Language of document : ECLI:EU:T:2007:317

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

25 de Outubro de 2007 (*)

«Acordos, decisões e práticas concertadas – Produtores de varões para betão – Decisão em que se declara existir uma infracção ao artigo 65.° CA – Decisão baseada no Tratado CECA após o termo de vigência do referido Tratado – Incompetência da Comissão»

Nos processos apensos T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03,

SP SpA, com sede em Brescia (Itália), representada por G. Belotti e N. Pisani, advogados,

recorrente no processo T‑27/03,

Leali SpA, com sede em Odolo (Itália), representada por G. Vezzoli e G. Belotti, advogados,

recorrente no processo T‑46/03,

Acciaierie e Ferriere Leali Luigi SpA, com sede em Brescia, representada por G. Vezzoli, G. Belotti, E. Piromalli e C. Carmignani, advogados,

recorrente no processo T‑58/03,

Industrie Riunite Odolesi SpA (IRO), com sede em Odolo, representada por A. Giardina, advogado,

recorrente no processo T‑79/03,

Lucchini SpA, com sede em Milão (Itália), representada inicialmente por A. Santa Maria e C. Biscaretti di Ruffia, e em seguida por M. Delfino, M. van der Woude, S. Fontanelli e P. Sorvillo, advogados,

recorrente no processo T‑80/03,

Ferriera Valsabbia SpA, com sede em Odolo,

Valsabbia Investimenti SpA, com sede em Odolo,

representadas por D. Fosselard e P. Fattori, advogados,

recorrentes no processo T‑97/03,

Alfa Acciai SpA, com sede em Brescia, representada por D. Fosselard, P. Fattori e G. d’Andria, advogados,

recorrente no processo T‑98/03,

apoiadas por

República Italiana, representada por I. Braguglia e M. Fiorilli, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por L. Pignataro‑Nolin e A. Whelan, na qualidade de agentes, assistidos, nos processos T‑27/03 e T‑58/03, por M. Moretto e, nos processos T‑79/03, T‑97/03 e T‑98/03, por P. Manzini, advogados,

recorrida,

que têm por objecto pedidos de declaração de inexistência e pedidos de anulação total ou parcial da Decisão C (2002) 5087 final da Comissão, de 17 de Dezembro de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° CA (COMP/37.956 – Varões para betão),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção alargada),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. E. Martins Ribeiro, F. Dehousse, D. Šváby e K. Jürimäe, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Disposições do Tratado CECA

1        O artigo 36.° CA dispõe:

«Antes de aplicar uma das sanções pecuniárias ou uma das adstrições previstas no presente Tratado, a Comissão deve dar oportunidade ao interessado de apresentar as suas observações.

[…]»

2        O artigo 47.° CA enuncia:

«A Comissão pode recolher as informações necessárias ao desempenho das suas atribuições e mandar proceder às averiguações necessárias.

[…]»

3        O artigo 65.° CA prevê:

«1.      São proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que, no mercado comum, tendam directa ou indirectamente a impedir, restringir ou falsear o funcionamento normal da concorrência e que, em especial, tendam a:

a)      Fixar ou determinar os preços;

b)      Restringir ou controlar a produção, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c)      Repartir os mercados, os produtos, os clientes ou as fontes de abastecimento.

2.      A Comissão autorizará, contudo, para determinados produtos, acordos de especialização ou acordos de compra ou de venda comum, se considerar [preenchidas determinadas condições] […]

3.      A Comissão pode obter, nos termos do artigo 47.°, todas as informações necessárias à aplicação do presente artigo, quer por meio de pedido especial dirigido aos interessados, quer por meio de regulamento que defina a natureza dos acordos, decisões ou práticas que lhe devam ser comunicados.

4.      Os acordos ou decisões proibidos pelo n.° 1 do presente artigo são nulos, não podendo ser invocados perante qualquer órgão jurisdicional dos Estados‑Membros.

Sem prejuízo do direito de recorrer ao Tribunal, a Comissão tem competência exclusiva para se pronunciar sobre a conformidade dos referidos acordos ou decisões com as disposições do presente artigo.

5.      [A Comissão] pode aplicar multas e adstrições às empresas que tenham concluído um acordo nulo, que tenham aplicado ou tentado aplicar, através de arbitragem, pena convencional, boicote, ou qualquer outro meio, um acordo ou uma decisão nulos ou um acordo cuja aprovação tenha sido recusada ou revogada, ou que tenham obtido o benefício de uma autorização por meio de informações conscientemente falsas ou deturpadas, ou que se tenham dedicado a práticas contrárias às disposições do n.° 1; o montante máximo destas multas e adstrições não pode exceder o dobro do volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objecto do acordo, da decisão ou da prática contrários às disposições do presente artigo; todavia, se o objectivo do acordo, da decisão ou da prática consistir em restringir a produção, o desenvolvimento técnico ou os investimentos, aquele montante máximo pode ser aumentado até 10% do volume de negócios anual das empresas em causa, no que respeita às multas, e até 20% do volume de negócios diário, no que respeita às adstrições.»

4        Em conformidade com o artigo 97.° CA, o Tratado CECA caducou em 23 de Julho de 2002.

 Comunicação da Comissão relativa a certos aspectos do tratamento dos processos de concorrência decorrentes do termo de vigência do Tratado CECA

5        Em 18 de Junho de 2002, a Comissão adoptou uma comunicação relativa a certos aspectos do tratamento dos processos de concorrência decorrentes do termo de vigência do Tratado CECA (JO C 152, p. 5, a seguir «comunicação de 18 de Junho de 2002»).

6        O ponto 2 da comunicação de 18 de Junho de 2002 precisa os seus objectivos:

«–      [...] apresentar um resumo destinado aos operadores económicos e aos Estados‑Membros, na medida em que sejam afectados pelo Tratado CECA e pela legislação derivada dele decorrente, das alterações mais importantes relativas às regras materiais e processuais aplicáveis, na sequência da transição para o regime do Tratado CE,

−      [...] explicar a forma como a Comissão tenciona abordar as questões específicas suscitadas pela transição do regime CECA para o regime CE, nas áreas antitrust [...], do controlo das operações de concentração [...] e do controlo dos auxílios estatais».

7        O ponto 31 da comunicação de 18 de Junho de 2002, que figura na secção consagrada aos problemas específicos colocados pela transição do regime CECA para o regime CE, tem a seguinte redacção:

«Se a Comissão identificar, ao aplicar as regras comunitárias de concorrência a acordos, uma infracção num domínio abrangido pelo Tratado CECA, o direito material aplicável será, independentemente da data de aplicação, o direito vigente no momento em que ocorreram os factos constitutivos da infracção. De qualquer forma, no que se refere aos aspectos processuais, a legislação aplicável após o termo de vigência do Tratado CECA será a legislação CE [...]»

 Procedimento administrativo

8        De Outubro a Dezembro de 2000, a Comissão efectuou averiguações, em conformidade com o disposto no artigo 47.° CA, junto das empresas italianas produtoras de varões para betão e junto de uma associação de empresas siderúrgicas italianas. Dirigiu‑lhes também pedidos de informações, nos termos do artigo 47.° CA.

9        Em 26 de Março de 2002, a Comissão deu início ao procedimento administrativo, tendo formulado acusações nos termos do artigo 36.° CA. As recorrentes nos presentes processos figuram entre os destinatários da comunicação de acusações.

10      As recorrentes apresentaram observações escritas relativas à comunicação de acusações. Todas as recorrentes, com excepção da recorrente no processo T‑80/03, pediram para expor oralmente o respectivo ponto de vista. Para esse efeito, o conselheiro‑auditor organizou uma audição em 13 de Junho de 2002.

11      Em 12 de Agosto de 2002, a Comissão formulou acusações suplementares dirigidas aos destinatários da comunicação de acusações inicial. Nessa comunicação de acusações suplementar, baseada no artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), a Comissão explicou a sua posição relativamente à tramitação do processo após o termo de vigência do Tratado CECA.

12      As recorrentes apresentaram observações escritas relativas à comunicação de acusações suplementar. Em 30 de Setembro de 2002, procedeu‑se a uma segunda audição na presença dos representantes dos Estados‑Membros.

 Decisão impugnada

13      Em 17 de Dezembro de 2002, a Comissão adoptou a Decisão C (2002) 5087 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° CA (COMP/37.956 – Varões para betão, a seguir «decisão impugnada»).

14      O preâmbulo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e, nomeadamente, o seu artigo 65.°,

Tendo em conta as informações que foram comunicadas à Comissão e as averiguações efectuadas nos termos do artigo 47.° CA por agentes da Comissão,

Tendo em conta as observações escritas e orais apresentadas nos termos do artigo 36.° CA, em nome e por conta das partes,

Após consulta do Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes,

[…]»

15      Quanto às consequências jurídicas do termo de vigência do Tratado CECA, a Comissão tomou como base, em primeiro lugar, no considerando 331 da decisão impugnada, o n.° 31 da comunicação de 18 de Junho de 2002.

16      Seguidamente, a Comissão analisou, nos considerandos 333 a 344 da decisão impugnada, a questão de saber se a aplicação do artigo 65.° CA aos comportamentos em causa não podia ser contestada com base no princípio da lex mitior.

17      Recordou, para esse efeito, no considerando 335 da decisão impugnada, que «as duas disposições do Tratado CECA que, em teoria, poderiam ser qualificadas de menos favoráveis [eram, por um lado,] o artigo 65.°, n.° 1, CA, na medida em que não exig[ia] (ao contrário do artigo 81.°, n.° 1, CE), para que exista uma infracção, que a prática restritiva da concorrência possa afectar o comércio entre os Estados‑Membros […] e [, por outro,] o artigo 65.°, n.° 5, CA, na medida em que prev[ia] a possibilidade de aplicação de coimas cujo montante máximo não pod[ia] exceder o dobro do volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objecto do acordo (esta possibilidade não [se encontrava], ao invés, prevista, no âmbito do direito CE, no artigo 15.° do Regulamento n.° 17) […]»

18      Após ter declarado, nos considerandos 337 a 341 da decisão impugnada, que o acordo objecto da decisão impugnada podia afectar o comércio entre os Estados‑Membros, a Comissão indicou, no considerando 343 da referida decisão, que «[tinha] notificado formalmente as partes de que […] não tinha intenção de aplicar a nenhuma empresa uma coima superior a 10% do volume de negócios anual realizado com os produtos CECA no território da União Europeia» e que «[t]al limite máximo (previsto, de qualquer modo, no artigo 65.°, n.° 5, CA para os acordos que, como no caso vertente, têm também por objecto restringir a produção) [era], além disso, mais favorável às empresas do que o previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 17, de 6 de Fevereiro de 1962, que fixa o limite máximo em 10% do volume de negócios anual realizado com todos os produtos a nível mundial».

