Language of document : ECLI:EU:C:2009:534

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 10 de Setembro de 2009 1(1)

Processo C‑45/08

Spector Photo Group NV

Chris Van Raemdonck

contra

Commissie voor het Bank‑, Financie‑ en Assurantiewezen (CBFA)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hof van Beroep te Brussel (Bélgica)]

«Operações de iniciados – Utilização de informação privilegiada – Directiva 2003/6/CE»





I –    Introdução

1.        O presente processo de decisão prejudicial tem por objecto a proibição de operações de iniciados nos termos da Directiva 2003/6/CE (2), relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado). A directiva proíbe a realização de operações com instrumentos financeiros quando para tal se utilizem informações privilegiadas. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em especial, se o facto de um detentor de uma informação privilegiada agir com conhecimento das referidas informações consubstancia desde logo uma operação de iniciados.

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito comunitário

2.        O artigo 2.°, n.° 1, primeira frase, da Directiva 2003/6 dispõe o seguinte:

«Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa referida no segundo parágrafo que detenha informação privilegiada de utilizar essa informação ao adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, directa ou indirectamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.»

3.        O artigo 2.°, n.° 1, da anterior Directiva 89/592/CEE (3) dispunha o seguinte:

«Cada Estado‑Membro proibirá às pessoas que [...] disponham de uma informação privilegiada que adquiram ou cedam, em seu nome ou em nome de outrem, quer directa quer indirectamente, valores mobiliários do emitente ou emitentes a quem a informação diz respeito, explorando com conhecimento de causa essa informação privilegiada.»

B –    Direito nacional

4.        As disposições belgas relativas às operações de iniciados estão consagradas na lei relativa à fiscalização do sector financeiro e dos serviços financeiros (a seguir «lei relativa à fiscalização financeira»).

5.        O artigo 25.° da lei relativa à fiscalização financeira, na redacção que lhe foi dada pela Lei de 2 de Agosto de 2002, aplicável aos factos praticados entre 1 de Junho de 2003 e 31 de Dezembro de 2003 (a seguir «versão antiga do artigo 25.°»), dispunha o seguinte:

«É proibido a qualquer pessoa que detenha informação privilegiada utilizar essa informação ao adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, directa ou indirectamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito ou instrumentos financeiros conexos...»

6.        A versão do artigo 25.° em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, introduzida pela Lei de 22 de Dezembro de 2003 (a seguir «nova versão do artigo 25.°»), tem o seguinte teor:

«É proibido a qualquer pessoa que detenha informação e saiba ou deva saber que a informação detida tem carácter privilegiado adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, directa ou indirectamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito ou instrumentos financeiros conexos ...»

III – Matéria de facto e questão prejudicial

7.        A Spector Photo Group NV (a seguir «Spector») é uma empresa cotada na bolsa. Em Novembro de 1999, aprovou um programa de opções sobre acções destinado aos seus trabalhadores, assim como aos das empresas que lhe estão associadas.

8.        Em 21 de Maio de 2003, a Spector informou a bolsa Euronext Brussels de que tencionava adquirir acções próprias de forma a cumprir o programa de opções sobre acções, tal como exigido por lei. No período compreendido entre 28 de Maio de 2003 e 30 de Agosto de 2003, a Spector adquiriu o total de 27 773 acções. As aquisições foram realizadas através de seis ordens individuais: cinco de 2 000 acções, que foram executadas na íntegra, e uma de 18 000 acções, que foi executada em relação a 17 773 acções.

9.        De acordo com o pedido de decisão prejudicial, o comité de direcção da comissão para os assuntos bancários, financeiros e de seguros (Commissie voor het Bank‑, Financie‑ en Assurantiewezen; a seguir «CBFA») encarregou o auditor interno de um inquérito relativo a abuso de informação privilegiada respeitante a duas das compras realizadas por conta da Spector: uma ordem relativa a 2 000 acções, de 11 de Agosto de 2003, e uma ordem relativa a 18 000 acções, de 13 de Agosto de 2003.

10.      As ordens individuais controvertidas foram dadas por C. Van Raemdonck por conta da Spector (4).

11.      O auditor constatou que, a partir de 13 de Agosto de 2003, as ordens de compra foram posteriormente alteradas, tanto quanto ao número de acções como aos limites de preço, e também que as compras adquiriram um carácter urgente, sem que pudesse ser fornecida uma justificação para estes factos. Considerou que este comportamento consubstanciava um abuso de informação privilegiada proibido, remetendo para o facto de a Spector e C. Van Raemdonck terem presumido que o preço das acções aumentaria após a divulgação das informações respeitantes ao volume de negócios e à aquisição de uma outra empresa, planeada pela Spector. Ambos partiram do pressuposto de que a Spector, após a referida divulgação, teria de pagar um preço mais elevado pelas compras posteriores, o que, consequentemente, acarretaria um prejuízo financeiro para a empresa. Após a divulgação das informações respeitantes ao volume de negócios, o preço aumentou efectivamente de 8%. O pedido de decisão prejudicial não indica de forma inequívoca se o auditor também concluiu pela existência de uma violação da proibição de operações de iniciados no que respeita à ordem de 11 de Agosto.

12.      O auditor estabeleceu uma conexão entre, por um lado, a ordem de compra dada em 13 de Agosto de 2003, a alteração do limite e a subsequente execução da ordem de compra e, por outro lado, as informações de que a Spector e C. Van Raemdonck dispunham em relação à aquisição de uma empresa, bem como aos relatórios de gestão e aos volumes de vendas.

13.      Por decisão de 28 de Novembro de 2006 (a seguir «decisão controvertida»), a CBFA qualificou a ordem de 13 de Agosto de 2003 como uma operação de iniciados proibida, tendo aplicado uma coima à Spector e a C. Van Raemdonck e determinado a publicação nominativa da sanção.

14.      Os recorrentes interpuseram recurso desta decisão para o Hof Van Beroep te Brussel. Por decisão de 1 de Fevereiro de 2008, o referido órgão jurisdicional suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

1) As disposições da Directiva 2003/6, em especial o seu artigo 2.°, constituem uma harmonização total, com excepção das disposições que conferem expressamente aos Estados‑Membros a liberdade de adoptar medidas de aplicação, ou destinam‑se, no seu conjunto, a uma harmonização mínima?

2) O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6 deve ser interpretado no sentido de que o simples facto de uma pessoa referida no artigo 2.°, n.° 1, dessa directiva, [que] detém informação privilegiada, adquirir ou alienar, ou tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito, implica automaticamente que esta utiliza a sua informação privilegiada?

3) Em caso de resposta negativa à segunda questão, deverá admitir‑se que, para efeitos de aplicação do artigo 2.° da Directiva 2003/6, é necessário que tenha sido tomada uma decisão deliberada de utilização de informação privilegiada?

Se tal decisão também puder ser não escrita, a decisão de utilização deve, nesse caso, resultar de circunstâncias que não sejam susceptíveis de qualquer outra explicação ou é suficiente que elas possam ser interpretadas nesse sentido?

