Language of document : ECLI:EU:T:2004:328

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
10 de Novembro de 2004 (1)

«Marca comunitária – Processo de oposição – Pedido de marca comunitária nominativa ARCOL – Marca comunitária nominativa anterior CAPOL – Extensão do exame efectuado pela Câmara de Recurso – Apreciação dos elementos apresentados na Câmara de Recurso»

No processo T‑164/02,

Kaul GmbH, com sede em Elmshorn (Alemanha), representada por G. Würtenberger e R. Kunze, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. von Mühlendahl e G. Schneider, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo perante a Câmara de Recurso do IHMI

Bayer AG, com sede em Leverkusen (Alemanha),

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Terceira Câmara de Recurso do IHMI de 4 de Março de 2002 (processo R 782/2000‑3), relativo a um procedimento de oposição entre a Kaul GmbH e a Bayer AG,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),



composto por: H. Legal, presidente, M. Vilaras e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e na sequência da audiência de 30 de Junho de 2004,

profere o presente



Acórdão




Matéria de facto

1
Em 3 de Abril de 1996, a sociedade Atlantic Richfield (Atlantic Richfield Co.) apresentou um pedido de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), com redacção alterada.

2
A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo ARCOL.

3
Os produtos para os quais foi pedido o registo da marca inserem‑se nas classes 1, 17 e 20 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, na versão revista e alterada. Entre os produtos incluídos na classe 1 figuram os «produtos químicos destinados a conservar alimentos».

4
Em 20 de Julho de 1998, o pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias.

5
Em 20 de Outubro de 1998, a recorrente apresentou oposição, nos termos do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, ao registo da marca pedida, no que respeita aos «produtos químicos destinados a conservar alimentos» incluídos na classe 1. A oposição foi baseada na existência de uma marca comunitária anterior, registada em 24 de Fevereiro de 1998, sob o número 49106. Esta marca consiste no sinal nominativo CAPOL e abrange os produtos denominados «Produtos químicos destinados a conservar alimentos, nomeadamente matérias‑primas para alisar e conservar alimentos pré‑confeccionados, em especial doçarias» incluídos na classe 1. Em apoio da oposição, a recorrente invoca o motivo relativo de recusa objecto do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

6
Por decisão de 30 de Junho de 2000, a Divisão de Oposição rejeitou a oposição pelo motivo que, mesmo admitindo a identidade dos produtos, pode ser excluído qualquer risco de confusão entre os sinais em causa devido às suas diferenças visuais e auditivas.

7
Em 24 de Julho de 2000, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, a recorrente interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição.

8
Por carta de 17 de Julho de 2000, recebida em 24 de Julho de 2000, o IHMI foi informado pela sociedade Bayer (Bayer AG) da transmissão, a favor desta última, do pedido de registo da marca ARCOL apresentado pela Atlantic Richfield Co. A transmissão foi inscrita no registo das marcas comunitárias em 17 de Novembro de 2000, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 5, e com o artigo 24.° do Regulamento n.° 40/94.

9
Em 30 de Outubro de 2000, a recorrente apresentou ao IHMI as alegações com os fundamentos do recurso, previstas no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

10
Por decisão de 4 de Março de 2002, notificada à recorrente em 25 de Março de 2002 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. A Câmara de Recurso considerou, essencialmente, que já não podia ser tido em conta o carácter distintivo alegadamente elevado da marca anterior, devido à sua notoriedade, dado que a recorrente só tinha invocado esse facto na fase de recurso. Além disso, a Câmara de Recurso referiu que a recorrente tinha, na realidade, mais alterado a base legal da sua oposição, em benefício do artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, relativo às marcas notoriamente conhecidas, do que apresentado um novo argumento. Por outro lado, a Câmara considerou que, pese embora a identidade dos produtos, não existia nenhum risco de confusão entre os sinais nominativos em causa, tendo em conta as diferenças sensíveis verificadas entre eles nos planos visual e fonético, o carácter muito especializado do mercado dos produtos em causa e o provável conhecimento do consumidor típico dos referidos produtos.


Tramitação processual e pedidos das partes

11
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Maio de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso. O IHMI apresentou a sua contestação na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Outubro de 2002.

12
Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Novembro de 2002, a recorrente requereu, nos termos do artigo 135.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, autorização para apresentar réplica.

13
Em 20 de Novembro de 2002, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu que não era necessário proceder a uma segunda troca de articulados, podendo a recorrente desenvolver os seus fundamentos e argumentos e replicar à resposta do IHMI na fase oral.

14
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo.

15
Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas das mesmas às questões do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 30 de Junho de 2004.