19      Concluiu, no considerando 344 da decisão impugnada, que, «in concreto, a aplicação do Tratado CE não seria mais favorável e que, consequentemente, mesmo que se considerasse ser possível aplicar o princípio da lex mitior, este princípio não poderia, de qualquer forma, ser invocado para contestar a aplicação do direito substantivo CECA aos comportamentos imputados aos destinatários da presente decisão».

20      Quanto à sua competência para aplicar as regras de concorrência do Tratado CECA após o termo de vigência deste, a Comissão explicou nos considerandos 348 a 352 da decisão impugnada:

«348       […] o Tratado CE e o Tratado CECA pertencem à mesma ordem jurídica, a ordem jurídica comunitária, no âmbito da qual este último Tratado constituiu, até 23 de Julho de 2002, uma lex specialis. Isto significa que, em princípio, a partir de 24 de Julho de 2002, os sectores anteriormente compreendidos no âmbito do Tratado CECA, das suas disposições processuais e da legislação derivada estão sujeitos às normas correspondentes que decorrem do Tratado CE, que constitui, com efeito, o regime geral.

349      Cabe recordar que, em 8 de Abril de 1965, os Estados‑Membros concluíram um Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias. Importa igualmente recordar que o artigo 3.° [UE] estabelece que ‘[a] União dispõe de um quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das acções empreendidas para atingir os seus objectivos, respeitando e desenvolvendo simultaneamente o acervo comunitário’. Recorda‑se, por fim, que o artigo 305.°, n.° 1, CE dispõe que ‘[a]s disposições do presente Tratado não alteram as do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, designadamente no que diz respeito aos direitos e obrigações dos Estados‑Membros, aos poderes das instituições dessa Comunidade e às regras fixadas por esse Tratado para o funcionamento do mercado comum do carvão e do aço’.

350      As consequências do termo da lex specialis devem, contudo, ser especificadas em relação à aplicação de disposições que autorizam a Comissão a aplicar sanções. Em tal caso, justifica‑se a aplicação da lei substantiva em vigor no momento em que se verificam os factos, devendo manter‑se a aplicação das regras processuais adoptadas desde então.

351      Com a comunicação de 18 de Junho de 2002, a Comissão não quis, e nunca pôde, estabelecer normas transitórias. Limitou‑se simplesmente a explicar ex ante, num espírito de transparência, de que forma, com base nos princípios gerais do direito, decorreu a transição entre os dois Tratados.

352      Nesta perspectiva, a aplicação do Regulamento n.° 17 ao resto do processo está em conformidade com o princípio segundo o qual as regras processuais aplicáveis são aquelas em vigor no momento em que a medida em questão é adoptada. Nesta mesma perspectiva, não se considera necessário repetir a primeira audição na qual não participaram os representantes dos Estados‑Membros, visto que as regras processuais CECA em vigor nesse momento não previam uma tal participação. Além disso, como se sublinha no n.° 26 da comunicação [de 18 de Junho de 2002], deve considerar‑se que as medidas processuais validamente adoptadas com base nas disposições CECA preenchem, no termo de vigência do Tratado CECA, as condições das correspondentes medidas processuais previstas no Tratado CE. Importa também sublinhar que não existe nenhum vínculo formal entre as disposições respeitantes à participação dos Estados‑Membros numa audição [artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 2842/98 relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.° CE] e [82.° CE]] e as respeitantes à consulta do Comité Consultivo (artigo 10.°  do Regulamento n.° 17).»

21      Após ter analisado, nos considerandos 358 a 513 da decisão impugnada, a aplicabilidade do artigo 65.°, n.° 1, CA aos comportamentos das empresas e da associação de empresas aí mencionadas, a Comissão afirmou no considerando 514:

«Nos termos do artigo 65.°, n.° 2, CA, a Comissão autorizará acordos de especialização ou acordos de compra ou de venda comum ou acordos que sejam estritamente análogos, quanto à sua natureza e efeitos, se preencherem determinadas condições. O acordo restritivo descrito na presente decisão não pode ser autorizado, pois não corresponde aos tipos de acordo para os quais tal autorização pode ser concedida. Trata‑se, de facto, de um acordo relativo à fixação ou à determinação dos preços, à limitação ou ao controlo da produção e à repartição dos mercados. Além disso, não foi apresentado nenhum pedido para obter a autorização prevista por este artigo do Tratado CECA.»

22      No tocante à aplicabilidade do artigo 65.°, n.° 5, CA, a Comissão afirmou nos considerandos 515 a 518 da decisão impugnada:

«515      Nos termos do artigo 65.°, n.° 5, CA, a Comissão pode aplicar coimas às empresas que tenham concluído um acordo nulo, que tenham aplicado ou tentado aplicar um acordo ou uma decisão de uma associação de empresas nulos, ou que se tenham dedicado a práticas contrárias às disposições do n.° 1. A Comissão pode aplicar coimas cujo montante máximo não pode exceder o dobro do volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objecto do acordo, da decisão ou da prática contrários às disposições do artigo 65.°, n.° 1, CA; todavia, se o objectivo do acordo, da decisão ou da prática consistir em restringir a produção, o desenvolvimento técnico ou os investimentos, esse montante máximo pode ser aumentado até 10% do volume de negócios anual das empresas em causa.

516      A questão da participação de uma associação de empresas num processo por infracção às regras de concorrência do Tratado CECA já foi abordada na jurisprudência no processo ‘Eurofer’: ‘O artigo 65.°, n.° 1, do Tratado proíbe 'todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que, no mercado comum, tendam directa ou indirectamente a impedir, restringir ou falsear o funcionamento normal da concorrência'. Segundo o artigo 65.°, n.° 4, CA: ‘Os acordos ou decisões proibidos pelo n.° 1 do presente artigo são nulos, não podendo ser invocados perante qualquer órgão jurisdicional dos Estados‑Membros. Sem prejuízo do direito de recorrer ao Tribunal, a Comissão tem competência exclusiva para se pronunciar sobre a conformidade dos referidos acordos ou decisões com as disposições do presente artigo.’ Nos termos do artigo 65.°, n.° 5, CA, ‘a Comissão pode aplicar [coimas e sanções pecuniárias compulsórias] às empresas que tenham concluído um acordo nulo, que tenham aplicado ou tentado aplicar [...] um acordo ou uma decisão nulos [...] ou que se tenham dedicado a práticas contrárias às disposições do n.° 1 [...]’ Embora decorra efectivamente do artigo 65.°, n.° 5, CA que a uma associação de empresas não pode aplicar‑se [coima ou uma sanção pecuniária compulsória], nada na redacção do artigo 65.°, n.° 1, CA permite considerar que uma associação que adoptou uma decisão tendente a impedir, restringir ou falsear o funcionamento normal da concorrência não seja ela mesma visada pela proibição consagrada nessa disposição. Esta interpretação é confirmada tanto pela disposição do artigo 65.°, n.° 4, CA, que faz igualmente referência a tais decisões, como pelo acórdão Sorema/Alta Autoridade […], em que o Tribunal julgou no sentido de que o artigo 65.°, n.° 1, CA se aplica[va] igualmente às associações, na medida em que as suas actividades próprias ou as das empresas, que a elas aderem, tendem a produzir os efeitos que ele visa (Recueil, p. 317). Essa declaração é igualmente confirmada, segundo o Tribunal de Justiça, pelo artigo 48.° CA, que permite às associações exercer qualquer actividade que não seja contrária às disposições do referido Tratado. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, resulta igualmente do acórdão Sorema/Alta Autoridade, já referido, que uma associação de empresas na acepção do artigo 65.°, n.° 1, CA pode ser a destinatária de uma decisão que autorize um acordo a título do disposto no artigo 65.°, n.° 2, CA (v. Recueil, p. 317 a 322). Há, portanto, que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual uma associação de empresas, na acepção do artigo 65.°, n.° 1, CA, não pode infringir a proibição prevista por essa disposição.’

517      Daqui se infere que não se pode aplicar coimas a uma associação de empresas, podendo esta, em todo o caso, ser destinatária de uma decisão se houver certeza da sua participação na infracção […]

518      No que respeita às empresas, os elementos a tomar em consideração no cálculo da coima são, nomeadamente, a gravidade da infracção, a sua duração e as circunstâncias agravantes e atenuantes.»

23      O artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada dispõe o seguinte:

«[As onze empresas e a associação de empresas entre as quais constam as recorrentes] puseram em prática um acordo único, complexo e continuado, no mercado italiano de varões para betão em barras ou rolos, que tinha por objectivo ou efeito a fixação dos preços em função da qual também foi acordada a limitação ou o controlo da produção ou das vendas.

O referido acordo, pelo facto de ter por objecto restringir ou falsear o funcionamento normal da concorrência no mercado comum, é contrário ao artigo 65.°, n.° 1, CA.»

24      Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada, a participação no cartel durou de 6 de Dezembro de 1989 a 27 de Junho de 2000, para as recorrentes nos processos T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03 e T‑97/03, e de 6 de Dezembro de 1989 a 4 de Julho de 2000, para a recorrente no processo T‑98/03.

25      Resulta do artigo 2.° da decisão impugnada que foram aplicadas coimas às empresas referidas no artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, entre as quais constam as recorrentes, no montante total de 85,04 milhões de euros.

