Language of document : ECLI:EU:T:2018:786

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

15 de novembro de 2018 (*)

«Auxílios de Estado — Regime fiscal que permite às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) resultante da aquisição de participações em empresas com domicílio fiscal no estrangeiro — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum e ordena a sua recuperação parcial — Disposição que permite ao regime continuar a ser parcialmente aplicável — Pedido de não conhecimento do mérito — Manutenção do interesse em agir — Confiança legítima — Garantias precisas dadas pela Comissão — Legitimidade da confiança — Âmbito de aplicação temporal da confiança legítima»

No processo T‑207/10,

Deutsche Telekom AG, com sede em Bonn (Alemanha), representada inicialmente por A. Cordewener e J. Schönfeld, em seguida por Schönfeld, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por B. Martenczuk, T. Maxian Rusche e C. Urraca Caviedes, em seguida por T. Maxian Rusche e C. Urraca Caviedes, e, por último, por T. Maxian Rusche, C. Urraca Caviedes e K. Blanck‑Putz, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Ebro Foods, SA, com sede em Madrid (Espanha), representada inicialmente por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, M. Muñoz de Juan e R. Calvo Salinero, em seguida por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro e R. Calvo Salinero, advogados,

por

Banco Santander, SA, com sede em Santander (Espanha), representado inicialmente por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, M. Muñoz de Juan e R. Calvo Salinero, em seguida por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro e R. Calvo Salinero,

por

Iberdrola, SA, com sede em Bilbau (Espanha), representada inicialmente por J. Ruiz Calzado, M. Núñez Müller e J. Domínguez Pérez, em seguida por J. Ruiz Calzado, J. Domínguez Pérez e S. Völcker, advogados,

e por

Telefónica, SA, com sede em Madrid, representada inicialmente por J. Ruiz Calzado, M. Núñez Müller e J. Domínguez Pérez, em seguida por J. Ruiz Calzado, J. Domínguez Pérez e S. Völcker, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação do artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras — Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Através de várias perguntas escritas colocadas em 2005 e em 2006 (E‑4431/05, E‑4772/05, E‑5800/06 e P‑5509/06), alguns membros do Parlamento Europeu interrogaram a Comissão das Comunidades Europeias sobre a qualificação de auxílio de Estado da norma prevista no artigo 12.o, n.o 5, da Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei espanhola relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades), aditado à mesma pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001 que institui medidas fiscais, administrativas e de ordem social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, de 5 de março, por el que se aprueba el Texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004 que aprova o texto reformulado da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951; a seguir «regime controvertido»).

2        Segundo a resposta dada em 19 de janeiro de 2006 à pergunta E‑4431/05:

«A Comissão não está em condições de confirmar se as elevadas ofertas das empresas espanholas se devem à legislação fiscal espanhola, que permite que as empresas amortizem o goodwill mais rapidamente do que as homólogas francesas ou italianas. A Comissão pode, contudo, confirmar que as referidas legislações nacionais não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais, pois constituem regras gerais de depreciação que são aplicáveis a todas as empresas com sede em território espanhol.»

3        Segundo a resposta dada em 17 de fevereiro de 2006 à pergunta E‑4772/05:

«Segundo as informações de que a Comissão dispõe, tudo indica que as regras (fiscais) espanholas relativas à amortização de goodwill são aplicáveis a todas as empresas espanholas, públicas ou privadas, independentemente da sua dimensão, setor ou forma jurídica, pois constituem regras gerais de depreciação. Por conseguinte, não parecem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais. A Comissão irá, certamente, proceder a uma investigação aprofundada sobre qualquer informação contrária que seja do seu conhecimento.»

4        Por cartas de 15 de janeiro e de 26 de março de 2007, a Comissão solicitou informações às autoridades espanholas, a fim de determinar o âmbito e os efeitos do regime controvertido. Por cartas de 16 de fevereiro e de 4 de junho de 2007, o Reino de Espanha enviou à Comissão as informações solicitadas.

5        Por fax de 28 de agosto de 2007, a Comissão recebeu uma denúncia da recorrente, a Deutsche Telekom AG, que alegava que o regime controvertido correspondia a um auxílio estatal incompatível com o mercado comum.

6        Por decisão de 10 de outubro de 2007, cujo resumo foi publicado em 21 de dezembro de 2007 (JO 2007, C 311, p. 21), a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação relativamente ao regime controvertido.

7        Por carta de 5 de dezembro de 2007, a Comissão recebeu as observações do Reino de Espanha relativas a essa decisão de dar início ao procedimento formal. Entre 18 de janeiro e 16 de junho de 2008, a Comissão recebeu igualmente as observações de 32 partes interessadas, entre as quais as da recorrente, em 12 de fevereiro de 2008. Por cartas de 30 de junho de 2008 e de 22 de abril de 2009, o Reino de Espanha apresentou os seus comentários às observações das partes interessadas.

8        A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações realizadas na União Europeia, com a sua Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras — Processo C‑45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07), aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48) (a seguir «decisão impugnada»).

9        A decisão impugnada declara o regime controvertido incompatível com o mercado comum, o que permite às empresas sujeitas a tributação em Espanha amortizar a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) resultante de uma aquisição de participações em empresas estrangeiras sedeadas na União.

10      Contudo, o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da decisão impugnada permite que o regime controvertido continue a aplicar‑se durante todo o período de amortização estabelecido pelo referido regime, respetivamente, à aquisição de participações realizadas antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em 21 de dezembro de 2007, da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação e à aquisição de participações cuja realização, sujeita a uma autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação tenha sido notificada antes dessa data, tenha sido irrevogavelmente iniciada antes de 21 de dezembro de 2007.

11      O artigo 4.o, n.o 1, da decisão impugnada prevê que a obrigação de recuperação imposta ao Reino de Espanha não diz respeito aos auxílios relativos à aquisição de participações previstas no artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão. Na audiência, a Comissão explicou que a falta de referência no artigo 4.o da decisão impugnada à aquisição de participações previstas no artigo 1.o, n.o 3, da referida decisão resulta de um erro material, o que ficou a constar da ata da audiência.

 Tramitação processual e pedidos das partes

12      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de maio de 2010, a recorrente interpôs o presente recurso.

13      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de agosto e 7 de setembro de 2010, a Ebro Foods, SA, o Banco Santander, SA, a Iberdrola, SA, e a Telefónica, SA, pediram para intervir no presente processo em apoio da Comissão. Por Despachos de 26 de novembro de 2010, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral admitiu essas intervenções e autorizou a Iberdrola e a Telefónica a utilizar o inglês na fase oral do processo.

14      O processo foi suspenso por duas vezes, em primeiro lugar, pelo Despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral de 13 de março de 2014, até às decisões que põem termo às instâncias nos processos T‑219/10, Autogrill España/Comissão, e T‑399/11, Banco Santander e Santusa/Comissão, depois pelo do Despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral de 9 de março de 2015, na pendência da decisão que põe termo à instância nos recursos interpostos contra os acórdãos proferidos nesses dois processos (Acórdãos de 7 novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão, T‑399/11, EU:T:2014:938, e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão, T‑219/10, EU:T:2014:939). O processo foi retomado em 21 de dezembro de 2016, data da prolação do Acórdão Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), que decidiu sobre esses recursos. Por Decisão de 13 de fevereiro de 2017, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral indeferiu o pedido da recorrente destinado a suspender o presente processo até à decisão que põe termo à instância no processo T‑219/10 RENV, World Duty Free Group/Comissão.

15      Por decisões de 20 e de 30 de outubro de 2017, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral autorizou os intervenientes a alegar em espanhol na audiência.

16      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de outubro de 2017, a Comissão apresentou um pedido de não conhecimento do mérito. Este pedido de não conhecimento do mérito foi junto à decisão de mérito por Despacho do Tribunal Geral de 13 de novembro de 2017.

17      As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 16 de novembro de 2017.

18      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        «anular a [decisão impugnada] no que diz respeito à regra relativa à proteção da confiança legítima prevista no artigo 1.o, n.os 2 e 3, a favor de certos investidores espanhóis que nela são designados» (a seguir «disposição impugnada»);

–        condenar a Comissão nas despesas, com exceção das decorrentes das intervenções que devem ficar a cargo dos intervenientes e, a título subsidiário, no caso de ser negado provimento ao recurso, condenar cada parte a suportar as suas próprias despesas;

–        a título subsidiário, suspender a presente instância até que seja proferida uma decisão definitiva sobre os recursos interpostos da Decisão (UE) 2015/314 da Comissão, de 15 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.35550 (13/C) (ex 13/NN) (ex 12/CP) concedido pela Espanha — Regime de amortização fiscal do goodwill financeiro em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras (JO 2015, L 56, p. 38).