4) Se, na verificação da proporcionalidade de uma sanção administrativa, prevista no artigo 14.° da Directiva 2003/6, as mais‑valias realizadas deverem ser tidas em conta, deve‑se pressupor que a divulgação da informação qualificada como informação privilegiada influenciou efectivamente de maneira sensível o preço do instrumento financeiro?

Em caso de resposta afirmativa, qual deve ser o nível mínimo da variação do preço para que esta possa ser considerada sensível?

5) Independentemente da questão de saber se a variação do preço após a divulgação da informação deve ou não ser sensível, que período deve ser tido em consideração, após tal divulgação, para determinar o nível da variação do preço e que data deve ser tida em conta [na avaliação do] benefício patrimonial realizado [para definir a sanção adequada]?

6) À luz da fiscalização da proporcionalidade da sanção, o artigo 14.° da Directiva 2003/6 deve, consequentemente, ser interpretado no sentido de que, se um Estado‑Membro introduziu a possibilidade de uma sanção penal cumulada com a sanção administrativa, na apreciação do carácter proporcional deve ser tida em conta a possibilidade e/ou o montante de uma sanção pecuniária de natureza penal?

IV – Apreciação jurídica

A –    Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

15.      O Governo belga e o Governo alemão, bem como a CBFA, põem em causa a admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial, considerando que o órgão jurisdicional de reenvio coloca questões hipotéticas, cuja resposta é irrelevante para a decisão do processo principal. Estas dúvidas resultam do facto de o órgão jurisdicional de reenvio parecer pedir a interpretação da directiva no que diz respeito ao artigo 25.° da lei relativa à fiscalização financeira na sua nova versão, enquanto da própria decisão controvertida resulta que esta se baseia no artigo 25.° desta lei na sua versão antiga.

16.      Há que recordar previamente que, por princípio, compete ao juiz nacional a quem foi submetido o litígio apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio assume a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar. Consequentemente, o Tribunal de Justiça é, por princípio, obrigado a decidir sobre questões prejudiciais relativas à interpretação do direito comunitário (5).

17.      Em casos excepcionais cabe, no entanto, ao Tribunal de Justiça examinar as condições em que os pedidos de interpretação lhe são submetidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais (6), na medida em que o espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica que, por seu lado, o juiz nacional tenha em consideração a função cometida ao Tribunal de Justiça, que é a de contribuir para a administração da justiça nos Estados‑Membros e não a de formular opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas. Nos termos da jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode recusar‑se a responder a uma questão submetida à sua apreciação quando, entre outros casos, for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal ou quando o problema for hipotético (7).

18.      O órgão jurisdicional de reenvio parece colocar uma questão relativa à interpretação da Directiva 2003/6 de forma a poder apreciar a compatibilidade do artigo 25.° da nova versão da lei relativa à fiscalização financeira com a referida directiva. Ao definir a operação de iniciados proibida, a nova versão do artigo 25.° não capta de forma precisa o teor da Directiva 2003/6, antes se referindo, na mencionada definição, a uma pessoa que detenha informação sabendo ou devendo saber que a informação detida tem carácter privilegiado e que celebre negócios relativos a instrumentos financeiros aos quais essa informação diga respeito.

19.      No entanto, a pertinência para a decisão do processo principal da conformidade com a directiva da lei belga, na sua nova versão, levanta muitas dúvidas, na medida em que o processo principal apenas deveria ser apreciado com base no artigo 25.° da versão antiga.

20.      A decisão controvertida pune uma situação de facto anterior à entrada em vigor da nova lei. Por conseguinte, a esta situação de facto deveria aplicar‑se a lei na sua versão antiga. Neste sentido, o Governo alemão remeteu para o princípio nulla poena sine lege, do qual resulta que um facto deve ser apreciado, por princípio, nos termos do direito aplicável à data de ocorrência dos factos.

21.      O pedido de decisão prejudicial afirma efectivamente, numa passagem (8), que a decisão controvertida se baseia na nova versão do artigo 25.°; trata‑se porém, presumivelmente, de um erro tipográfico, na medida em que da própria decisão controvertida resulta que esta se baseia na versão antiga do artigo 25.°, o que foi também confirmado pelas partes do processo principal, bem como pelo Governo belga, na audiência no Tribunal de Justiça.

22.      Deve, por conseguinte, partir‑se do pressuposto de que a versão antiga do artigo 25.° constitui o critério para a apreciação da actuação dos recorrentes (9).

23.      Considerando que o processo principal não deve ser decidido com base na nova versão do artigo 25.°, não se entende à primeira vista por que razão também a interpretação da Directiva 2003/6 deve ser relevante para a decisão do processo principal. Isto porque o órgão jurisdicional de reenvio submeteu as suas questões relativas à interpretação da directiva de forma a poder apreciar a conformidade da nova versão do artigo 25.° com a directiva.

24.      De seguida, irei, no entanto, demonstrar que a interpretação da Directiva 2003/6 não é manifestamente irrelevante para a decisão do processo principal e que, por conseguinte, se deve, apesar de todas as dúvidas, partir do princípio da admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

1.      Interpretação da Directiva 2003/6 como critério de interpretação da versão antiga da lei belga

25.      Neste sentido, pode ser tido em consideração que a Directiva 2003/6 também pode ser utilizada como critério para a interpretação da versão antiga da lei.

26.      Na audiência, o Governo belga, a pedido do Tribunal de Justiça, esclareceu que a versão antiga da lei já tinha sido adoptada para transposição da Directiva 2003/6. À data da aprovação da versão antiga da lei, a directiva ainda não tinha sido finalizada, tendo o Governo belga no entanto esclarecido que, nessa altura, a Bélgica pretendia proceder a uma reformulação abrangente da sua legislação em matéria de direito bancário e, por conseguinte, se baseou – antecipadamente – num projecto de directiva já existente para a nova versão da sua lei relativa à supervisão bancária.

27.      A obrigação de os Estados‑Membros interpretarem em conformidade com a directiva apenas existe a partir do respectivo prazo de transposição (10). No entanto, caso tenha sido efectivamente adoptada a lei antiga para transposição da Directiva 2003/6, a resposta às questões prejudiciais relativas à interpretação da Directivas 2003/6 também pode assumir pertinência para a interpretação da referida lei.

28.      Este tipo de transposição antecipada de uma directiva deve ser sujeito ao mesmo tratamento que o caso da «transposição exorbitante de uma directiva», reconhecido pelo Tribunal de Justiça.

29.      Nos casos de transposição exorbitante de uma directiva, ou seja, quando um Estado‑Membro transpõe uma directiva para regular situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva, também é admissível um pedido de decisão prejudicial (11).

30.      Também neste tipo de casos o Tribunal de Justiça considera indicado dar uma resposta aos pedidos de decisão prejudicial, na medida em que existe um interesse manifesto para a ordem jurídica comunitária em que, para evitar divergências futuras, todas as disposições do direito comunitário sejam interpretadas de modo uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devam aplicar (12).

31.      Pela mesma razão, também nos casos de transposição antecipada de uma directiva as questões relativas à interpretação da directiva deveriam ser admissíveis.

