Language of document : ECLI:EU:C:2024:263

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

21 de março de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Contrato de crédito ao consumo — Diretiva 2008/48/CE — Artigo 3.°, alínea g), artigo 10.°, n.° 2, alínea g), e artigo 23.° — Custo total do crédito para o consumidor — Falta de indicação dos custos pertinentes — Sanção — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Artigo 3.o, n.° 2, artigo 4.o, n.° 2, artigo 6.o, n.° 1, e artigo 7.o, n.° 1 — Ponto 1, alínea o), do anexo da Diretiva 93/13/CEE — Serviços acessórios a um contrato de crédito — Cláusulas que concedem a um consumidor que adquire esses serviços, mediante o pagamento de custos suplementares prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar ou reescalonar as prestações mensais do crédito»

No processo C‑714/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária), por Decisão de 21 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de novembro de 2022, no processo

S.R.G.

contra

Profi Credit Bulgaria EOOD,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei (relatora), presidente de secção, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de novembro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Profi Credit Bulgaria EOOD, por H. Hinov, M. Voynova, advokati, e K. Vonidova-Milcheva,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Nikolova, I. Rubene e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do artigo 6.°, n.° 1, e do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), do ponto 1, alínea o), do anexo da Diretiva 93/13, do artigo 3.°, alínea g), do artigo 10.°, n.° 2, alínea g), e do artigo 23.° da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a S.R.G., domiciliada na Bulgária, à Profi Credit Bulgaria EOOD, que é uma instituição de crédito de direito búlgaro, a respeito da invalidade de um contrato de crédito e das consequências que daí decorrem para a restituição de quantias devidas a título de juros e de encargos pagos ao abrigo desse contrato.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 93/13

3        Nos termos do artigo 3.° da Diretiva 93/13:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.      Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objeto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.

Se o profissional sustar que uma cláusula normalizada foi objeto de negociação individual, caber‑lhe‑á o ónus da prova.

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

4        O artigo 4.° dessa diretiva prevê:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

5        O artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6        O artigo 7.o, n.° 1, da mesma diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

7        O anexo da Diretiva 93/13 é intitulado «[c]láusulas previstas no n.° 3 do artigo 3.°». O ponto 1, alínea o), deste anexo tem a seguinte redação:

«1.      Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[...]

o)      Obrigar o consumidor a cumprir todas as suas obrigações, mesmo que o profissional não tenha cumprido as suas».

 Diretiva 2008/48

8        Os considerandos 19, 20, 43 e 47 da Diretiva 2008/48 enunciam:

«(19)      Para que possam tomar as suas decisões com pleno conhecimento de causa, os consumidores deverão receber informações adequadas, que possam levar consigo e apreciar, sobre as condições e o custo do crédito, bem como sobre as suas obrigações, antes da celebração do contrato de crédito. Para garantir a maior transparência possível e para permitir a comparabilidade das ofertas, estas informações deverão incluir, nomeadamente, a taxa anual de encargos efetiva global [(TAEG)] aplicável ao crédito e determinada da mesma forma em toda a Comunidade. [...]

(20)      O custo total do crédito para o consumidor deverá incluir todos os custos, designadamente juros, comissões, taxas, a remuneração dos intermediários de crédito e quaisquer outros encargos que o consumidor deva pagar no âmbito do contrato de crédito, com exceção dos custos notariais. [...]

[...]

(43)      A fim de promover o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno e garantir um elevado grau de defesa dos consumidores em toda a [União], é necessário garantir a comparabilidade da informação relativa às [TAEG] em toda a [União]. [...] Por conseguinte, a presente diretiva deverá definir clara e exaustivamente o custo total de um crédito para o consumidor.

[...]

(47)      Os Estados‑Membros deverão estabelecer o regime das sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais de transposição da presente diretiva e assegurar a respetiva aplicação. Embora a determinação das sanções fique ao critério dos Estados‑Membros, as sanções previstas deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

9        O artigo 3.° desta diretiva, epigrafado «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

g)      “Custo total do crédito para o consumidor”: todos os custos, incluindo juros, comissões, taxas e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do mutuante, com exceção dos custos notariais; os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro, são igualmente incluídos se, além disso, a celebração do contrato de serviço for obrigatória para a obtenção de todo e qualquer crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e condições de mercado;»

[...]

i)      “[TAEG]”: o custo total do crédito para o consumidor expresso em percentagem anual do montante total do crédito e, sendo caso disso, acrescido dos custos previstos no n.° 2 do artigo 19.°»

[...]»

10      O artigo 10.° da referida diretiva, intitulado «Informação a mencionar nos contratos de crédito», prevê, no seu n.° 2:

«O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

[...]

g)      A [TAEG] e o montante total imputado ao consumidor, calculados no momento da celebração do contrato de crédito; devem ser mencionados todos os pressupostos utilizados para calcular esta taxa;

[...]»

11      O artigo 19.° da mesma diretiva, intitulado «Regras processuais», dispõe, no seu n.° 2:

«A fim de calcular a [TAEG], determina‑se o custo total do crédito para o consumidor, com exceção de quaisquer encargos a suportar pelo consumidor devido ao incumprimento de qualquer uma das suas obrigações decorrentes do contrato de crédito e dos encargos que não se incluam no preço de compra e venda e que, na compra de bens ou de serviços, o consumidor for obrigado a suportar, quer a transação se efetue a pronto quer a crédito.

Os custos relativos à manutenção de uma conta que registe simultaneamente operações de pagamento e levantamentos de crédito, os custos relativos à utilização ou ao funcionamento de um meio de pagamento que permita ao mesmo tempo operações de pagamento e levantamentos de crédito, bem como outros custos relativos às operações de pagamento, são incluídos no custo total do crédito para o consumidor, exceto se a abertura da conta for facultativa e os custos da conta tiverem sido determinados de maneira clara e de forma separada no contrato de crédito ou em qualquer outro contrato celebrado com o consumidor.»

12      O artigo 22.° da Diretiva 2008/48, intitulado «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva», tem a seguinte redação:

«[...]

