Language of document : ECLI:EU:C:2024:230

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

14 de março de 2024 (*)

«Incumprimento de Estado — Artigo 258.° TFUE — Diretiva (UE) 2018/1972 — Código Europeu das Comunicações Eletrónicas — Falta de transposição e de comunicação das medidas de transposição — Artigo 260.°, n.° 3, TFUE — Pedido de condenação no pagamento de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária compulsória — Critérios para determinar o montante da sanção — Desistência parcial»

No processo C‑449/22,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° e do artigo 260.°, n.° 3, TFUE, que deu entrada em 7 de julho de 2022,

Comissão Europeia, representada por P. Caro de Sousa, U. Małecka, L. Malferrari e E. Manhaeve, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por P. Barros da Costa e A. Pimenta, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, exercendo funções de presidente de secção, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar que, ao não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO 2018, L 321, p. 36), até 21 de dezembro de 2020, ou, em qualquer caso, ao não ter informado a Comissão dessas disposições, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.°, n.° 1, desta diretiva;

–        condenar a República Portuguesa a pagar uma quantia fixa de 5 181,3 euros por dia a partir de 22 de dezembro de 2020 até ao cumprimento da sua obrigação de comunicação ou até à data de prolação do acórdão no presente processo e de, pelo menos, 1 286 000 euros;

–        condenar a República Portuguesa a pagar uma sanção pecuniária compulsória de 23 307,3 euros por dia a contar do dia em que o acórdão for proferido até ao cumprimento desta obrigação pelo referido Estado‑Membro, e

–        condenar a República Portuguesa no pagamento das despesas.

 Quadro jurídico

2        Os considerandos 2 e 3 da Diretiva 2018/1972 enunciam:

«(2)      A aplicação das cinco diretivas que formam parte do atual quadro regulamentar das redes e serviços de comunicações eletrónicos [...] está sujeit[a] a revisão periódica pela Comissão, com vista, em especial, a determinar a eventual necessidade de alteração à luz da evolução tecnológica e do mercado.

(3)      Na sua comunicação de 6 de maio de 2015 que estabelece uma Estratégia para o Mercado Único Digital para a Europa, a Comissão sustentou que a revisão do quadro regulamentar das telecomunicações incidiria sobre as medidas que visam promover o investimento nas redes de banda larga de elevado débito, que adotam uma abordagem mais coerente à escala do mercado interno no respeitante à política e à gestão do espetro de radiofrequências, que criam condições para a realização de um verdadeiro mercado interno, abordando a questão da fragmentação regulamentar, que garantem uma defesa dos consumidores eficaz, condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes no mercado e a aplicação coerente das regras, além de estabelecer um quadro regulamentar institucional mais eficaz.»

3        O artigo 1.° desta diretiva, com a epígrafe «Objeto, âmbito de aplicação e finalidade», prevê:

«1.      A presente diretiva estabelece um quadro harmonizado para a regulação das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas, dos recursos conexos e dos serviços conexos e de certos aspetos dos equipamentos terminais. A presente diretiva prevê as atribuições das autoridades reguladoras nacionais e, se for caso disso, de outras autoridades competentes e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a União [Europeia].

2.      A presente diretiva destina‑se a:

a)      Instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas que conduza a uma implantação e aceitação das redes de capacidade muito elevada, a uma concorrência sustentável e à interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, bem como à acessibilidade e segurança das redes e serviços, de que resultem benefícios para os utilizadores finais; e

b)      Assegurar a oferta em toda a União de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efetivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais, incluindo aqueles cuja deficiência os impede de aceder aos serviços em pé de igualdade com os demais, não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado, bem como estabelecer os direitos necessários dos utilizadores finais.

[...]»

4        O artigo 124.° da referida diretiva, com a epígrafe «Transposição», dispõe, no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros adotam e publicam, até 21 de dezembro de 2020, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

Os Estados‑Membros aplicam essas disposições a partir de 21 de dezembro de 2020.

As disposições adotadas pelos Estados‑Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. Tais disposições devem igualmente mencionar que as remissões, nas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor, para as diretivas revogadas pela presente diretiva se entendem como remissões para [a] presente diretiva. Os Estados‑Membros estabelecem o modo como deve ser feita a remissão e formulada a menção.»

 Procedimento précontencioso e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

5        Uma vez que a República Portuguesa não adotou as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2018/1972 em conformidade com o artigo 124.° da mesma, a Comissão enviou a este Estado‑Membro, em 3 de fevereiro de 2021, uma notificação para cumprir e deu‑lhe a oportunidade de apresentar observações.

6        Em 12 de abril de 2021, as autoridades portuguesas responderam a este ofício explicando as diferentes fases do procedimento que tinham sido iniciadas para transpor a Diretiva 2018/1972 para o direito português. Esclareceram, nomeadamente, que o Conselho de Ministros tinha aprovado uma proposta de lei para remessa ao Parlamento em 1 de abril de 2021 e que este projeto seria adotado no segundo trimestre de 2021.

7        Visto que não foram apresentadas informações adicionais quanto à transposição da Diretiva 2018/1972, a Comissão enviou um parecer fundamentado à República Portuguesa em 23 de setembro de 2021, solicitando a esta última que lhe desse cumprimento até 23 de novembro de 2021.

8        Em 25 de novembro de 2021, as autoridades portuguesas responderam a este parecer fundamentado, fornecendo à Comissão informações sobre o ponto da situação no que respeita à transposição da Diretiva 2018/1972, que estava atrasada devido a alterações das circunstâncias em Portugal, mas sem fornecer indicações sobre as possíveis datas de transposição da diretiva.

9        Tendo em conta que a República Portuguesa não tinha adotado as disposições necessárias para dar cumprimento à referida diretiva, a Comissão decidiu, em 6 de abril de 2022, propor a presente ação no Tribunal de Justiça.

10      Em 22 de abril de 2022, as autoridades portuguesas enviaram à Comissão uma carta, informando‑a de que o Conselho de Ministros tinha adotado uma proposta de lei para transposição da Diretiva 2018/1972 e comprometeram‑se a informar a Comissão do processo legislativo em curso.

11      Em 31 de maio de 2022, as autoridades portuguesas enviaram mais uma carta à Comissão, informando‑a de que a proposta de lei se encontrava em discussão na generalidade no Parlamento.

12      Por ofícios de 29 de junho e de 30 de junho de 2022, as autoridades portuguesas informaram a Comissão das várias etapas do processo e do calendário dos procedimentos legislativos relacionados com a transposição da Diretiva 2018/1972.