 Tramitação do processo

26      Por petições entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, entre 31 de Janeiro e 10 de Março de 2003, as recorrentes interpuseram os presentes recursos.

27      Através de requerimentos separados apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 e 15 de Maio de 2003, respectivamente, as recorrentes nos processos T‑79/03 e T‑46/03 apresentaram um pedido de suspensão da execução da decisão impugnada.

28      Por despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Agosto de 2003, IRO/Comissão (T‑79/03 R, Colect., p. II‑3027), e de 20 de Outubro de 2003, Leali/Comissão (T‑46/03 R, Colect., p. II‑4473), os pedidos de medidas provisórias foram julgados improcedentes e a decisão quanto às despesas foi reservada para final.

29      Em cada um dos processos, a República Italiana pediu, por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, em 16 de Junho de 2004, que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da recorrente.

30      Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Julho de 2004, foi admitida a intervenção da República Italiana em apoio dos pedidos da recorrente em cada um dos processos. A República Italiana apresentou as suas observações durante a fase oral com base no relatório de audiência, em conformidade com o disposto no artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

31      Mediante requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, em 18 de Outubro de 2005, a recorrente no processo T‑46/03 apresentou um novo pedido de suspensão da execução da decisão impugnada. Este pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 2006, Leali/Comissão (T‑46/03 R II, não publicado na Colectânea).

32      Em aplicação do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento de Processo e sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, ouvidas as partes em conformidade com o disposto no artigo 51.°, n.° 1, do referido regulamento, atribuir o processo a uma formação alargada.

33      Por despacho de 6 de Julho de 2006, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância ordenou, depois de ouvidas as partes, a apensação dos processos T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03 para efeitos da fase oral do processo e do acórdão.

34      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu, em primeiro lugar, ouvir as partes quanto ao fundamento relativo à incompetência da Comissão para adoptar a decisão impugnada. Colocou, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, uma questão escrita à Comissão, à qual esta respondeu no prazo fixado.

35      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência que se realizou em 19 de Setembro de 2006.

 Pedidos das partes

36      No processo T‑27/03, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal e quanto ao mérito, declarar inexistente e/ou nula ou, em qualquer caso, anular a decisão impugnada por incompetência, abuso e desvio de poder;

–        a título subsidiário e quanto ao mérito, anular a decisão impugnada, nomeadamente no que se refere à sanção, por erro na definição do mercado geográfico, falta de fundamentação, erro na aplicação do direito, improcedência das acusações imputadas, nomeadamente do ponto de vista da prova, violação do princípio da imparcialidade da acção administrativa e dos direitos de defesa;

–        a título ainda mais subsidiário e quanto ao mérito, anular a coima por não ser razoável e por insuficiência da instrução e da fundamentação ou, em qualquer caso, reduzir a sanção aplicada à recorrente, deduzindo desde logo o aumento de 225% para efeito dissuasivo e o aumento de 105% pelo tempo de duração, reduzindo proporcionalmente o montante de base em razão da prescrição, da menor gravidade da infracção, do carácter marginal da sua participação no cartel e das acusações que não lhe foram expressamente imputadas;

–        condenar a recorrida, em todo o caso, nas despesas da instância.

37      No processo T‑46/03, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima aplicada, tendo em conta a impossibilidade de lhe imputar as acusações formuladas contra a Acciaierie e Ferriere Leali Luigi SpA e tendo em conta a aplicação errada do aumento pela duração à totalidade da sanção de base, bem como as suas condições financeiras precárias e específicas;

–        condenar a Comissão nas despesas da presente instância.

38      No processo T‑58/03, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima aplicada, tendo em conta a impossibilidade de lhe imputar comportamentos postos em prática depois da sua liquidação, ou seja, durante o período compreendido entre 25 de Novembro e 4 de Dezembro de 1998, e tendo em conta a aplicação errada do aumento pela duração à totalidade da sanção de base, bem como as suas condições financeiras específicas;

–        condenar a Comissão nas despesas e honorários da presente instância.

39      No processo T‑79/03, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada por falta de poderes e manifesta incompetência da Comissão, na medida em que esta decisão foi adoptada com referência expressa a uma base jurídica inexistente e na falta de qualquer disposição que, após o termo de vigência do Tratado CECA, atribuísse à Comissão o poder de adoptar uma decisão nos termos do artigo 65.° CA;

–        anular a decisão por excesso de poder, por aplicação errada, contraditória e falsa do direito, na medida em que a Comissão recorreu, para efeitos da aplicação do artigo 65.° CA, às regras processuais previstas no Regulamento n.° 17, que são reservadas expressa e exclusivamente à aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, bem como por violação das disposições do referido regulamento relativas à função e aos limites da comunicação de acusações e à participação das autoridades nacionais, de onde resulta que o processo da Comissão é incompleto, incoerente e ilegal na sua totalidade;

–        anular a decisão por desvio de poder resultante da falta de instrução e de fundamentação insuficiente, o que tem como consequência a definição errada do mercado pertinente e o carácter contraditório e ilógico das condições e elementos constitutivos do alegado cartel;

–        a título subsidiário, anular a decisão impugnada por violação da lei resultante da falta de instrução, na parte da referida decisão em que é declarada responsável por um acordo anticoncorrencial no período compreendido entre 1989 e 1996, embora não exista qualquer elemento que demonstre a sua participação na actividade alegadamente ilícita; por conseguinte, reduzir proporcionalmente a coima que lhe é aplicada;

–        subsidiariamente, anular ou reduzir a coima que lhe foi aplicada na decisão impugnada por violação dos princípios da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima, da proporcionalidade e da adequação ao determinar a sanção;

–        condenar a Comissão nas despesas da instância.

40      No processo T‑80/03, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal, declarar a inexistência e/ou a nulidade e, em qualquer caso, anular a decisão impugnada que a condena, solidariamente com a SP SpA, anteriormente Siderpotenza SpA, no pagamento de uma coima de 16,14 milhões de euros por ter posto em prática, conjuntamente com outras empresas, um acordo único, complexo e continuado no mercado italiano de varões para betão em barras ou rolos que tinha por objectivo ou efeito a fixação dos preços em função da qual foi também acordada a limitação ou o controlo da produção ou das vendas, dado que o Tratado CECA já tinha caducado antes da adopção da decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular a decisão impugnada, nomeadamente no que respeita à sanção, por incompetência, desvio de poder e manifesto excesso de poder por parte da Comissão assim como por aplicação errada do artigo 65.° CA e por fundamentação insuficiente e/ou contraditória a seu respeito;

–        a título ainda mais subsidiário, reduzir a coima aplicada pela Comissão em função do seu volume de negócios, por aplicação errada do artigo 65.°, n.° 5, CA;

–        em todo o caso, condenar a Comissão nas despesas da presente instância.

41      Nos processos T‑97/03 e T‑98/03, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 1.° da decisão impugnada, na medida em que o referido artigo lhes diz respeito;

–        a título subsidiário, anular o artigo 1.° da decisão impugnada, na medida em que declara que participaram numa infracção antes de 13 de Fevereiro de 1996;

–        anular o artigo 2.° da decisão impugnada, na medida em que o referido artigo lhes diz respeito;

–        a título subsidiário, alterar o artigo 2.° da decisão impugnada de forma a anular ou reduzir substancialmente a coima aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas da instância.

42      Em todos os processos, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

43      Em apoio dos seus pedidos, todas as recorrentes invocam um fundamento relativo à incompetência da Comissão para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.° CA no momento da adopção da decisão impugnada.

44      Os diferentes argumentos apresentados no âmbito deste fundamento podem ser agrupados em quatro partes. A primeira parte, que é invocada em cada um dos processos, baseia‑se na falta de competência da Comissão para aplicar as regras de concorrência do Tratado CECA após o termo de vigência do referido Tratado. A segunda parte, suscitada nos processos T‑27/03, T‑46/03 e T‑58/03, diz respeito à ilegalidade da comunicação de 18 de Junho de 2002 na medida em que prorroga a aplicabilidade do artigo 65.° CA após o termo de vigência do Tratado CECA. A terceira parte, que é invocada nos processos T‑27/03, T‑79/03, T‑97/03 e T‑98/03, tem por objecto o prosseguimento ilegal do processo com base no Regulamento n.° 17 após o termo de vigência do Tratado CECA. A quarta parte, suscitada nos processos T‑46/03, T‑58/03, T‑97/03 e T‑98/03, diz respeito à violação do princípio da lex mitior. Importa examinar, desde logo, a primeira parte do presente fundamento.

 Argumentos das partes

45      Em cada um dos processos, a recorrente recorda que as acções da Comunidade devem assentar numa base jurídica precisa. As recorrentes salientam que a decisão impugnada se baseia unicamente em disposições do Tratado CECA, em particular no artigo 65.° Uma vez que, no momento da adopção da decisão impugnada, em 17 de Dezembro de 2002, o Tratado CECA já não fazia parte da ordem jurídica comunitária, este Tratado já não pode constituir a base jurídica da referida decisão.

46      As recorrentes explicam que, em conformidade com o disposto no artigo 97.° CA, a ordem jurídica instituída pelo Tratado CECA deixou de existir automática e totalmente em 23 de Julho de 2002. Uma vez extintas as normas de atribuição das suas competências, a Comissão não tinha, no momento da adopção da decisão impugnada, nenhuma competência para aplicar o artigo 65.° CA. O presente caso não diz respeito, portanto, à sucessão de leis no tempo no seio de uma única ordem jurídica, mas sim a um problema ligado ao termo de vigência de um Tratado e à extinção da ordem jurídica com ele relacionada.

47      Segundo as recorrentes, somente os Estados signatários do Tratado CECA podiam decidir, soberanamente, se, e em que condições, a Comunidade Europeia se podia sub‑rogar nos direitos, nas obrigações e nas prerrogativas da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). As recorrentes nos processos T‑27/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03 referem‑se neste sentido ao direito internacional, designadamente aos artigos 54.° e 70.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 788, p. 354). Os princípios de direito internacional constituem, com efeito, fontes de inspiração válidas para interpretar as disposições de direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, Colect., p. I‑6019, n.° 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho, T‑115/94, Colect., p. II‑39, n.os 89 a 95).

