Language of document : ECLI:EU:T:1999:302

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

1 de Dezembro de 1999 (1)

«Directiva que proíbe a utilização de substâncias ß-agonistas na criação animal - Regulamento que limita a determinadas indicações terapêuticas a validade de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários - Recurso de anulação - Admissibilidade - Princípio da proporcionalidade»

Nos processos apensos T-125/96,

Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH

e

C. H. Boehringer Sohn,

sociedades de direito alemão, com sede em Ingelheim am Rhein (Alemanha), representadas por Denis Waelbroeck e Denis Fosselard, advogados em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Ernest Arendt, advogado, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrentes,

apoiadas por

Fédération européenne de la Santé animale (FEDESA), associação de direito belga, com sede em Bruxelas, representada por Alexandre Vandencasteele, advogado em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Ernest Arendt, advogado, 8-10, rue Mathias Hardt,

e

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por Lindsey Nicoll, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por David Lloyd Jones, barrister em Inglaterra e no País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

intervenientes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por Moyra Sims-Robertson e Ignacio Díez Parra, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Alessandro Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

recorrido,

apoiado por

Stichting Kwaliteitsgarantie Vleeskalverensector (SKV), fundação de direito neerlandês com sede na Haia, representada por Gerard van der Wal, advogado no Hoge Raad der Nederlanden, e Laura Paret, advogada em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Aloyse May, advogado, 31, Grand-rue,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Xavier Lewis, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

intervenientes,

que tem por objecto o pedido de anulação parcial da Directiva 96/22/CE do Conselho, de 29 Abril de 1996, relativa à proibição de utilização de certas substâncias com efeitos hormonais ou tireostáticos e de substâncias ß-agonistas em produção animal e que revoga as Directivas 81/602/CEE, 88/146/CEE e 88/299/CEE (JO L 125, p. 3), bem como um pedido de indemnização,

e T-152/96,

Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH

e

C. H. Boehringer Sohn,

recorrentes,

apoiadas por

FEDESA,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias,

recorrida,

apoiada por

SKV

e

Conselho da União Europeia,

intervenientes,

que tem por objecto o pedido de anulação parcial do Regulamento(CE) n.° 1312/96 da Comissão, de 8 de Julho de 1996, que altera o anexo III do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, que prevê um processo comunitário para oestabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 170, p. 8),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. Potocki, presidente, C. W. Bellamy e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal

vistos os autos e após a audiência de 12 de Maio de 1999,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio e enquadramento jurídico

1.
    Os ß-agonistas são substâncias utilizadas principalmente no tratamento de perturbações respiratórias, tanto no homem como nos animais.

2.
    O cloridrato de clenbuterol (a seguir «clenbuterol») é um composto químico pertencente à categoria dos ß-agonistas que serve de ingrediente activo em determinados medicamentos. Em medicina veterinária os seus efeitos terapêuticos são os seguintes:

-    acção broncoespasmolítica (dilatação dos brônquios provocada para facilitar a respiração em caso de infecção das vias respiratórias superiores);

-    estimulação cardíaca dos equídeos e dos bovinos;

-    indução da tocólise nas vacas em parto (relaxamento do útero provocado para facilitar o parto).

3.
    A primeira recorrente, Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH (a seguir «BI Vetmedica»), produz e comercializa medicamentos veterinários. É filial, em propriedade exclusiva, da segunda recorrente, C. H. Boehringer Sohn (a seguir «Boehringer»), uma das vinte primeiras sociedades farmacêuticas mundiais.

4.
    A BI Vetmedica é, com a Agraria Pharma GmbH (a seguir «Agraria»), a única empresa farmacêutica da União Europeia que produz e comercializa medicamentos veterinários contendo um ß-agonista, a saber, o clenbuterol, para o tratamento das infecções respiratórias dos animais de rendimento (animais destinados à comercialização e cuja carne e produtos são consumidos pelo homem). Todavia,a Agraria apenas comercializa o seu medicamento que contém clenbuterol no mercado alemão, sendo o respectivo volume de negócios em relação a este produto muito fraco. As recorrentes declaram, por sua parte, garantirem «perto de 97% das vendas de medicamentos veterinários abrangidos pela proibição dos ß-agonistas» prevista na Directiva 96/22/CE do Conselho, de 29 de Abril de 1996, relativa à proibição de utilização de certas substâncias com efeitos hormonais ou tireostáticos e de substâncias ß-agonistas em produção animal e que revoga as directivas 81/602/CEE, 88/146/CEE e 88/299/CEE (JO L 125, p. 3, a seguir «Directiva 96/22»), e «à volta de 99% das vendas na União Europeia de medicamentos veterinários abrangidos» pelo Regulamento (CEE) n.° 1312/96 da Comissão, de 8 de Julho de 1996, que altera o anexo III do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 170, p. 8, a seguir «Regulamento n.° 1312/96»). Segundo indicações das recorrentes em resposta a perguntas escritas do Tribunal, as suas vendas de medicamentos veterinários com clenbuterol nos Estados-Membros (todos os usos e produtos incluídos) representavam um volume de negócios de 13 528 063 DM em 1995.

5.
    A BI Vetmedica e suas filiais fabricam e distribuem estes medicamentos na maior parte dos Estados-Membros, mediante autorizações emitidas pelas autoridades nacionais competentes, sob as marcas comerciais «Ventipulmine, Spasmobronchal, Ventipulmine-TMPS» e «Planipart», também registadas na maior parte destes Estados. Todavia, o Planipart, destinado à indução da tocólise nos bovinos, continua a ser autorizado e não é abrangido pelo presente processo. A patente de que as recorrentes eram titulares e que lhes conferia o monopólio da exploração do clenbuterol expirou em 1988.

6.
    Não obstante não serem hormonas de crescimento, os ß-agonistas são também conhecidos, desde os anos 80, pelos seus efeitos anabolizantes. Administradas em fortes doses, nitidamente superiores às indicadas para tratamento terapêutico, provocam um importante «efeito de redistribuição» que consiste num abrandamento da síntese do tecido adiposo e em menor degradação das proteínas. A sua utilização pelos criadores permite, assim, obter animais com uma relação carne/gordura elevada. Considera-se por isso que o teor em carne de um animal pode aumentar de 10 a 26% e o seu teor em gordura baixar de 10 a 30%.

7.
    Verifica-se que, na prática, os medicamentos veterinários à base de clenbuterol comercializados pelas recorrentes não podem ser utilizados, de forma rentável, para obter o referido «efeito de redistribuição», atento o seu acondicionamento e fraco teor em clenbuterol em relação ao respectivo custo.

8.
    Não obstante, verifica-se também que algumas empresas e particulares se dedicam ao comércio de clenbuterol e de outros ß-agonistas como produtos químicos debase, sob a forma de pó e de líquido fortemente concentrados, produtos de baixo custo, para efeitos de engorda artificial dos bovinos.

9.
    A administração de ß-agonistas aos animais em doses superiores às prescritas para fins terapêuticos pode provocar determinados efeitos secundários prejudiciais à sua saúde, nomeadamente perturbações da regulação da temperatura e dos sistemas endócrinos, aceleração do ritmo cardíaco e da sudação, tremores musculares e menor resistência ao stress. Além disso, a carne é de inferior qualidade; torna-se mais escura, menos tenra e menos saborosa em virtude da diminuição das gorduras intramusculares.

10.
    Ainda que os ß-agonistas autorizados na Comunidade Europeia sejam produtos seguros quando utilizados para fins terapêuticos, nos homens e nos animais, está demonstrado que o seu emprego como factor de crescimento de animais de rendimento pode determinar certos riscos para a saúde humana. Os resíduos de ß-agonistas presentes na carne de animais tratados com doses maciças, não terapêuticas, provocaram, nomeadamente, um certo número de casos de intoxicação alimentar do homem, sendo os principais sintomas a aceleração do ritmo cardíaco, enxaquecas agudas, tremores e palpitações, nervosismo, baixa de pressão arterial e rigidez muscular durante vários dias. Segundo as indicações fornecidas pelo Conselho, os países mais tocados são a Espanha (135 casos de intoxicação em 1990, 200 em 1992 e 136 em 1994), a França (22 casos em 1990) e a Itália (62 casos em 1996).

11.
    Resulta de informações das partes, fornecidas em resposta às perguntas escritas do Tribunal, que já antes da adopção da Directiva 96/92, a venda e utilização de medicamentos veterinários com clenbuterol para tratamento das perturbações respiratórias dos bovinos não era permitida em determinados Estados-Membros (Dinamarca, Finlândia, França, Grécia e Suécia) e Estados terceiros (Argentina, Austrália, Canada, Estados Unidos e Nova Zelândia). As recorrentes esclareceram todavia que, por razões diversas, nunca tinham procurado obter aquela autorização nestes países. Quanto à Argentina, procurou preservar o seu acesso ao mercado da Comunidade.

12.
    A opinião pública nos Estados-Membros mostrou-se muito preocupada com os efeitos na saúde humana dos resíduos de ß-agonistas encontrados na carne destinada ao consumo humano. Numerosos artigos apareceram na imprensa, tanto em revistas especializadas como nos jornais diários, e diversos relatórios foram publicados, nomeadamente, em Outubro de 1993, sob os auspícios do Parlamento Europeu, um relatório de informação elaborado por Schuman Associates.

13.
    No quadro de vasto inquérito conduzido nos Estados-Membros, entre 1990 e 1992, quanto à utilização abusiva dos ß-agonistas, a Comissão verificou, nomeadamente, que, na prática, a detecção de fraudes, nomeadamente quanto ao emprego de clenbuterol, se tornou mais difícil dada a existência dos medicamentos comercializados pelas recorrentes. Com efeito, quando se verificava que tinha sidoadministrado clenbuterol a um animal, o criador justificava-se afirmando que utilizara legalmente um daqueles medicamentos.

14.
    Em 21 de Abril de 1993, a Comissão apresentou os dados apurados em comunicação ao Conselho e ao Parlamento sobre o controlo dos resíduos na carne [COM (93) 167 final], em que afirmava nomeadamente o seguinte (no n.° 30):

«A questão consiste em saber se uma proibição total, incluindo para usos terapêuticos, constituiria um progresso sensível na luta contra o uso impróprio dos ß-agonistas. Os responsáveis pelo controlo nos Estados-Membros coincidem em afirmar que o uso inadequado dos ß-agonistas constitui hoje um problema grave e que o seu banimento permitiria demonstrar mais facilmente o objectivo ilícito do seu emprego. Ainda que lhe repugne, em geral, propor a retirada do mercado de um medicamento de uso terapêutico, a Comissão considera que a proibição total dos ß-agonistas, com excepção do tratamento terapêutico dos cavalos e dos animais de companhia, facilitaria sensivelmente a tarefa dos controladores. Esta posição da Comissão é também influenciada pela existência de produtos de substituição para usos terapêuticos».

15.
    A Comissão apresentou ao Conselho, em 14 de Outubro de 1993, a proposta de Regulamento (CEE) referente à proibição de utilização de certas substâncias com efeitos hormonais e tiriostáticos e das substâncias ß-agonistas em produção animal (JO C 302, p. 8), prevendo, nomeadamente, a proibição absoluta da venda das substâncias ß-agonistas para administração a animais de qualquer natureza, à excepção da sua utilização para fins terapêuticos nos equídeos e nos animais carnívoros domésticos.

16.
    Em vária correspondência dirigida aos membros e aos serviços da Comissão bem como às competentes autoridades dos Estados-Membros, as recorrentes sustentaram que a proibição dos seus medicamentos veterinários com clenbuterol diminuiria o bem-estar dos animais e privaria BI Vetmedica do seu direito, oficialmente reconhecido, de fabricar e comercializar aqueles medicamentos. Defenderam ainda que para combater a utilização abusiva do clenbuterol e dos outros ß-agonistas bastariam outras medidas menos restritivas que a proibição total preconizada, nomeadamente a aplicação efectiva, pelos Estados-Membros, das medidas de controlo já previstas na Directiva 81/851/CEE do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos medicamentos veterinários (JO L 317, p. 1; EE 13 F12 p. 3, a seguir «Directiva 81/851»), na redacção da Directiva 90/676/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1990, que altera a Directiva 81/851/CEE (JO L 373, p. 15, a seguir «Directiva 90/676»).

17.
    A este propósito, as recorrentes reportaram-se mais especificamente ao artigo 50.°-C da Directiva 81/851, na redacção da Directiva 90/676, em cujos termos:

«Os Estados-Membros deverão garantir que os proprietários ou o responsável por animais de rendimento utilizados na produção de alimentos possam justificar a aquisição, a posse e a administração de medicamentos veterinários que contenham as substâncias enumeradas no n.° 5 do artigo 1.° (trata-se, nomeadamente, dos ß-agonistas)...