32.      É de recordar que a versão antiga do artigo 25.° é reproduzida, em termos quase idênticos, no artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6. Por conseguinte, a interpretação deste artigo não é manifestamente irrelevante para a compreensão da versão antiga do artigo 25.°

2.      A argumentação dos recorrentes com base no princípio da lei mais favorável

33.      De forma a fundamentar a razão pela qual a questão da conformidade da nova lei com a directiva também assume relevância para a decisão do processo principal, os recorrentes defenderam uma teoria muito complexa no processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, tendo‑se baseado no princípio da lei mais favorável. Em última análise, tal argumentação não convence.

34.      Os recorrentes consideram que a nova versão do artigo 25.° não é compatível com a Directiva 2003/6 e, por conseguinte, não pode ser aplicada. Devido à não aplicabilidade da nova versão do artigo 25.° foi criada uma «lacuna jurídica», que deve ser equiparada a uma lei mais favorável. Do princípio da lei mais favorável resulta, por conseguinte, que também não deveria ser imposta uma sanção nos termos da versão antiga do artigo 25.°, aplicável à decisão controvertida.

35.      A título de esclarecimento, deve salientar‑se que os recorrentes não argumentam que a nova versão do artigo 25.° seja, em si mesma, mais favorável que a versão antiga do artigo 25.° Pelo contrário, salientam mesmo que a nova lei é mais rígida, na medida em que não exige uma utilização de uma informação privilegiada, sendo apenas suficiente «uma actuação com conhecimento da informação privilegiada». A nova lei também não parece ter revogado a aplicabilidade da lei antiga às situações anteriores. A lei mais favorável está, pelo contrário, na lacuna legislativa criada pela não aplicabilidade da nova versão do artigo 25.°

36.      O alcance do princípio da lei mais favorável no presente contexto é em primeiro lugar uma questão de direito interno. Tenho, no entanto, dúvidas de que o referido princípio se aplique ao presente caso, na medida em que a aplicação retroactiva das leis penais mais favoráveis se baseia na consideração de que um arguido não deve ser condenado por um comportamento que, na opinião modificada do legislador, no momento do julgamento deixou de ser crime (13). As valorações modificadas do legislador devem ser aplicadas a favor do arguido. Neste sentido, também o artigo 49.°, n.° 1, terceira frase, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (14) dispõe o seguinte: «Se, posteriormente à infracção, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada».

37.      No presente caso, o legislador belga não previu, no entanto, qualquer pena mais leve, tendo os próprios recorrentes realçado o facto de o legislador ter previsto uma pena mais rígida. Por conseguinte, não existe qualquer modificação de valoração do legislador que qualifique o comportamento como menos repreensível.

38.      Em consequência, o presente caso também se distingue da matéria de facto na base do processo Berlusconi, que dizia respeito à questão de saber se uma lei penal menos gravosa deve ser aplicada retroactivamente mesmo quando viola o direito comunitário (15). No entender de todas as partes intervenientes, no presente caso a nova lei não representa uma lei mais favorável, pelo que a questão não se coloca.

39.      A questão de saber se, nos termos do direito belga, o princípio da lei mais favorável pode ser entendido num sentido de tal forma amplo que uma «lacuna legislativa» – invocada pelos recorrentes no presente processo – deva ser equiparada a uma lei mais favorável não assume relevância no presente caso, na medida em que no caso concreto está excluída a existência da lacuna legislativa invocada pelos recorrentes, que estes equiparam a uma lei mais favorável.

40.      Mesmo que se admita que a argumentação dos recorrentes relativamente à incompatibilidade da nova lei com a directiva está correcta, seria possível corrigir a referida incompatibilidade por via de uma interpretação da lei belga em conformidade com a directiva. Os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados a interpretar o direito interno de modo o mais possível conforme à directiva (16). A nova versão do artigo 25.° deveria, assim, ser interpretada em conformidade com a directiva, não ficando por conseguinte integralmente inaplicável. Neste sentido, não se verificaria a lacuna legislativa que os recorrentes equiparam a uma lei mais favorável.

41.      No presente caso, é possível proceder a uma interpretação conforme à directiva. Os recorrentes consideram que a nova lei viola a directiva na medida em que não faz depender a proibição de operações de iniciados do facto de a informação privilegiada ser utilizada, sendo suficiente que se tenha agido com conhecimento da mesma. Caso se considere correcto este entendimento, a lei poderia ser interpretada em conformidade com a directiva, considerando a existência da «utilização da informação privilegiada» como uma condição suplementar por via de uma redução conforme à directiva. Também é possível recorrer sem quaisquer problemas a uma interpretação conforme à directiva que tenha por efeito uma redução do âmbito de aplicação da operação de iniciados e, por conseguinte, seja favorável ao particular.

3.      Conclusão provisória

42.      Em síntese, é possível concluir o seguinte: da eventual incompatibilidade da nova lei com a directiva não resulta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Na medida em que não se pode excluir a priori que também a lei anterior deva ser apreciada pelo órgão jurisdicional nacional com base na directiva, as questões prejudiciais não são manifestamente irrelevantes. Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

B –    Resposta às questões prejudiciais

1.      Segunda questão prejudicial

43.      Com a sua segunda questão prejudicial, que deve ser analisada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6 deve ser interpretado no sentido de que o simples facto de uma pessoa que detém informação privilegiada adquirir ou alienar instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito implica automaticamente que ela «utiliza» a informação privilegiada. Há em todo o caso que precisar que o direito belga, na nova versão do artigo 25.°, não tem apenas em conta o facto de uma pessoa dispor de uma informação privilegiada, exigindo ainda que a pessoa saiba ou deva saber que se trata de uma informação privilegiada. No presente caso deve, portanto, ser esclarecido se, para a existência de uma operação de iniciados basta, sem excepções, que se realizem transacções com conhecimento da informação privilegiada, ou se é necessária a existência de um elemento suplementar.

44.      O artigo 2.°, n.° 1, da directiva dispõe que os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa referida no segundo parágrafo que detenha informação privilegiada de utilizar essa informação ao adquirir ou alienar instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.

45.      Analisando o teor do artigo 2.°, n.° 1, é de destacar que este não descreve a operação de iniciados proibida como aquisição «com conhecimento» de uma informação privilegiada, exigindo, pelo contrário, que a aquisição seja efectuada «com utilização» da informação privilegiada (17).

46.      Neste sentido, importa antes de mais constatar que os conceitos de «utilização» e «conhecimento» não podem ser utilizados como sinónimos na linguagem corrente, tendo cada um destes conceitos um significado autónomo. O «conhecimento» designa o mero facto de conhecer, no sentido de se ter adquirido um determinado saber. A «utilização», pelo contrário, pressupõe obrigatoriamente um conhecimento prévio, mas apenas se verifica quando este conhecimento tem influência sobre o comportamento.

47.      A questão de saber se deve sempre considerar‑se que há utilização de uma informação privilegiada quando se age «com conhecimento» desta ou se também é concebível uma actuação com conhecimento que, em simultâneo, não represente uma utilização da informação privilegiada não pode, no entanto, ser respondida apenas com o recurso a uma interpretação gramatical.

