Language of document : ECLI:EU:T:2002:34

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

20 de Fevereiro de 2002 (1)

«Responsabilidade extracontratual da Comunidade - Directiva 92/12/CEE relativa ao regime geral dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo - Prejuízo causado pelo termo do regime transitório de isenção fiscal dos produtos adquiridos pelos viajantes quando de uma travessia marítima entre dois Estados-Membros»

No processo T-170/00,

Förde-Reederei GmbH, com sede em Flensburg (Alemanha), representada por U. Schrömbges e L. Harings, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado por A.-M. Colaert e J.-P. Hix, na qualidade de agentes,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa, R. Lyal e K. Gross, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandados,

que tem por objecto um pedido de reparação do prejuízo pretensamente sofrido na sequência do termo do regime transitório de isenção fiscal previsto pelo artigo 28.° da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Antes da adopção do regime fiscal em causa, a regulamentação comunitária em matéria de impostos especiais de consumo constava, designadamente, da Directiva 69/169/CEE do Conselho, de 28 de Maio de 1969, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às franquias dos impostos sobre consumos específicos cobrados na importação no tráfego internacional de viajantes (JO L 133, p. 6; EE 09 F1 p. 19), e previa, no âmbito do tráfego entre Estados-Membros, uma franquia dos impostos especiais de consumo aplicáveis às mercadorias contidas nas bagagens pessoais dos viajantes. Permitia aos postos de venda instalados a bordo de ferribotes ou nos aeroportos a venda de bens sem pagamento de impostos especiais de consumo, quando estes bens se destinassem à exportação para outros Estados-Membros.

2.
    Posteriormente, o Acto Único Europeu, através do seu artigo 13.°, completou o Tratado CEE nele inserindo um artigo 8.°-A, que passou ulteriormente, no Tratadoda União Europeia, a artigo 7.°-A do Tratado CE, e depois, pelo Tratado de Amesterdão, a artigo 14.° CE, nos termos do qual «[a] Comunidade adoptará as medidas destinadas a estabelecer progressivamente o mercado interno durante um período que termina em 31 de Dezembro de 1992, nos termos do disposto [...] [no artigo] 99.° [...]. O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada [...]».

3.
    Por força do artigo 99.° do Tratado CE (actual artigo 93.° CE) - também introduzido pelo Acto Único Europeu -, o Conselho adopta as disposições relacionadas com a harmonização das legislações relativas, designadamente, aos impostos especiais de consumo na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

4.
    Foi com base nesta última disposição que a Comissão, na sua proposta de directiva do Conselho relativa ao regime geral, bem com à detenção e à circulação dos produtos sujeitos a impostos sobre consumos específicos (JO C 322, de 21 de Dezembro de 1990, p. 1), considerou que - devido à eliminação das fronteiras fiscais entre os Estados-Membros - a tributação na importação e a isenção na exportação deviam ser reservadas às operações efectuadas com os territórios exteriores à Comunidade e que as franquias fiscais já não se justificavam no âmbito do tráfego intracomunitário. Esta proposta de directiva não previa regras especiais nem derrogações quanto a este tráfego. Ao longo dos trabalhos do Conselho, contudo, foram acrescentadas à proposta inicial da Comissão regras derrogatórias temporárias para as vendas de produtos aos viajantes quando de transportes intracomunitários. Estas derrogações foram retomadas na Directiva 92/12/CEE relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que o Conselho adoptou finalmente em 25 de Fevereiro de 1992 (JO L 76, p. 1), alterada, designadamente, pela Directiva 92/108/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 390, p. 124), e pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46) (a seguir, no conjunto, «directiva»).

5.
    Assim, o artigo 28.° da directiva dispõe o seguinte:

«Durante um período que terminará em 30 de Junho de 1999 aplicar-se-ão as seguintes disposições:

1. Os Estados-Membros poderão isentar os produtos vendidos em postos de venda e transportados na bagagem pessoal de passageiros que viajem para outro Estado-Membro efectuando um voo ou uma travessia marítima intracomunitária. [...]

Os produtos vendidos a bordo de aviões ou barcos durante o transporte intracomunitário de passageiros são equiparados a produtos vendidos em postos de venda. [...]»

6.
    A este respeito, o vigésimo terceiro considerando da directiva afirma que há que dispor de um lapso de tempo a fim de tomar as medidas necessárias para atenuar tanto as repercussões sociais nos sectores afectados como as dificuldades regionais, nomeadamente nas regiões fronteiriças, e que, para o efeito, convinha autorizar os Estados-Membros a isentar até 30 de Junho de 1999 os produtos vendidos no contexto do tráfego aéreo ou marítimo de passageiros entre Estados-Membros.

