Language of document : ECLI:EU:C:2024:226

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de março de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Regime geral dos impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 1.o, n.o 2 — Outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo — Requisitos de cobrança — Motivo específico prosseguido pelo imposto — Impostos especiais de consumo aplicáveis aos tabacos manufaturados — Diretiva 2011/64/UE — Artigo 14.o — Regras de tributação — Cumprimento dessas regras pelos impostos indiretos adicionais sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo — Tabaco aquecido — Regulamentação nacional que prevê para este tabaco uma estrutura e uma taxa de tributação diferentes das aplicáveis à categoria “outros tabacos de fumar”»

No processo C‑336/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht Düsseldorf (Tribunal Tributário de Dusseldórfia, Alemanha), por Decisão de 29 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de maio de 2022, no processo

f6 Cigarettenfabrik GmbH & Co. KG

contra

Hauptzollamt Bielefeld,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, N. Piçarra (relator), N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 15 de junho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da f6 Cigarettenfabrik GmbH & Co. KG, por D. Atanasova e C. Salder, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller, R. Kanitz e N. Scheffel, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. C. Becker e M. Björkland, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), e do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), e n.o 3, da Diretiva 2011/64/UE do Conselho, de 21 de junho de 2011, relativa à estrutura e taxas dos impostos especiais sobre o consumo de tabacos manufaturados (JO 2011, L 176, p. 24).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a f6 Cigarettenfabrik GmbH & Co. KG (a seguir «f6») ao Hauptzollamt Bielefeld (Serviço Aduaneiro Principal de Bielefeld, Alemanha) a respeito da legalidade do imposto adicional ao imposto especial de consumo aplicável a partir de 1 de janeiro de 2022 ao tabaco aquecido fabricado por esta sociedade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2008/118

3        O considerando 4 da Diretiva 2008/118, revogada e substituída pela Diretiva (UE) 2020/262 do Conselho, de 19 de dezembro de 2019, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo (JO 2020, L 58, p. 4), mas aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, enunciava:

«Os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo podem ser alvo de outros impostos indiretos, para fins específicos. Nesse caso, porém, a fim de não comprometer o efeito positivo das normas comunitárias respeitantes aos impostos indiretos, os Estados‑Membros deverão observar determinados elementos essenciais dessas normas.»

4        O artigo 1.o desta diretiva dispunha:

«1.      A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

[…]

c)      Tabaco manufaturado, abrangido [pela Diretiva 2011/64].

2.      Os Estados‑Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado [(IVA)] no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

[…]»

 Diretiva 2011/64

5        Os considerandos 2 e 9 da Diretiva 2011/64 enunciam:

«(2)      A legislação fiscal da União sobre os produtos do tabaco tem de garantir o bom funcionamento do mercado interno e, simultaneamente, um elevado nível de proteção da saúde […]

[…]

(9)      No que se refere aos impostos especiais de consumo, a harmonização das estruturas deve, em especial, ter como efeito que a concorrência das diferentes categorias de tabacos manufaturados pertencentes a um mesmo grupo não seja falseada em consequência da tributação […]»

6        O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva fixa princípios gerais para a harmonização da estrutura e das taxas dos impostos especiais de consumo a que os Estados‑Membros sujeitam os tabacos manufaturados.»

7        O artigo 2.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por tabacos manufaturados:

a)      Os cigarros;

b)      Os charutos e as cigarrilhas;

c)      O tabaco de fumar:

i)      o tabaco de corte fino destinado a cigarros de enrolar,

ii)      os restantes tabacos de fumar.

2.      São equiparados a cigarros e a tabaco para fumar os produtos total ou parcialmente constituídos por substâncias que não sejam o tabaco, mas que correspondam aos outros requisitos previstos nos artigos 3.o ou 5.o, n.o 1.

[…]»

8        O artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por tabacos para fumar:

a)      O tabaco cortado ou fracionado de outra forma, em fio ou comprimento em placas, que seja suscetível de ser fumado sem posterior transformação industrial;

b)      Os resíduos de tabaco embalados para venda a retalho, não abrangidos pelos artigos 3.o e 4.o, n.o 1, e que sejam suscetíveis de ser fumados. […]»

9        Nos termos do artigo 14.o da Diretiva 2011/64:

«1.      Os Estados‑Membros aplicam um imposto especial de consumo que pode ser:

a)      Ou ad valorem, calculado sobre os preços máximos de venda ao público de cada produto […]; ou

b)      Específico, quer expresso em montante por quilograma, quer, no caso de charutos e cigarrilhas, pelo número de unidades; ou

c)      Misto, incluindo um elemento ad valorem e um elemento específico.

