Language of document : ECLI:EU:T:2001:215

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

18 de Setembro de 2001 (1)

«Recurso de anulação - Concorrência - Televisão por assinatura - Empresa comum - Artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) - Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado - Certificado negativo - Restrição acessória - 'Rule of reason' - Artigo 85.°, n.° 3, do Tratado - Decisão de isenção - Duração»

No processo T-112/99,

Métropole télévision (M6), com sede em Neuilly sur Seine (França),

Suez-Lyonnaise des eaux, com sede em Nanterre (França),

France Télécom, com sede em Paris (França),

representadas por D. Théophile, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

Télévision française 1 SA (TF1), com sede em Paris, representada por P. Dunaud e P. Elsen, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Gippini Fournier e K. Wiedner, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

CanalSatellite, com sede em Paris, representada por L. Cohen-Tanugi e F. Brunet, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação dos artigos 2.° e 3.° da Decisão 1999/242/CE da Comissão, de 3 de Março de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/36.237 - TPS) (JO L 90, p. 6),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, K. Lenaerts e M. Jaeger, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Janeiro de 2001,

profere o presente

Acórdão

    Quadro geral do processo

A - Descrição da operação

1.
    Este processo diz respeito à Decisão 1999/242/CE da Comissão, de 3 de Março de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/36.237- TPS) (JO L 90, p. 6) (a seguir «decisão impugnada»), referente à criação da sociedade Télévision par satellite (a seguir «TPS»), cujo objecto é conceber, desenvolver e difundir, sob forma digital e por satélite, uma oferta de programas e de serviços televisivos pagos destinados a telespectadores europeus francófonos (considerando 76 da decisão impugnada).

2.
    Esta sociedade, que foi constituída sob a forma de sociedade em nome colectivo (SNC) de direito francês, por seis grandes sociedades francesas que actuam nos sectores da televisão [Métropole télévision (M6), Télévision française 1 SA (TF1), France 2 e France 3] e da telecomunicação e distribuição por cabo (France Télécom e Suez-Lyonnaise des eaux), apresenta-se como uma empresa nova em mercados fortemente dominados por um operador histórico, a saber, a sociedade Canal+ e a sua filial CanalSatellite.

B - Os mercados afectados e a estrutura destes mercados

3.
    Resulta da decisão impugnada que o principal mercado de produtos afectado pela criação de TPS é o da televisão por assinatura (considerandos 23 e 24 da decisão impugnada). A operação afecta, além disso, o mercado de aquisição dos direitos de difusão e o da comercialização de canais temáticos.

4.
    Quanto ao mercado geográfico afectado, a recorrida precisa na decisão impugnada que, no momento da adopção desta, esses diferentes mercados deviam ser apreciados numa base nacional, de modo que, no presente caso, se limitavam à França (considerandos 40 a 43 da decisão impugnada).

1. O mercado da televisão por assinatura em França

5.
    Tal como resulta do considerando 25 da decisão impugnada, este mercado constitui um mercado de produtos distinto do da televisão de acesso livre (também designada «televisão em claro»). Com efeito, contrariamente a este último mercado, em que a relação comercial se estabelece entre o radiodifusor e o anunciante, no caso do mercado de televisão por assinatura existe uma relação entre o radiodifusor e o telespectador como assinante. As condições de concorrência são, por conseguinte, diferentes nestes dois mercados.

6.
    A decisão impugnada precisa igualmente que, no momento da sua adopção, o mercado da televisão por assinatura incluía três modalidades de difusão (hertziana, por satélite e por cabo) e que estas diferentes modalidades de difusão não constituíam mercados distintos (considerando 30 da decisão impugnada).

7.
    O operador mais antigo no mercado da televisão por assinatura na França é a sociedade Canal+, que beneficia de uma imagem muito fortemente implantada e de um saber-fazer muito desenvolvido em matéria de gestão (considerando 44 da decisão impugnada). O grupo Canal+ opera também no sector da distribuição porcabo, pois controla a rede NumériCâble. Além disso, através da sua filial CanalSatellite, a Canal+ oferece um pacote de canais pagos por satélite em qualidade digital (a seguir «pacote digital») (considerando 46 da decisão impugnada). Resulta da decisão impugnada que, em «termos de assinantes, o grupo Canal+, incluindo o canal premium Canal+, o CanalSatellite e a rede Numéricâble, representava no final de Junho de 1998, cerca de 70% do mercado francês de televisão por assinatura» (considerando 47).

8.
    Um outro operador no mercado da televisão por assinatura, a sociedade AB-Sat, foi lançado em Abril de 1996 pelo grupo francês AB, cuja actividade essencial se baseia na produção de programas e na distribuição de direitos televisivos. A AB-Sat contava 100 000 assinantes em fins de Junho de 1998 (considerando 49 da decisão impugnada).

9.
    Finalmente, a sociedade TPS registava 457 000 assinantes em fins de Julho de 1998 e previa 600 000 assinantes para o fim do ano de 1998 (considerando 50 da decisão impugnada).

2. O mercado de aquisição de direitos de difusão, nomeadamente de cinema e de desporto

10.
    Uma vez que o cinema e o desporto constituem os dois produtos principais de televisão por assinatura, a aquisição de direitos de difusão relativos a esses programas é necessária para a constituição de uma oferta suficientemente atractiva para convencer futuros assinantes a pagarem pela recepção de serviços de televisão (considerando 34 da decisão impugnada).

11.
    Resulta da decisão impugnada que os principais concorrentes da TPS neste mercado, em especial na área de aquisição de direitos de difusão de filmes americanos e franceses e de acontecimentos desportivos, são o Canal+ e os canais temáticos nos quais o Canal+ tem participação (considerando 58 da decisão impugnada). A Comissão precisa ainda, na decisão impugnada, que «o grupo Canal+ tem uma posição particularmente forte neste mercado» e que a sociedade AB-Sat e os canais generalistas também estão nele presentes (considerando referido).

3. O mercado da comercialização e da exploração de canais temáticos

12.
    Resulta da decisão impugnada que os canais temáticos são indispensáveis à constituição de ofertas atractivas de televisão por assinatura e que o mercado da comercialização e da exploração de canais temáticos está em plena expansão na França, nomeadamente devido à introdução da tecnologia digital (considerandos 37 a 39 e 65 a 69 da decisão impugnada).

13.
    No que concerne à estrutura do mercado, a decisão impugnada precisa:

«Com o aparecimento das plataformas de satélite, os intervenientes na televisão por assinatura passaram a deter participações nos canais temáticos explorados no mercado. O número de participações dos principais intervenientes neste mercado é bastante homogéneo. Todavia, o grupo Canal+ é um importante participante no mercado, uma vez que tem participações nos canais mais antigos que beneficiam de melhor penetração em termos de cabo e de um maior número de assinantes.» (considerandos 67 e 68 da decisão impugnada).

C - A notificação e os acordos notificados

14.
    A criação da TPS foi, inicialmente, objecto de contactos com a recorrida no decurso do Verão de 1996, com vista a uma notificação nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [JO 1990, L 257, p. 13, alterado em último lugar pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1)] (considerando 1 da decisão impugnada). Todavia, tendo as sociedades participantes na criação da TPS sido informadas pela recorrida de que esta não constituía uma empresa comum na acepção de empresa sujeita ao controlo conjunto dos seus associados, aquelas notificaram a operação, em 18 de Outubro de 1996, com vista à obtenção de um certificado negativo ou, a título subsidiário, de uma isenção nos termos do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204) (considerando referido).

15.
    Os acordos notificados são em número de quatro. Os princípios essenciais que regem o funcionamento da TPS estão contidos na Convenção de 11 e 18 de Abril de 1996 (a seguir «convenção»); foram concretizados e estruturados posteriormente no pacto de sócios assinado em 19 de Junho de 1996 e nos estatutos da sociedade TPS e da sociedade TPSG, assinados na mesma data (considerando 70 da decisão impugnada). A duração dos acordos é de dez anos (considerando 71 da decisão impugnada).

