Language of document : ECLI:EU:C:2024:218

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 7 de março de 2024 (1)

Processos apensos C771/22 e C45/23

Bundesarbeitskammer

contra

HDI Global SE

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal de Comércio de Primeira Instância de Viena, Áustria)]

e

A,

B,

C,

D

contra

MS Amlin Insurance SE

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica)]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Viagens organizadas e serviços de viagem conexos — Diretiva (UE) 2015/2302 — Circunstâncias inevitáveis e excecionais — Pandemia de COVID‑19 — Insolvência do organizador — Artigo 17.°, n.° 1 — Rescisão do contrato de viagem organizada antes da insolvência — Garantia de reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes — Âmbito de aplicação da proteção em caso de insolvência»






 I. Introdução

1.        As viagens e o turismo foram um dos setores mais afetados pela pandemia de COVID‑19, com um impacto sem precedentes em toda a indústria das viagens (2). A eclosão da pandemia levou a cancelamentos em massa de viagens organizadas, não tendo sido efetuadas novas reservas. Esta situação criou graves problemas de liquidez aos organizadores de viagens organizadas, que se viram confrontados com um elevado número de pedidos de reembolso. Neste contexto, o presente processo levanta a questão do alcance da proteção dos viajantes em caso de insolvência dos operadores turísticos abrangidos pelo artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 (3).

 II. Quadro jurídico

 Direito da União

2.        Nos termos dos considerandos 39 e 40 da Diretiva 2015/2302:

«(39)      Os Estados‑Membros deverão assegurar que os viajantes que adquirem uma viagem organizada sejam plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador. Os Estados‑Membros onde estejam estabelecidos organizadores deverão assegurar que estes deem garantias de reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e, na medida em que a viagem organizada inclua o transporte de passageiros, do repatriamento dos viajantes, em caso de insolvência dos organizadores. No entanto, deverá ser possível propor aos viajantes a continuação da viagem organizada. Embora mantendo o seu poder discricionário quanto à forma como a proteção em caso de insolvência deve ser acordada, os Estados‑Membros deverão garantir que a referida proteção seja efetiva. A efetividade implica que a proteção esteja disponível logo que, em consequência de problemas de liquidez do organizador, os serviços de viagem não sejam ou não venham a ser executados, ou venham a sê‑lo apenas parcialmente, ou no caso de os prestadores de serviços exigirem o respetivo pagamento aos viajantes. Os Estados‑Membros deverão poder exigir que os organizadores entreguem aos viajantes um documento que ateste o direito diretamente oponível ao prestador da proteção em caso de insolvência.

(40) Para ser efetiva, a proteção em caso de insolvência deverá cobrir os montantes previsíveis dos pagamentos afetados pela insolvência do organizador e, quando aplicável, os custos de repatriamento previsíveis. Tal implica que a proteção deverá ser suficiente para abranger todos os pagamentos previsíveis efetuados pelos viajantes ou por conta destes respeitantes às viagens organizadas na época alta, tendo em conta o período compreendido entre a receção desses pagamentos e a conclusão da viagem ou das férias, bem como, quando aplicável, os custos de repatriamento previsíveis. Todavia, a proteção efetiva em caso de insolvência não deverá ter de atender a riscos extremamente improváveis como por exemplo a insolvência simultânea de vários dos principais organizadores, caso tal afete desproporcionadamente o custo da proteção, comprometendo assim a sua eficácia. Nesses casos, a garantia de reembolso pode ser limitada.»

3.        O artigo 12.° da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Rescisão do contrato de viagem organizada e direito de retratação antes do início da viagem organizada», tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o viajante possa rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada. Caso rescinda o contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante pode ser obrigado a pagar ao organizador uma taxa de rescisão adequada e justificável. […]

2.      Não obstante o disposto no n.° 1, o viajante tem direito a rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte de passageiros para o destino. Em caso de rescisão do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada mas não tem direito a uma indemnização adicional.

3.      O organizador pode rescindir o contrato de viagem organizada e reembolsar integralmente o viajante dos pagamentos que este tenha efetuado pela viagem organizada, não sendo todavia obrigado a pagar uma indemnização adicional se:

[...]

b)      O organizador for impedido de executar o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais e notificar o viajante da rescisão do contrato, sem demora injustificada, antes do início da viagem organizada.

4.      O organizador efetua os reembolsos exigidos nos termos dos n.os 2 e 3 ou, no que diz respeito ao n.° 1, reembolsa todos os pagamentos efetuados pelo viajante ou por conta deste para a viagem organizada, deduzidos da taxa de rescisão adequada. Esses reembolsos são efetuados ao viajante sem demora injustificada e, em todo o caso, no máximo no prazo de 14 dias após a rescisão do contrato de viagem organizada.

[…]»

4.        O artigo 17.° da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Efetividade e âmbito da proteção em caso de insolvência», tem a seguinte redação:

«1. Os Estados‑Membros asseguram que os organizadores estabelecidos no seu território garantam o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da declaração da insolvência do organizador. Se no contrato de viagem organizada estiver incluído o transporte de passageiros, os organizadores devem igualmente garantir o repatriamento dos viajantes. Pode ser proposta a continuação da viagem.

[...]

2. A garantia a que se refere o n.° 1 deve ser efetiva e cobrir os custos razoavelmente previsíveis. Deve abranger os montantes de pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e respeitantes a viagens organizadas, tendo em conta o período de tempo decorrido entre os adiantamentos e os pagamentos finais e o fim da viagem organizada, bem como o custo estimado dos repatriamentos em caso de declaração da insolvência do organizador.

[...]

5. Relativamente aos serviços de viagem que não tenham sido prestados, os reembolsos são efetuados sem demora injustificada após o pedido do viajante.»

 Direito nacional

 Direito austríaco

5.        O § 3 do Verordnung der Bundesministerin für Digitalisierung und Wirtschaftsstandort über Pauschalreisen und verbundene Reiseleistungen (Regulamento da Ministra Federal para a Digitalização e Assuntos Económicos relativo às Viagens Organizadas e aos Serviços de Viagem Conexos, a seguir «Regulamento relativo às Viagens Organizadas») tem a seguinte redação:

«(1) As pessoas autorizadas a prestar serviços de viagem devem garantir que o viajante é reembolsado:

Pelos pagamentos efetuados (depósitos e pagamentos finais), na medida em que os serviços de viagem não sejam total ou parcialmente executados em consequência da declaração da insolvência da pessoa autorizada a prestar serviços de viagem ou o prestador de serviços exija o pagamento ao viajante;

[…]»

 Direito belga

6.        O artigo 54.°, primeira frase, da Loi relative à la vente de voyages à forfait, de prestations de voyage liées et de services de voyage (Lei Belga relativa à Venda de Viagens Organizadas, Serviços de Viagem Conexos e Serviços de Viagem), de 21 de novembro de 2017 (Moniteur belge n.° 2017014061 de 1 de dezembro de 2017, p. 106673, a seguir «Lei relativa às Viagens Organizadas»), tem a seguinte redação:

«Os organizadores e retalhistas estabelecidos na Bélgica devem garantir o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da sua insolvência.»

7.        O Arrêté Royal relatif à la protection contre l’insolvabilité lors de la vente de voyages à forfait, de prestations de voyage liées et de services de voyage (Decreto Real de 29 de maio de 2018 sobre a Proteção Contra a Insolvência na Venda de Viagens Organizadas, Serviços de Viagem Conexos e Serviços de Viagem, de 29 de maio de 2018 (Moniteur belge n.° 2018012508, de 11 de junho de 2018, p. 48438, a seguir «Decreto Real») define a forma como deve ser prestada a garantia prevista no artigo 54.° da Lei relativa às Viagens Organizadas.

8.        De acordo com o artigo 12.°, § 1, do Decreto Real:

«Em caso de insolvência do organizador, o contrato de seguro deve prever a seguinte garantia:

1       A continuação do pacote, se possível;

2       O reembolso de todos os pagamentos efetuados aquando da celebração do contrato com o profissional;

3       O reembolso dos pagamentos efetuados para os serviços de viagem organizada que não podem ser executados devido à insolvência do profissional;

4       O repatriamento dos viajantes, quando a execução do contrato com o profissional já tiver sido iniciada [...]»

9.        O artigo 13.°, primeira frase, do Decreto Real, tem a seguinte redação:

«O reembolso diz respeito a todos os montantes relativos ao contrato de viagem, pagos pelo beneficiário ao profissional, quando o contrato não for executado em consequência da insolvência do profissional ou todos os montantes pagos por serviços de viagem não prestados em consequência dessa insolvência.»