7.
    Desde o termo do período de aplicação desta regulamentação derrogatória, ou seja, desde 1 de Julho de 1999, as transacções por ela abrangidas estão sujeitas ao regime geral instituído pela directiva.

8.
    Este regime, destinado a garantir a livre circulação, no mercado interno, das mercadorias sujeitas aos impostos especiais de consumo (primeiro considerando da directiva), caracteriza-se, por um lado, pelo «princípio do país de destino», segundo o qual as entregas de mercadorias a um operador que exerça de forma independente uma actividade económica que tenha lugar num Estado-Membro que não seja o da introdução no consumo dá lugar à exigibilidade do imposto especial de consumo nesse Estado-Membro (quinto considerando), e, por outro lado, pelo «princípio do país de expedição», segundo o qual os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo adquiridos por particulares para fins pessoais e transportados pelos próprios deverão ser tributados no Estado-Membro onde esses produtos foram adquiridos (sexto considerando).

9.
    A directiva estabelece critérios que visam determinar se os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo são detidos para fins pessoais ou para fins comerciais (sétimo considerando). Por outro lado, prevê-se que a passagem do território de um Estado-Membro para outro não pode originar controlos susceptíveis de criar obstáculos à livre circulação intracomunitária, mas que as restrições inerentes à exigibilidade impõem o conhecimento dos movimentos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, de modo que é necessário prever um documento de acompanhamento para esses produtos (décimo considerando). Por fim, o pagamento do imposto especial de consumo no Estado-Membro em que teve lugar a introdução no consumo deve poder dar origem ao reembolso do imposto especial de consumo se os produtos não se destinarem a ser consumidos nesse Estado-Membro (décimo oitavo considerando).

10.
    As disposições da directiva constitutivas do regime geral em causa estão redigidas da seguinte forma:

«Artigo 6.°

1. O imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo [...]

Considera-se como introdução no consumo de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo:

[...]

b) Todo e qualquer fabrico [...]

c) Toda e qualquer importação [...] desses produtos [...]

[...]»

«Artigo 7.°

1. No caso de os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado-Membro serem detidos para fins comerciais noutro Estado-Membro, o imposto será cobrado no Estado-Membro em que os produtos são detidos.

2. Para tal, [...], sempre que os produtos já introduzidos no consumo num Estado-Membro [...] sejam entregues ou se destinem a ser entregues noutro Estado-Membro, ou afectos, noutro Estado-Membro, às necessidades de um operador que exerça uma actividade económica independente [...], o imposto torna-se exigível nesse outro Estado-Membro.

3. O imposto especial de consumo é devido pela pessoa que efectua a entrega, que detém os produtos destinados a ser entregues ou pela pessoa junto da qual se efectua a afectação dos produtos num Estado-Membro diferente daquele em que foram introduzidos no consumo ou ainda pelo operador profissional [...].

4. Os produtos referidos no n.° 1 circularão entre os territórios dos diferentes Estados-Membros a coberto de um documento de acompanhamento [...].

5. A pessoa, o operador ou o organismo referidos no n.° 3 deverão cumprir as seguintes obrigações:

a) Antes da expedição das mercadorias, fazer uma declaração junto das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino e garantir o pagamento do imposto especial de consumo;

b) Pagar o imposto especial de consumo do Estado-Membro de destino de acordo com as modalidades previstas por esse Estado-Membro;

c) Prestar-se a todos os controlos que permitam à administração do Estado-Membro de destino certificar-se da recepção efectiva das mercadorias, bem como do pagamento do imposto especial de consumo a que estão sujeitas.

6. O imposto especial de consumo pago no primeiro Estado-Membro referido no n.° 1 será reembolsado em conformidade com o n.° 3 do artigo 22.°

7. A circulação por vias de transporte adequadas de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos em livre prática num Estado-Membro e destinados a esse mesmo Estado-Membro através do território de outro Estado-Membro efectua-se a coberto do documento de acompanhamento previsto no n.° 4.

8. Nos casos previstos no n.° 7:

a) O expedidor deve proceder, antes da expedição das mercadorias, a uma declaração junto das autoridades fiscais do local de partida, encarregadas do controlo de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo;

b) O destinatário deve confirmar a recepção das mercadorias de acordo com as prescrições previstas pelas autoridades fiscais do local de destino, encarregadas do controlo de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo;

c) [...]

