Language of document : ECLI:EU:T:2002:243

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

9 de Outubro de 2002 (1)

«Marca comunitária - Regulamento (CE) n.° 40/94 - Cor (tom de laranja) - Motivo absoluto de recusa - Carácter distintivo - Fundamentação»

No processo T-173/00,

KWS Saat AG, com sede em Einbeck (Alemanha), representada por G. Würtenberger, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. von Mühlendahl, E. Joly, J. Miranda de Sousa e A. Di Carlo, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 19 de Abril de 2000 (processo R 282/1999-2),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Junho de 2000,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Outubro de 2000,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Janeiro de 2001,

vista a tréplica apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Fevereiro de 2001,

após a audiência de 26 de Fevereiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1.
    Em 17 de Março de 1998, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) (a seguir «Instituto»), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na redacção então em vigor.

2.
    O sinal cujo registo foi requerido consiste no tom de cor laranja, enquanto tal, apoiado na referência HKS7.

3.
    Os produtos e serviços para os quais foi requerido o registo do sinal enquadram-se nas classes 7, 11, 31 e 42 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços para efeitos de registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição:

-    «Instalações de acondicionamento de sementes, nomeadamente destinadas à purificação, desinfecção, revestimento, calibragem, tratamento de substâncias activas, controlo de qualidade e crivação de sementes», compreendidas na classe 7;

-    «Instalações de acondicionamento de sementes destinadas à secagem, compreendidas na classe 11»;

-    «Produtos agrícolas, hortícolas e florestais», incluídos na classe 31;

-    «Consultadoria técnica e em matéria de gestão empresarial no domínio do cultivo de plantas, em especial do sector das sementes», compreendida na classe 42.

4.
    Por decisão de 25 de Março de 1999, o examinador recusou o pedido ao abrigo do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94, pelo facto de a marca requerida não ter carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento.

5.
    Em 21 de Maio de 1999, a recorrente interpôs recurso para o Instituto, ao abrigo do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, da decisão do examinador.

6.
    Por decisão de 19 de Abril de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), notificada à recorrente em 28 de Junho de 2000, a Segunda Câmara de Recurso negou provimento ao recurso. No essencial, a Câmara de Recurso considerou que a marca requerida era desprovida de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

Pedidos das partes

7.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar o Instituto nas despesas.

8.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

9.
    Na audiência, a recorrente requereu verbalmente ao Tribunal que fosse limitada a lista dos produtos e serviços designados no pedido de registo de marca. No essencial, a lista limitar-se-ia a produtos e serviços de carácter industrial, no que se refere às classes 7 e 11, e de carácter agro-industrial, no que se refere às classes 31 e 42. A recorrente afirma que, com base nesta delimitação, seriam mais claramente evidenciados os meios profissionais que realmente estão em causa.

10.
    O recorrido considera, por um lado, que o referido pedido não pode ser apresentado na pendência da instância e, por outro, que, mesmo assim entendida, a cor dos produtos designados não tem carácter distintivo para os meios industriais interessados.

11.
    A este respeito, deve recordar-se que a faculdade de limitar a lista de produtos e serviços pertence apenas ao requerente de uma marca comunitária, o qual pode, a todo o momento, dirigir ao Instituto um pedido nesse sentido no âmbito das disposições do artigo 44.° do Regulamento n.° 40/94 e da regra 13 do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1).

12.
    Resulta destas disposições que a limitação da lista dos produtos ou serviços designados num pedido de marca comunitária deve ser realizada segundo determinadas regras específicas. Dado que o pedido formulado verbalmente na audiência pela recorrente não obedece a essas regras, não pode ser considerado um pedido de alteração na acepção das disposições já referidas. Por último, não resulta do processo que a recorrente tenha apresentado um requerimento de alteração durante o procedimento na Câmara de Recurso [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITE), T-24/00, Colect., p. II-449].