Nos casos em que o imposto especial de consumo for ad valorem ou misto, os Estados‑Membros podem fixar um montante mínimo de imposto especial de consumo.

2.      O imposto especial de consumo global (imposto específico e/ou imposto ad valorem, líquidos de IVA), expresso em percentagem ou em montante por quilograma ou por número de unidades, deve ser, pelo menos, equivalente às seguintes taxas ou montantes mínimos:

a)      Charutos e cigarrilhas: 5 % do preço de venda ao público, incluindo todos os impostos, ou 12 [euros] por 1 000 unidades ou por quilograma;

b)      Tabaco de corte fino destinado a cigarros de enrolar: 40 % do preço médio ponderado de venda a retalho do tabaco para fumar de corte fino destinado a cigarros de enrolar introduzido no consumo, ou 40 [euros] por quilograma;

c)      Para os outros tabacos de fumar: 20 % do preço de venda ao público, incluindo todos os impostos, ou 22 [euros] por quilograma.

[…]

3.      As taxas ou montantes referidos nos n.os 1 e 2 aplicam‑se a todos os produtos pertencentes ao grupo de tabacos manufaturados em causa, sem distinções dentro de cada grupo quanto à qualidade, à apresentação, à origem dos produtos, às matérias‑primas utilizadas, às características das empresas ou a qualquer outro critério.

[…]»

 Direito alemão

10      O § 1 da Tabaksteuergesetz (Lei relativa ao Imposto Sobre o Tabaco), de 15 de julho de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 1870), conforme alterada pela Lei de 10 de agosto de 2021 (BGBl. 2021 I, p. 3411) (a seguir «TabStG»), dispõe:

«(1)      Os tabacos manufaturados, o tabaco aquecido e o tabaco para cachimbos de água encontram‑se sujeitos ao imposto sobre o tabaco [que] constitui um imposto especial de consumo na aceção do Abgabenordnung [(Código Tributário)].

(2)      Entende‑se por tabaco manufaturado:

1.      charutos e cigarrilhas

[…]

2.      cigarros

[…]

3.      tabaco de fumar (tabaco de corte fino ou tabaco para cachimbo): tabaco cortado ou fracionado de outra forma, em fio ou comprimido em placas, suscetível de ser fumado sem posterior transformação industrial;

(2a)      Tabaco aquecido é, na aceção da presente lei, um tabaco de fumar apresentado em porções individuais, destinado a ser consumido por inalação sob a forma de aerossol ou fumo gerado por um aparelho.

[…]»

11      O § 1a da TabStG, sob a epígrafe «Tabaco aquecido, tabaco para cachimbo de água», dispõe:

«Salvo determinação em contrário, as disposições da presente lei aplicáveis ao tabaco de fumar, bem como as respetivas medidas de execução, são igualmente aplicáveis ao tabaco aquecido e ao tabaco para cachimbo de água.»

12      O § 2 desta lei tem a seguinte redação:

«(1)      O montante do imposto ascende:

1.      No caso dos cigarros

[…]

b)      em relação ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2022, a 10,88 cêntimos por unidade e a 19,84 % do preço de venda ao público; o montante deve, porém, ser igual ou superior a 22,276 cêntimos por unidade, após dedução do [IVA] sobre o preço de venda ao público do cigarro sujeito a imposto;

[…]

4.      No caso do tabaco para cachimbo

[…]

b)      em relação ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2022, a 15,66 euros por quilo e a 13,13 % do preço de venda ao público; o montante deve, porém, ser igual ou superior a 24,00 euros por quilo;

5.      No caso do tabaco aquecido, ao montante do imposto previsto no n.o 4, acrescido de um imposto adicional cujo montante corresponde a 80 % do montante do imposto previsto no n.o 1, após dedução do montante do imposto previsto no n.o 4. Para efeitos de cálculo do montante previsto no n.o 1, uma porção individual de tabaco de fumar equivale a um cigarro;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      A f6 produz rolos de tabaco aquecido destinados a ser inseridos num aparelho de aquecimento que funciona com uma bateria. Estes rolos encontram‑se envoltos em papel colaminado revestido com uma camada de alumínio, para que não possam ser incendiados ou queimados neste aparelho. São aquecidos mediante energia elétrica a uma temperatura inferior à sua temperatura de combustão, produzindo assim um aerossol que contém nicotina que os consumidores podem inalar por meio de uma boquilha, como o fumo de tabaco tradicional.