9. Sempre que produtos sujeitos a impostos especiais de consumo circulem com frequência e regularidade nas condições referidas no n.° 7, os Estados-Membros poderão autorizar um procedimento simplificado diferente dos previstos nos n.os 7 e 8, por meio de acordos bilaterais.»

«Artigo 8.°

No que se refere aos produtos adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios, o princípio que rege o mercado interno prevê que os impostos especiais de consumo sejam cobrados no Estado-Membro onde os produtos foram adquiridos.»

«Artigo 9.°

1. Sem prejuízo dos artigos 6.°, 7.° e 8.°, o imposto especial de consumo torna-se exigível quando os produtos introduzidos no consumo num determinado Estado-Membro forem detidos para fins comerciais noutro Estado-Membro [...].

[...]

    

2. Para estabelecer que os produtos referidos no artigo 8.° se destinam a fins comerciais, os Estados-Membros devem ter em conta, nomeadamente, [...] a quantidade dos produtos.

[...]»

11.
    Com base no artigo 7.°, n.° 4, da directiva, a Comissão adoptou, em 17 de Dezembro de 1992, o Regulamento (CEE) n.° 3649/92 relativo a um documento de acompanhamento simplificado para a circulação intracomunitária dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, já introduzidos no consumo no Estado-Membro de expedição (JO L 369, p. 17) (a seguir «regulamento»). O documento de acompanhamento simplificado tem por objectivo, designadamente, garantir o respeito das obrigações da pessoa devedora do imposto especial de consumo.

Matéria de facto e tramitação processual

12.
    A sociedade Förde-Reederei, uma companhia alemã de transportes marítimos, invoca, com o presente pedido, um direito à indemnização que lhe foi transmitido pela sociedade dinamarquesa Nordisk Faergefart (a seguir «NF») da qual é uma das associadas principais. A NF explorou até 30 de Junho de 1999 linhas de ferribotes entre Faaborg (Dinamarca) e Gelting (Alemanha), por um lado, e entre Langeland (Dinamarca) e Kiel (Alemanha), por outro. Estas linhas tinham por actividade o transporte de pessoas, de automóveis, de camiões e de autocarros, em ferribotes. Era proposto a bordo um serviço de restauração e certos produtos - na altura livres de impostos - eram vendidos num quiosque.

13.
    A venda dos títulos de transporte rendeu, ao longo do período de 1997/1998, cerca de 17 milhões de coroas dinamarquesas (DKK), enquanto as despesas de exploração das linhas se elevaram a 69 milhões de DKK.

14.
    Segundo a demandante, só a venda de bens «livres de impostos» a bordo permitia obter um resultado financeiro positivo. Tendo o regime das vendas «livres de impostos» aos viajantes terminado em 30 de Junho de 1999, a NF cessou as suas actividades supramencionadas na mesma data.

15.
    Por petições de 28 de Junho de 1999, a NF apresentou contra o Conselho,

- um recurso ex artigo 230.° CE no qual pedia a anulação da directiva, na medida em que limitava a 30 de Junho de 1999 a aplicação do artigo 28.° (processo T-156/99),

- um pedido de suspensão da execução da directiva até que o Tribunal de Primeira Instância tivesse decidido do pedido principal, na medida em que a directiva limitava a 30 de Junho de 1999 a aplicação do artigo 28.° (processo T-156/99 R).

16.
    Por despacho de 9 de Julho de 1999, o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de suspensão da execução. Por despacho do mesmo dia, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) julgou o recurso de anulação manifestamente inadmissível. Nenhum destes despachos foi objecto de recurso para o Tribunal de Justiça.

17.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Junho de 2000, a demandante intentou a presente acção, através da qual requer a indemnização do prejuízo sofrido pela NF devido à proibição, desde 1 de Julho de 1999, da venda, livre de impostos, de mercadorias quando de transportes intracomunitários, proibição consagrada pelo artigo 28.° da directiva. O prejuízo total alegado para o exercício de 1999/2000 equivale a cerca de 2 000 000 de marcos alemães (DEM), requerendo somente a demandante, no caso em apreço, um montante parcial referente ao período de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 1999.

18.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo.

19.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas que deram às perguntas que lhes foram feitas pelo Tribunal, na audiência de 27 de Novembro de 2001.