48      Neste contexto, as recorrentes nos processos T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03 e T‑80/03 afirmam, por um lado, que a Comissão declarou, na comunicação COM/2000/588 final, de 27 de Setembro de 2000, intitulada «O futuro do diálogo estruturado após o termo de vigência do Tratado CECA», que o «ponto de partida da reflexão [relativa ao termo de vigência do Tratado CECA] deve ser a vontade, expressa pelos Estados‑Membros, de não prorrogar o regime e os órgãos da CECA para além do prazo fixado no Tratado».

49      Por outro lado, todas as recorrentes mencionam um ou outro protocolo, decisão ou regulamento expressamente adoptados pelos Estados‑Membros ou pelo Conselho para regular as consequências do termo de vigência do Tratado CECA. Os actos em causa são os seguintes:

–        Protocolo relativo às consequências financeiras do termo de vigência do Tratado CECA e ao Fundo de Investigação do Carvão e do Aço, anexo ao Tratado de Nice, invocado pela recorrente no processo T‑79/03;

–        Decisão 2002/234/CECA dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, de 27 de Fevereiro de 2002, relativa às consequências financeiras da cessação de vigência do Tratado CECA e ao Fundo de Investigação do Carvão e do Aço (JO L 79, p. 42), invocada por todas as recorrentes;

–        Decisão 2002/595/CE dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, de 19 de Julho de 2002, sobre as consequências da caducidade do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) para os acordos internacionais celebrados pela CECA (JO L 194, p. 35), invocada pelas recorrentes nos processos T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03 e T‑80/03;

–        Regulamento (CE) n.° 963/2002 do Conselho, de 3 de Junho de 2002, que estabelece disposições transitórias relativas às medidas antidumping e anti‑subvenções adoptadas nos termos das Decisões n.° 2277/96/CECA e n.° 1889/98/CECA da Comissão, bem como os inquéritos, denúncias e pedidos em matéria antidumping e anti‑subvenções pendentes, em conformidade com aquelas decisões (JO L 149, p. 3), invocado pelas recorrentes nos processos T‑27/03, T‑79/03 e T‑80/03;

–        Regulamento (CE) n.° 1407/2002 do Conselho, de 23 de Julho de 2002, relativo aos auxílios estatais à indústria do carvão (JO L 205, p. 1), invocado pelas recorrentes nos processos T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03;

–        Regulamento (CE) n.° 1840/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Setembro de 2002, relativo ao prolongamento do sistema de estatísticas do aço da CECA após o termo de vigência do Tratado CECA (JO L 279, p. 1), invocado pela recorrente no processo T‑79/03;

–        Regulamento (CE) n.° 405/2003 do Conselho, de 27 de Fevereiro de 2003, relativo ao controlo comunitário das importações de carvão proveniente de países terceiros (JO L 62, p. 1), invocado pela recorrente no processo T‑79/03.

50      Em contrapartida, os Estados‑Membros não adoptaram nenhuma medida que prorrogasse as regras de concorrência instituídas pelo Tratado CECA ou que estabelecesse um regime transitório para elas. Na falta de uma decisão dos Estados signatários do Tratado CECA quanto à aplicabilidade do artigo 65.° CA após o termo de vigência do referido Tratado, a Comissão já não é competente para aplicar esta disposição. Por outras palavras, ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão prorrogou a validade do artigo 65.° CA, que já não estava em vigor, sem que existisse um acto jurídico que a autorizasse expressamente a agir desse modo.

51      As recorrentes nos processos T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03 insistem no facto de, não obstante a sua inspiração comum e a exigência de que a sua interpretação responda a critérios de coerência lógica, os Tratados CECA, CE e CEEA são Tratados distintos e autónomos que atribuem competências distintas e bem definidas às instituições comunitárias. Cada um dos Tratados, individualmente considerado, constitui um sistema completo e autónomo de normas, cujo cumprimento, realização e plena e completa execução decorrem num quadro que lhes é próprio. O artigo 3.° UE e o artigo 305.° CE são testemunhos do carácter autónomo dos diferentes Tratados.

52      Quanto ao argumento da Comissão relativo ao Tratado de 8 de Abril de 1965 que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias (a seguir «Tratado de fusão»), que entretanto foi revogado pelo artigo 9.° do Tratado de Amesterdão, as recorrentes nos processos T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03 sublinham que, apesar da fusão das instituições, as diferentes Comunidades se mantiveram separadas e distintas. A Comissão continuou a exercer competências distintas e a agir ao abrigo de poderes distintos consoante actuava no quadro de uma ou de outra Comunidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Agosto de 1994, França/Comissão, C‑327/91, Colect., p. I‑3641). É contraditório alegar que o domínio da concorrência passou automaticamente do regime do Tratado CECA para o regime do Tratado CE em virtude da alegada unicidade da ordem jurídica comunitária quando para outras diferentes matérias foi necessária uma decisão específica dos Estados‑Membros.

53      As recorrentes nos processos T‑46/03 e T‑58/03 contestam também, no que toca ao Tratado CECA, a qualificação de lex specialis (decisão impugnada, considerando 348) em relação ao Tratado CE, uma vez que o Tratado CECA foi assinado antes deste último. A jurisprudência a que se refere a Comissão na contestação não respeita de modo algum à hipótese do termo de vigência do Tratado CECA e não faz mais que confirmar que o Tratado CECA se destinava a regular unicamente o mercado siderúrgico, enquanto o Tratado CE regulava todos os outros sectores. Em todo o caso, se o Tratado CECA constituísse uma lex specialis em relação ao Tratado CE, o termo de vigência do Tratado CECA teria tido a consequência de a Comissão ter de aplicar o artigo 81.° CE na decisão impugnada.

54      No que respeita ao artigo 305.° CE, que, segundo a Comissão, confirma a natureza de lex specialis do Tratado CECA, as recorrentes nos processos T‑97/03 e T‑98/03 sustentam que se trata de uma cláusula de compatibilidade completa, específica do direito consuetudinário e codificada no artigo 30.°, n.° 2, da Convenção de Viena. O artigo 305.° CE pretende assim evitar que o Tratado posterior – o Tratado CE – prevaleça sobre o Tratado anterior – o Tratado CECA – nos sectores regulados por este último. Todavia, esta disposição não habilita a Comissão a aplicar o Tratado CECA após o seu termo de vigência.

55      A Comissão sustenta que o Tratado CE e o Tratado CECA fazem parte de uma única e mesma ordem jurídica, que é a ordem jurídica comunitária (parecer do Tribunal de Justiça 1/91, de 14 de Dezembro de 1991, Colect., p. I‑6079, n.° 21). Explica que, em razão do carácter único desta ordem jurídica, o juiz comunitário interpretou as disposições dos Tratados CECA e CEEA por referência às disposições do Tratado CE, com base em princípios comuns aos quais todos os Tratados comunitários aderem (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 1990, Busseni, C‑221/88, Colect., p. I‑495, n.os 16 e 21). Assim, o artigo 65.° CA foi interpretado coerentemente com o artigo 81.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1962, Geitling Ruhrkohlen‑Verkaufsgesellschaft e o./Alta Autoridade, 13/60, Colect. 1962‑1964, p. 47; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.os 262, 266 e 277).

56      O carácter único da ordem jurídica comunitária é, além disso, corroborado pela unicidade prevalecente a nível institucional. A Comissão refere‑se, para esse efeito, ao Tratado de fusão, ao artigo 1.°, terceiro parágrafo, UE, ao artigo 3.°, n.° 1, UE e aos artigos 48.° UE e 49.° UE.

57      A Comissão salienta que, no seio da ordem jurídica comunitária, o Tratado CECA constituía uma lex specialis que derrogava a lex generalis que é o Tratado CE. Refere‑se, para esse efeito, ao artigo 305.°, n.° 1, CE e à jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1985, Gerlach, 239/84, Recueil, p. 3507, n.os 9 a 11; parecer do Tribunal de Justiça 1/94, de 15 de Novembro de 1994, Colect., p. I‑5267, n.os 25 a 27; conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 1994, Banks, C‑128/92, Colect., pp. I‑1209, I‑1212, n.° 8; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 2001, ESF Elbe‑Stahlwerke Feralpi/Comissão, T‑6/99, Colect., p. II‑1523, n.° 102, e de 8 de Julho de 2003, Verband der freien Rohrwerke e o./Comissão, T‑374/00, Colect., p. II‑2275, n.° 68). A Comissão sustenta que, no termo de vigência da lex specialis, em 23 de Julho de 2002, a lex generalis constituída pelo Tratado CE recuperou plenamente a sua vis expansiva que o artigo 305.° CE tinha limitado durante todo o período de validade do Tratado CECA, de modo que os sectores que anteriormente eram abrangidos pelo Tratado CECA passaram a estar sujeitos, desde o termo de vigência do Tratado CECA, às normas correspondentes do Tratado CE. A este respeito, a Comissão refere‑se ao considerando 348 da decisão impugnada.

58      A remissão para o direito internacional, nomeadamente para os artigos 54.° e 70.° da Convenção de Viena, não tem em conta a natureza sui generis da ordem jurídica comunitária (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1964, Costa, 6/64, Colect. 1962‑1964, p. 549, e de 13 de Novembro de 1964, Comissão/Luxemburgo e Bélgica, 90/63 e 91/63, Recueil, p. 1217, Colect. 1962‑1964, p. 579). Devido à unicidade da ordem jurídica comunitária e da relação de lex specialis à lex generalis existente entre os Tratados CECA e CE, as consequências do termo de vigência do Tratado CECA não são reguladas por normas de direito internacional, devendo ser apreciadas à luz das disposições existentes no seio da ordem jurídica comunitária.