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar, além disso, que as disposições que venham a aprovar para dar cumprimento à presente diretiva não possam ser contornadas em resultado da redação dos contratos, em especial integrando levantamentos ou contratos de crédito sujeitos ao âmbito de aplicação da presente diretiva em contratos de crédito cujo caráter ou objetivo permitiria evitar a aplicação desta.

4.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que o consumidor não seja privado da proteção concedida pela presente diretiva pelo facto de ter sido escolhido o direito de um país terceiro como direito aplicável ao contrato de crédito, desde que este contrato apresente uma relação estreita com o território de um ou mais Estados‑Membros.»

13      O artigo 23.° desta diretiva, intitulado «Sanções», enuncia:

«Os Estados‑Membros devem determinar o regime das sanções aplicáveis à violação das disposições nacionais aprovadas em aplicação da presente diretiva e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a aplicação das referidas disposições. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

 Direito búlgaro

 Lei relativa às Obrigações e aos Contratos

14      A Zakon za zadalzheniyata i dola orite (Lei relativa às Obrigações e aos Contratos, DV n.° 275, de 22 de novembro de 1950) dispõe, no seu artigo 26.°, n.° 1:

«São nulos os contratos que violem a lei ou que defraudem a lei e os contratos contrários aos bons costumes, incluindo os pactos sobre sucessões futuras.»

 ZPK

15      A Zakon za potrebitelskia kredit (Lei relativa ao Crédito ao Consumo, DV n.° 18, de 5 de março de 2010, a seguir «ZPK») prevê, no seu artigo 10.°‑A:

«(1)      O mutuante pode cobrar ao consumidor encargos e comissões por serviços acessórios relativos ao contrato de crédito aos consumidores.

(2)      O mutuante não pode exigir o pagamento de encargos e de comissões por atividades relativas a levantamentos e a uma gestão do crédito.

(3)      O mutuante pode cobrar uma única vez encargos e/ou uma comissão por uma só e mesma operação.

(4)      O contrato de crédito aos consumidores deve determinar de modo claro e preciso o tipo e o montante dos encargos e/ou das comissões, bem como a atividade pela qual são faturados.»

16      Nos termos do artigo 11.° da ZPK:

«(1)      O contrato de crédito aos consumidores é redigido numa linguagem compreensível e deve conter:

[...]

10.      a [TAEG] e o montante total devido pelo consumidor, calculados no momento da celebração do contrato de crédito; devem ser mencionadas as hipóteses utilizadas para calcular esta taxa, tal como definidas no anexo 1;

[...]»

17      O artigo 19.° da ZPK tem a seguinte redação:

«(1)      A [TAEG] do crédito corresponde à soma dos custos atual e custo futuro do crédito para o consumidor (juros, outros custos diretos ou indiretos, comissões ou remunerações de qualquer natureza, [...]), expressa em percentagem anual do montante total do crédito.

(2)      A [TAEG] do crédito é calculada através de uma fórmula [...]

(3)      O cálculo da [TAEG] do crédito não inclui os encargos:

1.      que o consumidor paga em caso de incumprimento das suas obrigações decorrentes do contrato de crédito aos consumidores;

2.      que não sejam o preço de compra do bem ou do serviço que lhe incumbe quando da compra de bens ou de prestação de serviços, independentemente de este ser efetuado a pronto ou a crédito.

3.      de manutenção de uma conta em conexão com o contrato de crédito aos consumidores, sendo os encargos [...] indicados de forma clara e distinta no contrato de crédito ou em qualquer outro contrato celebrado com o consumidor.

(4) [...] A [TAEG] não pode exceder o quíntuplo dos juros de mora à taxa legal em [levs búlgaros (BGN)] e em divisas determinadas por despacho do Conselho de Ministros da República da Bulgária.

(5) [...] As cláusulas do contrato que excedam os encargos determinados no n.° 4 são consideradas nulas.

(6) [...] Quando tenham sido feitos pagamentos com base em contratos que contenham cláusulas que foram declaradas nulas por força do n.o 5, as quantias pagas que excedam o limiar visado no n.o 4 serão deduzidas das prestações seguintes do crédito.»

18      O artigo 21.° da ZPK enuncia:

«(1)      É nula qualquer cláusula de um contrato de crédito aos consumidores que tenha por objetivo ou por resultado contornar as exigências da presente lei.

(2)      É nula qualquer cláusula de um contrato de crédito aos consumidores de taxa fixa que preveja um montante a pagar ao mutuante superior à prevista no artigo 32.°, n.° 4.»

19      O artigo 22.° da ZPK dispõe:

«[...] Em caso de desrespeito das exigências que figuram no artigo 10.°, n.° 1, no artigo 11.°, n.° 1, pontos 7 a 12 e 20 e n.º 2, bem como no artigo 12.°, n.° 1, pontos 7 a 9, o contrato de crédito aos consumidores não é válido.»

20      O artigo 23.° da ZPK prevê:

«Se o contrato de crédito aos consumidores for declarado inválido, o consumidor só é devedor do valor líquido (o valor principal) do empréstimo; não é devedor dos juros nem de outros encargos do crédito.»

21      Nos termos do artigo 1.°, ponto 1, das disposições complementares da ZPK:

«Na aceção da presente lei:

entende‑se por “custo total do crédito ao consumidor” todos os custos do crédito, incluindo juros, comissões, taxas, remuneração dos intermediários de crédito e quaisquer outros tipos de encargos diretamente ligados ao contrato de crédito aos consumidores que o consumidor deve pagar e que são do conhecimento do mutuante, incluindo os custos relativos aos serviços acessórios ligados ao contrato de crédito, designadamente os prémios de seguros, se, além disso, a celebração do contrato de serviço for obrigatória para a obtenção do mesmo crédito, ou em aplicação das cláusulas e das condições de mercado. O custo total do crédito aos consumidores não inclui os encargos notariais.»

 GPK

22      O Grazhdanski protsesualen kodeks (Código de Processo Civil, DV n.° 59, de 20 de julho de 2007, a seguir «GPK») dispõe, no seu artigo 7.°, n.° 3:

«[…] O juiz fiscaliza oficiosamente a existência de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Concede às partes a possibilidade de formularem observações sobre estas questões.»