48.      Enquanto na versão alemã a necessidade de «utilização» se revela de forma evidente, a versão francesa parece dar a entender que, numa situação de mero conhecimento de uma informação privilegiada, cada comportamento deve, desde logo, ser qualificado como uma utilização desta.

49.      Na versão francesa, a directiva proíbe a uma pessoa «d’utiliser cette information en acquérant ou en cédant […]». Numa tradução à letra, proíbe uma pessoa de utilizar informação privilegiada ao adquirir ou alienar instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito. Neste sentido, em francês, o significado prioritário da formulação «utiliser en acquérant» recai na diferenciação dos tipos de utilização «aquisição» e «alienação», ao passo que, de acordo com o teor da disposição, ambos os tipos de utilização são directamente qualificados como utilização de informação privilegiada (18).

50.      As diferentes versões linguísticas de uma disposição comunitária devem, no entanto, ser interpretadas de modo uniforme. Em caso de divergência entre estas versões, a disposição em questão deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (19), bem como eventualmente em função da vontade efectiva do seu autor (20).

51.      Neste sentido, o artigo 2.°, n.° 3, da directiva esclarece de forma explícita que o conhecimento de uma informação privilegiada não é prejudicial se a transacção apenas foi efectuada para efeitos de execução de uma obrigação de aquisição ou de alienação de instrumentos financeiros que se tenha tornado exigível. Se estiver previamente definida a questão da realização e do modo de transacção e não for permitida qualquer margem de apreciação, é de excluir que os conhecimentos privilegiados posteriormente adquiridos possam ter influência na transacção, não podendo, por conseguinte, considerar‑se a existência de uma «utilização».

52.      Neste contexto assume também relevância o décimo oitavo considerando da directiva, que refere, por um lado, que no caso de uma aquisição ou de uma alienação com conhecimento de uma informação privilegiada a utilização desta «pode» (21) existir. Por outro lado, indica exemplos concretos em que, apesar de existir o referido conhecimento, não se deve partir do pressuposto de uma «utilização». Desde já se afigura que o conhecimento de uma informação privilegiada constitui um pressuposto necessário para se considerar que existe uma operação de iniciados proibida, mas no entanto o recurso ao critério da transacção com conhecimento de uma informação privilegiada não define de forma exaustiva o âmbito da proibição decretada no artigo 2.°, n.° 1, da directiva.

53.      Apenas uma interpretação teleológica da directiva, que analise igualmente a génese desta, permite uma resposta definitiva à questão.

54.      De acordo com o seu décimo segundo considerando, a proibição de operações de iniciados, decretada pela directiva, vista garantir a integridade dos mercados financeiros comunitários e promover a confiança dos investidores nos mesmos, sendo este aspecto definido de forma mais precisa no décimo quinto considerando. Um mercado financeiro funcional e integrado pressupõe a confiança legítima dos agentes económicos em que o mercado é plena e adequadamente transparente. É necessário assegurar a igualdade de oportunidades e impedir que determinados agentes económicos sejam beneficiados devido à utilização de informações privilegiadas, em detrimento dos restantes agentes.

55.      Apenas uma configuração da proibição das operações de iniciados capaz de ser imposta de forma efectiva na prática pode garantir da melhor forma o funcionamento dos mercados financeiros. A proibição de operações de iniciados apenas se revela eficiente e apenas promove de forma duradoura a fidelidade de todos os agentes económicos às normas se permitir uma punição efectiva das violações. Ao elaborar a nova redacção da Directiva 2003/6, o legislador comunitário teve, por conseguinte, em consideração as experiências pouco satisfatórias verificadas durante a directiva anterior.

56.      No seu artigo 2.°, n.° 1, a anterior directiva 89/592 formula da seguinte forma a proibição de operações de iniciados: «Cada Estado‑Membro proibirá às pessoas que [...] disponham de uma informação privilegiada que adquiram ou cedam, em seu nome ou em nome de outrem, quer directa quer indirectamente, valores mobiliários do emitente ou emitentes a quem a informação diz respeito, explorando com conhecimento de causa essa informação privilegiada» (22). Na Directiva 2003/6, o verbo «explorar» foi substituído pelo verbo «utilizar» (23).

57.      Ao recorrer ao conceito de «exploração», a antiga proibição continha, por conseguinte, um elemento subjectivo que foi entendido na acepção de uma transacção realizada com uma determinada finalidade. A característica da «exploração» poderia ser entendida no sentido de que o negócio só podia ter sido realizado devido à detenção de informações privilegiadas e com a intenção de obter um lucro ou evitar uma perda (24). É evidente que, particularmente no que diz respeito à prova da intenção de obter lucro, poderiam surgir problemas significativos.

58.      Neste contexto, o Parlamento requereu, no âmbito do processo de elaboração da Directiva 2003/6, a eliminação da necessidade da «exploração», o que acabou por conduzir à redacção do artigo 2.°, n.° 1, na versão em vigor, que actualmente apenas refere a «utilização» (25). O Parlamento tinha fundamentado o seu pedido de alteração no facto de a mera utilização de uma informação privilegiada ser punida no processo administrativo, pelo que qualquer elemento que remetesse para um objectivo ou uma intenção deveria ser eliminado (26).

59.      Deve, por conseguinte, partir‑se de um entendimento amplo do conceito de «utilização», o qual, no seu todo, está isento de condições subjectivas e, por conseguinte, assegura o objectivo, prosseguido pelo legislador comunitário, de uma aplicabilidade simples da proibição de operações de iniciados. Neste sentido, uma «utilização» não começa por pressupor uma decisão subjectiva, por parte de alguém, de apenas agir devido ao facto de deter uma informação privilegiada. Por conseguinte, o conhecimento de uma informação privilegiada não se deve repercutir necessariamente no comportamento, na acepção de uma causalidade rígida, de uma conditio sine qua non. Não é necessário que a pessoa não tivesse agido se não tivesse a informação privilegiada.

60.      Exigir que a informação privilegiada se repercutisse comprovadamente de forma causal no comportamento contrariaria a vontade expressa do legislador de renunciar a condições subjectivas.

61.      Por conseguinte, o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6 deve, em princípio, ser interpretado no sentido de que uma transacção com conhecimento da informação privilegiada representa, desde logo, uma «utilização» na acepção da referida disposição.

62.      No entanto, importa referir que o facto de se agir com conhecimento de uma informação privilegiada não traduz sempre e obrigatoriamente uma operação de iniciados. No caso de situações de facto em que esteja excluído que o conhecimento de uma informação privilegiada possa ter influência sobre a transacção, não se pode falar de uma «utilização» de uma informação privilegiada.

63.      Assim, o décimo oitavo considerando, acima referido, esclarece desde logo que uma transacção com conhecimento de uma informação privilegiada não representa obrigatoriamente uma utilização na acepção do artigo 2.°, n.° 1, e refere excepções em que, apesar de existir uma transacção com conhecimento de uma informação privilegiada, não se verifica uma operação de iniciados proibida. Neste sentido, a título de exemplo, o simples facto de as pessoas que, embora detentoras de informações privilegiadas, estão autorizadas a executar ordens de terceiros, se limitarem a prosseguir as suas actividades de execução respeitosa de uma ordem, não deverá, enquanto tal, ser considerado uma utilização dessa informação privilegiada.