16
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar o IHMI nas despesas.

17
O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Questão de direito

18
No seu recurso, a recorrente invoca, essencialmente, quatro fundamentos baseados, respectivamente, em primeiro lugar, na violação do dever de examinar os elementos por ela avançados na Câmara de Recurso, em segundo lugar, na violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, em terceiro lugar, na violação dos princípios de direito processual reconhecidos nos Estados‑Membros e das normas processuais aplicáveis no IHMI e, em quarto lugar, na violação do dever de fundamentação.

19
Antes de mais, há que analisar o primeiro fundamento.

Argumentos das partes

20
De acordo com a recorrente, a apreciação da Câmara de Recurso, segundo a qual o facto de, após o termo do procedimento de oposição, já não serem admissíveis novos factos, resulta de uma compreensão errada da função das Câmaras de Recurso. Pelo contrário, o processo na Câmara de Recurso deve ser considerado uma segunda instância de mérito, no âmbito da qual as partes podem avançar novos factos. Por conseguinte, foi de forma errada que a Câmara de Recurso recusou examinar, no caso vertente, para a apreciação do risco de confusão, os elementos apresentados pela recorrente no seu articulado de 30 de Outubro de 2000, a respeito do elevado carácter distintivo da marca anterior CAPOL, que consiste numa declaração de honra do director‑geral da recorrente e de uma lista dos seus clientes. Ao fazê‑lo, o IHMI violou o direito de audição da recorrente.

21
De resto, a recorrente, contrariamente às alegações do IHMI, nunca abandonou o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, como base da sua oposição, em benefício do artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do mesmo regulamento. Os documentos apresentados no articulado de 30 de Outubro de 2000 não têm por objectivo apresentar novos factos, mas antes completar os argumentos já avançados no procedimento de oposição.

22
O IHMI responde que a posição da recorrente se baseia numa má interpretação do sistema de protecção jurídica implementado pelo Regulamento n.° 40/94 e aplicado pela «jurisprudência assente» das Câmaras de Recurso. A continuidade funcional das Câmaras de Recurso em relação à Divisão de Oposição tem por consequência que não basta interpor um recurso para fugir às consequências do desrespeito dos prazos impostos pela Divisão de Oposição. Por conseguinte, o IHMI alega que, salvo algumas excepções, as Câmaras de Recurso sempre se recusaram a ter em conta uma nova exposição dos factos se esta não foi apresentada nesses prazos.

23
Ora, foi na Câmara de Recurso que foram invocadas, pela primeira vez, a posição de líder da recorrente no mercado dos preparados químicos para conservação dos alimentos e a notoriedade da marca CAPOL junto do público em causa. Trata‑se, na verdade, de factos novos, e até mesmo, na medida em que a recorrente utiliza a expressão «notoriamente conhecida», de uma alteração da base jurídica da sua oposição, em benefício do artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

24
Além disso, o IHMI é de opinião de que a tomada em consideração da posição da recorrente no mercado e do correlativo reforço do carácter distintivo da sua marca não permitem concluir pela existência de um risco de confusão.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

25
Antes de mais, há que referir que os elementos apresentados pela recorrente na Câmara de Recurso consistem numa declaração de honra do director‑geral da recorrente e numa lista dos clientes desta.

26
Esses documentos, relativos à intensidade da exploração da marca da recorrente, foram apresentados por esta última em apoio da argumentação já avançada na Divisão de Oposição – então apenas baseada em considerações relativas à inexistência de carácter descritivo da marca da recorrente –, segundo a qual essa marca gozava de elevado grau de carácter distintivo e devia, por esse facto, beneficiar de uma protecção mais elevada.

27
A Câmara de Recurso, nos n.os 10 a 12 da decisão impugnada, e depois o IHMI, no n.° 30 da sua contestação, consideraram que essa nova exposição de factos não pode ser tomada em consideração, uma vez que ocorreu após o termo dos prazos fixados pela Divisão de Oposição.

28
No entanto, importa referir que essa posição não é compatível com a continuidade funcional entre as instâncias do IHMI afirmada pelo Tribunal de Primeira Instância tanto no que respeita ao processo ex parte [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY‑DRY), T‑163/98, Colect., p. II‑2383, n.os 38 à 44, não invalidado quanto a esse ponto pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (BABY‑DRY), C‑383/99 P, Colect., p. I‑6251, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão), T‑63/01, Colect., p. II‑5255, n.° 21] como no que respeita ao processo inter partes [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Setembro de 2003, Henkel/IHMI − LHS (UK) (KLEENCARE), T‑308/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 24 a 32].

