Language of document : ECLI:EU:C:2024:209

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de março de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Regime nacional de apoio que prevê a concessão de certificados verdes negociáveis aos produtores nacionais de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis — Importação de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis noutro Estado‑Membro — Obrigação de compra de certificados verdes — Sanção — Isenção — Diretiva 2001/77/CE — Diretiva 2009/28/CE — Regime de apoio — Garantias de origem — Livre circulação de mercadorias — Artigos 18.o, 28.o, 30.o, 34.o e 110.o TFUE — Auxílios de Estado — Artigos 107.o e 108.o TFUE — Recursos estatais — Vantagem seletiva»

No processo C‑558/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 16 de agosto de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de agosto de 2022, no processo

Autorità di Regolazione per Energia Reti e Ambiente (ARERA)

contra

Fallimento Esperia SpA,

Gestore dei Servizi Energetici SpA — GSE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Fallimento Esperia SpA, por U. Grella e F. M. Salerno, avvocati,

–        em representação de Gestore dei Servizi Energetici SpA — GSE, por S. Fidanzia e A. Gigliola, avvocati,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por D. Del Gaizo e F. Tortora, avvocati dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. De Meester, G. Gattinara e F. Tomat, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.o, 28.o, 30.o, 34.o, 107.o, 108.o e 110.o TFUE, e da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 6).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Autorità di Regolazione per Energia Reti e Ambiente (Autoridade Reguladora da Energia, das Redes e do Ambiente, Itália) (a seguir «ARERA») à Fallimento Esperia SpA, uma sociedade em insolvência, e à Gestore dei Servizi Energetici SpA — GSE, a respeito da aplicação de uma sanção pecuniária à Fallimento Esperia por incumprimento da obrigação de compra de certificados que atestam que a eletricidade importada para Itália durante o ano de 2010 é produzida a partir de fontes renováveis (a seguir «certificados verdes»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2001/77/CE

3        A Diretiva 2001/77/CE do Parlamento e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade (JO 2001, L 283, p. 33), foi revogada, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012, pela Diretiva 2009/28. Esta última, por sua vez, foi revogada, com efeitos a partir de 1 de julho de 2021, pela Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis (reformulação) (JO 2018, L 328, p. 82).

4        Os considerandos 10, 11, 14 e 15 da Diretiva 2001/77 tinham a seguinte redação:

«(10)      Embora a presente diretiva não exija que os Estados‑Membros reconheçam a aquisição de uma garantia de origem de outros Estados‑Membros ou a correspondente aquisição de eletricidade enquanto contributo para o cumprimento de uma quota nacional obrigatória, a fim de facilitar o comércio de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis e aumentar a transparência na escolha do consumidor entre a eletricidade produzida a partir de fontes de energia não renováveis e a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, é necessária a garantia de origem de tal eletricidade. Os regimes de garantia de origem não implicam, por si só, o direito ao benefício dos regimes de apoio nacionais criados em diversos Estados‑Membros. É importante que todas as formas de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis sejam abrangidas por estas garantias de origem.

(11)      Importa estabelecer uma distinção clara entre as garantias de origem e os certificados verdes permutáveis.

[…]

(14)      Os Estados‑Membros dispõem de diferentes mecanismos de apoio às fontes de energia renováveis, incluindo certificados verdes, auxílio ao investimento, isenções ou reduções fiscais, reembolso de impostos e regimes de apoio direto aos preços. Até que um quadro comunitário esteja operacional e para manter a confiança dos investidores, a garantia do correto funcionamento destes regimes constitui um importante meio para realizar o objetivo da presente diretiva.

(15)      É ainda prematuro decidir sobre um quadro à escala comunitária relativo aos regimes de apoio, tendo em conta a experiência limitada com os regimes nacionais e a atual quota relativamente baixa de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis cujo preço beneficia de apoio na Comunidade.»

5        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objetivo», previa:

«A presente diretiva destina‑se a promover o aumento da contribuição das fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade no mercado interno da eletricidade e criar uma base para um futuro quadro comunitário neste setor.»

6        O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Metas indicativas nacionais», dispunha, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas apropriadas para promover o aumento do consumo de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em conformidade com as metas indicativas nacionais referidas no n.o 2. Essas medidas devem ser proporcionais ao objetivo a atingir.

2.      Até 27 de outubro de 2002 e posteriormente de cinco em cinco anos, os Estados‑Membros aprovam e publicam um relatório que defina as metas indicativas nacionais relativas ao consumo futuro de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em termos de percentagem do consumo de eletricidade, para os 10 anos seguintes. O relatório deve também destacar as medidas tomadas ou projetadas a nível nacional para alcançar essas metas indicativas nacionais. Para a fixação dessas metas até 2010, os Estados‑Membros:

–        tomam em consideração os valores de referência constantes do anexo,

–        certificam‑se de que essas metas são compatíveis com quaisquer compromissos nacionais assumidos no contexto dos compromissos relativos às alterações climáticas aceites pela Comunidade a título do Protocolo de Quioto.»

7        O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Regimes de apoio», enunciava, no n.o 1:

«Sem prejuízo dos artigos 87.o e 88.o do Tratado [atualmente artigos 107.o e 108.o TFUE], a Comissão avalia a aplicação dos mecanismos utilizados nos Estados‑Membros que, com base em regulamentações emitidas pelas entidades públicas, permitem a prestação de um apoio direto ou indireto aos produtores de eletricidade e possam vir a restringir as trocas comerciais, na medida em que contribuem para os objetivos estabelecidos nos artigos 6.o e 174.o do Tratado.»

8        O artigo 5.o da Diretiva 2001/77, sob a epígrafe «Garantia de origem da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis», dispunha, nos n.os 1 a 5:

«1.      Os Estados‑Membros devem, até 27 de outubro de 2003, assegurar que a origem da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis possa ser garantida como tal, na aceção da presente diretiva, de acordo com critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios, estabelecidos por cada Estado‑Membro. Para o efeito, estes devem assegurar que, em resposta a um pedido, sejam emitidas garantias de origem.

2.      Os Estados‑Membros podem designar um ou mais organismos competentes, independentes das atividades de produção e distribuição, para supervisionar a emissão das garantias de origem.

3.      A garantia de origem deve:

–        especificar a fonte de energia a partir da qual foi produzida a eletricidade, indicando as datas e locais de produção e, para as instalações hidroelétricas, a capacidade,

–        permitir que os produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis demonstrem que a eletricidade que vendem é produzida a partir de fontes de energia renováveis na aceção da presente diretiva.

4.      As garantias de origem, emitidas nos termos do n.o 2, deveriam ser mutuamente reconhecidas pelos Estados‑Membros, exclusivamente enquanto prova dos elementos referidos no n.o 3. A recusa em reconhecer como prova uma garantia de origem, nomeadamente por motivos relacionados com a prevenção de fraudes, deve basear‑se em critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios. No caso de ser recusado o reconhecimento de uma garantia de origem, a Comissão pode obrigar a parte que emitiu essa recusa a reconhecer a garantia de origem, tendo em conta designadamente critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios em que se baseia o reconhecimento.

5.      Os Estados‑Membros ou os organismos competentes devem criar mecanismos adequados para assegurar que a garantia de origem é correta e fiável e devem referir no relatório mencionado no n.o 3 do artigo 3.o as medidas tomadas para garantir a fiabilidade do sistema de garantia.»

 Diretiva 2009/28

9        Os considerandos 25, 52 e 56 da Diretiva 2009/28 tinham a seguinte redação:

«(25)      Os Estados‑Membros têm potenciais diferentes de energia renovável e utilizam diferentes regimes de apoio a nível nacional para as fontes de energia renováveis. A maioria dos Estados‑Membros aplica regimes de apoio que só concedem incentivos a energias provenientes de fontes renováveis produzidas no seu território. Para que os regimes de apoio nacionais funcionem adequadamente, é importante que os Estados‑Membros possam controlar o efeito e os custos desses mesmos regimes em função dos seus diferentes potenciais. Uma forma importante de alcançar o objetivo da presente diretiva é garantir o correto funcionamento dos regimes de apoio nacionais, à semelhança do disposto na Diretiva 2001/77/CE, a fim de manter a confiança dos investidores e permitir aos Estados‑Membros conceberem medidas nacionais eficazes para o cumprimento dos objetivos. A presente diretiva destina‑se a facilitar a concessão de apoio transfronteiriço à energia proveniente de fontes renováveis sem afetar os regimes de apoio nacionais. Introduz mecanismos facultativos de cooperação entre Estados‑Membros que lhes permitem chegar a acordo quanto ao grau em que um Estado‑Membro apoia a produção de energia noutro Estado‑Membro e ao grau em que a produção de energia a partir de fontes renováveis deverá ser contabilizada para efeitos da avaliação do cumprimento dos objetivos nacionais globais de cada um. Para assegurar a eficácia de ambas as medidas de cumprimento dos objetivos, ou seja, os regimes de apoio nacionais e os mecanismos de cooperação, é essencial que os Estados‑Membros possam determinar se, e em que medida, os seus regimes de apoio se aplicam à energia produzida a partir de fontes renováveis noutros Estados‑Membros e chegar a acordo sobre a questão através da aplicação dos mecanismos de cooperação previstos na presente diretiva.