Pedidos das partes

20.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    condenar o Conselho e a Comissão a indemnizá-la solidariamente pelo prejuízo sofrido devido ao termo, em 30 de Junho de 1999, da aplicação do «regime livre de impostos» previsto pelo artigo 28.° da directiva, sendo por ela estimado e limitado a 1 000 000 DEM o montante da indemnização requerida, acrescida de juros de 8% ao ano a contar da prolação do acórdão;

-    condenar os demandados nas despesas.

21.
    O Conselho e a Comissão concluem pedindo ao Tribunal que se digne:

-    julgar a acção improcedente;

-    condenar a demandante nas despesas.

Questão de direito

22.
    A demandante acusa o Conselho e a Comissão de terem criado, ao deixarem cessar, em 30 de Junho de 1999, o regime derrogatório previsto pelo artigo 28.° da directiva, uma situação jurídica caótica para os operadores económicos em causa.Denuncia a impossibilidade prática de implementar as disposições do regime geral da directiva e do regulamento quanto ao tráfego intracomunitário de viajantes, não sendo tais disposições adequadas para regular validamente a actividade de venda a bordo de um navio efectuando travessias marítimas intracomunitárias. A este respeito, invoca, na origem do prejuízo alegado, tanto a responsabilidade por facto ilícito como por facto lícito.

Quanto à responsabilidade da Comunidade por facto ilícito

Argumentos das partes

- Quanto ao comportamento pretensamente ilegal do Conselho e da Comissão

23.
    A demandante alega que o regime geral estabelecido pela directiva e pelo regulamento abrange unicamente as empresas e só visa as relações entre operadores económicos. As vendas a retalho no tráfego marítimo intracomunitário de viajantes não são reguladas. Resulta deste regime geral que a transferência das mercadorias em causa do Estado-Membro de expedição para outro Estado-Membro torna exigível o imposto especial de consumo. As formalidades burocráticas impostas têm por efeito a exclusão do reembolso dos impostos especiais de consumo já cobrados no Estado-Membro de expedição, implicando, a directiva, deste modo, a dupla tributação das mercadorias e criando um obstáculo ao funcionamento do mercado interno.

24.
    A demandante precisa que o certificado de recepção, que é a condição material do reembolso, tem um efeito dissuasor na medida em que envolve o viajante num processo fiscal que o ultrapassa e o expõe ao risco de pagar o imposto em caso de irregularidades. Por causa das excessivas formalidades a cumprir, os exploradores de ferribotes sofrem uma grave discriminação no comércio a retalho. A tributação relacionada com a passagem da fronteira fiscal conduz a obrigações - como o controlo das existências, as declarações fiscais, os processos de isenção, a reafixação dos preços, etc. - que paralisam qualquer venda a bordo de um navio.

25.
    Na medida em que os demandados afirmam que a isenção fiscal se baseia nas noções de «importação» e de «exportação» e que, devido à eliminação das fronteiras fiscais entre os Estados-Membros, estas noções já não convêm ao mercado interno e devem, pois, ser abolidas, a demandante declara que as fronteiras fiscais no mercado interno estão longe de estar eliminadas. O objectivo do Conselho, de chegar a impostos especiais de consumo idênticos em todos os Estados-Membros, não se vislumbra. Consequentemente, os demandados sacrificaram, em prol de uma filosofia irrealista do mercado interno, um ramo económico florescente de venda «livre de impostos».

26.
    A demandante acusa o Conselho de ter, assim, violado o princípio do Estado de direito, a proibição de restrições quantitativas entre os Estados-Membros (artigos28.° CE e 29.° CE), as obrigações decorrentes do artigo 93.° CE, o princípio da proporcionalidade, o princípio da protecção da confiança legítima e os direitos fundamentais de livre exercício da sua profissão, de propriedade e de liberdade de exercício de uma actividade comercial e económica. Por outro lado, o Conselho violou o artigo 208.° CE ao não solicitar à Comissão que lhe apresentasse uma proposta de directiva apropriada e conforme às disposições e aos princípios supramencionados.

27.
    Quanto à Comissão, ignorou, de forma manifesta e grave, os limites do seu poder de apreciação ao não ter em conta a impossibilidade de aplicação do regime geral da directiva e ao não apresentar ao Conselho propostas adequadas de medidas de acompanhamento.

28.
    Segundo o Conselho e a Comissão, em contrapartida, as disposições denunciadas pela demandante são adequadas à venda a bordo de um navio que efectue travessias marítimas intracomunitárias.