19      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, declarar que não há que conhecer do mérito da causa;

–        a título ainda mais subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

20      A Ebro Foods, o Banco Santander, a Iberdrola e a Telefónica concluem pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        julgar o recurso inadmissível e, a título subsidiário, negar‑lhe provimento;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao pedido de não conhecimento do mérito

21      A Comissão alega, em apoio do seu pedido de não conhecimento do mérito sobre o presente recurso, que a recorrente perdeu o seu interesse em agir. Segundo a Comissão, a aquisição de uma participação pela Telefónica, concorrente da recorrente, na sociedade O2, invocada pela recorrente em apoio do seu interesse em pedir a anulação da disposição impugnada, na medida em que autorizou esta concorrente a aplicar o regime controvertido a título da aquisição de participação em causa, não estava abrangida pela referida disposição, como resulta da nova interpretação administrativa do regime controvertido pelas autoridades espanholas (parecer vinculativo V0608‑12 de 21 de março de 2012) e da sua apreciação pela Comissão na Decisão 2015/314. Os quatro intervenientes indicaram que não apoiavam este pedido de não conhecimento do mérito nem os motivos subjacentes, sublinhando nomeadamente que a análise desses motivos levaria a que o Tribunal Geral se devesse pronunciar sobre questões que são objeto de fundamentos invocados em apoio dos seus recursos interpostos contra a Decisão 2015/314 (processos T‑12/15, Banco Santander e Santusa/Comissão, T‑256/15, Telefónica/Comissão, e T‑260/15, Iberdrola/Comissão).

22      Importa recordar a jurisprudência constante nos termos da qual o interesse em agir de um recorrente deve existir, tendo em conta o objeto do recurso, no momento da sua interposição, sob pena de este ser julgado inadmissível. Este objeto do litígio deve perdurar, tal como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de o Tribunal não conhecer do mérito da causa, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v. Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 61 e jurisprudência referida).

23      No caso em apreço, a Comissão alega, em substância, que resulta de circunstâncias posteriores à interposição do presente recurso que a disposição impugnada não permitia à Telefónica aplicar o regime controvertido e, assim, não a tinha beneficiado aquando da aquisição da sociedade O2. Daqui resulta que a recorrente já não tem interesse em pedir a anulação da disposição impugnada para obter a supressão retroativa da vantagem concedida à sua concorrente.

24      Importa recordar que a manutenção do interesse em agir de um recorrente deve ser apreciada in concreto, tendo em conta, nomeadamente, as consequências da ilegalidade alegada e a natureza do prejuízo pretensamente sofrido (v. Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 65 e jurisprudência referida).

25      Ora, no caso em apreço, há que considerar que, mesmo admitindo, como alega a Comissão, que a Telefónica não pôde beneficiar do regime controvertido antes da interpretação administrativa acima referida e que não era, por conseguinte, abrangida pela disposição impugnada, o interesse da recorrente em obter a anulação desta disposição persiste.

26      Antes de mais, esse interesse resulta da qualidade da recorrente como parte interessada autora da denúncia bem como da rejeição parcial e, em substância, desta denúncia pela disposição impugnada.

27      Com efeito, mesmo que a decisão impugnada e, assim, a disposição impugnada, não constituísse uma resposta expressa à denúncia da recorrente (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 317 e jurisprudência referida), não é menos verdade que, contrariamente ao que foi invocado pela recorrente na sua denúncia, a Comissão considerou nessa decisão que o regime controvertido podia continuar a ser aplicável em certos casos que são aí especificados. Ora, essa rejeição basta para caracterizar o interesse em agir da recorrente no presente caso, no sentido de que a anulação dessa rejeição assente no fundamento único que invocou é suscetível de lhe conferir um benefício, o de ver o regime controvertido declarado ilegal e proibido, incluindo nos casos referidos pela disposição impugnada.

28      Com efeito, não se contesta que a recorrente é uma «parte interessada» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), conforme alterado, «cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio», que tem assim por definição um «interesse» no procedimento formal de investigação que deve levar à adoção de uma decisão pela Comissão e, correlativamente, tendo em conta a rejeição da sua denúncia pela referida decisão, um interesse em interpor um recurso dessa decisão que não lhe é favorável. Importa sublinhar que a recorrente é, além disso, a parte interessada que apresentou a denúncia que deu origem ao início do procedimento formal de investigação e que, no âmbito dessa denúncia, explicou os motivos desta, em primeiro lugar e antes da referência à desvantagem concorrencial sofrida com a operação relativa à sociedade O2, ao evocar a vantagem concorrencial concedida de forma geral às sociedades espanholas do setor das telecomunicações no qual opera também a recorrente e a vantagem concedida de forma geral à sua concorrente espanhola Telefónica, independentemente da sua aquisição de uma participação na sociedade O2.

29      Daqui decorre que a circunstância alegada pela Comissão e alegadamente surgida depois da interposição do presente recurso, segundo a qual a Telefónica não pôde beneficiar do regime controvertido declarado ilegal pela decisão impugnada quando da sua aquisição de uma participação na sociedade O2 e que não foi autorizada pela disposição impugnada a aplicar o referido regime a título desta aquisição de participação, não é suscetível de colocar em causa o interesse em agir da recorrente contra a disposição impugnada. Caso contrário, e, em especial, se fosse exigido às partes interessadas e, nomeadamente, às que estão na origem do início do procedimento formal de investigação que demonstrassem além disso, como alega em substância a Comissão, a sua qualidade de concorrente de um beneficiário efetivo do regime controvertido analisado pela decisão impugnada, tal equivaleria a confundir a condição de admissibilidade primeira e essencial de qualquer ação judicial que é o interesse em agir, que deve perdurar até o termo da ação, e a legitimidade ativa, que constituem, no entanto, requisitos distintos que uma pessoa singular ou coletiva deve cumprir cumulativamente (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 58 e 62 e jurisprudência referida).

30      Importa acrescentar que não é contestado que, antes da ocorrência das circunstâncias posteriores à interposição do presente recurso invocadas pela Comissão, a Telefónica tinha efetivamente beneficiado do regime controvertido a título da sua aquisição de uma participação na sociedade O2, como declarou o Tribunal Geral no Despacho de 21 de março de 2012, Telefónica/Comissão (T‑228/10, não publicado, EU:T:2012:140, n.o 26), e que esse benefício efetivo do regime controvertido pelo concorrente de um autor de uma denúncia, que denunciou precisamente a vantagem conferida no âmbito dessa aquisição de participação, permite também, e em todo o caso, considerar que esse autor da denúncia conserva um interesse em agir contra uma decisão que rejeitou essa denúncia.

31      Em seguida, importa considerar que a recorrente também conserva um interesse em pedir a anulação da decisão impugnada, a fim de evitar que a ilegalidade de que esta está alegadamente viciada se reproduza no futuro (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 50 e jurisprudência referida). Importa sublinhar para este efeito que a ilegalidade invocada é suscetível de se repetir no futuro independentemente das circunstâncias que deram origem ao presente recurso, uma vez que põe em causa, independentemente dessas circunstâncias, a interpretação das condições gerais de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima e o alcance temporal da proteção suscetível de ser conferida ao abrigo deste princípio (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2008, Reliance Industries/Conselho e Comissão, T‑45/06, EU:T:2008:398, n.o 43).

32      Daqui se conclui que o pedido da Comissão de não conhecimento do mérito deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário tomar uma posição sobre o alcance da Decisão 2015/314 e, assim, sem que deva ser dado provimento ao pedido de suspensão apresentado pela recorrente apenas para o caso de o Tribunal Geral decidir pronunciar‑se sobre a referida decisão, pedido que deve, por conseguinte, ser igualmente julgado improcedente.

 Quanto à procedência do recurso

33      A recorrente invoca um único fundamento, relativo à aplicação errada do princípio da proteção da confiança legítima. A Comissão considerou erradamente que devia aplicar este princípio a favor de determinados beneficiários do regime controvertido, apesar de os requisitos de aplicação desse princípio não estarem preenchidos. Com efeito, a Comissão devia ter ordenado a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo desse regime e não ter autorizado que o referido regime continuasse a ser aplicável às aquisições de participações anteriores à publicação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação.

34      A este respeito, importa recordar que a Comissão justificou a autorização de prosseguir a aplicação do regime controvertido a determinadas aquisições de participações — aquisições de participações efetuadas antes da publicação no Jornal Oficial, em 21 de dezembro de 2007, da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação e aquisições de participações cuja realização, sujeita à autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação tinha sido notificada antes dessa data, tinha sido irrevogavelmente iniciada antes de 21 de dezembro de 2007 — e a falta de recuperação de determinadas deduções fiscais correspondentes pela existência de uma confiança legítima em relação aos beneficiários de que os apoios em causa tinham sido concedidos em conformidade com as regras do Tratado CE. Com efeito, segundo a Comissão, com as suas duas declarações de 19 de janeiro e de 17 de fevereiro de 2006, em resposta a perguntas parlamentares, tinha dado, até 21 de dezembro de 2007, data da publicação no Jornal Oficial da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, garantias específicas, incondicionais e coerentes que fizeram surgir nos beneficiários do regime controvertido expectativas fundadas de que o referido regime não estava abrangido pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais (considerandos 158 a 170 da decisão impugnada).

