Language of document : ECLI:EU:C:1998:594

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

10 de Dezembro de 1998 (1)

«Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência deempresas»

Nos processos apensos C-127/96, C-229/96 e C-74/97,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo177.° do Tratado CE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Murcia (Espanha)(C-127/96), pelo Arbeitsgericht Frankfurt am Main (Alemanha) (C-229/96) e peloJuzgado de lo Social n° 1 de Pontevedra (Espanha) (C-74/97), destinados a obter,nos litígios pendentes nestes órgãos jurisdicionais entre

Francisco Hernández Vidal SA

e

Prudencia Gómez Pérez,

María Gómez Pérez,

Contratas y Limpiezas SL (C-127/96),

e entre

Friedrich Santner

e

Hoechst AG (C-229/96),

e entre

Mercedes Gómez Montaña

e

Claro Sol SA,

Red Nacional de Ferrocarriles Españoles (Renfe) (C-74/97),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 77/187/CEE doConselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dosEstados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores emcaso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos(JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet (relator), presidente de secção, P. Jann, J. C.Moitinho de Almeida, C. Gulmann e D. A. O. Edward, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas,


secretário: H. von Holstein, secretário-adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas:

—    em representação da Francisco Hernández Vidal SA, por Ángel HernándezMartín, advogado no foro de Múrcia,

—    em representação de F. Santner, por Stephan Baier, advogado em Frankfurtam Main,

—    em representação da Hoechst AG, por Mathias Becker, Assessor naArbeitsgeberverband Chemie und verwandte Industrien für das LandHessen e. V., na qualidade de agente,

—    em representação da Claro Sol SA, por José Antonio Otero Martín,advogado no foro de Madrid,

—    em representação la Red Nacional de Ferrocarriles Españoles (Renfe), porLuis Fernando Díaz-Guerra Alvarez, advogado no foro de Madrid,

—    em representação do Governo espanhol, por Rosario Silva de Lapuerta,abogado del Estado, na qualidade de agente (C-74/97),

—    em representação do Governo alemão, por Sabine Maass, Regierungsrätinzur Anstellung no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente(C-127/96 e C-229/96), e Ernst Röder, Ministerialrat no Ministério Federalda Economia, na qualidade de agente (C-229/96 e C-74/97),

—    em representação do Governo belga, por Jann Devadder, director deadministração no Serviço Jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros,do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, naqualidade de agente (C-127/96),

—    em representação do Governo francês, por Jean-François Dobelle, directoradjunto na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos NegóciosEstrangeiros, e Anne de Bourgoing, encarregada de missão na mesmadirecção, na qualidade de agentes (C-127/96),

—    em representação do Governo do Reino Unido, por John E. Collins, doTreasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e Clive Lewis,barrister (C-127/96, e por Lindsey Nicoll, do Treasury Solicitor'sDepartment, na qualidade de agente e Sarah Moore, barrister (C-74/97),

—    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por MariaPatakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente (C-127/96 eC-74/97), Isabel Martínez Del Peral, e Peter Hillenkamp, consultor jurídico,na qualidade de agente (C-229/96),

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Francisco Hernández Vidal SA, representada por ÁngelHernández Martín, advogado, de Prudencia e María Gómez Pérez, representadaspor Joaquín Martínez Jiménez, advogado no foro de Múrcia, da Hoechst AG,representada por Mathias Becker, da Red Nacional de Ferrocarriles Españoles(Renfe), representada por Luis Fernando Díaz-Guerra Alvarez, advogado, doGoverno espanhol, representado por Rosario Silva de Lapuerta, do Governofrancês, representado por Jean-François Dobelle e Anne de Bourgoing, e daComissão, representada por Peter Hillenkamp e Manuel Desantes, funcionárionacional colocado à disposição do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, naaudiência de 11 de Junho de 1998,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 deSetembro de 1998,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despachos de 22 de Fevereiro de 1996 (C-127/96), 11 de Junho de 1996(C-229/96) e 28 de Janeiro de 1997 (C-74/97), que deram entrada no Tribunal deJustiça, respectivamente, em 22 de Abril de 1996, 1 de Julho de 1996 e 20 deFevereiro de 1997, o Tribunal Superior de Justicia de Murcia, o ArbeitsgerichtFrankfurt am Main e o Juzgado de lo Social n.° 1 de Pontevedra colocaram aoTribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, questõesprejudiciais relativas à interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membrosrespeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferênciade empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26;EE 05 F2 p. 122).