 III. Litígios nos processos principais e pedidos de decisão prejudicial

 Processo C771/22

10.      Em 3 de março de 2020, um consumidor austríaco celebrou um contrato de viagem organizada para uma viagem a Espanha com o organizador de viagens Flamenco Sprachreisen GmbH (a seguir «Flamenco»). A viagem estava prevista para o período compreendido entre 3 de maio de 2020 e 2 de junho de 2020. O consumidor pagou o preço total da viagem em 9 de março de 2020.

11.      Em 16 de março de 2020, o consumidor rescindiu o contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais relacionadas com o surto de COVID‑19. O direito de rescisão do contrato não foi posto em causa no processo principal.

12.      Em 20 de maio de 2020, foi dado início ao processo de insolvência da Flamenco no Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz, Áustria). A Flamenco foi dissolvida. Na sequência do rateio final, o processo de insolvência foi dado por concluído por Despacho de 9 de junho de 2022, que transitou em julgado.

13.      Em 8 de junho de 2020, o administrador judicial declarou formalmente rescindido o contrato de viagem organizada.

14.      O consumidor cedeu o seu pedido de reembolso dos pagamentos efetuados pela viagem organizada contra o Flamenco à Bundesarbeitskammer (Câmara Federal do Trabalho, Áustria), que é a demandante no processo principal.

15.      A demandante intentou uma ação contra a HDI Global SE, a seguradora da Flamenco. A HDI Global objetou que não era responsável pelo reembolso do consumidor, uma vez que a insolvência não estava na origem da não execução dos serviços de viagem. A demandante sustentou que a existência desse nexo de causalidade não é exigida pelo artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302.

16.      O órgão jurisdicional de reenvio refere que tanto a redação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, como a disposição nacional de transposição indicam que deve existir um nexo de causalidade entre a insolvência e a não execução dos serviços de viagem. Isto significaria que a proteção em caso de insolvência não abrange os pedidos de reembolso quando a viagem organizada é rescindida antes de o organizador se tornar insolvente. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o considerando 39 da Diretiva 2015/2302 indica o contrário, uma vez que exige que os Estados‑Membros deem garantias de reembolso de «todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes». Uma interpretação segundo a qual o artigo 17.°, n.° 1, cobre o reembolso de todos os pagamentos efetuados é corroborada pelo objetivo de assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores ao abrigo do artigo 114.°, n.° 3 e do artigo 169.° TFUE, bem como ao abrigo do artigo 38.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

17.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre se o facto de o organizador se ter tornado insolvente quando a viagem estava prevista ou o facto de a causa da rescisão do contrato e, indiretamente, da insolvência ser a mesma circunstância excecional, a saber, a pandemia de COVID‑19, são relevantes para efeitos da interpretação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302.

18.      Considerando que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação da Diretiva 2015/2302, o Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal de Comércio de Primeira Instância de Viena, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 17.° da [Diretiva 2015/2302] ser interpretado no sentido de que os pagamentos efetuados pelo viajante ao organizador antes do início da viagem só estão garantidos se a viagem não se realizar em consequência da declaração da insolvência ou se também são abrangidos os pagamentos efetuados ao organizador antes da declaração da insolvência, se o viajante cancelar a viagem antes da declaração da insolvência devido a circunstâncias excecionais na aceção do artigo 12.° da referida Diretiva 2015/2302?

2.      Deve o artigo 17.° da [Diretiva 2015/2302] ser interpretado no sentido de que os pagamentos efetuados pelo viajante ao organizador antes do início da viagem estão garantidos quando o viajante cancela a viagem antes da declaração da insolvência devido a circunstâncias excecionais na aceção do artigo 12.° da referida Diretiva 2015/2302, mas a declaração de insolvência ocorrer durante a viagem reservada?

3.      Deve o artigo 17.° da [Diretiva 2015/2302] ser interpretado no sentido de que os pagamentos efetuados pelo viajante ao organizador antes do início da viagem estão garantidos quando o viajante cancela a viagem antes da declaração da insolvência devido a circunstâncias excecionais na aceção do artigo 12.° da referida Diretiva 2015/2302 e a insolvência do organizador ocorrer devido a essas circunstâncias excecionais?»

19.      As partes no processo principal, o Governo Grego e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas partes apresentaram as suas observações orais na audiência de 7 de dezembro de 2023.

 Processo C45/23

20.      Os demandantes são consumidores e a demandada, MS Amlin Insurance SE, é a seguradora de insolvência da Exclusive Destinations NV, o organizador de viagens.

21.      Em 13 de novembro de 2019, o primeiro demandante celebrou, por intermédio de um retalhista, um contrato de viagem organizada com a Exclusive Destinations. A viagem organizada deveria ter lugar em março de 2020.

22.      Devido à pandemia de COVID‑19, a viagem foi adiada para novembro de 2020, e por um preço mais elevado. O preço inicial já tinha sido pago ao organizador.

23.      Em outubro de 2020, o retalhista, a pedido dos consumidores, notificou o organizador da decisão dos consumidores de rescindir o contrato e obter o reembolso total. O organizador confirmou que faria o necessário para o efeito.

24.      Por Sentença de 8 de dezembro de 2020, o Ondernemingsrechtbank Gent (Tribunal das Empresas de Gante, Bélgica) declarou o organizador insolvente.

25.      Em 9 de dezembro de 2020, o retalhista reembolsou aos consumidores a parte do preço da viagem organizada que ainda não tinha sido entregue ao organizador.

26.      Em 22 de janeiro de 2021, a MS Amlin Insurance foi notificada para reembolsar o preço total da viagem. Esta entidade recusou o pedido, uma vez que a rescisão do contrato não se deveu à insolvência do organizador de viagens Exclusive Destinations.

27.      Os consumidores pediram no órgão jurisdicional de reenvio o reembolso do preço pago. Como fundamento do seu pedido, alegaram que as condições gerais do contrato de seguro celebrado entre a MS Amlin Insurance e a Exclusive Destinations cobrem o reembolso ao(s) viajante(s) das somas pagas ao organizador segurado no momento da assinatura do contrato ou após essa data.

28.      A MS Amlin Insurance nega que a situação dos demandantes esteja coberta pelo contrato de seguro, alegando que a cobertura do seguro só se aplica ao reembolso do preço da viagem se a viagem não puder ser realizada devido à insolvência do organizador.

29.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a garantia prevista no artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 só é obrigatória na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da insolvência do organizador. Na sua opinião, a Diretiva 2015/2302 não prevê uma garantia obrigatória quando os serviços não são executados por uma razão diversa da insolvência do organizador, como a rescisão do contrato da viagem organizada pelo viajante devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, na aceção do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302.

30.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a redação do artigo 54.° da Lei relativa às Viagens Organizadas, que transpõe a Diretiva 2015/2302, corresponde, em substância, à do artigo 17.°, n.° 1, sem prever uma proteção mais ampla.

31.      Tendo em conta a redação da Diretiva 2015/2302 e a sua transposição para o ordenamento nacional, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o pedido dos consumidores no processo principal não está garantido e que, em princípio, deve ser rejeitado.

32.      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade desse resultado com o objetivo de assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores e ao facto de poder conduzir a um tratamento desigual.

33.      Mais concretamente, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, em primeiro lugar, que, ao abrigo da Diretiva 90/314/CEE (4), o Tribunal de Justiça decidiu que a garantia de reembolso dos montantes pagos pelos consumidores tem por objetivo protegê‑los contra os riscos financeiros resultantes da insolvência ou da falência do organizador de viagens (5).

34.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em caso de insolvência, existem, grosso modo, duas categorias de viajantes que suportam um risco financeiro relacionado com o preço pago. A primeira categoria compreende os viajantes cuja viagem não pode realizar‑se devido à insolvência do organizador. Estes viajantes sofrem um prejuízo financeiro, pois perdem o preço que tinham pago pela viagem. A segunda categoria compreende os viajantes que têm direito ao reembolso integral do preço da viagem pago devido à rescisão do seu contrato de viagem organizada por circunstâncias inevitáveis e excecionais. Estes viajantes sofrem igualmente um prejuízo financeiro quando o organizador se torna insolvente após a rescisão do contrato de viagem organizada, mas antes de o preço da viagem ter sido reembolsado ao viajante.

