Language of document : ECLI:EU:C:2024:270

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 21 de março de 2024 (1)

Processo C793/22

Biohemp Concept SRL

contra

Direcţia pentru Agricultură Judeţeană Alba

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Alba Iulia (Tribunal de Recurso de Alba Iulia, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Regulamentos (UE) n.° 1307/2013 e n.° 1308/2013 — Cultivo de cânhamo — Conceito de superfície agrícola — Exclusão das terras ocupadas por construções ou instalações agropecuárias destinadas à produção agrícola — Proibição de cultivar cânhamo com sistemas hidropónicos em espaços fechados — Aumento do teor de canabidiol (CBD) no cânhamo — Proteção da saúde pública»






1.        O cultivo do cânhamo é permitido no âmbito da Política Agrícola Comum (a seguir, «PAC») com restrições destinadas a assegurar que apenas sejam plantadas variedades que, devido ao seu baixo teor de canabinoides psicoativos, não sejam adequadas para a produção de canábis e de outros estupefacientes semelhantes.

2.        No presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se sobre a compatibilidade com o direito da União de uma medida adotada pelas autoridades romenas que proíbe o cultivo de cânhamo em espaços fechados e com um sistema hidropónico.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento (UE) 1307/2013 (2)

3.        O considerando 28 dispõe:

«No caso do cânhamo, é conveniente manter medidas específicas para evitar a dissimulação de culturas ilícitas nas que podem beneficiar do pagamento de base e a consequente perturbação do mercado deste produto. Por conseguinte, os pagamentos deverão continuar a ser concedidos unicamente em relação às superfícies semeadas com variedades de cânhamo que ofereçam certas garantias no que diz respeito ao seu teor de substâncias psicotrópicas.»

4.        O artigo 4.° («Definições e disposições conexas») prevê:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

c)      “Atividade agrícola”:

i)      a produção, a criação ou o cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, a ordenha, a criação de animais, e a detenção de animais para fins de produção,

[…]

d)      “Produtos agrícolas”: os produtos, com exclusão dos produtos da pesca, enumerados no Anexo I dos Tratados, bem como o algodão;

e)      “Superfície agrícola”: qualquer superfície de terras aráveis, prados permanentes e pastagens permanentes, ou culturas permanentes;

f)      “Terras aráveis”: as terras cultivadas para produção vegetal ou as superfícies disponíveis para produção vegetal mas em pousio, incluindo as superfícies retiradas nos termos dos artigos 22.°, 23.° e 24.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999, do artigo 39.° do Regulamento (CE) n.° 1698/2005 e do artigo 29.° do Regulamento (UE) n.° 1305/2013, independentemente de estarem ou não ocupadas por estufas ou cobertas por estruturas fixas ou móveis;

[…]».

5.        O artigo 32.° («Ativação dos direitos ao pagamento») dispõe:

«1.      O apoio a título do regime de pagamento de base é concedido aos agricultores, através da declaração, nos termos do artigo 33.°, n.° 1, mediante ativação de um direito ao pagamento por hectare elegível no Estado‑Membro em que foi atribuído. [...]

2.      Para efeitos do presente título, entende‑se por “hectare elegível”:

a)      Qualquer superfície agrícola da exploração, incluindo as superfícies que não estavam mantidas em boas condições agrícolas à data de 30 de junho de 2003 nos Estados‑Membros que aderiram à União em 1 de maio de 2004 e que, no momento da adesão, optaram por aplicar o regime de pagamento único por superfície, que seja utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, que seja principalmente utilizada para atividades agrícolas; [...]

[…]

3.      Para efeitos do n.° 2, alínea a):

a)      Sempre que uma superfície agrícola de uma exploração seja igualmente utilizada para atividades não agrícolas, considera‑se que a superfície em causa é principalmente utilizada para atividades agrícolas desde que estas atividades agrícolas possam ser exercidas sem serem significativamente afetadas pela intensidade, natureza, duração e calendário das atividades não agrícolas;

b)      Os Estados‑Membros podem elaborar uma lista das superfícies que são principalmente utilizadas para atividades não agrícolas.

Os Estados‑Membros estabelecem critérios para a aplicação do presente número no respetivo território.

4.      As superfícies só são consideradas hectares elegíveis se forem conformes com a definição de hectare elegível ao longo de todo o ano civil, salvo em casos de força maior ou circunstâncias excecionais.

[…]

As superfícies utilizadas para a produção de cânhamo só são elegíveis se o teor de tetra‑hidrocanabinol das variedades utilizadas não for superior a 0,2 %».

2.      Regulamento (UE) n.° 1308/2013 (3)

6.        Segundo o seu artigo 1.° («Âmbito de aplicação»):

«1.      O presente regulamento estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas, isto é, todos os produtos enumerados no Anexo I dos Tratados, com exceção dos produtos da pesca e da aquicultura tal como definidos nos atos legislativos da União relativos à organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura.

2.      Os produtos agrícolas definidos no n.° 1 são divididos nos seguintes setores, enumerados nas partes respetivas do Anexo I:

[…]

h)      Linho e cânhamo (Parte VIII);

[…]».

7.        Na Parte VIII do Anexo 1 («Lista dos produtos a que se refere o artigo 1.°, n.° 2»), figura o «Cânhamo (Cannabis sativa L.)» com o código NC 5302.

8.        O artigo 189.° («Importações de cânhamo») estabelece:

«1.      Os produtos a seguir indicados só podem ser importados para a União se forem satisfeitas as seguintes condições:

a)      O cânhamo em bruto do código NC 5302 10 00 preenche as condições estabelecidas no artigo 32.°, n.° 6, e no artigo 35.°, n.° 3, do Regulamento (UE) n.° 1307/2013;

b)      As sementes de variedades de cânhamo do código NC 1207 99 20, destinadas a sementeira, são acompanhadas da prova de que o teor de tetra‑hidrocanabinol da variedade em causa não é superior ao fixado nos termos do artigo 32.°, n.° 6, e do artigo 35.°, n.° 3, do Regulamento (UE) n.° 1307/2013;

c)      As sementes de cânhamo não destinadas a sementeira, do código NC 1207 99 91, só são importadas por importadores autorizados pelo Estado‑Membro, por forma a assegurar que o seu destino não é a sementeira.

2.      O presente artigo aplica‑se sem prejuízo de regras mais restritivas adotadas pelos Estados‑Membros no respeito do TFUE e das obrigações decorrentes do Acordo da OMC sobre a Agricultura».

B.      Direito romeno

1.      Lei 18/1991 relativa à Propriedade Fundiária (4)

9.        O seu artigo 2.°, alínea a), indica:

«Dependendo da afetação, os terrenos são:

a)      Terrenos para fins agrícolas, ou seja

–        terrenos agrícolas produtivos — as terras aráveis, as vinhas, os pomares, os viveiros vitícolas, os arbóreos, as plantações de lúpulo e de amoreiras, as pastagens permanentes, as estufas, as estufas fotovoltaicas, as camas de sementeira e outras análogas;

–        terrenos com vegetação em talhadia, se não estiverem incluídas nas intervenções em silviculturas, pastagens reflorestadas;

–        terrenos ocupados com construções e instalações agropecuárias, as instalações de aquicultura e para o melhoramento do solo, estradas da rede rodoviária rural estradas rurais/agrícolas e de ligação entre latifúndios , plataformas e espaços de armazenamento que funcionam para a produção agrícola; e

–        os terrenos não produtivos que podem ser preparados no âmbito dos perímetros de melhoramento e usados para a produção agrícola».