[…]

(52)      As garantias de origem emitidas para efeitos da presente diretiva têm como única função provar ao consumidor final que uma dada quota ou quantidade de energia foi produzida a partir de fontes renováveis. […] Importa, por outro lado, estabelecer uma distinção entre os certificados verdes utilizados para os regimes de apoio e as garantias de origem.

[…]

(56)      As garantias de origem não conferem por si só o direito de beneficiar de regimes de apoio nacionais.»

10      O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», tinha a seguinte redação:

«A presente diretiva estabelece um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis. Fixa objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia e para a quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida pelos transportes. Estabelece regras em matéria de transferências estatísticas entre Estados‑Membros, projetos conjuntos entre Estados‑Membros e com países terceiros, garantias de origem, procedimentos administrativos, informação e formação e acesso à rede de eletricidade no que se refere à energia produzida a partir de fontes renováveis. Estabelece critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis e biolíquidos.»

11      O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», previa:

«Para efeitos da presente diretiva, aplicam‑se as definições da Diretiva 2003/54/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37)].

Além dessas definições, entende‑se por:

[…]

j)      “Garantia de origem”: um documento eletrónico com a única função de provar ao consumidor final que uma dada quota ou quantidade de energia foi produzida a partir de fontes renováveis, exigido pelo n.o 6 do artigo 3.o da Diretiva 2003/54/CE;

k)      “Regime de apoio”: qualquer instrumento, sistema ou mecanismo aplicado por um Estado‑Membro ou por um grupo de Estados‑Membros que promove a utilização de energia proveniente de fontes renováveis, reduzindo o custo dessa energia, aumentando o preço pelo qual esta pode ser vendida ou aumentando, por meio da obrigação de utilizar energias renováveis ou de outra forma, o volume das aquisições de energias renováveis. Estão incluídos, designadamente, a ajuda ao investimento, as isenções ou reduções fiscais, o reembolso de impostos, os regimes de apoio à obrigação de utilização de energias renováveis, nomeadamente os que utilizam certificados verdes, e os regimes de apoio direto ao preço, nomeadamente as tarifas de aquisição e os pagamentos de prémios;

l)      “Obrigação de energias renováveis”: um regime de apoio nacional que obriga os produtores de energia a incluírem uma determinada percentagem de energia proveniente de fontes renováveis na sua produção, que obriga os fornecedores de energia a incluírem uma determinada percentagem de energia proveniente de fontes renováveis no seu aprovisionamento ou que obriga os consumidores de energia a incluírem uma determinada percentagem de energia proveniente de fontes renováveis no seu consumo. Estão incluídos os regimes ao abrigo dos quais estes requisitos podem ser satisfeitos mediante a utilização de certificados verdes;

[…]»

12      O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Objetivos globais nacionais obrigatórios e medidas para a utilização de energia proveniente de fontes renováveis», dispunha, nos n.os 1 a 4:

«1.      Cada Estado‑Membro deve assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis, calculada nos termos dos artigos 5.o a 11.o, no consumo final bruto de energia em 2020 seja, pelo menos, igual ao objetivo nacional para a quota de energia proveniente de fontes renováveis estabelecida para esse ano na terceira coluna do quadro da parte A do anexo I. Estes objetivos globais nacionais obrigatórios devem ser coerentes com uma quota de pelo menos 20 % de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia da Comunidade até 2020. Para alcançar mais facilmente o objetivo estabelecido no presente artigo, os Estados‑Membros devem promover e incentivar a eficiência energética e as poupanças de energia.

2.      Os Estados‑Membros devem introduzir medidas efetivamente concebidas para assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis seja igual ou superior à fixada na trajetória indicativa fixada na parte B do anexo I.

3.      Para alcançar os objetivos fixados nos n.os 1 e 2, os Estados‑Membros podem, nomeadamente, aplicar as seguintes medidas:

a)      Regimes de apoio;

b)      Medidas de cooperação entre vários Estados‑Membros e com países terceiros para alcançarem os seus objetivos nacionais globais nos termos dos artigos 5.o a 11.o

Sem prejuízo dos artigos 87.o e 88.o do Tratado [atualmente artigos 107.o e 108.o TFUE], os Estados‑Membros têm o direito de decidir, nos termos dos artigos 5.o a 11.o da presente diretiva, em que medida apoiam a energia proveniente de fontes renováveis produzida noutros Estados‑Membros.

4.      Cada Estado‑Membro deve assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida por todos os modos de transporte em 2020 represente, pelo menos, 10 % do consumo final de energia nos transportes nesse Estado‑Membro.»

13      O artigo 15.o da Diretiva 2009/28, sob a epígrafe «Garantia de origem da eletricidade e da energia de aquecimento e arrefecimento produzidas a partir de fontes de energia renováveis», enunciava, nos n.os 1 e 9:

«1.      Para efeitos de prova ao consumidor final da quota ou quantidade de energia proveniente de fontes renováveis presente no cabaz energético de um produtor, nos termos do n.o 6 do artigo 3.o da Diretiva 2003/54/CE, os Estados‑Membros devem assegurar que a origem da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis possa ser garantida como tal na aceção da presente diretiva de acordo com critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios.

[…]

9.      Os Estados‑Membros devem reconhecer as garantias de origem emitidas por outros Estados‑Membros nos termos da presente diretiva exclusivamente enquanto prova dos elementos referidos no n.o 1 e nas alíneas a) a f) do n.o 6. […]»

14      O artigo 26.o desta diretiva, sob a epígrafe «Alterações e revogações», previa:

«1.      Na Diretiva 2001/77/CE, o artigo 2.o, o n.o 2 do artigo 3.o e os artigos 4.o a 8.o são suprimidos com efeitos a partir de 1 de abril de 2010.

[…]

3.      As Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de maio de 2003, relativa à promoção da utilização de biocombustíveis ou de outros combustíveis renováveis nos transportes (JO 2003, L 123, p. 42)] são revogadas com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012.»

15      Nos termos do artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28:

«Sem prejuízo dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 4.o, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 5 de dezembro de 2010.»

 Direito italiano

 Decreto Legislativo n.o 79/1999

16      Para incentivar a utilização de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis (a seguir «eletricidade verde»), a República Italiana adotou o decreto legislativo n.o 79 — Attuazione della direttiva 96/92/CE recante norme comuni per il mercato interno dell’energia elettrica (Decreto Legislativo n.o 79 que transpõe a Diretiva 96/92/CE que estabelece Regras Comuns para o Mercado Interno da Eletricidade), de 16 de março de 1999 [GURI n.o 75, de 31 de março de 1999, p. 8, a seguir «Decreto Legislativo n.o 79/1999»].

17      Este decreto legislativo instituiu um regime de apoio à produção de eletricidade verde baseado, nomeadamente, na atribuição gratuita de certificados verdes a qualquer produtor italiano de eletricidade verde proporcionalmente à eletricidade verde produzida.

18      O artigo 11.o do referido decreto legislativo previa:

«1.      Com o objetivo de apoiar a utilização de energias renováveis, a poupança de energia, a redução das emissões de dióxido de carbono e a utilização de recursos energéticos nacionais, a partir de 2001, os importadores e os operadores responsáveis pelas instalações que, em cada ano, importem ou produzam energia elétrica a partir de fontes não renováveis têm a obrigação de injetar na rede elétrica nacional, durante o ano seguinte, uma quota de eletricidade verde produzida a partir de fontes renováveis por instalações que tenham começado a operar ou aumentado a sua produção, nos limites das capacidades de produção suplementares, posteriormente à entrada em vigor do presente decreto.

2.      A obrigação prevista no n.o 1 aplica‑se às importações e às produções de energia elétrica, não incluída a cogeração, o consumo próprio da central e as exportações, que exceda 100 GWh; a quota prevista no n.o 1 é inicialmente fixada em 2 % desta energia que exceda 100 GWh.

3.      Estes mesmos operadores podem também cumprir esta obrigação adquirindo, no todo ou em parte, a quota equivalente ou os direitos correspondentes a outros produtores, desde que injetem energia renovável na rede elétrica nacional, ou junto do [Gestore della rete di trasmissione nazionale (Gestor da Rede de Distribuição Nacional, Itália), atual GSE] […] Para compensar as flutuações da produção anual ou a insuficiência da oferta, o [GSE] pode comprar ou vender direitos de produção a partir de fontes renováveis, independentemente da disponibilidade efetiva, com a obrigação de compensar, numa base trienal, as eventuais emissões de direitos na falta de disponibilidade.»

19      Esta aquisição pelo GSE de direitos de produção a partir de fontes renováveis, também designados «certificados verdes», era efetuada mediante a utilização do produto da componente tarifária A3 paga pelos consumidores de eletricidade na sua fatura.