13      Em 7 de julho de 2022, a Comissão propôs a presente ação.

14      A República Portuguesa pede que o Tribunal de Justiça se digne, a título principal, julgar a presente ação improcedente e condenar a Comissão nas despesas, a título subsidiário, não aplicar qualquer tipo de sanção e, a título ainda mais subsidiário, eliminar a sanção pecuniária compulsória e reduzir o montante da quantia fixa proposto pela Comissão.

15      Em 25 de julho de 2022, a República Portuguesa enviou à Comissão informações sobre o cumprimento do calendário que este Estado‑Membro lhe tinha transmitido, bem como sobre a aprovação da proposta de lei mencionada no n.° 10 do presente acórdão e a votação parlamentar de 21 de julho de 2022. Esta comunicação foi acompanhada, nomeadamente, do texto desta proposta de lei conforme aprovado.

16      Em 16 de agosto de 2022, a República Portuguesa informou a Comissão da publicação, em Diário da República, da Lei n.° 16/2022, de 16 de agosto (a seguir «Lei n.° 16/2022»), que, segundo este Estado‑Membro, transpõe integralmente a Diretiva 2018/1972 para o ordenamento jurídico português.

17      Em 8 de setembro de 2022, a República Portuguesa transmitiu à Comissão um quadro de correspondência entre as disposições da Diretiva 2018/1972 e as disposições da Lei n.° 16/2022 (a seguir «quadro de correspondência»).

18      Em 18 de outubro e em 24 de outubro de 2022, este Estado‑Membro notificou à Comissão seis medidas nacionais suplementares de transposição da Diretiva 2018/1972.

19      Em 25 de outubro de 2022, o referido Estado‑Membro notificou à Comissão uma versão atualizada do quadro de correspondência.

20      Em 19 de dezembro de 2022, a fase escrita do presente processo foi encerrada.

21      No seu requerimento de 22 de março de 2023, a Comissão informou o Tribunal de Justiça de que a transposição da Diretiva 2018/1972 pela República Portuguesa podia ser considerada concluída em 25 de outubro de 2022 e desistiu parcialmente da sua ação, clarificando os seus pedidos de condenação deste Estado‑Membro no pagamento de uma quantia fixa no montante de 3 481 833,6 euros.

22      Em 17 de abril de 2023, a República Portuguesa apresentou as suas observações a respeito da desistência parcial da Comissão.

 Quanto à ação

 Quanto ao incumprimento ao abrigo do artigo 258.° TFUE

 Argumentos das partes

23      A Comissão recorda que, em conformidade com o artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE, os Estados‑Membros são obrigados a adotar as disposições necessárias para assegurar a transposição das diretivas para os respetivos ordenamentos jurídicos nacionais, dentro dos prazos nelas fixados, e a comunicar de imediato essas disposições à Comissão.

24      A Comissão esclarece que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

25      Ora, no caso em apreço, no termo daquele prazo, ou mesmo na data da propositura da presente ação, a República Portuguesa ainda não tinha adotado as disposições necessárias para transpor a Diretiva 2018/1972 para o seu direito nacional e, em todo o caso, não as tinha comunicado à Comissão.

26      No entender da Comissão, a República Portuguesa não contesta verdadeiramente o incumprimento de que é acusada, limitando‑se a apresentar circunstâncias de ordem prática e interna para o justificar. Contudo, estas circunstâncias não são suscetíveis de justificar a não transposição de uma diretiva no prazo nela previsto.

27      A República Portuguesa contrapõe, começando por afirmar que cumpriu plenamente as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2018/1972 com a publicação da Lei n.° 16/2022, que foi comunicada à Comissão no próprio dia da sua publicação em Diário da República.

28      Em seguida, este Estado‑Membro considera que uma eventual situação de incumprimento deve ser apreciada no quadro da complexidade desta diretiva, demonstrado pelo elevado número de procedimentos de infração contra outros Estados‑Membros, bem como pelo procedimento de transposição interna.

29      De qualquer modo, o momento da transposição da Diretiva 2018/1972 para o ordenamento jurídico português não afetou o funcionamento do mercado interno das comunicações eletrónicas, posto que esta diretiva procede apenas a uma reformulação das normas de um mercado já regulado. Ora, estas normas já foram transpostas para o ordenamento jurídico em questão.

30      Por último, a República Portuguesa agiu sempre com base num espírito de colaboração e cooperação leal com a Comissão, contrariamente a esta, que propôs a presente ação apenas um mês antes da publicação da Lei n.° 16/2022 em Diário da República. A Comissão ignorou, deste modo, as informações que este Estado‑Membro lhe tinha comunicado sobre o processo legislativo de transposição da Diretiva 2018/1972, incluindo sobre o cumprimento do calendário legislativo, e os esforços que as autoridades portuguesas dedicaram a este complexo processo.

31      Na sua réplica, a Comissão sustenta que os argumentos invocados pela República Portuguesa não são suficientes para afastar a situação de incumprimento.

32      Antes de mais, o facto de a Lei n.° 16/2022 ter sido notificada à Comissão no próprio dia da sua publicação não é suscetível de sanar o incumprimento imputado. Com efeito, por um lado, o quadro de correspondência só foi comunicado à Comissão em 8 de setembro de 2022, pelo que esta é a primeira data em que se poderia potencialmente considerar que a República Portuguesa não se encontrava em incumprimento, e, por outro, este Estado‑Membro comunicou outras medidas de transposição em outubro de 2022. De qualquer modo, a data pertinente para apreciar a existência de um incumprimento é a data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, isto é, no caso em apreço, 23 de novembro de 2021.

33      Em seguida, a pretensa complexidade da Diretiva 2018/1972 não é suscetível de afastar o incumprimento em questão.

34      Além disso, os argumentos da República Portuguesa relativos à suposta falta de impacto do incumprimento no mercado interno são irrelevantes e, de qualquer modo, não têm fundamento, uma vez que a não transposição da Diretiva 2018/1972 levou, no caso em apreço, a uma falta de harmonização da regulação de telecomunicações ao nível europeu com efeitos negativos para o mercado e os seus participantes, bem como para a governação do sistema de comunicações eletrónicas, a autorização do espetro e as regras de acesso ao mercado, com prejuízo tanto das empresas como dos consumidores.

35      Finalmente, a cooperação da República Portuguesa com a Comissão é irrelevante para determinar se existiu uma infração ao direito da União.