35.      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que as duas categorias de viajantes suportam o mesmo risco financeiro. Reconhece que a situação destas duas categorias de viajantes apresenta diferenças noutros aspetos. Por exemplo, a insolvência de um organizador torna definitivamente impossível a execução do contrato de viagem organizada, enquanto as circunstâncias inevitáveis e excecionais são geralmente de caráter temporário. Além disso, a primeira categoria de viajantes tem um contrato de viagem organizada quando o organizador se torna insolvente, enquanto a segunda categoria de viajantes rescindiu o seu contrato antes de o organizador se tornar insolvente. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no entanto, em que medida esses fatores são suscetíveis de justificar uma diferença de tratamento.

36.      Considerando que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação da Diretiva 2015/2302, o Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 17.°, n.° 1, da [Diretiva 2015/2302], ser interpretado no sentido de que a garantia exigida nessa disposição também se aplica ao reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes, quando o viajante tenha rescindido o contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da mesma diretiva, e o organizador seja declarado insolvente depois de o contrato de viagem organizada ter sido rescindido pelo referido motivo mas antes de os referidos montantes terem sido efetivamente reembolsados ao viajante, sofrendo, por esse motivo, o referido viajante um prejuízo financeiro e suportando, consequentemente, um risco económico em caso de insolvência do organizador de viagens?»

37.      Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelos Governos Belga, Dinamarquês e Grego, pelo Conselho da União Europeia, pelo Parlamento Europeu e pela Comissão. Com exceção do Governo Dinamarquês, estas partes apresentaram as suas observações orais na audiência de 7 de dezembro de 2023.

38.      Por Decisão do Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 2023, os processos C‑771/22 e C‑45/23 foram apensados para efeitos da fase escrita e oral e do acórdão.

 IV. Apreciação jurídica

 Quanto à primeira questão prejudicial no processo C771/22 e à única questão prejudicial no processo C45/23

39.      Com as suas questões, que devem ser tratadas conjuntamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem determinar, em substância, o alcance da proteção em caso de insolvência relativa ao reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes, ao abrigo do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302.

40.      Mais concretamente, com a primeira questão no processo C‑771/22 e a única questão no processo C‑45/23, os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam‑se, em substância, se a garantia de reembolso abrange apenas os pagamentos efetuados pelos ou por conta dos viajantes quando a viagem ou as férias não se realizaram devido à insolvência do organizador, ou também os pagamentos efetuados pelos ou em nome dos viajantes que rescindiram o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302, antes da insolvência do organizador.

41.      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, há que ter em conta, na interpretação de uma disposição do direito da União, não só os seus termos mas também o seu contexto, os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte e, se for caso disso, a sua génese (6).

42.      Por outro lado, também resulta de jurisprudência constante que uma interpretação de uma disposição do direito da União não pode ter por resultado privar de qualquer efeito útil a letra clara e precisa dessa disposição. Assim, quando o sentido de uma disposição do direito da União resulta inequivocamente da sua própria redação, o Tribunal de Justiça não se pode afastar desta interpretação (7).

43.      Por último, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑45/23 se interroga sobre a validade do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, importa recordar que, segundo um princípio geral de interpretação, um ato da União deve ser interpretado, tanto quanto possível, no sentido de não pôr em causa a sua validade e em conformidade com o direito primário no seu conjunto, nomeadamente com as disposições da Carta. Assim, quando um diploma de direito derivado da União é suscetível de mais do que uma interpretação, há que dar preferência àquela que torna a disposição compatível com o direito primário em vez da que leva a declarar a sua incompatibilidade com este (8).

44.      Por conseguinte, há que verificar, a título preliminar, se a redação do artigo 17.°, n.° 1, é suscetível de mais do que uma interpretação.

 a) A redação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/20302 prestase a mais do que uma interpretação?

45.      O artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, prevê que os organizadores garantam o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes «na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da declaração da insolvência do organizador».

46.      Os órgãos jurisdicionais de reenvio em ambos os processos consideram que a redação do artigo 17.°, n.° 1, exige um nexo de causalidade entre a insolvência e a não execução dos serviços, condicionando a cobertura dos pedidos de reembolso à não execução devido à insolvência. O efeito desse nexo de causalidade ou condicionalidade parece excluir da garantia (não contestada) os pedidos de reembolso pendentes que surgiram devido à rescisão do contrato antes da insolvência.

47.      Nas suas observações escritas, as partes têm opiniões divergentes quanto à questão de saber se o artigo 17.°, n.° 1, exclui claramente os pedidos de reembolso pendentes ou se essa disposição se presta a mais do que uma interpretação. Resumidamente, a HDI Global, a MS Amlin Insurance, os Governos Belga e Dinamarquês, bem como a Comissão, consideram que a redação do artigo 17.°, n.° 1, exige um nexo de causalidade claro entre a insolvência e a não execução do contrato (ou a falta de conformidade com esse contrato). A Bundesarbeitskammer (Câmara Federal de Trabalho), A e o Governo Grego são de opinião contrária. O Parlamento alegou que é possível interpretar o artigo 17.°, n.° 1, à luz do princípio da igualdade de tratamento, no sentido de que abrange os pedidos de reembolso de todos os viajantes, de modo que a questão da validade não se coloca sequer. O Conselho não tomou posição sobre este aspeto.

48.      A este respeito, há que salientar que a expressão «na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da declaração da insolvência do organizador» e, mais particularmente, a expressão «em consequência da», poderiam ser lidas, à primeira vista, no sentido de que a garantia do reembolso exige um nexo de causalidade entre a não execução e a insolvência. A versão francesa desta disposição (9), bem como outras versões linguísticas (10), podem também ser interpretadas da mesma forma, na medida em que sublinham todas que a não execução do contrato deve ser uma consequência direta da insolvência.

49.      A questão da interpretação desta disposição poderia ser resolvida se se seguisse o argumento da Bundesarbeitskammer, apoiado igualmente pelo Governo Grego na audiência, no que respeita ao significado da expressão «serviços em causa». Nas observações da Bundesarbeitskammer e do Governo Grego, a expressão «serviços em causa» deve ser entendida em sentido amplo, a fim de incluir qualquer obrigação do organizador relacionada com o contrato de viagem, incluindo o reembolso.

50.      Não estou convencida de que o termo «serviços» deva ser entendido como abrangendo o pedido de reembolso. Em primeiro lugar, a natureza jurídica do reembolso é um crédito que o viajante tem contra o organizador. O pedido de reembolso do viajante não pode ser qualificado como um «serviço» que deve ser efetuado.

51.      Em segundo lugar, resulta claramente do contexto em que se insere o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, que os «serviços em causa» devem ser entendidos como «serviços de viagens». Os «serviços de viagens» são definidos no artigo 3.°, n.° 1, como sendo o transporte de passageiros, o alojamento, o aluguer de carros e qualquer outro serviço turístico que não seja parte integrante de um serviço de viagem. O artigo 17.°, n.° 5, estabelece que, relativamente aos «serviços de viagem» que não tenham sido prestados, os reembolsos são efetuados sem demora injustificada. O considerando 39 faz igualmente referência a «serviços de viagem [que] não sejam [...] executados [...]». O artigo 19, n.° 1, em matéria de proteção em caso de insolvência para serviços de viagem conexos, faz referência à não execução de «um serviço de viagem». Em termos mais gerais, o artigo 13.°, n.° 1, que regula a responsabilidade pela execução da viagem organizada, faz referência à execução dos «serviços de viagem» incluídos no contrato de viagem organizada. Daqui resulta que, no contexto da Diretiva 2015/2302, o conceito de «serviços» deve ser entendido no contexto de um contrato de viagem organizada que abrange serviços de viagem.

52.      Dito isto, mesmo que o pedido legal de reembolso não possa ser entendido como um «serviço em causa», deve observar‑se que apresenta um nexo intrínseco com a execução do contrato de viagem. Isto pode indicar que as consequências para a cobertura pelo seguro do pedido de reembolso não podem ser diferenciadas consoante o pedido em causa decorra da rescisão do contrato de viagem ou da não execução dos serviços de viagem.

53.      Além disso, há que sublinhar que o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 pode ser entendido simplesmente, como sustentou, em substância, a Bundesarbeitskammer, no sentido de que o preço pago por serviços de viagens que já foram parcialmente executados não seja reembolsado em caso de insolvência.

54.      O artigo 17.°, n.° 1, dessa diretiva pode igualmente ser entendido no sentido de que prevê uma cobertura de seguro em todas as situações em que, devido à declaração da insolvência do organizador, os viajantes pagam o preço sem receber serviços do organizador.