29.
    As instituições demandadas sublinham, designadamente, que a tese da demandante é contrariada pelos factos. Com efeito, outras empresas de ferribotes que exploram ligações marítimas entre a Alemanha e a Dinamarca continuaram a vender produtos sujeitos a impostos especiais de consumo depois de 30 de Junho de 1999. Neste contexto, reportam-se a uma declaração do Ministério das Finanças dinamarquês segundo a qual a companhia Scandlines prossegue esta actividade em duas linhas de ferribotes entre o sul da Dinamarca e a Alemanha, quando as vendas a bordo de vinho, de cerveja, de álcool e de tabaco incluem impostos dinamarqueses ou alemães. Precisam que as vendas aos viajantes se efectuam, na realidade, no território do Estado-Membro que prevê os impostos especiais de consumo menos elevados, permanecendo os postos de venda fechados durante o trajecto no território do outro Estado-Membro. Assim, não há formalidades administrativas ou ónus financeiros suplementares.

30.
    A Comissão acrescenta que não tem a obrigação legal de agir no sentido querido pela demandante, pelo que não pode ser acusada de não ter apresentado ao Conselho propostas na matéria. Só podia ser obrigada a submeter ao Conselho uma proposta legislativa específica se a sua margem de apreciação fosse eliminada, o que não é, manifestamente, o caso.

- Quanto ao prejuízo sofrido pela demandante

31.
    A demandante pede a indemnização pelos lucros cessantes que a NF sofreu devido ao abandono da sua actividade comercial na sequência do termo, ilegal, da isenção das vendas «livres de impostos». Este prejuízo baseia-se nas previsões dos lucros prováveis na hipótese de o artigo 28.° da directiva continuar em vigor e a NF poder continuar a vender os produtos «livres de impostos». Afirma que, nesta hipótese, a NF atingiria o mesmo volume de negócios que no passado.

32.
    O Conselho e a Comissão consideram que a determinação do regime fiscal aplicável aos transportes intracomunitários compete ao poder legislativo. Tendo o legislador decidido pôr termo ao regime derrogatório aplicável aos postos de venda em 30 de Junho de 1999, há uma intromissão ilegal nas competências do legislador se o Tribunal de Primeira Instância julgar que o regime derrogatório deve continuar a ser aplicável enquanto o regime geral se afigurar impraticável. Consequentemente, o prejuízo da demandante deve, seja como for, limitar-se à soma correspondente ao volume de negócios que a NF teria realizado se continuasse a sua actividade de exploração de ferribotes após o termo do regime derrogatório. Ora, o volume de negócios realizável pela NF a partir de 1 de Julho de 1999 teria sido sensivelmente inferior ao realizado anteriormente sobre as suas vendas. Com efeito, até 1 de Julho de 1999 a NF gozava, segundo os demandados, de um regime fiscal extremamente favorável. As instituições demandadas consideram, perante estes elementos, que a demandante não precisou suficientemente o seu prejuízo.

- Quanto ao nexo de causalidade

33.
    Para a demandante, o nexo de causalidade entre o seu prejuízo e o comportamento imputado ao Conselho e à Comissão é evidente. Efectivamente, os lucros cessantes invocados são unicamente imputáveis ao termo ilegal do regime do artigo 28.° da directiva. A NF não pôde evitar este prejuízo, uma vez que para ela não era economicamente razoável proceder a adaptações estruturais da sua actividade.

34.
    Os demandados sublinham que as directivas não se destinam a criar obrigações que vinculem directamente os particulares e não podem, por isso, regra geral, causar-lhes prejuízo. Recordam que a venda de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo é ainda possível nos transportes marítimos efectuados entre a Dinamarca e a Alemanha desde 30 de Junho de 1999. As regulamentações nacionais pertinentes permitiriam à NF continuar a vender tais produtos a bordo dos seus ferribotes se assim o desejasse. Foi, portanto, voluntariamente que a NF pôs fim à sua actividade, de modo que não existe qualquer nexo de causalidade entre o prejuízo invocado e o comportamento imputado às instituições comunitárias.

Apreciação do Tribunal

35.
    Cabe recordar que a acção de indemnização baseada no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE é uma via processual autónoma, à qual é atribuída uma função particular no âmbito do sistema das vias processuais, que está subordinada a condições de exercício concebidas em atenção ao seu objectivo específico (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1971, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Colect., p. 375, n.° 3, de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/ Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n.° 26, e de 17 de Maio de 1990, Sonito e o./Comissão, C-87/89, Colect., p. I-1981, n.° 14). Diferencia-se, designadamente,do recurso de anulação na medida em que se destina não à supressão de uma medida determinada, mas à reparação do prejuízo causado por uma instituição (acórdãos Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, já referido, n.° 3, Krohn/Comissão, já referido, n.° 32, e Sonito e o./Comissão, já referido, n.° 14).