2.
    Estas questões foram colocadas no âmbito de litígios que opõem, o primeiro,Francisco Hernández Vidal SA (a seguir «Hernández Vidal»), a Prudencia e MaríaGómez Pérez, bem como à Contratas y Limpiezas SL (a seguir «Contratas yLimpiezas»), o segundo, F. Santner à Hoechst AG (a seguir «Hoechst») e, oterceiro, M. Gómez Montaña à Claro Sol SA (a seguir «Claro Sol») e à RedNacional de Ferrocarriles Españoles (a seguir «Renfe»).

3.
    Na sequência da prolação do acórdão de 11 de Março de 1997, Süzen (C-13/95,Colect., p. I-1259), a instância nos presentes processos foi suspensa por decisõesdo presidente do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997 e o Tribunalconvidou os órgãos jurisdicionais de reenvio a indicar se mantinham as suasquestões à luz desse acórdão e do acórdão de 14 de Abril de 1994, Schmidt(C-392/92, Colect., p. I-1311). Por cartas de 6 de Maio de 1997 (C-127/96), 24 deJulho de 1997 (C-229/96) e 22 de Abril de 1997 (C-74/97), estes órgãosjurisdicionais comunicaram ao Tribunal que mantinham as suas questões. Pordecisões do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1997 (C-127/96),27 de Agosto de 1997 (C-229/96) e 5 de Junho de 1997 (C-74/97), a instânciaprosseguiu nos presentes processos.

4.
    Por despacho do presidente da Quinta Secção de 31 de Março de 1998, os trêsprocessos foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

O processo C-127/96

5.
    Prudencia e María Gómez Pérez foram empregadas, durante vários anos, pelasociedade de limpeza Contratas y Limpiezas na qualidade de mulheres da limpeza.Faziam a limpeza das instalações da Hernández Vidal, uma empresa que fabricapastilhas elásticas e guloseimas, no âmbito de um contrato de limpeza entre estae a Contratas y Limpiezas.

6.
    O contrato de limpeza em questão, que se tinha iniciado em 1 de Janeiro de 1992e que era todos os anos tacitamente renovado, foi rescindido, em 28 de Novembrode 1994, com efeitos em 31 de Dezembro de 1994, pela Hernández Vidal quedesejou proceder ela própria a partir de então à limpeza das suas instalações. Nemesta sociedade nem a Contratas y Limpieza quiseram assumir, a partir de 2 deJaneiro de 1995, a prossecução da relação laboral com Prudencia e María GómezPérez.

7.
    Estas intentaram então uma acção por despedimento abusivo contra as duassociedades em causa no Juzgado de lo Social n.° 5 de Murcia. Por decisão de 23de Março de 1995, este acolheu os seus pedidos mas unicamente a respeito daHernández Vidal. Condenou-a a reintegrar as interessadas ou a pagar-lhesindemnizações, bem como a pagar-lhes os salários devidos em relação ao períododecorrido entre a data dos despedimentos e a notificação da decisão judicial.

8.
    Considerando que não tinha havido nenhuma transferência de estabelecimento oude parte de estabelecimento e que não podia portanto ser cessionária, a HernándezVidal recorreu desta decisão para o Tribunal Superior de Justicia de Murcia.

9.
    Considerando que a resolução do litígio dependia da interpretação da Directiva77/187, este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunalde Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    A actividade laboral que consiste nos serviços de limpeza das instalações deuma empresa, cuja a actividade principal não é a limpeza, mas no presentecaso o fabrico de pastilhas elásticas e guloseimas, mas tem necessidadepermanente daquela actividade secundária, é 'parte de umestabelecimento‘?

2)    No conceito 'cessão convencional‘, pode estar abrangida a rescisão de umcontrato comercial para prestação do serviço de limpeza — em vigor durantetrês anos — por prorrogações anuais, rescindido no final do terceiro ano, pordecisão da empresa a quem eram prestados os serviços; e se assim for, nocaso de resposta afirmativa, isso pode depender de a empresa a quem eramprestados os serviços efectuar a limpeza com os seus próprios trabalhadoresou com outros provenientes de nova contratação?»