55.      Entendido desta última maneira, o artigo 17.°, n.° 1, é uma disposição que reforça a efetividade da proteção em caso de insolvência, uma vez que abrange todas as situações de não execução dos serviços de viagem em consequência da insolvência do organizador, sem, no entanto, pretender excluir os pedidos de reembolso pendentes (não contestados).

56.      O considerando 39 da diretiva reforça esta última leitura do artigo 17.°, n.° 1. De acordo com este considerando, os Estados‑Membros deverão assegurar que os viajantes que adquirem uma viagem organizada sejam «plenamente protegidos» em caso de insolvência do organizador e que deverão assegurar que estes deem garantias de reembolso de «todos os pagamentos» efetuados pelos viajantes ou por conta destes. Este considerando estabelece igualmente que os Estados‑Membros deverão garantir que a proteção seja «efetiva».

57.      Importa igualmente salientar que os termos em que o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 é formulado se assemelha aos termos utilizados na jurisprudência do Tribunal de Justiça no que respeita à interpretação do seu «antecessor», a saber, o artigo 7.° da Diretiva 90/314. Mais especificamente, o Acórdão Verein fur Konsumenteninformation (11) tinha por objeto a questão de saber se esta última disposição devia ser interpretada no sentido de que abrange uma situação em que um hoteleiro obriga um turista a pagar o alojamento fornecido, alegando que o organizador de viagens, agora insolvente, nunca lhe pagou essa quantia. O Tribunal de Justiça considerou que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 abrangia essa situação à luz da sua finalidade, que é proteger os consumidores contra os riscos decorrentes da insolvência do organizador. O Tribunal de Justiça considerou que os montantes pagos pelo viajante ao organizador de viagens deviam ser reembolsados, uma vez que «devido à insolvência deste último, os serviços convencionados não lhe foram fornecidos pelo operador» (12). Resulta desta jurisprudência que as situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 7.° da Diretiva 90/314 devem ser entendidas em sentido amplo.

58.      A expressão «em consequência da declaração da insolvência do organizador» utilizada atualmente no artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, pode ser entendida como refletindo o Acórdão Verein fur Konsumenteninformation.  Em vez de pretender excluir da garantia contra a insolvência os pedidos de reembolso pendentes, a redação do artigo 17.°, n.° 1, pode ser entendida no sentido de incluir todas as situações de risco decorrentes da insolvência do organizador da viagem.

59.      Os governos que apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça exprimiram pontos de vista divergentes quanto ao sentido da redação do artigo 17.°, n.° 1. Enquanto o Governo Belga considera que esta disposição não abrange os pedidos de reembolso pendentes, o Governo Grego (13) tem uma opinião contrária. O Governo Dinamarquês alegou que o direito da União não está harmonizado neste aspeto e que os Estados‑Membros (como é o caso da Dinamarca) devem continuar a ter competência para providenciar um nível de proteção mais elevado (14). Esta divergência de pontos de vista entre os governos nacionais demonstra, no mínimo, que não deve considerar‑se que a redação do artigo 17.°, n.° 1, exclui inequivocamente os pedidos de reembolso pendentes (15).

60.      Independentemente da redação relativa ao nexo de causalidade, o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 contêm outra expressão que pode dar origem a várias interpretações. Esta disposição refere‑se à «declaração da insolvência do organizador». No entanto, o considerando 39 refere‑se de forma mais ampla a «problemas de liquidez». Com efeito, como salientou a Bundesarbeitskammer, se o conceito de «declaração da insolvência do organizador» fosse entendido estritamente como a abertura formal do processo de insolvência, isso implicaria que os pedidos de reembolso relativos a serviços que não foram prestados e que surgiram pouco tempo antes da data da insolvência devido a problemas de liquidez não estão cobertos pela garantia.

61.      Tendo em conta o que precede, considero que não resulta inteiramente claro da redação atual do artigo 17.°, n.° 1, que os pedidos de reembolso dos viajantes, que surgiram antes da insolvência, estejam excluídos do âmbito de proteção desta disposição (16).

  b) A génese do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302: quanto à existência de uma intenção legislativa de reduzir a proteção dos consumidores

62.      Segundo jurisprudência constante, a génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revelar elementos pertinentes para a sua interpretação (17).

63.      Nas suas observações escritas, bem como nas alegações orais, a Comissão apresentou argumentos relacionados com a génese do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, que conduzem, em seu entender, à conclusão de que o legislador da União tinha a intenção de excluir da garantia os pedidos de reembolso que surgem antes de o organizador se tornar insolvente. Com vista a examinar corretamente a posição da Comissão, é útil descrever brevemente a génese do artigo 17, n.° 1, começando pelo seu antecessor.

64.      Nos termos do artigo 7.° da Diretiva 90/314, os operadores deviam comprovar possuir «meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor». De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça desde Dillenkofer (18), esta disposição «visa proteger integralmente os direitos dos consumidores referidos nesta disposição e, em consequência, protegê‑los contra a integralidade dos riscos definidos nesse artigo e decorrentes da falência do operador turístico» (19). Estes riscos são «inerentes ao contrato celebrado entre o consumidor e o operador que organiza a viagem» e «decorrem do pagamento antecipado do preço total da viagem organizada» (20).

65.      A Comissão salientou que o objetivo global da sua proposta de revogação da Diretiva 90/314 (21) era alcançar um elevado nível de proteção dos consumidores, consagrado no artigo 169.° TFUE. No que diz respeito à proteção em caso de insolvência, a Comissão explicou que a proposta visava manter o mesmo nível de proteção. Assim, o considerando 34 e o artigo 15.° da proposta da Comissão baseavam‑se no nível de proteção existente (22).

66.      No entanto, a Comissão explicou que, durante o processo legislativo, houve uma mudança de rumo no que diz respeito ao âmbito de aplicação da proteção em caso de insolvência.

67.      A este respeito, a Comissão remete para a nota justificativa do Conselho relativa à sua posição, em primeira leitura, da proposta legislativa (23). No ponto 15 do referido documento, o Conselho indicou que o texto (que rege a proteção em caso de insolvência) estabelece que «a proteção em caso de insolvência deve prever uma cobertura adequada em todas as circunstâncias plausíveis e refletir o nível de risco financeiro que as atividades do operador representam, mas que essa responsabilidade não deve ser ilimitada». No mesmo ponto, afirma‑se que «a responsabilidade de um regime de proteção em caso de insolvência deve ser aplicável apenas a circunstâncias que reflitam as condições normais de avaliação do risco» e que «a proteção eficaz em caso de insolvência não deverá ter de atender a riscos extremamente remotos [...]».

68.      Segundo a Comissão, a redação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, tal como foi finalmente adotada pelo legislador, «afasta‑se consideravelmente» da redação do artigo 7.° da Diretiva 90/314 e do artigo 15.° da proposta da Comissão.

69.      Os fatores acima referidos levam a Comissão a considerar que o artigo 17.°, n.° 1, dessa diretiva exige um nexo de causalidade entre a insolvência e a não execução dos serviços de viagem, o que exclui os pedidos de reembolso pendentes.

70.      O entendimento restritivo da Comissão quanto ao âmbito de aplicação do artigo 17.°, n.° 1, está na base da Recomendação (UE) 2020/648 (24). Nos termos do preâmbulo da referida recomendação, «se os organizadores [...] se tornarem insolventes, há um risco de muitos viajantes [...] não receberem qualquer reembolso, pois as suas reclamações contra organizadores [...] não estão protegidas» (25). A fim de proteger os viajantes deste risco, a Comissão recomendou que os vales fossem protegidos contra a insolvência (26).

71.      A apresentação pela Comissão da génese do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, suscita algumas dúvidas quanto ao seu significado. No entanto, esta apresentação não permite, por si só, concluir que houve uma intenção clara do legislador de se afastar do nível de proteção anterior e da jurisprudência do Tribunal de Justiça e de excluir os pedidos de reembolso dos viajantes existentes antes da insolvência.

72.      Contrariamente às observações da Comissão, o Parlamento sustentou que a redação da Diretiva 2015/2302 se destina a salvaguardar a «continuidade» entre o artigo 7.° da Diretiva 90/314 e o artigo 17.° da Diretiva 2015/2302. Esta última disposição visa continuar a assegurar um nível elevado e uniforme de proteção dos viajantes, no sentido de «alargar e reforçar» essa proteção.