 Decreto Legislativo n.o 387/2003

20      Resulta do artigo 4.o do decreto legislativo n.o 387 — Attuazione della direttiva 2001/77/CE relativa alla promozione dell’energia elettrica prodotta da fonti energetiche rinnovabili nel mercato interno dell’elettrica (Decreto Legislativo n.o 387 que transpõe a Diretiva 2001/77/CE relativa à Promoção da Produção de Energia Elétrica a partir de Fontes Renováveis no Mercado Interno da Eletricidade), de 29 de dezembro de 2003 (suplemento ordinário do GURI n.o 25, de 31 de janeiro de 2004, a seguir «Decreto Legislativo n.o 387/2003»), que cabia ao gestor da rede de distribuição nacional, atual GSE, verificar o cumprimento da obrigação prevista no artigo 11.o do Decreto Legislativo n.o 79/1999 e informar dos eventuais incumprimentos a Autorità per l’energia elettrica, il gas e sistema idrico (Autoridade de Supervisão de Eletricidade, Gás e Água, Itália), atual ARERA, que, nesse caso, era competente para aplicar as sanções previstas na legge n.o 481 — Norme per la concorrenza e la regolazione dei servizi di pubblica utilità. Istituzione delle Autorità di regolazione dei servizi di pubblica utilità (Lei n.o 481 relativa às Regras de Concorrência e de Regulação dos Serviços de Utilidade Pública. Criação de Entidades Reguladoras dos Serviços de Utilidade Pública), de 14 de novembro de 1995 (GURI n 270, de 18 de novembro de 1995, suplemento ordinário n.o 136).

21      O artigo 11.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 387/2003 tinha a seguinte redação:

«A garantia de origem indica a localização da instalação, a fonte de energia renovável a partir da qual a eletricidade foi produzida, a tecnologia utilizada, a potência nominal da instalação, a produção líquida de eletricidade ou, no caso das centrais híbridas, a produção imputável, em cada ano civil. […]»

22      O artigo 20.o, n.o 3, deste decreto legislativo dispunha:

«Os operadores que importam eletricidade produzida noutros Estados‑Membros da União Europeia e estão sujeitos à obrigação prevista no artigo 11.o do Decreto Legislativo [n.o 79/1999] podem pedir ao gestor da rede, relativamente à parte dessa eletricidade importada que é produzida a partir de fontes renováveis, uma isenção desta obrigação. O pedido deve ser acompanhado, no mínimo, da cópia autenticada da garantia de origem emitida, em conformidade com o artigo 5.o da Diretiva 2001/77/CE, no Estado em que se situa a instalação de produção […]».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

23      A Esperia SpA era uma sociedade que importava eletricidade para Itália tendo em vista a sua venda por grosso ou a retalho.

24      Por Decisão de 28 de junho de 2016, a ARERA aplicou‑lhe uma sanção pecuniária no montante de 2 803 500 euros por não ter cumprido a sua obrigação de comprar 17 753 certificados verdes a título da eletricidade que tinha importado para Itália em 2010.

25      A Esperia impugnou esta sanção no Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália). Depois de esta ação ter sido intentada, esta sociedade foi declarada insolvente e passou a denominar‑se Fallimento Esperia. Todavia, o administrador judicial da Fallimento Esperia prosseguiu a referida ação nesse órgão jurisdicional.

26      Por Sentença de 8 de agosto de 2018, o referido órgão jurisdicional julgou parcialmente procedente a ação da Fallimento Esperia, considerando que o montante da sanção que lhe tinha sido aplicada era excessivo. A ARERA e a Fallimento Esperia interpuseram recurso desta sentença no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), órgão jurisdicional de reenvio.

27      O processo neste último órgão jurisdicional foi suspenso depois de este ter apresentado, em 3 de setembro de 2019, um pedido de decisão prejudicial no Tribunal de Justiça, no processo Axpo Trading, também submetido ao órgão jurisdicional de reenvio. Este pedido foi registado no Tribunal de Justiça com a referência C‑705/19.

28      Após a apresentação, em 3 de dezembro de 2020, das Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Axpo Trading (C‑705/19, EU:C:2020:989), a Axpo Trading desistiu da instância no órgão jurisdicional de reenvio e este processo foi cancelado por Despacho de 9 de setembro de 2021, Axpo Trading (C‑705/19, EU:C:2021:755).

29      Nessa medida, a instância no órgão jurisdicional de reenvio no processo principal foi retomada.

30      No referido órgão jurisdicional, a Fallimento Esperia manifestou as suas dúvidas quanto à compatibilidade, à luz do direito da União, da legislação italiana que impõe às empresas que importam eletricidade, que não apresentaram garantias de origem, a obrigação, sob pena de sanção, de adquirirem eletricidade verde ou certificados verdes, obrigação que não se aplica aos produtores nacionais dessa mesma energia. No entender desta sociedade, esta legislação poderia ser considerada constitutiva de um auxílio de Estado a favor dos produtores de energia verde que exercem a sua atividade em Itália, de um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro e de uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação. Por seu turno, a GSE considera que a legislação italiana em causa no processo principal está em conformidade com a Diretiva 2001/77.

31      O órgão jurisdicional de reenvio faz referência às Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Axpo Trading (C‑705/19, EU:C:2020:989) e ao seu próprio pedido de decisão prejudicial nesse processo.

32      Nesse pedido, explicava, nomeadamente, que o regime italiano de apoio à eletricidade verde lhe parecia compatível com as regras do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado. Com efeito, neste regime, nenhum recurso estatal é mobilizado. Não há transferência direta ou indireta de recursos públicos a favor dos produtores de energia verde que operam em Itália. Em todo o caso, o referido regime está em conformidade, por um lado, com a Diretiva 2009/28, que fixa objetivos nacionais em matéria de energia verde e que favorece as medidas dos Estados‑Membros que apoiam exclusivamente os produtores de energia limpa estabelecidos no seu território e, por outro, com o objetivo de proteção do ambiente. Do mesmo modo, a medida de apoio em causa não pode ser considerada seletiva, uma vez que o sistema de referência instituído pela Diretiva 2009/28 é em si mesmo e voluntariamente seletivo, dado que tem por objetivo privilegiar a produção de energia verde em cada Estado‑Membro.

33      Por outro lado, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta este objetivo da Diretiva 2009/28, esse regime não institui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro nem uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa ao impor aos importadores de energia produzida no estrangeiro a compra de certificados verdes. O referido regime reserva às entidades que operam em Itália o benefício de um apoio com o objetivo de se conformarem com os objetivos nacionais obrigatórios relativos à quota de energia produzida a partir de fontes renováveis no consumo final fixado pela Diretiva 2009/28, sem que os importadores de energia limpa produzida noutro Estado‑Membro sejam sujeitos a uma obrigação ou confrontados com entraves.

34      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o mesmo regime é conforme com os artigos 18.o e 110.o TFUE, porque concede o mesmo tratamento a todos os operadores do setor elétrico que injetam na rede energética nacional energia que não é produzida a partir de uma fonte renovável italiana.

35      No entanto, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

« —      o artigo 18.o TFUE, na medida em que proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados;

—      os artigos 28.o e 30.o TFUE, na medida em que preveem a eliminação dos direitos aduaneiros sobre as importações e medidas de efeito equivalente;

—      o artigo 110.o TFUE, na medida em que proíbe imposições fiscais sobre as importações superiores às que incidem, direta ou indiretamente, sobre os produtos nacionais similares;

—      o artigo 34.o TFUE, na medida em que proíbe a adoção de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas às importações,

—      os artigos 107.o e 108.o TFUE, na medida em que proíbem a execução de uma medida de auxílio de Estado não notificada à Comissão e incompatível com o mercado interno;

—      a Diretiva 2009/28/CE, na medida em que visa favorecer o comércio intracomunitário de eletricidade verde favorecendo também a promoção das capacidades produtivas de cada Estado‑Membro,

se opõem a uma legislação nacional, como a descrita [no pedido de decisão prejudicial], que impõe aos importadores de eletricidade verde um encargo pecuniário não aplicável aos produtores nacionais do mesmo produto?»

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

36      Primeiro, há que salientar que o direito italiano aplicável aos factos do processo principal previa uma medida ao abrigo do artigo 11.o do Decreto Legislativo n.o 79/1999 que obrigava os importadores de eletricidade proveniente de outro Estado‑Membro, que não demonstrassem que esta era verde através da apresentação de garantias de origem, a comprar eletricidade verde ou certificados verdes a produtores nacionais em função da quantidade de eletricidade que importavam sob pena de lhes ser aplicada uma sanção.

37      Segundo, esta medida, que é objeto da presente questão prejudicial, enquadra‑se num regime de apoio nacional à produção de eletricidade verde que obriga os importadores e os operadores responsáveis pelas instalações que importem ou produzam energia elétrica a partir de fontes não renováveis a injetar anualmente uma quota de eletricidade verde na rede elétrica nacional. Para cumprir esta obrigação, este regime prevê que esses importadores e esses operadores podem eles próprios produzir eletricidade verde, comprar eletricidade verde a produtores nacionais de eletricidade verde ou certificados verdes. Por outro lado, ainda nos termos do referido regime, as autoridades nacionais emitem esses certificados gratuitamente aos produtores nacionais de eletricidade verde em função da quantidade de eletricidade verde que produzem, para poderem revendê‑los aos produtores e importadores vinculados à referida obrigação.