O processo C-229/96

10.
    F. Santner foi empregado, a partir de 1980, como homem de limpeza, em primeirolugar pela Dörhöfer+Schmitt GmbH (a seguir «Dörhöffer+Schmitt») e depoispela B+S GmbH (a seguir «B+S»), criada na sequência de uma cisão daDörhöfer+Schmitt. Dedicava-se exclusivamente à limpeza de uma parte das casasde banho da Hoechst no âmbito de contratos de limpeza que esta última tinhaconcluído sucessivamente com as duas sociedades anteriores.

11.
    Entretanto a Hoechst rescindiu o seu contrato com a B+S e reorganizou aactividade de limpeza das suas casas de banho. Fá-lo ela própria, em parte com osseus próprios assalariados e em parte em cooperação com outras empresasterceiras.

12.
    Em 27 de Abril de 1995, a B+S pôs termo à sua relação de trabalho com F.Santner.

13.
    Considerando que tinha havido uma transferência de empresa e que esta relaçãodevia portanto prosseguir com a Hoechst, este intentou então uma acção contraesta última sociedade no Arbeitsgericht Frankfurt am Main.

14.
    Considerando que a resolução do litígio dependia da interpretação da Directiva77/187, este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunalde Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    Os serviços de limpeza de uma parte específica de um estabelecimentopodem ser juridicamente equiparados a uma parte de estabelecimento, naacepção da Directiva 77/187/CEE, quando, após o termo da sua cessãoconvencional a uma outra sociedade, voltaram a ser executados pelaempresa proprietária do estabelecimento?

2)    Esta equiparação pode ser feita mesmo que os serviços de limpeza dareferida parte do estabelecimento tenham, após a sua reversão à empresaproprietária do estabelecimento, voltado a integrar-se nos serviços delimpeza próprios do estabelecimento?»

O processo C-74/97

15.
    A Renfe tinha confiado, para o período compreendido entre 16 de Outubro de1994 e 15 de Outubro de 1996, a limpeza e a manutenção da estação dePontevedra à sociedade de limpeza Claro Sol.

16.
    Na sequência da obtenção deste contrato, a Claro Sol tinha contratado M. GómezMontaña e tinha-a colocado na limpeza e na manutenção da estação em questão.Anteriormente e durante vários anos, M. Gómez Montaña tinha executado osmesmos trabalhos como assalariada das diferentes sociedades prestadoras deserviços que precederam a Claro Sol.

17.
    No termo do período acordado, a Renfe decidiu não renovar o contrato que aligava à Claro Sol e fazer ela própria a limpeza e a manutenção da estação dePontevedra. Em 1 de Outubro de 1996, a Claro Sol informou M. Gómez Montañade que a perda deste contrato a levava a pôr termo à sua relação de trabalho apartir de 15 de Outubro seguinte.

18.
    M. Gómez Montaña intentou então uma acção por despedimento abusivo contraa Claro Sol e a Renfe no Juzgado de lo Social n.° 1 de Pontevedra.

19.
    Considerando que a resolução do litígio dependia da interpretação da Directiva77/187, este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunalde Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 77/187/CEE, de 14 deFevereiro, a extinção de um contrato de prestação de serviços com uma empresade limpezas que levou ao despedimento da trabalhadora empregada pela empresaprestadora de serviços, tendo a empresa prestatária, que se dedica ao transportepor caminho-de-ferro, passado a executar o serviço com os seus própriosempregados?»

As questões prejudiciais

20.
    Com as suas questões, que há que examinar conjuntamente, os órgãos jurisdicionaisde reenvio pretendem saber se, e em que condições, a Directiva 77/187 se aplicaa uma situação em que uma empresa, que confiava a limpeza das suas instalaçõesou de uma parte das mesmas a outra empresa, decide pôr termo ao contrato quea ligava a esta e a assegura a partir daí ela própria os trabalhos em causa.

21.
    Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 77/187 é aplicável às transferênciasde empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de umacessão convencional ou de fusão que impliquem mudança de empresário.