16.
    Três cláusulas previstas por estes acordos chamaram, em especial, a atenção da recorrida na decisão impugnada. Trata-se, em primeiro lugar, da cláusula de não concorrência, em segundo lugar, da cláusula relativa aos canais temáticos e, em terceiro lugar, da cláusula de exclusividade.

1. A cláusula de não concorrência

17.
    Esta cláusula é retomada no artigo 11.° da convenção e no artigo 5.3 do pacto de sócios, já referido, e foi precisada, a pedido da recorrida, por aditamento de 17 de Setembro de 1998. Está redigida da seguinte forma:

«Excepto no que se refere aos casos já existentes na data de conclusão dos acórdãos, e no que se refere à venda de programas e de serviços que não tenhamsido objecto de contrato com a TPS, as partes comprometem-se a não participar, directa ou indirectamente, seja a que título for enquanto permanecerem sócios da TPS, em empresas que tenham por actividade ou por objecto social a difusão e a comercialização de uma oferta de programas e de serviços audiovisuais pagos em modo digital e por satélite destinados às famílias europeias francófonas.» (considerando 77 da decisão impugnada).

2. A cláusula relativa aos canais temáticos

18.
    O artigo 6.° da convenção (com o título «Programas e serviços da oferta digital») e o artigo 5.4 do pacto de sócios, já referido, prevêem que a TPS dispõe de um direito de prioridade e de um direito de preferência em relação à produção dos canais temáticos e dos serviços televisivos pelos seus accionistas. Esta cláusula está redigida da seguinte forma:

«A fim de fornecer à TPS os programas necessários à sua actividade, cada uma das partes compromete-se a propor em prioridade à TPS os canais e serviços que explora e relativamente aos quais dispõe efectivamente de poder de decisão no âmbito da empresa editora, bem como os canais e serviços que possa vir a criar. A TPS dispõe igualmente de um direito de preferência ou de aceitação das melhores condições propostas pelos concorrentes, relativamente a todos os canais ou serviços que os sócios da TPS venham a propor a terceiros. Em caso de aquisição, a título exclusivo ou não, a TPS aplicará a esses serviços condições financeiras e contratuais pelo menos equivalentes àquelas que esses canais e serviços poderiam beneficiar de outra forma.

No que se refere à aquisição desses canais e serviços, a TPS decidirá livremente em função da sua própria apreciação, se aceita ou recusa celebrar um contrato relativo à integração destes programas e serviços na sua oferta digital, a título exclusivo ou não, sendo porém o objectivo das partes poder dispor de canais e serviços em exclusividade na oferta digital da TPS.» (considerandos 78 e 79 da decisão impugnada).

3. A cláusula de exclusividade

19.
    Finalmente, o artigo 6.° da convenção prevê que os canais generalistas que participaram na criação e no lançamento da TPS, ou seja, a M6, a TF1, a France 2 e a France 3, serão difundidas em exclusividade por esta (considerando 81 da decisão impugnada). A TPS tomará a seu cargo os custos técnicos referentes ao seu transporte e difusão, mas não os remunerará (considerando referido).

D - A decisão impugnada

20.
    Em 3 de Março de 1999, a recorrida adoptou a decisão impugnada.

21.
    Tal como resulta do artigo 1.° desta decisão, a recorrida considerou, com base nas informações de que dispunha, que não se justificava a sua intervenção, nos termos do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE), em relação à criação da TPS.

22.
    Em contrapartida, quanto às cláusulas contratuais acima descritas nos n.os 17 a 19, a recorrida concluiu que:

-    no que se refere à cláusula de não concorrência, não se justificava a intervenção em relação a essa cláusula durante um período de três anos, ou seja até 15 de Dezembro de 1999 (artigo 2.° da decisão impugnada);

-    no que se refere à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos, estas disposições podiam beneficiar de isenção nos termos do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, durante três anos, ou seja, até 15 de Dezembro de 1999 (artigo 3.° da decisão impugnada).

Tramitação processual e pedidos das partes

23.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Maio de 1999, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

24.
    Por acto entrado na Secretaria do Tribunal em 5 de Novembro de 1999, a sociedade CanalSatellite pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

25.
    Por despacho de 31 de Janeiro de 2000, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu esta intervenção e deferiu parcialmente o direito de tratamento confidencial, apresentado pelas recorrentes, de certos elementos que constam da petição e dos seus anexos.

26.
    A interveniente apresentou o seu memorando de intervenção em 24 de Março de 2000. A Comissão, a TF1 e a M6 apresentaram as suas observações sobre este memorando em 4, 5 e 8 de Maio de 2000, respectivamente.

27.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, convidou as partes a responderem a algumas perguntas e a recorrente a apresentar um documento. Foi dada satisfação a estes pedidos no prazo fixado.

28.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência que decorreu em 18 de Janeiro de 2001.

29.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular os artigos 2.° e 3.° da decisão impugnada;

-    condenar solidariamente a recorrida e a interveniente nas despesas.

30.
    A recorrida e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso,

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Questão de direito

A - Quanto à admissibilidade do recurso

Argumentos das partes

31.
    A recorrida, apoiada neste ponto pela interveniente, alega inadmissibilidade do recurso interposto pelas recorrentes. Salienta, com efeito, que, segundo uma jurisprudência constante, só podem ser impugnados os actos susceptíveis de produzir efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses dos recorrentes. Observa igualmente que, tal como resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1992, NBV e NVB/Comissão (T-138/89, Colect., p. II-2181, n.° 31), e de 22 de Março de 2000, Coca-Cola/Comissão (T-125/97 e T-127/97, Colect., p. II-1733, n.° 79), apenas a parte decisória do acto é susceptível de produzir efeitos jurídicos e, por consequência, causar prejuízo. Em contrapartida, os fundamentos da decisão em causa só podem ser submetidos ao controlo da legalidade do juiz comunitário na medida em que, como fundamentos de um acto que causa prejuízo, constituem o suporte necessário do seu dispositivo.

32.
    Ora, segundo a recorrida, o dispositivo de uma decisão que concede um certificado negativo e uma isenção, tal como a impugnada no quadro do presente recurso, não causa prejuízo ao seu destinatário. Por conseguinte, o recurso de anulação, interposto pelas recorrentes é inadmissível.

33.
    A recorrida considera que esta conclusão se impõe tanto mais que, desde 15 de Dezembro de 1999, a decisão impugnada esgotou todos os efeitos jurídicos que produzia. O interesse do presente processo é, por consequência, puramente teórico.

34.
    As recorrentes contestam que o presente recurso seja inadmissível. Salientam que a decisão impugnada tem efeitos jurídicos vinculativos que afectam os seus interesses (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9) pois o certificado negativo e a isenção só são concedidos por uma duração de três anos. Observam, além disso, que, no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão (T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94, Colect., p. II-3141), que incidia também em recursos de anulação de uma decisãode isenção interpostos pelos beneficiários dessa isenção, os recursos foram julgados admissíveis.

Apreciação do Tribunal

35.
    É conveniente recordar que, segundo uma jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (acórdãos do Tribunal de Justiça IBM/Comissão, já referido no n.° 34, supra, n.° 9, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.° 62; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali et Unicredito/Comissão, T-87/96, Colect., p. II-203, n.° 37, e Coca-Cola/Comissão, já referido no n.° 31, supra, n.° 77).

36.
    Assim, toda e qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso de anulação contra a decisão de uma instituição comunitária que indefira, total ou parcialmente, um pedido preciso e claro emanado dessa pessoa e que seja da competência dessa instituição [v., neste sentido, no que concerne a um pedido com base no artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 17, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 1875, n.° 13]. Com efeito, em tal situação, o indeferimento parcial ou total do pedido produz efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do seu autor.

37.
    Há que verificar, à luz destes princípios, se o presente recurso de anulação é admissível.

38.
    No presente caso, os recorrentes notificaram à recorrida os acordos relativos à criação da TPS e as restrições que consideravam como sendo acessórias a esta operação para obterem, ao abrigo do artigo 2.° do Regulamento n.° 17, um certificado negativo para toda a duração desses acordos, quer dizer, por um período de dez anos, ou, subsidiariamente, para obterem, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento, uma isenção individual de duração idêntica.