13.
    Por outro lado, admitir o presente pedido equivaleria a alterar o objecto do litígio na pendência da instância, violando assim o princípio do contraditório. Nos termos do artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, as respostas das partes não podem alterar o objecto do litígio perante a instância de recurso. Efectivamente, compete ao Tribunal de Primeira Instância, no presente contencioso, fiscalizar a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso. Ora, por maioria de razão, uma limitação da lista de produtos e serviços designados e, em consequência, uma alteração do público relevante, quando da audiência no Tribunal de Primeira Instância, alteraria necessariamente o alcance do litígio de modo contrário ao Regulamento de Processo. Por outro lado, isso não exclui a desistência parcial, que, contudo, não se verifica no presente caso.

14.
    À luz das considerações que antecedem, o pedido de limitação dos produtos e serviços referidos no pedido de marca apresentado pela recorrente deve ser julgado inadmissível. Consequentemente, o presente litígio respeita à situação tal como foi analisada pela Câmara de Recurso.

Quanto ao pedido de anulação

15.
    Em apoio do recurso, a recorrente invoca dois fundamentos assentes, por um lado, na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e, por outro, na violação dos artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94.

Quanto ao fundamento assente na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

16.
    A recorrente salienta que as cores são entendidas pelos clientes como um indicador da proveniência comercial dos produtos em questão. Isto resulta da publicidade da empresa que propõe a coloração das sementes como meio de as diferenciar das sementes dos concorrentes. Observa que cada produtor utiliza para as respectivas sementes uma cor que lhe é típica, determinadas sementes só são vendidas, aliás, sob forma colorida.

17.
    A recorrente salienta que as cores geralmente utilizadas para a coloração de sementes são diferentes tons de azul, de amarelo ou de vermelho e não de laranja, que, consequentemente, constitui uma cor de fantasia, pouco habitual e original no que respeita aos produtos em causa. Acresce que o tom específico de laranja requerido, apoiado na referência HKS7, não corresponde à cor natural dos produtos em causa. Assim, para a clientela em questão, torna-se imediatamente perceptível que, quando os produtos estão revestidos da cor HKS7, são provenientes de um fornecedor bem determinado.

18.
    Além disso, a recorrente discorda do entendimento da Câmara de Recurso segundo o qual a cor em questão deve continuar disponível. Ao contrário de outras cores de uso generalizado, o laranja de modo algum é habitual no sector profissional em questão. Consequentemente, os concorrentes não têm necessidade de utilizar esta cor específica.

19.
    Quanto às instalações de acondicionamento de sementes, a recorrente observa que a cor habitualmente utilizada é o vermelho e não o laranja e que as instalações em questão se distinguem das máquinas agrícolas em geral.

20.
    No que respeita aos serviços de consultadoria técnica e em matéria de gestão empresarial no domínio do cultivo de plantas, a recorrente afirma que a única referência invocada pelo Instituto, e apenas nesta fase do processo, a uma empresa neerlandesa que utiliza a cor laranja relativamente a serviços que consistem na colocação à disposição do sector agrícola de meios publicitários e de difusão de informação, não apresenta qualquer conexão com os serviços oferecidos pela recorrente e, assim, não pode bastar para fundamentar o carácter habitual da cor laranja no domínio específico dos serviços acima referidos.

21.
    O Instituto considera que para uma cor poder por si só constituir uma marca, deve ser susceptível de distinguir os produtos e serviços em questão sem que seja necessária uma informação prévia ao público para que este reconheça que se trata de uma marca. A cor por si só deve permitir, sem elementos adicionais, identificar a origem comercial dos produtos e serviços aos quais está associada, sem transmitir outras informações aos consumidores.

22.
    No que respeita às sementes, o Instituto salienta que alguns destes produtos têm, por natureza, a cor laranja. Assim, o consumidor irá associar a cor aos produtos e não à sua origem comercial. O Instituto salienta que a cor tem por função advertir o consumidor em relação a determinadas características particulares, como o acondicionamento do produto ou uma condição da respectiva utilização, e não indicar a origem comercial do mesmo. Daqui conclui que, mesmo que a cor tenha por objectivo indicar essa origem, somente uma prática constante e séria poderá acabar por criar uma associação no espírito do consumidor entre uma cor e um produtor.