64.      Analisando o espírito e a finalidade prosseguidos pela directiva, as excepções referidas no décimo oitavo considerando representam situações em que a transparência do mercado não está, a priori, em risco: independentemente da questão de saber se as pessoas aí referidas detêm informações privilegiadas, o seu papel no mercado permite que as referidas informações não se repercutam no seu comportamento.

65.      Ao proibir uma transacção com a utilização de uma informação privilegiada, não se referindo apenas a uma transacção com conhecimento de uma informação privilegiada, o artigo 2.°, n.° 1, da directiva exclui, por exemplo, os casos referidos no décimo oitavo considerando do âmbito de aplicação da proibição: nestes casos, é desde logo excluído que a informação tenha repercussões na transacção, pelo que não se pode falar de uma utilização da informação privilegiada.

66.      Também são concebíveis outros casos em que está desde logo estabelecido que, apesar do conhecimento de uma informação privilegiada no momento da transacção, não é possível presumir uma «utilização» da informação, na medida em que esta à partida não exerce qualquer influência sobe a transacção. O Governo do Reino Unido apresentou um outro exemplo de uma transacção realizada por uma pessoa que contraria a evolução prognosticada do preço: apesar de dispor de informações privilegiadas que permitem pressupor um aumento do preço das acções, uma pessoa decide aliená‑las porque, por exemplo, necessita imediatamente do montante da venda e não pode esperar pela subida de cotação das acções.

67.      Numa situação deste tipo, não se pode partir do pressuposto de que a pessoa em causa tenha alienado as acções «com utilização» da informação privilegiada. Se uma pessoa agir contrariamente à evolução futura dos preços que resulta da informação privilegiada, não se pode concluir que a referida pessoa utiliza a informação privilegiada. Se nos basearmos, no entanto, apenas numa «transacção com conhecimento da informação privilegiada», teríamos de concluir pela existência de uma operação de iniciados, na medida em que estamos perante uma alienação com aquele conhecimento.

68.      Neste sentido, deve dar‑se a seguinte resposta à segunda questão prejudicial:

69.      O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6 deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma pessoa deter informações privilegiadas, sabendo ou devendo saber que se trata de informações privilegiadas, e adquirir ou alienar instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito significa, em regra, que a referida pessoa «utiliza» a informação. Em situações em que à partida está determinado que uma informação privilegiada não irá ter influência sobre a transacção a realizar por uma pessoa, o mero conhecimento de uma informação privilegiada não implica a sua utilização.

2.      Terceira questão prejudicial

70.      Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se é necessário que tenha sido tomada uma decisão deliberada ou por escrito de utilização de informação privilegiada. A este respeito, é em grande medida possível remeter para as observações a respeito da segunda questão prejudicial. Com a nova redacção dada à proibição de operações de iniciados visou‑se eliminar os componentes da previsão normativa que remetessem para uma finalidade ou uma intenção. Por conseguinte, não é necessária uma decisão deliberada ou por escrito de utilização da informação, na medida em que uma pessoa, ao agir com conhecimento de uma informação privilegiada, não consegue ignorá‑la integralmente: pelo contrário, geralmente a informação tem influência na sua decisão de aquisição ou alienação. Por conseguinte, deve em regra partir‑se do princípio de que há, nestes casos, uma utilização da informação privilegiada, não sendo necessário apresentar uma prova suplementar.

3.      Primeira questão prejudicial

71.      A primeira questão prejudicial diz respeito ao grau de harmonização da Directiva 2003/6 e, em particular, do seu artigo 2.° Esta questão não assume qualquer relevância para a decisão do processo principal e não é, por conseguinte, admissível. Tal como já foi observado supra, no processo principal apenas se aplica a versão antiga do artigo 25.° da lei relativa à fiscalização financeira. E a questão relativa ao grau de harmonização da Directiva 2003/6 só se revela pertinente para a nova versão do artigo 25.°

72.      Isto porque apenas a nova versão do artigo 25.° diverge do teor do artigo 2.°, n.° 1, da directiva e, ao estabelecer uma proibição mais rígida do que a da directiva, levanta a questão de saber se é admissível uma proibição de operações de iniciados mais abrangente que aquela que consta da directiva. A nova versão do artigo 25.° baseia‑se apenas no conhecimento de uma informação privilegiada, não tendo em consideração nem a derrogação do artigo 2.°, n.° 3, da Directiva 2003/6, nem as derrogações à proibição de operações de iniciados resultantes do espírito e da finalidade da directiva e dos seus considerandos.

73.      A versão antiga do artigo 25.°, pelo contrário, baseava‑se, tal como a directiva, numa «utilização» da informação privilegiada e, por conseguinte, não era mais abrangente que aquela. Tendo em consideração a versão antiga do artigo 25.°, única pertinente no processo principal, a questão de saber se a directiva deixou igualmente uma margem de manobra para uma regulamentação nacional mais rígida mantém‑se meramente hipotética, pelo que a primeira questão não é admissível.

74.      Para o caso de o Tribunal de Justiça entender que a primeira questão prejudicial também é admissível, iremos dar‑lhe resposta, a título subsidiário.

75.      Em primeiro lugar, importa esclarecer que à questão do alcance da harmonização – harmonização exaustiva ou harmonização mínima – da Directiva 2003/6 não pode ser dada uma resposta geral relativa a toda a directiva, devendo cada elemento da regulamentação ser analisado por si.

76.      Na apreciação do grau de harmonização é necessário que nos baseemos no teor, bem como no objectivo e na sistemática, da respectiva disposição (27).

77.      Na Directiva 2003/6 é possível encontrar elementos da regulamentação cujo teor permite reconhecer claramente que apenas representam exigências mínimas e que os Estados‑Membros estão autorizados a adoptar medidas de maior alcance. Isto aplica‑se, por exemplo, ao modo como um abuso de informações privilegiadas deve ser punido. Neste contexto, o artigo 14.° da Directiva 2003/6 apenas dispõe que os Estados‑Membros devem prever medidas administrativas efectivas e dissuasivas. A directiva confia explicitamente aos Estados‑Membros a competência para decidir se devem, além disso, aplicar igualmente sanções penais. No que diz respeito ao tipo de sanção, a directiva conduz apenas a uma harmonização mínima.

78.      No que diz respeito à proibição de operações de iniciados imposta no artigo 2.°, n.° 1, a Directiva 2003/6, pelo contrário, não declara expressamente se é, a este respeito, exaustiva.

79.      Um primeiro ponto de partida resulta, no entanto, da comparação com a directiva anterior. O artigo 6.° da Directiva 89/592 autorizava explicitamente os Estados‑Membros a estabelecerem disposições mais rigorosas do que as previstas na directiva. Na sua segunda frase, o artigo 6.° precisava que os Estados‑Membros podiam, em especial, alargar o alcance da proibição de operações de iniciados prevista no artigo 2.° No entanto, a Directiva 89/592 sujeitava a referida autorização para a adopção de regulamentações mais rígidas à condição de as disposições adoptadas serem de aplicação geral, isto é, de o âmbito da legislação ser idêntico para todas as pessoas singulares ou colectivas por ela abrangidas (28).