22.
    Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Directiva 77/187 tem em vistaassegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de umaentidade económica, independentemente de uma mudança de proprietário. Ocritério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência na acepçãodessa directiva é o de saber se a entidade em questão mantém a sua identidade,o que resulta nomeadamente da continuação efectiva da exploração ou da suatransmissão (acórdãos de 18 de Março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119,n.os 11 e 12, e, em último lugar, Süzen, já referido, n.° 10).

23.
    No que diz respeito às modalidades de tal transferência, é pacífico que a Directiva77/187 é aplicável a todas as situações de mudança, no âmbito de relaçõescontratuais, da pessoa singular ou colectiva que contrai as obrigações de entidadepatronal relativamente aos empregados da empresa (v., nomeadamente, acórdãode 7 de Março de 1996, Merckx e Neuhuys, C-171/94 e C-172/94, Colect., p. I-1253,n.° 28).

24.
    O Tribunal considerou assim que podem cair no âmbito de aplicação da Directiva77/187 uma situação em que uma empresa confia, por via contratual, a outraempresa a responsabilidade de executar os trabalhos de limpeza que anteriormente

assegurava de modo directo (acórdão Schmidt, já referido, n.° 14) e uma situaçãoem que um empresário, que tinha confiado a limpeza das suas instalações a umprimeiro empresário, rescinde o contrato que o ligava a este e conclui, com vistaà execução de trabalhos similares, um novo contrato com um segundo empresário(acórdão Süzen, já referido, n.os 11 e 12).

25.
    De igual modo, a Directiva 77/187 deve poder aplicar-se no caso em que, como noslitígios nos processos principais, uma empresa, que recorria a outra empresa paraa limpeza das suas instalações ou de uma parte delas, decide pôr termo ao contratoque a ligava a esta e assegurar a partir daí ela própria estes trabalhos.

26.
    Para que a Directiva 77/187 seja aplicável, a transferência deve todavia ter porobjecto uma entidade económica organizada de modo estável, cuja actividade senão limite à execução de uma obra determinada (acórdão de 19 de Setembro de1995, Rygaard, C-48/94, Colect., p. I-2745, n.° 20). O conceito de entidade remeteassim para um conjunto organizado de pessoas e elementos que permitam oexercício de uma actividade económica que prossegue um objectivo próprio(acórdão Süzen, já referido, n.° 13).

27.
    Tal entidade, embora deva ser suficientemente estruturada e autónoma, não incluinecessariamente elementos de activos, materiais ou imateriais, significativos. Comefeito, em certos sectores económicos como a limpeza, estes elementos são muitasvezes reduzidos à sua expressão mais simples e a actividade assenta essencialmentena mão-de-obra. Assim, um conjunto organizado de trabalhadores que são especiale duradouramente afectos a uma tarefa comum pode, na ausência de outrosfactores de produção, corresponder a uma entidade económica.

28.
    Cabe aos órgãos jurisdicionais de reenvio apurar, à luz dos elementos deinterpretação precedentes, se a limpeza das instalações da empresa adjudicanteestava organizada sob a forma de uma entidade económica no seio da empresaexterna de limpeza antes de a primeira decidir ela própria assegurar tal actividade.

29.
    Para determinar em seguida se se verificam as condições de uma transferência deentidade, haverá que tomar em consideração todas circunstâncias de facto quecaracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipode empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não doselementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor doselementos incorpóreos no momento da transferência, o emprego ou não por partedo novo empresário do essencial dos efectivos, a transferência ou não da clientela,bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois datransferência e a duração de uma eventual suspensão destas actividades. Esteselementos não passam, todavia, de aspectos parciais da avaliação de conjunto quese impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente (v., nomeadamente,acórdãos Spijkers e Süzen, já referidos, respectivamente n.os 13 e 14).

30.
    Assim, a mera circunstância de os trabalhos de manutenção assegurados pelaempresa de limpeza e em seguida pela própria empresa proprietária dasinstalações serem similares não permite concluir pela transferência de umaentidade económica entre a primeira e a segunda empresa. Com efeito, umaentidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada. A suaidentidade resulta também de outros elementos, como o pessoal que a compõe, oseu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploraçãoou ainda, sendo caso disso, os meios de exploração à sua disposição (acórdãoSüzen, já referido, n.° 15).