23.
    Em relação às máquinas agrícolas, o Instituto realça que a cor laranja, em todos os seus tons, é muito utilizada. Acresce que o laranja é a cor natural do mínio de chumbo, que é um anticorrosivo utilizado nas referidas máquinas. Consequentemente, a cor laranja HKS7 não é entendida como indicando a origem comercial dos aparelhos, mas como um elemento decorativo ou funcional. Acresce que o Instituto afirma que, tendo em conta as respectivas características e finalidade, as instalações de acondicionamento de sementes se enquadram na categoria geral das máquinas agrícolas em relação à qual é corrente a utilização de diferentes tintas vermelho e laranja.

24.
    Em relação aos serviços, o Instituto observa que, em todos os sectores de actividade, as cores são exploradas para fins decorativos, não sendo, por isso, entendidas pelo consumidor como identificando a origem comercial dos produtos, mas como mero elemento decorativo de uma apresentação comercial. No caso concreto, o Instituto considera não existem indícios que permitam ao consumidor ligar a cor em questão à identificação da origem comercial dos serviços. Por outro lado, observa que pelo menos um concorrente da recorrente utiliza a cor laranja, e que a referida cor não pode, por isso, ser considerada como totalmente excepcional para os serviços em causa.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

25.
    Deve desde logo salientar-se que as cores ou combinações de cores, enquanto tais, são susceptíveis de constituir uma marca comunitária na medida em que sejam adequadas para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa.

26.
    Contudo, a aptidão geral de uma categoria de sinais para constituir uma marca não implica que os sinais dessa categoria possuam necessariamente carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 em relação a um produto ou a um serviço determinado.

27.
    Os sinais destituídos de carácter distintivo a que faz referência o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 são incapazes de exercer a função essencial da marca, isto é, identificar a origem do produto ou do serviço, para assim permitir que o consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa faça, no momento de uma aquisição posterior, a mesma escolha se a experiência for positiva ou outra escolha se a experiência for negativa.

28.
    O carácter distintivo de um sinal apenas pode ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos e serviços para os quais o registo é pedido e, por outro, em relação à percepção que dele tem o público relevante.

29.
    Deve ainda salientar-se que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não faz distinção entre os sinais de natureza diferente. Contudo, a percepção do público relevante não é necessariamente a mesma no caso de um sinal constituído por uma cor ou uma combinação de cores, enquanto tais, ou no caso de uma marca nominativa ou figurativa que consista num sinal independente do aspecto dos produtos que identifica. Efectivamente, se o público está habituado a apreender imediatamente as marcas nominativas ou figurativas como sinais identificadores da origem comercial do produto, o mesmo não sucede necessariamente quando o sinal se confunde com o aspecto exterior do produto ou quando é constituído apenas por uma cor ou cores utilizadas para anunciar serviços.

30.
    Por último, há que salientar que as cores ou combinações de cores podem ter várias funções, designadamente técnicas, decorativas ou indicativas da origem comercial de um produto ou de um serviço. A este respeito, na medida em que o público relevante apreende o sinal como uma indicação da origem comercial do produto ou do serviço, o facto de esse sinal desempenhar várias funções em simultâneo é irrelevante para o seu carácter distintivo.

31.
    No presente caso, a Câmara de Recurso concluiu que «os produtos e serviços [em causa] não se enquadram nos bens de necessidade quotidiana, antes se dirigem a uma clientela especializada que opera num sector específico». Deve considerar-se que o público relevante é um público particular que dispõe de um grau de conhecimentos e de atenção mais elevado do que o público em geral. Nessa medida, o público em questão não é nem especialista de cada um dos produtos ou serviços individualmente considerados, como preconiza indirectamente a recorrente, nem um público não profissional, constituído pelos meios interessados em geral, como o Instituto o definiu na audiência.

32.
    No que respeita aos produtos agrícolas, hortícolas e florestais abrangidos pela classe 31 e, designadamente, no que respeita às sementes, produto mais particularmente avançado pela recorrente, há que considerar que, tendo em conta a respectiva natureza, designadamente os seus tamanho e forma, que podem tornar difícil a aposição de uma marca nominativa ou figurativa, e uma vez que o grau de conhecimento do público relevante lhe permite distinguir imediatamente o tom da cor pretendida da cor natural desses produtos, o mesmo público pode apreender que se trata de um elemento específico do produto que permite identificar a sua origem comercial. Acresce que, uma vez que as sementes se destinam a ser lançadas à terra e, portanto, a escaparem à percepção visual, o público relevante não será levado a pensar que o tom da cor desempenha uma função decorativa ou estética, antes foi efectivamente utilizado para distinguir os produtos assim coloridos de produtos com origem comercial diferente.