23      Nos termos do artigo 78.° do GPK:

«(1)      As taxas pagas pelo demandante, os encargos e os honorários de advogado, se tiver sido contratado um advogado, são suportadas pelo demandado proporcionalmente à parte do pedido que tenha sido julgada procedente.

(2)      Quando o demandado não esteja, pelo seu comportamento, na origem do processo e reconhecer o bem fundado do pedido, os encargos são imputados ao demandante.

(3)      Também o demandado tem o direito de pedir o reembolso dos encargos em que incorreu, na proporção da parte do pedido que tiver sido julgada improcedente.

(4)      O demandante tem também direito aos encargos em caso de arquivamento do processo.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24      Em 10 de outubro de 2019, as partes no processo principal celebraram um contrato de crédito ao consumo que tinha por objeto o empréstimo de uma quantia de 5 000 BGN (cerca de 2 500 euros) por um período de 36 meses, sujeito a uma taxa de juro anual de 41 % e a uma TAEG de 49,02 %. O montante total a reembolsar com base nesse contrato ascendia a 8 765,02 BGN (cerca de 4 400 euros).

25      O referido contrato previa que o cliente tinha a possibilidade de adquirir um ou mais serviços acessórios cujas regras de utilização eram detalhadas nas condições gerais do mesmo contrato. Assim, nos termos do ponto 15 destas últimas, o cliente podia optar por não comprar um serviço acessório ou comprar um ou vários serviços. O ponto 15.1 dessas condições descrevia o serviço «Fast» no sentido de que concedia ao cliente que comprava esse serviço uma prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização dos fundos, que devia ser feito no prazo de 24 horas a contar da receção, pelo mutuante, do contrato de crédito assinado. No ponto 15.2 das referidas condições, o serviço «Flexi» era descrito no sentido de que permitia, sob certas condições, a alteração do plano de reembolso inicial. Este último serviço dava a possibilidade de adiar o pagamento de prestações mensais em caso, nomeadamente, de incapacidade para o trabalho, de rescisão do contrato de trabalho, de licença sem vencimento, de perda ou de deterioração de bens na sequência de uma catástrofe ou de morte da pessoa que contribuía para os rendimentos do agregado familiar. Segundo o ponto 15.2.2.1 das mesmas condições, para beneficiar desse serviço «Flexi», devia ser assinado um aditamento ao contrato.

26      A S.R.G. optou por adquirir os serviços acessórios «Fast» e «Flexi», respetivamente, pelo preço de 1 250 BGN (cerca de 625 euros) e de 2 500 BGN (cerca de 1 250 euros). Tendo esses preços sido incluídos no plano de reembolso como componentes do contrato de crédito em causa, elevaram para 12 515,02 BGN (cerca de 6 257 euros) o montante total a reembolsar com base no contrato.

27      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal, é facto assente que esses serviços acessórios foram pedidos livremente no momento da celebração do contrato de crédito em causa, sem que se alegue que a S.R.G. foi induzida em erro quanto à natureza desse contrato e que a Profi Credit Bulgaria não teria consentido na concessão do referido crédito se não tivessem sido comprados os referidos serviços.

28      A S.R.G. intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação de declaração negativa destinada a obter a declaração de que não era devedora da Profi Credit Bulgaria do montante total de 7 515,02 BGN (cerca de 3 775 euros), dos quais 3 765,02 BGN (cerca de 1 900 euros) correspondem ao montante acumulado dos juros contratuais, incluindo a taxa de juro anual e a TAEG durante todo o período de vigência do contrato de crédito em causa, e 3 750 BGN (cerca de 1 875 euros) à totalidade das quantias devidas a título dos serviços acessórios «Fast» e «Flexi».

29      Segundo a S.R.G., as cláusulas contratuais que estabelecem a obrigação de pagar esses juros e esses serviços são nulas, porque são contrárias aos bons costumes. Por um lado, a recorrente no processo principal sustenta que os referidos serviços, para cuja remuneração é reclamado um montante que ultrapassa metade do montante mutuado, se enquadram, na realidade, na atividade de gestão de crédito. Ora, segundo o artigo 10.°‑A, n.° 2, da ZPK, o mutuante não pode exigir o pagamento de taxas e de comissões por essa atividade. Por outro lado, alega que o preço dos mesmos serviços deveria ter sido incluído na TAEG, pois representa um custo incluído no contrato de crédito e no plano de reembolso em causa. Ora, o mutuante omitiu deliberadamente esse preço na TAEG para contornar o artigo 19.°, n.° 4, da ZPK, segundo o qual a TAEG não pode exceder o quíntuplo dos juros de mora à taxa legal em BGN e em divisas.

30      Em contrapartida, a Profi Credit Bulgaria afirma que a S.R.G. optou por comprar os serviços acessórios «Fast» e «Flexi» com conhecimento das informações que lhe tinha fornecido antes da celebração do contrato de crédito em causa e que a S.R.G. teria invocado esses serviços. No que respeita às taxas de juro e ao cálculo da TAEG, a demandada no processo principal alega que esse contrato de crédito estipulava que esse cálculo era efetuado com base nos montantes iniciais dos juros e dos outros custos e que era aplicado até ao termo da duração do referido contrato.

31      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a interpretação da Diretiva 2008/48, nomeadamente sobre a determinação da TAEG, sobre as consequências de uma indicação inexata dessa taxa num contrato de crédito e sobre o caráter proporcional da sanção prevista pela regulamentação búlgara em caso de indicação inexata da referida taxa.

32      A este respeito, esse órgão jurisdicional alega que, em conformidade com o artigo 22.° da ZPK, lido em conjugação com o artigo 11.°, n.° 1, ponto 10, e com o artigo 23.° da ZPK, um contrato de crédito ao consumo que não indique a TAEG é nulo, sendo o consumidor devedor apenas do valor líquido do empréstimo, sem juros ou encargos. Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se, no caso em apreço, a remuneração acordada para os serviços acessórios «Fast» e «Flexi» constitui um custo que deveria ter sido incluído na fórmula de cálculo da TAEG, em conformidade com o artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48, e se a indicação inexata dessa taxa no contrato de crédito em causa podia ser equiparada a falta de indicação da referida taxa. Além disso, interroga‑se sobre o caráter proporcionado, na aceção desta diretiva, de uma regulamentação nacional que pune de nulidade um contrato que indica uma TAEG errada e priva, por esse facto, o mutuante do seu direito aos juros e aos encargos previstos por esse contrato.