80.      Este antigo artigo 6.° não foi retomado pela Directiva 2003/6, que não dispõe de qualquer cláusula geral permissiva que autorize expressamente os Estados‑Membros a alargar a proibição de operações de iniciados, o que constitui um indício de que aos Estados‑Membros deixou de ser por princípio permitido adoptar uma regulamentação mais rígida, apenas o sendo em domínios expressamente previstos pela directiva.

81.      Também o objectivo e a sistemática da Directiva 2003/6, tal como é particularmente expresso nos considerandos desta, vão no sentido de qualificar a proibição de operações de iniciados, consagrada no artigo 2.°, n.° 1, como uma harmonização exaustiva.

82.      Por um lado, a directiva visa, através da proibição de operações de iniciados, fortalecer a confiança dos agentes económicos na integridade dos mercados financeiros e, por conseguinte, também os próprios mercados. A directiva assegura que a proibição se aplique a nível geral em todos os Estados‑Membros, de forma a impedir a existência na Comunidade de mercados financeiros pouco regulamentados neste domínio. Os operadores económicos devem confiar no facto de a proibição de operações de iniciados ser válida em toda a Comunidade.

83.      Por outro, a directiva também tem em consideração que não seria apenas a aplicação territorial lacunar da proibição de operações de iniciados a criar insegurança junto dos operadores económicos, pois também uma concepção diferenciada da referida proibição em cada Estado‑Membro seria passível de contrariar o funcionamento efectivo do mercado interno no domínio dos mercados financeiros.

84.      Neste sentido, o décimo primeiro considerando remete expressamente para o facto de a directiva se basear na constatação de que os requisitos legais relativos às operações de iniciados variam consoante os Estados‑Membros, «o que frequentemente coloca os agentes económicos numa situação de incerteza quanto aos conceitos, definições e aplicação». Isto opõe‑se a um entendimento do artigo 2.°, n.° 1, da directiva como mera harmonização mínima pois, caso se partisse do princípio de que os Estados‑Membros eram livres de impor proibições mais rígidas de operações de iniciados, os agentes económicos continuariam a viver uma situação de incerteza em relação ao alcance da proibição de operações de iniciados, não se obtendo, desde modo, o esclarecimento desejado.

85.      Para além disso, o entendimento de que o artigo 2.° representa uma harmonização exaustiva da proibição de operações de iniciados é ainda confirmado pelo conteúdo da referida proibição.

86.      No âmbito da resposta à segunda questão prejudicial foi exposto que, através da utilização do conceito de «utilização» no artigo 2.°, n.° 1, a Directiva 2003/6 estatui uma proibição de operações de iniciados que se caracteriza por ser ampla, efectiva e fácil de sancionar, em que apenas nalguns casos excepcionais se permite uma operação com conhecimento de uma informação privilegiada. Se se tiver ainda em consideração que as excepções admissíveis, tal como estão formuladas, a título de exemplo, no artigo 2.°, n.° 3, ou no décimo oitavo considerando, vão no sentido de uma redução teleológica da proibição, ou seja, dizem respeito a situações em que não têm aplicação o sentido e a finalidade da proibição de operações de iniciados, não será possível reconhecer uma necessidade efectiva nem uma margem de apreciação significativa para proibições de operações de iniciados mais rígidas por parte dos Estados‑Membros.

87.      Existem ainda dois argumentos que vão no sentido de um carácter exaustivo da proibição decretada pela directiva: trata‑se da única forma de alcançar a visada protecção ampla dos investidores, com um alcance uniforme. Para além disso, são excluídas, no sentido da segurança jurídica, inseguranças dos agentes económicos no que diz respeito ao alcance da proibição.

88.      Deve, por conseguinte, concluir‑se que o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6 representa uma harmonização exaustiva.

89.      Não resulta uma conclusão diferente do facto de a Directiva 2003/6 constituir uma aplicação do denominado processo de Lamfalussy, que significa que a matéria é adoptada em diversos níveis do processo legislativo, tal como é referido no quarto considerando. No nível 1, são definidos os «princípios‑quadro» de carácter geral através da directiva, enquanto o nível 2 deverá abarcar as medidas técnicas de execução a adoptar pela Comissão, coadjuvada por um comité.

90.      A aplicação do processo de Lamfalussy não permite, no entanto, retirar quaisquer conclusões em relação à questão de saber se a directiva harmoniza de forma exaustiva determinados elementos da regulamentação ou se permite regulamentações divergentes dos Estados‑Membros, pois o referido processo não diz respeito ao grau de harmonização, mas sim ao modo de legislar a nível comunitário.

91.      Por fim, deve ainda analisar‑se um argumento apresentado pela Comissão, que considera que o recurso ao conceito de «utilização» no artigo 2.°, n.° 1, constitui uma prova de que este apenas visa uma harmonização mínima. Na medida em que o conceito de «utilização» não está definido na directiva, constitui um conceito jurídico indeterminado, tendo os Estados‑Membros, à partida, um amplo poder de apreciação para o preencher, ao contrário do que sucede no caso de uma harmonização exaustiva.

92.      Este raciocínio não é, no entanto, convincente. No seu artigo 2.°, n.° 1, a Directiva 2003/6 contém uma definição de operações de iniciados. A Comissão reconhece correctamente que a directiva não define, por seu lado, todos os conceitos utilizados na definição em causa, não contendo, por exemplo, uma definição do conceito de «utilização». No entanto, daqui não resulta que os Estados‑Membros tenham a liberdade de o definir de forma discricionária. O conceito de utilização constitui um conceito comunitário autónomo que deve ser definido de forma uniforme por todos os Estados‑Membros.

4.      Quarta e quinta questões prejudiciais

93.      Estas duas questões têm por objecto a proporcionalidade da sanção. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, na verificação da proporcionalidade de uma sanção, as mais‑valias realizadas devem ser tidas em conta e se, neste contexto, também é relevante saber se a divulgação da informação privilegiada influenciou efectivamente e de maneira sensível o preço do instrumento financeiro e de que maneira deve ser apurada a referida «sensibilidade». Para além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta que data deve ser tida em consideração para avaliar o benefício patrimonial realizado.

94.      No que diz respeito ao tipo e ao nível da sanção, o artigo 14.° da Directiva 2003/6 apenas dispõe que os Estados‑Membros asseguram, nos termos da respectiva legislação nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou aplicadas sanções administrativas por qualquer violação das proibições da referida directiva. Os Estados‑Membros devem assegurar que estas medidas sejam efectivas, proporcionadas e dissuasivas, não apresentando a directiva critérios concretos para a determinação da proporcionalidade de uma sanção.