2.      Lei 339/2005 (5)

10.      Nos termos do artigo 12.°:

«(1)      O cultivo de plantas que contenham substâncias sujeitas ao regime da legislação nacional apenas é permitido se estas forem tratadas para fins técnicos, para a produção de caules, fibras, sementes e óleo, para fins médicos e científicos e apenas com a autorização do Ministério da Agricultura, das Florestas e do Desenvolvimento Rural, através das Direções distritais ou do município de Bucareste para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural, com base nas estimativas anuais estabelecidas nos termos do artigo 42.°, n.° 1, alínea e), da presente lei e das regras metodológicas para a sua aplicação.

[…]

(4)      Os cultivadores autorizados de canábis e de papoila de ópio apenas podem semear os seus terrenos com sementes de variedades registadas no Catálogo oficial das variedades e híbridos de culturas da Roménia ou nos Catálogos das Comunidades Europeias, produzidas por estabelecimentos autorizados pelo Ministério da Agricultura, das Florestas e do Desenvolvimento Rural, através das autoridades territoriais de controlo e certificação de sementes».

3.      Regras metodológicas de aplicação da Lei 339/2005 (6)

11.      O artigo 4.°, n.° 5, alínea b), refere:

«Para a emissão de autorizações de cultivo de plantas que contenham substâncias estupefacientes e psicotrópicas, para utilização na indústria e/ou na alimentação, no domínio científico ou técnico ou para a produção de sementes, os produtores devem apresentar um pedido às direções agrícolas distritais ou do município de Bucareste […]. O pedido deve ser acompanhado dos seguintes documentos, em original e em cópia, dependendo da finalidade da autorização:

[…]

b)      Título de propriedade, instrumentos públicos, títulos de posse ou outros atos que justifiquem a utilização legítima da superfície de terreno agrícola;

[…]».

II.    Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

12.      Em 14 de janeiro de 2021, a Biohemp Concept SRL (a seguir, «Biohemp») pediu à Direção Distrital de Agricultura de Alba (a seguir, «autoridade distrital») uma autorização para cultivar cânhamo (Cannabis sativa L.) numa superfície de 0,54 hectares.

13.      Em 27 de janeiro de 2021, a autoridade distrital emitiu a autorização, mas apenas para a superfície de 0,50 hectares. Recusou‑a, por seu turno, para a superfície restante de 0,04 hectares, por não se tratar de um terreno agrícola, mas de uma estrutura para fins agropecuários que não cumpria os requisitos do artigo 4.°, n.° 5, alínea b), das Regras metodológicas de aplicação da Lei 339/2005.

14.      A Biohemp apresentou reclamação da decisão de 27 de janeiro de 2021, que a autoridade distrital indeferiu em 17 de fevereiro de 2021.

15.      Em 13 de abril de 2021, a Biohemp interpôs recurso no Tribunalul Alba (Tribunal Regional de Alba, Roménia), pedindo a autorização para a superfície completa de 0,54 hectares.

16.      O tribunal de primeira instância negou provimento ao recurso da Biohemp invocando, em substância, argumentos relativos à aplicação das normas nacionais (7).

17.      A Biohemp interpôs recurso no Tribunal de Recurso de Alba Iulia (Roménia), salientando como aspetos relevantes que no espaço protegido de 400 m2 tencionava cultivar, utilizando um sistema hidropónico, cânhamo com o teor autorizado de tetra‑hidrocannabinol (8) não superior a 0,2 %.

18.      A Biohemp afirma, na mesma linha, que o cultivo do cânhamo em espaços protegidos permitia obter plantas com um teor de canabidiol (9) de 12 % a 14 %, ao passo que o cânhamo cultivado ao ar livre (em terrenos agrícolas) tinha um teor de CBD não superior a 1 %. As empresas transformadoras de cânhamo preferiam comprar o cânhamo cultivado em espaços protegidos, devido à concentração muito mais elevada de CBD.

19.      Com base nesses dados, o recurso interposto é fundamentado tanto no direito nacional (10) como no direito da União. Quanto a este último, além da jurisprudência que refere (11), a Biohemp indica que nenhuma norma da União exige que o cânhamo seja cultivado exclusivamente ao ar livre, sendo, portanto, permitido o seu cultivo em espaços protegidos, ou seja, em estufas, abrigos para cultivo e afins. Ao limitar o cultivo do cânhamo ao ar livre, a autoridade distrital recusa reconhecer um setor já reconhecido pela Comissão Europeia e nega tacitamente aos agricultores romenos o acesso ao mercado interno, contrariamente ao disposto no TFUE.

20.      A autoridade distrital contesta o pedido da Biohemp apresentando também argumentos de direito nacional (12) e de direito da União. Quanto a estes últimos, defende, em suma, que:

—      O cânhamo com uma concentração de THC inferior a 0,2 %, cultivado na Roménia e controlado pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, é uma cultura de campo, que respeita a tecnologia de cultivo segundo a literatura científica, em locais nos quais estão garantidas as necessidades da planta em termos de clima e de solo.

—      Do procedimento A para a colheita de amostras para a determinação do teor de THC, conforme estabelecido no anexo III, pontos 2.1 («Amostras») e 2.2. («Dimensão da amostra») do Regulamento Delegado (UE) n.° 639/2014 (13), depreende‑se que o cultivo de cânhamo tem lugar no campo.

21.      Neste contexto, o Tribunal de Recurso de Alba Iulia (Roménia) submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os Regulamentos n.° 1307/2013 e n.° 1308/2013 e os artigos 35.°, 36.° e 38.° TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional na parte em que proíbe o cultivo de cânhamo (Cannabis sativa L.) [com] sistemas hidropónicos em espaços fechados preparados para tal?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

22.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de dezembro de 2022.

23.      Apresentaram observações escritas o Governo Romeno e a Comissão Europeia (14). O Governo Romeno, a Comissão Europeia e a Biohemp, compareceram na audiência realizada em 25 de janeiro de 2024.

IV.    Apreciação

A.      Admissibilidade

24.      O Governo Romeno afirma que a questão prejudicial é inadmissível no que respeita à interpretação dos artigos 35.° e 36.° TFUE. Invoca, para fundamentar a sua objeção, a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre situações puramente internas (15) e a falta de explicações no despacho de reenvio a respeito do nexo de ambos os artigos com o litígio.

25.      Segundo o Tribunal de Justiça, regra geral, as disposições do TFUE em matéria de liberdades fundamentais não são aplicáveis, em princípio, a uma situação em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (16). No entanto, esta regra geral comporta quatro exceções em que, mesmo numa situação interna, pode ser pedida a interpretação de normas do direito da União. Essas exceções são enunciadas no Acórdão Ullens de Schooten (17), sendo a sua transcrição desnecessária nas presentes conclusões.

26.      Para proceder à interpretação do direito da União numa situação puramente interna, o Tribunal de Justiça exige que resultem da decisão de reenvio os elementos concretos que permitem fazer a ligação entre o objeto ou as circunstâncias de um litígio no qual todos os elementos se confinam a um Estado‑Membro e as normas de direito da União cuja interpretação é pedida.

27.      Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar em que medida, não obstante o seu caráter puramente interno, o litígio apresenta um elemento de conexão com as disposições do direito da União em matéria de liberdades fundamentais que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a resolução desse litígio (18).

28.      Neste processo podem ser afetadas, teoricamente, a liberdade de estabelecimento (a legislação romena proíbe o exercício da atividade económica independente de cultivador de cânhamo em espaços fechados) e a liberdade de circulação de mercadorias (a Biohemp não pode produzir, nesses espaços, cânhamo para exportar para outros Estados‑Membros em que há procura deste produto).

29.      Ora, o despacho de reenvio não contém nenhuma fundamentação própria sobre a necessidade de interpretar os artigos 35.° e 36.° TFUE (nem o artigo 49.° TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento). O juiz a quo limita‑se a referir que a Biohemp afirma ter celebrado contratos de venda do seu cânhamo com empresas transformadoras com sede noutros Estados‑Membros.