Os Estados-Membros poderão exigir, nomeadamente, a manutenção de um registo que contenha, pelo menos, as seguintes indicações:

a) Data;

b) Identificação do medicamento veterinário;

c) Quantidade;

d) Nome e endereço do fornecedor do medicamento;

e) Identificação dos animais tratados.»

18.
    As recorrentes reportaram-se também ao n.° 5 do artigo 1.° da Directiva 81/851, na redacção da Directiva 90/676, em cujos termos:

« Os Estados-Membros tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que apenas as pessoas habilitadas pela respectiva legislação nacional em vigor possuam ou tenham sob controlo medicamentos veterinários ou substâncias susceptíveis de ser utilizadas como medicamentos veterinários e que possuam propriedades anabolizantes ...

Os Estados-Membros devem elaborar uma lista dos produtores e dos distribuidores a quem é permitido estar na posse das substâncias activas susceptíveis de ser utilizadas no fabrico de medicamentos veterinários com as propriedades referidas no primeiro parágrafo. Essas pessoas devem manter registos pormenorizados de todas as transacções de substâncias que possam ser utilizadas no fabrico de medicamentos veterinários e manter esses registos disponíveis para efeitos de inspecção pelas autoridades competentes durante um período de, pelo menos, três anos».

19.
    Por carta de 28 de Outubro de 1993, o Parlamento foi consultado quanto à proposta de regulamento em causa, nos termos do artigo 43.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37.° CE).

20.
    No relatório de 1 de Março de 1994, a Comissão da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural do Parlamento propôs a autorização da colocação no mercado dos ß-agonistas para administração, por veterinário, para fins terapêuticos. A Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Protecção dos Consumidores doParlamento não partilhou todavia o referido parecer e apenas propôs emendas menores à proposta de regulamento do Conselho.

21.
    Sem nova consulta do Parlamento, o Conselho aprovou, em 29 de Abril de 1996, com base no artigo 43.° do Tratado, a Directiva 96/22, cujo artigo 2.°, alínea b), prevê que os Estados-Membros assegurarão a proibição «de colocação no mercado de ß-agonistas destinados a serem administrados aos animais cuja carne e produtos se destinem a consumo humano». Os quinto a nono considerandos da Directiva 96/22 são do seguinte teor:

«(5)    Considerando que os resultados do inquérito realizado pela Comissão entre 1990 e 1992 nos Estados-Membros revelam que existe uma grande disponibilidade de ß-agonistas no sector da criação de animais, o que favorece a sua utilização ilegal;

(6)    Considerando que a utilização incorrecta de substâncias ß-agonistas pode constituir um perigo sério para a saúde humana; que, no interesse do consumidor, se deve proibir a detenção, administração a todos os animais e colocação no mercado de substâncias ß-agonistas para esse efeito; que, além disso, é necessário proibir a detenção, administração aos animais de todas as espécies e colocação no mercado ...;

(7)    Considerando, porém, que a administração de medicamentos à base de substâncias ß-agonistas pode ser autorizada para fins terapêuticos perfeitamente definidos, em algumas categorias de bovinos, equídeos e animais de companhia;

(8)    Considerando, além disso, que é necessário garantir a todos os consumidores as mesmas condições de abastecimento de carne e géneros alimentícios derivados, fornecendo-lhes ao mesmo tempo um produto que satisfaça o melhor possível as suas preocupações e expectativas; que, atendendo à sensibilidade dos consumidores, tais medidas só poderão facilitar as possibilidades de escoamento dos produtos em questão;

(9)    Considerando que é necessário manter a proibição das substâncias hormonais para fins de engorda; que, ainda que a administração de certas substâncias possa ser autorizada para fins terapêuticos ou zootécnicos, deve ser estritamente controlada para evitar qualquer utilização indevida».

22.
    O artigo 3.° da Directiva 96/22 dispõe que os Estados-Membros assegurarão igualmente a proibição de:

«a)    Administração, por qualquer meio, aos animais de exploração de ... substâncias ß-agonistas;

b)    Detenção numa exploração, excepto sob controlo oficial, dos animais referidos na alínea a), colocação no mercado ou abate, para consumo humano, de animais de exploração ... que contenham as substâncias referidas na alínea a) ou nos quais se detectou a sua presença, excepto se se provar que os referidos animais foram tratados nos termos dos artigos 4 ou 5;

    ...

d)    Colocação no mercado da carne dos animais referidos na alínea b);

e)    Transformação da carne referida na alínea d).»

23.
    O n.° 2 do artigo 4.° da Directiva 96/22 prevê que, em derrogação aos artigos 2.° e 3.°, os Estados-Membros podem autorizar:

«2.    A administração para fins terapêuticos de medicamentos veterinários autorizados que contenham:

    i)    Alilotrembolona a administrar por via oral, ou substâncias ß-agonistas, a equídeos e a animais de companhia, desde que sejam utilizados de acordo com as especificações do fabricante;

    ii)    ß-agonistas, sob forma de uma injecção para a indução da tocólise nas vacas parturientes.

    Essa administração deve ser efectuada por um veterinário ou, no caso de medicamentos veterinários referidos na alínea i), sob a sua responsabilidade directa. O tratamento deve ser registado pelo veterinário responsável, que especificará, pelo menos, as informações referidas no n.° 1 do presente artigo.

    É proibida ao produtor a posse de medicamentos veterinários com substâncias ß-agonistas susceptíveis de serem utilizados para fins de indução da tocólise».

24.
    O n.° 2, alínea b), do artigo 1.° da Directiva 96/22 define «tratamento terapêutico» como «a administração - em execução do artigo 4.° da presente directiva -, a título individual, a um animal de exploração, de uma das substâncias autorizadas, tendo em vista o tratamento de um problema de fecundidade detectado durante um exame desse animal efectuado por um veterinário, ... e, no que se refere aos ß-agonistas, tendo em vista a indução da tocólise nas vacas parturientes, bem como o tratamento das perturbações respiratórias e a indução da tocólise nos equídeos criados para fins diferentes da produção de carne».

25.
    Nos termos do artigo 14.°, a Directiva 96/22 teria de ser transposta para direito nacional o mais tardar até 1 de Julho de 1997. Entretanto, a legislação nacional sobre esta matéria continuaria a ser aplicável com respeito pelas disposições gerais do Tratado.

26.
    Para reforçar os controlos efectuados por e nos Estados-Membros, o Conselho aprovou, por outro lado, a Directiva 96/23/CE, de 29 de Abril de 1996, relativa às medidas de controlo a aplicar a certas substâncias e aos resíduos nos animais vivos e respectivos produtos e que revoga as Directivas 85/358/CEE e 86/469/CEE e as Decisões 89/187/CEE e 91/664/CEE (JO L 125, p. 10). Nos termos do disposto no artigo 3.°, a vigilância da cadeia de produção de animais e de produtos primários de origem animal deve ser efectuada «tendo em vista a pesquisa dos resíduos e das substâncias referidas no anexo I». Os ß-agonistas constam deste anexo. O Regulamento (CE) n.° 894/96 do Conselho, de 29 de Abril de 1996, que altera o Regulamento (CEE) n.° 805/68, que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de bovino (JO L 125, p. 1), prevê igualmente sanções agravadas para os produtores quando se verifique a utilização de substâncias interditas ou errada utilização de substâncias autorizadas no controlo de um animal ou quando as referidas substâncias se encontrem numa exploração.

27.
    O Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, de 26 de Junho de 1990, prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 2377/90»).

28.
    Nos termos do referido regulamento, a Comissão estabelece o limite máximo de resíduos (a seguir «LMR»), definido no artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento, como a concentração máxima de resíduos resultante da utilização de um medicamento veterinário «que a Comunidade pode aceitar como legalmente autorizada ou que é reconhecida como aceitável à superfície ou no interior de um alimento».

29.
    O Regulamento n.° 2377/90 prevê que as substâncias farmacologicamente activas utilizadas em medicamentos veterinários, após avaliação dos riscos que comportam para a saúde pública, devem ser incluídas numa das quatro listas objecto dos anexos seguintes:

-    no anexo I, as substâncias para as quais pode ser fixado um limite máximo de resíduos (v. artigo 2.°);

-    no anexo II, aquelas para que não se mostra necessário fixar um LMR (v. artigo 3.°);

-    no anexo III, as substâncias já utilizadas à data da entrada em vigor do Regulamento n.° 2377/90 ou, a título excepcional, ainda não utilizadas, emrelação às quais não é possível fixar definitivamente um LMR cujos resíduos, nos níveis propostos, se revelem sem risco para a saúde humana, podem ser acompanhadas de um LMR provisório (v. artigo 4.°);

-    no anexo IV, as substâncias para as quais não se pode estabelecer um LMR atenta a sua perigosidade (v. artigo 5.°).

30.
    Por força do disposto no artigo 14.° do Regulamento n.° 2377/90, a partir de 1 de Janeiro de 1997, é, em princípio, proibida na Comunidade a administração, a animais destinados à produção de alimentos, de medicamentos veterinários que contenham substâncias farmacologicamente activas que não constem dos anexos I, II ou III.

31.
    O artigo 6.° do Regulamento n.° 2377/90 prevê o processo aplicável para inclusão nos anexos I, II ou III de uma nova substância farmacologicamente activa.

32.
    O Regulamento n.° 2377/90 define também, no artigo 7.°, o processo aplicável às substâncias farmacologicamente activas cuja utilização é permitida nos medicamentos veterinários à data da sua entrada em vigor. Os responsáveis pela colocação no mercado dos medicamentos veterinários em causa devem assegurar que toda a informação necessária seja fornecida à Comissão no prazo estabelecido (n.° 2). Depois de verificar, num prazo de 30 dias, que as informações foram correctamente apresentadas, a Comissão remete-las-á imediatamente, para análise, ao Comité dos Medicamentos Veterinários (a seguir «CMV»), que deve emitir o seu parecer no prazo de 120 dias (n.° 3). Durante as observações formuladas pelos membros do CMV, a Comissão prepara, no prazo máximo de 30 dias, um projecto de medidas a tomar. Pode, se necessário, convidar o responsável pela comercialização a fornecer informações suplementares ao CMV (n.° 4). O projecto de medidas a tomar será comunicado «sem demora» pela Comissão aos Estados-Membros e ao responsável pela comercialização, que pode, a pedido do CMV, fornecer-lhe esclarecimentos, oralmente ou por escrito (n.° 5). A Comissão apresentará seguidamente as medidas propostas ao Comité para adaptação ao progresso técnico das directivas relativas aos medicamentos veterinários (n.° 6), constituído por representantes dos Estados-Membros e presidido por um representante da Comissão. Nos termos do artigo 8.° do mesmo regulamento, este Comité deve dar parecer sobre o projecto no prazo fixado pelo presidente. A Comissão toma as medidas projectadas desde que sejam conformes com o parecer do Comité (artigo 8.°, n.° 3, alínea a)). Quando as medidas projectadas não sejam conformes com aquele parecer, ou na falta deste, a Comissão dirigir-se-à ao Conselho, que decidirá por maioria qualificada (artigo 8.°, n.° 3, alínea b)). Se, no termo do prazo de três meses a contar da data em que a Comissão se lhe dirigiu, o Conselho não tiver tomado medidas, a Comissão tomará as medidas propostas, salvo no caso de o Conselho se pronunciar, por maioria simples, contra tais medidas (artigo 8.°, n.° 3, alínea c)).

33.
    O Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma agência europeia de avaliação dos medicamentos (JO L 214, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 2309/93»), prevê um processo centralizado de autorização de comercialização (a seguir «ACM») de um medicamento veterinário.

34.
    Do artigo 31.°, n.° 3, alínea b), do referido regulamento resulta que, no caso de um medicamento ser destinado à administração a animais produtores de alimentos, a indicação do LMR que pode ser aceite pela Comunidade nos termos do Regulamento n.° 2377/90 é condição necessária para a emissão de uma ACM.

35.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 34.° do mesmo regulamento, a recusa de uma ACM «constitui proibição em toda a Comunidade da introdução no mercado do medicamento veterinário em questão».

36.
    Nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2377/90, a BI Vetmedica apresentou à Comissão, em 20 de Julho de 1994, um pedido de fixação de LMR para o clenbuterol no que respeita aos bovinos e equídeos. Por parecer de 3 de Janeiro de 1996, o CMV, por razões de metodologia científica, recomendou a adopção de LMR provisórios, que expiravam em 1 de Julho do ano 2000.