36.
    A demandante não pode, assim, pretender censurar, na sua presente acção de indemnização, todas as violações do direito comunitário de que a directiva em causa pudesse objectivamente estar ferida, só podendo suscitar as acusações que tenham uma relação concreta com o prejuízo cuja reparação é requerida.

37.
    Com efeito, segundo uma jurisprudência constante, a existência de responsabilidade extracontratual da Comunidade pressupõe que a parte demandante prove a ilegalidade do comportamento reprovado à instituição em causa, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado [acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T-175/94, Colect., p. II-729, n.° 44, de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T-336/94, Colect., p. II-1343, n.° 30, de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T-267/94, Colect., p. II-1239, n.° 20, e de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T-113/96, Colect., p. II-125 (a seguir «acórdão Dubois»), n.° 54]. Quando uma destas condições não está preenchida, o pedido deve ser julgado improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos da referida responsabilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C-146/91, Colect., p. I-4199, n.° 19).

38.
    É à luz destes princípios que cabe determinar o comportamento preciso cuja ilegalidade é denunciada pela demandante e examinar em que medida este comportamento lhe pôde causar o prejuízo alegado.

39.
    Quanto a este prejuízo, a demandante afirma que a NF foi forçada, devido ao carácter impraticável das disposições pertinentes da directiva, a cessar a sua actividade comercial em 30 de Junho de 1999, que a NF teria provavelmente prosseguido uma actividade comercial semelhante ao longo do segundo semestre de 1999 se a possibilidade jurídica para tal não lhe tivesse sido retirada pela directiva, e que o seu prejuízo se eleva, neste segundo semestre, a 1 milhão de DEM (petição n.° 85).

40.
    A demandante acrescenta expressamente que «o termo do regime 'livre de impostos' em 30 de Junho de 1999 forçou [a NF] [...] a cessar a exploração dos ferribotes e, consequentemente, a sua actividade comercial», e que «toda a actividade comercial da [NF] dependia do regime do artigo 28.° da Directiva 92/12/CEE e da sua manutenção» (petição n.° 85). Por outro lado, os contabilistas a quem mandou efectuar uma auditoria verificaram que a NF não podia manter «uma actividade rentável [...] se cessar a autorização de venda dos produtos 'livresde impostos' no âmbito do transporte intracomunitário» (petição n.° 3) e calcularam o prejuízo invocado «com base na hipótese de uma continuação das vendas 'livres de impostos'» (petição n.° 7).

41.
    Por fim, resulta dos números que a própria demandante apresentou - indicando que a venda dos bilhetes de transporte tinha rendido, ao longo do período de 1997/1998, cerca de 17 milhões de DKK, enquanto os custos de exploração da NF se elevaram a 69 milhões de DKK (petição n.° 3) - que o essencial das receitas da NF provinha não da sua actividade como companhia de transporte, mas do produto da venda de mercadorias «livres de impostos».

42.
    Daqui decorre que, segundo as próprias afirmações da demandante, o prejuízo alegado nasceu, unicamente, do facto de não se ter mantido, para além de 30 de Junho de 1999, o regime previsto no artigo 28.° da directiva. Quanto ao cálculo deste prejuízo, trata-se de uma simples extrapolação, para o segundo semestre de 1999, das contas anuais da demandante relativas aos exercícios de 1995/1996 a 1997/1998. A extensão do prejuízo não está relacionada, designadamente, com o reduzido volume de negócios, dificultado pelas imposições burocráticas denunciadas, que a NF podia ou terá podido realizar depois de 30 de Junho de 1999.

43.
    A questão do carácter praticável ou não do regime geral da directiva e do regulamento assim como a do carácter eventualmente excessivo das formalidades a observar - questões que a demandante considera aqui decisivas - são, pois, desprovidas de pertinência no presente litígio. Com efeito, mesmo se a aplicação deste regime, designadamente no que respeita ao reembolso no Estado de destino dos impostos especiais de consumo já pagos no Estado de expedição, não tivesse sido sujeita a qualquer ónus administrativo no tráfego intracomunitário, a NF devia, no entanto, segundo as declarações da demandante, ter tido que cessar a sua actividade comercial, uma vez que o seu comércio já não era rentável, a partir do momento em que as mercadorias vendidas a bordo dos seus barcos estavam sujeitas a um qualquer imposto especial de consumo nacional.