39.
    Ïra, resulta do dispositivo da decisão impugnada que tanto o certificado negativo relativo à cláusula de não concorrência (artigo 2.°) como a isenção individual referente à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos (artigo 3.°) foram concedidas apenas por um período de três anos.

40.
    Resulta desta limitação da duração do certificado negativo e da isenção previstas nos referidos artigos 2.° e 3.° que as recorrentes só beneficiam da segurança jurídica que resulta dessas decisões durante um período muito mais curto que o inicialmente previsto. Além disso, as recorrentes afirmam, sem serem contestadas a este respeito pela recorrida, que esta situação de facto afectou também o cálculoda rentabilidade dos investimentos que presidiram à celebração dos acordos notificados.

41.
    Por conseguinte, esta parte do dispositivo da decisão impugnada produz efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses das recorrentes.

42.
    Pouco importa, a este respeito, que as recorrentes possam eventualmente, na sequência de uma nova notificação das restrições em litígio, obter um novo certificado negativo ou uma isenção de uma duração inferior, igual, ou mesmo superior à inicialmente concedida. Com efeito, uma vez que não dispõem, desde já, da segurança jurídica de que beneficiariam se o certificado negativo e a isenção previstas, respectivamente, nos artigos 2.° e 3.° da decisão impugnada tivessem sido concedidas por uma duração de dez anos, os seus interesses são afectados de modo certo por esta parte do dispositivo da decisão impugnada.

43.
    Finalmente, há que observar que, contrariamente aos pedidos apresentados nos processos que deram lugar aos acórdãos NBV e NVB/Comissão e Coca-Cola/Comissão, já referidos no n.° 31, supra, o recurso de anulação interposto pelas recorrentes visa o dispositivo e não os fundamentos da decisão impugnada. Com efeito, nos seus pedidos, as recorrentes pedem a anulação dos artigos 2.° e 3.° do dispositivo da decisão impugnada. Além disso, embora seja certo que, no acórdão NBV e NVB/Comissão, já referido (n.° 32), o Tribunal tenha considerado que um pedido de certificado negativo «satisfaz[ia] o requerente e que, atenta a sua natureza não é [era] susceptível de modificar a sua situação jurídica nem de lhe causar prejuízo», é conveniente observar que, no processo que deu lugar ao referido acórdão, o certificado negativo tinha sido passado por uma duração que correspondia à pedida pelas partes interessadas. Em contrapartida, tal como se recordou acima, no presente processo, o certificado negativo foi concedido apenas por uma duração de três anos, quando os recorrentes tinham pedido que ele o fosse por uma duração de dez anos.

44.
    Resulta do que precede que o presente recurso é admissível.

B - Quanto ao mérito

45.
    O Tribunal decide analisar em primeiro lugar os fundamentos de anulação do artigo 3.° da decisão impugnada, quer dizer, os relativos à cláusula de exclusividade e à cláusula referente aos canais temáticos. Seguidamente, o Tribunal fará incidir o seu exame no fundamento invocado contra o artigo 2.° da decisão impugnada, concernente à cláusula de não concorrência.

1. Quanto aos fundamentos da anulação do artigo 3.° da decisão impugnada

46.
    No que concerne ao artigo 3.° da decisão impugnada, as recorrentes invocam dois fundamentos, baseados no desconhecimento do disposto no artigo 85.°, n.os 1 e 3, do Tratado. No âmbito do primeiro fundamento, alegam que a demandada violouo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, uma vez que consideram, a título principal, que a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos não constituem restrições à concorrência na acepção desta disposição e, a título subsidiário, que esses compromissos devem ser qualificados como restrições acessórias à criação da TPS. No âmbito do segundo fundamento, as recorrentes consideram que a recorrida violou o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, por não ter aplicado correctamente os critérios de isenção previstos por esta disposição e cometeu um erro de apreciação no que concerne à duração da isenção.

    a) Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

i) Quanto à argumentação, invocada a título principal, baseada em a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos não constituírem restrições à concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

47.
    As recorrentes alegam que, para declarar, na decisão impugnada, que a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos constituem restrições à concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a recorrida baseou-se em apreciações erradas, por um lado, e fez uma aplicação incorrecta desta disposição, por outro.

48.
    A recorrida, apoiada pela interveniente, contesta a procedência destas duas acusações.

- Quanto à acusação baseada na existência de apreciações erradas

Argumentos das partes

49.
    As recorrentes salientam que, para declarar o carácter restritivo da concorrência da cláusula de exclusividade, a recorrida se esforçou para demonstrar, nos considerandos 102 a 107 da decisão impugnada, que os canais generalistas constituíam programas atractivos para os telespectadores e que esta cláusula tinha por efeito privar os concorrentes da TPS do acesso a esses programas. Ora, segundo as recorrentes, esta conclusão baseou-se em apreciações erradas.

50.
    Com efeito, alegam, em primeiro lugar, que a conclusão de que a atracção dos canais generalistas na oferta da TPS se explica pela existência de zonas de sombra na França, quer dizer, de zonas em que a recepção hertziana desses canais é de má qualidade ou deficiente, é inexacta. Segundo as recorrentes, os números do estudo realizado pelo instituto Médiamétrie, de Novembro/Dezembro de 1997, relativo ao estudo bimestral da inicialização (a seguir «estudo Médiamétrie»), citados pela recorrida, estão errados e não têm em conta o facto de que quase todos os franceses recebem a TF1, a France 2 e a France 3 em boas condições. Em apoio desta afirmação, as recorrentes sustentaram, na audiência, que, por um lado, oestudo Médiamétrie não precisava segundo que princípios metodológicos tinha sido elaborado e, por outro, que a qualidade de emissão dos programas televisivos pelos canais de televisão franceses era verificado todos os cinco anos pelo Conseil Supérieur de l'Audiovisuel no âmbito do processo de autorização ou do prolongamento da autorização.

51.
    Em segundo lugar, as recorrentes observam que, contrariamente ao que a recorrida indica na decisão impugnada, resulta dos estudos de mercado que os telespectadores optam pela TPS mais devido à riqueza da oferta do que à recepção em qualidade digital dos canais generalistas.

52.
    Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que a afirmação da recorrida, de que os dois outros pacotes digitais, a saber, o CanalSatellite e o AB-Sat, puderam ser lançados com sucesso sem difusão exclusiva dos canais generalistas, carece de pertinência no caso em apreço. Salientam, com efeito, que, por um lado, o CanalSatellite beneficiou de numerosas exclusividades cinematográficas e desportivas no momento do seu lançamento e teve sempre exclusividade da difusão do Canal+ e que, por outro lado, o AB-Sat se constituiu num segmento de mercado diferente.

53.
    As recorrentes alegam, em último lugar, que, contrariamente ao que declara a recorrida na decisão impugnada, o facto de os quatro canais generalistas, que representam 90% do total dos telespectadores e cerca de 75% da audiência através do cabo, serem difundidos em exclusividade pela TPS não implica necessariamente que o acesso dos concorrentes aos programas destes canais seja limitado. Salientam, com efeito, que o mercado da televisão em claro e o da televisão por assinatura são dois mercados distintos, de modo que não pode haver aí esse nexo de causa-efeito. Além disso, segundo as recorrentes, não é certo que, se os quatro canais generalistas não se tivessem comprometido na criação da TPS, teriam aceite participar noutro pacote digital. Notam, além disso, que, tal como demonstra a situação nos outros países europeus, em que um único operador está em situação de monopólio no mercado da televisão por assinatura, uma nova entrada no mercado da televisão por assinatura na França deixou de ser possível.

54.
    A recorrida, apoiada pela interveniente, contesta que a conclusão, na decisão impugnada, de que a exclusividade da difusão dos quatro canais generalistas constitui uma restrição à concorrência assenta em apreciações erradas.

Apreciação do Tribunal

55.
    É conveniente salientar que os elementos factuais invocados pelas recorrentes para demonstrarem que a declaração, pela recorrida, do carácter restritivo da concorrência da cláusula de exclusividade assenta em apreciações erradas ou são inexactos ou carecem de pertinência.