37.
    Em 8 de Julho de 1996, a Comissão aprovou o Regulamento n.° 1312/96, em que estabelece os LMR provisórios para o clenbuterol mas exclusivamente para fins terapêuticos autorizados nos termos da Directiva 96/22, a saber, no caso dos bovinos, unicamente para indução da tocólise nas vacas parturientes e, no caso dos equídeos, para a indução da tocólise e o tratamento das perturbações respiratórias. Os sexto, sétimo e nono considerandos do Regulamento n.° 1312/96 são do seguinte teor:

«considerando que, para permitir a conclusão de estudos científicos, o cloridrato de clenbuterol deve ser inserido no anexo III do Regulamento (CEE) n.° 2377/90;

considerando que a Directiva 96/22/CE do Conselho, relativa à proibição da utilização de certas substâncias de efeito hormonal ou tireostático e de substâncias ß-agonistas em produção animal, proíbe a utilização de clenbuterol em todos os animais de criação, com excepção dos equídeos e das vacas no que diz respeito a alguns fins terapêuticos específicos;

...

considerando que as medidas previstas no presente regulamento estão de acordo com o parecer do Comité permanente dos medicamentos veterinários».

Tramitação processual

38.
    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal em 9 de Agosto de 1996, as recorrentes interpuseram recurso, registado sob o n.° T-125/96, em que pedem a anulação parcial da Directiva 96/22 e a reparação de prejuízo sofrido.

39.
    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal em 27 de Setembro de 1996, as recorrentes interpuseram recurso registado sob o n.° T-152/96, que tem por objectivo principal a anulação parcial do Regulamento n.° 1312/96.

40.
    Em requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal em 31 de Outubro de 1996, o Conselho suscitou, no processo T-125/96, a excepção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo.

41.
    Por despacho de 13 de Junho de 1997, o Tribunal, aceitou a intervenção, no processo T-125/96, da FEDESA e do Reino Unido, em apoio do pedido das recorrentes e da Comissão e da SKV, em apoio do pedido da recorrida. Por despacho do mesmo dia, o Tribunal admitiu a intervenção, no processo T-152/96, da FEDESA, em apoio do pedido das recorrentes e da SKV e do Conselho, em apoio do pedido da recorrida.

42.
    No processo T-125/96, os intervenientes apresentaram observações escritas, limitadas, inicialmente, à admissibilidade do recurso atento o n.° 4 do dispositivo do despacho atrás referido, respectivamente, em 8 de Outubro de 1997 (Reino Unido), 10 de Outubro de 1997 (FEDESA e Comissão) e 24 de Outubro de 1997 (SKV). Após reunião informal com as partes em 9 de Outubro de 1998, o Tribunal convidou-as a esclarecerem determinados factos e, por despacho de 19 de Novembro de 1998, remeteu o conhecimento da excepção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho para o do fundo da causa. A FEDESA, a SKV e a Comissão apresentaram observações escritas, quanto ao fundo da causa, em 5 de Março de 1999. O Reino Unido não apresentou observações. Por carta registada na Secretaria do Tribunal em 10 de Março de 1999, as recorrentes renunciaram à apresentação de réplica. Foi de seguida encerrada a fase escrita do processo.

43.
    No processo T-152/96, os intervenientes apresentaram observações escritas, respectivamente, em 8 de Outubro de 1997 (Conselho), 10 de Outubro de 1997 (FEDESA) e 27 de Outubro de 1997 (SKV).

44.
    Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) iniciou a fase oral nos dois processos e apresentou algumas questões escritas às recorrentes, à Comissão e ao Conselho, nos termos do artigo 64.° do Regulamento de Processo, a que responderam por carta de 28 e 30 de Abril de 1999. As partes foram ouvidas na discussão da causa e nas respostas à perguntas orais do tribunal no decurso da audiência pública de 12 de Maio de 1999.

45.
    Questionadas por carta da Secretaria de 3 de junho de 1999, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo, as partes declararam não ter objecções quanto à apensação dos processos T-125/96 e T-152/96 para elaboração do acórdão.

Pedidos das partes no processo T-125/96

46.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da Directiva 96/22, na medida em que proíbem a comercialização de medicamentos veterinários com ß-agonistas para administração para fins terapêuticos aos animais cuja carne e produtos se destinem ao consumo humano;

-    condenar a Comunidade a reparar o dano por elas sofrido em consequência do acto recorrido;

-    ordenar que as partes apresentem ao Tribunal, em prazo razoável a contar da data do acórdão, o montante correspondente à indemnização a liquidar de comum acordo;

-    na falta de acordo, ordenar que as partes apresentem ao Tribunal, no mesmo prazo, as respectivas conclusões acompanhadas de cálculos numéricos precisos;

-    ordenar o pagamento de juros à taxa anual de 8% sobre o montante exigível a contar da data do acórdão;

-    condenar o Conselho nas despesas da instância.

47.
    O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso por ser manifestamente inadmissível ou, a título subsidiário, por carecer de fundamento;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

48.
    A FEDESA sustenta os argumentos e pedidos das recorrentes e pede a condenação do Conselho nas despesas referentes à sua intervenção.

49.
    O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal se digne indeferir a excepção de inadmissibilidade do pedido de indemnização suscitada pelo Conselho.

50.
    A SKV apoia as conclusões da recorrida e pede a condenação das recorrentes nas despesas relativas à sua intervenção.

51.
    A Comissão apoia as conclusões do recorrido.

Pedidos das partes no processo T-152/96

52.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar, nos termos do artigo 184.° do Tratado CE (actual artigo 241.° CE), que a Directiva 96/22, na medida em que proíbe a comercialização de medicamentos veterinários com ß-agonistas para administração terapêutica a animais de exploração, é ilegal e não pode por isso justificar as restrições previstas no Regulamento n.° 1312/96;

-    anular o Regulamento n.° 1312/96 na medida em que restringe a validade dos LMR fixados para o clenbuterol a determinadas utilizações terapêuticas precisas;

-    condenar a Comissão nas despesas da instância.

53.
    O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso por ser inadmissível ou, a título subsidiário, por carecer de fundamento.

-    condenar as recorrentes nas despesas da instância.

54.
    A FEDESA apoia os argumentos e pedidos das recorrentes e pede a condenação da Comissão nas despesas referentes à sua intervenção.

55.
    A SKV apoia os pedidos do recorrido e pede a condenação das recorrentes nas despesas relativas à sua intervenção.

56.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    indeferir o pedido de declaração da ilegalidade da Directiva 96/22, por ser inadmissível ou, a título subsidiário, por carecer de fundamento;

-    negar provimento ao recurso por ser inadmissível ou, a título subsidiário, por carecer de fundamento;

-    condenar as recorrentes nas despesas da instância.

Considerações liminares quanto ao objecto do litígio e à tramitação processual

57.
    O pedido de anulação parcial do Regulamento n.° 1312/96 no processo T-152/96 baseia-se fundamentalmente na excepção de ilegalidade arguida quanto à Directiva 96/22, cuja anulação parcial constitui, em parte, o objecto do recurso T-125/96. Aliás, os argumentos invocados pelas recorrentes para sustentar a ilegalidade da referida directiva são, em substância, idênticos nos dois processos.

58.
    Nestas condições, o Tribunal considera pronunciar-se, antes de mais, sobre a questão da legalidade da Directiva 96/22, comum aos dois processos, antes de conhecer das questões da inadmissibilidade e do fundo que cada um deles suscitam.

Quanto à legalidade da Directiva 96/22

59.
    Para demonstrar a ilegalidade da Directiva 96/22, as recorrentes invocam quatro fundamentos. O primeiro consiste em violação do princípio da proporcionalidade, o segundo dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, o terceiro, violação do princípio da boa administração, e o quarto, violação do artigo 43.° do Tratado CE.

Quanto ao primeiro fundamento, violação do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

60.
    Reconhecendo embora que a Directiva 96/22, considerada no seu conjunto, pode ter como efeito a protecção da saúde humana e da confiança dos consumidores, as recorrentes sustentam que o único objectivo das disposições contestadas é permitir um controlo mais fácil, pelas autoridades nacionais, da utilização ilícita dos ß-agonistas, fazendo com que os agricultores deixem de poder justificar a detecção de resíduos daquelas substâncias nos animais com o facto de lhes terem administrado medicamentos que as contenham.

61.
    As recorrentes admitem que o clenbuterol pode servir para fins ilícitos de engorda do gado. Insistem no entanto sobre o facto de que apenas o clenbuterol sob a forma de produto químico de base pode ser empregado para aquele efeito e que os seus medicamentos veterinários não podem ser utilizados de forma abusiva (v. n.° 7 supra).

62.
    As recorrentes sustentam, aliás, a inocuidade, a qualidade e a eficácia unanimamente reconhecidas dos seus medicamentos veterinários contendo clenbuterol. A Ventipulmine, em especial, é considerada pelos especialistas em medicina veterinária como um medicamento indispensável para o tratamento das doenças respiratórias dos bovinos e dos equídeos. Não existe, com efeito, qualquer produto de substituição com propriedades equivalentes.

63.
    Nas circunstâncias do caso em apreço, as recorrentes sustentam que é contrário ao princípio da proporcionalidade pôr desta forma em perigo a saúde dos animais que deve ser protegida pela ordem jurídica comunitária (v. artigo 36.° do Tratado CE, que passou, após alteração, a artigo 30.° CE), sendo certo que a saúde das pessoas não é posta em perigo, pela simples razão de que o trabalho dos organismos nacionais seria facilitado. É igualmente contrário ao referido princípio, nas mesmas circunstâncias, infligir às recorrentes graves perdas financeiras, prejudicar os respectivos direitos de propriedade e afectar o seu direito de exercício de umaactividade profissional ou comercial (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Recueil p. 3727, n.° 32, de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15 e de 10 de Janeiro de 1992, Kühn, C-177/90, Colect., p. I-35).

64.
    Além disso, as recorrentes sustentam que as restrições aos direitos fundamentais impostas pelas disposições impugnadas não são necessárias para atingir o objectivo prosseguido. Referem-se, por um lado, ao processo comunitário relativo ao estabelecimento dos LMR e, por outro, aos artigos 1.°, n.° 5, e 50.°-C da Directiva 81/851, na redacção da Directiva 90/676 (v., n.os 17 e 18 supra), cuja rigorosa aplicação, em todos os Estados-Membros, permitiria verificar facilmente se um animal foi efectivamente objecto de tratamento terapêutico nos termos das instruções de um veterinário, obrigado a consignar as particularidades do caso em registo à disposição das autoridades competentes.

65.
    A este respeito, as recorrentes salientam que, em 1990-1992, a maior parte dos Estados-Membros não tinham ainda tomado as medidas de aplicação previstas na Directiva 90/676. Por conseguinte, era impossível, naquela altura, apreciar se medidas de controlo rigorosas eram suficientes para lutar com eficácia contra a utilização ilícita dos ß-agonistas. Em 1993, a Comissão reconheceu todavia, no Parlamento, que tinha «detectado uma melhoria considerável na aplicação dos controlos sobre o mercado interno depois do seu inquérito de 1990-1992» (v. comunicação de 21 de Abril de 1993, já referida). Além disso, verificou-se, em vários Estados-Membros, diminuição sensível do número de testes positivos.

66.
    As recorrentes salientam ainda que existia já no Reino Unido um sistema de controlo eficaz com base nas disposições da Directiva 81/851, na redacção da Directiva 90/676 e que consiste em o proprietário de um animal de cujo controlo resultou que continha resíduos de ß-agonistas dever apresentar, nos cinco dias seguintes, confirmação escrita do veterinário que autorizou a sua utilização. A eficácia de tal sistema está demonstrada pela não detecção de resíduos de clenbuterol nos controlos efectuados pelas autoridades nacionais. As recorrentes referem-se ainda ao parecer de 5 de Agosto de 1993 da Veterinary Medicines Directorate (Direcção dos Medicamentos Veterinários do Ministério Britânico da Agricultura, da Pesca e da Alimentação) segundo o qual o sistema de controlo britânico constitui «o meio de superar as dificuldades actuais decorrentes da utilização ilegal de ß-agonistas».

67.
    As recorrentes sustentam ainda que a própria Directiva 96/22, em especial nos artigos 8.°, 9.° e 10.°, prevê a aplicação do referido sistema de controlo quando a administração de ß-agonistas haja sido autorizada, nomeadamente para indução da tocólise nas vacas parturientes. As instituições comunitárias não explicaram porque razão aquele sistema de controlo era considerado insuficiente em certos casos e insuficientes noutros.

68.
    Salienta igualmente que, nas situações mais frequentes, a utilização terapêutica legal dos seus produtos com clenbuterol não dificultará os trabalhos dos organismos de controlo. Efectivamente, é fácil, na maior parte dos casos, verificar se foram utilizados ilicitamente ß-agonistas pela verificação da concentração de clenbuterol nos resíduos descobertos no controlo dos animais em causa.

69.
    A FEDESA, apoia em substância, os argumentos das recorrentes e acrescenta que, segundo o terceiro considerando do Regulamento n.° 2309/93, é necessário, no interesse da saúde pública, que a autorização de medicamentos para uso humano ou veterinário seja concedida apenas com base nos critérios científicos objectivos da qualidade, da segurança e da eficácia, excluindo qualquer consideração económica ou outra.