95.      A Directiva 2003/6 apenas se refere à influência sensível do preço no artigo 1.°, ponto 1, primeiro parágrafo, no âmbito da definição de informação privilegiada, segundo a qual uma informação apenas constitui uma informação privilegiada na acepção da directiva quando, caso fosse tornada pública, fosse susceptível de influenciar de maneira sensível o preço desses instrumentos financeiros.

96.      O artigo 1.°, ponto 1, primeiro parágrafo, contém uma determinação ex ante da questão de saber se uma informação é adequada a influenciar o preço. A directiva não afirma que uma operação de iniciados proibida apenas dever ser presumida quando depois se verificou efectivamente um aumento do preço.

97.      A questão de saber se e em que medida o preço foi efectivamente influenciado pode ser tida em conta na apreciação do montante da sanção no âmbito da análise da proporcionalidade. A dimensão de uma variação do preço após a divulgação de uma informação privilegiada pode ser um indício no sentido da importância e do potencial da informação privilegiada, podendo estes elementos ser tidos em consideração na análise da proporcionalidade.

98.      O montante do aumento do preço é também relevante para o cálculo das mais‑valias realizadas.

99.      No que diz respeito a estas mais‑valias, resulta do trigésimo oitavo considerando da directiva que as sanções devem ser proporcionadas à gravidade da infracção e às mais‑valias realizadas. A directiva não regula pormenores relativos ao cálculo das mais‑valias realizadas – em particular em relação ao período em que se deve basear o referido cálculo –, remetendo antes o tipo e a configuração das sanções para o âmbito de responsabilidade dos Estados‑Membros. Estes são, de acordo com o disposto no artigo 14.°, obrigados a prever, nos termos da respectiva legislação nacional, medidas efectivas, proporcionadas e dissuasivas.

5.      Sexta questão prejudicial

100. Com a presente questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 14.° da directiva deve ser interpretado no sentido «de que, se um Estado‑Membro introduziu a possibilidade de uma sanção penal cumulada com a sanção administrativa, na apreciação do carácter proporcional deve ser tida em conta a possibilidade e/ou o montante de uma sanção pecuniária de natureza penal».

101. A recorrida no processo principal considera que esta questão prejudicial é hipotética e, por conseguinte, inadmissível. É de concordar com ela no que diz respeito ao facto de não ser possível deduzir das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o presente caso diz respeito a uma sanção administrativa, depois de previamente ter sido imposta uma sanção penal. Trata‑se, pelo contrário, da primeira imposição de uma sanção. Não há qualquer referência ao facto de previamente ter tido lugar um processo penal com base nos mesmos factos, nem que este deva ainda ocorrer. Além de que, num processo administrativo é muito difícil ter em consideração uma sanção penal a ser possivelmente imposta no futuro.

102. A recorrida no processo principal e o Governo belga alegaram ainda que a legislação belga prevê a possibilidade de imputação de uma sanção administrativa anteriormente aplicada no caso de um processo penal posterior (29).

103. A questão de saber se num processo penal posteriormente realizado deve ser tida em conta uma sanção administrativa anteriormente aplicada não assume apenas importância no contexto da proporcionalidade da sanção, mas também em virtude da proibição ne bis in idem (30). No entanto, a questão apenas se colocaria num processo penal posterior ao processo administrativo.

C –    Quanto à recompra de acções próprias

104. Por fim, importa ainda analisar um aspecto em relação ao qual o órgão jurisdicional de reenvio não formulou uma questão concreta. No entanto, na fundamentação do seu pedido de decisão prejudicial referiu que o legislador belga não tinha transposto atempadamente o artigo 8.° da Directiva 2003/6.

105. De acordo com o disposto no artigo 8.° da Directiva 2003/6, as proibições impostas na directiva não se aplicam, entre outras, às operações sobre acções próprias efectuadas no âmbito de programas de «recompra», desde que essas operações se efectuem em conformidade com as medidas de execução adoptadas nos termos do n.° 2 do artigo 17.° As correspondentes medidas de execução dizem respeito ao Regulamento (CE) n.° 2273/2003 (31).

106. De acordo com as informações constantes do pedido de decisão prejudicial, o referido regulamento ainda não tinha entrado em vigor quando os recorrentes realizaram as operações controvertidas. Entretanto já entrou, no entanto, em vigor.

107. Neste sentido, importa sublinhar que resulta do princípio da lei mais favorável (32), reconhecido no direito comunitário, que a excepção do artigo 8.° da directiva também deveria beneficiar os recorrente sempre que estiverem cumpridos os seus pressupostos, na medida em que o referido artigo demonstra que o legislador comunitário, em determinadas condições, não considera a recompra de acções próprias com vista ao cumprimento do programa de opções sobre acções destinado aos seus trabalhadores como operação de iniciados proibida. Daqui resulta que os recorrentes não poderiam ser actualmente punidos por uma actuação abrangida por este artigo. Mesmo que o legislador belga ainda não tenha transposto este artigo, os recorrentes não deveriam ser punidos, pois tal punição não corresponderia à vontade do legislador comunitário. Esta conclusão apenas se aplica, no entanto, na condição de a transacção dos recorrentes ter fortuitamente cumprido os pressupostos impostos a um programa de recompra de acções, enumerados no Regulamento n.° 2273/2003, que ainda não entrou em vigor. Em particular, se no processo perante o órgão jurisdicional de reenvio se confirmasse que os recorrentes alteraram posteriormente a ordem de aquisição no que diz respeito ao número de acções, ao seu preço e à urgência da operação, não teriam cumprido as condições impostas pelo regulamento. Neste caso, o artigo 8.° da Directiva 2003/6, em conjugação com o Regulamento n.° 2273/2003, não impediria a existência de uma violação da proibição de operações de iniciados.

V –    Conclusão

108. Tendo em consideração as observações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao pedido de decisão prejudicial:

–      O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6/CE deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma pessoa deter informações privilegiadas, sabendo ou devendo saber que se trata de informações privilegiadas, e adquirir ou alienar instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito significa, em regra, que a referida pessoa «utiliza» a informação. Em situações em que à partida está determinado que uma informação privilegiada não irá ter influência sobre a transacção a realizar por uma pessoa, o mero conhecimento de uma informação privilegiada não implica a sua utilização.

–      O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2003/6 não permite aos Estados‑Membros estatuir uma proibição de operações de iniciados mais rígida do que a da directiva.

–      A configuração concreta das sanções é deixada ao critério dos Estados‑Membros, devendo porém estes assegurar que as medidas adoptadas são efectivas, proporcionadas e dissuasivas.


1 – Língua original: alemão.


2 – Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado), JO L 96, p. 16 (a seguir, «Directiva 2003/6»).


3 – Directiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de Novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados, JO L 334, p. 30 (a seguir, «Directiva 89/352»).


4 – Do pedido de decisão prejudicial não é possível deduzir com suficiente clareza se no período da aquisição das acções C. Van Raemdonck era o administrador em exercício da Spector ou só previamente tinha exercido o cargo em questão.


5 – V.,por todos, acórdãos de 23 de Novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado (C‑238/05, Colect., p. I‑11125, n.° 15), e de 22 de Dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves (C‑48/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 16), bem como a jurisprudência aí citada.