38      Terceiro, importa também sublinhar que as importações de eletricidade objeto do litígio no processo principal foram efetuadas em 2010, pelo que são suscetíveis de se regerem tanto pela Diretiva 2001/77 como pela Diretiva 2009/28. Com efeito, como resulta do artigo 26.o da Diretiva 2009/28, o artigo 2.o, o artigo 3.o, n.o 2, e os artigos 4.o a 8.o da Diretiva 2001/77 foram revogados com efeitos a partir de 1 de abril de 2010, enquanto as outras disposições dessa diretiva foram revogadas com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012. Além disso, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 1, a Diretiva 2009/28 devia ser transposta até 5 de dezembro de 2010.

39      Quarto, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 18.o TFUE, que estabelece um princípio geral de proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, só deve ser aplicado autonomamente a situações regidas pelo direito da União em relação às quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (Acórdão de 10 de outubro de 2019, Krah, C‑703/17, EU:C:2019:850, n.o 19 e jurisprudência referida). Ora, no domínio da livre circulação de mercadorias, o princípio da não discriminação é implementado pelos artigos 28.o, 30.o, 34.o e 110.o TFUE. Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a eletricidade constitui uma mercadoria na aceção das disposições do Tratado FUE (Acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 43 e jurisprudência referida). Por conseguinte, não há que aplicar o artigo 18.o TFUE no contexto de uma medida como a que está em causa no processo principal.

40      Tendo em conta o que precede, há que compreender a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que visa, em substância, saber se as Diretivas 2001/77 e 2009/28, bem como os artigos 28.o, 30.o, 34.o, 107.o, 108.o e 110.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma medida nacional que, por um lado, obriga os importadores de eletricidade proveniente de outro Estado‑Membro, que não demonstrem que essa eletricidade é produzida a partir de fontes renováveis através da apresentação de garantias de origem, a comprar aos produtores nacionais certificados verdes ou eletricidade verde proporcionalmente à quantidade de eletricidade que importam, e, por outro lado, prevê a aplicação de uma sanção em caso de incumprimento desta obrigação, ao passo que os produtores nacionais de eletricidade verde não estão sujeitos a essa obrigação de compra.

 Quanto às Diretivas 2001/77 e 2009/28

 Quanto à Diretiva 2001/77

41      Quanto à questão de saber se a Diretiva 2001/77 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal, importa recordar que esta diretiva, como resulta do seu artigo 1.o, destina‑se a promover o aumento da contribuição das fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade no mercado interno da eletricidade e criar uma base para um futuro quadro comunitário neste setor.

42      Por outro lado, resulta do artigo 4.o desta diretiva, lido em conjugação com o considerando 14, que um meio importante para realizar o objetivo prosseguido pela referida diretiva, até que um quadro comunitário esteja operacional, consiste em garantir o bom funcionamento dos diferentes mecanismos de apoio às fontes de energia renováveis ao nível nacional, entre os quais figura o mecanismo dos certificados verdes.

43      No que respeita a esses mecanismos de apoio, o Tribunal de Justiça já declarou, à luz do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/77, que este reconhecia aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação para efeitos de adoção e de implementação de tais regimes de apoio aos produtores de eletricidade verde (Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 60 e jurisprudência referida).

44      Todavia, esses mecanismos, como resulta do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/77, devem ser apropriados para contribuir para a realização, pelos Estados‑Membros, dos objetivos indicativos nacionais de consumo futuro de eletricidade verde. Por conseguinte, devem, em princípio, conduzir a um reforço da produção nacional de eletricidade verde (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 62 e jurisprudência referida). Além disso, segundo o mesmo artigo 3.o, n.o 1, os referidos mecanismos devem ser proporcionais ao objetivo a atingir.

45      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou, à luz dos considerandos 10 e 11, bem como do artigo 5.o, n.os 3 e 4, da referida diretiva, que o legislador da União não quis impor aos Estados‑Membros que tenham optado por um regime de apoio que utiliza certificados verdes que estendam o benefício desse regime à eletricidade verde produzida no território de outro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Essent Belgium, C‑204/12 a C‑208/12, EU:C:2014:2192, n.o 66).

46      Resulta do que precede que a Diretiva 2001/77 não procedeu a uma harmonização exaustiva do domínio que regula, pelo que os regimes de apoio nacionais à produção de eletricidade verde previstos no artigo 4.o desta diretiva devem preencher os requisitos decorrentes dos artigos 34.o e 36.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 64 e jurisprudência referida).

47      No caso em apreço, e sob reserva da apreciação que compete ao órgão jurisdicional de reenvio, a medida em causa no processo principal, ao prever a obrigação de os importadores de eletricidade que não demonstraram, através da apresentação de garantias de origem, que a sua eletricidade é verde, comprarem eletricidade verde ou certificados verdes a produtores nacionais de eletricidade, parece contribuir para a realização do objetivo da Diretiva 2001/77. Com efeito, esta obrigação é suscetível de estimular a produção nacional de eletricidade verde, quer aumentando a procura dessa eletricidade, quer permitindo que os produtores nacionais dessa eletricidade beneficiem de rendimentos adicionais provenientes da venda de certificados verdes.

48      A medida em causa no processo principal afigura‑se, portanto, adequada para promover o aumento do consumo de eletricidade verde, dado que impõe a injeção de uma quota desta eletricidade na rede nacional. Quanto ao caráter proporcional desta medida, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta as apreciações, constantes dos n.os 110 a 122 do presente acórdão, relativas ao respeito do princípio da proporcionalidade no contexto da interpretação dos artigos 34.o e 36.o TFUE.

49      Tendo em conta o que precede e sob reserva desta última observação, a Diretiva 2001/77 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal.

 Quanto à Diretiva 2009/28

50      Quanto à questão de saber se a Diretiva 2009/28 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal, há que observar que esta diretiva destina‑se, como resulta do artigo 1.o, a estabelecer um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis, fixando, nomeadamente, objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia.

51      Assim, por força do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2009/28, os Estados‑Membros têm a obrigação, por um lado, de assegurar que a quota de energia proveniente de fontes renováveis no seu consumo final de energia em 2020 corresponda, no mínimo, ao objetivo nacional, tal como estabelecido na parte A do anexo I desta diretiva, e, por outro, de introduzir medidas para assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis seja, pelo menos, igual à prevista na «trajetória indicativa», fixada na parte B do anexo I, da referida diretiva.

52      Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que resulta do considerando 25 da Diretiva 2009/28, bem como do artigo 1.o, do artigo 2.o, segundo parágrafo, alínea k), e do artigo 3.o, n.o 3, desta diretiva, que o legislador da União não pretendeu proceder a uma harmonização exaustiva dos regimes nacionais de apoio à produção de energia verde na referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 59 a 63).

53      Pelo contrário, como o Tribunal de Justiça declarou, resulta da própria redação do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2009/28, segundo o qual os Estados‑Membros «podem» aplicar, nomeadamente, regimes de apoio, que os referidos Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto às medidas que podem adotar para alcançar os objetivos fixados no artigo 3.o, n.os 1 e 2, desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2021, Promociones Oliva Park, C‑220/19, EU:C:2021:163, n.o 68 e jurisprudência referida). Em particular, no âmbito dessa margem de apreciação, os Estados‑Membros podem optar por regimes de apoio assentes na obrigação de compra de eletricidade verde ou de certificados verdes. Com efeito, o artigo 2.o, segundo parágrafo, alíneas k) e l), da referida diretiva define o conceito de «regime de apoio» referindo‑se especificamente aos regimes de apoio nacionais relacionados com a obrigação de utilização de energia proveniente de fontes renováveis, incluindo os que utilizam certificados verdes.

54      A Diretiva 2009/28 também não se opõe a um regime de apoio que favoreça exclusivamente a produção nacional de eletricidade verde. Com efeito, à luz dos considerandos 25, 52 e 56, bem como dos artigos 2.o, 3.o e 15.o desta diretiva, o Tribunal de Justiça já declarou que o legislador da União não pretendeu impor aos Estados‑Membros que optaram por um regime de apoio que utiliza certificados verdes que alarguem o seu benefício à eletricidade verde produzida no território de outro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 49 a 53).

55      No caso em apreço, pelos mesmos motivos que os que foram enunciados no n.o 47 do presente acórdão, a medida em causa no processo principal parece contribuir para a realização do objetivo prosseguido pela Diretiva 2009/28 e ser, a priori, adequada para promover o aumento do consumo de eletricidade verde.

56      Todavia, quando os Estados‑Membros adotam medidas através das quais põem em prática o direito da União, devem respeitar os princípios gerais deste direito, entre os quais figura, nomeadamente, o princípio da segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2019, Agrenergy et Fusignano Due, C‑180/18, C‑286/18 e C‑287/18, EU:C:2019:605, n.o 28). Cabe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a compatibilidade da medida em causa no processo principal à luz deste princípio tendo em conta as apreciações, constantes dos n.os 110 a 122 do presente acórdão, relativas ao respeito do princípio da proporcionalidade no contexto da interpretação dos artigos 34.o e 36.o TFUE.