33.
    Apesar disso, como concluiu a Câmara de Recurso no n.° 18 da decisão impugnada, a utilização de cores, incluindo o tom laranja requerido ou tons muito aproximados, não é rara em relação a estes produtos. Assim, o sinal requerido não permitirá que o público relevante distinga de forma imediata e segura os produtos da recorrente dos de outras empresas coloridos com outros tons de laranja.

34.
    Por outro lado, mesmo na hipótese de a referida cor não ser habitual para determinadas categorias de sementes, como as sementes de milho ou de beterraba a que a recorrente se referiu na audiência, há que salientar que outras cores são igualmente utilizadas por determinadas empresas para indicar que as sementes foram sujeitas a acondicionamento.

35.
    A este respeito, deve recordar-se que o público relevante dispõe de um grau de conhecimentos particular, conforme foi salientado no n.° 31 supra, no mínimo suficiente para não ignorar que as cores das sementes podem servir, entre outras coisas, para indicar que as sementes foram sujeitas a acondicionamento. Assim, como realçou a Câmara de Recurso, o público relevante não apreenderá a cor requerida como uma indicação da origem comercial das sementes em causa.

36.
    Esta conclusão não é contrariada pelo argumento da recorrente segundo o qual a cor requerida, para os seus produtos, não tem uma função técnica para efeitos da preparação das sementes.

37.
    Efectivamente, tendo em conta a utilização das cores em geral para finalidades técnicas no sector em questão, o público relevante não pode pôr desde logo de parte a hipótese de que a cor laranja é, ou pode ser, utilizada para indicar que as sementes foram sujeitas a acondicionamento. Consequentemente, se não tiver sido previamente advertido, o público relevante não pode concluir que o tom laranja requerido representa a indicação da origem comercial das sementes.

38.
    Por outro lado, o pedido de marca não se limita às sementes de beterraba açucareira e de milho e, por isso, deve ser apreciado em relação às sementes em geral, categoria mencionada como exemplo de produtos agrícolas em causa no pedido de marca, e não em relação a sementes de uma espécie em particular especificamente designada.

39.
    No que respeita às instalações de acondicionamento, abrangidas pelas classes 7 e 11, há que salientar que estes produtos pertencem à categoria geral das máquinas agrícolas. A recorrente não adiantou elementos que, em função da natureza dessas instalações, do seu destino ou do seu modo de comercialização, permitam criar uma categoria particular de produtos para a qual não sejam vulgarmente utilizadas determinadas cores. Acresce que o público relevante em causa é igualmente o consumidor médio, no caso concreto, o da totalidade das máquinas agrícolas, e não um público demasiado específico que disponha de uma atenção ou de conhecimentos que possam influenciar a sua percepção das cores que apresentam as máquinas agrícolas, e que esteja particularmente informado apenas em relação às instalações de acondicionamento.

40.
    À luz destas considerações, a Câmara de Recurso concluiu correctamente, no n.° 21 da decisão impugnada, que não é raro encontrar máquinas com a referida cor ou uma pintura semelhante. É de notar que, uma vez que é habitual, a cor laranja não permitirá ao público relevante distinguir de modo imediato e seguro as instalações da recorrente de máquinas coloridas em tons de laranja semelhantes que tenham outra origem comercial. Assim, o público relevante apreenderá sobretudo a cor requerida como um mero elemento de acabamento dos produtos em causa.

41.
    No que respeita aos serviços abrangidos pela classe 42, conforme resulta do n.° 21 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que o tom de cor requerido não pode ser considerado indicação de origem na falta de elementos suplementares, gráficos ou verbais.