31.
    Como foi recordado no n.° 29 do presente acórdão, o órgão jurisdicional nacional,na sua apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação emquestão, deve nomeadamente ter em conta o tipo de empresa ou deestabelecimento de que se trata. Daí resulta que a importância respectiva a atribuiraos diferentes critérios da existência de transferência na acepção da Directiva77/178 varia necessariamente em função da actividade exercida, ou mesmo dosmétodos de produção ou de exploração utilizados na empresa, no estabelecimentoou na parte do estabelecimento em questão. Assim, em especial, sempre que umaentidade económica possa, em certos sectores, funcionar sem elementossignificativos do activo, corpóreos ou incorpóreos, a manutenção da identidadedessa entidade para além da operação de que é objecto não pode, por hipótese,depender da cessão de tais elementos (acórdão Süzen, já referido, n.° 18).

32.
    Assim, na medida em que, em certos sectores nos quais a actividade assentaessencialmente na mão-de-obra, um conjunto de trabalhadores que executa deforma durável uma actividade comum pode corresponder a uma entidadeeconómica, é forçoso admitir que essa entidade é susceptível de manter a suaidentidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limitaa prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, emtermos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectavaespecialmente a essa missão. Nessa hipótese, a nova entidade patronal adquire,com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução,de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente(acórdão Süzen, já referido, n.° 21).

33.
    Por fim, o facto de a actividade de limpeza só constituir, para a empresa quedecidiu ela própria assegurá-la, uma actividade acessória sem relação necessáriacom o seu objecto social não pode ter por efeito excluir essa operação do âmbitode aplicação da Directiva 77/187 (v. acórdãos de 12 de Novembro de 1992, WatsonRasck e Christensen, C-209/91, Colect., p. I-5755, n.° 17, e Schmidt, já referido,n.° 14).

34.
    Compete aos órgãos jurisdicionais de reenvio apurar, à luz de todos os elementosde interpretação que precedem, se nos presentes casos houve transferência.

35.
    Há portanto que responder às questões colocadas que o artigo 1.°, n.° 1, daDirectiva 77/187 deve ser interpretado no sentido de que esta última se aplica auma situação em que uma empresa, que confiava a limpeza das suas instalaçõesa outra empresa, decide pôr termo ao contrato que a ligava a esta e assegurar elaprópria a partir daí os trabalhos em causa, desde que a operação sejaacompanhada da transferência de uma entidade económica entre as duas empresas.O conceito de entidade económica remete para um conjunto organizado de pessoase de elementos que permitem o exercício de uma actividade económica queprossegue um objectivo próprio. A mera circunstância de os trabalhos demanutenção sucessivamente assegurados pela empresa de limpeza e pela empresaproprietária das instalações serem similares não permite concluir no sentido datransferência de tal entidade.

Quanto às despesas

36.
    As despesas efectuadas pelos Governos espanhol, alemão, belga, francês e doReino Unido, e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não sãoreembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, anatureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete aeste decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunal Superior de Justiciade Murcia, pelo Arbeitsgericht Frankfurt am Main e pelo Juzgado de lo Social n.° 1de Pontevedra, por despachos de 22 de Fevereiro de 1996, 11 de Junho de 1996e 28 de Janeiro de 1997, declara:

O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes àmanutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas,estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, deve ser interpretada no sentidode que esta última se aplica a uma situação em que uma empresa, que confiavaa limpeza das suas instalações a outra empresa, decide pôr termo ao contrato quea ligava a esta e assegurar ela própria a partir daí os trabalhos em causa, desdeque a operação seja acompanhada da transferência de uma entidade económicaentre as duas empresas. O conceito de entidade económica remete para umconjunto organizado de pessoas e de elementos que permitem o exercício de umaactividade económica que prossegue um objectivo próprio. A mera circunstânciade os trabalhos de manutenção sucessivamente assegurados pela empresa delimpeza e pela empresa proprietária das instalações serem similares não permiteconcluir no sentido da transferência de tal entidade.

Puissochet                Jann
Moitinho de Almeida

        Gulmann                Edward

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Dezembro de 1998.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

J.-P. Puissochet


1: Línguas de processo: espanhol e alemão.