30.      Nestas condições, o Tribunal de Justiça não pode fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma interpretação dos artigos 35.° e 36.° TFUE que seja útil para decidir o litígio (19) e a questão prejudicial é inadmissível no que a estes diz respeito.

31.      O Governo Romeno também alega essa mesma inadmissibilidade a respeito da interpretação do artigo 38.° TFUE, mas nesse caso a sua objeção não pode ser acolhida.

32.      O artigo 38.° TFUE é a primeira das disposições de direito primário que regulam a PAC, cujos objetivos estão consagrados no artigo 39.° TFUE. Ambos os artigos são, contrariamente aos anteriormente referidos, relevantes para efeitos deste processo de reenvio, dado que constituem o quadro de referência no âmbito do qual devem ser interpretados os Regulamentos n.° 1307/2013 e n.° 1308/2013, que são objeto das questões do tribunal a quo. Para efeitos de aplicação das regras da PAC é irrelevante que se trate de uma situação puramente interna.

33.      Na audiência, a Biohemp afirmou ter pedido autorização para cultivar cânhamo numa superfície de 0,54 hectares (20), mas reconheceu não ter solicitado o pagamento direto previsto no Regulamento n.° 1307/2013.

34.      Perante este reconhecimento, suscita‑se a questão de saber se a resolução do litígio exige que o Tribunal de Justiça interprete, como pretende o órgão jurisdicional de reenvio, as disposições do Regulamento n.° 1307/2013, que prevê pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da PAC.

35.      Compete, em princípio, ao juiz nacional verificar se as questões que formula são necessárias para decidir o litígio (21). No entanto, o Tribunal de Justiça pode julgá‑las inadmissíveis quando as considere hipotéticas ou irrelevantes para esse fim (22).

36.      A legislação romena exige uma autorização para plantar cânhamo porque este produto contém, em maior ou menor medida, substâncias estupefacientes que podem estar na origem da produção de drogas. As disposições do Regulamento n.° 1307/2013 seriam aplicáveis à autorização se, simultânea ou posteriormente, a Biohemp tivesse solicitado o pagamento direto para a sua exploração.

37.      Pelo contrário, se a empresa que pede a autorização de cultivo não solicita o pagamento direto previsto pelo Regulamento n.° 1307/2013, poderia alegar‑se que este não é aplicável e que a sua interpretação não tem utilidade para decidir o litígio. Assim, em princípio, o reenvio prejudicial seria inadmissível na parte em que diz respeito à interpretação daquele regulamento.

38.      Ora, o Tribunal de Justiça pode evitar essa declaração de inadmissibilidade, e fornecer ao tribunal de reenvio a interpretação do Regulamento n.° 1307/2013, se considerar que existe uma ligação necessária entre o pedido de autorização para cultivar cânhamo e o regime substantivo do referido regulamento.

39.      Para chegar a esta solução, como explicarei posteriormente, as condições para a concessão do pagamento direto pela produção de cânhamo devem ser consideradas aplicáveis à autorização de cultivo, mesmo que o produtor não solicite esse pagamento, por se tratar de uma planta com variedades adequadas à produção de drogas cujo cultivo não pode ser efetuado livremente e sem controlos da Administração.

40.      Reconheço que não é fácil admitir essa ligação, mas, na minha opinião, não existe outra possibilidade de declarar admissível a questão prejudicial no que diz respeito à interpretação do Regulamento n.° 1307/2013. Para o caso de o Tribunal de Justiça também assim o entender, irei pronunciar‑me sobre este regulamento.

41.      De qualquer modo, como o órgão jurisdicional de reenvio solicita a interpretação do Regulamento n.° 1308/2013, cujos artigos 1.°, n.° 2, alínea h), e 189.°, n.° 2, têm por objeto, especificamente, o cultivo de cânhamo, é admissível o processo de reenvio no que se refere a este regulamento.

B.      Análise de mérito

42.      O cânhamo (Cannabis sativa L.) é uma espécie da família cannabaceae. Estas plantas herbáceas têm um elevado teor de diversos tipos de fitocanabinoides, concentrados numa seiva viscosa produzida em estruturas glandulares conhecidas como tricomas.

43.      Das informações recebidas (23) deduz‑se que os dois fitocanabinoides mais significativos do cânhamo são o THC (o componente psicoativo primário da planta, que tem a natureza de estupefaciente) e o CBD (que não é considerado psicoativo nem estupefaciente). Além disso, o CBD parece reduzir os efeitos psicoativos do THC.

44.      Da leitura conjugada do artigo 38.° TFUE, n.° 3, e do seu anexo I conclui‑se que o cânhamo está sujeito à PAC.

45.      Em aplicação do artigo 1.°, n.° 2, alínea h), do Regulamento n.° 1308/2013, o cânhamo é abrangido pela organização comum dos mercados (a seguir, «OCM») para os produtos agrícolas. Segundo o anexo I, parte VIII, deste regulamento, o setor do cânhamo destinado à produção de fibras inclui o «cânhamo (Cannabis sativa L.) em bruto ou trabalhado, mas não fiado; estopas e desperdícios de cânhamo (incluídos os desperdícios de fios e fiapos)».

46.      No âmbito da PAC só é admitido o cultivo de cânhamo não apto para a produção de estupefacientes, com uma percentagem diminuta de THC (24). O cânhamo industrial tem diversas utilizações lícitas que contribuem para a concretização dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu (25).

47.      Os agricultores que cultivam cânhamo podem beneficiar de pagamentos diretos por superfície (pagamento de base ou pagamento único por superfície) (26) no âmbito da PAC,  desde que cumpram: a) as condições normais de elegibilidade para os pagamentos diretos fixadas no Regulamento n.° 1307/2013; e b) os requisitos adicionais específicos que garantam que nenhuma cultura ilícita de cânhamo receba ajudas da PAC:

—      No que respeita às condições normais, o que está em causa no presente processo é a questão de saber se um «espaço fechado preparado» para o cultivo hidropónico pode ser qualificado de «superfície agrícola».

—      Quanto aos requisitos adicionais específicos, o debate centra‑se no teor de THC e de CBD do cânhamo cultivado num espaço fechado utilizando um sistema hidropónico.

48.      Antes de abordar cada um destes dois elementos, devo referir que os Estados‑Membros não podem impor restrições adicionais ao cultivo de cânhamo com base no artigo 189.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1308/2013.

49.      Esta disposição apenas autoriza os Estados‑Membros a adotar «regras mais restritivas» do que as estabelecidas (no próprio artigo 189.°, n.° 1) para as importações de cânhamo de países terceiros. Essa possibilidade não permite tornar mais rígidas as regras internas de produção de cânhamo em violação das estabelecidas pelo direito da União.

50.      Esta afirmação é corroborada pelo Acórdão Hammarsten (27), relativo à proibição sueca de cultivar e deter cânhamo industrial abrangido por uma OCM do setor. Segundo o Tribunal de Justiça, a proibição nacional violava diretamente esta OCM e privava os agricultores estabelecidos na Suécia de qualquer possibilidade de reclamarem o benefício da ajuda instituída pelo direito da União.

51.      O Acórdão Hammarsten e o artigo 189.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1308/2013 evidenciam que existe uma certa ligação entre a autorização para plantar cânhamo e a possibilidade de obter os pagamentos diretos da PAC previstos para este cultivo no Regulamento n.° 1307/2013.

52.      Com efeito, o artigo 189.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1308/2013 só permite a importação para a União de cânhamo em bruto se forem cumpridas as condições estabelecidas pelo artigo 32.°, n.° 6, e pelo artigo 35.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1307/2013.

53.      Essas condições (que, em princípio, são exigidas para a concessão de pagamentos diretos às superfícies utilizadas para este cultivo) devem considerar‑se aplicáveis também à produção interna de cânhamo na União. Por outras palavras, os referidos artigos fixam os limites da existência de cultivo «legal» de cânhamo nos Estados‑Membros, independentemente de o produtor solicitar ou não o pagamento direto para a superfície cultivada.