44.
    Em suma, foi a abolição do regime «livre de impostos» enquanto tal, que, independentemente da eventual impraticabilidade do regime fiscal geral denunciado pela demandante, pôde causar o prejuízo invocado por esta última.

45.
    Cabe, pois, verificar se a revogação do regime «livre de impostos» pôde gerar uma eventual responsabilidade da Comunidade perante a NF.

46.
    A este respeito, há que recordar que, como o Tribunal de Primeira Instância julgou no acórdão Dubois (n.° 46), a abolição das fronteiras fiscais resulta do Acto Único Europeu (v., supra, n.° 2), que dispõe que «o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas». Ora, a aplicação, por actos de carácter normativo, como a directiva e o regulamento, desta disposição geral dependente do direitoprimário está relacionada, manifestamente, com opções de política económica e com o amplo poder de apreciação das instituições comunitárias (v., mutatis mutandis, acórdão Dubois, n.° 61), o qual corresponde às responsabilidades políticas que o Tratado atribui ao legislador comunitário.

47.
    Daqui decorre, quanto à crítica, feita ao Conselho, de ter sujeitado a actividade exercida pela NF ao regime geral da directiva e do regulamento, que a responsabilidade da Comunidade está subordinada à verificação da violação caracterizada, quer dizer, manifesta e grave, de uma regra superior de direito que protege os particulares (acórdão Dubois, n.° 59, e acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm & Goupil/Comissão, C-352/98 P, Colect., p. I-5291, n.os 42 e 43).

48.
    Quanto à crítica, feita à Comissão, de não ter apresentado ao Conselho propostas de medidas legislativas adequadas, cabe lembrar que o referido critério da violação caracterizada aplica-se também perante uma omissão por facto ilícito (acórdão Dubois, n.° 60).

49.
    A este respeito, conclui-se que, no seio do espaço sem fronteiras fiscais internas criado pelo Acto Único, no qual todas as mercadorias estão sujeitas a impostos especiais de consumo, nenhuma regra superior de direito impõe ao legislador comunitário que relacione o simples facto de atravessar uma fronteira nacional, por via marítima, com uma isenção fiscal das mercadorias adquiridas durante o transporte. Pelo contrário, o princípio da unicidade deste espaço autoriza o legislador a tratar este transporte, no referente a questões fiscais, da mesma maneira que trata, por exemplo, um transporte no interior de um só Estado, que também não tem fronteiras internas nem isenções fiscais apenas pelo facto de se realizar um transporte, ou um transporte intracomunitário em autocarro ou comboio, que também não beneficia de um regime «livre de impostos».

50.
    A abolição da franquia fiscal em causa, porque contrária ao princípio de um espaço sem fronteiras internas, não pode, pois, ser qualificada de facto ilícito, e de maneira nenhuma de facto ilícito grave e manifesto. Esta afirmação é tanto mais verdadeira quanto o sector do transporte marítimo dispôs, ao abrigo do artigo 28.° da directiva, de um período transitório de sete anos destinado a permitir aos operadores económicos em causa adaptarem-se à nova situação. Além disso, por força do artigo 23.°, n.° 5, da directiva, os Estados-Membros podem manter as suas disposições nacionais em matéria de abastecimento dos barcos e aeronaves, o que permite aos operadores destes sectores beneficiarem, até à adopção de uma regulamentação comunitária neste domínio, de uma isenção total dos impostos especiais de consumo sobre os produtos vendidos a bordo para fins de consumo imediato e sobre os combustíveis das embarcações.

51.
    É verdade que a aplicação do espaço sem fronteiras internas ainda não conduziu à abolição das formalidades administrativas de controlo, como as que são objecto do regime geral da directiva e do regulamento, na passagem das fronteirasnacionais intracomunitárias. Esta persistência das fronteiras ao nível do controlo tem a sua explicação na circunstância de o legislador comunitário não ter ainda conseguido harmonizar, no seio da Comunidade, as taxas dos impostos especiais de consumo nacionais.

52.
    Contudo, segundo jurisprudência constante, é permitido às instituições comunitárias procederem apenas à harmonização progressiva de uma matéria ou a uma aproximação por etapas das legislações nacionais. A aplicação de tais medidas é, com efeito, geralmente difícil, pois pressupõe, por parte das instituições comunitárias competentes, a elaboração, a partir de disposições nacionais diversas e complexas, de regras comuns, conformes com os objectivos definidos pelo Tratado e que recolham o acordo de uma maioria qualificada de membros do Conselho, ou mesmo, como em matéria fiscal, o acordo unânime destes (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1999, Socridis, C-166/98, Colect., p. I-3791, n.° 26).