59      A jurisprudência referida pelas recorrentes para sustentar a sua argumentação, segundo a qual o direito internacional pode também ser aplicado no âmbito do direito comunitário, é desprovida de pertinência uma vez que diz respeito às relações entre a Comunidade e países terceiros e não a relações geradas no seio da ordem jurídica comunitária.

60      No termo de vigência do Tratado CECA, a transição entre o regime do Tratado CECA e o regime do Tratado CE em matéria de concorrência foi feita automaticamente com base no princípio da sucessão das normas no tempo no seio de uma mesma ordem jurídica. A este respeito, a Comissão recorda que as regras processuais são geralmente consideradas aplicáveis a todos os litígios pendentes no momento da sua entrada em vigor, diferentemente do que sucede com as regras substantivas, que são habitualmente interpretadas no sentido de que não visam as situações adquiridas anteriormente à sua entrada em vigor [acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1981, Salumi, 212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 9; de 6 de Julho de 1993, CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, C‑121/91 e C‑122/91, Colect., p. I‑3873, n.° 22; e de 7 de Setembro de 1999, De Haan, C‑61/98, Colect., p. I‑5003, n.° 13].

61      Em conformidade com estes princípios, a Comissão aplicou, após o termo de vigência do Tratado CECA, as regras processuais do Regulamento n.° 17. Quanto às disposições materiais, a decisão impugnada refere­‑se a um acordo posto em prática até 2000. A única disposição violada pelos destinatários da decisão impugnada foi assim o artigo 65.°, n.° 1, CA. Por outras palavras, o artigo 81.° CE não é mencionado na decisão impugnada pelo facto de o artigo 65.° CA constituir a disposição material em vigor à época em que se verificaram os comportamentos anticoncorrenciais. A Comissão sustenta ainda que o facto de um procedimento administrativo, com vista a aplicar o artigo 65.° CA a factos ocorridos quando o Tratado CECA estava em vigor, ter necessitado de prazos que ultrapassaram a duração do Tratado CECA não pode ter como consequência privar o artigo 65.° CA do seu efeito útil muito antes da data do termo de vigência do referido Tratado e tornar ineficaz a obrigação de não falsear a dinâmica concorrencial que o referido artigo impunha directamente a todos os operadores económicos.

62      A aplicação do artigo 65.° CA às infracções cometidas antes do termo de vigência do Tratado CECA é, portanto, a consequência lógica e coerente dos princípios que regem a sucessão das normas no tempo no seio de uma mesma ordem jurídica. A Comissão insiste no facto de poder legalmente adoptar a decisão impugnada, visto que, após o termo de vigência do Tratado CECA, continuou a ser o órgão competente nos termos do Tratado CE para aplicar as regras de concorrência. Sublinha também que se limitou a aplicar disposições do Tratado CECA que têm um equivalente evidente no Tratado CE. Além disso, o próprio Tribunal de Justiça continuou a aplicar o artigo 65.° CA, após o seu termo de vigência, a factos ocorridos durante o período em que estava ainda em vigor (v., a título de exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, International Power e o./NALOO, C‑172/01 P, C‑175/01 P, C‑176/01 P e C‑180/01 P, Colect., p. I‑11421, n.° 168, e de 2 de Outubro de 2003, Eurofer/Comissão, C‑179/99 P, Colect., p. I‑10725, n.os 22 a 26).

63      A comunicação sobre o futuro do diálogo estruturado após o termo de vigência do Tratado CECA tem por objecto comportamentos e situações que podem ocorrer após esse termo. Em contrapartida, a decisão impugnada limita­‑se a declarar a existência de uma infracção e a aplicar uma sanção por comportamentos que se verificaram quando o Tratado CECA estava plenamente em vigor.

64      No que diz respeito aos diferentes actos acima mencionados no n.° 49 em apoio da argumentação das recorrentes segundo a qual, na falta de uma decisão específica dos Estados‑Membros ou do Conselho, a Comissão já não tinha competência para aplicar o artigo 65.° CA após o termo de vigência do referido Tratado, a Comissão sustenta que a adopção da Decisão 2002/234 está relacionada com o facto de a transferência do património da CECA para a Comunidade Europeia não se poder fazer automaticamente na medida em que o Tratado CE não inclui nenhuma disposição pela qual a Comunidade Europeia se sub‑rogue automaticamente aos direitos e às obrigações patrimoniais da CECA. Na falta de uma decisão específica, os fundos da CECA revertem a favor dos Estados‑Membros na data do termo de vigência do Tratado CECA [v. primeiro considerando da Decisão 2002/234 e comunicação COM (2000) 518 final da Comissão, de 6 de Setembro de 2000]. A adopção de um acto ad hoc pelos Estados‑Membros, que em seguida se concretizou através do Protocolo C do Tratado de Nice, foi, portanto, necessária para realizar a transferência de fundos da CECA para a Comunidade Europeia. Em contrapartida, a protecção da concorrência nos sectores do carvão e do aço pertencentes à CECA passou automaticamente para o regime da Comunidade Europeia no termo da vigência do Tratado CECA, por efeito do fim do limite imposto pelo artigo 305.° CE à vis expansiva da lex generalis.

65      Quanto à Decisão 2002/595, a Comissão explica que a necessidade de regular as consequências do termo de vigência do Tratado CECA sobre os acordos internacionais por uma decisão específica dos Estados‑Membros nasceu, primeiramente, da vontade política de manter o regime «específico» previsto pelos referidos acordos para os produtos compreendidos no âmbito da CECA, mesmo após o termo de vigência do Tratado CECA, e, em segundo lugar, da impossibilidade de a Comunidade Europeia se proclamar automaticamente sucessora da CECA nas relações com os países terceiros com base nas disposições do Tratado CE, uma vez que estes últimos não podem estar vinculados por uma regra «interna» da ordem comunitária, tal como o artigo 305.° CE. A Decisão 2002/595 transferiu assim explicitamente para a Comunidade Europeia os direitos e obrigações da CECA nas relações com os países terceiros. O artigo 1.° da Decisão 2002/596/CE do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativa às consequências da cessação da vigência do Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) para os acordos internacionais celebrados pela CECA (JO L 194, p. 36), confirmou esta transferência. A Comissão acrescenta que, em conformidade com o disposto no artigo 2.° desta última decisão, estava obrigada a informar os países terceiros da referida transferência e a negociar, se necessário, as alterações a introduzir nos acordos.

66      No tocante ao argumento das recorrentes relativo ao Regulamento n.° 963/2002, a Comissão alega que a adopção deste regulamento se tornou necessária pelo facto de a gestão da política comercial da Comunidade Europeia se caracterizar por um processo decisório diferente do previsto no Tratado CECA. No primeiro caso, a competência é atribuída ao Conselho e, no segundo caso, à Comissão. Assim, em conformidade com o disposto no artigo 74.° CA e no artigo 14.° da Decisão n.° 2277/96/CECA da Comissão, de 28 de Novembro de 1996, relativa à defesa contra as importações que são objecto de dumping por parte de países não membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (JO L 308, p. 11), os direitos antidumping provisórios e definitivos foram impostos pela Comissão. Além disso, a adopção do Regulamento n.° 963/2002 encontra a sua razão de ser nas obrigações da Comunidade ao aplicar o artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT). As partes interessadas nos países terceiros tinham interesse em saber se o prazo máximo de dezoito meses para um processo antidumping não seria interrompido no momento do termo de vigência do Tratado CECA. Considerando que os países terceiros não podiam estar plenamente conscientes nem do alcance do artigo 305.° CE nem dos efeitos da aplicação do princípio da sucessão das leis no tempo, em particular tendo em conta a diferença institucional que existe entre os dois Tratados, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 963/2002. Em contrapartida, a identidade nos Tratados CECA e CE quanto ao órgão competente para adoptar as medidas necessárias à protecção da concorrência, ou seja, a Comissão, permitiu proceder à transição entre os dois Tratados com base nos princípios gerais do direito. Por último, a adopção do Regulamento n.° 963/2002 está relacionada com o facto de, contrariamente às decisões onde se declara a existência de infracções às regras de concorrência, as medidas antidumping previstas pelo Tratado CECA fixarem o regime futuro relativo aos produtos objecto de dumping e, por conseguinte, implicarem efeitos que se poderiam manifestar mesmo após o termo de vigência do Tratado CECA.

67      De igual modo, o Regulamento n.° 1840/2002, relativo ao prolongamento do sistema de estatísticas do aço da CECA após o termo de vigência do Tratado CECA, e o Regulamento n.° 405/2003, relativo ao controlo comunitário das importações de carvão proveniente de países terceiros, têm por objecto comportamentos e situações que se verificaram após o termo de vigência do Tratado CECA. Em contrapartida, a decisão impugnada limita‑se a declarar a existência de uma infracção e a aplicar uma sanção por um período durante o qual o Tratado CECA estava plenamente em vigor.

68      Quanto ao Regulamento n.° 1407/2002, a Comissão explica que este estabelece um regime de auxílios para os sectores abrangidos pela CECA apenas no âmbito do Tratado CE. Inclui regras materiais e processuais para a avaliação dos auxílios após o termo de vigência do Tratado CECA. O regime transitório do artigo 14.°, n.° 2, aplicável até 31 de Dezembro de 2002, foi previsto a fim de evitar a aplicação sucessiva, num mesmo ano, de dois regimes de auxílios – o da Decisão n.° 3632/93/CECA da Comissão, de 28 de Dezembro de 1993, relativa ao regime comunitário das intervenções dos Estados‑Membros a favor da indústria do carvão (JO L 329, p. 12), até 23 de Julho de 2002, e o do Regulamento n.° 1407/2002 depois desta data –, situação que podia criar dificuldades para as empresas.

69      Por último, a Comissão afirma ser sempre competente para declarar a existência de infracções ao artigo 65.° CA, desde que estas não tenham prescrito.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 Observações preliminares

70      Importa recordar desde logo que os Tratados comunitários instituíram uma nova ordem jurídica em cujo benefício os Estados limitaram, em domínios cada vez mais vastos, os seus direitos soberanos e cujos sujeitos são não apenas os Estados‑Membros mas também os seus nacionais (parecer do Tribunal de Justiça 1/91, já referido no n.° 55 supra, n.° 21).