33      Em segundo lugar, ao referir a sua obrigação de fiscalizar o caráter abusivo das cláusulas nos contratos celebrados com os consumidores, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação da Diretiva 93/13, nomeadamente sobre a questão de saber se cláusulas de um contrato de crédito relativas a serviços acessórios como os que estão em causa no litígio sobre o qual se pronuncia se enquadram no objeto principal desse contrato de crédito e, sendo caso disso, se têm caráter abusivo.

34      Em terceiro e último lugar, ainda à luz da Diretiva 93/13, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578), o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a repartição das despesas, em especial sobre a questão de saber se uma eventual obrigação, para a S.R.G., de suportar uma parte das despesas se o seu pedido fosse parcialmente acolhido violaria o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, desta diretiva.

35      Nestas condições, o Sofiyski Rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 3.°, alínea g), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que os encargos decorrentes de serviços acessórios acordados num contrato de crédito ao consumidor, como os encargos relativos à possibilidade de diferimento e de redução de prestações, estão incluídos na taxa anual de encargos efetiva global do crédito?

2)      Deve o artigo 10.°, n.° 2, alínea g), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que a indicação incorreta da [TAEG] num contrato de crédito entre um comerciante e um consumidor na qualidade de mutuário deve ser considerada uma omissão de indicação da [TAEG] no contrato de crédito e que o órgão jurisdicional nacional deve aplicar as consequências legais previstas no direito nacional para a omissão de indicação da [TAEG] num contrato de crédito ao consumidor?

3)      Deve o artigo 22.°, n.° 4, da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que uma sanção prevista no direito nacional sob a forma de nulidade do contrato de crédito ao consumidor, segundo a qual apenas o capital concedido deve ser reembolsado, é proporcionada quando a [TAEG] não é indicada com precisão no contrato de crédito ao consumidor?

4)      Deve o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Diretiva [93/13] ser interpretado no sentido de que os encargos de um pacote de serviços acessórios previstos numa adenda a um contrato de crédito ao consumidor, que constitui o contrato principal, devem ser considerados parte do objeto principal do contrato não podendo, por isso, ser objeto da análise do caráter abusivo?

5)      Deve o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [93/13], em conjugação com o ponto 1, alínea o), do anexo da diretiva, ser interpretado no sentido de que uma cláusula constante de um contrato relativo a serviços acessórios a um crédito ao consumidor é abusiva se conceder ao consumidor a possibilidade abstrata de diferir e reestruturar os seus pagamentos, pela qual deve suportar os encargos mesmo que não utilize essa possibilidade?

6)      Devem o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, e o princípio da efetividade ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação que permite imputar alguns dos custos do processo ao consumidor[, primeiro,] quando o pedido de declaração de que não são devidos montantes em resultado do caráter abusivo de uma cláusula é parcialmente acolhido:no caso de ser dado provimento parcial a um pedido de liberação da obrigação de pagar quantias na sequência da declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual [...], [segundo,] quando o exercício pelo consumidor do direito de quantificar o crédito é impossível na prática ou excessivamente difícil[, terceiro,] quando existe uma cláusula abusiva, incluindo os casos em que a existência da cláusula abusiva não afeta diretamente o montante do crédito do mutuante, no todo ou em parte, ou quando a cláusula não está diretamente relacionada com o objeto do processo?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

36      A título preliminar, há que observar que, embora na formulação da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio se limite a mencionar o serviço, acessório ao contrato de crédito ao consumo, que permite adiar o reembolso das prestações mensais ou reduzir o seu montante, não deixa de ser verdade que resulta do pedido de decisão prejudicial que a problemática suscitada por esta questão visa os dois serviços acessórios em causa no processo principal, mencionados no n.° 25 do presente acórdão.

37      Por conseguinte, para dar uma resposta útil e completa a esse órgão jurisdicional, há que considerar que a referida questão visa estes dois serviços acessórios e que, com esta questão, o referido órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que os custos relativos a serviços acessórios de um contrato de crédito ao consumo, que concedem ao consumidor que compra esses serviços prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante, se enquadram no conceito de «custo total do crédito para o consumidor», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, pelo de «TAEG», na aceção deste artigo 3.°, alínea i).

38      Nos termos do artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48, o conceito de «[c]usto total do crédito para o consumidor» inclui todos os custos, incluindo juros, comissões, taxas e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do mutuante, com exceção dos custos notariais. Em conformidade com esta disposição, esses custos incluem também os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, se a celebração do contrato de serviço for obrigatória para a própria obtenção do crédito em aplicação das cláusulas e das condições de mercado.

39      Por força do artigo 3.°, alínea i), da Diretiva 2008/48, a TAEG corresponde ao custo total do crédito para o consumidor, expresso em percentagem anual do montante total do crédito tendo em conta, sendo caso disso, os encargos referidos no artigo 19.° desta diretiva.

40      Para assegurar uma proteção alargada dos consumidores, o legislador da União Europeia adotou uma definição lata do conceito de «custo total do crédito para o consumidor» (Acórdão de 16 de julho de 2020, Soho Group, C‑686/19, EU:C:2020:582, n.° 31 e jurisprudência referida), que designa todos os custos que o consumidor deve pagar pelo contrato de crédito e que são conhecidos do mutuante (Acórdão de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová, C‑377/14, EU:C:2016:283, n.° 84).

41      De modo que seja garantida essa proteção, o artigo 22.°, n.° 3, da Diretiva 2008/48 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que as disposições que venham a aprovar para dar cumprimento a essa diretiva não possam ser contornadas através da redação dos contratos (Acórdão de 11 de setembro de 2019, Lexitor, C‑383/18, EU:C:2019:702, n.° 30).