36      Na sua tréplica, a República Portuguesa acrescenta, em primeiro lugar, que as medidas notificadas após a publicação da Lei n.° 16/2022, isto é, em 16 de agosto de 2022, foram todas adotadas antes desta data e notificadas a pedido da Comissão. Em seguida, alega que a obrigação de comunicação diz respeito às medidas de transposição da Diretiva 2018/1972 e não ao quadro de correspondência. Por último, sustenta que a ação proposta ao abrigo do artigo 260.°, n.° 3, TFUE não tem por objeto o controlo da correta transposição da diretiva em causa, uma vez que devem distinguir‑se os casos de não comunicação e de não transposição dos casos de transposição incorreta, sendo que, nestes últimos, uma sanção pecuniária só pode ser aplicada após uma ação que declare o incumprimento com base no artigo 260.°, n.° 2, TFUE.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

37      Segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro em causa tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não podendo as alterações posteriores ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 15 e jurisprudência referida].

38      Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que, se uma diretiva previr expressamente a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que as disposições necessárias à sua transposição incluam uma remissão para essa diretiva ou sejam acompanhadas dessa remissão aquando da sua publicação oficial é, de qualquer modo, necessário que os Estados‑Membros adotem um ato positivo de transposição da diretiva em causa [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 16 e jurisprudência referida].

39      No caso em apreço, o prazo de resposta ao parecer fundamentado terminou em 23 de novembro de 2021. Por conseguinte, há que apreciar a existência ou não do incumprimento alegado à luz do estado da legislação interna em vigor nessa data [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 17 e jurisprudência referida].

40      A este respeito, é facto assente que, na referida data, a República Portuguesa não tinha adotado as medidas necessárias para assegurar a transposição da Diretiva 2018/1972 nem, por conseguinte, comunicado estas medidas à Comissão.

41      Para justificar o alegado incumprimento, a República Portuguesa invoca vários argumentos relativos, primeiro, à adoção da Lei n.° 16/2022, comunicada à Comissão no dia da respetiva publicação em Diário da República, segundo, à complexidade da Diretiva 2018/1972, terceiro, à falta de impacto do atraso na transposição desta diretiva para o direito português no funcionamento do mercado interno das comunicações eletrónicas e, quarto, ao seu espírito de colaboração e de cooperação leal com a Comissão.

42      Ora, estes argumentos não permitem justificar o incumprimento imputado pela Comissão.

43      Com efeito, primeiro, conforme resulta dos n.os 37 e 39 do presente acórdão, a data relevante para apreciar a existência do incumprimento imputado pela Comissão é 23 de novembro de 2021. Ora, a Lei n.° 16/2022 foi adotada depois dessa data.

44      Segundo, a pretensa complexidade da Diretiva 2018/1972 não permite afastar o incumprimento em questão. Com efeito, quando o legislador da União fixou o prazo de transposição desta diretiva, conhecia o grau de complexidade da mesma e, de qualquer modo, competia exclusivamente a este legislador prorrogar esse prazo e não aos Estados‑Membros derrogá‑lo, nem à Comissão tolerar tais derrogações. Ora, a República Portuguesa não alega ter adotado as iniciativas necessárias para tentar obter essa prorrogação.

45      Terceiro, a pretensa falta de impacto do incumprimento imputado à República Portuguesa no mercado interno não é relevante para demonstrar a existência deste incumprimento, que tem uma natureza objetiva.

46      Quarto, o facto de a República Portuguesa ter cooperado com a Comissão também não é relevante para apreciar a existência do referido incumprimento, uma vez que os Estados‑Membros e as instituições da União têm, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, o dever de cooperar entre si, e que este dever inclui também a transposição correta e completa das diretivas, nos prazos nelas previstos.

47      Por conseguinte, há que concluir que, ao não ter adotado, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2018/1972 e, consequentemente, ao não ter comunicado estas disposições à Comissão, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.°, n.° 1, desta diretiva.

 Quanto aos pedidos apresentados ao abrigo do artigo 260.°, n.° 3, TFUE

 Quanto ao pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória

48      Conforme salientado no n.° 21 do presente acórdão, a Comissão reconheceu, no seu requerimento de 22 de março de 2023, que se podia considerar que a transposição da Diretiva 2018/1972 ficou concluída em 25 de outubro de 2022 e, por conseguinte, retirou o seu pedido de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória.

49      Atento o exposto, já não há que decidir quanto a este pedido.

 Quanto ao pedido de condenação no pagamento de uma quantia fixa

–       Argumentos das partes

50      A Comissão alega, por um lado, que a Diretiva 2018/1972 foi adotada de acordo com o processo legislativo ordinário e que, por conseguinte, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 260.°, n.° 3, TFUE e, por outro, que o incumprimento pela República Portuguesa da obrigação prevista no artigo 124.° desta diretiva, ao não lhe ter comunicado as disposições de transposição desta última, constitui manifestamente uma falta de comunicação das medidas de transposição da referida diretiva, na aceção do artigo 260.°, n.° 3, TFUE.

51      A Comissão recorda que, no ponto 23 da sua Comunicação 2011/C 12/01, intitulada «Aplicação do artigo 260.°, n.° 3, do TFUE» (JO 2011, C 12, p. 1) (a seguir «Comunicação de 2011»), esclareceu que as sanções que proporá nos termos do artigo 260.°, n.° 3, TFUE serão calculadas de acordo com o mesmo método utilizado para as ações intentadas no Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 260.°, n.° 2, TFUE, conforme o estabelecido nos pontos 14 a 18 da Comunicação SEC(2005) 1658, intitulada «Aplicação do artigo [260.° TFUE]» (a seguir «Comunicação de 2005»).

52      Por conseguinte, a determinação da sanção deve basear‑se, em primeiro lugar, na gravidade da infração, em segundo lugar, na sua duração e, em terceiro lugar, na necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da própria sanção, para evitar reincidências.

53      Em primeiro lugar, quanto à gravidade da infração, em conformidade com o ponto 16 da Comunicação de 2005 e a Comunicação de 2011, a Comissão fixa o coeficiente de gravidade tendo em conta dois parâmetros, a saber, por um lado, a importância das regras da União objeto da infração e, por outro, as suas consequências para os interesses gerais e individuais em causa.