35      Importa igualmente recordar que, por força do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999, «[n]as decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário». A supressão de um auxílio estatal ilegalmente concedido mediante recuperação é a consequência lógica do reconhecimento da sua ilegalidade. Com efeito, a obrigação que incumbe ao Estado de suprimir um auxílio considerado pela Comissão incompatível com o mercado comum visa o restabelecimento da situação anterior [v. Acórdão de 5 de Agosto de 2003, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, T‑116/01 e T‑118/01, EU:T:2003:217, n.o 223 e jurisprudência referida], fazendo perder ao beneficiário a vantagem de que tinha efetivamente beneficiado relativamente aos seus concorrentes (v. Acórdãos de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, EU:C:2002:143, n.o 99 e jurisprudência referida, e de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, EU:C:2004:238, n.o 75 e jurisprudência referida; Acórdão de 15 de junho de 2010, Mediaset/Comissão, T‑177/07, EU:T:2010:233, n.o 169).

36      Contudo, esta mesma disposição prevê que «[a] Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário».

37      Ora, é jurisprudência constante que o princípio da proteção da confiança legítima constitui um princípio geral do direito da União. Com efeito, este princípio foi objeto de um reconhecimento progressivo na ordem jurídica da União pela jurisprudência, que o consagrou como uma «regra superior de direito» que protege os particulares (Acórdão de 14 de maio de 1975, CNTA/Comissão, 74/74, EU:C:1975:59, n.o 44), um «princípio fundamental da Comunidade» (Acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.o 73), ou ainda um «princípio geral» (Acórdão de 4 de outubro de 2001, Itália/Comissão, C‑403/99, EU:C:2001:507, n.o 35). É considerado corolário do princípio da segurança jurídica, que exige que a legislação da União seja certa e a sua aplicação previsível para os particulares, no sentido de que visa, em caso de alteração da norma jurídica, garantir a proteção das situações legitimamente adquiridas por uma ou várias pessoas singulares ou coletivas em particular (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2000, Rombi e Arkopharma, C‑107/97, EU:C:2000:253, n.o 66 e jurisprudência referida, e Conclusões do advogado‑geral P. Léger nos processos apensos Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89, n.o 367).

38      No caso em apreço, há que salientar, a título preliminar, que as partes estão de acordo em reconhecer que o regime controvertido não foi notificado à Comissão e que, por conseguinte, não foi cumprida a obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

39      Em seguida, há que salientar que a recorrente admitiu na audiência que o princípio da proteção da confiança legítima era aplicável, a título excecional, aos auxílios não notificados e, assim, renunciou à sua alegação relativa à não aplicação desse princípio quando um regime de auxílios seja formalmente ilegal devido à sua falta de notificação, o que foi registado na ata da audiência.

40      Com efeito, resulta da jurisprudência que a confiança legítima pode proteger os beneficiários de um auxílio não notificado, mas apenas em circunstâncias excecionais.

41      Mais especificamente, foi declarado que, tendo em conta o papel fundamental desempenhado pela obrigação de notificação para permitir a efetividade da fiscalização dos auxílios de Estado pela Comissão, a qual tem caráter imperativo, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem, em princípio, ter confiança legítima na legalidade da concessão do referido auxílio se tiver sido concedido no respeito do procedimento previsto no artigo 108.o TFUE, e um operador económico diligente deve em geral estar em condições de garantir que esse procedimento foi respeitado. Em particular, quando um auxílio é executado sem notificação prévia da Comissão, sendo por isso ilegal nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o beneficiário do auxílio não pode, nesse momento, ter uma confiança legítima na legalidade da sua concessão, salvo no caso de se verificarem circunstâncias excecionais (v., nesse sentido, Acórdãos de 24 novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 16 e 17; de 20 de setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C‑5/89, EU:C:1990:320, n.os 14 e 16; de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 134; de 27 de janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T‑67/94, EU:T:1998:7, n.o 182; de 16 de outubro de 2014, Alcoa Trasformazioni/Comissão, T‑177/10, EU:T:2014:897, n.o 61; e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 214).

42      A admissão desta exceção justifica‑se nomeadamente pelo estatuto diferente dos Estados‑Membros e dos beneficiários em relação à obrigação de notificação. Com efeito, apenas os Estados‑Membros são destinatários desta obrigação e não se podem basear no seu próprio comportamento ilegal para pôr em causa as decisões tomadas pela Comissão bem como o efeito útil dos artigos 107.o e 108.o TFUE nem invocar a sua confiança legítima na legalidade um auxílio que não notificaram (v. Acórdão de 28 de julho de 2011, Diputación Foral de Vizcaya e o./Comissão, C‑471/09 P a C‑473/09 P, não publicado, EU:C:2011:521, n.o 65 e jurisprudência referida), nem mesmo, em certos casos, a confiança legítima dos beneficiários deste auxílio (Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C‑169/95, EU:C:1997:10, n.os 48 e 49, e de 22 de abril de 2016, França/Comissão, T‑56/06 RENV II, EU:T:2016:228, n.o 43).

43      Em contrapartida, na medida em que não se pode criticar os beneficiários de um auxílio por não o terem notificado, esta falta de notificação não pode levar à exclusão de qualquer possibilidade de invocar a sua confiança legítima na legalidade do auxílio em causa.

44      A exceção admitida a favor dos beneficiários do auxílio é ainda justificada pelo facto, sublinhado pela Comissão de forma pertinente, sem a sua admissão, de que o princípio geral da proteção da confiança legítima ficaria esvaziado da sua substância em matéria de auxílios de Estado, uma vez que a obrigação de recuperação que esse princípio visa atenuar aplica‑se apenas aos auxílios não notificados e executados sem a aprovação da Comissão. Ora, já foi declarado que a adoção do Regulamento n.o 659/1999 tinha criado uma situação nova no que respeita à recuperação dos auxílios incompatíveis com o mercado interno, ao afirmar o caráter sistemático da recuperação (primeira frase do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999), ao mesmo tempo que previa uma exceção (segunda frase do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999) quando a recuperação contraria um princípio geral do direito da União, situação nova da qual devem ser retiradas todas as consequências jurídicas e que a Comissão deve ter em conta aquando da adoção das suas decisões, nomeadamente renunciando, sendo caso disso, a exigir a recuperação dos auxílios incompatíveis com o mercado interno (Acórdão de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp Acciai Speciali Terni/Comissão, T‑62/08, EU:T:2010:268, n.os 275 e 276). Se a confiança legítima não pudesse ser invocada pelos beneficiários de um auxílio pelo simples facto de não ter sido notificado, o artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999, na medida em que prevê que a Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral do direito, seria desprovido de alcance, embora tenha sido precisamente adotado pelo legislador para limitar o alcance da obrigação de recuperação dos auxílios ilegais e declarados incompatíveis com o mercado interno pela Comissão.

45      A recorrente contesta a existência, no caso em apreço, de circunstâncias excecionais suscetíveis de justificar a aplicação do princípio da proteção da confiança legítima a favor de determinados beneficiários do regime controvertido, ao argumentar que nenhum dos requisitos de aplicação desse princípio está cumprido no presente caso.

46      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito de invocar a confiança legítima pressupõe a reunião de três requisitos cumulativos. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela Administração. Em segundo lugar, essas garantias devem de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem estar em conformidade com as normas aplicáveis [v. Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 81 e jurisprudência referida, e de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 77 e jurisprudência referida], sendo especificado que as garantias dadas na falta de recuperação de um auxílio, as quais podem resultar de garantias concedidas na falta de qualificação como auxílio da medida em causa, estão em conformidade com o artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 (v. n.o 44, supra; v. também, neste sentido, Acórdão desse dia, Banco Santander e Santusa/Comissão, T‑399/11 RENV, n.os 272 a 278).

47      No caso em apreço, a recorrente não contesta o preenchimento deste terceiro requisito, mas contesta o dos dois primeiros requisitos, relativamente aos quais há que sublinhar que são, por si próprios, restritivos e permitem caracterizar circunstâncias excecionais, como confirmam os poucos casos em que estão preenchidos (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp Acciai Speciali Terni/Comissão, T‑62/08, EU:T:2010:268, n.os 278 a 289; de 27 de setembro de 2012, Producteurs de légumes de France/Comissão, T‑328/09, não publicado, EU:T:2012:498, n.os 25 a 30; e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.os 222, 225 e 252).

48      A recorrente contesta igualmente o preenchimento, no caso em apreço, de um requisito suplementar que resulta de determinados acórdãos proferidos sobre o princípio da proteção da confiança legítima e que exigem que a concessão da proteção em causa não contrarie um interesse público imperativo (v. jurisprudência referida no n.o 83 infra). Ora, pode salientar‑se que a ponderação dos interesses em causa, o interesse individual da pessoa em causa, por um lado, e o interesse público da União, por outro, imposta pela análise deste requisito, também contribui, enquanto tal, para o reconhecimento de uma confiança legítima apenas em circunstâncias excecionais, uma vez que permite, mesmo que as garantias precisas dadas tenham originado expectativas legítimas e que estejam assim preenchidos os dois requisitos deste reconhecimento, não proteger a confiança legítima apesar de ter sido reconhecida pelo facto de um interesse público da União se lhe opor.