42      Resulta do exposto que, para responder à primeira questão, há que examinar, por um lado, se a aquisição dos serviços acessórios em causa constitui uma condição para a própria obtenção do crédito ou se se tornou obrigatória em aplicação das cláusulas contratuais e das condições de mercado e, por outro, se se trata realmente de serviços acessórios ao contrato de crédito em causa no processo principal e não de uma montagem destinada a dissimular o custo real desse crédito, como afirma a S.R.G., em substância.

43      A este respeito, importa esclarecer, antes de mais, que cabe apenas ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a esse exame tendo em conta todas as informações de que dispõe. Ao proceder a esse exame, esse órgão jurisdicional não se pode basear unicamente na circunstância de os serviços acessórios em causa no processo principal terem sido pedidos livremente no momento da celebração desse contrato de crédito ou de, como alegou a Profi Credit Bulgaria na audiência de alegações, os montantes devidos a título do referido contrato e os custos relativos a esses serviços estarem indicados separadamente no plano de reembolso inicial.

44      O referido órgão jurisdicional deve referir‑se também a todas as disposições do contrato de crédito no processo principal e das suas condições gerais, bem como ao contexto jurídico e às circunstâncias factuais em que se inscreve esse contrato para determinar se a celebração deste último era condicionada pela aquisição dos serviços acessórios em causa ou se essa aquisição era obrigatória por força dessas disposições e dessas condições gerais ou de condições de mercado e se uma construção contratual, como a que está em causa no processo principal, não visava, na realidade, que a remuneração da quantia mutuada fosse parcialmente externalizada através de estipulações relativas a esses serviços acessórios, de modo que não figura completamente no referido contrato e, por conseguinte, não é abrangida pelo conceito de «custo total do crédito para o consumidor» nem pelo de «TAEG»,.

45      Em especial, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 41 do presente acórdão, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a não inclusão do preço dos referidos serviços acessórios na TAEG visava, na realidade, contornar a proibição enunciada no artigo 19.°, n.° 4, da ZPK, que prevê que essa taxa não pode exceder o quíntuplo dos juros de mora à taxa legal em BGN e em divisa determinados por despacho do Conselho de Ministros da República da Bulgária.

46      Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que os custos relativos a serviços acessórios a um contrato de crédito ao consumo, que concedem ao consumidor que compre esses serviços prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante, estão abrangidos pelo conceito de «custo total do crédito para o consumidor», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, pelo conceito de «TAEG», na aceção deste artigo 3.°, alínea i), quando a aquisição dos referidos serviços se revelar obrigatória para a obtenção do crédito em questão ou quando estes constituírem uma montagem destinada a dissimular o custo real desse crédito.

 Quanto à segunda e à terceira questão

47      A título preliminar, importa salientar que, ainda que o órgão jurisdicional de reenvio se tenha referido, na sua terceira questão, ao artigo 22.°, n.° 4, da Diretiva 2008/48, resulta do pedido de decisão prejudicial, conforme indicado por este órgão jurisdicional, que as suas dúvidas dizem, no essencial, respeito ao artigo 23.° desta diretiva.

48      Por outro lado, sendo o Tribunal de Justiça competente para fornecer a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo principal, extraindo do conjunto dos elementos fornecidos por esse órgão jurisdicional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.° 50 e jurisprudência referida), há que responder à terceira questão à luz deste artigo 23.°

49      Por conseguinte, há que considerar que, com a segunda e a terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.°, n.° 2, alínea g), e o artigo 23.° da Diretiva 2008/48 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, quando um contrato de crédito ao consumo não mencione uma TAEG que inclui todos os encargos previstos no artigo 3.°, alínea g), desta diretiva, se considere que esse contrato está isento de juros e de encargos, de modo que da sua anulação resulta apenas a restituição, pelo consumidor em causa, do capital emprestado.

50      Para responder a estas questões, importa recordar, por um lado, que o artigo 10.°, n.° 2, da Diretiva 2008/48 procede a uma harmonização no que diz respeito aos elementos que devem obrigatoriamente ser incluídos num contrato de crédito (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.° 56). Para este efeito, o artigo 10.°, n.° 2, alínea g), desta diretiva prevê que o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, a TAEG e o montante total imputado ao consumidor, calculados no momento da celebração do contrato de crédito.

51      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a indicação da TAEG no contrato de crédito reveste importância essencial, nomeadamente porque permite ao consumidor apreciar o alcance do seu compromisso (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.os 67 e 70).

52      Por outro lado, resulta do artigo 23.° da Diretiva 2008/48, lido à luz do seu considerando 47, que, embora a escolha do regime de sanções aplicáveis em caso de violação das disposições nacionais adotadas em conformidade com esta diretiva seja deixada ao critério dos Estados‑Membros, as sanções assim previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Isso implica que o rigor das referidas sanções deve ser adequado à gravidade das violações que essas disposições reprimem, designadamente assegurando um efeito realmente dissuasivo, respeitando ao mesmo tempo o princípio geral da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.os 61 a 63 e jurisprudência referida).

53      Tendo em conta a importância essencial que a indicação da TAEG nesse contrato reveste para o consumidor, o Tribunal de Justiça declarou que um juiz nacional pode aplicar oficiosamente uma regulamentação nacional que preveja que a falta dessa indicação tem como consequência que o crédito concedido é considerado isento de juros e de encargos (v., neste sentido, despacho de 16 de novembro de 2010, Pohotovosť, C‑76/10, EU:C:2010:685, n.° 77).

54      O Tribunal de Justiça declarou também que, numa situação em que um contrato de crédito indicava uma TAEG estimada, devendo o seu montante exato ser especificado após a concessão do crédito, essa sanção de privar o mutuante do seu direito aos juros e aos encargos devia ser considerada proporcionada na aceção do artigo 23.° da Diretiva 2008/48 (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.os 18 e 69 a 71).