54      Assim, por um lado, a Comissão salienta que a Diretiva 2018/1972 é o principal ato legislativo no domínio das comunicações eletrónicas. Antes de mais, o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (a seguir «CECE») moderniza o quadro regulamentar da União para as comunicações eletrónicas, reforçando as escolhas e os direitos dos consumidores, garantindo padrões mais elevados de serviços de comunicação, promovendo o investimento em redes de capacidade muito elevada e o acesso sem fios à conectividade de capacidade muito elevada em toda a União. Em seguida, o CECE estabelece regras para a organização do setor das comunicações eletrónicas, incluindo a estrutura institucional e a governação deste último. Reforça o papel das autoridades reguladoras nacionais, estabelecendo um conjunto mínimo de competências para tais autoridades, e reforçando a sua independência através do estabelecimento de critérios para nomeações e obrigações de comunicação de informações. Além disso, o CECE assegura ainda uma gestão eficaz e eficiente do espetro radioelétrico (a seguir «espetro»). Reforça a coerência das práticas dos Estados‑Membros no que diz respeito a aspetos essenciais da autorização de espetro. As alterações introduzidas pelo CECE promovem a concorrência entre infraestruturas e a implantação de redes de capacidade muito elevada em toda a União. Por último, o CECE regulamenta diferentes aspetos da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, incluindo as obrigações de serviço universal, os recursos de numeração e os direitos dos utilizadores finais. O reforço destas regras visa aumentar a segurança e a proteção dos consumidores, em especial no que diz respeito ao acesso a estes serviços a preços acessíveis.

55      Por outro lado, a não transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito português, primeiro, prejudica a prática regulamentar em toda a União no que diz respeito à governação do sistema de comunicações eletrónicas, à autorização do espetro e às regras de acesso ao mercado. Como consequência, as empresas não beneficiam de processos mais consistentes e previsíveis para a concessão ou renovação dos direitos de utilização do espetro existentes, nem da previsibilidade regulamentar que resulta da duração mínima de 20 anos das licenças de utilização do espetro. Estas deficiências influenciam diretamente a disponibilidade e a adoção de redes de capacidade muito elevada na União. Segundo, os consumidores não podem usufruir de uma série de benefícios tangíveis que lhes são conferidos por esta diretiva, como soluções relativas ao acesso à oferta de serviços de comunicações a preços acessíveis, a exigência de lhes fornecer informações claras sobre os contratos, a obrigação de clareza das tarifas, a facilitação da mudança de fornecedor de redes para promover preços de retalho mais acessíveis e a obrigação de os operadores oferecerem um acesso equivalente aos serviços de comunicação para os utilizadores finais com deficiência.

56      Uma vez que não identificou fatores agravantes ou atenuantes, a Comissão propõe um coeficiente de gravidade de 10 no presente processo.

57      Em segundo lugar, no que respeita à duração do incumprimento, a Comissão sustenta que esta corresponde ao período que começa no dia seguinte ao termo do prazo de transposição da Diretiva 2018/1972, isto é, 22 de dezembro de 2020, e vai até à data em que o incumprimento em causa cessou, isto é, o dia anterior ao dia em que a República Portuguesa cumpriu as suas obrigações, em 25 de outubro de 2022, ou seja, a data em que este Estado‑Membro lhe comunicou a versão atualizada do quadro de correspondência, conforme referido no n.° 19 do presente acórdão. Resulta do exposto que o incumprimento durou 672 dias.

58      Em terceiro lugar, quanto à capacidade de pagamento da República Portuguesa, a Comissão aplicou o fator «n» previsto na sua Comunicação 2019/C 70/01, intitulada «Alteração do método de cálculo relativo aos pagamen[t]os de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária propostos pela Comissão em processos por infração submetidos ao Tribunal de Justiça da União Europeia» (JO 2019, C 70, p. 1). Este fator tem em conta dois elementos, a saber, o produto interno bruto (PIB) e o peso institucional do Estado‑Membro em causa, expresso pelo número de lugares atribuídos a este Estado‑Membro no Parlamento Europeu.

59      Ainda que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel) (C‑51/20, EU:C:2022:36), já tenha posto em causa a relevância tanto deste segundo elemento como do coeficiente de ajustamento de 4,5 previstos naquela comunicação, a Comissão decidiu, contudo, aplicar no caso em apreço os critérios nela previstos, enquanto se aguarda a adoção de uma nova comunicação que tenha em conta esta jurisprudência recente do Tribunal de Justiça.

60      Assim, em conformidade com a Comunicação 2022/C 74/02, intitulada «Atualização dos dados utilizados no cálculo das quantias fixas e das sanções pecuniárias compulsórias que a Comissão proporá ao Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito dos processos por infração» (JO 2022, C 74, p. 2) (a seguir «Comunicação de 2022»), o fator «n» para Portugal é de 0,57.

61      No que respeita à fixação do montante da quantia fixa, resulta do ponto 20 da Comunicação de 2005 que esta deve ter pelo menos um montante fixo mínimo, refletindo o princípio de que qualquer caso de incumprimento persistente do direito da União representa em si mesmo, independentemente de qualquer circunstância agravante, uma violação do princípio da legalidade numa comunidade de direito, que exige uma sanção efetiva. Em conformidade com a Comunicação de 2022, a quantia fixa mínima para a República Portuguesa é de 1 286 000 euros.

62      Em aplicação do método estabelecido pelas Comunicações de 2005 e de 2011, se o resultado do cálculo da quantia fixa excedesse esta quantia fixa mínima, a Comissão propunha ao Tribunal de Justiça que determinasse a quantia fixa através da multiplicação de um montante diário pelo número de dias correspondente à duração da infração, neste caso 672 dias.

63      Assim, o montante diário da quantia fixa deve ser calculado multiplicando a quantia fixa de base uniforme para efeitos do cálculo do montante diário da quantia fixa pelo coeficiente de gravidade e pelo fator «n». Ora, esta quantia fixa de base uniforme é, de acordo com a Comunicação de 2022, de 909 euros. No caso em apreço, o coeficiente de gravidade é de 10. O fator «n» para Portugal é de 0,57. Resulta do exposto que o montante da quantia fixa é de 5 181,3 euros por dia.

64      Por conseguinte, o montante da quantia fixa é de 3 481 833,6 euros.

65      A República Portuguesa contrapõe afirmando, em primeiro lugar, que o pedido da Comissão de aplicação de uma quantia fixa deverá ter em conta a finalidade visada pela natureza desta sanção, como decorre do artigo 260.°, n.° 3, TFUE. A este respeito, o método seguido nas comunicações da Comissão é discutível e cabe apenas ao Tribunal de Justiça adotar a decisão de aplicação da sanção prevista nessa disposição, apreciando livremente as circunstâncias do caso concreto.

66      Neste contexto, a República Portuguesa recorda, primeiro, que a transposição da Diretiva 2018/1972 teve lugar por ocasião da dissolução antecipada da Assembleia da República, em seguida, que, neste Estado‑Membro, o PIB per capita, expresso em paridades de poder de compra, foi o sétimo mais baixo da União em 2021, ou seja, um PIB per capita 26 % abaixo da média da União, de acordo com os dados do Serviço de Estatística da União Europeia (Eurostat), e, por último, que a própria complexidade desta diretiva conduziu a uma transposição tardia da mesma pela maioria dos Estados‑Membros. A isto acresceram os impactos da pandemia de COVID‑19, agravados pelos impactos do conflito russo‑ucraniano na inflação e no PIB.