14      Até 31 de dezembro de 2021, os rolos de tabaco aquecido só eram tributados na Alemanha à taxa do imposto sobre o tabaco aplicável ao tabaco para cachimbo. O § 2, n.o 1, ponto 5, da TabStG prevê, no entanto, a partir de 1 de janeiro de 2022, além desse imposto especial de consumo, um imposto adicional que incide sobre o tabaco aquecido. O montante deste imposto adicional corresponde a 80 % do montante do imposto especial de consumo aplicável aos cigarros, após dedução do montante do imposto especial de consumo aplicável ao tabaco para cachimbo (a seguir «imposto adicional em causa»).

15      Em 2 de dezembro de 2021, a f6 apresentou no Serviço Aduaneiro Principal de Bielefeld uma declaração fiscal na qual estimou o montante que devia pagar a título do imposto aplicável ao tabaco aquecido, utilizando para o efeito a tabela de tributação em vigor a partir de 1 de janeiro de 2022. Deste montante, 2 181,02 euros correspondiam ao imposto especial de consumo aplicável por força do § 2, n.o 1, ponto 5, primeira parte, da TabStG, e 4 100,44 euros correspondiam ao imposto adicional em causa, previsto na segunda parte desta disposição. A f6 interpôs então recurso dessa declaração fiscal para o Finanzgericht Düsseldorf (Tribunal Tributário de Dusseldórfia, Alemanha), que é órgão jurisdicional de reenvio, no qual impugna a legalidade desse imposto adicional, à luz, nomeadamente, do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

16      Em apoio do seu recurso, a f6 alega, em primeiro lugar, que o imposto adicional em causa, ao não preencher os requisitos previstos na referida disposição, não constitui um «outro imposto indireto» autorizado pela referida disposição. Em segundo lugar, essa taxa viola o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2011/64, ao tratar de maneira diferente o tabaco aquecido relativamente aos outros tabacos de fumar de que faz parte. Em terceiro lugar, o imposto adicional em causa viola o artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), em conjugação com o n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da referida diretiva, ao ter em conta, nas suas modalidades de cálculo, não só o peso do produto mas também o número de unidades do mesmo.

17      O Serviço Aduaneiro Principal de Bielefeld alega que a cobrança do imposto adicional em causa é compatível com o disposto no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118. O referido imposto, por um lado, é cobrado para prosseguir uma finalidade específica, concretamente a redução do consumo de nicotina, nociva para a saúde, tributando o tabaco aquecido de maneira análoga aos cigarros. Por outro lado, o referido imposto, enquanto imposto especial de consumo nacional não harmonizado, não tem de cumprir todas as exigências impostas pelo artigo 14.o da Diretiva 2011/64.

18      Considerando que o tabaco aquecido deve ser qualificado de «tabaco de fumar», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), ii), da Diretiva 2011/64, e constitui, portanto, como tabaco manufaturado, um «produto sujeito a impostos especiais de consumo», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/118, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da compatibilidade do imposto adicional em causa com o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

19      O referido órgão jurisdicional pergunta‑se, em substância, se esse imposto constitui «outro imposto indireto», na aceção desta última disposição, ou se deve ser considerado um simples aumento do imposto especial de consumo aplicável ao tabaco aquecido, contrário à referida disposição. Observa que o imposto adicional em causa prossegue uma finalidade orçamental, uma vez que as receitas fiscais que gera revertem para o orçamento geral do Estado federal alemão, sem serem necessariamente afetadas à proteção da saúde. Em qualquer caso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o objetivo prosseguido pelo imposto adicional em causa, a saber, em seu entender, a redução do consumo de nicotina, nociva para a saúde, é suficiente para ser qualificado de «motivo específico», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

20      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se a cobrança de um imposto adicional sobre o tabaco aquecido viola o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2011/64, na medida em que este tipo de tabaco de fumar está, afinal, sujeito a uma tributação superior à de outros tipos de tabaco de fumar, criando assim uma desigualdade de tratamento dentro da categoria dos «outros tabacos de fumar», prevista no artigo 14.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva.

21      Interroga‑se também sobre a compatibilidade com o artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea b), e n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2011/64, da base tributável do imposto adicional em causa, uma vez que um dos elementos que compõem essa base tributável é expresso, por referência às regras aplicáveis ao imposto especial de consumo sobre os cigarros, não em função do peso do tabaco aquecido, mas do número de unidades deste.