55      No caso em apreço, tendo em conta o caráter essencial da indicação da TAEG num contrato de crédito ao consumo, de modo que permita aos consumidores conhecerem os seus direitos e as suas obrigações, bem como a exigência de incluir no cálculo dessa taxa todos os custos referidos no artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48, há que considerar que a indicação de uma TAEG que não reflete fielmente todos esses custos priva o consumidor da possibilidade de determinar o alcance do seu compromisso da mesma forma que a não indicação dessa taxa. Por conseguinte, uma sanção que prive o mutuante do direito aos juros e aos encargos, em caso de indicação de uma TAEG que não inclua a totalidade dos referidos custos, reflete a gravidade dessa violação e reveste caráter dissuasivo e proporcionado.

56      Atentas as considerações precedentes, há que responder à segunda e à terceira questões que o artigo 10.°, n.° 2, alínea g), e o artigo 23.° da Diretiva 2008/48 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que, quando um contrato de crédito ao consumo não mencione uma TAEG que inclui todos os encargos previstos no artigo 3.°, alínea g), desta diretiva, se considere que esse contrato está isento de juros e de encargos, de modo que da sua anulação resulta apenas a restituição, pelo consumidor em questão, do capital mutuado.

 Quanto à quarta questão

57      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que as cláusulas relativas a serviços acessórios de um contrato de crédito ao consumo, que concedem ao consumidor que compre esses serviços prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização do montante mutuado, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante, estão abrangidas pelo objeto principal desse contrato, na aceção desta disposição, e escapam, portanto, à apreciação do seu caráter abusivo.

58      A título preliminar, há que observar que, embora, segundo a formulação desta questão, os serviços acessórios em causa no processo principal estivessem previstos numa convenção acessória ao contrato de crédito em questão, tal indicação não resulta do pedido de decisão prejudicial. Todavia, as cláusulas relativas a esses serviços, uma vez que estão intrinsecamente ligadas a esse contrato, não podem existir de maneira autónoma, na falta desse contrato, e os custos relativos aos referidos serviços estão incluídos no plano de reembolso do empréstimo. Estas cláusulas devem, por conseguinte, ser analisadas no contexto do referido contrato e em relação com o seu objeto, independentemente da questão de saber se figuram no próprio contrato ou numa convenção acessória a este último.

59      A este respeito, o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 estabelece uma exceção ao mecanismo de fiscalização substancial das cláusulas abusivas, tal como previsto no âmbito do sistema de proteção dos consumidores instituído por esta diretiva, e que, consequentemente, esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.° 34 e jurisprudência referida).

60      No que respeita à categoria das cláusulas contratuais abrangidas pelo conceito de «objeto principal do contrato», na aceção da referida disposição o Tribunal de Justiça declarou que essas cláusulas devem ser entendidas como sendo as que fixam as prestações essenciais desse contrato e que, como tais, o caracterizam. Em contrapartida, as cláusulas que revestem caráter acessório relativamente às que definem a própria essência da relação contratual não podem ser abrangidas por este conceito (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

61      As prestações essenciais de um contrato de crédito consistem em o mutuante se comprometer, a título principal, a colocar à disposição do mutuário um determinado montante em dinheiro, comprometendo‑se este último, por sua vez, a título principal, a reembolsar, regra geral com juros, esse montante nos prazos previstos [v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2023, Caixabank (Comissão de abertura do empréstimo), C‑565/21, EU:C:2023:212, n.° 18 e jurisprudência referida].

62      Tendo em conta a obrigação de interpretar de modo estrito o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação de remunerar serviços ligados ao exame, à concessão e ao tratamento do empréstimo ou outros serviços similares inerentes à atividade do mutuante ocasionada pela concessão do empréstimo não se pode considerar abrangida pelas prestações essenciais resultantes de um contrato de crédito conforme identificadas no número anterior do presente acórdão [Acórdão de 16 de março de 2023, Caixabank (Comissão de abertura do empréstimo), C‑565/21, EU:C:2023:212, n.°s 22 e 23].

63      Importa também recordar que as cláusulas referidas nesta disposição escapam à apreciação do seu caráter abusivo unicamente na medida em que o órgão jurisdicional nacional competente considere, após uma apreciação do caso concreto, que foram redigidas pelo profissional de maneira clara e compreensível (Acórdão de 5 de junho de 2019, GT, C‑38/17, EU:C:2019:461, n.° 31 e jurisprudência referida).

64      No caso em apreço, no que respeita à qualificação das cláusulas quanto aos custos relativos aos serviços acessórios em causa no processo principal, resulta da decisão de reenvio que esses serviços têm por objeto a prioridade, dada ao consumidor que os compra, no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante.

65      Tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 61 e 62 do presente acórdão, não se afigura, portanto, que os referidos serviços digam respeito à própria essência da relação contratual em causa, a saber, por um lado, a disponibilização, por parte do mutuante, de uma quantia em dinheiro e, por outro, o reembolso dessa quantia, regra geral com juros, dentro dos prazos previstos, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

66      Acresce que, se, na sequência do exame a que lhe incumbe proceder no âmbito da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que os custos relativos aos serviços acessórios em causa no processo principal deveriam ter sido incluídos no «custo total do crédito para o consumidor», na aceção do artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48, e, por conseguinte, na TAEG, na aceção deste artigo 3.°, alínea i), isso não significa que as cláusulas relativas a esses custos sejam automaticamente abrangidas pela exclusão prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13.

67      Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou no n.° 47 do Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Matei (C‑143/13, EU:C:2015:127), o alcance exato dos conceitos de «objeto principal» e de «preço», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, não pode ser determinado através do conceito de «custo total do crédito para o consumidor», na aceção do artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48. Assim, o facto de diferentes tipos de encargos estarem incluídos no custo total de um crédito ao consumo não é determinante para demonstrar que esses encargos fazem parte das prestações essenciais do contrato de crédito (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Profi Credit Polska (C‑84/19, C‑222/19 e C‑252/19, EU:C:2020:631, n.° 69).

68      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que cláusulas que tenham por objeto serviços acessórios de um contrato de crédito ao consumo, que concedem ao consumidor que compre esses serviços prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante, não estão, em princípio, abrangidas pelo objeto principal desse contrato, na aceção desta disposição, e não escapam, portanto, à apreciação do seu caráter abusivo.