67      Por outro lado, atendendo a que a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito português já se concretizou, a finalidade de uma sanção no caso em apreço é desprovida de sentido e a sua aplicação manifestamente desproporcionada e extemporânea.

68      Em segundo lugar, a República Portuguesa contesta o método de cálculo seguido pela Comissão.

69      No que respeita, antes de mais, à gravidade do incumprimento alegado, a República Portuguesa, embora reconhecendo a importância do regime introduzido pela Diretiva 2018/1972 para a atualização do setor das comunicações eletrónicas, considera que os interesses dos consumidores não foram lesados, uma vez que já existia uma legislação que permitia o funcionamento do mercado interno das comunicações eletrónicas, pelo que o atraso na transposição desta diretiva não paralisou o funcionamento deste mercado. Com efeito, tendo em conta a situação de atraso generalizado nos processos de transposição da referida diretiva para os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros, a aplicabilidade do CECE só poderia ocorrer, maioritariamente, após 28 de julho de 2022, data em que foram notificadas à Comissão as últimas medidas nacionais de transposição daquela diretiva. Por conseguinte, e atendendo a que a Lei n.° 16/2022 só transpôs a Diretiva 2018/1972 21 dias após a notificação da última destas medidas, a utilização do coeficiente de «gravidade» deve ser ponderada face às reais consequências do pretenso incumprimento na situação de facto. Na realidade, tendo em conta a situação generalizada do mercado único, este último não foi afetado objetivamente pelo atraso na transposição desta diretiva para o ordenamento jurídico português.

70      Neste contexto, foi erradamente que a Comissão não reconheceu a existência de fatores atenuantes. Com efeito, estes fatores prendem‑se com o seguinte. Primeiro, a circunstância factual verificada em Portugal à época, designadamente, a dissolução da Assembleia da República e a queda do Governo então em funções, impossibilitou que o diploma, ainda que já em avançado procedimento legislativo na anterior Legislatura, pudesse ser aprovado e publicado, de acordo com o regime constitucional nacional. No entanto, esta lei foi uma das primeiras leis a ser aprovada e publicada após o novo Governo entrar em funções. Segundo, a complexidade da própria Diretiva 2018/1972 deu origem a atrasos na sua transposição pela maioria dos Estados‑Membros, o que ilustra bem a dificuldade objetiva desta transposição. Terceiro, a pandemia de COVID‑19 teve consequências inesperadas no procedimento legislativo de transposição desta diretiva. Com efeito, a declaração de vários estados de emergência obrigou a um confinamento obrigatório que limitou e condicionou a atividade e o funcionamento de vários serviços do Estado português por longos períodos de tempo. Quarto, trata‑se da primeira ação por incumprimento proposta contra a República Portuguesa por falta de transposição de uma diretiva, o que exclui qualquer tipo de reincidência. Quinto, as intervenções das autoridades portuguesas, sedimentadas num diálogo constante e transparente com a Comissão, refletem o empenho deste Estado‑Membro na resolução da situação e demonstram a sua cooperação leal com a Comissão.

71      Em seguida, no que se refere à duração do incumprimento, a República Portuguesa contrapõe que a comunicação de quadros de correspondência entre as disposições de uma diretiva e as disposições das medidas nacionais de transposição desta tem um caráter meramente complementar em relação a estas medidas, pelo que a data de cessação do incumprimento não pode ser a data em que estes quadros foram comunicados à Comissão. Consequentemente, no caso em apreço, a data de cessação do incumprimento é 16 de agosto de 2022, data em que a Lei n.° 16/2022, que transpõe integralmente a Diretiva 2018/1972, foi publicada em Diário da República e comunicada à Comissão, ao passo que todas as comunicações efetuadas após esta data disseram apenas respeito a informações de caráter administrativo, por vezes solicitadas pela própria Comissão.

72      De qualquer modo, se o Tribunal de Justiça considerar que o quadro de correspondência é relevante para efeitos da determinação da data de cessação do alegado incumprimento, a data a ter em conta é 8 de setembro de 2022, ou seja, a data em que o Governo Português comunicou à Comissão este quadro, acompanhado de informações mais detalhadas.

73      Por último, quanto à capacidade de pagamento de Portugal, a República Portuguesa alega que o método seguido pela Comissão na sua Comunicação 2019/C 70/01, referido no n.° 58 do presente acórdão, deve ser revisto, e que o Tribunal de Justiça deve fazer uso do amplo poder de apreciação de que dispõe a este respeito. Em especial, a inflação e as consequências do conflito russo‑ucraniano devem ser tidas em conta. De resto, o Tribunal de Justiça já reconheceu a importância da inflação e do PIB dos Estados‑Membros para aferir a sua capacidade de pagamento.

74      Em terceiro lugar, a República Portuguesa contesta os cálculos da Comissão. Salienta que uma eventual condenação no pagamento de uma quantia fixa e, se for o caso, a fixação do montante desta quantia devem atender a todos os elementos pertinentes relacionados tanto com as características do incumprimento verificado como com a atitude do Estado‑Membro em causa. A este respeito, a aplicação de uma quantia fixa visa, antes de mais, um efeito dissuasivo que deve ter em conta esta atitude e o princípio da proporcionalidade.

75      Ora, segundo a República Portuguesa, antes de mais, uma vez que a situação levada a juízo pela Comissão se deve a um conjunto de circunstâncias objetivas e que nunca tinha sido intentada uma ação por incumprimento ao abrigo do artigo 260.°, n.° 3, TFUE contra este Estado‑Membro, não há necessidade objetiva de corrigir qualquer conduta das autoridades portuguesas. Na verdade, o atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 ficou a dever‑se a razões de força maior. Com efeito, foi objetivamente impossível ao referido Estado‑Membro transpor esta diretiva no prazo nela previsto.

76      Em seguida, no que respeita ao impacto deste atraso no mercado interno, não existe qualquer finalidade reparadora que justifique uma condenação no pagamento de uma quantia fixa. A transposição da Diretiva 2018/1972 sofreu um atraso generalizado nos Estados‑Membros, pelo que a situação portuguesa não perturba o funcionamento harmonioso e coeso do quadro europeu das comunicações eletrónicas.