42.
    A este respeito, deve realçar-se, em primeiro lugar, que, no que respeita aos serviços, uma cor não se aplica ao serviço em si mesmo, que é por natureza incolor, e não lhe confere qualquer valor substancial. O público relevante pode, por isso, distinguir a utilização de uma cor correspondente a um mero elemento decorativo da sua utilização como indicador da origem comercial do serviço. Efectivamente, na ausência, designadamente, de elementos verbais, o público relevante pode desde logo aperceber-se se a cor utilizada em conexão com os serviços resulta de uma opção arbitrária da empresa que oferece os referidos serviços.

43.
    Quanto a este ponto, é de notar que, no exemplo apresentado pelo Instituto para ilustrar o carácter habitual da cor laranja em apresentação comercial de serviços, a cor é utilizada como elemento de um logotipo, em conjugação com outras cores e de modo secundário em relação a um sinal verbal predominante, e não enquanto tal.

44.
    Em segundo lugar, é de salientar que a cor em questão desempenha outras funções mais imediatas; pode ser fácil e imediatamente memorizada pelo público relevante como sinal distintivo para os serviços identificados. A este respeito, a debilidade de uma marca deste tipo enquanto meio de comunicação, resultante do facto de, na falta de elementos gráficos adicionais, a marca não permitir identificar por si só a recorrente como prestadora dos serviços em questão, é irrelevante para o seu carácter distintivo. Efectivamente, não é necessário que o sinal requerido transmita uma informação exacta quanto à identidade do prestador de serviços. Basta que a marca permita ao público em questão distinguir o serviço que ela designa dos serviços que têm outra origem comercial.

45.
    Além disso, na medida em que a cor reivindicada para determinados serviços em especial corresponde a um tom específico, continuam a estar disponíveis muitas outras cores para serviços idênticos ou similares. Assim, a Câmara de Recurso referiu erradamente que o registo do sinal representaria uma limitação ilegítima da escolha dos concorrentes de utilizarem essa cor para apresentarem os seus serviços ou identificarem a sua empresa.

46.
    Consequentemente, é de concluir que o sinal constituído pelo tom de laranja enquanto tal é susceptível de permitir ao público relevante distinguir os serviços em questão dos que têm outra origem comercial, ao ter de fazer a sua opção quando de uma aquisição ulterior.

47.
    Resulta de todas as considerações que antecedem que o fundamento assente na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 deve ser julgado procedente no que respeita aos serviços abrangidos pela classe 42 e improcedente no que respeita à totalidade dos produtos agrícolas, hortícolas e florestais abrangidos pela classe 31, e das instalações de acondicionamento abrangidas pelas classes 7 e 11.

Quanto ao fundamento assente na violação dos artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

48.
    A recorrente salienta que o artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94 obriga o Instituto a fundamentar as suas decisões. Esta obrigação tem por objectivo obrigar a administração a preparar cuidadosamente a sua decisão através de averiguações de facto.

49.
    A recorrente afirma que não lhe foram comunicados os documentos em que o Instituto se baseou para adoptar a sua decisão, o que a impede de verificar a adequação das averiguações efectuadas pelo mesmo, de entender o raciocínio subjacente e a justeza das mesmas e, eventualmente, de contestar as conclusões que delas foram extraídas. Por este motivo, a recorrente considera ter sido privada do seu direito de ser ouvida e da possibilidade de limitar a lista dos produtos e serviços contida no pedido.

50.
    Além disso, no entender da recorrente, toda e qualquer decisão, nos termos do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, deve ser baseada em factos concretos. No presente processo, a existência de decisões análogas à decisão impugnada não suprime a exigência de fundamentação no processo em causa.

51.
    O Instituto observa que há que distinguir entre o dever de fundamentação e um dever de demonstração no sentido de provar de modo irrefutável a materialidade dos factos e a exactidão jurídica da fundamentação.

52.
    Salienta que o artigo 73.° do regulamento deve ser interpretado à luz da jurisprudência comunitária que faz depender o grau de exigência da fundamentação da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado.

53.
    O Instituto observa que, ao conceder à recorrente a possibilidade excepcional de apresentar uma réplica, o Tribunal de Primeira Instância entendeu justamente proporcionar-lhe a ocasião de contestar a pertinência das alegações desenvolvidas pelo Instituto e dos documentos apresentados em apoio destas.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

54.
    Em primeiro lugar, há que realçar que o dever de fundamentação das decisões do Instituto está consagrado no artigo 73.°, primeiro período, do Regulamento n.° 40/94.