71      No seio desta ordem jurídica comunitária, as instituições apenas dispõem de competências de atribuição (parecer do Tribunal de Justiça 2/00, de 6 de Dezembro de 2001, Colect., p. I‑9713, n.° 5; acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2001, Parlamento/Conselho, C‑93/00, Colect., p. I‑10119, n.° 39). Por esta razão, os actos comunitários mencionam no seu preâmbulo o fundamento jurídico que habilita a instituição em causa a actuar no domínio em questão. A escolha do fundamento jurídico adequado reveste uma importância de natureza constitucional (parecer do Tribunal de Justiça 2/00, já referido, n.° 5).

72      No caso em apreço, a decisão impugnada, que foi adoptada num momento em que o Tratado CECA tinha já caducado, identifica uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e aplica às empresas que alegadamente violaram esta disposição uma coima. À luz dos argumentos invocados no âmbito do presente fundamento, cabe identificar, em primeiro lugar, a base jurídica sobre a qual assenta a decisão impugnada. Em segundo lugar, examinar‑se‑á se a base jurídica utilizada conferia competência à Comissão para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para a sancionar no momento da adopção da decisão impugnada.

 Quanto à base jurídica sobre a qual assenta a decisão impugnada

73      Deve observar‑se que o preâmbulo da decisão impugnada apenas inclui referências a disposições do Tratado CECA, ou seja, aos artigos 65.° CA, 47.° CA e 36.° CA.

74      Importa recordar, por um lado, que o artigo 47.° CA habilita a Comissão a recolher as informações necessárias ao desempenho das suas atribuições e a mandar proceder às averiguações necessárias e, por outro, que o artigo 36.° CA obriga a Comissão a ouvir as partes interessadas antes de aplicar sanções pecuniárias ou fixar sanções pecuniárias compulsórias. As referências a essas disposições no preâmbulo da decisão impugnada dizem respeito, assim, aos actos processuais anteriores à adopção da decisão impugnada.

75      Quanto ao artigo 65.° CA, deve observar‑se que não só inclui uma disposição material dirigida às empresas e às associações de empresas proibindo determinados comportamentos anticoncorrenciais (n.° 1) mas também fornece uma base jurídica à acção da Comissão. Com efeito, o artigo 65.°, n.° 4, CA habilita a Comissão a declarar a existência de infracções ao artigo 65.°, n.° 1, CA. Além disso, o artigo 65.°, n.° 5, CA autoriza a Comissão a aplicar coimas às empresas que violaram o artigo 65.°, n.° 1, CA.

76      Atendendo às disposições mencionadas no preâmbulo, há que considerar que a decisão impugnada, que declara a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e que aplica coimas às empresas que alegadamente violaram esta disposição, tem como base jurídica o artigo 65.°, n.° 4, CA para a declaração da existência da infracção e o artigo 65.°, n.° 5, CA para a aplicação da coima. A Comissão, aliás, reconheceu na audiência que a referência ao artigo 65.° CA no preâmbulo da decisão impugnada se referia aos n.os 4 e 5 dessa disposição.

77      No entanto, na audiência, a Comissão sustentou que a decisão impugnada tinha igualmente como base jurídica o Regulamento n.° 17.

78      A este respeito, deve recordar‑se que o Regulamento n.° 17, que foi entretanto revogado pelo artigo 43.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003, L 1, p. 1), confere, no artigo 3.°, competência à Comissão para declarar a existência de infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE e, no artigo 15.°, n.° 2, competência a essa mesma instituição para impor coimas às empresas e às associações de empresas que tiverem participado em tais infracções.

79      É necessário observar que nem o preâmbulo nem a fundamentação da decisão impugnada fazem qualquer referência a uma base jurídica constituída pelo artigo 3.° ou pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. As únicas referências ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, incluídas nos considerandos 335 e 343 da decisão impugnada, dizem respeito à discussão sobre a lex mitior a fim de justificar, no presente caso, a aplicação do artigo 65.°, n.° 5, CA e não do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

80      Na audiência, a Comissão, de início, qualificou a omissão de uma referência ao Regulamento n.° 17 no preâmbulo da decisão impugnada de erro material e, depois, de erro formal ou ainda de erro de escrita. Em seguida, explicou que a decisão impugnada devia ser lida à luz da segunda comunicação de acusações, de 12 de Agosto de 2002, que se baseava no Regulamento n.° 17. Finalmente, em resposta a uma questão do Tribunal, a Comissão identificou as passagens da decisão impugnada que, segundo ela, demonstram que a decisão impugnada se baseia no artigo 3.° e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Trata‑se, por um lado, da menção do Comité Consultivo no preâmbulo e, por outro, dos considerandos 335, 342, 343, 345, 346, 348 a 350, 352 e 353 da decisão impugnada.

81      Por conseguinte, há que verificar se os elementos identificados no número precedente fazem prova bastante de que a Comissão baseou também a decisão impugnada no artigo 3.° e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, não obstante a omissão de referências expressas neste sentido na decisão impugnada.

82      Em primeiro lugar, importa recordar que, após ter sido interrogada sobre este ponto na audiência, a Comissão reconheceu que as afirmações constantes dos diferentes considerandos acima mencionados no n.° 80 diziam respeito ao direito substantivo (considerandos 335, 342 e 343) ou processual (considerandos 352 e 353) aplicáveis e não especificamente à sua competência para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para a punir após o termo de vigência do Tratado CECA. Em seguida, reconheceu que os considerandos 345 e 346 se limitam a reproduzir a argumentação desenvolvida pelas recorrentes no decurso do procedimento administrativo.

83      Em segundo lugar, quanto aos considerandos 348 e 349 da decisão impugnada, é necessário observar que estes incluem referências gerais à lex specialis, ao Tratado de fusão e ao artigo 305.° CE, mas não incluem qualquer indicação de que a decisão impugnada se baseie no artigo 3.° e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

84      Em terceiro lugar, a referência ao Comité Consultivo no preâmbulo constitui uma referência a uma fase processual prevista no artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 e confirma, por conseguinte, que a Comissão aplicou as regras processuais do Regulamento n.° 17 após o termo de vigência do Tratado CECA, enquanto as referências aos artigos 36.° CA e 47.° CA no mesmo preâmbulo confirmam que, antes do termo de vigência do Tratado CECA, são as regras processuais do Tratado CECA que foram aplicadas.

85      No entanto, a referência ao Comité Consultivo não indica de modo algum que a Comissão tenha também baseado a sua competência, no presente caso, no artigo 3.° e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, a única indicação no preâmbulo relativa à base jurídica utilizada pela Comissão para declarar a existência da infracção em causa e para a punir é constituída pelo artigo 65.° CA. Cumpre recordar para este efeito que a Comissão reconheceu na audiência que a referência ao artigo 65.° CA do preâmbulo se referia ao n.° 4, para a declaração da existência da infracção, e ao n.° 5, para a aplicação da coima.

86      Em quarto lugar, na audiência, a Comissão insistiu, em particular, na primeira frase do considerando 350, que, no seu entender, demonstra de forma implícita, mas certa, que a decisão impugnada se baseia no artigo 3.° e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

87      Importa recordar para esse efeito que o considerando 350 da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«As consequências do termo da lex specialis devem, contudo, ser especificadas em relação à aplicação de disposições que autorizam a Comissão a aplicar sanções. Em tal caso, justifica‑se a aplicação da lei substantiva em vigor no momento em que se verificam os factos, devendo manter‑se a aplicação das regras processuais adoptadas desde então.»

88      Há que observar desde logo que o considerando 350 da decisão impugnada só diz respeito à competência da Comissão para aplicar coimas. Com efeito, a primeira frase do considerando 350 só se refere às «disposições que autorizam a Comissão a aplicar sanções». A segunda frase do referido considerando, que deveria explicar melhor a competência da Comissão à luz do termo de vigência da lex specialis, não esclarece quais são «as disposições que autorizam a Comissão a aplicar sanções». Menciona unicamente a lei substantiva e as regras processuais aplicáveis, não abordando de todo a questão da competência da Comissão para «aplicar sanções».

89      A decisão impugnada não esclarece, portanto, no considerando 350 quais são «as disposições que autorizam a Comissão a aplicar sanções». Lida isoladamente, a primeira frase do considerando 350 poderia referir‑se ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 ou ao artigo 65.°, n.° 5, CA.

90      No entanto, quando o considerando 350 da decisão impugnada é lido em conjugação com a secção 8 da decisão impugnada, que respeita à imposição da coima e que se intitula «Aplicabilidade do artigo 65.°, n.° 5, CA», resulta claramente que a Comissão baseou a sua competência para aplicar coimas no presente caso no artigo 65.°, n.° 5, CA. Assim, o considerando 515 recorda que, «[n]os termos do artigo 65.°, n.° 5, CA, a Comissão pode aplicar multas às empresas [em causa]».

91      Além disso, resulta também claramente dos considerandos 515 a 518 que a decisão impugnada se baseia exclusivamente no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA. Com efeito, o n.° 4 é citado literalmente no considerando 516 para explicar que a Comissão é competente para declarar que a Federacciai, uma associação de empresas, cometeu uma infracção, mas que não tem competência, em conformidade com o disposto no artigo 65.°, n.° 5, CA, para lhe aplicar uma coima. Com efeito, o artigo 65.°, n.° 5, CA confere unicamente competência à Comissão para aplicar coimas a empresas e não a associações de empresas. Se, conforme alega a Comissão, a decisão impugnada se baseasse no Regulamento n.° 17, uma tal apreciação jurídica seria desprovida de pertinência. Com efeito, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não faz qualquer distinção entre empresas e associações de empresas no que respeita à competência da Comissão para aplicar coimas.