57      Por conseguinte, sob reserva desta apreciação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a Diretiva 2009/28 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal.

58      Por outro lado, visto que, como resulta dos n.os 46 e 52 do presente acórdão, a Diretiva 2001/77 e a Diretiva 2009/28 não procederam a uma harmonização exaustiva do domínio que regulam, há que examinar o alcance do direito primário invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 57 e jurisprudência referida).

 Quanto às regras em matéria de auxílios de Estado

59      No que se refere às disposições de direito primário invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa apreciar, em primeiro lugar, se a medida em causa no processo principal é suscetível de ser abrangida pelos artigos 107.o e 108.o TFUE.

60      Com efeito, por força do sistema de fiscalização dos auxílios de Estado instituído por estas disposições, tanto os órgãos jurisdicionais nacionais como a Comissão, são competentes para declarar a existência de um regime ou de uma medida de auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Uma vez que o Tribunal de Justiça é competente para fornecer a esses órgãos jurisdicionais todos os elementos de interpretação do direito da União que lhes permitam apreciar a conformidade de um regime ou de uma medida nacional com esse direito com vista à decisão do processo que lhe foi submetido, pode fornecer aos referidos órgãos jurisdicionais os elementos de interpretação que lhes permitam determinar se um regime ou uma medida nacional pode ser qualificada de «auxílio de Estado» na aceção do direito da União. Em contrapartida, a apreciação da compatibilidade desse regime ou dessa medida com o mercado interno é da competência exclusiva da Comissão, que atua sob a fiscalização do juiz da União (v., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea, C‑179/20, EU:C:2022:58, n.os 83 e 84, e jurisprudência referida).

61      Daqui resulta que, quando um órgão jurisdicional nacional constata a existência de um regime de auxílios, não é competente para apreciar a conformidade das modalidades desse regime com as disposições do Tratado FUE que têm efeito direto, diferentes das relativas aos auxílios de Estado, se essas modalidades estiverem indissociavelmente ligadas ao próprio objeto do auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, A‑Fonds, C‑598/17, EU:C:2019:352, n.os 46 a 49 e jurisprudência referida).

62      No que respeita à possível qualificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, da medida em causa no processo principal de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que essa qualificação exige que todos os seguintes requisitos estejam preenchidos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou ser proveniente de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea, C‑179/20, EU:C:2022:58, n.o 86 e jurisprudência referida).

63      Antes de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio elementos de interpretação para cada um destes quatro requisitos, importa salientar que o regime em causa no processo principal, tal como descrito no n.o 37 do presente acórdão, é, a priori, suscetível de conferir duas vantagens económicas aos produtores de eletricidade verde italianos, a saber, por um lado, a vantagem de poderem vender a sua eletricidade sem terem de comprar eletricidade verde ou certificados verdes e, por outro, a vantagem de poderem vender os certificados verdes que receberam gratuitamente na proporção da eletricidade verde que produziram a produtores ou importadores de eletricidade produzida a partir de fontes não renováveis.

 Quanto aos efeitos nas trocas comerciais entre os EstadosMembros e na concorrência

64      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da qualificação de uma medida nacional como «auxílio de Estado», não é necessário demonstrar uma incidência real do auxílio sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros nem uma distorção efetiva da concorrência mas apenas examinar se o auxílio é suscetível de afetar essas trocas e de falsear a concorrência (Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea, C‑179/20, EU:C:2022:58, n.o 100 e jurisprudência referida).

65      No caso em apreço, os importadores e os produtores de eletricidade exercem a sua atividade num mercado da eletricidade que, na sequência da sua liberalização, está aberto à concorrência. A concessão das vantagens referidas no n.o 63 do presente acórdão aos produtores nacionais de eletricidade verde é, portanto, suscetível de afetar a concorrência entre esses produtores nacionais e os importadores de eletricidade que não obtiveram a isenção da obrigação de compra de eletricidade verde ou de certificados verdes. Por outro lado, uma vez que esta obrigação de compra é imposta aos importadores de eletricidade que não obtiveram isenção, é, além disso, suscetível de afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros.

66      Por conseguinte, uma medida como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e de falsear a concorrência.

 Quanto à existência de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais

67      Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que para que uma vantagem possa ser qualificada de «auxílio» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, deve, por um lado, ser concedida direta ou indiretamente através de recursos estatais e, por outro, ser imputável ao Estado (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, DOBELES HES, C‑702/20 e C‑17/21, EU:C:2023:1, n.o 32 e jurisprudência referida).

68      Para apreciar, em primeiro lugar, a imputabilidade da medida ao Estado, importa examinar se as autoridades públicas estiveram envolvidas, de uma forma ou de outra, na adoção dessa medida (Acórdão de 21 de outubro de 2020, Eco TLC, C‑556/19, EU:C:2020:844, n.o 23 e jurisprudência referida).

69      No caso em apreço, tanto a medida em causa no processo principal como o regime de apoio que a enquadra foram instituídos por diplomas de natureza legislativa, a saber, o Decreto Legislativo n.o 79/1999 e o Decreto Legislativo n.o 387/2003. Por conseguinte, estas medidas devem ser consideradas imputáveis ao Estado, na aceção da jurisprudência referida no número anterior.

70      Em segundo lugar, para determinar se o auxílio foi concedido direta ou indiretamente através de recursos estatais, cabe recordar que a distinção estabelecida no artigo 107.o, n.o 1, TFUE entre os auxílios concedidos «pelos Estados» e os «provenientes de recursos estatais» não significa que todas as vantagens concedidas por um Estado‑Membro constituam auxílios, sejam ou não financiados através de recursos estatais. Esta distinção visa unicamente evitar que o simples facto de criar instituições autónomas incumbidas de distribuir auxílios permita contornar as disposições do Tratado FUE relativas aos auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.os 53 e 54, e jurisprudência referida).

71      Assim, os recursos visados pela proibição enunciada no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, abrangem todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 57, e jurisprudência referida).

72      Esses recursos compreendem, por um lado, as que estão diretamente sob o controlo do Estado, ou seja, todos os meios que pertencem ao património do Estado e, por outro, as que o são indiretamente, em especial porque fazem parte do património dos organismos públicos ou privados instituídos ou designados por este com vista a gerir auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 15 de maio de 2019, Achema e o., C‑706/17, EU:C:2019:407, n.o 50 e jurisprudência referida). Assim, os recursos de empresas públicas podem ser considerados recursos estatais quando, através do exercício da sua influência dominante, o Estado pode orientar a sua utilização para financiar benefícios a favor de outras empresas (Acórdão de 13 de setembro de 2017, ENEA, C‑329/15, EU:C:2017:671, n.o 31 e jurisprudência referida). No mesmo sentido, quando entidades distintas da autoridade pública gerem e repartem, em conformidade com uma legislação do Estado, fundos alimentados por contribuições obrigatórias impostas por essa legislação, estes fundos podem ser considerados recursos estatais quando essas entidades são mandatadas pelo Estado para gerirem esses recursos e não estarem simplesmente vinculadas por uma obrigação de compra através dos seus próprios recursos (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.os 58 e 59, e de 15 de maio de 2019, Achema e o., C‑706/17, EU:C:2019:407, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida).

73      Não obstante, há que recordar que a exigência de que os auxílios sejam concedidos direta ou indiretamente através de recursos estatais implica que a sua concessão deve afetar estes últimos. Deve, portanto, existir uma ligação suficientemente direta entre, por um lado, a vantagem conferida por esses auxílios e, por outro, uma diminuição desses recursos, ou mesmo um risco económico suficientemente concreto de encargos que os onerem (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 60, e jurisprudência referida). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que essa relação não existia num caso em que a afetação dos recursos estatais de uma medida que obrigava as empresas privadas de fornecimento de eletricidade a comprar a preços mínimos fixos a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis consistia unicamente numa diminuição das receitas fiscais do Estado devido às consequências negativas desta obrigação para os resultados económicos das empresas sujeitas à referida obrigação (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98 EU:C:2001:160, n.o 62).

74      É à luz das referências jurisprudenciais precedentes que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, nomeadamente, primeiro, se a disponibilização gratuita de certificados verdes aos produtores nacionais de eletricidade verde é suscetível de mobilizar recursos estatais. A este respeito, há que precisar que, à primeira vista, esta disponibilização não parece implicar uma transferência de recursos controlados pelo Estado para os produtores italianos de eletricidade verde. Com efeito, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a referida disponibilização implique uma qualquer exploração económica por parte de entidades equiparáveis ao Estado. Estes certificados verdes só parecem ter valor económico devido à obrigação legal de compra que impende sobre certos produtores e importadores. Ora, quando esses produtores e importadores cumprem esta obrigação comprando os certificados verdes aos produtores de eletricidade verde, os montantes recebidos por estes não parecem estar sob o controlo do Estado, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 71 e 72 do presente acórdão, uma vez que a redistribuição financeira em causa no processo principal parece efetuar‑se de uma entidade privada a outra sem intervenção adicional do Estado. A vantagem que representa a concessão desses certificados aos produtores nacionais de eletricidade verde parece ser assim financiada unicamente por recursos provenientes dos produtores ou importadores obrigados a comprar os referidos certificados sem que exista um controlo destes recursos pelo Estado.