1.      Conceito de superfície agrícola

54.      Nos termos do artigo 32.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1307/2013, «[o] apoio a título do regime de pagamento de base é concedido aos agricultores, […] mediante ativação de um direito ao pagamento por hectare elegível».

55.      Segundo o artigo 32.°, n.° 2, alínea a), do mesmo regulamento, o conceito de «hectare elegível» abrange «[q]ualquer superfície agrícola da exploração […] que seja utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, que seja principalmente utilizada para atividades agrícolas».

56.      O conceito de «superfície agrícola», tal como é definido pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1307/2013, abrange «qualquer superfície de terras aráveis, prados permanentes e pastagens permanentes, ou culturas permanentes».

57.      As «terras aráveis» definidas no artigo 4.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento n.° 1307/2013 como «as terras cultivadas para produção vegetal ou as superfícies disponíveis para produção vegetal mas em pousio […] independentemente de estarem ou não ocupadas por estufas ou cobertas por estruturas fixas ou móveis».

58.      De acordo com o artigo 4.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1307/2013, a «atividade agrícola» engloba «a produção, a criação ou o cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita […]», entendendo por «produtos agrícolas» «os produtos […] enumerados no Anexo I dos Tratados [...]», entre os quais se encontra o cânhamo.

59.      A qualificação de «terras aráveis» e, portanto, a de «superfície agrícola», na aceção das referidas disposições, depende da utilização efetiva (mesmo em violação das disposições nacionais relativas à respetiva classificação predial) (28) dessas terras (29).

60.      As áreas elegíveis para a ajuda têm de ser superfícies agrícolas, fazer parte da exploração do agricultor e ser utilizadas para fins agrícolas, ou, no caso de utilização simultânea, ser principalmente utilizadas para esses fins (30).

61.      Na minha opinião, as disposições que acabo de referir dos Regulamentos n.° 1307/2013 e n.° 1308/2013, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de superfície agrícola, permitem defender que o cultivo de cânhamo em regime hidropónico num «espaço fechado [e preparado para tal]» se enquadra nesse conceito.

62.      Um espaço fechado preparado para o cultivo de cânhamo é uma parcela de terreno, coberta por uma estrutura, destinada a uma atividade agrícola, como o cultivo do cânhamo. As «terras aráveis» são, como acabo de expor, as que se destinam à produção vegetal, «independentemente de estarem ou não ocupadas por estufas ou cobertas por estruturas fixas ou móveis» (31).

63.      Tal como uma estufa ou qualquer outra estrutura análoga (que não seja, propriamente, um edifício na sua aceção habitual), um espaço fechado e preparado para o cultivo de cânhamo abrange uma proteção fixa colocada sobre a terra, o que não impede a sua qualificação como superfície agrícola. A semelhança entre uma estufa e uma estrutura preparada para o cultivo de cânhamo com um sistema hidropónico é clara. Atualmente, as estufas não se constroem com uma simples estrutura de arame e plástico, também utilizam outros materiais e estruturas mais sólidas, de policarbonato ou vidro, por exemplo.

64.      O que é relevante, como afirma a jurisprudência anteriormente referida, é que a superfície (mesmo que coberta pela estrutura fixa) seja destinada à produção agrícola, no presente caso, de cânhamo.

65.      A Comissão opõe‑se a este raciocínio alegando que o cultivo de cânhamo só pode beneficiar do regime de pagamento de base aos agricultores se for feito ao ar livre, e não quando tem lugar numa estrutura fechada com um sistema hidropónico.

66.      Segundo a Comissão, o artigo 4.°, n.° 1, alíneas e) e f), do Regulamento n.° 1307/2013 exige, para que se possa falar de terra arável e de superfície agrícola, a interação entre o solo e a raiz da planta (32). A mesma exigência seria aplicável ao regime dos apoios associados voluntários (33) e não estaria cumprida no caso do cultivo de cânhamo num espaço fechado com um sistema hidropónico.

67.      Não partilho da opinião da Comissão. O teor literal do artigo 4.°, n.° 1, alíneas e) e f), do Regulamento n.° 1307/2013 não permite deduzir que só possam ser terras aráveis as superfícies agrícolas em que a raiz da planta esteja em contacto com o solo. Esta ideia corresponde a uma conceção da agricultura ultrapassada pelo progresso tecnológico.

68.      Desde há vários anos que o solo deixou de ser um elemento indispensável para a produção agrícola (34). Em condições naturais, é certo que o solo atua como reserva de minerais e nutrientes para as plantas, mas, quando os nutrientes se dissolvem em água, as raízes das plantas podem absorvê‑los diretamente e o solo já não é estritamente necessário para que a planta cresça. Por outras palavras, não é imprescindível a «interação das raízes com o solo» para que a planta se desenvolva e haja produção agrícola.

69.      A hidroponia é um sistema de cultivo em que as raízes recebem uma solução nutritiva dissolvida em água. Esta contém os elementos químicos necessários para o desenvolvimento de plantas que podem crescer num meio aquoso (ou num meio inerte como areia lavada, cascalho ou perlite) prescindindo do solo (terra).

70.      Entre as vantagens do cultivo hidropónico em relação à agricultura tradicional há que salientar:

—      O menor consumo de água e de nutrientes, que podem ser aproveitados mais eficazmente.

—      O menor uso de solo agrícola e a eliminação dos problemas de deterioração da qualidade destes solos, devido à utilização de fertilizantes e à repetição de culturas intensivas.

—      Uma redução na utilização de pesticidas, dado que a hidroponia é conjugada com o cultivo em espaços fechados ou semifechados (como estufas ou instalações preparadas para tal), facilitando assim o controlo das pragas (35).

—      Uma maior proximidade dos núcleos urbanos de consumo e a consequente redução das emissões decorrentes do transporte dos produtos agrícolas.

71.      Os Regulamentos n.° 1307/2013 e n.° 1308/2013 não contêm nenhuma disposição que faça depender a qualificação de terra arável ou de superfície agrícola da utilização de determinadas técnicas de cultivo. Não há, assim, motivos para afirmar que a hidroponia é incompatível com a qualificação de superfície agrícola de um terreno.

72.      As normas da União não permitem a utilização de sistemas hidropónicos no caso da produção biológica. Assim acontece com o Regulamento (UE) 2018/848 (36), nos termos do seu considerando 28 (37) e do seu anexo II, parte I («Regras aplicáveis à produção vegetal»), ponto 1.2 (38).

73.      Na minha opinião, se o legislador quis excluir da produção vegetal biológica a produção hidropónica, é porque, implicitamente e a contrario sensu, esta última é admissível na produção agrícola convencional (não biológica).

74.      A hidroponia como técnica de cultivo tem algumas vantagens compatíveis com os objetivos da PAC, como já mencionei e foi reconhecido na audiência por todas as partes. Em particular, está de acordo com a vocação da PAC [artigo 39.° TFUE, n.° 1, alínea a)] de «incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico, assegurando o desenvolvimento racional da produção agrícola e a utilização ótima dos fatores de produção, designadamente da mão‑de‑obra».

75.      Os sistemas hidropónicos incrementam a produtividade agrícola, fomentam o progresso tecnológico e favorecem um desenvolvimento mais racional da agricultura, uma vez que utilizam menos recursos hídricos e reduzem a extensão dos terrenos necessários para o cultivo.

76.      A hidroponia também favorece o cumprimento de outros dois objetivos da PAC, a saber, «[g]arantir a segurança dos abastecimentos» [(artigo 39.° TFUE, n.° 1, alínea d)] e «[a]ssegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores» [(artigo 39.° TFUE, n.° 1, alínea e)].