29
Com efeito, foi decidido que decorre da continuidade funcional entre as instâncias do IHMI que, no âmbito de aplicação do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso está obrigada a fundamentar a sua decisão em todos os elementos de facto e de direito que a parte interessada tenha apresentado quer no processo perante a unidade que decidiu em primeira instância quer, com a única ressalva do n.° 2 do mesmo artigo, no próprio processo de recurso (acórdão KLEENCARE, já referido, n.° 32). Assim, e contrariamente ao que defende o IHMI, tratando‑se do processo inter partes, a continuidade funcional existente entre as diferentes instâncias do IHMI não tem por consequência que uma parte que, na unidade que decide em primeira instância, não apresentou nessa unidade determinados elementos de facto ou de direito nos prazos impostos não possa, por força do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, invocar os referidos elementos na Câmara de Recurso. Pelo contrário, a continuidade funcional tem como consequência que essa parte pode invocar os referidos elementos na Câmara de Recurso, sem prejuízo do respeito, nesta instância, do artigo 74.°, n.° 2, do referido regulamento.

30
Por conseguinte, uma vez que, no caso vertente, a apresentação dos elementos de facto controvertidos não é tardia, na acepção do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, mas ocorreu em anexo ao articulado apresentado pela recorrente na Câmara de Recurso, em 30 de Outubro de 2000, ou seja, no prazo de quatro meses previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, esta última não podia recusar‑se a tomar esses elementos em consideração.

31
Além disso, a Câmara de Recurso, que faz sua a alegação apresentada pela requerente da marca no seu articulado de 27 de Dezembro de 2000 e segundo a qual a recorrente tentava, na realidade, provar que a sua marca é uma marca que adquiriu prestígio ou notoriamente conhecida, alegou, a título subsidiário, no n.° 13 da decisão impugnada, que a recorrente substituiu, como base jurídica da sua oposição, o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 pelo artigo 8.°, n.° 2, alínea c), desse regulamento.

32
O Tribunal de Primeira Instância considera que esse argumento subsidiário não colhe.

33
Com efeito, em nenhuma fase do processo a recorrente alegou que baseava a sua oposição numa outra disposição que não o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Pelo contrário, foi com essa base jurídica que a recorrente tirou partido, no processo na Divisão de Oposição e depois na Câmara de Recurso, do elevado carácter distintivo da sua marca e da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à pertinência dessa consideração na apreciação do risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

34
Resulta de todas as conclusões precedentes que a Câmara de Recurso não podia, sem violar o artigo 74.°, do Regulamento n.° 40/94, recusar examinar os elementos de facto apresentados pela recorrente no articulado de 30 de Outubro de 2000 para efeitos de demonstrar o elevado grau de carácter distintivo da marca anterior, que resulta da utilização, reivindicada pela recorrente, dessa marca no mercado.

35
Ora, segundo a jurisprudência, como o risco de confusão é tanto mais elevado quanto mais importante se revelar o carácter distintivo da marca anterior, as marcas que tenham um carácter distintivo elevado, intrinsecamente ou em razão do seu conhecimento no mercado, gozam de uma protecção mais ampla do que aquelas cujo carácter distintivo é mais reduzido. Por conseguinte, pode existir um risco de confusão, apesar de um reduzido grau de semelhança entre as marcas, quando a semelhança entre os produtos ou serviços por estas cobertos é grande e o carácter distintivo da marca anterior é elevado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.os 20 e 21, e jurisprudência referida).

36
Assim, na medida em que a Câmara de Recurso verificou, no caso vertente, que os produtos objecto dos sinais controvertidos eram idênticos e que existiam determinados elementos de semelhança entre esses sinais, não se podia pronunciar, como fez, quanto à existência de um risco de confusão, sem tomar em consideração todos os elementos de apreciação pertinentes, entre os quais figuram os elementos apresentados pela recorrente com vista a demonstrar o elevado grau de carácter distintivo da marca anterior.

37
Daí resulta que, ao não tomar em consideração os elementos que lhe foram apresentados pela recorrente, a Câmara de Recurso não cumpriu as obrigações que lhe incumbem no âmbito do exame do risco de confusão, por força do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Não cabe ao Tribunal de Primeira Instância substituir o IHMI na apreciação dos elementos em causa, que só a este último compete. Por conseguinte, há que anular a decisão impugnada sem necessidade de decisão sobre os outros fundamentos.


Quanto às despesas

38
Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrido sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)
A decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 4 de Março de 2002 (processo R 782/2000‑3) é anulada.

2)
O IHMI é condenado nas despesas.

Legal

Vilaras

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Novembro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

H. Legal


1
Língua do processo: alemão.