 Quanto à quinta questão

69      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, lido em conjugação com o ponto 1, alínea o), do anexo desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo que permita ao consumidor em questão adiar ou reescalonar as prestações mensais do crédito mediante o pagamento de custos suplementares, ainda que não seja certo que esse consumidor fará uso dessa possibilidade, reveste caráter abusivo.

70      O anexo da Diretiva 93/13, para o qual remete o artigo 3.°, n.° 3, desta diretiva, contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas, entre as quais figuram, no ponto 1, alínea o), desse anexo, as que têm por objeto ou por efeito obrigar o consumidor a cumprir as suas obrigações, mesmo que o profissional não cumpra as suas.

71      Resulta da redação deste ponto 1, alínea o), que este não visa uma cláusula de um contrato de crédito que permita ao consumidor em questão adiar ou reescalonar as prestações mensais do crédito mediante o pagamento de custos suplementares, uma vez que essa cláusula prevê uma obrigação eventual que o profissional é, em princípio, obrigado a cumprir, em contrapartida dos custos correspondentes a uma flexibilidade acrescida concedida ao consumidor no cumprimento desse contrato.

72      Todavia, isso não significa que essa cláusula não possa ser considerada abusiva, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, se não tiver sido objeto de negociação individual e se, não obstante a exigência de boa‑fé, criar, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações decorrentes do contrato para as partes.

73      Quanto à questão de saber se uma cláusula contratual particular apresenta ou não caráter abusivo, o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 prevê que o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado tendo em conta a natureza dos bens ou dos serviços que são objeto do contrato e, por referência, no momento em que o contrato foi celebrado, a todas as circunstâncias que rodearam a sua celebração bem como a todas as outras cláusulas desse contrato ou de outro contrato de que este dependa.

74      Em todo o caso, há que recordar que, na apreciação do caráter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre a qualificação dessa cláusula em função das circunstâncias concretas do caso em apreço, e ao Tribunal de Justiça inferir das disposições da Diretiva 93/13 os critérios que o juiz nacional pode ou deve aplicar ao examinar cláusulas contratuais à luz destas disposições [Acórdão de 10 de setembro de 2020, A (Subarrendamento de uma habitação social), C‑738/19, EU:C:2020:687, n.° 31 e jurisprudência referida).

75      Daqui resulta que, no caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a cláusula permite ao consumidor em questão adiar ou reescalonar as prestações mensais do crédito mediante o pagamento de custos suplementares, independentemente do facto de esse consumidor recorrer efetivamente a esses serviços, deve ser considerada abusiva tendo em conta todas as circunstâncias que rodeiam a celebração do contrato de crédito.

76      Para este efeito, tanto o caráter transparente desta cláusula, conforme exigido no artigo 5.° da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑609/19, EU:C:2021:469, n.° 62 e jurisprudência referida), como a margem de apreciação de que o mutuante dispõe num pedido de alteração do plano de reembolso do crédito constituem critérios a tomar em consideração na apreciação do caráter abusivo da referida cláusula, nomeadamente do eventual desequilíbrio contratual por ela criado.

77      Quanto a este último aspeto, cabe também ao órgão jurisdicional de reenvio ponderar o montante dos custos suplementares gerados pela aquisição do serviço em questão e o montante do empréstimo concedido, tendo igualmente em conta todos os encargos ligados ao contrato de crédito em causa no processo principal. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando uma apreciação económica de natureza quantitativa apresenta um desequilíbrio significativo, este pode ser declarado sem que seja necessário examinar outros elementos. No caso de um contrato de crédito, essa constatação pode ser efetuada, nomeadamente, se os serviços prestados em contrapartida de custos não correspondentes a juros não estiverem compreendidos razoavelmente nas prestações efetuadas no âmbito da celebração ou da gestão desse contrato, ou se os montantes imputados ao consumidor a título de encargos de concessão e de gestão do empréstimo forem claramente desproporcionados relativamente ao montante mutuado (Acórdão de 23 de novembro de 2023, Provident Polska, C‑321/22, EU:C:2023:911, n.° 47 e jurisprudência referida).

78      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo que permita ao consumidor em questão adiar ou reescalonar as prestações mensais do crédito mediante o pagamento de custos suplementares, ainda que não seja certo que esse consumidor fará uso dessa possibilidade, pode revestir caráter abusivo, quando, nomeadamente, esses custos forem manifestamente desproporcionados face ao montante do empréstimo concedido.

 Quanto à sexta questão

79      Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz do princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que permite obrigar um consumidor a suportar uma parte das despesas do processo quando, na sequência da declaração de nulidade de uma cláusula contratual em razão do seu caráter abusivo, o seu pedido de restituição de quantias que pagou indevidamente por força dessa cláusula só seja julgado parcialmente procedente.

80      Em especial, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a interpretação a que o Tribunal de Justiça chegou no n.° 99 do Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578), apenas é aplicável quando, na prática, seja impossível ou excessivamente difícil determinar o alcance do direito de um consumidor à restituição de quantias que pagou com fundamento numa cláusula declarada abusiva ou se essa interpretação se aplica também a todas as situações em que o seu pedido de restituição dessas quantias só parcialmente é julgado procedente.

81      Segundo o referido órgão jurisdicional, se o pedido da S.R.G. só parcialmente for julgado procedente, declarando quer que as cláusulas relativas aos serviços acessórios em causa no processo principal são abrangidas pelo objeto principal do contrato, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, quer que os custos relativos a esses serviços não deveriam ser incluídos na TAEG por força da Diretiva 2008/48, quer que o pedido relativo à perda do direito ao mutuante aos juros e aos encargos só deve ser julgado parcialmente procedente, deve também pronunciar‑se sobre a repartição das despesas, nos termos do artigo 78.° do GPK.

82      Importa recordar que a repartição das custas de um processo judicial nos órgãos jurisdicionais nacionais é abrangida pela autonomia processual dos Estados‑Membros, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (Acórdão de 22 de setembro de 2022, Servicios Prescriptor y medios de pagos EFC, C‑215/21, EU:C:2022:723, n.° 34 e jurisprudência referida).