70.
    Segundo a FEDESA, ordenar a retirada de um medicamento veterinário do mercado por razões estranhas aqueles três critérios conduz a dissuadir as empresas do sector farmacêutico de investirem na preparação e melhoria dos seus produtos.

71.
    Além disso, no caso em apreço, os próprios veterinários serão privados de um medicamento eficaz para que não existe um verdadeiro produto de substituição. A FEDESA refere-se, neste aspecto, ao parecer do Professor Ungemach, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Leipzig, segundo o qual da proibição da administração dos ß-agonistas resultará uma grave lacuna terapêutica.

72.
    Pelo menos, sustenta a FEDESA, ainda que o Conselho tivesse o direito de se opôr à utilização de determinada substância para um fim terapêutico específico e que não constitui qualquer risco para a saúde pública, apenas o poderia fazer em casos excepcionais, quando se verificasse que aquela proibição era o único meio de impedir determinadas utilizações que envolvem aquele risco. No entender da FEDESA, tais condições não se verificam no caso em apreço.

Apreciação do Tribunal

73.
    O princípio da proporcionalidade é reconhecido por jurisprudência constante como fazendo parte dos princípios gerais do direito comunitário. Por força deste princípio, os dados das instituições comunitárias não devem exceder o necessário e adequado para a realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela medida em causa, devendo considerar-se que, quando exista escolha entre várias medidas adequadas, dever-se -á recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser excessivos relativamente aos fins visados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, FEDESA e o., C-331/88, Colect., p. I-4023, n.° 13, e de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C-180/96, Colect., p. I-2265, n.° 96).

74.
    Quanto ao controlo jurisdicional das referidas condições, deve esclarecer-se que o legislador comunitário dispõe, em matéria de Política Agrícola Comum, de umpoder discricionário que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 34.° CE) e 43.° do Tratado CE lhe conferem. Por conseguinte, apenas o carácter manifestamente adequado de uma medida adoptada nesse domínio relativamente ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir poderá afectar a legalidade dessa medida (acórdão Schräder, já referido, n.° 22, FEDESA e o., também já referido, n.os 13 e 14, e Reino Unido/Comissão, já referido, n.° 97; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.os 119 e 120).

75.
    As recorrentes não põem em causa, no caso em apreço, a legitimidade da proibição da utilização dos ß-agonistas para engorda do gado, tendo em conta o objectivo de saúde pública prosseguido pelas instituições no quadro geral da Directiva 96/22. Consideram, todavia, que o Conselho não respeitou o princípio da proporcionalidade ao proibir também, apenas com o objectivo de facilitar os controlos, a utilização daquelas substâncias para administração ao gado para fins terapêuticos.

76.
    Estando a Directiva 96/22 incluída no domínio da Política Agrícola Comum há que verificar, em primeiro lugar, qual o objectivo prosseguido pelas medidas em causa, em segundo, se tais medidas têm carácter manifestamente inadequado relativamente aquele objectivo, em terceiro lugar, se são necessárias para a sua realização, se não poderiam adoptar-se medidas alternativas menos restritivas, finalmente e em quarto lugar, se os inconvenientes causados não são excessivos relativamente ao referido objectivo.

77.
    Examinando, em primeiro lugar, o objectivo prosseguido pelas medidas em causa, há que salientar que, como resulta do seu sexto e oitavo considerandos, a directiva visa simultaneamente a protecção da saúde pública e a realização dos objectivos da Política Agrícola Comum no quadro de uma organização comum de mercados, garantindo a todos os consumidores as mesmas condições de abastecimento de carne e de produtos alimentares derivados, correspondendo simultaneamente o melhor possível às suas preocupações e expectativas. É à luz deste duplo objectivo que deverá ser apreciada a legalidade das medidas em causa.

78.
    Analisando, em segundo lugar, o carácter não manifestamente inadequado das medidas em causa, é forçoso concluir que, atento o objectivo de protecção da saúde pública visado pelo sexto considerando da directiva, a proibição de um produto pelos riscos que a sua utilização pode envolver é, por definição, adequada para prevenir perigos ligados àquela utilização. O mesmo se pode dizer, no caso em apreço, atento o objectivo enunciado no oitavo considerando da Directiva 96/22, uma vez que a sua realização está intimamente ligada às preocupações e expectativas dos consumidores em matéria de saúde pública.

79.
    Deve acrescentar-se, que, num caso como o em apreço, em que o produto em causa é susceptível de duas utilizações, uma em medicina veterinária, sem perigopara a saúde pública, outra para fins de engorda de gado, nociva para o homem, a questão de saber se a proibição deve abranger as duas utilizações não poderá ser apreciada em abstracto mas tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente a possibilidade de abuso e de fraude, os riscos envolvidos e a eficácia das medidas de controlo.

80.
    Quanto, em terceiro lugar, à apreciação da necessidade das medidas em causa e da eventual existência de medidas alternativas menos restritivas, deve lembrar-se, antes de mais, que foram fixados LMR provisórios para os ß-agonistas, nomeadamente para o clenbuterol, pelo Regulamento n.° 1312/96.

81.
    Daí que a utilização daquela substância pode considerar-se sem perigo para a saúde humana até um certo limite de resíduos. Com efeito, nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 2377/90, um LMR «baseia-se no tipo e quantidade de resíduos que se considera não apresentarem qualquer risco de toxicidade para a saúde humana». Segundo o artigo 4.° do mesmo Regulamento, um LMR provisório apenas poderá ser estabelecido «desde que não haja motivos para supor que, ao nível proposto, os resíduos da substância em causa constituem um risco para a saúde do consumidor».

82.
    Todavia, a fixação de um LMR para o clenbuterol não basta, nas circunstâncias do caso em apreço, para garantir a protecção da saúde pública. É efectivamente necessário que a presença de resíduos desta substância seja sistematicamente analisada em cada alimento de origem animal que entre na cadeia alimentar.

83.
    Ora, não sendo, na prática, possível a aplicação de testes sistemáticos, quanto mais não seja pelo seu custo proibitivo, o argumento de que a mera fixação de LMR para os ß-agonistas dispensava a tomada de qualquer outra medida regulamentadora da sua utilização não pode ser atendido.

84.
    Recorde-se aliás que o Conselho tinha de exercer o seu poder de apreciação e assumir as suas responsabilidades políticas face a uma situação particularmente complexa e delicada.

85.
    Por um lado, determinadas considerações ligadas à saúde e bem-estar dos animais eram favoráveis à manutenção da autorização de utilização terapêutica dos ß-agonistas, incluindo nos bovinos. Estas considerações foram feitas não apenas pelas recorrentes mas também pela FEDESA, a Federação dos Veterinários Europeus, a União Europeia dos Veterinários Clínicos, a Associação dos Veterinários Alemães, os Professores Lekeux, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Liège, e Ungemach, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Leipzig, o Comité Veterinário Permanente, a Comissão da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu e o Conselho Económico e Social que, em parecer de 21 de Dezembrode 1993 (JO 1994, C 52, p. 30), exprimiu reservas quanto à proposta de regulamento da Comissão de 14 de Outubro de 1993, já referida.

86.
    Mais especificamente, não se demonstra, no caso em apreço, que existam produtos de substituição de qualidade, inocuidade e eficácia equivalentes às dos ß-agonistas para tratamento de perturbações respiratórias dos bovinos (v. a carta da Federação dos Veterinários Europeus ao membro da Comissão Sr. Steichen de 12 de Outubro de 1993 a carta da União Europeia dos Veterinários Clínicos ao Sr. Steichen de 20 de Outubro de 1993, e a carta do presidente da Deutsche Tierärtzteschaft e.V. ao membro da Comissão Sr. Bangemann de 21 de Abril de 1993, bem como os pareceres dos Professores Lekeux e Ungemach).

87.
    Por outro lado, o Conselho deveria ter em conta o uso cada vez maior dos ß-agonistas e de outras substâncias com efeito anabolizante na criação de gado em substituição das hormonas de crescimento convencionais após as medidas de proibição e de controlo tomadas relativamente a estes produtos no decurso dos anos 80; dos novos riscos para a saúde pública daí decorrentes; do apelo feito por diversos Estados-Membros, desde 1988, a favor de uma acção comunitária na matéria; do inquérito conduzido pela Comissão nos Estados-Membros, de 1990 a 1992, sobre a aplicação da legislação comunitária, de cujos resultados se verificou existirem ricos graves para a saúde pública ligados à larga disponibilidade dos anabolizantes; o parecer do Parlamento, cuja Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Protecção dos Consumidores tinha considerado, em 1994, que deveriam proibir-se os ß-agonistas no mais curto prazo, por imperiosas razões ligadas à saúde pública; do aparecer de responsáveis pelo controlo nos Estados-Membros, bem como de determinados peritos (v. relatório Schuman Associates, já referido no n.° 12, e o relatório da conferência científica sobre os factores de crescimento na carne, de 17 de Janeiro de 1996, apresentado pelo Conselho a pedido do Tribunal, segundo o qual os ß-agonistas não deviam ser utilizados dado o seu potencial risco para a saúde pública e animal).

88.
    Na avaliação das possibilidades de agir que se lhe ofereciam, o Conselho devia, em especial, ponderar a questão de saber se uma autorização eventual da utilização dos ß-agonistas para fins terapêuticos, aliada a medidas de controlo do tipo das propostas pelas recorrentes, era de modo a impedir a uso clandestino de substâncias cuja nocividade em doses elevadas, para fins de engorda, é unanimamente reconhecida, ou se apenas a interdição aliada a excepções muito específicas podia ser efectivamente controlada e deveria, por isso, impor-se, ainda que à Comissão «repugne, em geral, propor a retirada do mercado de um medicamento para uso terapêutico».

89.
    A este respeito, as recorrentes sustentam em especial que é possível, mediante a instituição de controlos adequados, distinguir facilmente a utilização dos ß-agonistas para fins de engorda do gado da sua utilização para fins terapêuticos, pelo que a proibição de uma, para atingir o objectivo que o Conselho visa prosseguir, não deve necessariamente desencadear a proibição da outra. Segundo as instituições,ao invés, é precisamente a impossibilidade ou dificuldade de distinguir estes dois usos, salvo mediante a implantação de um sistema de controlos cujo custo seria proibitivo, que justifica a proibição quase absoluta da utilização dos ß-agonistas na criação dos bovinos, imposta pela Directiva 96/22, devendo a protecção da saúde humana e o restabelecimento da confiança dos consumidores, no caso em apreço, primar sobre quaisquer outras considerações, nomeadamente as ligadas ao bem-estar dos animais e aos direitos de propriedade das recorrentes.

90.
    Atenta a documentação científica apresentada no Tribunal é forçoso reconhecer que as técnicas actuais de detecção não permitem determinar, com certeza, se os resíduos dos ß-agonistas encontrados no controlo de um animal ou de produtos alimentares derivados provêm de dose administrada para fins terapêuticos na véspera do controlo ou de dose administrada para fins de engorda artificial vários dias antes.

91.
    Aliás, não é manifesto que as medidas aplicadas no quadro da Directiva 81/851, na versão da Directiva 90/676 (v. n.os 17 e 18 supra), bastem para impedir qualquer utilização abusiva dos produtos em causa.

92.
    A este propósito deve salientar-se que a solução preconizada pelas recorrentes, que consiste, como elas próprias referiram na audiência, em permitir aos criadores que, eles mesmos, administrem ao gado medicamentos veterinários à base de clenbuterol, mediante receita de veterinário mas fora da sua presença efectiva, por implicar e justificar a existência habitual, em larga escala, destes produtos nas explorações de gado, tornaria mais difícil a procura da origem, lícita ou ilícita, dos resíduos de clenbuterol detectados num controlo.

93.
    Há, além disso, que observar que a Directiva 96/22, nos casos em que autoriza a administração para fins terapêuticos de substâncias com efeito hormonal, em animais de exploração, ou de medicamentos que contenham substâncias ß-agonistas, em vacas parturientes (v. artigo 4.°, n.os 1 e 2), impõe que o tratamento seja administrado por um veterinário e detalhadamente registado.

94.
    Ora, todas as partes concordam em reconhecer que, quanto ao tratamento das perturbações respiratórias dos bovinos, tal sistema seria proibitivo a ponto de dissuadir os criadores de a ele recorrerem. Efectivamente, por um lado os cuidados não se resumem normalmente a uma única injeção, necessitando da administração por via oral de uma ou várias doses diárias durante vários dias. Por outro lado, as condições de criação intensiva em curso na Comunidade e a natureza infecciosa das perturbações respiratórias mais frequentes implicam o tratamento simultâneo de grande número de animais.