77.      Estes dois objetivos são cumpridos porque as culturas hidropónicas em espaços fechados estão menos dependentes das condições climáticas do que as culturas tradicionais ao ar livre e são menos afetadas pelas pragas. Da mesma forma, garantem mais eficazmente o abastecimento de produtos agrícolas, permitindo o seu fornecimento a preços razoáveis e com menores despesas de transporte.

78.      É certo que a PAC parece estar concebida sobretudo para a agricultura tradicional, uma vez que as ajudas aos agricultores são estabelecidas em função dos hectares elegíveis, isto é, da superfície, o que se coaduna melhor com a agricultura ao ar livre e com as plantas enraizadas no solo (39). No entanto, é igualmente verdade que, noutras produções (por exemplo, produtos hortícolas e frutas), a cultura hidropónica pode ser muito adequada, sendo que, na ausência de uma proibição expressa, não vejo razões suficientes para excluir estas novas modalidades de produção, cuja conformidade com os objetivos da PAC considero demonstrada.

79.      Por outras palavras, as normas da PAC não devem ser interpretadas de forma que dificultem o desenvolvimento tecnológico da agricultura, o que aconteceria se fossem excluídos os pagamentos diretos por superfície a explorações em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos.

80.      De qualquer modo, a Comissão admitiu na audiência que seria compatível com o Regulamento n.° 1308/2013 o cultivo de cânhamo em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos, mas que estas culturas não poderiam beneficiar de pagamentos diretos do Regulamento n.° 1307/2013, mas sim de outro tipo de ajudas, designadamente as do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader).

81.      Embora concorde com a tese da Comissão no que se refere ao Regulamento n.° 1308/2013, a mesma não me parece correta quanto ao Regulamento n.° 1307/2013. É certo que as culturas de cânhamo em espaços fechados e utilizando a hidroponia são mais intensivas do que as de cânhamo ao ar livre, pelo que ocupam menos terreno e, portanto, os pagamentos diretos serão inferiores (40). Porém, não vejo motivo para recusar os pagamentos diretos só pelo facto de não existir interação entre as raízes da planta de cânhamo e o terreno, como acabo de referir.

82.      Em suma, entendo que pode ser considerada superfície agrícola, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alíneas e) e f), do Regulamento n.° 1307/2013, a superfície destinada ao cultivo de cânhamo em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos.

2.      Teor de THC e de CDB do cânhamo

83.      O cultivo do cânhamo está sujeito a requisitos específicos para a concessão de pagamentos diretos, pelo facto de desta planta poderem ser extraídos e comercializados estupefacientes:

—      Nos termos do artigo 32.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1307/2013, as superfícies utilizadas para a produção de cânhamo só são elegíveis se o teor de THC das variedades utilizadas não for superior a 0,2 %.

—      Embora não seja aplicável ratione temporis a este litígio, o Regulamento (UE) 2021/2115 aumentou o teor de THC para 0,3 % a partir de 1 de janeiro de 2023 (41).

—      O artigo 53.°, n.° 5, do Regulamento Delegado n.° 639/2014 alarga esta exigência às superfícies de produção de cânhamo para que possam beneficiar do apoio associado voluntário, que a Roménia utilizou.

—      O artigo 35.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1307/2013 (42) habilita a Comissão para adotar um ato delegado nas condições que prevê (43). A Comissão adotou o Regulamento Delegado n.° 639/2014, cujo artigo 9.° (44) exige que os agricultores utilizem sementes certificadas de variedades que constem do Catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas da União Europeia. Há 75 variedades de cânhamo registadas neste catálogo.

84.      Deste conjunto de normas resulta que os agricultores podem obter pagamentos diretos se semearem cânhamo de uma das variedades cujo teor de THC seja inferior a 0,2 % (ou a 0,3 % a partir de 1 de janeiro de 2023). Tratando‑se de cultivo de cânhamo ao ar livre não parece que haja riscos de aumento de THC.

85.      As condições específicas para o benefício de pagamentos diretos pelo cultivo de cânhamo são, também, requisitos para conseguir a correspondente autorização administrativa, nos termos do direito da União, e cultivar legalmente este produto. O preenchimento dessas condições deve permitir aos produtores desenvolver esta atividade, conforme sublinhou o Acórdão Hammarsten.

3.      Proibição adotada pelas autoridades romenas

86.      Do despacho de reenvio decorre que as autoridades romenas proíbem o cultivo hidropónico de cânhamo em espaços fechados e preparados para tal, devido ao risco de o teor de THC das plantas assim cultivadas ultrapassar os limites admitidos, com o consequente prejuízo para a saúde pública.

87.      O estabelecimento de uma OCM não impede os Estados‑Membros de aplicarem as normas nacionais que prossigam objetivos de interesse geral diversos dos visados pela OCM, mesmo que tais normas possam afetar o funcionamento do mercado no setor em causa (45).

88.      As medidas nacionais mais restritivas que se destinam a proteger um objetivo de interesse geral devem, todavia, cumprir o requisito da proporcionalidade, ou seja, serem adequadas para garantir o cumprimento do objetivo prosseguido e não irem além do necessário para o atingir. O exame da proporcionalidade deve ser feito tendo em conta, em especial, os objetivos da PAC e o bom funcionamento da OCM, o que impõe uma ponderação entre esses objetivos e os prosseguidos pela regulamentação nacional (46).

89.      Além disso, uma medida restritiva só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se obedecer efetivamente à intenção de o alcançar de uma maneira coerente e sistemática (47).

90.      Ao apenas permitirem o cultivo de cânhamo com níveis de THC inferiores a 0,2 %, o Regulamento n.° 1307/2013 e as restantes normas da União referentes ao cultivo de cânhamo industrial tomam em consideração os interesses em causa. Como essas normas não se referem expressamente às técnicas de cultivo do cânhamo industrial, os Estados‑Membros têm a possibilidade de adotar medidas restritivas adicionais relativamente a esse cultivo.

91.      Fazendo uso desta possibilidade, as autoridades romenas consideraram que existe um risco real de o cultivo de variedades de cânhamo em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos poder aumentar o nível de THC, ultrapassando o limite legal permitido de 0,2 %. O cânhamo assim cultivado poderia ser «desviado» para a elaboração de estupefacientes, com prejuízo para a saúde pública.

92.      No que diz respeito a esse risco, as autoridades romenas, tendo em conta o princípio da precaução, aplicam uma proibição ex ante, alegando que a realização de controlos ex post sobre as plantações de cânhamo em espaços fechados não protegeria suficientemente o interesse geral. Em seu entender, esses controlos são previstos para o cânhamo cultivado ao ar livre, mas não para o produzido em espaços fechados, cujos ciclos de crescimento e de floração são variáveis (48).

93.      O procedimento A de colheita de amostras para a determinação do conteúdo de THC é estabelecido, como referi, no anexo III do Regulamento Delegado n.° 639/2014 (49) com as seguintes especificações:

—      ponto 2.1 («Amostras»): «[…] colheita, numa população de uma dada variedade de cânhamo, de uma parte com 30 cm que inclua, pelo menos, uma inflorescência feminina em cada planta selecionada. A colheita deve ser efetuada no período compreendido entre o vigésimo dia após o início da floração e o décimo dia após o seu termo»;

—      ponto 2.2 («Dimensão da amostra»): «a amostra deve ser constituída por partes de 50 plantas de cada parcela».

94.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar esta circunstância, bem como todas as que dizem respeito à proporcionalidade da medida nacional restritiva (e, consequentemente, à apreciação da sua compatibilidade com o direito da União), podendo no entanto o Tribunal de Justiça fornecer‑lhe orientações para esse efeito.

95.      Em primeiro lugar, é indiscutível a nocividade dos estupefacientes (incluindo os estupefacientes à base de cânhamo, como a canábis), pelo que é proibida a sua comercialização. É, no entanto, autorizado um comércio estritamente controlado dos mesmos tendo em vista uma utilização para fins médicos e científicos (50).