92      De igual modo, a secção 7 da decisão impugnada, intitulada «Inaplicabilidade do artigo 65.°, n.° 2, CA», contém um outro indício de que a Comissão baseou a decisão impugnada no artigo 65.° CA e não nas disposições do Regulamento n.° 17. Assim, no considerando 514 da decisão impugnada, a Comissão analisou a questão de saber se podia autorizar o acordo objecto da decisão impugnada, em conformidade com o disposto no artigo 65.°, n.° 2, CA. Ora, a Comissão não fez qualquer referência ao artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, que lhe confere a competência para conceder isenções, tendo baseado a sua competência unicamente no artigo 65.°, n.° 2, CA.

93      Em quinto lugar, quanto à leitura da decisão impugnada à luz da segunda comunicação de acusações de 12 de Agosto de 2002, deve observar‑se que a Comissão aí afirma ter dado início a um novo processo com base no Regulamento n.° 17, referindo‑se, além disso, expressamente ao artigo 3.° do referido regulamento (comunicação de acusações suplementar, n.° 2).

94      No entanto, este elemento não é suficiente enquanto tal para declarar que a base jurídica da decisão impugnada é constituída pelo artigo 3.° e pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Pelo contrário, importa considerar que a omissão de qualquer referência ao artigo 3.° e ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 no preâmbulo da decisão impugnada, bem como a omissão de qualquer referência a essas disposições na sua fundamentação, são antes uma opção deliberada da Comissão. Com efeito, não se pode admitir, nas circunstâncias do caso em apreço, que a Comissão, após ter lançado um debate com as recorrentes sobre o recurso controvertido ao Regulamento n.° 17 como base jurídica por meio de uma comunicação de acusações suplementar, se tenha simplesmente esquecido de mencionar esta base jurídica na decisão impugnada.

95      Em sexto lugar, esta leitura da decisão impugnada é corroborada pelo facto de, nos presentes processos, quatro das sete recorrentes, a saber, as recorrentes nos processos T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03 e T‑80/03, terem claramente fundamentado a sua petição na premissa de que a decisão impugnada se baseava no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA. Apenas duas recorrentes, ou seja, as nos processos T‑97/03 e T‑98/03, basearam a sua argumentação na observação de que a decisão impugnada se baseava no Regulamento n.° 17, considerando que este não conferia nenhuma competência à Comissão para esse efeito. Finalmente, a recorrente no processo T‑79/03 não se define quanto à base jurídica e examina as duas teses, ou seja, a tese de que a decisão impugnada se baseia no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA e a tese de que se baseia no Regulamento n.° 17, concluindo que a Comissão era em qualquer caso incompetente.

96      Importa referir a este respeito que, nas contestações dos processos em que as recorrentes tinham considerado na sua petição que a decisão impugnada se baseava no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA, a Comissão nunca afirmou que a argumentação destas recorrentes assentava numa premissa errada. Com efeito, em nenhuma contestação e em nenhuma tréplica apresentadas nos presentes processos se faz referência expressa ao artigo 3.° ou ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 como base jurídica da decisão impugnada. As únicas referências ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 nos articulados da Comissão respeitam à discussão sobre a lex mitior a fim de justificar, no presente caso, a aplicação do artigo 65.°, n.° 5, CA e não a do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

97      Assim, a recorrente no processo T‑27/03, após ter tido conhecimento da contestação, afirma, no n.° 5 da sua réplica, o seguinte:

«A Comissão parece, por conseguinte, admitir definitivamente: i) que a decisão impugnada foi adoptada tendo como base jurídica apenas o artigo 65.° CA e ii) que as coimas foram aplicadas unicamente em virtude dessa disposição. Tudo o resto, todos os outros argumentos desenvolvidos pela Comissão sobre a unicidade da ordem jurídica comunitária e sobre os critérios que presidiram à sucessão das leis no tempo não são mais do que considerações académicas, gerais e não pertinentes, relativamente às quais não parece oportuno abusar da paciência do Tribunal respondendo‑lhes.»

98      Além do mais, no processo T‑79/03, em que a recorrente não define a base jurídica sobre a qual a decisão impugnada assenta, a Comissão em nada esclareceu o debate sobre este ponto.

99      Assim, no n.° 58 da contestação no processo T‑79/03, a Comissão afirma: «O ponto de partida do raciocínio da recorrente não é correcto: segundo esta, a Comissão utilizou as regras processuais do Regulamento n.° 17 para aplicar uma coima na acepção do artigo 65.° CA. […] É necessário […] salientar que a coima não foi aplicada com base do Regulamento n.° 17, mas, como indica claramente a decisão, nos termos do artigo 65.°, n.° 5, CA.» Em nota de pé de página, acrescenta que, «contrariamente ao que afirma a recorrente, resulta claramente da secção 5 da decisão (considerandos 335 e [seguintes]) que a Comissão aplica o Regulamento n.° 17». Na sua réplica, a recorrente no processo T‑79/03 indigna‑se afirmando, no n.° 33:

«[...] a Comissão contradiz‑se de novo e, desta vez, no espaço de algumas linhas, o que demonstra a que ponto é difícil sustentar uma tese juridicamente inconsistente. Afirma, com efeito – no n.° 58 da contestação –, […] no final do parágrafo que a coima não foi aplicada com base no Regulamento n.° 17, para acrescentar a seguir, sob a forma de nota, que decorre claramente da decisão impugnada que aplicou o Regulamento n.° 17».

100    Por conseguinte, só na audiência e unicamente em resposta às questões colocadas pelo Tribunal é que a Comissão indicou claramente pela primeira vez que, segundo ela, a decisão impugnada se baseava igualmente no artigo 3.° e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

101    Nestas condições, atendendo a todas as considerações precedentes, bem como às diferentes referências expressas à base jurídica constituída pelo artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA na decisão impugnada (preâmbulo da decisão impugnada e considerandos 515 a 518 desta), e à ausência total de referência ao artigo 3.° e ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 como base jurídica, deve concluir‑se que a decisão impugnada se baseou unicamente no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA.

 Quanto à competência da Comissão para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para a punir após o termo de vigência do Tratado CECA

–       Quanto às relações entre os Tratados CECA e CE

102    Há que recordar que o âmbito de aplicação do Tratado CECA se encontrava materialmente circunscrito. Com efeito, o Tratado CECA só dizia respeito a dois produtos, isto é, o carvão e o aço, tal como definidos no artigo 81.° CA e no Anexo I do Tratado CECA. Uma vez que o Tratado CEE (actual Tratado CE) está redigido em termos gerais aplicáveis a todos os sectores económicos e, por isso, em princípio, também aos produtos abrangidos pelo Tratado CECA (v., neste sentido, parecer 1/94, já referido no n.° 57 supra, n.° 27), os autores do Tratado CE incluíram nesse Tratado uma disposição para evitar o primado das disposições do Tratado CE em relação às disposições do Tratado CECA.

103    Assim, o artigo 305.°, n.° 1, CE precisa:

«As disposições do […] Tratado [CE] não alteram as do Tratado [CECA], designadamente no que diz respeito aos direitos e obrigações dos Estados‑Membros, aos poderes das instituições [da CECA] e às regras fixadas por esse Tratado para o funcionamento do mercado comum do carvão e do aço.»

104    Do que precede decorre que, no que diz respeito ao funcionamento do mercado comum, as regras do Tratado CECA e todas as disposições adoptadas para a sua aplicação permanecem em vigor, não obstante a entrada em vigor do Tratado CE (acórdãos do Tribunal de Justiça Gerlach, já referido no n.° 57 supra, n.° 9, e de 24 de Setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, Colect., p. I‑7869, n.° 100).

105    No entanto, quando surjam questões que não sejam objecto de disposições do Tratado CECA ou das regulamentações adoptadas com base nele, o Tratado CE e as disposições adoptadas para sua aplicação podem, mesmo antes do termo de vigência do Tratado CECA, aplicar‑se a produtos pertencentes ao domínio do Tratado CECA (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1987, Deutsche Babcock, 328/85, Colect., p. 5119, n.° 10, e Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, já referido no n.° 104 supra, n.° 100; parecer 1/94, já referido no n.° 57 supra, n.° 27).

106    Importa recordar, igualmente, que, em conformidade com o disposto no artigo 97.° CA, o Tratado CECA caducou em 23 de Julho de 2002. Visto que o Tratado CE tem um âmbito de aplicação geral, os sectores anteriormente abrangidos pelo Tratado CECA passaram a estar abrangidos, a partir de 24 de Julho de 2002, pelo âmbito de aplicação do Tratado CE.

–       Quanto à questão de saber se o artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA atribui competência à Comissão para adoptar a decisão impugnada

107    A decisão impugnada foi adoptada em 17 de Dezembro de 2002, com base no artigo 65.°, n.° 4, CA, no que respeita à declaração de existência da infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA, e com base no artigo 65.°, n.° 5, CA, no que respeita à aplicação de coimas às empresas que alegadamente participaram na infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA.

108    No tocante à competência da Comissão para adoptar a decisão impugnada com base no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA, após o termo de vigência do Tratado CECA, a Comissão explica, no considerando 348 da decisão impugnada, que «o Tratado CE e o Tratado CECA pertencem à mesma ordem jurídica, a ordem jurídica comunitária, no âmbito da qual este último Tratado constituiu, até 23 de Julho de 2002, uma lex specialis». Refere‑se, no considerando 349 da decisão impugnada, ao artigo 305.°, n.° 1, CE e ao quadro institucional único (Tratado de fusão e artigo 3.° UE). Para sublinhar a unicidade da ordem jurídica comunitária, a Comissão recorda, nos seus articulados, que o juiz comunitário interpretou as disposições dos Tratados CECA e CEEA por referência às disposições do Tratado CE, com base nos princípios comuns aos quais todos os Tratados comunitários aderem (acórdão Busseni, já referido no n.° 55 supra, n.os 16 e 21).