95.
    Forçoso é concluir, além disso, que qualquer possibilidade de justificação da presença de resíduos de ß-agonistas, durante um controlo, pela sua administração para fins terapêuticos facilita a sua utilização abusiva por criadores de gado poucoescrupulosos. Embora permita, indiscutivelmente, atenuar o risco de um tal uso, a intervenção obrigatória de veterinário não basta para o eliminar totalmente.

96.
    De qualquer modo, as medidas de controlo que seriam necessárias para a aplicação de disposições menos restritivas, tais como as preconizadas pelas recorrentes, envolveriam um pesado encargo para a colectividade. Este encargo deve também ser ponderado conjuntamente com o prejuízo causado às recorrentes pela proibição dos seus medicamentos veterinários à base de clenbuterol. Ora, os elementos do processo à apreciação do Tribunal não permitem concluir que a ponderação de interesses seja favorável às recorrentes, tendo em conta o prejuízo relativamente limitado que sofreram com a aplicação da Directiva 96/22 (v., n.° 107 infra).

97.
    Atentas as considerações que precedem, impõem-se concluir que as recorrentes não demonstraram que o Conselho cometeu erro manifesto de avaliação ao considerar que a proibição geral constitui a solução a preferir atenta a protecção da saúde pública.

98.
    Deve acrescentar-se que, ainda que a protecção da saúde pública se sobreponha a qualquer outra consideração, a protecção da confiança dos consumidores é também importante.

99.
    Ora, verifica-se que pelo menos parte da opinião pública e parte dos profissionais interessados, bem como um número importante de membros do Parlamento, militam em favor da proibição pura e simples dos ß-agonistas e que as suas inquietudes não foram superadas pela aplicação de mecanismos de controlo, por mais eficazes que sejam do ponto de vista estritamente operacional. Verifica-se igualmente que, em muitos países da Comunidade, tinham sido lançadas no passado pelas associações de consumidores campanhas de informação que iam até ao apelo ao boicote das carnes com hormonas.

100.
    Nestas circunstâncias e tendo em conta a utilização crescente dos ß-agonistas para engorda artificial do gado, não poderá entender-se que o Conselho agiu com erro manifesto de apreciação ao considerar que apenas a medida de proibição geral podia restabelecer a confiança dos consumidores.

101.
    Aliás, o argumento da prática tradicional da Comunidade em matéria de autorização de produtos farmacêuticos [v. preâmbulo da Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas, JO 1965, 22, p. 369 (EE 13 F1 p. 18), as Directivas 81/851 e 81/852/CEE do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes às normas e protocolos analíticos, tóxico-farmacológicos e clínicos em matéria de ensaios de medicamentos veterinários, JO L 317, p. 16, e o terceiro considerando do Regulamento n.° 2309/93] é irrelevante, dado que, no caso em apreço, não são de modo algumpostas em causa a inocuidade, a qualidade e a eficácia dos medicamentos veterinários das recorrentes quando utilizados em condições normais.

102.
    No que respeita, em quarto lugar, à proporcionalidade no sentido estrito do termo, isto é ponderação dos prejuízos causados aos direitos individuais e das vantagens criadas, em contrapartida, no interesse geral, deve salientar-se que a importância dos objectivos prosseguidos, isto é, a protecção da saúde pública e o restabelecimento da confiança dos consumidores é de molde a justificar consequências económicas negativas, ainda que consideráveis, para determinados operadores (v. acórdão FEDESA e o., já referido, n.° 17), e que a conservação da saúde pública deve primar sobre qualquer outra consideração (conclusões do advogado-geral Mischo no acórdão FEDESA e o., já referidas, p. I-4051), e, nomeadamente, as ligadas ao bem-estar dos animais e aos direitos de propriedade das recorrentes.

103.
    Quanto, mais especificamente, à incidência das medidas em causa nos interesses económicos das recorrentes, o Tribunal lembrou, no acórdão de 29 de Janeiro de 1998, Dubois/Conselho e Comissão (T-113/96, Colect., p. II-125, n.os 74 e 75), que, se o direito ao livre exercício das actividades profissionais faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, este princípio não constitui todavia uma prerrogativa absoluta, devendo antes ser considerado em relação com a sua função na sociedade. Por conseguinte, pode ser objecto de restrições desde que correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, face ao fim prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que atinja a própria substância do direito garantido (v., igualmente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1974, Nold/Comissão, 4/73, Colect., p. 491, n.° 14, de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973, n.° 78, e de 17 de Julho de 1997, Affish, C-183/95, Colect., p. I-4315, n.° 42).

104.
    No caso em apreço, a extinção dos AMM de que as recorrentes são titulares, consequência da aplicação da Directiva 96/22, não atinge a substância do direito de propriedade sobre os seus produtos e marcas.

105.
    Além disso, aquela extinção está limitada quer geográfica quer materialmente. Por um lado, as recorrentes nunca obtiveram nem sequer solicitaram AMM para os seus produtos à base de clenbuterol num certo número de Estados-Membros (Dinamarca, Finlândia, França, Grécia e Suécia: v. n.° 11 supra). Por outro lado, continuam a ser livres de comercializarem os referidos produtos fora da Comunidade e, nesta, para todos os fins terapêuticos não proibidos pela Directiva 96/22.

106.
    Deve sublinhar-se, a este respeito, que as recorrentes interpretam erradamente a Directiva 96/22 quando pretendem que esta determina, de facto, a proibição de toda administração de ß-agonistas para tratamento das perturbações respiratórias dos equídeos, em virtude de estes deverem ser considerados animais de rendimentoe que, por isso, estariam abrangidos pela proibição do artigo 2.°, alínea b), da mesma directiva. Esta interpretação, rejeitada tanto pela Comissão como pelo Conselho, é incompatível com os artigos 1.°, n.° 2, alínea b), e 4.°, n.° 1, alínea 2), da Directiva 96/22. Com efeito, deles resulta que a proibição da administração de ß-agonistas não abrange o tratamento das perturbações respiratórias dos equídeos não criados especificamente para a produção de carne. Além disso, o facto de os cavalos estarem incluídos na lista das espécies próprias para consumo humano, no sentido da Directiva 64/433/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio intracomunitário de carne fresca (JO 1964, 121, p. 2012), na versão alterada, é totalmente irrelevante para a presente questão.

107.
    Resulta também das indicações fornecidas pelas recorrentes em resposta a perguntas escritas do Tribunal que o volume de negócios total por elas realizados em matéria de venda de medicamentos veterinários com clenbuterol nos Estados-Membros (todos os usos e produtos incluídos) passou de 13 528 063 DM em 1995 para 12 283 756 em 1998, ou seja, sofreu uma baixa da ordem de 9,2%, equivalente a 1 244 307 DM. A relativa fraqueza desta baixa explica-se, segundo as recorrentes, pelo aumento da venda dos seus produtos à base de clenbuterol para equídeos.

108.
    Nas circunstâncias do caso em apreço, as restrições por esta forma impostas à valorização económica de produtos desenvolvidos pelas recorrentes há mais de 20 anos, que não estão protegidos por patente, não constitui um sacrifício desmedido ou intolerável face aos objectivos de interesse geral prosseguidos pelo legislador comunitário.

109.
    Resulta do conjunto das considerações que antecedem que o fundamento de violação do princípio da proporcionalidade não pode ser atendido.

Quanto ao segundo fundamento, violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima

Argumentos das recorrentes

110.
    Considerando legítima a sua expectativa de que o Conselho as não privasse do direito de comercializarem os medicamentos veterinários em causa, as recorrentes sustentam que as disposições impugnadas são contrárias aos princípios fundamentais de protecção da confiança legítima e da segurança jurídica.

111.
    Referem que, na verdade, as instituições comunitárias sempre salientaram que os únicos critérios válidos para determinar se um medicamento deve beneficiar de uma AMM são a qualidade, a inocuidade e a eficácia do produto (v. artigo 41.° da Directiva 81/851), tendo recusado, até ao presente, considerar outros elementos de tipo sócio-económico.

112.
    Também, no acórdão de 26 de Janeiro de 1984, Clin-Midy (301/82, Recueil p. 251, n.° 10), o Tribunal referiu que o Conselho, ao aprovar a Directiva 65/65, de 26 de Janeiro de 1965, já referida, quis limitar as possibilidades de recusa, suspensão ou retirada daquela autorização apenas por razões de saúde pública, expressamente previstas na directiva (v. igualmente acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1993, Pierrel, C-83/92, Colect., p. I-6419).

113.
    O mesmo é válido para os medicamentos veterinários. As recorrentes referem-se, em especial, aos sétimo e oitavos considerandos da Directiva 81/851, que indicam os casos em que a AMM é recusada, e ao terceiro considerando da Directiva 93/40/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, que altera as Directivas 81/851/CEE e 81/852/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos medicamentos veterinários (JO L 214, p. 31), segundo o qual um Estado-Membro apenas poderá recusar o reconhecimento da autorização emitida por outro se considerar que o produto em causa pode apresentar um risco para a saúde das pessoas ou dos animais ou para o meio-ambiente. Invocam também os artigos 5.° e 8.°-A da Directiva 81/851, na versão das Directivas 90/676 e 93/40, de 14 de Junho de 1993, já referida, prevendo este último que o risco para a saúde humana ou animal ou para o ambiente se avalia exclusivamente atenta a qualidade, a inocuidade e a eficácia dos produtos. Na réplica apresentada no processo T-152/96, as recorrentes reportam-se também a uma exposição proferida em Dezembro de 1995 pelo membro da Comissão Fischler e ao documento COM (93) 220 final da Comissão, em que esta instituição afirma que devia rejeitar uma alteração à sua proposta de directiva do Conselho que altera as Directiva 81/851 e 81/852, de 28 de Setembro de 1981, já referida, proposta pelo Parlamento em virtude de a alteração proposta ter criado, «no reexame quinquenal da autorização de um medicamento veterinário, conceitos pouco claros e que parecem afastar-se dos três critérios habituais da autorização (qualidade, segurança, eficácia)».

114.
    As recorrentes sustentam, por isso, que o Conselho desrespeitou o princípio da segurança jurídica na versão do adágio «patere legem quam ipse fecisti», ao afastar-se dos critérios habituais de autorização e ao aprovar as disposições impugnadas com a única preocupação de facilitar os controlos das autoridades nacionais competentes, quando nenhum motivo imperioso de interesse geral o exigia.

Apreciação do Tribunal

115.
    O princípio da segurança jurídica visa nomeadamente garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas abrangidas pelo direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C-63/93, Colect., p. I-569, n.° 20; acórdãos do Tribunal de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-1689, n.° 113, e de 17 de Fevereiro de 1998, Pharos/Comissão, T-105/96, Colect., p. II-285, n.° 63).

116.
    No caso em apreço, a Directiva 96/22 não permite dúvidas quanto ao direito a aplicar na sua execução. O fundamento de desrespeito do princípio da segurança jurídica deve, por isso, ser desatendido, por carecer de fundamento.

117.
    Quanto ao princípio da protecção da confiança legítima, pode ser invocado por qualquer particular em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito nascer expectativas fundadas (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de 15 de Dezembro de 1994, Unifruit Hellas/Comissão, T-489/93, Colect., p. II-1201, n.° 51). Deve, no entanto, recordar-se que os operadores económicos não podem depositar uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente, que pode ser alterada no âmbito do poder de apreciação das instituições comunitárias, em especial num domínio como o da organização comum de mercados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1982, Edeka Zentrale, 245/81, Colect., p. 2745, n.° 27, e de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre, C-350/88, Colect., p. I-395, n.° 33; acórdão do Tribunal de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./Conselho e Comissão, T-521/93, Colect., p. II-1707, n.° 55). Além disso, na falta de garantias precisas dadas pela administração, ninguém pode invocar a violação do princípio da protecção da confiança legítima (acórdãos Atlanta e o./Conselho e Comissão, já referidos, n.° 77, e Pharos/Comissão, também já referido, n.° 64).

118.
    No caso em apreço, os elementos avançados pelas recorrentes não podem constituir tais garantias. Dado que o Conselho se manteve nos limites do seu poder de apreciação, como o Tribunal concluiu no exame do primeiro fundamento, tinha o direito de impôr, para o futuro, uma proibição como a ora em causa (v. igualmente n.° 101 supra).

119.
    O fundamento de violação do princípio da protecção da confiança legítima não pode, por isso, ser atendido.

Quanto ao terceiro fundamento, violação do princípio da boa administração

Argumentos das recorrentes

120.
    As recorrentes sustentam que as instituições comunitárias violaram o princípio da boa administração (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1983, Lucchini/Comissão, 179/82, Colect., p. 3083) ao tomar, em 1996, uma medida assente no resultado de inquérito efectuado em 1990-1992, ou seja, numa altura em que os Estados-Membros ainda não tinham posto em execução a Directiva 90/676, sendo certo que a Comissão tinha salientado, na sua comunicação de 21 de Abril de 1993, já referida, que, após a aplicação da mencionada directiva, a situação tinha melhorado.