55.
    Esta fundamentação deve permitir dar a conhecer, sendo caso disso, as razões do indeferimento do pedido de registo e impugnar utilmente a decisão controvertida [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Taurus-Film/IHMI (Cine Action), T-135/99, Colect., p. II-379, n.° 35, e Taurus-Film/IHMI (Cine Comedy), T-136/99, Colect., p. II-397, n.° 35].

56.
    No presente caso, resulta da decisão impugnada que a Câmara de Recurso refere os diferentes critérios utilizados para determinar se uma cor tem carácter distintivo, isto é, designadamente a percepção da cor requerida pela «clientela visada» e o carácter habitual da mesma cor bem como a utilização que dela é feita no que respeita aos diferentes produtos e serviços visados. Ainda que a fundamentação da decisão impugnada seja sucinta, a mesma permite à recorrente conhecer as razões do indeferimento do seu pedido de registo relativamente a cada um dos produtos e serviços designados. Acresce que, quanto ao aspecto difícil relacionado com a presença ou ausência de cores nas sementes, a Câmara de Recurso elaborou uma fundamentação mais detalhada incluindo referências aos elementos de facto utilizados. Assim, a recorrente dispôs dos elementos necessários para compreender a decisão impugnada e contestar a respectiva legalidade perante o órgão jurisdicional comunitário.

57.
    Em segundo lugar, há que salientar que, nos termos do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, as decisões do Instituto só se podem basear em fundamentos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar-se.

58.
    No que respeita aos argumentos da recorrente relacionados com o facto de que não lhe foram comunicados os documentos nos quais a Câmara de Recurso se baseou para adoptar a decisão impugnada e de que não pôde apresentar as suas observações relativamente a esses documentos, há que concluir que esses documentos não lhe eram indispensáveis para entender a referida decisão e eventualmente exercer o seu direito de limitar a lista dos produtos e serviços designados. Com efeito, na fundamentação do recurso que interpôs para a Câmara de Recurso, afigura-se que a recorrente conhecia, no essencial, os argumentos e elementos que iam ser examinados pela mesma câmara para infirmar ou confirmar a decisão do examinador e, por isso, que a recorrente teve possibilidade de se manifestar a esse respeito.

59.
    Consequentemente, a Câmara de Recurso não violou o artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94 ao não transmitir à recorrente documentos utilizados unicamente a fim de preparar e basear a decisão impugnada em fundamentos e num raciocínio já conhecidos da recorrente.

60.
    Além disso, no que respeita ao dever do Instituto de proceder ao exame oficioso dos factos, em conformidade com o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, é de concluir que a Câmara de Recurso examinou devidamente e utilizou determinado número de factos relevantes para avaliar o carácter distintivo do sinal no que respeita aos diferentes produtos e serviços visados no pedido de marca. A este respeito, as decisões análogas à decisão impugnada anteriormente adoptadas pelo Instituto ou os exemplos encontrados na Internet não constituem uma substituição do raciocínio desenvolvido na decisão impugnada nem factos novos que não tenham sido oficiosamente examinados, mas sim elementos complementares adiantados pelo Instituto nos seus articulados para permitir verificar o fundamento jurídico da decisão impugnada.

61.
    Tendo em conta as considerações que antecedem, improcede o fundamento assente na violação dos artigos 73.° e 74.°

Quanto às despesas

62.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes se cada parte obtiver vencimento parcial. No caso concreto, uma vez que o recurso da recorrente apenas foi julgado procedente no que respeita à categoria dos serviços, há que decidir que a recorrente suporte as suas despesas, bem como dois terços das despesas do recorrido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    A decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 19 de Abril de 2000 (processo R 282/1999-2), é anulada no que respeita aos serviços abrangidos pela classe 42.

2.
    É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas bem como dois terços das despesas do recorrido. O recorrido suportará um terço das suas despesas.

Moura Ramos
Pirrung
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Outubro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: alemão.