49      Por conseguinte, à luz de todas estas considerações, há que analisar se a Comissão apreciou corretamente os três requisitos de reconhecimento da confiança legítima contestados pela recorrente e, em caso afirmativo, se delimitou corretamente o âmbito de aplicação temporal da confiança legítima reconhecida, igualmente contestado pela recorrente.

 Quanto às garantias precisas fornecidas pelas respostas da Comissão a duas perguntas parlamentares

50      Na decisão impugnada, a Comissão deduziu a existência de garantias precisas fornecidas pela Administração da União a partir das respostas dadas em nome da Comissão a duas perguntas parlamentares. As duas respostas da Comissão, dadas em inglês por um membro da Comissão, foram em parte transcritas e traduzidas no considerando 165 da decisão impugnada.

51      Segundo a resposta dada em 19 de janeiro de 2006 à pergunta escrita E‑4431/05 (a seguir «primeira resposta»):

«5. A Comissão não está em condições de confirmar se as elevadas ofertas das empresas espanholas se devem à legislação fiscal espanhola, que permite que as empresas amortizem o goodwill mais rapidamente do que as homólogas francesas ou italianas. A Comissão pode, contudo, confirmar que as referidas legislações nacionais não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais, pois constituem regras gerais de depreciação que são aplicáveis a todas as empresas com sede em território espanhol.» (The Commission cannot confirm whether the high bids by Spanish companies are due to Spain’s tax legislation enabling undertakings to write off goodwill more quickly than their French or Italian counterparts. The Commission can confirm, however, that such national legislations do not fall within the scope of application of state aid rules, because they rather constitute general depreciation rules applicable to all undertakings in Spain.)

52      Segundo a resposta dada em 17 de fevereiro de 2006 à pergunta escrita E‑4772/05 (a seguir «segunda resposta»):

«Segundo as informações de que a Comissão dispõe, tudo indica que as regras (fiscais) espanholas relativas à amortização de goodwill são aplicáveis a todas as empresas espanholas, públicas ou privadas, independentemente da sua dimensão, setor ou forma jurídica, pois constituem regras gerais de depreciação. Por conseguinte, não parecem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais. A Comissão irá, certamente, proceder a uma investigação aprofundada sobre qualquer informação contrária que seja do seu conhecimento.» [According to the information currently in its possession, it would however appear to the Commission that the Spanish (tax) rules related to the write off of ‘goodwill’ are applicable to all undertakings in Spain independently from their sizes, sectors, legal forms or if they are privately or publicly owned because they constitute general depreciation rules. Therefore, they do not appear to fall within the scope of application of the state aid rules. The Commission will of course thoroughly investigate any information that would come to its knowledge indicating the contrary.]

53      Ao abrigo de jurisprudência constante, constituem garantias suscetíveis de dar origem a esperanças fundadas as informações precisas, incondicionais e concordantes provenientes de fontes autorizadas e fiáveis (Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.o 63; de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 132; e de 12 de dezembro de 2014, Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português/Comissão, T‑487/11, EU:T:2014:1077, n.o 125). No entanto, ninguém pode invocar uma violação do princípio da proteção da confiança legítima, na falta de garantias precisas que lhe tenham sido fornecidas pela Administração (Acórdãos de 17 de março de 2011, AJD Tuna, C‑221/09, EU:C:2011:153, n.o 72, e de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o. C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 41).

54      A recorrente contesta a existência de garantias precisas dadas pelas Comissão, baseando‑se tanto na forma como no conteúdo das duas respostas desta última.

–       Quanto à forma das duas respostas da Comissão

55      É jurisprudência constante que é indiferente a forma por que sejam comunicadas as garantias da Administração (Acórdãos de 14 de fevereiro de 2006, TEA‑CEGOS e o./Comissão, T‑376/05 e T‑383/05, EU:T:2006:47, n.o 88, e de 24 de setembro de 2008, Kahla/Thüringen Porzellan/Comissão, T‑20/03, EU:T:2008:395, n.o 146).

56      A recorrente não contesta esta jurisprudência, que aliás recorda, mas alega, em substância, que as alegadas garantias fornecidas pela Comissão deviam ter sido, pelo menos, por um lado, destinadas aos beneficiários do regime controvertido, o que não é o caso de respostas da Comissão a perguntas parlamentares no âmbito de uma discussão jurídica interinstitucional, e, por outro, dadas a conhecer a esses beneficiários, o que também não foi o caso, tendo em conta a forma de divulgação aplicada.

57      No entanto, em primeiro lugar, não resulta de forma nenhuma da jurisprudência que apenas os atos de instituições especificamente dirigidos ou destinados a operadores são suscetíveis de dar origem a uma confiança legítima a seu respeito. Foi, assim, reconhecido que fornecia garantias precisas a um operador uma prática da Comissão relativa a processos de concentração que não envolviam esse operador (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 2004, MCI/Comissão, T‑310/00, EU:T:2004:275, n.os 108 a 112). O mesmo se aplica, a fortiori, no que diz respeito a um ato de uma instituição que tem por objeto especificamente o auxílio controvertido. Aliás, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 158), que uma resposta da Comissão a uma pergunta parlamentar, como as que estão em causa no presente processo, tinha permitido aos beneficiários do regime em causa depositar a sua confiança legítima na legalidade desse regime.

58      Com efeito, resulta da jurisprudência referida pela recorrente, não que o interessado deva ser formalmente o destinatário do ato na origem das garantias precisas, mas que a expressão de garantias «fornecidas» ou «dirigidas» ao interessado significa que essas garantias lhe devem dizer respeito e que deve ser informado das mesmas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 2004, MCI/Comissão, T‑310/00, EU:T:2004:275, n.os 108 e 112). Quanto ao Despacho de 13 de dezembro de 2000, Sodima/Comissão (C‑44/00 P, EU:C:2000:686, n.o 50), também invocado pela recorrente, há que salientar que, efetivamente, o Tribunal de Justiça recusou considerar que declarações públicas de um membro da Comissão tinham fornecido garantias precisas à recorrente, mas que essa recusa resultava principalmente do conteúdo das declarações em causa, consideradas demasiado genéricas.

59      Pode ainda ser acrescentado, à semelhança da Comissão, que o processo das perguntas parlamentares, mesmo que ocorra entre duas instituições, no presente caso o Parlamento e a Comissão, visa informar os representantes dos cidadãos reunidos no Parlamento sobre a posição da instituição destinatária da pergunta, neste caso a Comissão, que é a principal instituição competente em matéria de auxílios de Estado, sobre temas que preocupam esses cidadãos, permitindo assim aos mesmos determinar a sua ação em função da resposta.

60      Em segundo lugar, há que salientar, como admite, de resto, a recorrente na réplica, que as respostas da Comissão foram tornadas públicas. Mais precisamente, foram publicados no Jornal Oficial o número da pergunta, o seu autor, o seu objetivo mais ou menos pormenorizado, a instituição destinatária e a menção da existência e da data da resposta (JO 2006, C 327, pp. 164 e 192), com uma referência ao sítio Internet do Parlamento, no qual são divulgadas as perguntas e as respostas na sua versão integral, o que equivale, segundo a jurisprudência (Despacho de 19 de setembro de 2005, Air Bourbon/Comissão, T‑321/04, EU:T:2005:328, n.o 34, e Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 35), a uma publicação e, em todo o caso, constitui uma publicidade suficiente às respostas da Comissão.

61      Há que acrescentar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a menção no sítio Internet do Parlamento de que «[a]s informações publicadas neste sítio são de ordem geral, não tendo, por conseguinte, sido concebidas para responder a uma necessidade individual» não põe em causa o caráter público das informações em questão nem a possível qualificação das referidas informações como garantias precisas. Com efeito, além do facto de que essa advertência não emana do autor das informações em causa, há que sublinhar que o fornecimento de garantias precisas implica que as referidas garantias digam respeito ao seu beneficiário, mas não que este seja individualizado por estas, no sentido de que seja um dos únicos ou mesmo o único beneficiário.

62      Da mesma forma, não se pode considerar, como fez a recorrente, que a publicação de determinados elementos das respostas da Comissão no Jornal Oficial seja fonte de insegurança jurídica no presente caso, na medida em que, na decisão impugnada, a Comissão considera como data do elemento gerador da confiança legítima a data das respostas às perguntas parlamentares e, na sua contestação, a data da publicação no Jornal Oficial. Com efeito, como especificado nos n.os 91 a 105, infra, a data do ato gerador da confiança legítima não é determinante para efeitos da identificação dos auxílios suscetíveis de não serem sujeitos a uma obrigação de recuperação. Deve acrescentar‑se que, em todo o caso, essa alegação da recorrente, que contesta na realidade uma menção na contestação da Comissão, não pode pôr a legalidade da disposição impugnada em causa.