96.      Por conseguinte, o interesse geral da proteção da saúde pública pode justificar uma medida nacional que proíba o cultivo de cânhamo, quando as plantas sejam utilizadas para a produção de estupefacientes como a canábis, obtida a partir do THC.

97.      Em segundo lugar, as informações fornecidas pela Biohemp salientam que a variedade de cânhamo plantada num espaço fechado equipado com sistemas hidropónicos tem um teor de THC que não ultrapassa 0,2 %. A Biohemp afirma que o cultivo em espaços fechados com sistema hidropónico provoca um aumento do CBD da planta, mas não do teor de THC. Segundo as autoridades romenas, alguns estudos sugerem que este último teor também poderia aumentar, não existindo por enquanto análises conclusivas que confirmem o contrário.

98.      Como a Comissão expôs na audiência, se as plantas são de variedades de cânhamo autorizadas para cultivo na União, devem ter um teor de THC que não ultrapasse 0,2 %, incluindo nos casos de sementeira em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos.

99.      Sem prejuízo das necessárias verificações com base em estudos credíveis, afigura‑se que um teor elevado de CBD numa determinada planta de cânhamo implica um teor mais baixo de THC, pelo que esta planta não permitiria a produção de drogas. No caso dos autos, estaria assim afastado o risco de aumento do teor de THC, o que compete ao tribunal de reenvio verificar.

100. O canabinoide cujo aumento se verifica com o cultivo de variedades de cânhamo industrial em espaços fechados e utilizando o sistema hidropónico é, segundo as informações disponíveis, o CBD.

101. Ora, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer que, no estado atual dos conhecimentos científicos, o CBD não contém princípio psicoativo (51). Por isso, o CBD não deve ser qualificado de estupefaciente na aceção da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, celebrada em Viena em 20 de dezembro de 1988 (52), da qual são parte todos os Estados‑Membros e a União (53).

102. Se o cultivo de cânhamo industrial em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos só aumenta o CBD das plantas e não o seu teor (legalizado) de THC, um Estado‑Membro não pode, sem mais, justificar a sua restrição a título de proteção da saúde pública. O CBD, repito, segundo o estado atual dos conhecimentos, «não constitui um estupefaciente, na aceção da Convenção Única» (54).

103. Em terceiro lugar, uma medida nacional restritiva da produção de cânhamo industrial em espaços fechados com hidroponia só poderia ser considerada proporcionada se fosse aplicada de forma coerente e sistemática.

104. Na audiência foi debatida a questão de saber se, na Roménia, são respeitadas as exigências de coerência e aplicação sistemática da proibição. Segundo a Biohemp, em algumas províncias (Constanța, Dâmbovița e Sibiu) deste Estado‑Membro é permitido este tipo de cultivo de cânhamo. Além disso, em colheitas anteriores na própria província de Alba (Roménia), as autoridades teriam autorizado a Biohemp a cultivar cânhamo em sistema hidropónico em espaço fechado e preparado para tal (55). O Governo Romeno contestou estas afirmações, sem que tenha ficado decidida a controvérsia sobre este ponto.

105. De qualquer modo, compete ao tribunal de reenvio verificar se a medida restritiva nacional se aplica de forma sistemática e coerente no território romeno.

106. Por último, o princípio da proporcionalidade exige determinar se, para atingir o objetivo de proteção da saúde pública prosseguido pelo Estado Romeno, existe uma alternativa menos restritiva do que a proibição generalizada do cultivo de cânhamo em espaços fechados.

107. Neste sentido, poderia pensar‑se em autorizar esta modalidade de cultivo de cânhamo sujeitando‑a a controlos rigorosos para verificar se as plantas obtidas não ultrapassam a percentagem de 0,2 % de THC. As dificuldades alegadas pelo Governo Romeno para efetuar estes controlos talvez pudessem ser ultrapassadas aplicando ao cânhamo cultivado em espaços fechados, entre outras medidas (além da obtenção da necessária autorização), os controlos por colheita de amostras para medir o teor de THC, previstos pelo Regulamento Delegado n.° 639/2014.

108. Em definitivo, o artigo 32.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1307/2013 opõe‑se a uma legislação nacional que proíbe o cultivo de variedades de cânhamo com um teor de THC inferior a 0,2 %, quando a técnica de cultivo utilizada (em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos) provoca um aumento significativo do seu teor de CBD, a não ser que essa legislação seja adequada para garantir a consecução do objetivo de proteção da saúde pública e não vá além do necessário para o atingir.

V.      Conclusão

109. Atendendo ao exposto, proponho que se responda ao Tribunal de Recurso de Alba Iulia (Roménia) nos seguintes termos:

«O Regulamento (UE) n.° 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo dos regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.° 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 73/2009 do Conselho, e o Regulamento n.°  1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.° 922/72 (CEE) n.° 234/79 (CE) n.° 1037/2001 e (CE) n.° 1234/2007,

devem ser interpretados no sentido de que:

—      O artigo 4.°, n.° 1, alíneas e) e f), do Regulamento n.° 1307/2013 permite qualificar de superfície agrícola a superfície utilizada para o cultivo de cânhamo (Cannabis sativa L.) em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos.

—      O artigo 32.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1307/2013 opõe‑se, em princípio, a uma legislação nacional que proíbe o cultivo de variedades de cânhamo com um teor de tetra‑hidrocanabinol (THC) inferior a 0,2 %, quando a técnica de cultivo utilizada (em espaços fechados equipados com sistemas hidropónicos) provoca um aumento significativo do seu teor de canabidiol (CBD), a não ser que essa legislação seja adequada para garantir a consecução do objetivo de proteção da saúde pública e não vá além do necessário para o atingir, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».


1      Língua original: espanhol.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.º 637/2008 e o Regulamento (CE) n.º 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.º 922/72, (CEE) n.º 234/79, (CE) n.º 1037/2001 e (CE) n.º 1234/2007 (JO 2013, L 347, p. 671).


4      Legea nr. 18/1991, din 19 februarie 1991, a fondului funciar (Lei n.º 18/1991, de 19 de fevereiro de 1991, sobre a Propriedade Fundiária) (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.º 1, de 5 de janeiro de 1998), conforme alterada. A seguir, «Lei 18/1991».


5      Legea nr. 339 din 29 noiembrie 2005 privind regimul juridic al plantelor, substanțelor și preparatelor stupefiante și psihotrope (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.º 1095, de 5 de dezembro de 2005) (Lei n.º 339, de 29 de novembro de 2005, sobre o Regime Jurídico das Plantas, Substâncias e Preparações Estupefacientes e Psicotrópicas). A seguir, «Lei 339/2005».


6      Normele metodologice din 22 decembrie 2006 de aplicare a prevederilor Legii nr. 339/2005 privind regimul juridic al plantelor, substanțelor și preparatelor stupefiante și psihotrope (Regras Metodológicas, de 22 de dezembro de 2006, de aplicação das Disposições da Lei n.º 339/2005, sobre o Regime Jurídico das Plantas, Substâncias e Preparações Estupefacientes e Psicotrópicas), aprovadas pelo Decreto do Governo n.º 1915/2006 (Monitorul Oficial al României, Parte I, n.º 18 de 11 de janeiro de 2007), alteradas. A seguir, «Regras metodológicas de aplicação da Lei 339/2005».


7      Para o tribunal de primeira instância era irrelevante que a Biohemp tivesse à sua disposição a totalidade da superfície de 0,54 hectares, inscrita no Registo Agrícola, dado que as normas aplicáveis dizem respeito ao uso legítimo de «terrenos agrícolas». A construção não pode ser equiparada a um terreno agrícola na aceção do artigo 4.°, n.º 5, alínea b), das Regras metodológicas de aplicação da Lei 339/2005. Este artigo não se refere a terrenos «para fins agrícolas», mas, stricto sensu, aos terrenos agrícolas produtivos referidos no artigo 2.°, alínea a), primeiro travessão, da Lei 18/1991.