121.
    Segundo elas, as instituições comunitárias deviam ter-se esforçado por corrigir as faltas verificadas, em matéria de eficácia das medidas de controlo, no inquérito de 1990-1992, e proceder a novo inquérito para avaliar o efeito positivo dessasmedidas na situação do mercado, antes de tomar disposições tão radicais na directiva recorrida.

Apreciação do Tribunal

122.
    Deve salientar-se, antes de mais, que os resultados do inquérito realizado pela Comissão de 1990 a 1992, invocados no quinto considerando da Directiva 96/22, apenas constitui um dos elementos tidos em conta pelo Conselho na prática do acto recorrido. Mais especificamente, o Conselho teve igualmente em conta o parecer e a resolução do Parlamento, respectivamente de 19 de Abril de 1994 e de 18 de Janeiro de 1996, como se verifica no considerando dezasseis da Directiva 96/22.

123.
    O Conselho dispunha ainda de outras informações e, nomeadamente, dos resultados da conferência científica organizada pela Comissão, de 22 de Novembro de 1995, sobre os activadores de crescimento na produção de carne.

124.
    Aliás, as estatísticas referentes aos casos de intoxicação mostram que estes continuavam em 1994 e mesmo em 1996 (v. n.° 10, supra), pelo que a aplicação da Directiva 90/676 nos diversos Estados-Membros não tinha manifestamente resolvido todos os problemas de saúde pública ligados à utilização dos ß-agonistas para engorda de gado. Assim, admitindo mesmo que os processos de controlo, a nível nacional, da utilização dos ß-agonistas tivessem sido aperfeiçoados, em 1996, justificava-se ainda harmonizar, a nível comunitário, as disposições nacionais sobre a autorização destes produtos para melhorar não apenas o nível global de protecção da saúde humana mas também a livre circulação de carne e de produtos provenientes de animais a que tais substâncias foram administradas (v. artigos 7.°, 8.°, 10.° e 11.° da Directiva 96/22).

125.
    Nestas condições, o Conselho tinha o direito de decidir que a proibição era o meio mais adequado para proteger a saúde humana e apaziguar as inquietudes dos consumidores. O terceiro fundamento deve por isso ser desatendido.

Quanto ao quarto fundamento, violação do artigo 43.° do Tratado

Argumentos das partes

126.
    As recorrentes sustentam que, no caso em apreço, o Conselho não cumpriu a obrigação resultante do artigo 43.° do Tratado, nova consulta ao Parlamento sempre que o texto finalmente aprovado, considerado no seu conjunto, se afasta, na sua substância, daquele sobre que o Parlamento foi consultado, com excepção dos casos em que as modificações correspondem, na essência, às pretensões expressas pelo próprio Parlamento (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, C-388/92, Colect., p. I-2067).

127.
    As recorrentes afirmam, em primeiro lugar, que o texto sobre que o Parlamento foi consultado previa a criação de um regulamento e não de uma directiva, justificando-se esta escolha pela necessidade de garantir uma aplicação imediata e uniforme das proibições em vista. Ao dar posteriormente à proposta a forma de directiva, o Conselho alterou um elemento essencial.

128.
    As consequências da opção por uma directiva são várias, nomeadamente porque deixa uma margem de apreciação aos Estados-Membros. As recorrentes sustentam que o artigo 4.° da proposta inicial previa algumas excepções à proibição de administração dos ß-agonistas, aplicáveis no conjunto da União Europeia, ao passo que o artigo 4.° da Directiva 96/22 prevê apenas que os Estados-Membros podem autorizar, em determinadas circunstâncias, a administração de ß-agonistas a animais cuja carne e produtos se destinem a consumo humano. Não é garantido que todos os Estados-Membros apliquem, e de forma igual, esta faculdade. Da mesma forma, não existe certeza alguma quanto à homogeneidade das medidas de transposição em matéria de sanções (v. artigo 14.°, n.° 1, da Directiva 96/22), sendo certo que, na proposta apresentada ao Parlamento, se previa a aplicação a nível comunitário de modalidades precisas de aplicação do regulamento em projecto.

129.
    Em segundo lugar, sustentam as recorrentes que a proposta de regulamento inicial permitia a administração de ß-agonistas aos cavalos para tratamento de perturbações cardio-respiratórias, ao passo que, segundo elas, a Directiva 96/22, determina, de facto, a proibição de administrar ß-agonistas em tal caso.

Apreciação do Tribunal

130.
    Deve recordar-se que a consulta regular do Parlamento nos casos previstos no Tratado constitui formalidade essencial cujo não respeito determina a nulidade do acto em causa. A participação efectiva do Parlamento no processo legislativo da Comunidade, segundo o processo previsto no Tratado, constitui com efeito um elemento essencial do equilíbrio institucional por este pretendido. Tal competência constitui a expressão de um princípio democrático fundamental, a participação dos povos no exercício do poder por intermédio de uma assembleia representativa (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1997, Parlamento/Conselho, C-392/95, Colect., p. I-3213, n.° 14, e de 11 de Novembro de 1997, Eurotunel e o., C-408/95, Colect., p. I-6315, n.° 45).

131.
    Segundo jurisprudência constante, o dever de, nos casos previstos no Tratado, consultar o Parlamento no decurso do processo legislativo implica a exigência de nova consulta sempre que o texto finalmente aprovado, no seu conjunto, se afasta substancialmente do objecto da consulta anterior, com excepção dos casos em que as modificações correspondam, na essência, às pretensões formuladas pelo próprio Parlamento (v. acórdãos Parlamento/Conselho, já citado, n.° 15, e Eurotunel e o., também já citado, n.° 46).

132.
    No caso em apreço, o Parlamento foi consultado sobre uma proposta de regulamento ao passo que o texto finalmente adoptado, sem nova consulta, é uma directiva.

133.
    Todavia, esta modificação da forma do acto não determina qualquer alteração da própria substância do texto sobre que o Parlamento foi consultado, no sentido da jurisprudência acima citada e não foi, aliás, posta em causa pelo próprio Parlamento.

134.
    Com efeito, a proposta de regulamento submetida ao parecer do Parlamento previa o princípio da proibição da venda de ß-agonistas para administração a animais de qualquer espécie, salvo aos equídeos e animais carnívoros domésticos (artigo 2.°, n.° 2). No que respeita, mais especificamente, aos animais de exploração, a saber, os animais, incluindo os equídeos, criados numa exploração (artigo 1.°), a proposta de regulamento previa, nomeadamente, a proibição de lhes serem administrados ß-agonistas (artigo 3.°), salvo a possibilidade de os Estados-Membros autorizarem a administração daquelas substâncias aos equídeos para tratamento de perturbações cardio-respiratórias por veterinário ou sob sua responsabilidade directa (artigo 4.°, n.° 3).

135.
    A Directiva 96/22 prevê, por seu lado, o princípio da proibição da venda de substâncias ß-agonistas para administração a animais cuja carne e produtos se destinem a consumo humano para fins diversos dos previstos no artigo 4.°, n.° 2 (artigo 2.°, alínea b)). Os animais de exploração são nela definidos do mesmo modo que na proposta de regulamento (artigo 1.°) e sujeitos às mesmas proibições de administração de ß-agonistas (artigo 3.°). Por derrogação, os Estados-Membros podem autorizar a administração, para fins terapêuticos, de ß-agonistas por veterinário ou sob sua responsabilidade directa, por um lado, a equídeos, desde que tais produtos sejam utilizados em conformidade com as especificações do fabricante e, por outro, sob a forma de injeção para indução da tocólise nas vacas parturientes (artigo 4.°, n.° 1, alínea 2)). O tratamento terapêutico é definido, no caso dos equídeos criados para fins diversos da produção de carne, como a administração de substâncias ß-agonistas para tratamento de perturbações respiratórias e de indução da tocólise (artigo 1.°, n.° 2, alínea b)). Todavia, o tratamento terapêutico continua a ser proibido nos cavalos de rendimento (artigo 4.°, n.° 2).

136.
    Resulta, portanto, da comparação das disposições da proposta de regulamento e da Directiva 96/22 que a única verdadeira diferença consiste na faculdade dada aos Estados-Membros, pela segunda, de autorizarem a administração de ß-agonistas para indução da tocólise nas vacas parturientes. Ao invés, não existe diferença sensível no que respeita aos equídeos.

137.
    Ora, a inclusão na directiva de uma derrogação que visa a indução da tocólise nas vacas parturientes não constitui uma alteração substancial no sentido da jurisprudência referida.

138.
    Aliás, a própria proposta de regulamento deixa aos Estados-Membros a faculdade de preverem determinadas excepções ou derrogações à proibição de princípio (v. artigo 4.°), pelo que o argumento das recorrentes assente na diferença entre um regulamento e uma directiva não tem, no caso em apreço, pertinência.

139.
    Deve salientar-se ainda que nem a proposta de regulamento nem a Directiva 96/22 prevêem um regime uniforme de sanções a nível comunitário. A propósito, o Conselho conserva com razão que a harmonização das sanções nesta matéria é feita, mais precisamente, pelo Regulamento n.° 894/96, de 29 de Abril de 1996, já referido.

140.
    Por fim, o argumento das recorrentes de que todos os cavalos eram, de facto, abrangidos pela proibição imposta pela Directiva 96/22 foi já considerado inexacto pelo Tribunal (v. n.° 106, supra).

141.
    Do referido se conclui que o fundamento consistente em violação do artigo 43.° do Tratado não pode ser atendido.

142.
    Do conjunto das considerações que precedem resulta que os quatro fundamentos invocados pelas recorrentes em abono da ilegalidade da Directiva 96/22 devem ser desatendidos por serem infundados.

Quanto ao pedido de anulação formulado no processo T-125/96

143.
    Tendo os quatro fundamentos invocados pelas recorrentes em apoio do seu pedido de anulação da Directiva 96/22 sido desatendidos, este deve, de qualquer modo, ser considerado sem fundamento sem necessidade de conhecer da excepção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho.

Quanto ao pedido de indemnização formulado no processo T-125/96

144.
    As recorrentes consideram que a aprovação e aplicação das disposições da Directiva 96/22 objecto de recurso implicam responsabilidade extracontratual da Comunidade e pedem por isso a reparação do prejuízo que daí lhes advém.

145.
    Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade não contratual da Comunidade supõe a reunião de um conjunto de condições atinentes à ilegalidade do comportamento censurado, à realidade do dano e à existência de nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo invocado. Em matéria de responsabilidade decorrente de actos de natureza normativa, o comportamento censurado à Comunidade deve, além disso, constituir violação de uma norma superior de direito que protege os particulares. Se a instituição praticou o acto noexercício de um amplo poder de apreciação, como é o caso em matéria de política agrícola comum, aquela violação deve, além disso, ser suficientemente caracterizada, isto é, revestir carácter manifesto e grave (v., nomeadamente, acórdãos Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 81, de 9 de Dezembro de 1997, Quiller et Heusmann/Conselho e Comissão, T-195/94 e T-202/94, Colect., p. II-2247, n.os 48 e 49, e Pharos/Comissão, já referido, n.os 47 e 62).

146.
    No caso em apreço, verificou-se já, aquando do exame dos fundamentos invocados pelas recorrentes em abono da ilegalidade da Directiva 96/22, que esta não viola nenhuma das normas jurídicas referidas. Baseando-se o pedido de indemnização na pretensa violação de tais normas, deve, de qualquer modo, ser indeferido por carecer de fundamento, sem necessidade de apreciar a excepção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho.

Quanto ao pedido de anulação apresentado no processo T-152/96

Admissibilidade

Argumentos das partes

147.
    A recorrida interroga-se, a título liminar, sobre as razões que levaram a Boehringer a juntar-se à sua filial BI Vetmedica na interposição do presente recurso. Com efeito, não resulta da descrição por ela fornecida que Boehringer se tenha envolvido directamente na produção e comercialização de medicamentos veterinários com clenbuterol.

148.
    A recorrida sustenta, de seguida, que o recurso é inadmissível, por, em seu entender, as recorrentes não terem interesse em agir nem serem individual ou directamente abrangidas pela Regulamento n.° 1312/96.

149.
    A recorrida sustenta, em primeiro lugar, que o Regulamento n.° 1312/96 não ofende qualquer direito juridicamente protegido das recorrentes, nem as suas marcas registadas nem as suas patentes. Em especial, o regulamento recorrido não determina qualquer termo das autorizações de fabrico e comercialização do produto em causa, de que as recorrentes são detentoras, bem pelo contrário, tem por efeito mantê-las em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1997, fazendo constar o clenbuterol no anexo III do Regulamento n.° 2377/90. A Comissão sustenta, por conseguinte, que, após a publicação do Regulamento n.° 1312/96, as recorrentes continuam a ter inteira liberdade de continuarem as suas actividades de produção e comercialização do clenbuterol.