63      Daqui se conclui que, contrariamente ao que alega a recorrente, a natureza e a forma de publicação das respostas da Comissão não permitem excluir, por si só, que estas puderam fornecer garantias precisas aos beneficiários do regime controvertido. Pelo contrário, eram suscetíveis de reforçar a confiança dos beneficiários na legalidade desse regime.

–       Quanto ao conteúdo das respostas da Comissão

64      No que diz respeito à primeira resposta da Comissão, há que salientar que, por um lado, contrariamente ao que a recorrente deixa entender com a sua alegação de que a pergunta colocada é geral, a subpergunta n.o 5 da referida pergunta designa claramente o regime controvertido ao referir a «legislação fiscal espanhola [que] permite às empresas amortizar o goodwill pago». Pode salientar‑se que, por outro lado, a Comissão respondeu de forma simultaneamente precisa, ao fazer claramente referência à legislação referida na subpergunta n.o 5 (resposta n.o 5, primeiro parágrafo), que opôs aliás a outra legislação fiscal espanhola (resposta n.o 5, segundo parágrafo), e incondicional, ao indicar em termos firmes e inequívocos que o regime controvertido não era um auxílio de Estado («A Comissão está em condições de confirmar que [a]s legislações nacionais do tipo [do regime controvertido] não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado»).

65      No que se refere à segunda resposta da Comissão, pode certamente admitir‑se, de acordo com recorrente, que, mesmo que se tenha exprimido sempre no mesmo sentido, fê‑lo de forma mais prudente do que na primeira resposta. Com efeito, por um lado, a Comissão utiliza por duas vezes o verbo «parecer» (appear) e, por outro, termina a sua resposta com o anúncio de uma investigação aprofundada em caso de informação contrária levada ao seu conhecimento.

66      No entanto, há que considerar que essa prudência não põe de forma nenhuma em causa o caráter preciso, incondicional e coerente das tomadas de posição da Comissão sobre o regime controvertido. Com efeito, essa prudência explica‑se principalmente pelo facto de a pergunta submetida ter por objeto precisamente apenas o regime controvertido e visar pedir contas à Comissão sobre a sua inação a seu respeito, pondo assim a Comissão numa situação em que se deve justificar sobre o cumprimento das suas obrigações a título do Regulamento n.o 659/1999. Como sublinhou a Comissão de forma pertinente, esta circunstância explica que tenha especificado que, em caso de informação que levasse a pensar que o regime controvertido era um auxílio de Estado, procederia a uma investigação aprofundada não sobre o regime controvertido como alega a recorrente, mas sobre a informação em causa, conforme obriga o artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento.

67      Além disso, o termo «parecer» (appear) deve ser posto em perspetiva com o facto de que, em primeiro lugar, a Comissão apresenta depois uma posição fundamentada [«it would […] appear to the Commission that the Spanish(tax) rules related to the writeoff of ‘‘goodwill’’ are applicable to all undertakings in Spain independently from their sizes, sectors, legal forms or if they are privately or publicly owned because they constitute general depreciation rules »], em segundo lugar, opõe claramente essa posição a uma falta de tomada de posição quanto ao aspeto abordado na frase anterior (« the Commission cannot confirm whether […] it would however appear »). Por outro lado, importa sublinhar que a segunda resposta dá seguimento à primeira, expressa menos de um mês antes pelo mesmo membro da Comissão e que vai no mesmo sentido utilizando, em parte, os mesmos termos («constitute general depreciation rules»), o que confirma assim a natureza concordante das informações fornecidas.

68      Resulta de todas as considerações precedentes, contrariamente ao que alega a recorrente, que as respostas da Comissão de janeiro e de fevereiro de 2006 às perguntas parlamentares tinham fornecido garantias precisas aos beneficiários do regime controvertido de que este não estava abrangido pelas normas relativas aos auxílios de Estado e era constituído por regras gerais de amortização, aplicáveis a todas as empresas em Espanha. Por conseguinte, a Comissão considerou corretamente, na decisão impugnada, que este requisito de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima estava preenchido.

 Quanto ao caráter legítimo da confiança gerada

69      É jurisprudência constante que apenas uma confiança «legítima» pode ser protegida. Mais especificamente, a confiança só é protegida quando a pessoa em causa podia razoavelmente confiar na manutenção ou na estabilidade da situação criada (Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Comissão//Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:256, n.o 78). Para proceder à apreciação da legitimidade da confiança alegada, o juiz da União baseia‑se num operador razoavelmente prudente, sensato e diligente (v. Acórdão de 16 de outubro de 2014, Alcoa Trasformazioni/Comissão, T‑177/10, EU:T:2014:897, n.os 60 e 72 e jurisprudência referida). Tem igualmente em conta o domínio ou o objeto da confiança legítima alegada. Assim, tendo em conta o caráter objetivo do conceito de auxílio de Estado (Acórdão de 16 de maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, EU:C:2000:248, n.o 25), a apreciação da Comissão de que uma dada medida não constitui um auxílio de Estado não cria uma situação jurídica que seja suscetível de ser alterada frequentemente no âmbito do recurso de apreciação das instituições, como pode ser o caso, nomeadamente, num domínio como o das organizações comuns dos mercados, cujo objeto inclui uma constante adaptação em função das variações da situação económica (Conclusões do advogado‑geral P. Léger nos processos apensos Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89, n.o 419), impedindo que se considere que os operadores económicos podem legitimamente depositar a sua confiança na manutenção de uma situação existente (v. Acórdão de 15 de julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport, C‑37/02 e C‑38/02, EU:C:2004:443, n.o 70 e jurisprudência referida).

70      Daqui decorre que, no que diz respeito à alegação de uma confiança legítima dos beneficiários de um auxílio de Estado, uma tomada de posição da Comissão, que é a principal autoridade de execução das regras relativas aos auxílios de Estado e a única responsável por apreciar a conformidade de um auxílio com o mercado interno, confere, por si só, uma legitimidade à confiança que daí resulta.

71      Daqui decorre igualmente que, por conseguinte, todos os atos e comportamentos que não provêm da Comissão são desprovidos de pertinência para apreciar a legitimidade da confiança dos beneficiários do regime controvertido, tal como os que provêm da imprensa, da recorrente, dos beneficiários ou das autoridades espanholas evocados pela recorrente.

72      Há que acrescentar que, mesmo que a prudência que resulta da segunda resposta da Comissão leve a uma análise mais aprofundada desses atos e comportamentos, não se pode deduzir daí uma falta de legitimidade da confiança alegada, no sentido de que os mesmos teriam levado os beneficiários do regime controvertido a prever a adoção da decisão impugnada.

73      Com efeito, quanto aos artigos da imprensa internacional invocados, há que salientar que estes se limitam, essencialmente, a comunicar o regime controvertido e as suas alegadas consequências económicas e que o único artigo que evoca, sem especificar, críticas em relação às regras que proíbem os auxílios de Estado relata seguidamente as declarações de funcionários da Comissão, nos termos das quais o regime controvertido não preenche os requisitos para ser qualificado de auxílio de Estado, na medida em que não beneficia empresas ou setores particulares.

74      Quanto à denúncia da recorrente, recebida pela Comissão em 28 de agosto de 2007, e aos artigos de imprensa que a anunciam, importa recordar que a prestação de informações relativamente a um auxílio alegadamente ilegal dá apenas origem a uma obrigação de as examinar imediatamente (artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999) e de informar o autor da denúncia da sequência dada a esta (artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999), mas não implica o início de um procedimento formal de investigação nem, a fortiori, a adoção de uma «decisão negativa» que constate a incompatibilidade do auxílio com o mercado interno (artigo 7.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999). Pode igualmente acrescentar‑se que só foi apresentada à Comissão uma denúncia contra o regime controvertido, apesar de o regime controvertido estar em vigor há vários anos à data de apresentação dessa denúncia.

75      Quanto ao comportamento da Telefónica, não resulta da comunicação desta sociedade, posterior à decisão impugnada e apresentada pela recorrente, que esta sociedade tenha renunciado a aplicar o regime controvertido enquanto aguardava pela decisão da Comissão a seu respeito. Em todo o caso, esta prudência particular de um dos beneficiários do regime controvertido não pode, por si só, permitir considerar que a confiança dos beneficiários do referido regime não apresenta um caráter legítimo.

76      Quanto ao comportamento das autoridades espanholas, que «discutiram» a compatibilidade do regime controvertido com as regras relativas aos auxílios de Estado, basta constatar que aquele não é confirmado pelos elementos de prova fornecidos. Com efeito, os artigos de imprensa comunicados em anexo à réplica relatam certamente as dificuldades encontradas e reconhecidas pelas autoridades espanholas na execução do regime controvertido, mas essas dificuldades não têm relação com as regras relativas aos auxílios de Estado. Por outro lado, os problemas de conformidade com as regras que proíbem os auxílios de Estado referidos nesses artigos são apenas os invocados pela Comissão (v. n.o 79, infra).

77      Importa ainda acrescentar, no que diz respeito precisamente aos atos e comportamentos da Comissão invocados, o seguinte.