22      Nestas circunstâncias, o Finanzgericht Düsseldorf (Tribunal Tributário de Dusseldórfia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 1.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/118] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional […] relativa à cobrança do imposto sobre o tabaco em relação ao tabaco aquecido, que prevê, quanto ao cálculo [desse] imposto, além da aplicação de uma taxa sobre o tabaco para cachimbo, a cobrança de um imposto adicional que corresponde a 80 % do imposto aplicável aos cigarros deduzido do imposto sobre o tabaco para cachimbo?

2)      Caso o imposto adicional sobre o tabaco aquecido não constitua um outro imposto indireto, cobrado por motivos específicos, sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118, deve o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva [2011/64] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional […] relativa à cobrança do imposto sobre o tabaco em relação ao tabaco aquecido, que prevê, quanto ao cálculo [desse] imposto, além da aplicação de uma taxa sobre o tabaco para cachimbo, a cobrança de um imposto adicional que corresponde a 80 % do imposto aplicável aos cigarros deduzido do imposto sobre o tabaco para cachimbo?

3)      Caso o imposto adicional sobre o tabaco aquecido não constitua um outro imposto indireto, cobrado por motivos específicos, sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 deve o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, alínea c), da [Diretiva 2011/64] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional […] relativa à cobrança do imposto sobre o tabaco em relação ao tabaco aquecido, que prevê, quanto ao cálculo [desse] imposto, que este deve ser apurado de acordo com uma taxa ad valorem e uma taxa específica, em função do peso e do número de rolos de tabaco?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

23      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de outubro de 2023, na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, a f6 pediu a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

24      Em apoio do seu pedido, a f6 indica, em substância, que as conclusões do advogado‑geral contêm argumentos que não foram debatidos pelas partes. Por um lado, o advogado‑geral afastou‑se do quadro factual e da interpretação do direito nacional expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio. Por outro lado, não teve em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça e propõe uma interpretação contra legem do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2011/64.

25      Cumpre recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de os interessados referidos no artigo 23.o do referido estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. Por outro lado, em virtude do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral as baseia. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este último examina nas suas conclusões, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo [Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 62 e 63 e jurisprudência referida].

26      É certo que o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados.

27      Todavia, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para decidir, e a f6, no seu pedido de reabertura da fase oral do presente processo, não demonstrou de forma nenhuma que este deve ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados. Além disso, esse pedido não contém nenhum facto novo suscetível de exercer uma influência decisiva na decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir neste processo. Nestas condições, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «outro imposto indireto cobrado, por motivos específicos, sobre um produto sujeito a impostos especiais de consumo» abrange um imposto adicional aplicável ao tabaco aquecido, cujo montante ascende a 80 % do montante do imposto especial de consumo aplicável aos cigarros, após dedução do montante do imposto especial de consumo aplicável ao referido tabaco aquecido.

29      A título preliminar, importa determinar se o tabaco aquecido está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/118 enquanto «produto sujeito a impostos especiais de consumo», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, e, mais especificamente, se faz parte, em conformidade com a alínea c) desta disposição, do «tabaco manufaturado, abrangido pela [Diretiva 2011/64]», uma vez que a referida disposição não menciona o tabaco aquecido.

30      Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2011/64, os «tabacos manufaturados» compreendem os cigarros, os charutos, as cigarrilhas e o tabaco de fumar. Nesta última categoria, figuram, por um lado, o tabaco de corte fino destinado a cigarros de enrolar e, por outro, uma categoria residual dos «restantes tabacos de fumar». O artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva equipara a cigarros e a tabaco de fumar os produtos total ou parcialmente constituídos por substâncias que não sejam o tabaco, mas que correspondam aos outros requisitos previstos, nomeadamente, no artigo 5.o, n.o 1, da referida diretiva.

31      O artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/64 define os «tabacos para fumar» como o tabaco cortado ou fracionado de outra forma, em fio ou comprimento em placas, que seja suscetível de ser fumado sem posterior transformação industrial, sendo estes dois requisitos cumulativos (Acórdãos de 6 de abril de 2017, Eko‑Tabak, C‑638/15, EU:C:2017:277, n.o 25, e de 16 de setembro de 2020, Skonis ir kvapas, C‑674/19, EU:C:2020:710, n.o 36). O artigo 5.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva dispõe que o tabaco para fumar pode também ser composto por «resíduos de tabaco embalados para venda a retalho», não abrangidos pela definição de cigarros, constante do artigo 3.o da referida diretiva, e pela definição de charutos e cigarrilhas, constante do artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva, sendo esses resíduos, além disso, suscetíveis de ser fumados.