83      Embora o princípio da efetividade não se oponha, em geral, a que o consumidor suporte determinadas taxas de justiça quando intenta uma ação destinada a obter a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual (Acórdão de 7 de abril de 2022, Caixabank, C‑385/20, EU:C:2022:278, n.° 51), há também que observar que a Diretiva 93/13 confere ao consumidor o direito de pedir em juízo a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual e de afastar a aplicação desta, direito esse cujo caráter efetivo deve ser preservado. Por conseguinte, o regime de repartição das despesas desse processo não deve dissuadir o consumidor de exercer esse direito (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Servicios prescriptor y medios de pagos EFC, C‑215/21, EU:C:2022:723, n.° 37 e jurisprudência referida).

84      No n.° 99 do Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, bem como o princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime que permite que uma parte das despesas processuais recaia sobre o consumidor, segundo o nível dos montantes indevidamente pagos que lhe são restituídos na sequência da declaração da nulidade de uma cláusula contratual fundada no seu caráter abusivo, dado que tal regime cria um obstáculo substancial suscetível de desencorajar os consumidores de exercerem o seu direito a uma fiscalização jurisdicional efetiva do caráter potencialmente abusivo de cláusulas contratuais conforme conferido pela Diretiva 93/13.

85      O regime processual de fixação das despesas em causa no processo que deu origem a esse acórdão permitia, como resulta do n.° 94 deste último, não condenar o profissional na totalidade das despesas quando fosse julgada integralmente procedente a ação de declaração nulidade de uma cláusula contratual abusiva intentada por um consumidor, mas que a ação para a restituição de montantes pagos por força desta cláusula fosse julgada apenas parcialmente procedente.

86      Resulta da jurisprudência decorrente do referido acórdão que, na situação em que os pedidos relativos à anulação de uma cláusula contratual em razão do seu caráter abusivo são integralmente admitidos, o simples facto de a restituição das quantias pagas em aplicação dessa cláusula ser apenas parcial em razão da existência de uma prática contraditória suscetível de impedir o consumidor de quantificar corretamente o seu pedido de restituição dessas quantias, não permite imputar‑lhe uma parte das despesas processuais em função das quantias indevidamente pagas que lhe são restituídas.

87      Por conseguinte, não se pode excluir que um consumidor possa ter de suportar uma parte das despesas que efetuou para intentar uma ação destinada a obter a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual em caso de acolhimento parcial do pedido, na sequência da declaração da nulidade dessa cláusula, do seu pedido de restituição das quantias indevidamente pagas por força desta última, nomeadamente, quando esse consumidor exerce de má‑fé os seus direitos à restituição. Porém, se, depois de julgada procedente a ação de declaração de nulidade, o pedido de restituição for acolhido apenas parcialmente com o fundamento de que é impossível na prática ou excessivamente difícil, para o referido consumidor, determinar o alcance do seu direito à restituição dessas quantias, um regime processual com base no qual o mesmo consumidor deve suportar uma parte das despesas relativas a esse processo é suscetível de o dissuadir de exercer os direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 93/13.

88      Tendo em conta estas considerações, há que responder à sexta questão que o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz do princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que permite obrigar um consumidor a suportar uma parte das despesas do processo, quando, na sequência da declaração de nulidade de uma cláusula contratual em razão do seu caráter abusivo, o seu pedido de restituição de quantias que pagou indevidamente por força dessa cláusula só seja julgado parcialmente, com o fundamento de que é impossível na prática ou excessivamente difícil determinar o alcance do direito desse consumidor à restituição dessas quantias.

 Quanto às despesas

89      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 3.°, alínea g), da Diretiva 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que:

os custos relativos a serviços acessórios a um contrato de crédito ao consumo, que concedem ao consumidor que compre esses serviços prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante, estão abrangidos pelo conceito de «custo total do crédito para o consumidor», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, pelo conceito de «taxa anual de encargos efetiva global», na aceção deste artigo 3.°, alínea i), quando a aquisição dos referidos serviços se revelar obrigatória para a obtenção do crédito em questão ou quando estes constituírem uma montagem destinada a dissimular o custo real desse crédito.

2)      O artigo 10.°, n.° 2, alínea g), e o artigo 23.° da Diretiva 2008/48

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a que, quando um contrato de crédito ao consumo não mencione uma taxa anual efetiva global que inclui todos os encargos previstos no artigo 3.°, alínea g), desta diretiva, se considere que esse contrato está isento de juros e de encargos, de modo que da sua anulação resulta apenas a restituição, pelo consumidor em questão, do capital mutuado.

3)      O artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

deve ser interpretado no sentido de que:

cláusulas que tenham por objeto serviços acessórios de um contrato de crédito ao consumo, que concedem ao consumidor que compre esses serviços prioridade no exame do seu pedido de crédito e na disponibilização da quantia mutuada, bem como a possibilidade de adiar o reembolso das prestações mensais ou de reduzir o seu montante, não estão, em princípio, abrangidas pelo objeto principal desse contrato, na aceção desta disposição, e não escapam, portanto, à apreciação do seu caráter abusivo.

4)      O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

deve ser interpretado no sentido de que:

uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo que permita ao consumidor em questão adiar ou reescalonar as prestações mensais do crédito mediante o pagamento de custos suplementares, ainda que não seja certo que esse consumidor fará uso dessa possibilidade, pode revestir caráter abusivo, quando, nomeadamente, esses custos forem manifestamente desproporcionados face ao montante do empréstimo concedido.

5)      O artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz do princípio da efetividade,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma regulamentação nacional que permite obrigar um consumidor a suportar uma parte das despesas do processo, quando, na sequência da declaração de nulidade de uma cláusula contratual em razão do seu caráter abusivo, o seu pedido de restituição de quantias que pagou indevidamente por força dessa cláusula só seja julgado parcialmente, com o fundamento de que é impossível na prática ou excessivamente difícil determinar o alcance do direito desse consumidor à restituição dessas quantias.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.