8      A seguir, «THC».


9      A seguir, «CBD».


10      Segundo a Biohemp, a Lei 339/2005 não prevê restrições quanto ao local onde o cânhamo pode ser cultivado. As suas Regras metodológicas de aplicação não se referem ao conceito de terreno agrícola produtivo, mas apenas ao de terreno agrícola. Daí resulta que a interpretação extensiva do conceito de terreno agrícola no sentido de terreno para fins agrícolas, como previsto no artigo 2.°, alínea a), da Lei 18/1991, é a correta. De resto, embora a estrutura de 400 m2 tivesse, na altura em que foi construída e inscrita no registo predial, uma utilização agropecuária, a mesma está atualmente reestruturada e é utilizada como espaço protegido para o cultivo de plantas, como se depreende do certificado de inscrição no registo agrícola, emitido pelo município de Pianu (Roménia).


11      A Biohemp invoca os Acórdãos de 16 de janeiro de 2003, Hammarsten (C‑462/01, EU:C:2003:33; a seguir, «Acórdão Hammarsten») e de 19 de novembro de 2020, B S e C A [Comercialização do canabidiol (CBD)] (C‑663/18, EU:C:2020:938; a seguir, «Acórdão B. S. e C. A. [Comercialização do canabidiol (CBD)]», bem como o Despacho de 11 de julho de 2008, Babanov (C‑207/08, não publicado, EU:C:2008:407).


12      Para efeitos da emissão da autorização, as normas aplicáveis previam a apresentação de documentos relativos a terrenos agrícolas produtivos e não a edifícios. O conceito de «terrenos agrícolas» deve ser interpretado stricto sensu, ou seja, no sentido de terrenos agrícolas produtivos na aceção da Lei 18/1991. Caso fosse feita uma interpretação extensiva, isso significaria que o cânhamo também poderia ser cultivado noutras categorias de terrenos utilizados para fins agrícolas (como os terrenos com vegetação florestal ou os terrenos não produtivos), o que não é possível. Os terrenos agrícolas são diferentes dos terrenos ocupados por edifícios e instalações agropecuárias, tratando‑se em ambos os casos de subcategorias da categoria dos terrenos para fins agrícolas.


13      Regulamento Delegado da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.º 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que altera o anexo X do mesmo regulamento (JO 2014, L 181, p. 1). O anexo III («Método da União para a determinação quantitativa do Δ9‑tetra‑hidrocanabinol das variedades de cânhamo») foi introduzido pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/1155 da Comissão, de 15 de fevereiro de 2017, que altera o Regulamento Delegado (UE) n.º 639/2014 no que se refere às medidas de controlo relativas ao cultivo de cânhamo […] e que altera o anexo X do Regulamento (UE) n.º 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2017, L 167, p. 1).


14      A autoridade distrital apresentou observações escritas fora de prazo, razão pela qual foram recusadas pelo Tribunal de Justiça.


15      Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.º 55). A seguir, «acórdão Ullens de Schooten».


16      Acórdãos Ullens de Schooten, n.º 47 e de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin (C‑261/20, EU:C:2022:33, n.º 50).


17      Acórdão Ullens de Schooten, n.os 50 a 53. V., igualmente, Acórdão de 20 de setembro de 2018, Fremoluc (C‑343/17, EU:C:2018:754, n.º 20).


18      Acórdãos Ullens de Schooten, n.os 54 e 55, e de 2 de março de 2023, Bursa Română de Mărfuri (C‑394/21, EU:C:2023:146, n.os 50 e 51.


19      Acórdãos de 19 de abril de 2018, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑152/17, EU:C:2018:264, n.º 22) e de 2 de setembro 2021, Irish Ferries (C‑570/19, EU:C:2021:664, n.º 133).


20      Como já se expôs, a autoridade distrital só concedeu a autorização para o terreno (0,50 hectares) ao ar livre, mas não para a superfície (0,04 hectares) fechada preparada para o cultivo de cânhamo no seu interior com sistema de rega hidropónica.


21      Compete ao juiz nacional que conhece do litígio assumir a responsabilidade pela decisão judicial a adotar e, tendo em conta as especificidades do processo, apreciar tanto a necessidade como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (Acórdãos de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e. o, C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.º 47, de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk, C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.º 57 e de 12 de maio de 2021, Altenrhein Luftfahrt, C‑70/20, EU:C:2021:379, n.º 25).


22      O Tribunal de Justiça tem sublinhado reiteradamente que o processo instituído pelo artigo 267.º TFUE constitui um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir e que a justificação do reenvio prejudicial não se baseia na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas na necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio [Acórdãos de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑508/19, EU:C:2022:201, n.os 60 a 62, e de 9 de janeiro de 2024, G e. o. (Nomeação de juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.os 62 e 64].


23      Como é lógico, as apreciações de caráter técnico imprescindíveis para responder ao tribunal de reenvio são as que se inferem dos autos e das observações das partes, que deveriam refletir o atual estado dos conhecimentos científicos neste âmbito. Nem as presentes conclusões nem o futuro acórdão do Tribunal de Justiça têm outro alcance que não seja o especificamente jurídico.


24      V. n.os 83 e seguintes das presentes conclusões.


25      Pode ser utilizado como fibra têxtil semelhante ao linho para a produção de alimentos para humanos com base nas sementes de cânhamo descascadas, e de alimentos para animais com as sementes inteiras, para a sua utilização na construção de betão de cânhamo, lã de cânhamo e isolamento de painéis de fibra, para o fabrico de papel a partir das fibras de cânhamo, para a elaboração de cosméticos (óleos, loções ou champôs) e como biocombustível. V. dados fornecidos pela Comissão em https://agriculture.ec.europa.eu/farming/crop‑productions‑and‑plant‑based‑products/hemp_es.


26      Os Estados‑Membros podem conceder, em determinadas condições, apoio associado voluntário aos agricultores que cultivam cânhamo, o que é feito atualmente em França, na Polónia e na Roménia.


27      Acórdão Hammarsten, n.os 30 e 31. No seu dispositivo, o Tribunal de Justiça declarou que «os Regulamentos (CEE) n.º 1308/70 do Conselho, de 29 de junho de 1970, que estabelece a organização comum de mercado no setor do linho e do cânhamo, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 2826/2000 do Conselho, de 19 de dezembro de 2000, relativo a ações de informação e promoção a favor dos produtos agrícolas no mercado interno, e (CEE) n.º 619/71 do Conselho, de 22 de março de 1971, que fixa as regras gerais de concessão de ajuda para o linho e o cânhamo, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 1420/98 do Conselho, de 26 de junho de 1998, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito proibir a cultura a detenção de cânhamo industrial visado pelos referidos regulamentos».


28      Acórdão de 29 de abril de 2021, Piscicola Tulcea e Ira Invest (C‑294/19 e C‑304/19, EU:C:2021:340, n.º 63): «uma área deve ser qualificada de “agrícola” quando é efetivamente utilizada como “terra arável”, na aceção das disposições recordadas no n.º 61 do presente acórdão (v., por analogia, o Acórdão de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.º 37) e […] esta qualificação não pode ser posta em causa pela simples circunstância de essa superfície ter sido utilizada como terra arável em violação de disposições nacionais relativas à classificação predial».


29      Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim (C‑61/09, EU:C:2010:606, n.º 37), de 2 de julho de 2015, Wree (C‑422/13, EU:C:2015:438, n.º 36), de 2 de julho de 2015, Demmer (C‑684/13, EU:C:2015:439, n.º 56) e de 29 de abril de 2021, Piscicola Tulcea e Ira Invest (C‑294/19 e C‑304/19, EU:C:2021:340, n.º 62).