78      Em primeiro lugar, no que se refere aos regimes fiscais alegadamente semelhantes que a Comissão considerou auxílios incompatíveis com o mercado comum em 2000 (decisão confirmada pelo Acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão, C‑501/00, EU:C:2004:438) e em 2006, importa considerar que o caráter individual da apreciação de cada auxílio notificado ou denunciado exclui que a apreciação feita sobre um dado auxílio possa pôr em causa a legitimidade da confiança relativa à apreciação feita sobre um auxílio semelhante, mas distinto. Com efeito, do mesmo modo que uma decisão favorável da Comissão relativamente a um auxílio não pode fundamentar a confiança legítima dos potenciais beneficiários de futuros projetos de auxílios semelhantes na compatibilidade com o mercado interno (v. Acórdão de 20 de setembro de 2011, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão, T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, EU:T:2011:493, n.o 283 e jurisprudência referida), uma decisão negativa não pode prejudicar a confiança legítima decorrente de garantias precisas dadas relativamente à compatibilidade de regimes nacionais semelhantes.

79      Em segundo lugar, no que diz respeito às medidas tomadas pela Comissão antes do início do procedimento formal de investigação (pedidos de informações às autoridades espanholas), conforme relatadas nos dois artigos de imprensa de fevereiro e de junho de 2007 (v. também n.o 4, supra), as mesmas não implicam, na fase em que ocorreram, uma tomada de posição da Comissão sobre a legalidade da legislação nacional em causa (v., também, n.o 111, infra) e não podem, por conseguinte, por si só, prejudicar a legitimidade da confiança que resulta de garantias precisas dadas por outro lado pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp Acciai Speciali Terni/Comissão, T‑62/08, EU:T:2010:268, n.o 280).

80      Daqui decorre que a Comissão considerou validamente, no caso em apreço, que a confiança dos beneficiários do regime controvertido na sua legalidade apresentava um caráter legítimo. Pode acrescentar‑se que um operador económico prudente e avisado podia duvidar ainda menos da legalidade desse regime quando o próprio Tribunal Geral declarou, em 2014, que a Comissão não tinha demonstrado que o referido regime, acessível a qualquer empresa sem distinção de categorias, era constitutivo de um auxílio de Estado (Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão, T‑399/11, EU:T:2014:938 e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão, T‑219/10, EU:T:2014:939, anulados pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981).

 Quanto à ponderação dos interesses em causa

81      Há que recordar que a Comissão entendeu, no considerando 168 da decisão impugnada, que, «em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e a prática da Comissão, na ausência de um interesse público perentório, […] os beneficiários devem ser autorizados a continuar a usufruir dos benefícios [do regime controvertido]».

82      Não se pode assim considerar, como fez a recorrente, que a Comissão não analisou, no caso em apreço, o requisito de reconhecimento da confiança legítima relativo à inexistência de interesse público perentório que se lhe oponha. Com efeito, embora de forma breve, a Comissão constatou claramente a inexistência, no caso do regime controvertido, de um interesse público em proibir que o mesmo continuasse a ser aplicado e em exigir a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo do referido regime, apesar do preenchimento de outros requisitos de reconhecimento da confiança legítima.

83      Embora a recorrente deduza da brevidade da afirmação da Comissão que esta última não verificou, na verdade, se um interesse público perentório impedia, no caso em apreço, o reconhecimento da confiança legítima dos beneficiários do regime controvertido, há que sublinhar que o requisito relativo ao «interesse público perentório» (ou ao «interesse de ordem pública» segundo outra expressão também utilizada na jurisprudência) é um requisito negativo, no sentido de que não deve estar presente para que a confiança legítima possa ser reconhecida (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 1997, Affish, C‑183/95, EU:C:1997:373, n.o 57, e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 148). Resulta assim dos acórdãos que validaram a proteção de uma confiança legítima que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral se limitaram a uma simples menção da falta do interesse público perentório (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 1997, De Compte/Parlamento, C‑90/95 P, EU:C:1997:198, n.o 39), como a que figura na decisão impugnada, ou mesmo que não mencionaram este interesse, na falta de contestação pelas partes deste requisito (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 13 a 17, e de 5 de junho de 2001, ESF Elbe‑Stahlwerke Feralpi/Comissão, T‑6/99, EU:T:2001:145, n.os 188 a 191).

84      Daqui se deduz que a Comissão só deve expor de forma mais pormenorizada a sua análise do requisito em causa se entender não proteger a confiança legítima pelo facto de um interesse público perentório se lhe opor, o que não acontece no presente caso, ou se forem apresentadas alegações relativas a um interesse público particular pelas partes interessadas, o que também não foi o caso. Com efeito, das peças do procedimento administrativo que constam dos autos não resulta nenhuma alegação, nomeadamente da recorrente (na sua denúncia e nas suas observações relativas ao início de um procedimento formal de investigação), relativamente à existência, no presente caso, de um interesse público perentório que tenha impedido o reconhecimento da confiança legítima dos beneficiários do regime controvertido. A recorrente indicou aliás, na audiência, em resposta a uma questão submetida pelo Tribunal Geral, que não podia confirmar que tinha invocado um interesse público perentório durante o procedimento administrativo, especificando que não lhe competia invocá‑lo, tendo em conta a obrigação de eliminação e de recuperação dos auxílios ilegais.

85      Embora a recorrente sustente também, nomeadamente nesta última alegação, que a Comissão devia, neste caso, ter privilegiado o interesse público perentório da supressão completa das vantagens associadas ao regime controvertido relativamente aos dos beneficiários desse regime, há que salientar que esse interesse público se confunde, em substância, com o próprio princípio da recuperação dos auxílios ilegais, em relação ao qual a proteção da confiança legítima constitui uma exceção. Por conseguinte, esse interesse não pode, como sublinhou corretamente a Comissão nos seus articulados e na audiência, estar abrangido pelo conceito de interesse público perentório em matéria de auxílios de Estado, uma vez que este último interesse diz respeito a outras considerações diferentes das relativas à obrigação de recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno e pode estar associado, por exemplo, à proteção da saúde ou do ambiente. Além disso, mesmo que fosse admitida a ponderação desse interesse, conferir ao mesmo um peso demasiado importante no âmbito dessa ponderação teria por efeito suprimir a exceção estabelecida no artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 e relativamente à qual é importante recordar que visa garantir o respeito por um «princípio fundamental» (v. n.o 37, supra).

86      Assim, no caso em apreço, as operações que beneficiavam do regime controvertido eram compromissos de longo prazo, tendo em conta o período de amortização de 20 anos previsto por este regime (v., nomeadamente, considerandos 168 e 169 da decisão impugnada), e pode considerar‑se que esses compromissos permitem fazer pender a balança a favor dos interesses individuais dos beneficiários do auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.os 164 a 166). Além disso, importa sublinhar que essa manutenção a longo prazo diz apenas respeito às deduções fiscais correspondentes às aquisições de participações efetuadas durante o período abrangido pela proteção da confiança legítima (2002‑2007) e não implica que o regime controvertido continue a aplicar‑se a título das aquisições de participações realizadas depois de 2007. Por último, a importância das vantagens individuais concedidas aos beneficiários, invocada pela recorrente, milita mais a favor de uma preservação dessas vantagens, a fim de não lhes causar um prejuízo certo e importante, que a favor de uma recuperação que poderia ser justificada, sendo caso disso, se a própria amplitude dos efeitos prejudiciais a nível da União fosse importante, por exemplo, devido ao número de beneficiários e de aquisições de participações em causa, o que nem sequer é alegado pela recorrente (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Léger nos processos apensos Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89, n.os 428 e 429).

87      À luz de todas estas circunstâncias, pode considerar‑se no presente caso que a Comissão realizou uma análise adequada, tanto na forma como no conteúdo, do requisito de reconhecimento da confiança legítima dos beneficiários do regime controvertido relativamente à ponderação dos interesses.

 Quanto à extensão temporal da confiança legítima protegida

88      A recorrente critica a Comissão por ter erradamente estendido a proteção da confiança legítima a todas as aquisições de participações anteriores a 21 de dezembro de 2007, incluindo as anteriores às duas respostas da Comissão de 2006 e as posteriores a uma resposta da Comissão de 5 de fevereiro de 2007 a uma pergunta parlamentar.

–       Quanto à inclusão dos auxílios relativos às aquisições de participações anteriores às duas respostas da Comissão de 2006

89      Importa recordar que a Comissão considerou o seguinte na decisão impugnada:

«(164)      No que respeita ao impacto das declarações da Comissão na confiança legítima dos beneficiários, a Comissão considera que se deve estabelecer uma distinção entre dois períodos: a) o período com início na data de entrada em vigor da medida em 1 de janeiro de 2002 até à data de publicação da decisão de início do procedimento no Jornal Oficial em 21 de dezembro de 2007, e b) o período posterior à publicação da decisão de início do procedimento no Jornal Oficial.