77      Por fim, ainda que o Tribunal de Justiça considere ser de aplicar uma sanção, afigura‑se necessária a ponderação de todas as razões expostas na revisão, substancialmente em baixa, do cálculo da quantia fixa indicado pela Comissão.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

78      Tendo presente que, conforme resulta do n.o 47 do presente acórdão, é facto assente que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República Portuguesa não tinha comunicado à Comissão nenhuma medida de transposição da Diretiva 2018/1972, na aceção do artigo 260.°, n.° 3, TFUE, o incumprimento declarado a este título está abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição.

79      É jurisprudência constante que a finalidade da condenação no pagamento de uma quantia fixa ao abrigo da referida disposição assenta na apreciação das consequências da não execução das obrigações do Estado‑Membro em causa para os interesses privados e públicos, em especial quando o incumprimento tiver persistido por um longo período [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 54 e jurisprudência referida].

80      No que respeita à oportunidade de impor uma quantia fixa no caso em apreço, cabe recordar que incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que considere necessário, decretar as sanções pecuniárias adequadas, nomeadamente para evitar a repetição de infrações análogas ao direito da União [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 69 e jurisprudência referida].

81      No presente processo, há que considerar que, não obstante o facto de a República Portuguesa ter cooperado com os serviços da Comissão durante todo o procedimento pré‑contencioso e de ter mantido estes últimos informados das razões que a impediram de assegurar a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito português, o conjunto dos elementos de facto e de direito que envolvem o incumprimento declarado, nomeadamente a falta total de comunicação das medidas necessárias a esta transposição no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado e mesmo na data da propositura da presente ação, constitui um indicador de que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas ao direito da União pode exigir a adoção de uma medida dissuasiva, como a imposição de uma quantia fixa [v., por analogia, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 70 e jurisprudência referida].

82      Esta apreciação não é posta em causa pela argumentação da República Portuguesa, exposta nos n.os 66 e 67 do presente acórdão.

83      Com efeito, primeiro, o facto de a transposição da Diretiva 2018/1972 ter ocorrido no momento da dissolução antecipada da Assembleia da República não pode ser invocado para justificar o incumprimento das obrigações do direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.os 72 e 78 e jurisprudência referida].

84      Segundo, embora o PIB per capita do Estado‑Membro em causa constitua um elemento que pode ser tido em consideração para efeitos do cálculo do montante de uma sanção pecuniária, não pode ser relevante para apreciar a oportunidade da aplicação da sanção.

85      Terceiro, o mesmo se aplica à complexidade da Diretiva 2018/1972 e ao facto de esta ter sido transposta tardiamente por outros Estados‑Membros. Por outro lado, a República Portuguesa não solicitou ao legislador da União uma prorrogação do prazo de transposição da referida diretiva e este considerou que esta não apresentava dificuldades que impedissem os Estados‑Membros de a transpor no prazo previsto no seu artigo 124.° A posição dos restantes Estados‑Membros a este respeito é irrelevante para apreciar a existência do incumprimento alegado.

86      Quarto, no que toca aos efeitos da pandemia de COVID‑19, que foi declarada no início de 2020, não está provado, e nem sequer é alegado, que esta explique o atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 pela República Portuguesa.

87      Quinto, em relação ao conflito russo‑ucraniano, iniciado em fevereiro de 2022, e aos seus impactos na inflação e no PIB, basta salientar que este evento, admitindo que é suscetível de afetar a capacidade de um Estado‑Membro cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União, só ocorreu após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2018/1972, que o seu artigo 124.° fixava em 21 de dezembro de 2020.

88      Sexto, embora a transposição da Diretiva 2018/1972 para o ordenamento jurídico português após o termo deste prazo possa justificar, como, aliás, a própria Comissão salientou no seu requerimento de 22 de março de 2023, através do qual desistiu parcialmente da sua ação, que se renuncie à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, a mesma não contraria a finalidade da aplicação de uma quantia fixa, recordada no n.° 79 do presente acórdão. Com efeito, é o atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 que pode ter consequências para os interesses privados e públicos, nomeadamente se esse incumprimento persistiu por um longo período.

89      Atendendo ao exposto, é adequado impor uma quantia fixa à República Portuguesa.

90      No que diz respeito ao cálculo dessa quantia fixa, há que recordar que, no exercício do seu poder de apreciação na matéria, tal como delimitado pelas propostas da Comissão, cabe ao Tribunal de Justiça estabelecer o montante da quantia fixa em cujo pagamento um Estado‑Membro pode ser condenado por força do artigo 260.°, n.° 3, TFUE, de forma que seja, por um lado, adequada às circunstâncias e, por outro, proporcionada à infração cometida. Entre os fatores pertinentes para esse efeito figuram, designadamente, elementos como a gravidade do incumprimento declarado, o período durante o qual este subsistiu, bem como a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 73 e jurisprudência referida].

91      No que diz respeito, em primeiro lugar, à gravidade da infração, há que recordar que a obrigação de adotar as medidas nacionais para assegurar a transposição completa de uma diretiva e a obrigação de comunicar essas medidas à Comissão constituem obrigações essenciais dos Estados‑Membros para assegurar a plena efetividade do direito da União e que o incumprimento destas obrigações deve, como tal, ser considerado de uma certa gravidade [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 74 e jurisprudência referida].

92      No caso em apreço, importa observar que, como resulta do n.° 47 do presente acórdão, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, ou seja, em 23 de novembro de 2021, a República Portuguesa não tinha cumprido as obrigações de transposição que lhe incumbiam por força da Diretiva 2018/1972, pelo que a plena efetividade do direito da União não foi assegurada. À gravidade deste incumprimento acresce o facto de, naquela data, a República Portuguesa não ter comunicado ainda nenhuma medida de transposição desta diretiva.

93      Além disso, como salienta a Comissão, a Diretiva 2018/1972 é o principal ato legislativo no domínio das comunicações eletrónicas.

94      Em especial, antes de mais, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2018/1972, esta «estabelece um quadro harmonizado para a regulação das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas, dos recursos conexos e dos serviços conexos e de certos aspetos dos equipamentos terminais. […] [P]revê as atribuições das autoridades reguladoras nacionais e, se for caso disso, de outras autoridades competentes e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a União».

95      Em seguida, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, desta diretiva, esta destina‑se a, por um lado, instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas que conduza a uma implantação e aceitação das redes de capacidade muito elevada, a uma concorrência sustentável e à interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, bem como à acessibilidade e segurança das redes e serviços, de que resultem benefícios para os utilizadores finais, e, por outro, assegurar a oferta em toda a União de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efetivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais, incluindo aqueles cuja deficiência os impede de aceder aos serviços em pé de igualdade com os demais, não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado, bem como estabelecer os direitos necessários dos utilizadores finais.