32      No que respeita ao primeiro requisito constante de todas as disposições referidas no número anterior do presente acórdão, resulta da decisão de reenvio que o tabaco aquecido em causa no processo principal é constituído por tabaco comprimido, fabricado a partir de pó de tabaco. Por conseguinte, o tabaco aquecido é constituído por tabaco «cortado» ou «fracionado» de outra forma, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/64, ou por «resíduos de tabaco embalados para venda a retalho», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), da mesma.

33      No que respeita ao segundo requisito que figura nessas mesmas disposições, resulta da decisão de reenvio que o tabaco aquecido em causa no processo principal gera, quando aquecido por energia elétrica, um aerossol inalado pelo consumidor, o que permite considerar que esse tabaco é suscetível de ser fumado, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/64, ou de ser fumado sem posterior transformação industrial, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, ou seja, sem transformação, segundo um processo estandardizado, de matérias‑primas em bens materiais (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de abril de 2017, Eko‑Tabak, C‑638/15, EU:C:2017:277, n.os 30 a 32, e de 16 de setembro de 2020, Skonis ir kvapas, C‑674/19, EU:C:2020:710, n.o 39).

34      Resulta do exposto que, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, o tabaco aquecido em causa no processo principal, uma vez que está abrangido pelo conceito de «tabaco para fumar», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/64, é, enquanto tabaco manufaturado abrangido por esta diretiva, um produto sujeito a imposto especial de consumo na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118. Por conseguinte, podem, nessa qualidade, ser‑lhe aplicados, «por motivos específicos, outros impostos indiretos», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva.

35      Em conformidade com esta última disposição, lida à luz do considerando 4 da Diretiva 2008/118, este imposto indireto adicional só pode ser cobrado sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, deve ser cobrado por «motivos específicos» e, por outro, deve ser conforme com as normas fiscais da União aplicáveis aos impostos especiais de consumo e ao IVA no que diz respeito à determinação da matéria coletável, bem como à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.

36      Estes dois requisitos, que visam evitar que os impostos indiretos adicionais dificultem excessivamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, EU:C:2000:98, n.o 26, e Despacho de 7 de fevereiro de 2022, Vapo Atlantic, C‑460/21, EU:C:2022:83, n.os 21 e 22).

37      No que se refere ao primeiro requisito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que um «motivo específico», na aceção desta disposição, não tem de ser puramente orçamental. No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, esta simples circunstância não pode excluir que um imposto suplementar possa ter também um motivo específico, na aceção dessa disposição, sob pena de a privar de qualquer efeito útil (Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.os 23 e 27, e de 22 de junho de 2023, Endesa Generación, C‑833/21, EU:C:2023:516, n.os 38 e 39).

38      Assim, só se pode considerar que um imposto adicional que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, cuja receita não é objeto de afetação predeterminada, prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto adicional for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita alcançar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.o 32, e de 22 de junho de 2023, Endesa Generación, C‑833/21, EU:C:2023:516, n.o 42).

39      No caso em apreço, importa constatar que o motivo específico indicado pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber, a proteção da saúde, figura também entre os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2011/64 mencionados no considerando 2 da mesma. Todavia, a mera circunstância de um imposto, além de servir uma finalidade orçamental, se destinar a garantir um elevado nível de proteção da saúde, objetivo geral prosseguido igualmente pela Diretiva 2011/64, também não pode excluir à partida a existência de um «motivo específico», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

40      Com efeito, como observou o advogado‑geral, em substância, no n.o 56 das suas conclusões, pode haver, apesar dessa identidade de objetivos, um «motivo específico», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118, quando o imposto adicional que incide sobre um produto sujeito a imposto especial de consumo visa tributar mais fortemente o produto em causa de modo a aproximar a sua tributação final das de outros produtos comparáveis sujeitos a imposto especial de consumo, com o objetivo último de desincentivar o respetivo consumo.

41      Ora, resulta da decisão de reenvio que o imposto adicional em causa visa aproximar a tributação do tabaco aquecido da que incide sobre os cigarros. Por conseguinte, por meio de uma adaptação do regime fiscal do tabaco aquecido, este imposto tem como motivo específico dissuadir os consumidores com dependência da nicotina de deixarem os cigarros em benefício do tabaco aquecido em causa no processo principal, uma vez que este último também é nocivo para a saúde.