(165)       Com respeito ao primeiro período, […]

(166)       [...Q]ualquer declaração precisa e incondicional em nome da Comissão no sentido de que uma medida nacional não deve ser considerada auxílio estatal será, naturalmente, entendida como uma afirmação de que a medida não era um auxílio desde o início (ou seja, ainda antes das declarações em questão). Qualquer empresa que anteriormente se encontrasse numa situação de incerteza quanto à possibilidade de ser sujeita, no futuro, a um processo de recuperação, nos termos das regras relativas a auxílios estatais, no que se refere às vantagens obtidas ao abrigo do regime de amortização do goodwill resultantes de transações efetuadas antes das declarações da Comissão, poderia inferir dessas declarações que a incerteza era infundada, pois não seria de esperar que demonstrasse mais diligência do que a Comissão a este respeito. Nestas circunstâncias específicas, e tendo em conta que o direito comunitário não exige que se demonstre um nexo de causalidade entre as garantias dadas por uma instituição comunitária e o comportamento dos cidadãos ou empresas a que as garantias sejam aplicáveis […], qualquer empresário diligente poderia ter a expectativa razoável de que a Comissão não viesse posteriormente a ordenar uma recuperação […] no que respeita a medidas em relação às quais a própria Comissão tivesse, em declarações a outra instituição comunitária, classificado como não sendo auxílios estatais, independentemente da data de realização da operação que beneficiou da medida de auxílio.

(167)       Por conseguinte, a Comissão conclui que os beneficiários da medida impugnada tinham confiança legítima de que o auxílio não seria recuperado e, assim, não exige a recuperação do benefício fiscal concedido a esses beneficiários no quadro de quaisquer participações detidas por uma empresa adquirente espanhola, direta ou indiretamente, numa empresa estrangeira antes da data de publicação […], no Jornal Oficial da União Europeia, da decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, do Tratado, que possam ter beneficiado da medida em questão.»

90      A recorrente contesta esta abordagem da Comissão, na medida em que leva a incluir no âmbito de proteção da confiança legítima operações realizadas antes da data das duas respostas da Comissão de 2006. A este respeito, a recorrente baseia‑se, por um lado, no princípio da proteção da confiança legítima, conforme reconhecido no direito alemão, e, por outro, na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

91      Em primeiro lugar, há que considerar que esses dois fundamentos não apoiam a tese defendida pela recorrente.

92      Quanto ao princípio da proteção da confiança legítima, tal como reconhecido no direito alemão, importa recordar que o primeiro acórdão que consagrou o princípio da proteção da confiança legítima no direito da União o deduziu, segundo o método tradicional de «descoberta» dos princípios gerais do direito da União, a partir de um estudo de direito comparado dos seis Estados‑Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Acórdão de 12 de julho de 1957, Algera e o./Assembleia Comum, 7/56 e 3/57 a 7/57, EU:C:1957:7, p. 115). Assim, na medida em que a recorrente se baseia apenas no princípio do direito alemão que exige que o beneficiário da confiança legítima concretize a referida confiança através de um ato de confiança necessariamente posterior ao ato gerador da confiança, não se pode considerar que este requisito é igualmente exigido no direito da União. Além disso, pode salientar‑se que, nas suas Conclusões apresentadas no processo Westzucker (1/73, EU:C:1973:61), citadas pela recorrente, o advogado‑geral K. Roemer se referiu efetivamente a um acórdão do Bundesverfassungsgericht alemão (p. 741), mas também — em conformidade com o método tradicional acima referido de identificação dos princípios gerais do direito da União — a um acórdão da Cour de cassation francesa e a outro da Cour d’appel de Bruxelles (p. 739).

93      Os requisitos exigidos no direito alemão para beneficiar da proteção da confiança legítima, em especial, o relativo ao ato de confiança, não podem, por conseguinte, ser aplicados no presente caso.

94      Quanto à jurisprudência referida pela recorrente, também não permite deduzir que apenas podem ser abrangidas pela confiança legítima as operações ocorridas depois da aquisição desta confiança.

95      Com efeito, em todos os acórdãos referidos e que aplicam o princípio da proteção da confiança legítima — o Acórdão de 18 de março de 1975, Deuka (78/74, EU:C:1975:44, n.o 14), que dizia principalmente respeito ao princípio da segurança jurídica —, estava em causa a situação específica e distinta que está em causa no presente caso, em que os benefícios protegidos pela confiança legítima tinham sido concedidos pela Administração da União, constituindo esta concessão ao mesmo tempo o ato gerador de confiança (concessão do certificado de exportação e fixação antecipada do montante compensatório no Acórdão de 14 de maio de 1975, CNTA/Comissão, 74/74, EU:C:1975:59; concessão do prémio de não comercialização nos Acórdãos de 28 de abril de 1988, Mulder, 120/86, EU:C:1988:213; de 28 de abril de 1988, von Deetzen, 170/86, EU:C:1988:214; e de 10 de janeiro de 1992, Kühn, C‑177/90, EU:C:1992:2). Esta coincidência implicava então necessariamente que a confiança legítima abrangesse apenas os benefícios concedidos com base no ato gerador da confiança, sem que se pudesse deduzir daí que, nomeadamente em situações como as do presente caso, em que o benefício é concedido pelas autoridades nacionais independentemente do ato da Comissão gerador da confiança, apenas esses benefícios poderiam ser protegidos.

96      Em contrapartida, resulta do Acórdão de 5 de junho de 2001, ESF Elbe‑Stahlwerke Feralpi/Comissão (T‑6/99, EU:T:2001:145), referido pela Comissão na tréplica, que o Tribunal Geral admitiu, pelo menos como princípio, embora em circunstâncias diferentes das do caso em apreço, que a confiança legítima podia beneficiar operações efetuadas antes do ato gerador da referida confiança. Com efeito, o Tribunal Geral considerou, no n.o 190 desse acórdão, que uma garantia concedida pelas autoridades alemãs à sociedade recorrente no fim de 1994 estava abrangida pela confiança legítima resultante de garantias precisas dadas pela Comissão em 13 de janeiro de 1995. Mesmo que o tempo decorrido entre a concessão do auxílio coberto pela confiança legítima e o ato gerador desta confiança seja breve, não deixa de ser verdade que o Tribunal Geral admitiu que a Comissão podia dar garantias precisas suscetíveis de lhe dar esperanças fundadas quanto à regularidade de um auxílio concedido anteriormente. Da mesma forma, contrariamente ao que pretendeu a recorrente na audiência, não é determinante o facto de a garantia em causa apresentar semelhanças com outra garantia igualmente abrangida pela confiança legítima devido a garantias dadas em 1 de março de 1993, uma vez que, segundo jurisprudência recordada no n.o 78, supra, uma decisão favorável da Comissão relativamente a um auxílio não pode fundamentar uma confiança legítima dos beneficiários de futuros projetos de auxílios semelhantes na sua compatibilidade com o mercado interno.

97      Em segundo lugar, há que sublinhar que a tese defendida pela recorrente confunde a data de aquisição da confiança legítima, que corresponde à data da tomada de conhecimento de garantias precisas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 1997, De Compte/Parlamento, C‑90/95 P, EU:C:1997:198, n.o 38), e o objeto em que incide a confiança legítima adquirida, que pode abranger operações efetuadas antes dessa data, segundo os termos das garantias precisas fornecidas.

98      Ora, a confiança legítima diz respeito, na maioria dos casos, nomeadamente no caso em apreço, à manutenção de uma situação existente, que surgiu, por definição, antes do ato gerador da confiança na sua manutenção. Neste caso, contrariamente ao que alega a recorrente, o ato gerador da confiança legítima não produz efeitos retroativos, no sentido de que cria a uma confiança legítima a partir dos acontecimentos anteriores em causa, mas limita‑se a abranger, a partir da data da sua ocorrência, acontecimentos anteriores a essa data e os seus efeitos futuros.

99      Se a tese da recorrente fosse admitida, o princípio da proteção da confiança legítima não poderia ser validamente invocado para se opor à recuperação de auxílios ilegais que, por natureza, são concedidos antes de a Comissão, que é a mais bem colocada para fornecer garantias precisas, incondicionais, concordantes e fiáveis, se poder pronunciar, de qualquer forma que seja, sobre a sua qualificação de auxílio de Estado e a sua compatibilidade com o mercado interno. O artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 ficaria assim privado de efeito útil.

100    Assim, a Comissão considerou corretamente que a confiança legítima resultante das suas respostas de 2006 tinha por objeto a manutenção do regime controvertido que entrou em vigor em 2002 e, por conseguinte, abrangia as aquisições de participações efetuadas desde essa data, bem como os auxílios concedidos ao abrigo desse regime a título dessas aquisições de participações, mesmo que tenham sido concedidas antes das respostas de 2006.

101    Esta apreciação não é posta em causa pela circunstância de o regime controvertido não ter sido, no presente caso, notificado à Comissão e de os beneficiários desse regime poderem ter uma confiança legítima na regularidade da sua concessão apenas em circunstâncias excecionais (v. n.os 39 e 40, supra). Com efeito, embora resulte da inexistência de circunstâncias excecionais que o beneficiário de um auxílio não notificado não pode ter uma confiança legítima na sua legalidade e respetiva manutenção, resulta da existência de tais circunstâncias que, a partir da concessão de garantias precisas suscetíveis de criar no beneficiário do auxílio expectativas legítimas na legalidade do auxílio, que caracterizam essas circunstâncias excecionais (v. n.os 47 e 48, supra), e na condição de que as garantias dadas não prevejam limitação temporal, deixa de se poder considerar que esse beneficiário pôde legitimamente ter consciência durante um determinado período da ilegalidade do auxílio em causa.