96      Por último, conforme decorre dos considerandos 2 e 3 da referida diretiva, esta introduz alterações no quadro regulamentar em vigor antes da sua adoção para refletir a evolução tecnológica e do mercado.

97      É certo, como salienta a República Portuguesa, que o domínio em causa já está regulado por outros atos de direito da União que são alterados ou substituídos pela Diretiva 2018/1972.

98      No entanto, a referida diretiva não se limita a codificar tais atos. Com efeito, como a Comissão salienta, sem ser contestada pela República Portuguesa, o CECE reforça, nomeadamente, as escolhas e os direitos dos consumidores, garantindo padrões mais elevados de serviços de comunicação, bem como o papel das autoridades reguladoras nacionais, estabelecendo um conjunto mínimo de competências para tais autoridades e reforçando a sua independência através do estabelecimento de critérios para nomeações e obrigações de comunicação de informações. Além disso, o CECE regulamenta diferentes aspetos da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, incluindo as obrigações de serviço universal, os recursos de numeração e os direitos dos utilizadores finais. O reforço das regras de organização do setor das comunicações eletrónicas estabelecidas pelo CECE visa aumentar a segurança e a proteção dos consumidores, em especial no que diz respeito ao acesso a estes serviços a preços acessíveis.

99      Ora, como a Comissão alega, com razão, a falta de transposição da Diretiva 2018/1972 pela República Portuguesa, primeiro, prejudica a prática regulamentar em toda a União no que diz respeito à governação do sistema de comunicações eletrónicas, à autorização do espetro e às regras de acesso ao mercado. Como consequência, as empresas não beneficiam de processos mais consistentes e previsíveis para a concessão ou renovação dos direitos de utilização do espetro existentes, nem da previsibilidade regulamentar que resulta da duração mínima de 20 anos das licenças de utilização do espetro. Estas deficiências influenciam diretamente a disponibilidade e a adoção de redes de capacidade muito elevada na União. Segundo, os consumidores não podem usufruir de uma série de benefícios tangíveis que lhes são conferidos por esta diretiva, tais como soluções relativas ao acesso à oferta de serviços de comunicações a preços acessíveis, a exigência de informações claras sobre os contratos, a obrigação de clareza das tarifas, a facilitação da mudança de fornecedor de redes para promover preços de retalho mais acessíveis, e a obrigação de os operadores oferecerem um acesso equivalente aos serviços de comunicação para os utilizadores finais com deficiência.

100    No que respeita, em segundo lugar, à duração da infração, há que recordar que esta deve, em princípio, ser avaliada tendo em conta a data em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos e que deve considerar‑se que esta apreciação dos factos ocorreu na data do encerramento do processo [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.° 79 e jurisprudência referida].

101    No que respeita, por um lado, ao início do período que deve ser tido em conta para estabelecer o montante da quantia fixa a impor nos termos do artigo 260.°, n.° 3, TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que, ao contrário da sanção pecuniária compulsória diária, a data a ter em conta para a avaliação da duração do incumprimento em causa não é a do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, mas a data em que termina o prazo de transposição previsto pela diretiva em questão [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑549/18, EU:C:2020:563, n.° 79, e de 16 de julho de 2020, Comissão/Irlanda (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑550/18, EU:C:2020:564, n.° 90].

102    No caso em apreço, não se contesta validamente que, no termo do prazo de transposição previsto no artigo 124.° da Diretiva 2018/1972, ou seja, em 21 de dezembro de 2020, a República Portuguesa não tinha adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para assegurar a transposição desta diretiva, nem as tinha, por conseguinte, comunicado à Comissão.

103    Por outro lado, é facto assente que o incumprimento declarado no n.° 47 do presente acórdão cessou.

104    No entanto, as partes não estão de acordo quanto à data de cessação do incumprimento. No entender da Comissão, este incumprimento cessou na data em que a República Portuguesa comunicou a versão atualizada do quadro de correspondência, isto é, em 25 de outubro de 2022. Em contrapartida, segundo a República Portuguesa, o referido incumprimento cessou na data em que comunicou a Lei n.° 16/2022 à Comissão, ou seja, em 16 de agosto de 2022.

105    Ora, há que recordar, a este respeito, que a finalidade do artigo 260.°, n.° 3, TFUE é não apenas incentivar os Estados‑Membros a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento que, na falta de tal medida, tenderia a persistir, mas também aligeirar e acelerar o processo de aplicação de sanções pecuniárias nos casos de incumprimento da obrigação de comunicação de uma medida nacional de transposição de uma diretiva adotada de acordo com o processo legislativo, a fim de garantir que os Estados‑Membros cumprem as obrigações que lhes incumbem por força do direito da União e adotam todas as disposições legislativas, administrativas e regulamentares necessárias para transpor essa diretiva para os respetivos ordenamentos jurídicos [v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (Artigo 260.°, n.° 3, TFUE — Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.° 52 e jurisprudência referida].

106    Com efeito, a comunicação a que os Estados‑Membros devem proceder, em conformidade com o artigo 260.°, n.° 3, TFUE, lido à luz do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, visa facilitar o cumprimento da missão da Comissão que consiste, designadamente, segundo o artigo 17.° TUE, em velar pela aplicação das disposições dos Tratados, bem como das disposições adotadas pelas instituições por força destes. Por conseguinte, essa comunicação deve conter informações suficientemente claras e precisas quanto ao conteúdo das normas nacionais que transpõem uma diretiva. Assim, a referida comunicação, que pode ser acompanhada de um quadro de correspondência entre as disposições desta diretiva e as dessas normas, deve indicar sem ambiguidade quais são as medidas legislativas, regulamentares e administrativas através das quais o Estado‑Membro em causa considera ter cumprido as diferentes obrigações que a referida diretiva lhe impõe. Ora, na falta de tal informação, a Comissão não pode verificar se o Estado‑Membro aplicou efetiva e completamente a diretiva em causa. O incumprimento desta obrigação de comunicação por um Estado‑Membro, seja por falta total ou parcial de informação ou por uma informação insuficientemente clara e precisa, pode, por si só, justificar a abertura do procedimento previsto no artigo 260.°, n.° 3, TFUE com vista a obter a declaração deste incumprimento [v., por analogia com o artigo 258.° TFUE, Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (Artigo 260.°, n.° 3, TFUE — Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.° 51 e jurisprudência referida].

107    Resulta do exposto que, embora seja certo que a comunicação prevista nesta disposição pode ser acompanhada daquele quadro de correspondência, o objeto desta comunicação é limitado às informações que referem quais são as medidas legislativas, regulamentares e administrativas através das quais o Estado‑Membro em causa considera ter cumprido as diferentes obrigações que lhe são impostas pela diretiva em causa.