73.      Mais concretamente, o Parlamento recorda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 7.° da Diretiva 90/314, esta disposição foi interpretada no sentido de que estabelece uma «obrigação de resultado de atribuir aos participantes em viagens organizadas o direito às garantias de reembolso das somas pagas e de repatriamento em caso de falência do operador turístico» (27). Esta obrigação de resultado já era clara no momento da adoção da Diretiva 2015/2302, não havendo ambiguidades a eliminar ou lacunas a colmatar a este respeito (28).

74.      O Parlamento observa ainda que «nenhuma disposição nem nenhum preâmbulo» da referida diretiva contém uma indicação de que o legislador da União pretendeu alterar esta obrigação de resultado para a proteção dos viajantes. Afirma que seria contrário à lógica e à jurisprudência constante considerar que a proteção conferida pelo artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 não é aplicável se o viajante tiver exercido o seu direito de rescindir o contrato, consagrado no artigo 12.°, n.° 2, da mesma.

75.      Nas suas alegações orais, o Parlamento tomou igualmente posição quanto à pertinência da Nota justificativa do Conselho. O Parlamento alegou que, desta nota justificativa, apenas se pode inferir que as adaptações à proposta da Comissão visavam clarificar a forma como os Estados‑Membros deviam estabelecer os mecanismos de insolvência. Estas adaptações referem‑se principalmente ao cálculo do risco com base em fatores como o volume de negócios, os adiantamentos ou as variações sazonais. O Parlamento declarou, além disso, que a intenção do legislador, refletida na última parte do considerando 40 da Diretiva 2015/2302, de assegurar que a proteção efetiva em caso de insolvência não deva ter de atender a riscos extremamente remotos, não está relacionada com nenhuma disposição que limite a proteção de um viajante em caso de rescisão do contrato antes da insolvência.

76.      No que diz respeito ao Conselho, nas suas observações escritas, este não tomou posição sobre a interpretação do artigo 17.°, n.° 1, nem, mais especificamente, sobre a questão de saber se o legislador da União pretendia excluir certos pedidos de reembolso dos viajantes da proteção contra a insolvência.

77.      Na audiência, foi colocada uma questão à Comissão e ao Conselho para analisar a possível razão subjacente à alteração da redação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 no decurso do processo legislativo. A este respeito, a Comissão salientou que o artigo 12.°, n.° 2, desta introduziu um novo direito de o viajante rescindir o contrato em caso de circunstâncias inevitáveis e excecionais, enquanto o direito correspondente a um reembolso não foi incluído no âmbito de proteção do artigo 17.°, n.° 2, da mesma diretiva. No entender da Comissão, o nível de proteção dos consumidores não foi reduzido em relação ao nível de proteção conferido pela diretiva anterior, uma vez que a exclusão da proteção em caso de insolvência diz respeito ao crédito resultante do exercício de um direito que não existia anteriormente.

78.      Em resposta à mesma questão, o Conselho indicou que, caso o Tribunal de Justiça considere que o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 deva ser interpretado no sentido de que exclui da proteção contra a insolvência os pedidos de reembolso dos viajantes que surgem antes de o organizador se tornar insolvente, pode considerar‑se que o legislador tomou a decisão política de instituir um regime de proteção específico. No entanto, o Conselho não confirmou explicitamente a intenção legislativa de excluir certas categorias de créditos.

79.      Segundo interpreto a posição defendida pela Comissão, existe uma espécie de lógica de «contrapeso» que explica porque é que, na sua opinião, o artigo 17.°, n.° 1, exclui os pedidos de reembolso pendentes. O contrapeso ao novo direito reconhecido aos viajantes de rescindir o contrato é a limitação da proteção contra a insolvência deste direito. Uma vez que o direito de rescisão do contrato é novo, segundo o argumento da Comissão, não há redução relativamente ao nível de proteção dos consumidores estabelecido pelo direito da União.

80.      O problema desta posição é que se baseia em hipóteses. A Comissão precisou, na audiência, que «pensa» ser esta a razão que justifica a diferença de redação entre a sua proposta e o texto da diretiva, tal como foi finalmente adotado.

81.      Além disso, a ideia de que o legislador pretendeu criar uma espécie de «semidireito», ou seja, o direito a um reembolso após a rescisão do contrato ao abrigo do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302 mas sem proteção correspondente contra a insolvência, não se reflete em parte alguma dos considerandos ou dos documentos em que a Comissão se baseou. Como salientou, em substância, o Parlamento, a Nota Justificativa do Conselho a que a Comissão se referiu versa sobre a questão da limitação da garantia em caso de riscos extremamente remotos, que é objeto de outra disposição, nomeadamente, o artigo 17.°, n.° 2.

82.      Na minha opinião, existe igualmente uma incoerência no que toca ao argumento relativo ao nível de proteção dos consumidores. É certo que o direito de um viajante de rescindir o contrato em caso de circunstâncias inevitáveis e excecionais não existia ao abrigo da Diretiva 90/314. No entanto, se o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, devesse ser interpretado no sentido de excluir os pedidos de reembolso dos viajantes que surgiram antes da insolvência, esta exclusão não deve dizer respeito apenas aos pedidos de reembolso decorrentes do exercício do direito de rescindir o contrato em caso de circunstâncias inevitáveis e excecionais. Em contrapartida, deve igualmente incidir sobre os pedidos de reembolso decorrentes do exercício do direito de rescisão do contrato exercido pelo organizador ou pelo viajante noutras circunstâncias previstas na Diretiva 2015/2302. Por exemplo, o viajante tem direito ao reembolso em caso de rescisão do contrato pelo organizador, em virtude do artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2015/2302, ou em caso de rescisão do contrato em conformidade com o artigo 11.°, n.° 5, da referida diretiva. Este direito ao reembolso já existia em virtude da Diretiva 90/314 (29). Nestas situações, a proteção dos consumidores seria reduzida em relação ao regime anterior, se se considerasse que os pedidos de reembolso em causa deixariam de estar cobertos pela proteção em caso de insolvência.

83.      Em todo o caso, tendo em conta o facto de um dos colegisladores, a saber, o Parlamento, ter tomado uma posição firme segundo a qual o legislador não tinha a intenção de limitar o alcance da proteção em caso de insolvência em virtude do artigo 17.°, n.° 1, não é possível discernir uma intenção legislativa clara em sentido contrário (30).

84.      Tendo em conta o que precede, importa examinar, em seguida, o contexto em que se insere esta disposição e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte, antes de proceder a uma interpretação conforme com o direito primário da União no seu conjunto.

 c) O contexto e os objetivos das normas em que se insere o artigo 17, n.° 1, da Diretiva 2015/20302

85.      No que diz respeito ao contexto em que se insere o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, importa salientar que a primeira parte da primeira frase dispõe que a garantia diz respeito ao reembolso de «todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes». O artigo 17.°, n.° 5 dispõe que «[r]elativamente aos serviços de viagem que não tenham sido prestados, os reembolsos são efetuados sem demora injustificada após o pedido do viajante». O considerando 39, que explica as razões que levaram à adoção desta disposição, afirma que os viajantes estão «plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador» e que os organizadores têm de garantir o reembolso de «todos os pagamentos efetuados». De acordo com o mesmo considerando, «[a] efetividade implica que a proteção esteja disponível logo que, em consequência de problemas de liquidez do organizador, os serviços de viagem não sejam [...] executados [...]».

86.      Como já foi referido (31), a «ativação» da proteção em caso de insolvência, na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da insolvência do organizador, deve ser associada à efetividade da proteção em caso de insolvência. O artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, não pode, por conseguinte, ser interpretado no sentido de excluir determinadas categorias de pedidos de reembolso do âmbito da proteção em caso de insolvência.

87.      Importa igualmente salientar que o artigo 17.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302 tem um âmbito de aplicação diferente do artigo 17.°, n.° 1, desta, que regula a limitação da garantia de reembolso. A limitação em causa diz respeito à cobertura dos «custos razoavelmente previsíveis». O considerando 40 explica que «a proteção efetiva em caso de insolvência não deverá ter de atender a riscos extremamente remotos como por exemplo a insolvência simultânea de vários dos principais organizadores, caso tal afete desproporcionadamente o custo da proteção, comprometendo assim a sua eficácia».

88.      No entanto, o exercício pelos viajantes apenas do seu direito de rescisão do contrato ao abrigo do artigo 12.°, n.° 2, e a obrigação correspondente do organizador de reembolso integral em virtude do artigo 12.°, n.° 4, não pode ser considerado como um «risco extremamente remoto» que excluiria os adiantamentos da garantia.