102    De outro modo, estar‑se‑ia a ignorar a precisão e a fiabilidade das garantias dadas, no que diz respeito nomeadamente ao alcance temporal das referidas garantias, suprimindo assim um dos requisitos de reconhecimento da confiança legítima, que contribui, não obstante, no caso dos auxílios não notificados, para que a confiança legítima na legalidade desses auxílios só seja reconhecida em circunstâncias excecionais (v. n.o 47, supra). Com efeito, se a confiança legítima apenas abrangesse as operações posteriores ao ato gerador da confiança, mesmo que este último especificasse que abrangia operações anteriores, resultaria daí uma limitação do alcance dessas garantias em violação do princípio da proteção da confiança legítima.

103    A análise proposta pela recorrente teria também por efeito obrigar os beneficiários de uma medida fiscal, como a vantagem estabelecida pelo regime controvertido, a diligência especial que iria além das obrigações de um operador económico razoavelmente diligente e que equivaleria, em substância, à obrigação de notificação, apesar de a qualificação de auxílio de Estado dessa medida não poder ser presumida e de a inexistência de uma obrigação de notificação a cargo dos beneficiários constituir precisamente um dos fundamentos da possibilidade de lhes reconhecer o benefício da confiança legítima na legalidade de um auxílio não notificado (v. n.os 42 e 43, supra).

104    Há que acrescentar que seguir a tese defendida pela recorrente levaria, por outro lado, no caso em apreço, a negar a confiança legítima dos beneficiários do regime controvertido relativamente aos auxílios concedidos ao abrigo desse regime a título das aquisições de participações efetuadas até fevereiro de 2006, e depois a partir de novembro de 2007. Além da complexidade do dever de recuperação assim confiado às autoridades nacionais no que se refere a um regime de auxílios de dedução fiscal que se aplica por um período de 20 anos, essa abordagem levaria sobretudo a fazer depender o âmbito de aplicação da confiança legítima das vicissitudes da produção dos atos geradores de confiança legítima e assim a criar uma insegurança jurídica na aplicação do princípio da proteção da confiança legítima, que é, não obstante, considerado pela jurisprudência o corolário do princípio da segurança jurídica (v. jurisprudência referida no n.o 37, supra).

105    Além disso, ainda que este dado não seja determinante (v., neste sentido, Acórdão de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474, n.o 277), pode salientar‑se que a abordagem adotada na decisão impugnada foi também adotada noutras decisões, como confirmou a Comissão na audiência, sem que esta abordagem tivesse sido alguma vez posta em causa pelo juiz da União.

106    Daqui decorre que, no presente caso e contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão não considerou erradamente que a confiança legítima abrangia os auxílios concedidos ao abrigo do regime controvertido desde a sua entrada em vigor em 2002.

–       Quanto à inclusão dos auxílios relativos à aquisições de participações posteriores a 5 de fevereiro de 2007

107    Importa recordar que a Comissão entendeu, nos considerandos 164 e 167 da decisão impugnada, que a confiança legítima dos beneficiários do regime controvertido na legalidade desse regime tinha terminado em 21 de dezembro de 2007, data de publicação no Jornal Oficial da decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação em relação ao referido regime, uma vez que, a partir dessa data, um agente económico diligente devia ter tido em conta as dúvidas expressas pela Comissão quanto à legalidade do regime controvertido.

108    A recorrente não contesta que a confiança legítima é suscetível de terminar na data da publicação da decisão de dar início ao procedimento formal de exame de uma medida de auxílio, que teve lugar, no caso em apreço, em 21 de dezembro de 2007, o que de resto é confirmado pela jurisprudência (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.os 221 e 224, e de 1 de março de 2017, SNCM/Comissão, T‑454/13, EU:T:2017:134, n.o 293 e jurisprudência referida). Em contrapartida, alega que a confiança legítima dos beneficiários do regime controvertido terminou, no caso em apreço, em 5 de fevereiro de 2007, data da resposta da Comissão a outra pergunta parlamentar.

109    A passagem desta resposta consagrada no regime controvertido tem a seguinte redação:

«No caso em apreço, a Comissão não se pronunciou, até hoje, sobre a compatibilidade, na perspetiva dos auxílios de Estado, das disposições fiscais espanholas relativas à dedutibilidade fiscal da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), que não parecem ser contrárias às disposições da Quarta Diretiva Contabilística. […] A Comissão deve, em todo o caso, assinalar que não se pode antecipar o resultado de qualquer procedimento posterior de fiscalização das eventuais medidas de auxílio a que se refere o Senhor Deputado. A este respeito, a Comissão recorda que pode, a título dos seus poderes em matéria de fiscalização dos auxílios de Estado, exigir a recuperação de qualquer medida de auxílio incompatível com o mercado interno e ilegalmente concedida para que o seu beneficiário perca a vantagem de que usufruiu no mercado em relação aos seus concorrentes e, deste modo, restabelecer a situação concorrencial anteriormente existente ao pagamento do auxílio.» (In this case, the Commission has yet to give its opinion on the compatibility, from a state aid point of view, of the Spanish goodwill write‑off provisions; they do not, however, appear to be contrary to the Fourth Accounting Directive. […] In any case, the Commission would point out that it is impossible to predict the outcome of any subsequent investigation of the possible aid measures referred to by the Honourable Member. In this regard, the Commission would reiterate that it may, by virtue of its state aid control powers, order the recovery of any incompatible or illegally granted aid so as to deprive the recipient of any advantage it may have enjoyed over its competitors, thereby restoring the pre‑aid competitive market situation.)

110    A este respeito, importa sublinhar que resulta da jurisprudência referida no n.o 108, supra, que um operador económico diligente deixa de poder manter uma confiança legítima na legalidade da concessão de um auxílio a partir da publicação da decisão de início do procedimento formal de investigação, dado que o início desse procedimento formal de investigação implica que a Comissão manifeste dúvidas sérias quanto à legalidade da medida nacional em causa à luz das regras do direito da União que proíbem os auxílios de Estado. Daqui decorre que, para pôr termo a uma confiança legítima devidamente criada, as observações da Comissão na sua resposta de 5 de fevereiro de 2007 deviam ter suscitado, pelo menos, dúvidas sérias quanto à legalidade do regime controvertido.

111    Ora, essas dúvidas não resultam de forma nenhuma da resposta de 5 de fevereiro de 2007. Com efeito, segundo essa resposta, tanto o início de um procedimento formal de investigação do regime controvertido, que poderia ter evidenciado a existência de dúvidas sérias quanto à legalidade do regime controvertido, como, a fortiori, o resultado desse procedimento são hipotéticos. Na sua resposta, a Comissão fez efetivamente referência, em substância, ao pedido de informações dirigido às autoridades espanholas em 15 de janeiro de 2007 (v. n.o 4, supra), mas esse pedido refere‑se unicamente, no presente caso, à fase preliminar da investigação dos auxílios de Estado, que tem apenas por objetivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a medida nacional em causa (v. Acórdão de 10 de julho de 2012, Smurfit Kappa Group/Comissão, T‑304/08, EU:T:2012:351, n.o 45 e jurisprudência referida) e que não dá necessariamente origem ao início de um procedimento formal de investigação, uma vez que a Comissão se pode limitar à fase preliminar para adotar uma decisão favorável a uma medida nacional se tiver adquirido a convicção, no termo de um primeiro exame, de que essa medida não constitui um auxílio ou, se qualificada de auxílio, de que é compatível com o Tratado FUE (Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.os 186 e 187, e de 16 de setembro de 2013, Colt Télécommunications France/Comissão, T‑79/10, não publicado, EU:T:2013:463, n.o 31). Por outro lado, há que salientar que a Comissão não apresenta, nesta resposta, nenhuma apreciação, mesmo sumária ou vaga, sobre o regime controvertido, limitando‑se a recordar os poderes de que dispõe em relação aos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno.

112    Resulta das considerações precedentes que as alegações dirigidas contra a delimitação temporal da confiança legítima efetuada pela Comissão na decisão impugnada não podem ser acolhidas.

113    Por conseguinte, há que rejeitar o fundamento único invocado pela recorrente.

114    Por conseguinte, o pedido da recorrente de anulação da disposição impugnada não é procedente, pelo que, sem que seja necessário decidir sobre os fundamentos de inadmissibilidade invocados pela Comissão, deve ser negado provimento ao presente recurso (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.o 52).

 Quanto às despesas

115    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos dos pedidos da Comissão e das intervenientes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Deutsche Telekom AG é condenada nas despesas.

Gervasoni

Kowalik‑Bańczyk

Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de novembro de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.