108    Ora, no caso em apreço, em 16 de agosto de 2022, a República Portuguesa notificou a Lei n.° 16/2022 à Comissão, considerando que esta lei transpunha integralmente a Diretiva 2018/1972 para o seu ordenamento jurídico nacional.

109    Por conseguinte, foi através desta comunicação que a República Portuguesa pôs termo ao incumprimento declarado no n.° 47 do presente acórdão.

110    Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que os termos «obrigação de comunicar as medidas de transposição», que figuram no artigo 260.°, n.° 3, TFUE, se referem à obrigação dos Estados‑Membros de transmitirem informações suficientemente claras e precisas sobre as medidas de transposição de uma diretiva. A fim de satisfazer a obrigação de segurança jurídica e de assegurar a transposição de todas as disposições dessa diretiva em todo o território em causa, os Estados‑Membros devem indicar, para cada disposição da referida diretiva, a disposição ou as disposições nacionais que asseguram a sua transposição. Uma vez feita essa comunicação, eventualmente acompanhada da apresentação de um quadro de correspondência, incumbe à Comissão demonstrar, com vista a solicitar a aplicação ao Estado‑Membro em causa de uma sanção pecuniária prevista nessa disposição, que certas medidas de transposição estão manifestamente em falta ou não abrangem todo o território deste Estado‑Membro, entendendo‑se que não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito do processo jurisdicional iniciado em aplicação do artigo 260.°, n.° 3, TFUE, examinar se as medidas nacionais comunicadas à Comissão asseguram uma transposição correta das disposições da diretiva em causa [Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (Artigo 260.°, n.° 3, TFUE — Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.° 59].

111    Ora, no caso em apreço, a Comissão não alegou que, embora a Lei n.° 16/2022 tenha sido adotada, certas medidas de transposição da Diretiva 2018/1972 ainda estavam manifestamente em falta ou não abrangiam a totalidade do território português.

112    Resulta do exposto que o incumprimento declarado no n.° 47 do presente acórdão se manteve entre 22 de dezembro de 2020 e 15 de agosto de 2022, ou seja, durante um período de 601 dias, o que constitui um período muito longo.

113    Não obstante, é necessário ter em conta que este período pode ter resultado, em parte, das circunstâncias excecionais relacionadas com a pandemia de COVID‑19. A República Portuguesa sustenta, sem ser contestada, que estas circunstâncias, imprevisíveis e alheias à sua vontade, atrasaram o processo legislativo necessário à transposição da Diretiva 2018/1972 e, consequentemente, prolongaram a duração deste incumprimento.

114    Em terceiro lugar, no que toca à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que importa ter em conta o PIB desse Estado‑Membro, conforme se apresenta à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑549/18, EU:C:2020:563, n.° 85, e de 16 de julho de 2020, Comissão/Irlanda (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑550/18, EU:C:2020:564, n.° 97].

115    A Comissão propõe que seja tido em conta, além do PIB da República Portuguesa, o seu peso institucional na União, expresso pelo número de votos de que este Estado‑Membro dispõe no Parlamento. A Comissão considera ainda que deve ser utilizado um coeficiente de ajustamento de 4,5 para assegurar o caráter proporcionado e dissuasivo das sanções que solicita ao Tribunal de Justiça que sejam aplicadas ao referido Estado‑Membro.

116    No entanto, o Tribunal de Justiça esclareceu recentemente de forma bastante clara, por um lado, que a tomada em consideração do peso institucional do Estado‑Membro em causa não se afigura indispensável para garantir uma dissuasão suficiente e levar esse Estado‑Membro a alterar o seu comportamento atual ou futuro e, por outro, que a Comissão não demonstrou os critérios objetivos com base nos quais fixou o valor do coeficiente de ajustamento de 4,5 [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.os 115 e 117].

117    Atendendo a todas as circunstâncias do presente processo e à luz do poder de apreciação que o artigo 260.°, n.° 3, TFUE reconhece ao Tribunal de Justiça, o qual prevê que este não pode, relativamente a uma quantia fixa cujo pagamento impõe, exceder o montante indicado pela Comissão, há que considerar que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas à que resulta da violação do artigo 124.° da Diretiva 2018/1972 e que prejudica a plena eficácia do direito da União é suscetível de exigir a imposição do pagamento de uma quantia fixa no montante de 2 800 000 euros.

118    Por conseguinte, há que condenar a República Portuguesa no pagamento à Comissão de uma quantia fixa no montante de 2 800 000 euros.

 Quanto às despesas

119    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. De acordo com o artigo 141.°, n.° 1, deste regulamento, a parte que desistir é condenada nas despesas se a outra parte o tiver requerido nas suas observações sobre a desistência. Todavia, este artigo 141.°, n.° 2, prevê que, a pedido da parte que desiste, as despesas são suportadas pela outra parte, se tal se justificar tendo em conta a atitude desta última. Por último, nos termos do referido artigo 141.°, n.° 4, na falta de pedido sobre as despesas, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

120    No caso em apreço, embora a Comissão tenha pedido a condenação da República Portuguesa e o incumprimento tenha sido declarado, esta instituição desistiu parcialmente da sua ação, não tendo solicitado que este Estado‑Membro suporte as despesas relativas à presente ação, ao passo que a República Portuguesa, nas suas observações relativas à desistência da Comissão, pediu que esta última fosse condenada nas despesas.

121    Não obstante, cumpre salientar que a desistência da Comissão foi motivada pela atitude da República Portuguesa, visto que este Estado‑Membro só adotou e comunicou à Comissão a Lei n.° 16/2022 após a propositura da presente ação, e que essa atitude foi determinante para que o pedido de condenação do referido Estado‑Membro no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ficasse sem objeto e que a Comissão o retirasse.

122    Nestas circunstâncias, e por não ser possível estabelecer uma distinção pertinente entre as despesas relativas ao incumprimento declarado no n.° 47 do presente acórdão e as despesas relativas à desistência parcial da Comissão, há que decidir que a República Portuguesa suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      Ao não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, e, por conseguinte, ao não ter informado a Comissão Europeia dessas disposições, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.°, n.° 1, desta diretiva.

2)      A República Portuguesa é condenada a pagar à Comissão Europeia uma quantia fixa no montante de 2 800 000 euros.

3)      A República Portuguesa é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Bonichot

Rodin

Rossi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de março de 2024.

O Secretário

 

O Presidente de Secção em exercício

A. Calot Escobar

 

J.- C. Bonichot


*      Língua do processo: português.