56.
    Assim, há que salientar, em primeiro lugar, que, na falta de elementos de prova que apoiem a sua tese, não é possível estar de acordo com as recorrentes quando elas afirmam que os dados do estudo Médiamétrie relativos à existência de zonas de sombra em França, que foram retomados no considerando 104 da decisão impugnada, são inexactos e que quase todos os telespectadores em França recebem a TF1, a France 2 e a France 3 em boas condições.

57.
    Com efeito, a interveniente precisou na audiência, sem ser contestada pelas recorrentes, que o instituto Médiamétrie é o único instituto de sondagem que, na França, elabora estudos de audiência e que esses estudos constituem a referência para todos os canais de televisão franceses que os utilizam, nomeadamente para o cálculo das suas receitas publicitárias.

58.
    Além disso, contrariamente ao que alegam as recorrentes, os controlos efectuados todos os cinco anos pelo Conseil Supérieur de l'Audiovisuel no âmbito do processos de autorização ou de prolongamento de autorização não constituem uma prova da inexactidão desses dados. Com efeito, tal como as recorrentes reconheceram, de resto, na audiência, o controlo efectuado por esse Conselho incide apenas na qualidade da emissão dos canais de televisão e não na qualidade de recepção desses canais pelos telespectadores franceses.

59.
    Há também que observar que a existência de importantes zonas de sombra em França, salientada pelo estudo Médiamétrie, parece ser confirmada pelo estudo de mercado apresentado pelas recorrentes, pois resulta deste estudo que pessoas interrogadas se tornaram assinantes da TPS «para receberem os canais nacionais correctamente».

60.
    Além disso, a recorrida precisou claramente na decisão impugnada que os números publicados no estudo Médiamétrie tinham para si «apenas um valor indicativo uma vez que, para além dos quatro canais generalistas difundidos em exclusividade pela TPS, estes dados incluem igualmente a Arte e a Cinquième, cuja taxa de inicialização é de 80,6% das residências, bem como o Canal+ hertziano que seria recebido em más condições por cerca de [...] de famílias» (considerando 104 da decisão impugnada).

61.
    É conveniente salientar, em segundo lugar, que o facto de que, segundo os diferentes estudos de mercado encomendados pela TPS (nomeadamente o estudo BVA), a motivação das pessoas que assinaram a TPS se articula em primeiro lugar com a riqueza da sua oferta e não com a possibilidade de receber também canais generalistas, tal como alegam as recorrentes, não infirma a declaração feita pela recorrida. Com efeito, na medida em que os programas dos canais generalistas permitem enriquecer a oferta da TPS, estes contribuem para a atracção desta oferta. Além disso, tal como foi declarado, supra, no n.° 59, resulta dos mesmos estudos de mercado que uma parte importante das pessoas interrogadasdeclararam que tinham decidido assinar a TPS para receberem correctamente os canais generalistas.

62.
    Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento das recorrentes de que o facto de o CanalSatellite e a AB-Sat terem podido ser lançados no mercado sem difusão exclusiva dos canais generalistas carecia de pertinência no caso em apreço, é conveniente precisar que este elemento foi adiantado pela recorrida para demonstrar que os canais generalistas não constituíam «uma categoria de programas distinta nem um tipo de conteúdo essencial para a televisão por assinatura» (considerando 106 da decisão impugnada). Embora este elemento se revista de uma importância relativamente secundária no que concerne à determinação do carácter restritivo da concorrência da cláusula de exclusividade, ele permite, todavia, provar que esta cláusula não é objectivamente necessária à criação da TPS, de modo que ela não pode ser considerada como uma restrição acessória (v., neste sentido, os n.os 118 e segs., infra)

63.
    Finalmente, há que rejeitar os argumentos factuais avançados pelas recorrentes para demonstrarem que a cláusula de exclusividade não tem por efeito, contrariamente ao que a Comissão considera na decisão impugnada, privar «os concorrentes da TPS do acesso a programas atractivos».

64.
    Com efeito, é manifesto que, uma vez que apenas a TPS está autorizada a difundir os canais generalistas devido à exclusividade de que beneficia, os concorrentes da TPS são privados do acesso a programas considerados como atractivos por numerosos telespectadores franceses.

65.
    Além disso, as recorrentes não carrearam elementos de prova em apoio da sua afirmação de que não é de excluir que os canais generalistas se recusem a ser difundidos pelos outros pacotes digitais.

66.
    Face ao que precede, as recorrentes não puderam demonstrar que a recorrida se baseou em apreciações erradas para concluir que a cláusula de exclusividade constituía uma restrição da concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

67.
    Esta acusação, consequentemente, deve ser rejeitada.

- Quanto à acusação baseada em aplicação errada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (falta de aplicação de uma «rule of reason»)

Argumentos das partes

68.
    As recorrentes alegam que a recorrida devia ter feito aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado à luz de uma «rule of reason», em vez de fazer dele uma aplicação abstracta. Em conformidade com essa regra, uma prática anticoncorrencial escapará à proibição constante do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, se tiver mais deefeitos positivos do que efeitos negativos para a concorrência num determinado mercado. As recorrentes consideram que a existência de uma «rule of reason» em direito comunitário da concorrência foi já confirmada pelo Tribunal de Justiça (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, Recueil, p. 2015, e de 6 de Outubro de 1982, Coditel e o., 262/81, Recueil, p. 3381, n.° 20). Afirmam, além disso, que, contrariamente ao que alega a recorrida, estes dois acórdãos são pertinentes no presente caso, pois a criação da TPS realizou-se também em condições e num mercado absolutamente especiais.

69.
    As recorrentes alegam que a aplicação de uma «rule of reason» teria permitido concluir pela inaplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos. Com efeito, salientam que, tal como resulta implicitamente do raciocínio adoptado pela recorrida no que concerne ao artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, em vez de restringir a concorrência no mercado da televisão por assinatura na França, essas cláusulas favorecem essa concorrência pois permitem a um novo operador aceder a um mercado até então dominado por um único operador, ou seja, a CanalSatellite e a sua sociedade-mãe Canal+, não sendo a oferta da AB-Sat realmente concorrente, mas antes complementar da do Canal+.

70.
    Segundo as recorrentes, este raciocínio relativo à inaplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos impõe-se ainda mais face à jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, resulta, segundo elas, desta jurisprudência que, por um lado, uma cláusula de exclusividade de venda deve ser objecto de uma avaliação económica e não entra necessariamente no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société Technique Minière, 56/65, Colect. 1965-1968, p. 381) e que, por outro lado, um direito exclusivo concedido com vista à penetração no novo mercado não é atingido pela proibição fixada nesse artigo (acórdãos Nungesser e Eisele/Comissão, referido, supra, no n.° 68, e Société Technique Minière, já referido; de modo mais geral, quanto ao alcance do artigo 85.°, n.os 1 e 3, do Tratado, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o., C-399/93, Colect., p. I-4515, n.° 10, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1997, VGB e o./Comissão, T-77/94, Colect., p. II-759, n.° 140, e European Night Services e o./Comissão, referido, supra, no n.° 34, n.° 136).

71.
    A recorrida contesta ter violado o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ao não fazer aplicação de uma «rule of reason», tal como sugerida pelas recorrentes, no âmbito do exame da compatibilidade da cláusula de exclusividade e da cláusula relativa aos canais temáticos com esta disposição.

Apreciação do Tribunal

72.
    Segundo as recorrentes, a existência de uma «rule of reason» em direito comunitário da concorrência implica que, no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, seja conveniente proceder a uma ponderação dos efeitos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo, a fim de determinar se este é atingido pela proibição estabelecida nesse artigo. Ora, há que salientar, a título liminar, que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, a existência de uma tal regra não foi, como tal, confirmada pelos órgãos jurisdicionais comunitários. Muito pelo contrário, em diversos acórdãos, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância tiveram o cuidado de indicar o carácter duvidoso da existência de uma «rule of reason» em direito comunitário da concorrência [v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Montecatini/Comissão, C-235/92 P, Colect., p. I-4539, n.° 133 («mesmo admitindo que a 'rule of reason' tenha o seu lugar no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado»), e do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Montedipe/Comissão, T-14/89, Colect., p. II-1155, n.° 265, e de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T-148/89, Colect., p. II-1063, n.° 109].