89.      A este respeito, há que recordar que o artigo 12.°, n.° 2, reconhece o direito de rescindir o contrato em caso de circunstâncias inevitáveis e excecionais. Os viajantes têm o direito correspondente a um reembolso integral. Este direito, tal como resulta do artigo 23.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302, tem caráter imperativo (32). O artigo 17.°, n.° 1, deve ser interpretado no sentido de garantir a plena efetividade do direito de rescindir o contrato e de obter um reembolso integral em virtude do artigo 12.°, n.° 2, e não no sentido de limitar a efetividade deste direito. Se um viajante perdesse o benefício da proteção em caso de insolvência pelo simples facto de ter rescindido o contrato antes da insolvência, isso poderia dissuadir os viajantes de exercerem os seus direitos em primeiro lugar. Como salientou, em substância, o Parlamento, o artigo 12.°, n.° 2, seria privado do seu efeito útil se se admitisse que a proteção contra a insolvência não é aplicável aos viajantes que exerceram um direito conferido pela diretiva.

90.      De um modo mais geral, uma interpretação diferente coloca os viajantes que decidam rescindir o contrato antes do início da viagem organizada, com base no artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, assim que se apercebem da existência de problemas de liquidez, numa posição menos favorável do que os viajantes que decidem não o fazer. De facto, nesta situação, pode haver viajantes que prefiram pagar uma taxa de rescisão e receber o reembolso do montante remanescente, nos termos do artigo 12.°, n.° 4, em vez de correrem o risco de um possível repatriamento devido a uma insolvência ocorrida durante a sua viagem.

91.      Em seguida, há que observar que, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302, a garantia abrange «os montantes de pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e respeitantes a viagens organizadas». Os parâmetros para o cálculo da cobertura incluem «o período de tempo decorrido entre os adiantamentos e os pagamentos finais e o fim da viagem organizada». O considerando 40 esclarece que «a proteção deverá ser suficiente para abranger todos os pagamentos previsíveis efetuados pelos viajantes ou por conta destes respeitantes a viagens organizadas na época alta» (33). O que, de acordo com o mesmo considerando, significa geralmente que a garantia tem de abranger «uma percentagem suficientemente alta do volume de negócios do organizador no que respeita a viagens organizadas». Decorre do artigo 17.°, n.° 2, e do considerando 40 que todos os pagamentos efetuados no que diz respeito a viagens organizadas são incluídos no cálculo da proteção em caso de insolvência, que se baseia nos dados relativos ao volume de negócios (34). Em contrapartida, o fundamento jurídico do pedido de reembolso desses pagamentos não parece ter relevância para o cálculo da cobertura necessária.

92.      Por último, a exclusão da proteção dos pedidos de reembolso em caso de insolvência criaria uma grave incoerência entre o artigo 17.°, n.° 1, e as informações pré‑contratuais que devem ser fornecidas aos viajantes através das fichas informativas pertinentes constantes do anexo I, partes A ou B. O conteúdo destas informações normalizadas especifica que «se o organizador ou, em alguns Estados‑Membros, o retalhista for declarado insolvente, os pagamentos serão reembolsados» (35). Note‑se que não existe esclarecimento no conteúdo da informação comunicada ao viajante de que a proteção contra a insolvência está excluída. Não se pode admitir, como observou, em substância, a Bundesarbeitskammer, que o legislador tenha induzido o viajante em erro na documentação ao dar a impressão errada, na ficha informativa normalizada, de que todos os viajantes estão protegidos contra a insolvência, quando, na realidade, apenas alguns viajantes estão protegidos.

93.      No que diz respeito ao objetivo específico do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, esta disposição visa proteger os viajantes contra os riscos decorrentes da insolvência do organizador. Ao abrigo da anterior Diretiva 90/314, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão Verein für Konsumenteninformation, que os riscos de insolvência, inerentes ao contrato celebrado entre o viajante e o organizador, decorrem do pagamento antecipado do preço total da viagem organizada (36). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça decidiu que o resultado prescrito no artigo 7.° da diretiva implica a atribuição aos participantes em viagens organizadas de direitos que garantam o reembolso do dinheiro que pagaram. O risco decorrente da insolvência não foi alterado pela atual diretiva. Por conseguinte, o resultado do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 deve ser igualmente o de conceder aos participantes em viagens organizadas direitos que garantam o reembolso dos montantes que pagaram, incluindo os pedidos de reembolso existentes antes da insolvência.

94.      A interpretação segundo a qual todos os viajantes devem ser plenamente protegidos em caso de insolvência, incluindo os que rescindiram o contrato antes da insolvência do organizador, é igualmente corroborada pelo objetivo da Diretiva 2015/2302, que é, como enunciado no seu artigo 1.°, alcançar um elevado nível de proteção dos consumidores. O objetivo de assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores está igualmente consagrado no direito primário (artigo 169.° TFUE e artigo 38.° da Carta). Uma interpretação diferente, como salientou o Governo Grego, significaria que o viajante suportaria o risco económico associado à posterior insolvência do organizador de viagens.

95.      Tendo em conta o que precede, o contexto em que o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 se aplica e os objetivos prosseguidos pelas normas em que se insere permitem concluir que a proteção contra a insolvência abrange igualmente os pedidos de reembolso dos viajantes que surgiram antes da insolvência do organizador.

 d) Interpretação do artigo 17, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 à luz do princípio da igualdade de tratamento

96.      Como já foi sublinhado anteriormente (37), de acordo com um princípio geral de interpretação, um ato da União deve ser interpretado, na medida possível, de forma que não ponha em causa a sua validade. De igual modo, quando uma disposição de direito da União seja suscetível de várias interpretações, deve dar‑se prioridade à que é adequada para salvaguardar o seu efeito útil (38).

97.      A este respeito, todos os atos da União devem ser interpretados de acordo com o direito primário no seu conjunto, incluindo o princípio da igualdade de tratamento, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (39).

98.      Tendo em conta o objetivo de assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores, consagrado no direito primário (40), e o objetivo mais específico do artigo 17.° da Diretiva 2015/2302, que consiste em proteger os viajantes contra o risco decorrente da insolvência (41), as situações abrangidas por esta disposição devem ser comparadas, nomeadamente, em função do risco económico suportado pelos viajantes.

99.      Neste caso, a situação dos viajantes que apresentam um pedido de reembolso após a rescisão do seu contrato de viagem (devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais) deve ser comparada à dos viajantes que apresentam um pedido de reembolso pelo facto de os serviços de viagem não serem executados devido à declaração da insolvência do organizador. Como sublinhou o Governo Grego na audiência, as duas categorias de viajantes estão expostas ao mesmo risco financeiro relacionado com os adiantamentos que pagaram ao organizador que, posteriormente, se torna insolvente.

100. A Comissão, o Conselho e o Governo Belga, bem como o Parlamento a título subsidiário, sustentaram que não existe desigualdade de tratamento entre as diferentes categorias de viajantes, uma vez que a sua situação não é comparável. Por um lado, os viajantes que rescindiram o seu contrato antes da insolvência não têm direito contratual à execução dos serviços de viagem, tendo apenas um direito pecuniário de reembolso. Por outro lado, os viajantes que não tenham rescindido o seu contrato no momento da insolvência têm direito à execução dos serviços de viagem.

101. No entanto, a diferença, descrita pela Comissão, pelo Conselho, pelo Parlamento e pelo Governo Belga, na relação jurídica das partes contratantes no momento da insolvência não é a medida de comparação adequada. Apesar da diferença na relação contratual, os viajantes de ambas as categorias têm o mesmo direito de reembolso de todos os pagamentos efetuados. Como já referi, e como salienta o Governo Grego, o ponto de referência para a comparação é o risco financeiro suportado pelos viajantes. Dado que o risco de obter efetivamente o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes que rescindiram o seu contrato e pelos que ainda não rescindiram no momento da insolvência é o mesmo, estes riscos não podem ser tratados de maneira diferente, sob pena de se violar o princípio da igualdade de tratamento. Esta conclusão impõe‑se, a fortiori, à luz do objetivo prosseguido pela Diretiva 2015/2302, que consiste em elevar o nível de proteção de todos os viajantes (42).