75      Segundo, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o mecanismo previsto no regime em causa no processo principal para garantir um valor aos certificados verdes implica recursos estatais. A este respeito, afigura‑se que este regime não impõe unicamente aos produtores de eletricidade convencional e aos importadores a obrigação de comprarem os referidos certificados quando não produzem nem compram eletricidade verde, para atingirem a quota de eletricidade verde que devem injetar na rede nacional. Parece também resultar do artigo 11.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 79/1999 e das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelas partes no processo principal que o referido regime garante, em benefício dos produtores italianos de eletricidade verde, um valor económico mínimo aos referidos certificados verdes. Com efeito, esta disposição parece impor ao GSE, uma entidade controlada pelo Ministério da Economia e das Finanças italiano, a compra de certificados verdes quando estes são excedentários relativamente aos que são necessários para os operadores obrigados a adquiri‑los. Esta possível intervenção do GSE evita assim que uma oferta excedentária de certificados verdes possa prejudicar o apoio aos produtores nacionais de eletricidade verde.

76      Ora, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os recursos de que o GSE dispõe para a compra de certificados verdes excedentários provêm das receitas obtidas ao abrigo da componente tarifária A3, um encargo pecuniário imposto pela regulamentação italiana aos consumidores de eletricidade italianos transferido para as contas do GSE, de modo que lhe permita essa compra. Assim, uma diminuição dos recursos sob o controlo do Estado devido à compra pelo GSE dos certificados verdes excedentários parece ter uma relação suficientemente direta com a vantagem que constitui a concessão a título gratuito desses certificados verdes aos produtores nacionais de eletricidade verde para que possam revendê‑los no mercado.

77      Por conseguinte, e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a compra dos certificados verdes excedentários parece ser efetuada por uma entidade equiparável ao Estado, com base no mandato que lhe é conferido pela legislação italiana, através da receita proveniente de uma componente tarifária paga para esse efeito pelos consumidores.

78      Nesta medida, e dado que, como alega a Faillimento Esperia nas suas observações escritas, essas compras pelo GSE ocorreram efetivamente em 2010, cabe constatar que o regime de apoio de que faz parte a medida em causa no processo principal implica uma transferência de recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

79      Consequentemente, esta medida parece ser imputável ao Estado Italiano e as vantagens que confere parecem ser concedidas indiretamente através de recursos estatais.

 Quanto à seletividade da vantagem

80      No que respeita ao requisito relativo à concessão de uma vantagem seletiva, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a apreciação deste requisito impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida nacional é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras que, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 41, e de 15 de maio de 2019, Achema e o., C‑706/17, EU:C:2019:407, n.o 84 e jurisprudência referida).

81      Uma vez que o exame de uma vantagem seletiva deve ser efetuado «no quadro de um dado regime jurídico», implica, em princípio, definir previamente o quadro de referência em que se insere a medida em causa, sendo certo que esse método não está reservado ao exame de medidas fiscais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 54 e 55).

82      O quadro de referência decorre da legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Deve ser composto por normas jurídicas de um domínio que não tenha sido objeto de uma harmonização exaustiva ao nível do direito da União e essas normas devem prosseguir um objetivo compatível com esse direito (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria, C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.o 44).

83      Acresce que, esse quadro de referência não deve, em si mesmo, ser incompatível com o direito da União em matéria de auxílios de Estado, que visa assegurar o bom funcionamento do mercado interno da União, garantindo que as medidas tomadas pelos Estados‑Membros a favor de empresas não falseiam a concorrência nesse mercado (v., neste sentido, Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 45 e jurisprudência referida).

84      A determinação desse quadro de referência deve decorrer de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis ao abrigo do direito nacional do Estado‑Membro em questão (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 72 e jurisprudência referida). Na sequência deste exame, o quadro de referência identificado deve ter uma lógica jurídica autónoma com um objetivo próprio e deve não poder estar associado a um quadro normativo exterior. Quando uma medida é claramente dissociável de um sistema geral, não é de excluir que o quadro de referência a ter em conta seja mais restrito do que o referido sistema geral, ou até que o mesmo se identifique com a própria medida, quando esta se apresente como uma regra dotada de uma lógica jurídica autónoma e seja impossível identificar um quadro normativo coerente fora dessa medida (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Banco Santander e o./Comissão, C‑53/19 P e C‑65/19 P, EU:C:2021:795, n.o 63).

85      A determinação desse quadro de referência é feita, em princípio, independentemente do objetivo prosseguido pela autoridade nacional quando da adoção da medida examinada à luz das regras aplicáveis em matéria de auxílios de Estado. Além disso, a técnica regulamentar utilizada pelo legislador nacional para esta determinação não é decisiva. Por último, a referida determinação não pode resultar num quadro de referência constituído por algumas disposições que foram artificialmente retiradas de um quadro legislativo mais amplo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Banco Santander e o./Comissão, C‑53/19 P e C‑65/19 P, EU:C:2021:795, n.os 62, 65 e 94, e jurisprudência referida).

86      Decorre também de jurisprudência constante que o conceito de «auxílio de Estado» não visa as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas e, portanto, a priori, seletivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da sistemática do regime em que se inscrevem (Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 41, e de 26 de abril de 2018, ANGED, C‑234/16 e C‑235/16, EU:C:2018:281, n.o 35 e jurisprudência referida).

87      Todavia, o Tribunal de Justiça declarou repetidamente que a finalidade prosseguida por intervenções estatais não basta para as fazer automaticamente escapar à qualificação de «auxílio» na aceção do artigo 107.o TFUE (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 84). Em especial, declarou que, mesmo que a proteção do ambiente constitua um dos objetivos essenciais da União, a necessidade de ter em consideração esse objetivo não justifica a exclusão de medidas seletivas do âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 75). Por outro lado, excluiu que possa ser abrangida por essa derrogação uma medida que institui uma diferenciação entre empresas, que, embora baseada num critério objetivo, é incoerente com o sistema em que se insere e, portanto, não pode ser justificada pela natureza e pela economia deste último (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer la Peggauer Zementwerke, C‑143/99, EU:C:2001:598, n.os 48 a 55).

88      No caso em apreço, como resulta da interpretação das Diretivas 2001/77 e 2009/28 que figura nos n.os 41 a 58 do presente acórdão, as normas enunciadas nos Decretos Legislativos n.os 79/1999 e 387/2003 fazem parte de um domínio que não foi objeto de harmonização ao nível do direito da União e prosseguem o objetivo legítimo à luz desse mesmo direito de apoiar a produção e a utilização de energias renováveis.

89      Contudo, para poder constituir um quadro de referência, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se essas normas são suscetíveis de consubstanciar um quadro normativo coerente e autónomo. A este respeito, importa recordar que essas normas se referem à produção e à comercialização de eletricidade verde para promover o consumo de energia a partir de fontes renováveis. Importa, pois, determinar se essas mesmas normas estão diretamente relacionadas com o quadro normativo que rege a produção, a distribuição e a comercialização da eletricidade que tem por objetivo criar e assegurar o funcionamento adequado de um mercado da eletricidade competitivo.

90      No caso de o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que o quadro de referência em causa no processo principal é o sistema geral que regulamenta a produção, a comercialização e o consumo de eletricidade em Itália, importa constatar que a medida em causa no processo principal confere a priori uma vantagem seletiva aos produtores nacionais de eletricidade verde. Com efeito, à luz do objetivo prosseguido por esse quadro regulamentar, a saber, criar e assegurar o funcionamento de um mercado da eletricidade concorrencial, esses produtores estão numa situação jurídica e factual comparável à dos importadores de eletricidade que não demonstraram que a eletricidade que importam é verde, uma vez que cada um desses operadores põe à venda eletricidade no mercado italiano da eletricidade. Contribuem, assim, para a realização do objetivo que consiste em implementar em Itália um mercado da eletricidade regulado pela lei da oferta e da procura.

91      Todavia, como resulta do n.o 86 do presente acórdão, as medidas, a priori seletivas, não constituem auxílios de Estado quando a diferenciação entre empresas introduzida por medidas estatais resulta da natureza ou da economia do sistema em que se inscrevem.

92      No caso em apreço, embora se afigure que, na ausência do regime de apoio em causa no processo principal, não poderia haver oferta de eletricidade verde no mercado italiano da eletricidade, a diferenciação entre os produtores de eletricidade verde e os produtores e importadores de eletricidade proveniente de fontes não renováveis pode ser justificada pela natureza e pela economia do sistema geral que regula a produção, a comercialização e o consumo de eletricidade em Itália. Com efeito, o funcionamento adequado de um mercado da eletricidade concorrencial em Itália, regido por esse sistema geral, pode exigir que haja nesse mercado uma oferta concorrencial de eletricidade verde. Com efeito, a adequação do funcionamento do mercado pode ser definida pelo legislador italiano tendo em conta a necessidade de assegurar a proteção do ambiente.