73.
    Seguidamente, há que sublinhar que uma interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tal como a preconizada pelas recorrentes, se revela dificilmente conciliável com a estrutura normativa desta disposição.

74.
    Com efeito, o artigo 85.° do Tratado prevê explicitamente, no seu n.° 3, a possibilidade de isentar acordos restritivos da concorrência quando estes satisfaçam um certo número de condições, nomeadamente quando sejam indispensáveis à realização de certos objectivos e não dêem à empresa a possibilidade de eliminarem a concorrência em relação a uma parte substancial dos produtos em causa. É apenas no âmbito preciso desta disposição que uma ponderação dos aspectos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais de uma restrição pode ter lugar (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Pronuptia, 161/84, Colect., p. 353, n.° 24, e do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1994, Matra Hachette/Comissão, T-17/93, Colect., p. II-595, n.° 48, e European Night Services e o./Comissão, já referido no n.° 34, supra, n.° 136). O artigo 85.°, n.° 3, do Tratado perderia em grande parte o seu efeito útil se um tal exame devesse já ter sido efectuado no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

75.
    É certo que, num certo número de acórdãos, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância se exprimiram a favor de uma leitura mais flexível da proibição fixada no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (v., nomeadamente, acórdãos Société technique minière e Oude Luttikhuis e o., referidos, supra, no n.° 70, Nungesser e Eisele/Comissão e Coditel e o., referidos, supra, no n.° 68, Pronuptia, referido no n.° 74, supra, e European Night Services e o./Comissão, referido no n.° 34, supra, bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, DLG, C-250/92, Colect., p. I-5641, n.os 31 a 35).

76.
    Todavia, estes acórdãos não podem ser interpretados como consagrando a existência de uma «rule of reason» em direito comunitário da concorrência.Inscrevem-se antes numa corrente jurisprudencial mais ampla, segundo a qual não há que considerar, de modo completamente abstracto e indistinto, que todo e qualquer acordo que restrinja a liberdade de acção das partes ou de uma delas cai necessariamente no âmbito da proibição fixada no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Com efeito, é necessário, para efeitos de análise da aplicabilidade desta disposição a um acordo, ter em conta o quadro concreto em que produz os seus efeitos, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que operam as empresas em causa, a natureza dos produtos e/ou serviços visados por esse acordo e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado (v., nomeadamente, acórdãos European Night Services e o./Comissão, já referido, n.° 136, Oude Luttikhuis e o., já referido no n.° 70, supra, n.° 10, e VGB e o./Comissão, já referido no n.° 70, supra, n.° 140, bem como acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935, n.° 31).

77.
    Com efeito, esta interpretação permite, sem deixar de respeitar a estrutura normativa do artigo 85.° do Tratado e, em especial, o efeito útil do seu n.° 3, evitar que a proibição prevista no n.° 1 desta disposição se estenda, de maneira completamente abstracta e indistinta, a todos os acordos que tenham por fim restringir a liberdade de acção das partes ou de uma delas. Há, portanto, que sublinhar que uma tal abordagem não implica, todavia, uma ponderação dos efeitos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo, para efeitos de determinar a aplicabilidade da proibição estabelecida no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

78.
    Face ao que precede, há que considerar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a recorrida fez, na decisão impugnada, uma aplicação correcta do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos, uma vez que não era obrigada a proceder a uma impugnação dos aspectos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais destes compromissos fora do quadro preciso do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

79.
    Em contrapartida, a recorrida, em conformidade com a jurisprudência, avaliou o carácter restritivo da concorrência destas cláusulas no seu contexto económico e jurídico. Assim, verificou, correctamente, que os canais generalistas apresentavam programas atractivos para os assinantes de uma sociedade de televisão por assinatura e que a cláusula de exclusividade tinha por efeito privar os concorrentes da TPS do acesso a esses programas (considerandos 102 a 107 da decisão impugnada). Quanto à cláusula relativa aos canais temáticos, a recorrida verificou que ela conduzia a uma limitação da oferta desses canais no mercado durante um período de dez anos (considerando 101 da decisão impugnada).

80.
    Esta acusação deve, por conseguinte, ser rejeitada.

ii) Quanto à argumentação, apresentada a título subsidiário, baseada em a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos constituírem restrições acessórias

- Argumentos das partes

Quanto à noção de restrição acessória

81.
    No que concerne à noção de restrição acessória, as recorrentes consideram que há que remeter para o XXIV Relatório sobre a Política de Concorrência, da Comissão, de 1994 (p. 120, n.° 166), de que resulta que as «restrições [...] no contexto das empresas comuns» são «restrições impostas unicamente às partes ou à empresa comum (não a terceiros) e que são objectivamente necessárias para o bom funcionamento da empresa comum; são, por conseguinte, em virtude da sua própria natureza, inerentes à operação em causa».

82.
    As recorrentes fazem igualmente referência à comunicação da Comissão de 16 de Fevereiro de 1993 relativa ao tratamento das empresas comuns com carácter de cooperação à luz do artigo 85.° do Tratado CEE (JO 1993, C 43, p. 2, a seguir «comunicação relativa às empresas comuns com carácter de cooperação»), na qual a recorrida precisou que os acordos que «directamente ligados à empresa comum e necessários à sua existência devem ser apreciados em conjunto com esta. Do ponto de vista do direito da concorrência, devem ser considerados como restrições acessórias, na medida em que estão subordinados ao objectivo principal da empresa comum» (n.° 66).

83.
    As recorrentes salientam, além disso, que resulta da comunicação relativa às empresas comuns com carácter de cooperação que, por um lado, uma licença exclusiva de exploração concedida à empresa comum por um período ilimitado foi considerada como indispensável à criação e à actividade desta empresa e que, por outro lado, a teoria das restrições acessórias será, em geral, aplicada no caso de uma empresa comum com novas actividades em relação às quais os fundadores não são concorrentes actuais ou potenciais da referida empresa (n.° 76 da comunicação relativa às empresas comuns com carácter de cooperação).

84.
    Segundo as recorrentes, a prática seguida nas decisões da recorrida demonstra uma aplicação fiel destes princípios.

85.
    Com efeito, as recorrentes salientam que, na Decisão 94/895/CE da Comissão, de 15 de Dezembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) (IV/34.768 - International Private Satellite Partners) (JO L 354, p. 75, n.° 61), foi considerado que cláusulas restritivas da concorrência devem ser consideradas como acessórias quando sejam indispensáveis à empresa comum e não vão para além daquilo que a criação e a exploração destas sociedades exigem [v. também a Decisão 97/39/CE da Comissão, de 18 de Dezembro de 1996, relativa a um processo nos termos do artigo 85.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (IV/35.518 - Iridium) (JO 1997, L 16, p. 87, n.os 48 e segs.) e a decisão da Comissão de 6 de Abril de 1995 declarando a compatibilidade com o mercadocomum de uma concentração com base no Regulamento n.° 4064/89 (IV/M.564 - Havas Voyages/American (JO C 117, p. 8).

86.
    As recorrentes sustentam, além disso, que as decisões e os acórdãos citados pela recorrida carecem, em geral, de pertinência para o presente processo.

87.
    Com efeito, as recorrentes alegam que o acórdão Pronuptia (referido no n.° 74, supra) e o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, Colect., p. 2545), dizem respeito aos critérios de aplicação do artigo 85.°, n.os 1 e 3, do Tratado, sem que seja feita qualquer referência à problemática das restrições acessórias. Notam, seguidamente, que a Decisão 87/100/CEE da Comissão, de 17 de Dezembro de 1986, relativa a um processo em aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.340 - Mitchell Cotts/Sofiltra) (JO 1987, L 41, p. 31, n.° 23), não traz qualquer elemento novo. Quanto à Decisão 90/410/CEE da Comissão, de 13 de Julho de 1990, relativa a um processo em aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/32.009 - Elopak/Metal Box-Odin) (JO L 209, p. 15, n.° 31) e segundo as recorrentes, ela confirma, mais do que infirma, o princípio posto em evidência nas decisões que invocaram.