6 – Acórdãos de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (244/80, Recueil, p. 3045, n.° 27) e de 13 de Julho de 2006, Manfredi e o. (C‑295/04 a C‑298/04, Colect., p. I‑6619, n.° 27).


7 – Acórdão de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 25 e a jurisprudência aí referida).


8 – N.° 18 do pedido de decisão prejudicial.


9 – Os recorrentes realçaram a este respeito que a decisão controvertida se tinha baseado na versão antiga do artigo 25.°, mas que a recorrida tinha «de facto» aplicado a nova versão do artigo 25.° Não foi possível esclarecer com precisão o que a recorrente pretendia efectivamente afirmar com a referida aplicação «de facto». Eventualmente pretendia evidenciar o facto de a recorrida ter interpretado a versão antiga do artigo 25.° à luz da nova versão do artigo 25.° Um procedimento deste tipo poderia ser igualmente problemático no que diz respeito ao princípio nulla poena sine lege. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar esta questão.


10 – Acórdão de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o. (C‑212/04, Colect., p. I‑6057, n.° 115); nas minhas conclusões no mesmo processo propus uma solução diferente que, no entanto, não foi seguida pelo Tribunal de Justiça. De acordo com a jurisprudência, no entanto, a partir da data em que uma directiva entra em vigor os tribunais dos Estados‑Membros devem abster‑se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo susceptível a comprometer seriamente, depois do termo do prazo de transposição, o objectivo prosseguido por essa directiva; v., a este respeito, o acórdão Adeneler, n.° 123.


11 – Acórdão de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, Colect., p. I‑3763, n.° 36).


12 – Jurisprudência constante desde o acórdão de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (já referido na nota 11); v. ainda o acórdão de 11 de Dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, Colect., p. I‑10893, n.os 21 e 22).


13 – V., a este respeito, as minhas conclusões de 14 de Outubro de 2004, Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, Colect., p. I‑3565, n.° 161) e de 10 de Junho de 2004, Niselli (C‑457/02, Colect., p. I‑10853, n.° 69).


14 – A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi solenemente proclamada primeiramente em Nice (JO C 364, p. 1) e depois, em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo (JO C 303, p. 1). A Carta, em si mesma, não tem efeitos jurídicos vinculativos equivalentes aos do direito primário, mas enquanto fonte de conhecimento do direito, esclarece os direitos fundamentais garantidos pelo direito comunitário; quanto a este aspecto, v. igualmente o acórdão de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho («reagrupamento familiar», C 540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 38), e o n.° 108 das minhas conclusões de 8 de Setembro de 2005 nesse processo, bem como o acórdão de 13 de Março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colect., p. I‑2271, n.° 37).


15 – Acórdão de 3 de Maio de 2005, Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, Colect., p. I‑3565); v., a este respeito, igualmente as minhas conclusões no referido processo (já referidas na nota 13).


16 – V, entre outros, os acórdãos de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 114) e de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o. (já referido na nota 10, n.° 115).


17 – A versão neerlandesa do artigo 2.°, n.° 1, dispõe o seguinte: «…om gebruik te maken …».


18 – O mesmo se aplica em relação à versão inglesa, na qual se refere o seguinte: «using that information by acquiring or disposing».


19 – Acórdãos de 5 de Dezembro de 1967, Van der Vecht (19/67, Recueil, pp. 462, 473), de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau (30/77, Colect., pp. 1999, n.os 13/14), de 14 de Junho de 2007, Euro Tex (C‑56/06, Colect., p. I‑4859, n.° 27) e de 21 de Fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication (C‑426/05, Colect., p. I‑685, n.° 25).


20 – Acórdãos de 12 de Novembro de 1969, Stauder (29/69, Colect., p. 419, n.° 3), de 7 de Julho de 1988, Moksel Import und Export (55/87, Colect., p. 3845, n.° 49), de 20 de Novembro de 2001, Jany e o. (C‑268/99, Colect., p. I‑8615, n.° 47) e de 27 de Janeiro de 2005, Junk (C‑188/03, Colect., p. I‑885, n.° 33).


21 – No que diz respeito ao facto de a versão alemã do décimo oitavo considerando se referir a «Ausnutzung» («exploração») e não recorrer ao conceito de «Nutzung» («utilização») constante do artigo 2.°, n.° 1, é de presumir que se trata de um lapso de redacção. As outras versões linguísticas, como por exemplo a francesa, a inglesa e a neerlandesa, utilizam no décimo oitavo considerando o mesmo conceito que consta do artigo 2.°, n.° 1, da directiva.


22 – Sublinhado da autora.


23 – Contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a versão francesa (substituição da expressão «en exploitant» pela palavra «utiliser») ou inglesa (substituição da expressão «taking advantage» pela palavra «using»), na versão neerlandesa tanto da Directiva 89/592 («met gebruikmaking») como da Directiva 2003/6 («om gebruik te maken») é utilizado o mesmo termo para referir a «utilização» da informação. O elemento subjectivo dos factos constitutivos da infracção foi expresso, na versão neerlandesa da Directiva 89/592, por um advérbio («welbewust»), como se vê da redacção da disposição em causa: «met gebruikmaking, welbewust, van deze voorwetenschap».


24 – V., a este respeito, igualmente as conclusões do advogado‑geral Mengozzi de 26 de Outubro de 2006, Georgakis (C‑391/04, Colect., p. I‑3741, n.° 51).


25 – Não existe diferença entre a versão neerlandesa e o projecto de directiva, uma vez que este já só referia «utilização» («gebruik te maken»).


26 – V. o relatório do deputado R. Goebbels, de 27 de Fevereiro de 2002 (PE 307.438 A5‑0069/2002, p. 25), relativo à proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (2001/0118(COD), que o Parlamento Europeu acolheu na resolução legislativa do Parlamento Europeu de 14 de Março de 2002. Na versão neerlandesa, o parágrafo em questão não é, contudo, reproduzido com este fundamento; provavelmente porque, na versão neerlandesa, não era necessária qualquer modificação do texto da directiva.


27 – V. acórdão de 25 de Abril de 2002, Comissão/França (C‑52/00, Colect., p. I‑3827, n.° 16).


28 – V. acórdão de 3 de Maio de 2001, Verdonck e o. (C‑28/99, Colect., p. I‑3399, n.° 35).


29 – Remetem, neste contexto, para o artigo 73.° da lei relativa à fiscalização financeira, na versão de 2 de Agosto de 2002.


30 – V., a este respeito, igualmente o TEDH, acórdãos de 14 de Setembro de 1999, Ponsetti/França, n.os 36855/97 e 41731/98, Recueil des arrêts et décisions 1999‑VI, e de 14 de Setembro de 2004, Rosenquist/Suécia, n.° 60619/00.


31 – Regulamento (CE) n.° 2273/2003 da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às derrogações para os programas de recompra e para as operações de estabilização de instrumentos financeiros, JO L 336, p. 33.


32 – V. acórdãos de 11 de Novembro de 2004, Niselli (C‑457/02, Colect., p. I‑10853) e Berlusconi (já referido na nota 15), bem como as minhas conclusões nos referidos processos.