42      No que respeita ao segundo requisito, relativo ao respeito, por um imposto adicional como o que está em causa no processo principal, das regras de tributação da União aplicáveis ao imposto especial de consumo ou ao IVA para a determinação da base tributável, bem como para o cálculo, a exigibilidade e o controlo do imposto, importa recordar que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 não exige aos Estados‑Membros que respeitem integralmente essas regras. Basta que os impostos indiretos adicionais que têm em vista finalidades específicas estejam em conformidade, quanto a estes aspetos, com a economia geral das regras da União aplicáveis ou com o imposto especial de consumo, ou ainda com o IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, EU:C:2000:98, n.os 23, 24 e 27, e de 9 de março de 2000, EKW e Wein Co, C‑437/97, EU:C:2000:110, n.o 47).

43      A este respeito, importa salientar, por um lado, que o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2011/64 autoriza o princípio de um «imposto especial de consumo […] misto» incluindo um elemento ad valorem e um elemento específico, que o referido artigo 14.o, n.o 1, alínea b), prevê que pode ser expresso em «montante por quilograma [ou] no caso de charutos e cigarrilhas, pelo número de unidades». Por outro lado, o artigo 14.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva especifica que o imposto especial de consumo global (específico e/ou ad valorem, líquido de IVA), expresso em percentagem ou em montante por quilograma ou por número de unidades, é pelo menos igual, para os «outros tabacos de fumar [a] 20 % do preço de venda ao público, incluindo todos os impostos, ou 22 [euros] por quilograma».

44      Ainda que resultasse destas disposições que o imposto especial de consumo misto só pode combinar um elemento ad valorem com um único «elemento específico», o imposto adicional em causa não é o resultado da combinação de um elemento ad valorem com dois «elementos específicos». Como salientou o Governo Alemão na audiência, resulta, pelo contrário, da dedução de um montante calculado com base em unidades de um montante calculado com base no peso.

45      Daqui decorre que está preenchido o segundo requisito imposto pelo artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 para que um imposto adicional como o que está em causa no processo principal possa ser qualificado de «outro imposto indireto cobrado, por motivos específicos, sobre um produto sujeito a impostos especiais de consumo».

46      Por outro lado, quanto à eventual distinção instituída pelo imposto adicional em causa entre os produtos pertencentes ao grupo dos «outros tabacos de fumar», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2011/64, em violação do artigo 14.o, n.o 3, dessa diretiva, há que sublinhar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 65 das suas conclusões, que as regras estabelecidas no referido artigo 14.o, n.o 3, visam assegurar a inexistência de tratamento fiscal discriminatório entre produtos cujas características essenciais e modo de consumo são, se não idênticos, pelo menos comparáveis.

47      Ora, como foi recordado no n.o 30 do presente acórdão, a categoria dos tabacos identificados como «outros tabacos de fumar» é uma categoria residual que não pode ser objeto de interpretação restritiva (Acórdão de 6 de abril de 2017, Eko‑Tabak, C‑638/15, EU:C:2017:277, n.o 24). Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 66 das suas conclusões, esta categoria inclui necessariamente produtos heterogéneos cujas características de fabrico e modo de consumo variam e que são mais diversificados do que os produtos incluídos nas duas outras categorias, a saber, os «cigarros» e os «charutos e cigarrilhas», nas quais os produtos são expressamente identificados. Nestas circunstâncias, a própria exigência de um tratamento fiscal idêntico para todos os produtos pertencentes a essa categoria residual pode criar discriminações e falsear a concorrência entre produtos de tabaco pertencentes ao mesmo grupo, em violação dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2011/64, conforme recordados no seu considerando 9.

48      Resulta dos fundamentos precedentes que há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «outro imposto indireto cobrado, por motivos específicos, sobre um produto sujeito a impostos especiais de consumo» abrange um imposto adicional aplicável ao tabaco aquecido, cujo montante ascende a 80 % do montante do imposto especial de consumo aplicável aos cigarros, após dedução do montante do imposto especial de consumo aplicável ao referido tabaco aquecido.

 Quanto à segunda e terceira questões

49      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda e terceira questões.

 Quanto às despesas

50      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «outro imposto indireto cobrado, por motivos específicos, sobre um produto sujeito a impostos especiais de consumo» abrange um imposto adicional aplicável ao tabaco aquecido, cujo montante ascende a 80 % do montante do imposto especial de consumo aplicável aos cigarros, após dedução do montante do imposto especial de consumo aplicável ao referido tabaco aquecido.

Assinaturas


*      Língua de processo: alemão.