88.
    Finalmente, as recorrentes consideram que, contrariamente ao que sugerem a recorrida e a interveniente, a qualificação de uma cláusula como restrição acessória não deve corresponder a uma análise abstracta desta antes necessita de uma análise profunda do mercado.

89.
    As recorrentes salientam além disso que a recorrida procedeu a um tal exame na decisão impugnada. Notam ainda que todas as decisões e acórdãos citados pela interveniente ilustram o facto de um contexto de mercado ser tomado em conta no âmbito da qualificação das «restrições acessórias». Assim, no acórdão Remia e o./Comissão, acima referido, n.° 87, o Tribunal de Justiça recusou-se, face às circunstâncias do caso, a qualificar como restrição acessória uma cláusula de não concorrência de uma duração superior a quatro anos. Na Decisão 1999/329/CE da Comissão, de 12 de Abril de 1999, relativa a um processo de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE e dos artigos 53.° e 54.° do acordo EEE (IV/D-1/30.373 - Clubes P & I IGA e IV/D-1/37.143 - Clubes PII: acordo de comparticipação) (JO L 125, p. 12), foi decidido, após exame dos preços e condições de venda no mercado dos resseguros, que a subscrição conjunta de contratos de resseguro era, nesse caso, uma restrição acessória. Na Decisão 1999/574/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1999, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (IV/36.581 - Télécom Développement) (JO L 218, p. 24, a seguir «decisão Télécom Développement»), a recorrida fez uma apreciação económica e concorrencial da posição da sociedade Télécom Développement no mercado das telecomunicações vocais, para concluir que as cláusulas notificadas deviam ser qualificadas como restrições acessórias. Finalmente, na Decisão 97/39, foi também face a condições particulares do caso em apreço que a recorrida decidiu qualificar as cláusulas notificadas como restrições acessórias.

90.
    A recorrida, apoiada pela interveniente, contesta a interpretação da noção de restrição acessória defendida pelas recorrentes.

Quanto às consequências da qualificação como restrição acessória

91.
    As recorrentes salientam que resulta tanto das publicações emanadas da recorrida como da sua prática em matéria de decisões que os compromissos que são qualificados como restrições acessórias devem ser objecto de um tratamento idêntico ao da operação principal.

92.
    Com efeito, as recorrentes salientam que, no seu XXIV Relatório sobre a Política de Concorrência a recorrida sublinhou que as restrições acessórias não são «objecto de uma apreciação distinta nos termos do n.° 1 do artigo 85.° se a própria empresa comum não infringir o n.° 1 do referido artigo ou se beneficiar de uma isenção ao abrigo do seu n.° 3. Embora as restrições acessórias sejam normalmente aceites apenas por um período de tempo limitado, quando se trata de empresas comuns são normalmente autorizadas para todo o período de duração da empresa comum». De igual modo, as recorrentes observam que, na comunicação sobre as empresas comuns com carácter de cooperação, a recorrida precisou que, «se a empresa comum enquanto tal não está sujeita à aplicação do n.° 1 do artigo 85.°, do Tratado CEE os acordos adicionais, que considerados em si mesmo constituem restrições da concorrência mas que devem ser considerados acessórios na acepção acima definida, também não estão abrangidos por esta disposição» (n.° 67) e que eles «devem ser apreciados em conjunto com esta [a sociedade comum]» (n.° 66).

93.
    Além disso, as recorrentes notam que a recorrida fez aplicação destes princípios ao nível da sua prática em matéria de decisões. Assim, no considerando 62 da Decisão 94/895, a recorrida considerou que, na medida em que a empresa comum não caía na alçada da proibição imposta pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o mesmo sucedia em relação às cláusulas em litígio (v. também a Decisão 97/39, considerando 48).

94.
    A recorrida sublinha que, embora seja certo que a consequência jurídica da aplicação da noção de restrição acessória é de afastar do âmbito do artigo 85.° do Tratado as cláusulas contratuais a priori restritivas da concorrência e susceptíveis de afectar de modo sensível o comércio entre Estados-Membros, isso não significa todavia, que essas cláusulas beneficiem necessariamente de um certificado negativo com uma duração idêntica à da operação principal. Com efeito, segundo a Comissão, tal como resulta do acórdão Remia e o./Comissão, referido no n.° 87, supra, e da decisão impugnada, a duração de uma restrição pode ser um parâmetro essencial para determinar se ela é ou não acessória.

Quanto à qualificação da cláusula de exclusividade como restrição acessória

95.
    As recorrentes consideram que não há qualquer dúvida de que a recorrida devia ter qualificado a cláusula de exclusividade como restrição acessória.

96.
    Com efeito, alegam que, face à posição dominante da Canal+, nomeadamente no mercado dos direitos de difusão do cinema francês e americano, esta exclusividade constituía o único meio de entrar no mercado da televisão por assinatura na França e de aí permanecer conservando uma oferta atractiva. O carácter absolutamente particular desta vantagem resulta igualmente do facto de ter sido concedida à TPS pelos seus accionistas, sem pagamento de uma parte ou da outra, a fim de garantir o seu sucesso no mercado.

97.
    Segundo as recorrentes, o argumento principal adiantado pela recorrida para contestar o carácter acessório da cláusula de exclusividade, a saber, que a criação de uma empresa activa no sector da televisão digital por satélite seria concebível sem a difusão a título exclusivo dos quatro canais generalistas, está errado. Com efeito, as recorrentes salientam que não dispunham - e continuam a dispor ainda de muito poucas - exclusividades cinematográficas e desportivas quando decidiram criar a TPS, de modo que a sua única arma concorrencial era (e ainda é) a difusão exclusiva dos canais generalistas. Esta cláusula está, portanto, directamente ligada à criação da TPS e é necessária ao seu bom funcionamento.

98.
    A recorrida contesta ter cometido um erro de apreciação ao não qualificar a cláusula de exclusividade como restrição acessória.

Quanto à qualificação da cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória

99.
    As recorrentes consideram que a recorrida cometeu um erro de apreciação ao não qualificar a cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória.

100.
    Segundo as recorrentes, a recorrida não teve, com efeito, em conta o facto de esta cláusula ser indispensável à criação e à exploração da TPS, na medida em que este acesso prioritário aos canais e aos programas dos seus accionistas e o direito de última palavra constituíam o único meio de a TPS garantir o seu fornecimento em canais temáticos, à luz nomeadamente da posição particularmente forte do grupo Canal+ no mercado destes canais.

101.
    A este respeito, as recorrentes consideram ser útil referir a Decisão 1999/573/CE da Comissão, de 20 de Maio de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (IV/36.592 - Cégétel +4) (JO L 218, p. 14, a seguir «decisão Cégétel»), e à decisão Télécom développement. Com feito, por um lado, estas decisões referem-se a situações concorrenciais bastante parecidas com o presente caso, a saber, mercados dominados por um operador histórico, e, por outro lado, nestas decisões, a análise da recorrida incidiu em cláusulas que podem ser aproximadas da cláusula relativa aos canais temáticos, pois trata-se, na decisão Télécom Développement, de uma cláusula que prevê um acesso preferencial a uma infra-estrutura e, na decisão Cégétel, de uma cláusula que prevê uma compra preferencial da empresa comum aos seus accionistas. As recorrentes notam que,contrariamente ao que decidiu no presente processo, a recorrida não hesitou em qualificar estas cláusulas como restrições acessórias e em reservar-lhes um tratamento estritamente idêntico ao da empresa comum (v. também a Decisão 1999/329).

102.
    A recorrida contesta ter cometido um erro de apreciação ao não classificar a cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória.

- Apreciação do Tribunal

103.
    Em primeiro lugar, é conveniente precisar o alcance da noção de restrição acessória em direito comunitário da concorrência e as consequências que resultam dessa qualificação. Seguidamente, é conveniente aplicar os princípios assim determinados à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos para determinar se, tal como alegam as recorrentes, a recorrida cometeu um erro de apreciação ao não qualificar estes compromissos como restrições acessórias.