150.
    A recorrida sustenta, por outro lado, que os interesses que as recorrentes visam proteger não são afectados pelo Regulamento n.° 1312/96 mas pela Directiva 96/22, que limita o emprego terapêutico dos ß-agonistas nos moldes previstos no seuartigo 4.°, n.° 2. Em seu entender, as recorrentes não podem pedir a anulação de um acto nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), invocando pretensas repercussões de outro acto sobre a sua situação.

151.
    Em segundo lugar, a recorrida sustenta que as recorrentes não são directamente afectadas pelo Regulamento n.° 1312/96, visto que, em seu entender, constitui uma medida de aplicação geral que respeita a uma situação objectivamente avaliada.

152.
    O facto de as recorrentes deterem uma grande parte do mercado dos produtos à base de clenbuterol não permite, em si, distingui-las de outras pessoas igualmente afectadas pela medida em causa, tal como a Agraria. Além disso, não gozando o clenbuterol da protecção de patente, outras empresas poderão igualmente fabrica-lo e obter AMM, caso em que o regulamento lhes será aplicável ao mesmo título que às recorrentes. Assim, face ao regulamento recorrido, aquelas não se encontram numa situação que as caracterize em relação a qualquer outro operador económico (v. acórdão do Tribunal de 7 de Novembro de 1996, Roquette Frères/Conselho, T-298/94, Colect., p. II-1531, n.° 42).

153.
    A recorrida sustenta, em terceiro lugar, que as recorrentes não são directamente afectadas pelo Regulamento n.° 1312/96 por não existir nexo de causalidade entre este e o prejuízo pretensamente causado aos seus direitos. Com efeito, ao fixar LMR, o mencionado regulamento apenas afecta directamente os criadores e veterinários. Ao invés, apenas afecta a posição das recorrentes no mercado e a rentabilidade dos seus produtos de modo indirecto e hipotético.

154.
    Por fim, a recorrida considera que as recorrentes, que, na realidade, pretendem a anulação do Regulamento n.° 1312/96 por não fixar LMR para o tratamento das doenças respiratórias dos bovinos, deviam ter proposto uma acção por omissão nos termos do artigo 175.° do Tratado CE (actual artigo 232.° CE).

155.
    O Conselho e a SKV apoiam, em substância, os argumentos desenvolvidos pela Comissão.

156.
    Quanto a saber se as recorrentes são individualmente afectadas, a SKV sustenta, em especial, que o facto de terem obtido autorização para venda de determinados medicamentos veterinários com clenbuterol não basta para lhes conferir determinados direitos específicos que as caracterizem relativamente a outras pessoas que podem também obter aquelas autorizações. Em especial, as recorrentes não se encontram na situação, muito excepcional, da recorrente no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho (C-309/89, Colect., p. I-1853).

157.
    As recorrentes sustentam que o seu recurso do Regulamento n.° 1312/96 é admissível uma vez que tem por objectivo contestar medidas que as afectam e lhes dizem directa e individualmente respeito.

Apreciação do Tribunal

- Quanto ao interesse da BI Vetmedica em agir

158.
    Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso, nos termos do artigo 173.° do Tratado, medidas que produzam efeitos jurídicos obrigatórios que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (v., nomeadamente, despacho do Tribunal de 16 de Julho de 1998, Ca'Pasta/Comissão, T-274/97, Colect., p. II-2927, n.° 24).

159.
    No caso em apreço, as disposições do Regulamento n.° 1312/96 objecto de recurso produzem efeitos daquela natureza relativamente à BI Vetmedica dado que, atenta a regulamentação em vigor (v. artigo 14.° do Regulamento n.° 2377/90), a limitação da validade dos LMR para o clenbuterol a determinadas indicações terapêuticas especificadas equivale à proibição da utilização deste produto para qualquer outra indicação terapêutica e, por isso, à retirada parcial dos AMM de que esta recorrente dispõe num determinado número de Estados-Membros.

160.
    É igualmente de desatender o argumento da Comissão de que os interesses da BI Vetmedica são afectados pela Directiva 96/22 e não pelo Regulamento n.° 1312/96. Como efeito, segundo a tese da própria Comissão, o Regulamento n.° 1312/96 produz efeitos jurídicos independentes dos da Directiva 96/22. Como, a justo título, a BI Vetmedica salienta, as disposições do referido regulamento, na medida em que restringem a validade dos LMR que prevêem a determinadas indicações terapêuticas especificadas, continuariam, aliás, a afectar a sua situação jurídica, mesmo em caso de anulação, revogação ou não transposição da Directiva 96/22. Deve acrescentar-se que o Regulamento n.° 1312/96 entrou em vigor no sexagésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, 9 de Julho de 1996, ao passo que a data limite imposta aos Estados-Membros para transposição, para direito interno, da Directiva 96/22 é 1 de Julho de 1997. Segue-se que a BI Vetmedica tem interesse distinto em obter a anulação do Regulamento n.° 1312/96.

- Sobre a questão de saber se a BI Vetmedica é individualmente afectada

161.
    Nos termos do quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito. Segundo jurisprudência constante, o critério de distinção entre um regulamento e uma directiva deve ser procurado no alcance geral ou não do acto em causa. Um acto terá alcance geral se for aplicável a situações determinadas objectivamente e produzir efeitos jurídicos relativamente a categorias de pessoas visadas de forma geral e abstracta (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, CNPAAP/Conselho, C-87/95 P, Colect., p. I-2003, n.° 33; acórdãos do Tribunal de10 de Julho de 1996, Weber/Comissão, T-482/93, Colect., p. II-609, n.° 55, e de 8 de Julho de 1999, Eridania e o./Conselho, T-158/95, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54).

162.
    No caso em apreço, o Regulamento n.° 1312/96 fixa LMR provisórios para o clenbuterol, restringindo simultaneamente a validade destes a determinadas indicações terapêuticas especificadas. Estas disposições aplicam-se a situações determinadas objectivamente e produzem efeitos jurídicos relativamente a categorias de pessoas visadas de forma genérica e abstracta, a saber, as empresas farmacêuticas que produzam clenbuterol, bem como os prescritores e utilizadores destas substâncias. Por isso, o Regulamento n.° 1312/96 reveste, pela sua natureza e alcance, carácter normativo, não constituindo uma decisão no sentido do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE).

163.
    Não se exclui, todavia, que uma disposição que, pela sua natureza e alcance, tenha carácter geral possa dizer individualmente respeito a uma pessoa singular ou colectiva quando a atinja em virtude de determinadas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que a caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e, por isso, a individualiza de forma análoga à que caracterizaria o destinatário de uma decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Buralux e o./Conselho, C-209/94 P, Colect., p. I-615, n.° 25; acórdãos do Tribunal de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T-135/96, Colect., p. II-2335, n.° 69, e Eridania e o./Conselho, já referido, n.° 56).

164.
    Há portanto que verificar se, no caso em apreço, a BI Vetmedica é atingida pelo regulamento litigioso em virtude de determinadas qualidades que lhe são próprias ou se existe uma situação de facto que a caracteriza, quanto ao presente regulamento, em relação a qualquer outra pessoa.

165.
    A este respeito, deve salientar-se que o Regulamento n.° 1312/96 foi aprovado na sequência de pedido formal de fixação de LMR para o clenbuterol apresentado pela BI Vetmedica (v. n.° 36 supra) e com base no seu processo, nos termos das disposições do Regulamento n.° 2377/90. Este último prevê, além disso, expressamente, a associação da BI Vetmedica, enquanto responsável pela comercialização dos medicamentos veterinários em causa, ao processo de fixação dos LMR (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de 27 de Abril de 1995, CCE da Société générale des grandes sources e o./Comissão, T-96/92, Colect., p. II-1213, n.os 30 e 31, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Fevereiro de 1998, Comité de empresa da Société française de production e o./Comissão, T-189/97, Colect., p. II-335, n.os 36 e 37). Assim, foi-lhe comunicado o projecto de medidas a tomar e o CMV tinha o direito de pedir informações complementares (v. n.° 32 supra).

166.
    Deve acrescentar-se que, se a inclusão de uma substância num dos anexos do Regulamento n.° 2377/90, a pedido do responsável pela sua comercialização, toma a forma de regulamento (v. artigo 8.° n.° 3 do referido regulamento), a recusa dopedido reveste, quanto a ele, a forma de uma decisão na prática da Comissão [v., nomeadamente, a Decisão C(96) 1374 final da Comissão de 22 de Maio de 1996, que indefere o pedido da sociedade Lilly Industries Ltd de inclusão do somidobove, uma somatotropina bovina de recombinação (BST), no anexo II do Regulamento n.° 2377/90].

167.
    Ora, no acórdão de 25 de Junho de 1998, Lilly Industries/Comissão (T-120/96, Colect., p. II-2571, a seguir «acórdão Lilly»), o Tribunal decidiu que a recorrente tinha legitimidade para atacar uma tal decisão, não obstante a jurisprudência do Tribunal de Justiça de que, se um particular pedir à Comissão para fazer um regulamento e se esta se recusar, a decisão negativa que exprime essa recusa deve ser considerada, para efeitos da anulação, como um acto normativo de carácter geral, ainda que a recusa apenas tenha por destinatário a pessoa em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Março de 1972, Nordgetreide/Comissão, 42/71, Colect., p. 105, de 17 de Maio de 1990, Sonito e o./Comissão, C-87/89, Colect., p. I-1981, e de 24 de Novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C-15/91 e C-108/91, Colect., p. I-6061). O Tribunal considerou, efectivamente, (no n.° 59 do acórdão Lilly) que este processo divergia dos que deram azo à jurisprudência de que a Comissão não tinha um poder discricionário para decidir da oportunidade de proceder ou não à elaboração de um regulamento, devendo proferir decisão sobre o pedido, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 2377/90.

168.
    Deve reconhecer-se que o responsável pela comercialização, que apresentou um pedido de fixação de LMR é tão abrangido pelas disposições de um regulamento que sujeita a validade dos LMR a determinados limites, como no caso em apreço, como o seria por uma recusa.

169.
    A BI Vetmedica demonstrou, assim, a existência de um conjunto de elementos constitutivos de uma situação específica que a caracteriza, face à medida em causa, relativamente a qualquer outro operador económico e pode, por isso, ser considerada como individualmente atingida por esta medida.

- Sobre a questão de saber se BI Vetmedica é directamente atingida

170.
    Decorre da jurisprudência do tribunal de Justiça que a existência de nexo directo supõe que a medida comunitária produza directamente efeitos na situação jurídica do particular e que não deixa qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, por ter carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária sem aplicação de outras normas intermediárias (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Glencore Grain/Comissão, C-404/96 P, Colect., p. I-2435, n.° 41).

171.
    Estas condições estão reunidas no caso em apreço uma vez que o regulamento recorrido não necessita de qualquer medida de transposição para direito nacional e se impõe directamente a todos os operadores abrangidos.

172.
    Aliás, não pode aceitar-se o argumento da Comissão de que as recorrentes deveriam ter proposto a acção por omissão em vez de interporem recurso de anulação. Resulta efectivamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 185.° do Tratado visa a omissão por abstenção de decisão ou de tomada de posição e não a prática de acto diferente daquele que os interessados tenham desejado ou considerado necessário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1971, Deutscher Komponistenverband/Comissão, 8/71, Colect., p. 705, n.° 2, e Nordgetreide/Comissão, já referido; despacho do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1991, Control Union/Comissão, C-250/90, Colect., p. I-3585, n.° 16).

173.
    Do conjunto das considerações que precedem resulta que o recurso da BI Vetmedica é admissível.

- Quanto a legitimidade para agir de Boehringer

174.
    É verdade que a Boehringer, que se juntou «na medida do necessário» (v., p. 2 da petição) ao recurso interposto pela sua filial BI Vetmedica, não produz nem comercializa qualquer dos medicamentos veterinários abrangidos pelo Regulamento n.° 1312/96.

175.
    Todavia, tratando-se de um único e mesmo recurso, não há que verificar se tem qualidade para agir, uma vez que o recurso interposto pela BI Vetmedica é, de qualquer modo, admissível, como resulta das considerações que antecedem (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p; I-1215, n.° 31; acórdãos do Tribunal de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T-435/93, Colect., p. II-1281, n.° 72, e de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94, Colect., p. II-3141, n.° 61).

Quanto ao fundo

Argumentos das partes

176.
    Na petição, as recorrentes invocam dois fundamentos em apoio do recurso por elas interposto do Regulamento n.° 1312/96. O primeiro consiste em ingerência ilegal no exercício dos seus direitos de propriedade e de livre exercício de uma actividade profissional ou comercial, o segundo, em insuficiência de fundamentação. Estes dois fundamentos são suportados por uma mesma excepção, a de ilegalidade da Directiva 96/22, que retiraria base e fundamentação jurídicas adequadas à limitação imposta pelo Regulamento n.° 1312/96 à validade dos LMR estabelecidos para o clenbuterol.

