílios correspondentes às reduções de impostos concedidas com base nesse regime (9).
5. A Comissão manteve aberto o procedimento formal de investigação quanto às aquisições de participações realizadas fora da União, aguardando elementos adicionais que as autoridades espanholas se tinham comprometido a fornecer. Esta fase do procedimento foi encerrada com a adoção da Decisão de 12 de janeiro de 2011, pela qual a Comissão declarou incompatível com o mercado interno o regime de auxílios aplicado pela Espanha por força da medida controvertida, também na parte em que se aplica a aquisições de participações em empresas estabelecidas fora da União.
II. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido
6. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de maio de 2010, o Banco Santander interpôs recurso de anulação da decisão impugnada. A instância foi suspensa entre 13 de março e 7 de novembro de 2014, data na qual o Tribunal Geral proferiu decisão no processo que deu origem ao Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (10) (a seguir «Acórdão Autogrill España/Comissão»), pelo qual anulou a decisão impugnada, com base na circunstância de que a Comissão tinha feito uma aplicação errada do pressuposto de seletividade previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. O Tribunal Geral anulou igualmente a Decisão de 12 de janeiro de 2011, pelo Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (11) (a seguir «Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão»).
7. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2015, a Comissão recorreu do Acórdão Autogrill España/Comissão. Esse recurso, registado sob o número C‑20/15 P, foi apensado ao recurso registado sob o número C‑21/15 P, que a Comissão tinha interposto do Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão. Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2015, a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha foram autorizados a intervir nos processos apensos em apoio da World Duty Free Group, do Banco Santander e da Santusa. Por Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (12) (a seguir «Acórdão WDFG»), o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão Autogrill España/Comissão, devolveu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final parte das despesas. O Tribunal de Justiça anulou igualmente o Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão.
8. O processo perante o Tribunal Geral, cuja instância foi novamente suspensa em 9 de março de 2015, foi retomado em 21 de dezembro de 2016 e foi encerrado com a prolação do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral negou provimento ao recurso do Banco Santander e condenou o mesmo nas despesas.
III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes
9. Por petição inicial apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de janeiro de 2019, o Banco Santander interpôs o presente recurso. Pede a anulação do acórdão recorrido, a anulação da decisão impugnada na sequência do provimento do recurso que interpôs perante o Tribunal Geral e a condenação da Comissão nas despesas. A Comissão pede que seja negado provimento ao recurso e a condenação da recorrente nas despesas.
IV. Análise
A. Observações preliminares
10. Para um exame do estado atual da jurisprudência em matéria de seletividade de medidas fiscais, e, designadamente, para uma ilustração do método de análise da seletividade em três fases elaborado pelo Tribunal de Justiça, remeto para as considerações desenvolvidas e para os critérios invocados nos n.os 11 a 21 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P, World Duty Free Group/Comissão, e C‑64/19 P, Espanha/Comissão, apresentadas hoje. É à luz dessas considerações e desses critérios que serão examinadas as alegações apresentadas pelo Banco Santander. Quanto às implicações do Acórdão WDFG para efeitos do exame do presente recurso, remeto, em contrapartida, para os n.os 23 a 27 das referidas conclusões.
B. Quanto ao presente recurso
11. No seu recurso, o Banco Santander invoca um fundamento único, relativo a um erro na interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, no que diz respeito ao critério da seletividade. Esse fundamento divide‑se em quatro partes a título principal e duas a título subsidiário.
1. Quanto à primeira parte do fundamento único de recurso: erro na determinação do sistema de referência
12. As alegações apresentadas no âmbito da primeira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander são relativas à primeira etapa da análise da seletividade, que visa determinar o sistema de referência. Quanto ao conceito de «sistema de referência» e aos critérios aplicáveis para efeitos da sua determinação, remeto para as observações que desenvolvi nos n.os 37 a 51 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P, World Duty Free Group/Comissão e C‑64/19 P, Espanha/Comissão, apresentadas hoje.
a) Quanto à primeira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso
13. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito da alegação em apreço, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da primeira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 31 a 36 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje, no que diz respeito à exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, e para os n.os 52 a 59 dessas conclusões, no que diz respeito ao mérito. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a primeira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
b) Quanto à segunda alegação da primeira parte do fundamento único de recurso
14. Uma vez que os fundamentos específicos de impugnação invocados no âmbito da segunda alegação da primeira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da segunda alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 62 a 82 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje, nos quais proponho que a totalidade das referidas alegações seja julgada improcedente. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a segunda alegação da primeira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
c) Quanto à terceira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso
15. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito da terceira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da terceira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 85 a 87 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a terceira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
2. Quanto à segunda parte do fundamento único de recurso: erro na determinação do objetivo a partir do qual deve ser efetuado o exame de comparabilidade
16. As alegações apresentadas pelo Banco Santander no âmbito da segunda parte do seu fundamento único são relativas aos n.os 130 a 151 do acórdão recorrido e visam contestar os fundamentos desse acórdão pelos quais o Tribunal Geral identificou o objetivo do sistema de referência e comparou, à luz desse objetivo, a situação das empresas que beneficiam da vantagem instituída pela medida controvertida e a das que são excluídas da mema.
17. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito dessa parte do recurso do Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da segunda parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 91 a 106 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a segunda parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
3. Quanto à terceira parte do fundamento único de recurso: erro de direito na repartição do ónus da prova
18. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito da terceira parte do fundamento único do Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da terceira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 109 e 110 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a terceira parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
4. Quanto à quarta parte do fundamento único de recurso: proporcionalidade
19. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito da quarta parte do fundamento único do Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da quarta parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 112 e 113 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a quarta parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
5. Quanto à quinta parte do fundamento único de recurso: nexo de causalidade
20. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito da quinta parte do fundamento único do Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da quinta parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 114 a 117 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a quinta parte do fundamento único invocado pelo Banco Santander.
6. Quanto à sexta parte do fundamento único de recurso: divisibilidade da medida
21. Uma vez que os fundamentos invocados no âmbito da sexta parte do fundamento único do Banco Santander, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da sexta parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 119 a 122 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a sexta parte do fundamento único de impugnação invocado pelo Banco Santander.
7. Conclusões quanto ao recurso
22. À luz de todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso, na sua totalidade.
V. Quanto às despesas
23. Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Por força do artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável, mutatis mutandis, ao processo no Tribunal de Justiça que tenha por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso do Banco Santander, em meu entender, este deve ser condenado nas despesas, em conformidade com o requerimento nesse sentido apresentado pela Comissão.
VI. Conclusão
24. À luz de todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene o Banco Santander nas despesas.