102. Tendo em conta o que precede, considero que o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, lido à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que a garantia de reembolso abrange o pedido de reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes, incluindo os viajantes que rescindem o contrato antes de o organizador se tornar insolvente.

 e) O princípio da segurança jurídica

103. Nas suas alegações orais, a HDI Global sustentou que, para calcular a dimensão do risco assumido na fixação das condições de seguro (43) e dos prémios a pagar pelos organizadores, se baseou na doutrina pertinente. Dado que a redação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, na opinião da HDI Global, exige claramente um nexo de causalidade entre a insolvência e a não execução dos serviços de viagem, uma derrogação a esta interpretação seria contrária ao princípio da segurança jurídica, que é um princípio fundamental do direito da União.

104. A este respeito, como foi acima referido (44), se da própria redação do artigo 17.°, n.° 1, resultasse absolutamente claro a exigência desse nexo de causalidade, o Tribunal de Justiça não poderia afastar‑se dessa interpretação. No entanto, tal como demonstrado, supra (subsecção a)), a redação do artigo 17.°, n.° 1, não exclui de forma inequívoca os pedidos de reembolso dos viajantes que rescindiram o seu contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais. É, portanto, suscetível de várias interpretações. Segundo a abordagem das presentes conclusões, tal conclusão deveria levar à conclusão de que todos os pagamentos efetuados devem ser protegidos em caso de insolvência.

105. Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma regra de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.° TFUE, clarifica e precisa o significado e o alcance dessa regra, tal como deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a regra assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz inclusive a relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se, por outro lado, estiverem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida regra (45).

106. Só a título verdadeiramente excecional pode o Tribunal de Justiça, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para decidir esta limitação, é necessário que estejam preenchidos dois critérios essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (46).

107. No entanto, no caso em apreço, nem as companhias de seguros que são partes no processo principal nem o Governo Belga pediu ao Tribunal de Justiça que impusesse limites temporais aos efeitos do acórdão a proferir por razões de segurança jurídica. Com efeito, mesmo admitindo que tal pedido tenha sido apresentado, essas partes não invocaram repercussões económicas graves suscetíveis de justificar uma limitação no tempo dos efeitos do futuro acórdão se o Tribunal de Justiça seguisse a interpretação proposta nas presentes conclusões (47).

108. É igualmente relevante notar que os contratos em causa no processo principal são anteriores à Recomendação 2020/648 da Comissão, o que poderia sugerir que os pedidos de reembolso dos viajantes que surgiram antes da insolvência não estão protegidos. As companhias de seguros que são partes no processo principal não puderam conceber a sua apólice de seguro com base na interpretação acolhida nesta recomendação. Além disso, como já foi referido, supra (48), a base de cálculo da garantia é o montante de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes relativamente a viagens organizadas, segundo o artigo 17.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302. Esta disposição dá uma indicação clara às companhias de seguros que são partes no processo principal quanto à base de cálculo da cobertura necessária.

109. A propósito, é de notar que, aquando da eclosão da pandemia de COVID‑19, o direito da União introduziu medidas específicas para permitir que os Estados‑Membros utilizassem toda a flexibilidade prevista nas regras em matéria de auxílios estatais para apoiar os operadores de viagens e as seguradoras, bem como para proteger os viajantes das consequências da insolvência dos organizadores de viagens (49).

110. Tendo em conta o que precede, o princípio da segurança jurídica não se opõe a uma interpretação segundo a qual a garantia do seguro prevista no artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, abrange todos os pagamentos efetuados pelos viajantes antes da insolvência.

111. Tendo em conta o que precede, o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, atendendo à sua redação, o seu contexto e a sua finalidade, e à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que a garantia de reembolso abrange não só os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes quando a viagem ou as férias não se realizaram devido à insolvência do organizador, mas também os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes que rescindiram o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302, antes da insolvência do organizador.

 Quanto à segunda e terceira questões prejudiciais no processo C771/22

112. A segunda e terceira questões no processo C‑771/22 são submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio em caso de resposta negativa à primeira questão. Com estas questões, que podem ser respondidas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre se o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, deve ser interpretado no sentido de que abrange os viajantes que rescindiram o contrato antes da insolvência do organizador de viagens devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, pelo menos nos dois casos seguintes: por um lado, quando o processo de insolvência foi aberto durante o período em que a viagem estava prevista e, por outro, quando a rescisão do contrato e a insolvência têm origem na mesma circunstância excecional.

113. Se o Tribunal de Justiça decidir seguir a abordagem interpretativa exposta nas presentes conclusões, não haverá que responder a estas questões. Se não for esse o caso, a minha resposta a estas questões é negativa. Se o âmbito de aplicação da garantia prevista no artigo 17.°, n.° 1, não abrange os pedidos de reembolso anteriores à insolvência, o âmbito de aplicação dessa garantia não pode ser diferente consoante as circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Como salientou a Comissão, o âmbito de aplicação desta disposição legal não pode variar em função das datas em que a viagem deveria ter lugar ou do facto de as circunstâncias que alegadamente justificam a rescisão do contrato terem conduzido à insolvência do organizador.

114. Tendo em conta o que precede, considero que, para efeitos da interpretação do âmbito de aplicação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, não é determinante o facto de a viagem ter sido programada para se realizar durante ou após a insolvência, nem o facto de a insolvência se dever às mesmas circunstâncias inevitáveis e excecionais que foram invocadas pelo viajante para rescindir o contrato nos termos do artigo 12.°, n.° 2, da referida diretiva.

 V. Conclusão

115. Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Bezirksgerich für Handelsachen Wien (Tribunal de Comércio de Primeira Instância de Viena, Áustria) e pelo Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica) do seguinte modo:

O artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho, tendo em conta a sua redação, o seu contexto e a sua finalidade, bem como à luz do princípio da igualdade de tratamento,

deve ser interpretado no sentido de que:

a garantia de reembolso abrange não só os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes no caso em que a viagem ou as férias não se realizaram devido à insolvência do organizador, mas também os pagamentos efetuados pelos viajantes, ou por conta destes, que rescindiram o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302, antes da insolvência do organizador.

A título subsidiário, para efeitos da interpretação do âmbito de aplicação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302, não é determinante o facto de a viagem ter sido programada para se realizar durante ou após a insolvência, nem o facto de a insolvência se dever às mesmas circunstâncias inevitáveis e excecionais que foram invocadas pelo viajante para rescindir o contrato nos termos do artigo 12.°, n.° 2, da referida diretiva.


1      Língua original: inglês.


2      V. os dados relevantes nos resumos das políticas de turismo da ONU: https://www.unwto.org/tourism‑and‑covid‑19‑unprecedented‑economic‑impacts.


3      Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho (JO 2015, L 326, p. 1).


4      Diretiva do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO 1990, L 158, p. 59). Esta diretiva foi revogada pela Diretiva 2015/2302.


5      Acórdão de 14 de maio de 1998, Verein für Konsumenteninformation (C‑364/96, EU:C:1998:226, n.° 18 e jurisprudência referida).


6      Acórdão de 12 de janeiro de 2023, FTI Touristik (Viagem organizada às Ilhas Canárias) (C‑396/21, EU:C:2023:10, n.° 19 e jurisprudência referida).


7      Acórdão de 25 de janeiro de 2022, VYSOČINA WIND (C‑181/20, EU:C:2022:51, n.° 39).


8      Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.º 77).


9      A frase pertinente da versão francesa do artigo 17.°, n.º 1, da Diretiva 2015/2302 dispõe o seguinte: «dans la mesure où les services concernés ne sont pas exécutés en raison de l'insolvabilité des organisateurs».


10      V., por exemplo, a versão alemã do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302 («sofern die betreffenden Leistungen infolge der Insolvenz des Reiseveranstalters nicht erbracht werden»), a versão espanhola («en que los servicios correspondientes no se hayan ejecutado por causa de la insolvencia del organizador») e a versão italiana («in cui i servizi pertinenti non sono eseguiti a causa dello stato di insolvenza dell’organizzatore»).


11      Acórdão de 14 de maio de 1998, (C‑364/96, EU:C:1998:226, n.° 20) (a seguir «Acórdão Verein für Konsumentenininformation»).


12      Ibidem, n.° 22 (o sublinhado é meu).


13      Pelo menos no que respeita aos pedidos de reembolso decorrentes do exercício do direito de rescisão do contrato ao abrigo do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva 2015/2302.