177.
    Na sua intervenção, a FEDESA sustenta, além disso, que, ao limitar a validade dos LMR para o medicamento veterinário a determinadas indicações terapêuticas específicas, a Comissão excedeu o poder que lhe é conferido pelo Regulamento n.° 2377/90, que não prevê aquela possibilidade.

178.
    Respondendo a este argumento, a Comissão sustenta, na sua defesa, que tinha de ter em conta as proibições de comercialização e de utilização, bem como as excepções constantes da Directiva 96/22.

179.
    Convidadas pelo Tribunal a pronunciaram-se sobre as consequências que deverão ser tiradas, no primeiro recurso, do acórdão Lilly, as recorrentes invocaram, em substância, na resposta de 28 de Abril de 1989, argumento idêntico ao apresentado pela FEDESA na sua intervenção. Quanto à comissão, sustentou, nomeadamente, na resposta de 28 de Abril de 1999, que o acórdão Lilly não tinha qualquer pertinência para efeitos do presente caso e, por outro, que, no recurso que interpuseram, as recorrentes não invocaram qualquer fundamento de violação do Regulamento n.° 2377/90.

Apreciação do Tribunal

180.
    Foi acima decido que os diversos argumentos invocados pelas recorrentes para demonstrar a ilegalidade da Directiva 96/22 não podem ser atendidos. Por consequência, a excepção de ilegalidade por elas suscitada deve, de qualquer modo, ser indeferida por carecer de fundamento, sem necessidade de apreciar a inadmissibilidade da referida excepção, suscitada pela Comissão e pelo Conselho.

181.
    Os dois fundamentos em que as recorrentes apoiam o recurso do Regulamento n.° 1312/96 devem por isso também eles ser desatendidos, por carecerem de fundamento uma vez que se baseiam na pretensa ilegalidade da Directiva 96/22.

182.
    Resta, no entanto, examinar se a Comissão excedeu o poder que lhe confere o Regulamento n.° 2377/90, ao limitar a validade dos LMR de um medicamento veterinário a certas indicações terapêuticas específicas, como sustentam a FEDESA no seu escrito de intervenção e as recorrentes em respostas às perguntas escritas do Tribunal.

183.
    Esta argumentação não pode considerar-se inadmissível porque não foi inicialmente utilizada pelas recorrentes. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância que o terceiro parágrafo do artigo 37.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e o n.° 3 do artigo 116.° do Regulamento de Processo não impedem que a interveniente apresente novos argumentos ou argumentos diferentes dos da parte que apoia, desde que não alterem o quadro do litígio e a intervenção continue a ter como objectivo o apoio dos pedidos apresentados por esta última (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/AltaAutoridade, 30/59, Recueil pp. 1, 37, e de 8 de Julho de 1999, Chemie Linz/Comissão, C-245/92 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32; acórdãos do Tribunal de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 21, e de 25 de Março de 1999, Forges de Clabecq/Comissão, T-37/97, ainda não publicado na Colectânea, n.° 92).

184.
    No caso ora em apreço, a argumentação desenvolvida pela FEDESA não altera o quadro do litígio tal como é definido na petição de recurso. Com efeito, supondo demonstrada a existência do excesso do poder defendido nesta argumentação, dele resultaria necessariamente uma ingerência legal no exercício dos direitos de propriedade e do livre exercício de uma actividade profissional ou comercial das recorrentes, como sustentam no seu primeiro fundamento de anulação. Esta argumentação incide, por isso, sobre os fundamentos invocados por estas pelo que deve ser apreciada pelo Tribunal.

185.
    Para ajuizar do bem fundado da referida argumentação há que lembrar que a administração de medicamentos veterinários a animais produtores de alimentos pode determinar a presença de resíduos de substâncias farmacologicamente activas nos produtos alimentares obtidos a partir dos animais tratados (v. primeiro considerando do Regulamento n.° 2377/90). A regulamentação comunitária prevê por isso, para protecção da saúde pública, um processo de fixação dos LMR admissíveis para esses medicamentos (v. segundo considerando do Regulamento n.° 2377/90). Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 1.° do Regulamento n.° 2377/90 este LMR é definido da seguinte forma:

«a concentração máxima de resíduos resultante da utilização de um medicamento veterinário (expresso em mg/kg ou mg/kg de peso fresco) que a Comunidade pode aceitar como legalmente autorizada ou que é reconhecida como aceitável à superfície ou no interior de um alimento.

Este limite baseia-se no tipo e quantidade de resíduos que se considera não apresentarem qualquer risco de toxicidade para a saúde humana nos termos expressos pela dose diária aceitável (DDA) ou com base numa DDA temporária com um factor de segurança adicional. Atende também a outros riscos pertinentes para a saúde pública, bem como a aspectos de tecnologia alimentar».

186.
    Resulta dos artigos 2.° a 7.° do Regulamento n.° 2377/90 que o processo de fixação de LMR, eventualmente provisórios, para uma substância farmacologicamente activa depende unicamente de saber se os resíduos da substância em causa, no nível proposto, constituem um risco para a saúde do consumidor.

187.
    Ao invés, o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2377/90 não subordina a inclusão de uma substância num dos anexos I a III do mesmo regulamento à condição de o produto que contém aquela substância poder ser directamente utilizado e comercializado.

188.
    A este propósito, o Tribunal decidiu já, no acórdão Lilly, que o processo de fixação de um LMR nos termos do Regulamento n.° 2377/90 é autónomo e distinto dos processo de concessão dos AMM previstos na Directiva 81/851 e no Regulamento n.° 2309/93 (v. n.° 88 do acórdão Lilly).

189.
    O Tribunal salientou igualmente (no n.° 89 do acórdão Lilly) que estas duas últimas regulamentações, que regem respectivamente a emissão das autorizações nacionais e comunitárias de comercialização de medicamentos veterinários, prevêm expressamente a recusa de uma AMM para um produto quando a sua utilização for proibida por outras disposições de direito comunitário (v. artigos 11.°, primeiro parágrafo, n.° 3, da Directiva 81/851, e 33.°, primeiro parágrafo, n.° 3, do Regulamento n.° 2309/93).

190.
    Pelo contrário, o Regulamento n.° 2377/90 não contém qualquer disposição que autorize a Comissão a ter em conta a proibição de comercialização para recusar a fixação de um LMR (n.° 90 do acórdão Lilly).

191.
    O Tribunal concluiu (no n.° 92 do acórdão Lilly) que a Comissão não podia legalmente basear a recusa da fixação de um LMR para o somidobove, uma somatotropina bovina de recombinação (BST), na existência da moratória sobre a BST.

192.
    Igualmente, no caso em apreço, no quadro do processo de fixação de um LMR para o clenbuterol, nos termos do Regulamento 2377/90, a Comissão não podia legalmente basear a limitação da validade deste LMR nas disposições da Directiva 96/22.

193.
    Esta consideração não é afectada pela circunstância de, à semelhança do Regulamento n.° 2377/90, a Directiva 96/22 ter por objectivo a protecção da saúde pública, ao passo que, no processo em que foi proferido o acórdão Lilly, a moratória sobre a BST tinha sido instituída por razões de natureza sócio-económica. Efectivamente, ao salientar incidentalmente esta circunstância, no n.° 91 do acórdão Lilly, o Tribunal não pretendeu dar como assente a existência de uma derrogação implícita ao princípio enunciado no n.° 90 do acórdão.

194.
    A este propósito deve sublinhar-se, uma vez mais, que o processo de fixação do LMR previsto no Regulamento n.° 2377/90 é estritamente limitado à determinação do limiar abaixo do qual os resíduos de um dado produto, presentes dentro ou sobre os produtos alimentares, podem considerar-se sem qualquer perigo para a saúde pública. Se as instituições considerarem não obstante ter outras razões para proibir a comercialização do produto em causa, cabe-lhes agir pela via adequada, como, no caso em apreço, a elaboração da Directiva 96/22.

195.
    A propósito, o artigo 15.° do Regulamento n.° 2377/90 dispõe que não prejudica de modo algum a aplicação da regulamentação comunitária que proíbe a utilização,na criação de animais, de determinadas substâncias de efeito hormonal e que nenhuma das suas disposições prejudica as medidas tomadas pelos Estados-Membros para impedir a utilização não autorizada de medicamentos veterinários. Assim, a limitação estabelecida pelo Regulamento n.° 1312/96 em causa não era de modo algum necessária para garantir ou preservar o efeito útil da Directiva 96/22, uma vez que aquele regulamento não podia, em caso algum, prejudicar as medidas tomadas pelos Estados-Membros para implementação da mesma directiva.

196.
    Forçoso é concluir, aliás, que nenhuma disposição do Regulamento n.° 2377/90 autoriza a Comissão a limitar a determinadas indicações terapêuticas os LMR de um medicamento veterinário autorizado nos alimentos de origem animal. Tal limitação não poderá também ser justificada pelas exigências de defesa da saúde pública que subentendem o Regulamento n.° 2377/90. As referidas exigências limitam-se a determinar o limiar máximo admissível de concentração de resíduos de uma substância nos alimentos destinados ao consumo humano, qualquer que seja a indicação terapêutica para a qual a referida substância foi prescrita. Aliás, os resíduos de uma substância farmacologicamente activa presentes nos alimentos de origem animal não são mais ou menos perigosos para a saúde, até um certo nível de concentração, conforme a referida substância haja sido administrada para tal ou tal indicação terapêutica. Donde se conclui que o LMR para uma dada substância farmacologicamente activa não pode ser determinado em função das propriedades ou indicações terapêuticas, por vezes múltiplas, da mesma substância (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1999, Standley e o., C-293/97, p. I-2603, n.° 34).

197.
    Deve acrescentar-se que o Regulamento n.° 1312/96 prejudica as medidas tomadas pelos Estados-Membros para impedirem a utilização não autorizada de medicamentos veterinários, contra o disposto no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 2377/90, uma vez que os limites de validade dos LMR para o clenbuterol que impõe subsistiriam, mesmo no caso de anulação, de revogação ou de alteração das disposições pertinentes da Directiva 96/22.

198.
    Resulta do que antecede que, ao limitar a validade dos LMR estabelecidos para o clenbuterol a determinadas indicações terapêuticas específicas para os bovinos e os equídeos no Regulamento n.° 1312/96, a Comissão excedeu os poderes que lhe cabem a título do Regulamento n.° 2377/90.

199.
    Deve, por conseguinte, ser anulado o Regulamento n.° 1312/96, em conformidade com o pedido das recorrentes, na medida em que restringe a validade dos LMR que estabelece para o clenbuterol a determinadas indicações terapêuticas específicas para os bovinos e equídeos.

Quanto às despesas

200.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Nos termos do n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode repartir livremente as despesas ou decidir que cada parte suportará as suas se forem vencidas, respectivamente, num ou vários dos seus pedidos. Tendo sido negado provimento ao recurso T- 125/96 e indeferida a excepção de ilegalidade suscitada no processo T-152/96, o Tribunal fará justa aplicação daquelas disposições relativamente às recorrentes ao decidir que suportarão, no processo T-125/96, as despesas do Conselho bem como as despesas próprias e, no processo T-152/96, metade das despesas próprias. Neste último processo, a Comissão suportará, além das suas despesas, metade das despesas das recorrentes.

201.
    O Reino Unido, a Comissão e o Conselho suportarão as despesas por eles realizadas enquanto intervenientes, nos termos do primeiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo.

202.
    A interveniente FEDESA suportará as despesas decorrentes da sua intervenção no processo T-125/96 e metade das despesas em que incorreu no processo T-152/96, ficando a outra metade a cargo da Comissão.

203.
    Quanto à interveniente SKV, o Tribunal considera que será feita justa aplicação do segundo parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo deixando a cargo desta interveniente as suas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)    Ordenar a apensação dos processos T-125/96 e T-152/96 para efeitos do presente acórdão.

2)    Anular o Regulamento (CE) n.° 1312/96 da Comissão, de 8 de Julho de 1996, que altera o anexo III do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal, na medida em que restringe a validade dos LMR que estabelece para o clenbuterol a determinadas indicações terapêuticas específicas para os bovinos e os equídeos.

3)    É negado provimento aos recursos no mais.

4)    No processo T-125/96, as recorrentes e a FEDESA, no que respeita à sua intervenção, são condenadas a suportar cada uma as suas despesas bemcomo as despesas do Conselho. O Reino Unido, a Comissão e a SKV suportarão cada uma as suas despesas.

5)    No processo T-152/96, a Comissão suportará, além das suas despesas, metade das despesas das recorrentes e da FEDESA, ficando a outra metade a cargo destas. O Conselho e a SKV suportarão cada um as suas despesas.

Potocki
Bellamy
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Dezembro de 1999

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Potocki


1: Língua do processo: inglês.