109    No termo de vigência do Tratado CECA, a transição entre o regime do Tratado CECA e o regime do Tratado CE em matéria de concorrência foi feita automaticamente com base no princípio da sucessão das normas no tempo no seio da mesma ordem jurídica [acórdãos Salumi, já referido no n.° 60 supra, n.° 9; CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, já referido no n.° 60 supra, n.° 22; e De Haan, já referido no n.° 60 supra, n.° 13]. No considerando 331 da decisão impugnada, que inclui uma referência ao n.° 31 da comunicação de 18 de Junho de 2002, a Comissão explica que «o direito substantivo aplicável» é «aquele que estiver em vigor no momento em que ocorrem os factos constitutivos da infracção» e que, «no plano processual, o direito aplicável após o termo de vigência do Tratado CECA [é] o direito CE». No considerando 350 da decisão impugnada, a Comissão acrescenta que «[se justifica] a aplicação da lei substantiva em vigor no momento em que se verificam os factos» e afirma, no considerando 352 da decisão impugnada, que «as regras processuais aplicáveis são aquelas em vigor no momento em que a medida em questão é adoptada».

110    Por conseguinte, há que verificar se os elementos já referidos permitem concluir que o artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA, no momento da adopção da decisão impugnada, conferia competência à Comissão para adoptar a referida decisão.

111    A este respeito, deve recordar‑se que o Tratado CECA constituía, em virtude do artigo 305.°, n.° 1, CE, uma lex specialis que derrogava a lex generalis que é o Tratado CE (conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo que deu origem ao acórdão Banks, referido no n.° 57 supra, n.° 8; acórdãos ESF Elbe‑Stahlwerke Feralpi/Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 102; e Verband der freien Rohrwerke e o./Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 68).

112    O facto de o Tratado CECA constituir uma lex specialis teve por consequência que, no termo de vigência do referido Tratado, a lex generalis se tornou automaticamente aplicável. Assim, no considerando 348 da decisão impugnada, a Comissão declarou, correctamente, que, «a partir de 24 de Julho de 2002, os sectores anteriormente compreendidos no âmbito do Tratado CECA, das suas disposições processuais e da legislação derivada estão sujeitos às normas correspondentes que decorrem do Tratado CE». Em matéria de concorrência, esta declaração implica que os comportamentos das empresas e das associações de empresas anteriormente compreendidos no âmbito do Tratado CECA podem estar abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE a partir de 24 de Julho de 2002.

113    No entanto, o presente fundamento não trata de modo algum da aplicação do artigo 81.° CE a uma prática concertada no sector siderúrgico após o termo de vigência do Tratado CECA. Diz sim respeito à competência da Comissão para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para a punir com base no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA.

114    A natureza de lex specialis do Tratado CECA em relação ao Tratado CE não sustenta de modo nenhum a tese da Comissão de que esta tem ainda competência para basear uma decisão na lex specialis após o termo de vigência desta. Recorde‑se para este efeito que o artigo 305.°, n.° 1, CE, do qual o juiz comunitário deduziu a natureza de lex specialis do Tratado CECA em relação ao Tratado CE, confirma pura e simplesmente o termo de vigência do Tratado CECA em 23 de Julho de 2002, na medida em que prevê que as disposições do Tratado CE não alteram as do Tratado CECA e que o artigo 97.° CA estabelece expressamente o termo de vigência do referido Tratado nessa data.

115    De igual modo, o carácter único da ordem jurídica comunitária a que a Comissão se refere no considerando 349 da decisão impugnada e que infere da unicidade a nível institucional e da necessidade de uma interpretação coerente das disposições constantes dos diferentes Tratados comunitários não é susceptível de conferir uma competência à Comissão para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para aplicar uma coima às empresas em causa com base no artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA após o termo de vigência do Tratado CECA. Deve sublinhar‑se a este respeito que, não obstante o quadro institucional único resultante do Tratado de fusão, a fusão das Comunidades nunca se realizou. Além disso, a interpretação coerente de disposições de direito substantivo dos diferentes Tratados não tem incidência alguma sobre as competências atribuídas às diferentes instituições pelos diferentes Tratados. Com efeito, no âmbito de cada um dos Tratados, as instituições são unicamente competentes para exercer os poderes que lhes foram atribuídos por esse Tratado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2005, Comissão/Conselho, C‑176/03, Colect., p. I‑7879, n.os 38 a 53).

116    Quanto ao argumento relativo aos princípios que regem a sucessão das normas no tempo, decorre da jurisprudência que as normas comunitárias de direito substantivo devem ser interpretadas, a fim de garantir o respeito dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, no sentido de não se aplicarem, em princípio, a situações constituídas anteriormente à sua entrada em vigor, ao passo que as normas processuais são de aplicação directa [acórdãos Salumi, já referido no n.° 60 supra, n.° 9; CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, já referido no n.° 60 supra, n.° 22; e De Haan, já referido no n.° 60 supra, n.° 13; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler & Malt/Comissão, T‑42/96, Colect., p. II‑401, n.° 55, e de 28 de Janeiro de 2004, Euroagri/Comissão, T‑180/01, Colect., p. II‑369, n.° 36].

117    Cumpre, contudo, observar que a questão da competência de uma instituição é anterior à questão de saber quais as regras substantivas e processuais aplicáveis. Com efeito, após ter verificado, em primeiro lugar, que uma instituição tem competência para adoptar um acto com base numa disposição específica do Tratado ou do direito derivado, cabe determinar, em segundo lugar, quais as regras substantivas e processuais aplicáveis, em conformidade com os princípios que regem a sucessão das normas no tempo.

118    Importa sublinhar a este respeito que a disposição que constitui a base jurídica de um acto e que habilita a instituição comunitária a adoptá‑lo deve estar em vigor no momento da sua adopção (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho, C‑269/97, Colect., p. I‑2257, n.° 45; v., também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 2004, MCI/Comissão, T‑310/00, Colect., p. II‑3253, n.os 78 a 114). Em contrapartida, os princípios que regem a sucessão das normas no tempo podem conduzir à aplicação de disposições substantivas que já não estejam em vigor no momento da adopção de um acto por uma instituição comunitária.

119    Ao referir‑se, nos considerandos 331 e 350 a 352 da decisão impugnada, aos princípios que regem a sucessão das normas no tempo a fim de justificar a sua competência para adoptar a decisão impugnada, a Comissão confundiu a disposição substantiva dirigida às empresas, isto é, o artigo 65.°, n.° 1, CA, e a base jurídica para a acção da Comissão, ou seja, o artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA. Inferiu automaticamente da disposição substantiva aplicável a sua competência para basear uma decisão numa disposição entretanto caducada. Assim, a Comissão declarou ainda na audiência, relativamente à sua competência, quanto ao direito substantivo e processual aplicáveis, que «os dois primeiros […] são praticamente os mesmos» ou ainda que «a atribuição de competências está intimamente ligada ao direito substantivo [aplicável]».

120    No entanto, uma vez que, por um lado, resulta da jurisprudência acima referida no n.° 118, que a disposição que constitui a base jurídica de um acto deve estar em vigor no momento da sua adopção e que, por outro, em conformidade com o disposto no artigo 97.° CA, o artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA tinha caducado em 23 de Julho de 2002, a Comissão já não podia retirar a sua competência das referidas disposições caducadas no momento da adopção da decisão impugnada para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para aplicar coimas às empresas que participaram na referida infracção.

121    Finalmente, quanto ao argumento da Comissão de que o próprio Tribunal de Justiça continuou a aplicar o artigo 65.° CA, após o seu termo de vigência, deve observar‑se que, nos acórdãos referidos pela Comissão (n.° 62 supra), o juiz comunitário fiscalizou a legalidade dos actos que tinham sido adoptados pela Comissão com base no Tratado CECA num momento em que este último ainda estava em vigor. Estes acórdãos não sustentam, portanto, a argumentação da Comissão segundo a qual era ainda competente para adoptar uma decisão com base numa disposição do Tratado CECA após o termo de vigência do referido Tratado.

122    Resulta do exposto que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser acolhida e que a decisão impugnada é ilegal. No entanto, o vício de que padece a decisão impugnada não parece ser de uma gravidade de tal modo evidente que haja que julgar procedentes os pedidos formulados nos processos T‑27/03 e T‑80/03 destinados a obter a declaração de inexistência da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555, n.° 52).

123    Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada no que diz respeito às recorrentes.

 Quanto às despesas

124    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida, há que condená‑la nas despesas, incluindo nas que respeitam aos processos de medidas provisórias nos processos T‑46/03 e T‑79/03, em conformidade com os pedidos das recorrentes.

125    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, a República Italiana suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão C (2002) 5087 final da Comissão, de 17 de Dezembro de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° CA (COMP/37.956 – Varões para betão), é anulada no que diz respeito à SP SpA, à Leali SpA, à Acciaierie e Ferriere Leali Luigi SpA, à Industrie Riunite Odolesi SpA (IRO), à Lucchini SpA, à Ferriera Valsabbia SpA, à Valsabbia Investimenti SpA e à Alfa Acciai SpA.

2)      A Comissão é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela SP, Leali, Acciaierie e Ferriere Leali Luigi, IRO, Lucchini, Ferriera Valsabbia, Valsabbia Investimenti e Alfa Acciai, incluindo as que respeitam aos processos de medidas provisórias nos processos T‑46/03 e T‑79/03.

3)      A República Italiana suportará as suas próprias despesas.

Vilaras

Martins Ribeiro

Dehousse

Šváby

 

       Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Outubro de 2007.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

       M. Vilaras

Índice


Quadro jurídico

Disposições do Tratado CECA

Comunicação da Comissão relativa a certos aspectos do tratamento dos processos de concorrência decorrentes do termo de vigência do Tratado CECA

Procedimento administrativo

Decisão impugnada

Tramitação do processo

Pedidos das partes

Questão de direito

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Observações preliminares

Quanto à base jurídica sobre a qual assenta a decisão impugnada

Quanto à competência da Comissão para declarar a existência de uma infracção ao artigo 65.°, n.° 1, CA e para a punir após o termo de vigência do Tratado CECA

– Quanto às relações entre os Tratados CECA e CE

– Quanto à questão de saber se o artigo 65.°, n.os 4 e 5, CA atribui competência à Comissão para adoptar a decisão impugnada

Quanto às despesas


* Língua do processo: italiano.