Quanto à noção de restrição acessória

104.
    Em direito comunitário da concorrência, a noção de restrição acessória abrange toda e qualquer restrição que esteja directamente ligada e seja necessária à realização de uma operação principal [v., neste sentido, a comunicação da Comissão de 14 de Agosto de 1990, relativa às restrições acessórias às operações de concentração (JO 1990, C 203, p. 5, a seguir «comunicação relativa às restrições acessórias», n.° I), a comunicação sobre as empresas comuns com carácter de cooperação (n.° 65), e os artigos 6.°, n.° 1, alínea b), e 8.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89].

105.
    Na sua comunicação relativa às restrições acessórias, a Comissão sublinhou correctamente que, por restrição directamente ligada à realização de uma operação principal, se deve entender toda e qualquer restrição que esteja subordinada em importância em relação à realização desta operação e que comporte um nexo evidente com esta (n.° II 4).

106.
    Quanto à condição relativa ao carácter necessário de uma restrição, ela implica um duplo exame. Com efeito, é conveniente procurar, por um lado, se a restrição é objectivamente necessária à realização da operação principal e, por outro, se ela é proporcionada em relação a esta (v., neste sentido, acórdão Remia e o./Comissão, já referido, n.° 87, supra, n.° 20; v. também n.os II 5 e II 6 da comunicação relativa às restrições acessórias).

107.
    No que concerne ao carácter objectivamente necessário de uma restrição, há que sublinhar que, na medida em que, como se demonstrou, supra, nos pontos 72 e seguintes, a existência de uma «rule of reason» em direito comunitário da concorrência não pode ser admitida, seria errado interpretar, no âmbito da qualificação das restrições acessórias, a condição da necessidade objectiva comoimplicando uma ponderação dos efeitos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo. Com efeito, é apenas no âmbito específico do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado que uma tal análise pode ter lugar.

108.
    Esta posição justifica-se não apenas para respeitar o efeito útil do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, mas também por razões de coerência. Com efeito, uma vez que o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não implica uma análise dos efeitos positivos e negativos para a concorrência de uma restrição principal, uma mesma conclusão se impõe no que concerne à análise das restrições que a acompanham.

109.
    Assim, tal como alega correctamente a recorrida, o exame do carácter objectivamente necessário de uma restrição em relação à operação principal não pode deixar de ser relativamente abstracto. Trata-se, não de analisar se, face à situação concorrencial no mercado em causa, a restrição é indispensável para o sucesso comercial da operação principal, mas sim de determinar se, no âmbito particular da operação principal, a restrição é necessária à realização dessa operação. Se, não havendo restrição, a operação principal se mostra dificilmente realizável ou mesmo irrealizável, a restrição pode ser considerada objectivamente necessária à sua realização.

110.
    Assim, no seu acórdão Remia e o./Comissão, já referido no n.° 87, supra (n.° 19), o Tribunal de Justiça considerou que uma cláusula de não concorrência era objectivamente necessária à realização de uma cessão de empresas, na medida em que, na falta de uma tal cláusula, «[...] e quando o vendedor e o comprador permanecem em concorrência após a cessão verifica-se que o acordo de cessão de empresa não pode ser realizado. Com efeito, o vendedor, que conhece particularmente bem as particularidades da empresa cedida, conserva a possibilidade de atrair de novo para si a sua antiga clientela imediatamente após a cessão e de tornar assim inviável essa empresa».

111.
    De igual modo, a recorrida pôde verificar, no âmbito da sua prática em matéria de decisões, que um certo número de restrições eram objectivamente necessárias à realização de certas operações. Com efeito, na falta de tais restrições, a operação em causa «não poderia realizar-se ou sê-lo-ia em condições mais aleatórias, a custos substancialmente mais elevados, num prazo consideravelmente maior ou com muito menos possibilidades de êxito» (n.° II 5 da comunicação relativa às restrições acessórias; v. também, a título de exemplo, a Decisão 90/410, n.os 22 e segs.).

112.
    Contrariamente ao que afirmam as recorrentes, nenhuma das diferentes decisões a que se referem prova o facto de a recorrida ter procedido a uma análise concorrencial para qualificar as cláusulas em causa como restrições acessórias. Muito pelo contrário, estas decisões testemunham o carácter relativamente abstracto da análise da recorrida. Assim, o n.° 77 da Decisão 1999/329 diz o seguinte:

«Na verdade, o acordo de repartição dos riscos não pode funcionar bem sem, pelo menos, ser acordado por todos os seus membros o nível de cobertura a oferecer. De facto, nenhum membro quererá partilhar pedidos de indemnização apresentados ao grupo por outros clubes de um valor superior aos que ele mesmo pode apresentar.»

113.
    Quando uma restrição seja objectivamente necessária à realização de uma operação principal, é ainda conveniente verificar se a sua duração e o seu âmbito material e geográfico não excedem o que é necessário para a realização da referida operação. Se a duração ou o âmbito da restrição excederem o que é necessário para a realização da operação, ela deve ser objecto de uma análise separada no âmbito do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 78).

114.
    Finalmente, há que salientar que, uma vez que a apreciação do carácter acessório de um compromisso especial em relação a uma operação principal implica apreciações económicas complexas a fazer pela recorrida, o controlo jurisdicional desta apreciação se limita à verificação do respeito das regras processuais, do carácter bastante da fundamentação e da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v., neste sentido, no que diz respeito à apreciação da duração admissível de uma cláusula de não concorrência, o acórdão Remia e o./Comissão, já referido, n.° 87, supra, n.° 34).

Quanto às consequências da qualificação como restrição acessória

115.
    Se se provar que uma restrição está directamente ligada e é necessária para a realização de uma operação principal, a compatibilidade desta restrição com as regras da concorrência deve ser examinada em conjunto com a da operação principal.

116.
    Assim, quando a operação principal não for atingida pela proibição constante do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o mesmo sucede com as restrições directamente ligadas e necessárias a essa operação (v., neste sentido, o acórdão Remia e o./Comissão, já referido no n.° 87, supra, n.° 20). Se, em contrapartida, a operação principal constituir uma restrição na acepção desta disposição, mas beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, essa isenção abrange também as referidas restrições acessórias.

117.
    Além disso, quando as restrições estiverem directamente ligadas e forem necessárias a uma operação de concentração na acepção do Regulamento n.° 4064/89, resulta tanto do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), como do artigo 8.°, n.° 2, segundo parágrafo, deste regulamento que essas restrições são abrangidas pela decisão da Comissão que declare a operação compatível com o mercado comum.

Quanto à qualificação da cláusula de exclusividade como restrição acessória

118.
    É conveniente examinar, à luz dos princípios acima invocados nos n.os 103 a 114, se, no presente caso, a recorrida cometeu um erro manifesto de apreciação ao não qualificar a cláusula de exclusividade como restrição acessória à criação da TPS.

119.
    As recorrentes consideram que a cláusula de exclusividade é acessória à criação da TPS na medida em que, na falta de exclusividades cinematográficas e desportivas de primeiro plano, esta cláusula é indispensável para permitir à TPS penetrar no mercado da televisão por assinatura na França.

120.
    É, todavia, conveniente salientar, a título liminar, que o facto de a cláusula de exclusividade ser necessária para permitir à TPS instalar-se duradouramente neste mercado carece de pertinência para a qualificação da referida cláusula como restrição acessória.

121.
    Com efeito, tal como foi, supra, sublinhado no n.° 106, tais considerações, que se referem ao carácter indispensável da restrição face à situação concorrencial no mercado em causa, não fazem parte da análise do carácter acessório da restrição. Elas só podem ser tidas em conta no âmbito do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado (v., a este respeito, acórdãos Pronuptia, já referido no n.° 74, supra, n.° 24 e Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, já referido no n.° 113, supra, n.° 78).