30      Acórdãos de 2 de julho de 2015, Demmer (C‑684/13, EU:C:2015:439, n.º 54) e de 29 de abril de 2021, Piscicola Tulcea e Ira Invest (C‑294/19 e C‑304/19, EU:C:2021:340, n.º 64).


31      Artigo 4.°, n.º 1, alínea f), do Regulamento n.º 1307/2013. O sublinhado é meu.


32      A tese da Comissão reflete‑se no documento Direct Payments Eligibility for direct payments of the Common Agricultural Policy, maio 2019, p. 4, nestes termos: «greenhouses are considered eligible provided the land maintains the characteristics of an agricultural area. However, in specific situations, e.g. cultivation of plants in pots with no interaction of the plants roots with the soil, or greenhouses where the soil is concrete (e.g. hydroponic cultivation), the areas are considered not eligible because the soil is not contributing to the development of the crop».


33      O Regulamento Delegado n.º 639/2014 estabelece no seu artigo 53.°, n.º 5, que «os Estados‑Membros não podem conceder apoio associado por superfície em relação a superfícies não elegíveis na aceção do artigo 32.°, n.os 2, 3 e 4, do Regulamento (UE) n.º 1307/2013 […]».


34      Nas superfícies sob estufas, por exemplo, a terra é coberta frequentemente com uma camada de areia e todos os nutrientes de que as plantas necessitam são fornecidos com a rega. Noutras ocasiões, a plantação é feita sobre o solo, mas as raízes da planta não penetram no mesmo, mantendo‑se num coberto artificial de turfa ou idêntico material, colocada dentro de um tubo amplo, à qual são fornecidos nutrientes com a água da rega, permanecendo as raízes da planta dentro desse tubo.


35      Este controlo permite utilizar técnicas integradas de gestão das pragas, as quais produzem insetos predadores das pragas que as eliminam das culturas, a fim de reduzir ou impedir a utilização de inseticidas.


36      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos e que revoga o Regulamento (CE) n.º 834/2007 do Conselho (JO 2018, L 150, p. 1).


37      «Uma vez que a produção vegetal biológica é baseada na nutrição dos vegetais principalmente através do ecossistema dos solos, os vegetais deverão ser produzidos em solos vivos e em ligação com o subsolo e o substrato rochoso. Por conseguinte, a produção hidropónica não deverá ser permitida, nem o cultivo de vegetais em recipientes, sacos ou camas, quando as raízes não estejam em contacto com o solo vivo».


38      «A produção hidropónica, que é um método de produção de vegetais, que não crescem naturalmente na água, segundo o qual os vegetais se desenvolvem com as raízes apenas numa solução de nutrientes ou num meio inerte ao qual é adicionada uma solução de nutrientes, é proibida».


39      Efetivamente, algumas produções agrícolas não são aptas para serem cultivadas com sistemas hidropónicos (os cereais, por exemplo).


40      A superfície de terreno utilizada nestas produções será menor do que na cultura de cânhamo ao ar livre e as ajudas diretas por superfície recebidas pelos agricultores também serão, correlativamente, menores. No entanto, uma maior produtividade do cultivo em espaços fechados utilizando a hidroponia pode compensar a redução das ajudas diretas por superfície.


41      A partir de 1 de janeiro de 2023, o Regulamento n.º 1307/2013 foi revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2021/2115 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021, que estabelece regras para apoiar os planos estratégicos a elaborar pelos Estados‑Membros no âmbito da política agrícola comum (planos estratégicos da PAC) e financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader), e que revoga os Regulamentos (UE) n.º 1305/2013 e (UE) n.º 1307/2013 (JO 2021, L 435, p. 1). O artigo 4.°, n.º 4, segundo parágrafo, do Regulamento 2021/2115 estabelece que «as superfícies utilizadas para a produção de cânhamo só são hectares elegíveis se o teor de tetra‑hidrocanabinol das variedades utilizadas não for superior a 0,3 %». O considerando 18 deste regulamento explica que «[n]o que diz respeito às superfícies utilizadas para a produção de cânhamo, a fim de preservar a saúde pública e assegurar a coerência com outras disposições legislativas, a utilização de variedades de sementes de cânhamo com teor de tetra‑hidrocanabinol inferior a 0,3 % deverá fazer parte da definição de “hectare elegível”».


42      «A fim de preservar a saúde pública, a Comissão está habilitada a adotar atos delegados, nos termos do artigo 70.°, que estabelecem regras que sujeitam a concessão de pagamentos à utilização de sementes certificadas de determinadas variedades de cânhamo e o procedimento de determinação das variedades de cânhamo e de verificação do seu teor de tetra‑hidrocanabinol, a que se refere o artigo 32.°, n.º 6».


43      V., igualmente, o Regulamento (UE) 2022/1393 da Comissão, de 11 de agosto de 2022, que altera o Regulamento (CE) n.º 1881/2006 no que diz respeito aos teores máximos de delta‑9‑tetra‑hidrocanabinol (Δ9‑THC) nas sementes de cânhamo e seus produtos derivados (JO 2022, L 211, p. 83), revogado implicitamente a partir de 24 de maio de 2023 pelo Regulamento (UE) 2023/915 da Comissão, de 25 de abril de 2023, relativo aos teores máximos de certos contaminantes presentes nos géneros alimentícios e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1881/2006 (JO 2023, L 119, p. 103).


44      «Para efeitos do artigo 32.°, n.º 6, do Regulamento (UE) n.º 1307/2013, a elegibilidade das superfícies utilizadas para a produção de cânhamo está sujeita à utilização de sementes das variedades que em 15 de março do ano a título do qual o pagamento é concedido, constem do “Catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas”, publicado em conformidade com o artigo 17.° da Diretiva 2002/53/CE do Conselho. [de 13 de junho de 2002, que diz respeito ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas (JO 2002, L 193, p. 1)]. As sementes serão certificadas em conformidade com a Diretiva 2002/57/CE do Conselho».


45      Acórdãos Hammarsten, n.º 31 e de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.º 26).


46      Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.º 28).


47      Acórdãos de 3 de março de 2011, Kakavetsos‑Fragkopoulos (C‑161/09, EU:C:2011:110, n.º 42) de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.º 37) e B. S. e C. A. [Comercialização do canabidiol (CBD), n.º 84].


48      Na audiência, o Governo Romeno referiu‑se reiteradamente às dificuldades logísticas para adaptar este tipo de controlos às culturas de cânhamo em espaços fechados, uma vez que os ciclos de floração são diferentes dos habituais ao ar livre.


49      Conforme alterado pelo Regulamento Delegado 2017/1155.


50      Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, Josemans, (C‑137/09, EU:C:2010:774, n.º 36) e B. S. e C. A. [Comercialização do canabidiol (CBD), n.º 59].


51      Acórdão B. S. e C. A. [Comercialização do canabidiol (CBD), n.º 75].


52      Recueil des traités des Nations Unies, vol. 1582, n.º I‑27627.


53      Acórdão B. S. e C. A. [Comercialização do canabidiol (CBD), n.º 76].


54      Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes, conforme alterada pelo Protocolo de 1972 de Modificação da Convenção Única sobre os Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 30 de março de 1961 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 520, n.o 7515). V. Acórdão B. S. e C. A. [Comercialização do canabidiol (CBD), n.º 76]


55      Segundo a Biohemp, a autorização concedida pela autoridade distrital em 2020 para o cultivo do cânhamo abrangia a estrutura de 400 m2 renovada e utilizada como espaço protegido de cultivo, equivalente a uma estufa. Na audiência, o Governo Romeno contestou este argumento, dado que a autorização foi pedida para cultivar 3 500 metros quadrados, sem especificar que nos mesmos se encontrava aquela estrutura.