14      A Dinamarca alegou que criou um fundo de garantia que cobre os vales e os pedidos de reembolso pendentes.


15      É igualmente relevante mencionar o exemplo da transposição alemã do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302. Em conformidade com o § 651r, n.° 1, do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão, a seguir «BGB»), o organizador deve garantir aos viajantes o reembolso do preço pago pela viagem organizada, uma vez que, «em caso de» («im Fall» em alemão) declaração da insolvência do organizador, os serviços de viagem não se concretizem. O § 651r, n.° 1, do BGB, está redigido de forma mais ampla do que o seu antecessor, o § 651k, n.° 1, ponto 1, do BGB. Esta última disposição estabelecia que o operador turístico devia garantir aos viajantes o reembolso do montante pago pela viagem quando os serviços de viagem não se concretizassem «devido» («infolge») à insolvência do operador. Esta redação do § 651k, n.° 1, ponto 1, do BGB, suscitou problemas de conformidade com a Diretiva 90/314, como demonstra o Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Blödel‑Pawlik (C‑134/11, EU:C:2012:98). Aquando da adoção da Diretiva 2015/2302, foi salientado na doutrina alemã que o «pecado de um filtro geral como “devido a”» («der Sündenfall eines allgemeinen Filters wie “infolge”») não deveria ser repetido na legislação de transposição (v., Staudinger, A., «Erste Überlegungen zur Umsetzung der reformierten Pauschalreiserichtlinie mit Bezug auf den Insolvenzschutz». Reise‑Recht Aktuell (RRa), 2015 (6), pp. 281‑287, particularmente, p. 282).


16      Esta conclusão não é posta em causa pelas considerações que desenvolvi no n.° 61 das minhas conclusões no processo UFC — Que choisir e CLCV (C‑407/21, EU:C:2022:690), referidas pela Comissão nas suas observações escritas. Com efeito, este número não tinha por objeto analisar em profundidade o âmbito de aplicação do artigo 17.° da Diretiva 2015/2302, mas antes responder aos argumentos apresentados por alguns governos no que diz respeito à inaplicabilidade do direito ao reembolso integral no caso da pandemia de COVID‑19, bem como refletir sobre o impacto da pandemia na liquidez dos organizadores decorrente da generalização dos pedidos de cancelamento. Pelas mesmas razões, o n.° 55 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2023, Comissão/Eslováquia (Direito de rescisão sem encargos) (C‑540/21, EU:C:2023:450), não deve ser entendido no sentido de que reflete a tomada de posição do Tribunal de Justiça sobre o alcance da proteção em caso de insolvência ao abrigo do artigo 17.° da Diretiva 2015/2302.


17      Acórdão de 16 de março de 2023, Towercast (C‑449/21, EU:C:2023:207, n.° 31).


18      Acórdão de 8 de outubro de 1996, Dillenkofer e o. (C‑178/94, C‑179/94 e C‑188/94 a C‑190/94, EU:C:1996:375, n.º 42).


19      Acórdão de 15 de junho de 1999, Rechberger e o. (C‑140/97, EU:C:1999:306, n.° 61).


20      Acórdão de 14 de maio de 1998, Verein für Konsumenteninformation (C‑364/96, EU:C:1998:226, n.° 18).


21      Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às viagens organizadas e aos serviços combinados de viagem que altera o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2011/83/UE e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho, COM (2013), 512 final.


22      O considerando 34 da proposta da Comissão referia que «os viajantes que adquirem uma viagem [...] são plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador» e que «os Estados‑Membros devem garantir que os respetivos regimes de proteção nacionais em caso de insolvência são eficazes e garantem o rápido repatriamento e reembolso de todos os passageiros lesados pela insolvência». O artigo 15.° da proposta da Comissão, sob a epígrafe «Eficácia e âmbito da proteção em caso de insolvência», estabelece que os Estados‑Membros devem assegurar que os organizadores «constituem uma garantia para o reembolso efetivo e rápido de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes» (o sublinhado é meu).


23      Nota justificativa do Conselho adotada pelo Conselho em 18 de setembro de 2015, Posição do Conselho em primeira leitura tendo em vista a adoção da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho, 2013/0246 (COD), 22 de setembro de 2015 («Nota justificativa do Conselho»).


24      Recomendação da Comissão de 13 de maio de 2020 relativa aos vales propostos aos passageiros e viajantes em alternativa ao reembolso de serviços de transporte e de viagens organizadas cancelados no contexto da pandemia de COVID‑19 (JO 2020 L 151, p. 10).


25      Considerando 14 da Recomendação 2020/648 da Comissão.


26      N.° 2 da Recomendação 2020/648 da Comissão. Como decorre do n.° 1, os vales em causa são os que os organizadores podem propor aos viajantes em alternativa ao reembolso em numerário em caso de rescisão do contrato por motivos relacionados com a pandemia de COVID‑19, no âmbito do artigo 12.°, n.° 3 e n.° 4 da Diretiva 2015/2302.


27      Acórdão de 15 de junho de 1999, Rechberger e o. (C‑140/97, EU:C:1999:306, n.° 74).


28      O Parlamento cita o primeiro considerando da Diretiva 2015/2302.


29      V. artigo 4.°, n.° 6, alínea b), da Diretiva 90/314, que prevê o direito do consumidor a ser reembolsado, no mais curto prazo, de todas as quantias por ele pagas nos termos do contrato.


30      A propósito, de lege ferenda, seria desejável que o legislador clarificasse o âmbito de aplicação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2015/2302. Este é um dos objetivos da Proposta da Comissão de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva (UE) 2015/2302 a fim de tornar mais eficaz a proteção dos viajantes e simplificar e clarificar certos aspetos da diretiva, (COM/2023/905 final). De acordo com a nova redação proposta pela Comissão para esta disposição, a garantia de reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes «em caso de declaração da insolvência dos organizadores» inclui a proteção dos pagamentos efetuados «no caso de um viajante ter direito ao reembolso».


31      V. n.º 55 supra.


32      Acórdão de 8 de junho de 2023, UFC — Que choisir e CLCV (C‑407/21, EU:C:2023:449, n.° 60).


33      O sublinhado é meu.


34      V. Keiler, S., «Agens und Folge der Inslolvenz eineis Reiseveranstalter», Zeitschrift für Insolvenzrecht und Kreditschutz ZIK, Vol. 6, 2020, p. 229 e segs., especialmente, p. 231.


35      O sublinhado é meu.


36      Acórdão de 14 de maio de 1998 (C‑364/96, EU:C:1998:226, n.° 18).


37      N.° 43 das presentes conclusões.


38      Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.° 47). Neste acórdão emblemático, relativo à interpretação do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91 (JO 2004 L 46, p. 1), o Tribunal de Justiça declarou que os passageiros de voos atrasados e que sofrem uma perda de tempo igual ou superior a três horas e os passageiros de voos cancelados não podem ser tratados de maneira diferente, sob pena de se violar o princípio da igualdade de tratamento.


39      Acórdão de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.° 33 e jurisprudência referida).


40      V. n.º 93, supra, das presentes conclusões.


41      V. n.º 91, supra, das presentes conclusões.


42      V., por analogia, o Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.° 60).


43      Refiro‑me às condições de pagamento da cobertura do seguro.


44      V. n.º 42 das presentes conclusões.


45      Acórdãos de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C‑292/04, EU:C:2007:132, n.° 34, e de 23 de abril de 2020, Herst (C‑401/18, EU:C:2020:295, n.° 54). Estas condições referem‑se, por exemplo, aos requisitos de admissibilidade da ação em causa ou à observância dos prazos de prescrição aplicáveis.


46      Acórdão de 23 de abril de 2020, Herst (C‑401/18, EU:C:2020:295, n.° 56 e jurisprudência referida).


47      V., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2014, Schulz e Egbringhoff (C‑359/11 e C‑400/11, EU:C:2014:2317, n.° 57 e segs.).


48      V. n.º 91 das presentes conclusões.


49      V. a Comunicação da Comissão Quadro temporário relativo às medidas de auxílio estatal destinadas a apoiar a economia no atual contexto do surto de COVID‑19, C/2020/1863 (JO 2020 C 91I, p. 1), com as alterações que lhe foram introduzidas. Tanto o Governo Austríaco como o Governo Belga recorreram ao Quadro temporário relativo aos auxílios de Estado no contexto do surto de coronavírus (v. em pormenor a Ficha informativa — Lista de medidas dos Estados‑Membros aprovadas ao abrigo do artigo 107.º, n.º 2, alínea b), do artigo 107.º, n.º 3, alínea b), e do artigo 107.º, n.º 3, alínea c), TFUE, e ao abrigo do Quadro temporário relativo aos auxílios estatais, disponível em https://competition‑policy.ec.europa.eu/state‑aid/coronavirus/temporary‑framework_en). V., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, UFC — Que choisir e CLCV (C‑407/21, EU:C:2023:449, n.º 73).