53.
    Resulta do exposto que a abolição, pelo Conselho, do regime «livre de impostos» previsto pelo artigo 28.° da directiva e a não apresentação, pela Comissão ao Conselho, de propostas destinadas à manutenção de tal regime não pode implicar a responsabilidade da Comunidade por comportamento ilícito.

Quanto à responsabilidade da Comunidade por facto lícito

Argumentos das partes

54.
    A título subsidiário, a demandante invoca um direito à reparação a título dos princípios que regulam a responsabilidade por facto lícito. Considera que o termo do regime derrogatório do artigo 28.° da directiva provocou à NF um prejuízo específico e suficientemente individualizado.

55.
    Segundo o Conselho e a Comissão, as condições requeridas para que haja responsabilidade das instituições por facto lícito não estão reunidas no caso em apreço. Com efeito, a demandante não provou que o seu prejuízo ultrapassava o limite dos riscos económicos inerentes às actividades no sector em questão.

Apreciação do Tribunal

56.
    Como resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (C-237/98 P, Colect., p. I-4549, n.os 18, 19 e 53), a verificação da responsabilidade da Comunidade por facto lícito, na hipótese em que o princípio de tal responsabilidade deva ser reconhecido em direito comunitário, pressupõe, em qualquer caso, a existência de um prejuízo «anormal» e «especial». No seu acórdão de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (T-184/95, Colect., p. II-667, n.° 80), confirmado pelo acórdão já referido, o Tribunal de Primeira Instância definiu, pela sua parte, estas duas noções no sentidode que um prejuízo especial afecta uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores e que um prejuízo anormal ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em causa, sem que o acto legislativo que está na origem do prejuízo invocado seja justificado por um interesse económico geral.

57.
    Esta dupla condição não está aqui manifestamente preenchida. Por um lado, a directiva só dizia respeito à NF na sua qualidade objectiva de operador económico que, após o termo do regime transitório do artigo 28.°, podia exercer uma actividade económica à qual aquela se aplicava, e isto, como todos os outros operadores económicos da Comunidade que exercessem a mesma actividade. Não se trataria, pois, de um sacrifício especial que a NF suportasse sozinha.

58.
    Por outro lado, os riscos económicos e comerciais inerentes à actividade exercida pela NF não foram ultrapassados. A este respeito, basta recordar que a actividade exercida pela NF se centrava na venda de produtos beneficiando até 30 de Junho de 1999 de uma franquia dos impostos especiais de consumo, sendo a circunstância de estes produtos serem vendidos a bordo de um navio uma condição necessária para poderem beneficiar da mesma. Como resulta dos números fornecidos pela demandante (v., supra, n.os 13 e 41), o transporte dos viajantes por ferribote só servia como cobertura para a venda «livre de impostos». Neste contexto, a própria demandante precisou que a parte principal do volume de negócios realizado pela NF com o comércio «livre de impostos» resultava de um consumo excessivo inspirado pela «ideia de fazer um bom negócio», e que se tratava de um «consumo ocasional» criado pelo atractivo da venda a bordo (petição n.° 61).

59.
    Estando esta actividade centrada numa franquia fiscal necessariamente exposta ao risco de eventuais alterações do direito fiscal comunitário, a NF devia antecipar as consequências do facto de que, no interesse económico geral da implementação de um espaço sem fronteiras internas, esta franquia ia ser suprimida, e isto, mesmo com um «pré-aviso» de sete anos. Esta evolução era objectivamente previsível desde as primeiras discussões políticas relativas à aplicação do Acto Único Europeu, em 1986 e, de qualquer forma, em 1992, na data de adopção da directiva, quando a revogação do regime derrogatório que se previa em 1 de Julho de 1999 foi definitivamente proclamada. Consequentemente, a NF não sofreu um prejuízo anormal e especial.

60.
    Assim sendo, não há, também, qualquer responsabilidade da Comunidade por facto lícito.

61.
    Daqui decorre que a acção deve ser julgada improcedente na sua globalidade.

Quanto às despesas

62.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená-la nas suas próprias despesas e nas efectuadas pelo Conselho e pela Comissão, em conformidade com os pedidos destes últimos.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)    A acção é julgada improcedente.

2)    A demandante suportará a totalidade das despesas.

Moura Ramos
Pirrung
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: alemão.