93      Ora, se se verificar que o custo de produção mais elevado da eletricidade verde em relação ao da eletricidade proveniente de fontes não renováveis entrava a oferta concorrencial dessa mercadoria no mercado, a diferença de tratamento entre os produtores de eletricidade verde e os produtores e importadores de eletricidade produzida a partir de fontes não renováveis criada pelo regime em causa no processo principal pode justificar‑se pela necessidade de colmatar esta deficiência do mercado. Todavia, tal justificação só é possível na condição de o apoio conferido por esse regime se limitar ao estritamente necessário para colmatar essa deficiência do mercado e de ser atribuído de forma totalmente coerente à luz do sistema geral em causa no processo principal.

94      Por outro lado, se a medida em causa no processo principal não pudesse ser justificada à luz da natureza e da economia do sistema de referência em que se inscreve, a falta de notificação dessa medida e a sua execução antes de a Comissão se pronunciar sobre a sua compatibilidade constituiriam uma violação do artigo 108.o TFUE. Nesse caso, compete ao órgão jurisdicional de reenvio retirar todas as consequências da violação desta disposição e sanar a execução dos auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Arriva Italia e o., C‑385/18, EU:C:2019:1121, n.o 84 e jurisprudência referida). Por outro lado, a ilegalidade do regime de auxílios em causa implicaria a ilegalidade da sanção prevista para assegurar a execução desse regime (v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2024, Prezes Urzędu Regulacji Energetyki, C‑220/23, EU:C:2024:34, n.os 31 e 32, e jurisprudência referida).

95      Daqui resulta que, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que a vantagem conferida aos produtores de eletricidade verde pela medida em causa no processo principal se justifica pela natureza e pela economia do sistema de referência em que se inscreve, os artigos 107.o e 108.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a tal medida.

 Quanto às regras em matéria de livre circulação de mercadorias

96      Como resulta do n.o 61 do presente acórdão, se o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que a medida em causa no processo principal não está abrangida por um regime de auxílios de Estado ou que é dissociável das outras disposições desse regime, cabe‑lhe ainda apreciar a compatibilidade dessa medida com as normas da União em matéria de União Aduaneira e de livre circulação de mercadorias.

97      A este respeito, incumbir‑lhe‑á apreciar, antes de mais, se a referida medida é suscetível de violar os artigos 28.o, 30.o e 110.o TFUE e, em seguida, se pode ser contrária ao artigo 34.o TFUE. Com efeito, o âmbito de aplicação do artigo 34.o TFUE não contém os obstáculos referidos noutras disposições específicas, e os obstáculos de natureza fiscal ou de efeito equivalente a direitos aduaneiros referidos nos artigos 28.o, 30.o e 110.o TFUE não são abrangidos pela proibição enunciada no artigo 34.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.o 50 e jurisprudência referida).

 Quanto à proibição de impor direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente

98      Os artigos 28.o e 30.o TFUE proíbem a imposição entre os Estados‑Membros de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de encargos de efeito equivalente. Um direito aduaneiro na aceção destas disposições é um encargo que um Estado‑Membro cobra sobre uma mercadoria quando esta atravessa a sua fronteira. Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro qualquer encargo pecuniário, unilateralmente imposto, ainda que mínimo, sejam quais forem as suas designação e técnica, que incida sobre mercadorias por passarem a fronteira, quando não seja um direito aduaneiro propriamente dito (Acórdão de 6 de dezembro de 2018, FENS, C‑305/17, EU:C:2018:986, n.o 29 e jurisprudência referida).

99      Uma medida como a que está em causa no processo principal, que obriga os operadores que importam eletricidade a comprar certificados verdes, não pode ser qualificada de direito aduaneiro, porque não constitui um encargo cobrado pelas autoridades nacionais nem um encargo cobrado quando a eletricidade produzida no estrangeiro atravessa a fronteira nacional. Tal obrigação também não se afigura como um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, dado que não parece onerar a eletricidade pelo facto de esta atravessar uma fronteira nacional.

100    Daqui resulta que os artigos 28.o e 30.o TFUE não se opõem a uma medida como a que está em causa no processo principal.

 Quanto à proibição de adotar imposições internas discriminatórias

101    No que respeita à proibição de os Estados‑Membros instituírem imposições internas discriminatórias, prevista no artigo 110.o TFUE, está abrangido por esta disposição um encargo pecuniário que resulta de um regime geral de imposições internas que compreende sistematicamente, segundo os mesmos critérios objetivos, categorias de produtos independentemente da sua origem ou do seu destino (Acórdão de 6 de dezembro de 2018, FENS, C‑305/17, EU:C:2018:986, n.o 29 e jurisprudência referida).

102    No caso em apreço, a obrigação de compra dos certificados verdes ou da eletricidade verde imposta pela medida em causa no processo principal não parece constituir um encargo pecuniário resultante de um regime geral de imposições internas. Com efeito, sob reserva da verificação que compete ao órgão jurisdicional de reenvio, esta obrigação não é de natureza fiscal ou parafiscal e, portanto, não está abrangida pela proibição prevista no artigo 110.o TFUE.

103    Por conseguinte, o artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal.

 Quanto à proibição de adotar restrições quantitativas à importação

104    A livre circulação de mercadorias entre Estados‑Membros é um princípio fundamental do Tratado FUE que tem a sua expressão no artigo 34.o TFUE (Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 65 e jurisprudência referida), que proíbe os Estados‑Membros de adotarem entre si restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente.

105    É jurisprudência constante que a referida disposição se aplica a qualquer medida nacional suscetível de entravar, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, o comércio na União (Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 66 e jurisprudência referida).

106    No caso vertente, a medida em causa no processo principal é suscetível de criar um entrave às importações de eletricidade em Itália por duas razões. Por um lado, ao impor aos importadores que queiram beneficiar de uma isenção a obrigação de solicitarem o seu benefício e de apresentarem, para esse efeito, garantias de origem. A este respeito, cabe recordar que uma medida nacional não deixa de estar sujeita à proibição prevista no artigo 34.o TFUE pelo simples facto de o entrave criado à importação ser reduzido e de existirem outras possibilidades de escoar os produtos importados (Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 99 e jurisprudência referida). Por outro lado, ao obrigar os importadores que não pedem tal isenção a comprar certificados verdes ou eletricidade verde sob pena de lhes ser aplicada uma sanção.

107    Todavia, uma legislação ou uma prática nacional que constitui uma medida de efeito equivalente às restrições quantitativas pode ser justificada por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 36.o TFUE ou, por força de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, por exigências imperativas. Em ambos os casos, a medida nacional deve respeitar o princípio da proporcionalidade, o qual exige que a medida seja adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapasse o necessário para atingir esse objetivo (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 76, e de 17 de dezembro de 2020, Onofrei, C‑218/19, EU:C:2020:1034, n.o 32 e jurisprudência referida).

108    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que as medidas nacionais suscetíveis de entravar o comércio na União podem ser justificadas por exigências imperativas decorrentes da proteção do ambiente e, nomeadamente, pela preocupação de fomentar o aumento da utilização das fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade que seja útil à referida proteção e que, além disso, também visa a proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais, bem como a preservação das plantas, razões de interesse geral enumeradas no artigo 36.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 101, e de 4 de outubro de 2018, L.E.G.O., C‑242/17, EU:C:2018:804, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida).

109    No caso em apreço, tanto a obrigação de os importadores comprarem certificados verdes ou eletricidade verde para poderem importar a sua eletricidade, como a obrigação de fornecerem garantias de origem para beneficiarem de uma isenção desta obrigação de compra quando a eletricidade importada é verde, podem ser justificadas pela promoção da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis. O facto de o regime de apoio em causa no processo principal ser concebido de forma que beneficie diretamente a produção de eletricidade verde, em vez de exclusivamente o seu consumo pode, nomeadamente, ser explicado à luz do facto de o caráter verde da eletricidade apenas respeitar ao seu modo de produção e ser, assim, em primeira linha, na fase da produção que os objetivos ambientais relativos à redução das emissões de gás são suscetíveis de ser efetivamente prosseguidos (v., por analogia, Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium (C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 105 e jurisprudência referida).

110    Não obstante, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essas restrições estão em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

111    Quanto à obrigação de solicitar o benefício de uma isenção e de apresentar, para esse efeito, garantias de origem, importa observar que, uma vez admitida a eletricidade verde na rede de distribuição, é difícil determinar a sua origem e, designadamente, identificar a fonte de energia a partir da qual foi produzida (Acórdão de 20 de abril de 2023, EEW Energy from Waste, C‑580/21, EU:C:2023:304, n.o 52 e jurisprudência referida). Tendo em conta esta dificuldade, o artigo 5.o da Diretiva 2001/77 e, em seguida, o artigo 15.o da Diretiva 2009/28 impuseram aos Estados‑Membros que instituíssem e supervisionassem um regime de garantias de origem, de modo que os produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis pudessem demonstrar que a eletricidade que vendem é produzida a partir de fontes de energia renováveis.

112    A obrigação de pedir uma isenção mediante a apresentação de certificados verdes afigura‑se apta a garantir que a eletricidade importada é efetivamente verde e contribui, assim, para a utilização das fontes de energia renováveis com vista à proteção do ambiente, da saúde e da vida das pessoas e animais e à preservação das plantas. Além disso, afigura‑se necessário, dado que, tendo em conta a natureza fungível da eletricidade verde, não seria possível, numa fase posterior da distribuição ou do consumo, determinar a fonte de energia a partir da qual ela foi produzida, e porque as garantias de origem fazem parte de um mecanismo normalizado para estabelecer que a eletricidade foi produzida a partir de fontes renováveis.

113    Por conseguinte, a obrigação de os importadores de eletricidade verde fornecerem garantias de origem quando importam essa eletricidade para ficarem isentos da obrigação de compra de certificados verdes ou de eletricidade verde não viola o artigo 34.o TFUE.

114    Quanto à obrigação de os importadores de eletricidade comprarem certificados verdes ou eletricidade verde quando não apresentem garantias de origem para a eletricidade que importam, há que observar que o Tribunal de Justiça já declarou, a propósito de regimes nacionais de apoio à produção de eletricidade verde que recorrem ao mecanismo dito dos «certificados verdes», que a obrigação de os fornecedores de eletricidade comprarem junto dos produtores de eletricidade verde uma quota desses certificados se destinava, nomeadamente, a garantir aos referidos produtores uma procura para os certificados que lhes foram atribuídos e assim facilitar o escoamento da energia verde que produzem a um preço superior ao preço do mercado da energia clássica (Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 109).

115    A este respeito, o Tribunal de Justiça sublinhou, nomeadamente, que o efeito incentivador exercido por esse regime nos produtores de eletricidade em geral, com vista ao aumento da sua produção de eletricidade verde, não parece assim poder ser posto em causa nem, portanto, a sua aptidão para alcançar o objetivo legítimo prosseguido de promover a utilização das fontes de energia renováveis para proteção do ambiente, da saúde, da vida das pessoas e dos animais e de preservação das plantas. Esses regimes de apoio à energia verde, cujo custo de produção parece ser ainda bastante elevado comparativamente com o da eletricidade produzida a partir de fontes de energia não renováveis, visam, essencialmente, favorecer, numa perspetiva de longo prazo, investimentos em novas instalações, dando aos produtores certas garantias quanto ao futuro escoamento da sua produção de eletricidade verde (Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.os 109 e 110, e jurisprudência referida).

116    Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que um Estado‑Membro não excede a sua margem de apreciação na prossecução do objetivo legítimo de aumentar a produção de eletricidade verde, ao adotar um regime de apoio nacional que utiliza, à semelhança do que está em causa no processo principal, certificados verdes, para, nomeadamente, fazer o mercado suportar diretamente o custo adicional ligado à produção de eletricidade verde, a saber, os fornecedores e os utilizadores de eletricidade sujeitos a uma obrigação de quota e, in fine, os consumidores (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 109 e 110).

117    Porém, o bom funcionamento desse regime implica a instituição de mecanismos que assegurem a criação de um verdadeiro mercado de certificados em que a oferta e a procura possam efetivamente encontrar‑se e tender para o equilíbrio, para que seja efetivamente possível que os fornecedores e os utilizadores interessados se aprovisionem de certificados em condições equitativas (Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 114).

118    Resulta do que precede que a medida em causa no processo principal, na parte em que impõe aos importadores de eletricidade a compra de certificados verdes ou de eletricidade verde, parece apta a promover a utilização das fontes de energia renováveis para proteção do ambiente, da saúde e da vida das pessoas e animais e preservação das plantas. Acresce que, sob reserva da verificação que compete ao órgão jurisdicional nacional, parece existir um verdadeiro mercado dos certificados verdes no qual os importadores se podem abastecer e cuja eficácia parece estar garantida pela intervenção do GSE. Com efeito, parece resultar do artigo 11.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 79/1999 que o GSE tem a obrigação de colocar no mercado certificados verdes em caso de escassez ou de recomprar no mercado em caso de oferta excedentária, garantindo assim, tanto aos produtores de eletricidade verde como aos operadores obrigados à compra, a existência de um mercado de certificados verdes.

119    Por outro lado, a medida em causa no processo principal parece ser necessária para o regime em que está enquadrada. Com efeito, se os importadores de eletricidade que não comprovassem que esta era verde, pudessem contornar a obrigação de compra de certificados verdes ou de eletricidade verde, a eficácia do sistema de apoio à produção nacional e ao consumo de eletricidade verde seria posta em causa. A este respeito, importa recordar que, como resulta dos n.os 41 a 58 do presente acórdão, os Estados‑Membros são obrigados, através dos seus mecanismos de apoio, a alcançar os objetivos nacionais fixados pelas Diretivas 2001/77 e 2009/28 e que o direito da União não procedeu a uma harmonização dos regimes nacionais de apoio à eletricidade verde, pelo que é, em princípio, permitido aos Estados‑Membros limitar o benefício desses regimes à produção de eletricidade verde localizada no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.os 106 e 107, e jurisprudência referida).

120    Tendo em conta o que precede, o regime de apoio de que faz parte integrante a medida em causa no processo principal parece adequado para garantir de forma coerente e sistemática a promoção da utilização de fontes de energia renováveis, utilização que, por sua vez, contribui para a proteção do ambiente, da saúde, da vida das pessoas, dos animais e da plantas. Não se afigura, a priori, ir além do que é necessário para alcançar esses objetivos.

121    Por último, uma vez que a legislação em causa no processo principal prevê uma sanção para os importadores de eletricidade que não apresentem garantias de origem nem comprem eletricidade verde ou certificados verdes proporcionalmente às suas importações, a mesma parece apta, pelo seu efeito dissuasivo, a promover a utilização de fontes de energia renováveis. Além disso, pode ser qualificada de necessária contanto que seja imposta para garantir a efetividade do sistema de certificados verdes instituído. Todavia, as modalidades de determinação e a natureza dessa sanção não podem ir além do que é necessário para garantir essa efetividade. Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar estes elementos.

122    Consequentemente, desde que a obrigação de compra dos certificados verdes para os importadores de eletricidade que não apresentam garantias de origem seja exigida para garantir a eficácia da legislação em causa no processo principal e que se verifique que existe efetivamente um mercado dos certificados verdes, não se pode considerar que essa legislação vai além do que é necessário para alcançar o objetivo de aumento da produção de eletricidade verde.

123    Por conseguinte, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 34.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal.

124    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial submetida que:

–        os artigos 28.o, 30.o e 110.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma medida nacional que, por um lado, obriga os importadores de eletricidade proveniente de outro Estado‑Membro, que não demonstrem que essa eletricidade é produzida a partir de fontes renováveis através da apresentação de garantias de origem, a comprar aos produtores nacionais quer certificados verdes quer eletricidade produzida a partir de fontes renováveis proporcionalmente à quantidade de eletricidade que importam, e, por outro, prevê a aplicação de uma sanção em caso de incumprimento desta obrigação, ao passo que os produtores nacionais de eletricidade verde não estão sujeitos a essa obrigação de compra;

–        o artigo 34.o TFUE, bem como as Diretivas 2001/77 e 2009/28 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a esta medida nacional se se demonstrar que esta não vai além do que é necessário para alcançar o objetivo de aumento da produção de eletricidade verde;

–        os artigos 107.o e 108.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à referida medida nacional desde que a diferença de tratamento entre os produtores nacionais de eletricidade verde e os importadores de eletricidade que não apresentam uma garantia de origem se justifique pela natureza e pela economia do sistema de referência em que esta se insere.

 Quanto às despesas

125    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Os artigos 28.o, 30.o e 110.o TFUE

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma medida nacional que, por um lado, obriga os importadores de eletricidade proveniente de outro EstadoMembro, que não demonstrem que essa eletricidade é produzida a partir de fontes renováveis através da apresentação de garantias de origem, a comprar aos produtores nacionais quer certificados verdes quer eletricidade produzida a partir de fontes renováveis proporcionalmente à quantidade de eletricidade que importam, e, por outro, prevê a aplicação de uma sanção em caso de incumprimento desta obrigação, ao passo que os produtores nacionais de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis não estão sujeitos a essa obrigação de compra.

2)      O artigo 34.o TFUE e a Diretiva 2001/77/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade, e a Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77 e 2003/30/CE,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a esta medida nacional se se demonstrar que esta não vai além do que é necessário para alcançar o objetivo de aumento da produção de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis.

3)      Os artigos 107.o e 108.o TFUE

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem à referida medida nacional desde que a diferença de tratamento entre os produtores nacionais de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis e os importadores de eletricidade que não apresentam uma garantia de origem se justifique pela natureza e pela economia do sistema de referência em que esta se insere.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.