122.
    Seguidamente, há que salientar que, embora, no presente caso, as recorrentes tenham podido demonstrar suficientemente que a cláusula de exclusividade estava directamente ligada à constituição da TPS, em contrapartida, não demonstraram que a difusão exclusiva dos canais generalistas era objectivamente necessária a esta operação. A este respeito, é conveniente salientar, tal como correctamente sublinha a recorrida, que uma sociedade activa no sector da televisão por assinatura pode ser lançada na França sem dispor da difusão exclusiva dos canais generalistas. Essa é a situação do CanalSatellite e da AB-Sat, os dois outros operadores neste mercado.

123.
    Mesmo supondo que a cláusula de exclusividade tenha sido objectivamente necessária à criação da TPS, a recorrida não cometeu erro manifesto de apreciação ao considerar que esta restrição não era proporcionada em relação a esse objectivo.

124.
    Com efeito, a cláusula de exclusividade tem uma duração inicial de dez anos. Ora, tal como declara a recorrida no considerando 134 da decisão impugnada, uma tal duração parece excessiva na medida em que «a implantação da TPS deverá estar concluída antes desse período». É, com efeito, bastante provável que a desvantagem concorrencial da TPS, principalmente no que concerne ao acesso às exclusividades desportivas e cinematográficas, se vá reduzindo com o decurso do tempo (v., neste sentido, o considerando 133 da decisão impugnada). Não é, porconseguinte, de excluir que a difusão exclusiva dos canais generalistas, embora destinada inicialmente a reforçar a posição concorrencial da TPS no mercado da televisão por assinatura, lhe permita eventualmente, após alguns anos, eliminar a concorrência nesse mercado.

125.
    Além disso, a cláusula de exclusividade é igualmente desproporcionada na medida em que tem por efeito privar os concorrentes da TPS, tanto actuais como potenciais, de todo e qualquer acesso a programas considerados como atractivos por um grande número de espectadores franceses (v., neste sentido, acórdão Oude Luttikhuis e o., já referido no n.° 70, supra, n.° 16). Além disso, este carácter excessivo do compromisso é reforçado pela existência de zonas de má qualidade de recepção. Com efeito, os telespectadores que habitam nestas zonas e que desejem tornar-se assinantes de uma sociedade de televisão por assinatura que difunda também os canais generalistas só podem dirigir-se à TPS.

126.
    Por conseguinte, há que considerar que a recorrida não cometeu erro manifesto de apreciação ao não qualificar a cláusula de exclusividade como restrição acessória à criação da TPS.

127.
    Esta parte da argumentação das recorrentes deve, por conseguinte, ser afastada.

Quanto à qualificação da cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória

128.
    É igualmente conveniente examinar, à luz dos princípios, supra, invocados nos n.os 103 a 114, se, neste caso, a recorrida cometeu um erro manifesto de apreciação ao não qualificar a cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória.

129.
    A este respeito, é conveniente recordar que, na decisão impugnada (considerando 101), a recorrida indicou:

«Pode colocar-se a questão de saber se a obrigação dos sócios de propor os seus canais temáticos prioritariamente à TPS não constitui uma cláusula acessória à criação da plataforma; todavia, esta obrigação, imposta por um período de dez anos, conduz a uma limitação da oferta de canais temáticos e de serviços televisivos. Consequentemente, a cláusula analisada é abrangida pelo âmbito de aplicação do n.° 1 do artigo 85.°»

130.
    Resulta deste considerando que foi principalmente devido ao impacto negativo desta cláusula na situação de terceiros durante uma duração bastante longa que a recorrida se recusou a qualificá-la como restrição acessória.

131.
    Ora, os recorrentes, embora tenham o ónus da prova a este respeito, não apresentam qualquer elemento que permita invalidar esta apreciação.

132.
    Com efeito, as recorrentes limitam-se a afirmar que, devido à política de exclusividade praticada pelo CanalSatellite, os canais temáticos explorados ou criados através dos seus esforços são os únicos a que a TPS tem acesso, de modo que a cláusula em litígio é indispensável à sobrevivência desta. Admitindo que tal afirmação seja exacta, uma tal consideração relativa à situação concorrencial da TPS não pode ser tida em conta para efeitos de qualificação desta cláusula como restrição acessória. Com efeito, tal como foi acima precisado nos n.os 107 a 112, o carácter objectivamente necessário da cláusula verifica-se independentemente da situação concorrencial.

133.
    Além disso, na medida em que o mercado da comercialização dos canais temáticos se caracteriza por uma expansão rápida (considerando 65 da decisão impugnada), a recorrida não cometeu erro manifesto de apreciação ao considerar que a obrigação de os accionistas da TPS proporem os seus canais temáticos prioritariamente à TPS durante dez anos excedia o que era necessário para a criação desta.

134.
    Finalmente, tal como correctamente salienta a recorrida, as recorrentes referem-se erradamente às decisões Cégétel e Télécom développement na medida em que estas se reportam a situações factuais diferentes. Assim, a situação da TPS não pode ser comparada à de um novo operador num mercado que é dominado por uma sociedade em situação de monopólio histórico e que requer acesso a uma infra-estrutura essencial. Com efeito, a Canal+ não dispõe de um monopólio histórico no mercado da comercialização de canais temáticos e a entrada neste mercado não exige o acesso a uma infra-estrutura essencial. Além disso, nas decisões Cégétel e Télécom développement, as cláusulas analisadas não tinham por efeito privar terceiros de toda e qualquer possibilidade de acessos aos serviços dos accionistas. Tratava-se apenas de uma preferência.

135.
    Por conseguinte, há que considerar que a recorrida não cometeu erro manifesto de apreciação ao não qualificar a cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória à criação da TPS.

136.
    Esta parte da argumentação subsidiária das recorrentes deve, por conseguinte, ser afastada.

iii) Conclusão

137.
    Face ao que precede, o presente fundamento deve ser considerado improcedente.

b) Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado

i) Quanto ao argumento baseado em aplicação errada dos critérios de isenção previstos no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado

Argumentos das partes

138.
    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a recorrida violou o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, ao ter em conta, ao nível da aplicação desta disposição, apreciações relativas à concorrência no mercado da televisão por assinatura que, em seu entender, são abrangidas pelo n.° 1 desta disposição.

139.
    Seguidamente, as recorrentes salientam que, em conformidade com a jurisprudência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, Métropole télévision e o./Comissão, T-528/93, T-542/93, T-543/93 e T-546/93, Colect., p. II-649, n.° 114), os elementos que a recorrida escolhe para aplicar o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado devem ser pertinentes e relacionarem-se com esse artigo. Ora, segundo as recorrentes, em vez de examinar se a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos, que tinha considerado contrárias ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, preenchiam as condições de isenção previstas no n.° 3 deste artigo, a recorrida analisou, na realidade, se a criação da TPS no mercado satisfazia estas condições.

140.
    A recorrida contesta ter feito uma aplicação errada dos critérios de isenção previstos no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

Apreciação do Tribunal

141.
    No que concerne à argumentação das recorrentes quanto à obrigação de a recorrida proceder, no âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e não do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, a uma ponderação dos efeitos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais de uma restrição, há que fazer referência aos desenvolvimentos feitos, supra.

142.
    Quanto à questão de saber se a recorrida verificou correctamente se as condições de isenção estavam preenchidas no que concerne à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos, é conveniente observar, em primeiro lugar, que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, a recorrida examinou se estas condições estavam preenchidas em relação a cada uma das cláusulas.

143.
    Assim, no que concerne à condição relativa à contribuição para a melhoria da produção ou da distribuição ou à promoção do progresso técnico ou económico, a recorrente verificou que esta condição estava preenchida na medida em que «ao promover um lançamento com êxito de uma nova plataforma no mercado da televisão por assinatura [a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos] [...] permitem o aparecimento de um novo operador e alargam a oferta de serviço de televisão paga aos telespectadores franceses» (considerando 114 da decisão impugnada).

144.
    Estas cláusulas têm igualmente um efeito benéfico para os consumidores na medida em que levaram a um «aumento da oferta e ao desenvolvimento de novos serviçosbaseados na utilização de uma nova tecnologia» (considerando 118 da decisão impugnada) e a uma «concorrência muito viva que se instaurou a partir da criação da TPS entre esta plataforma e o CanalSatellite/Canal+» (considerando 119 da decisão impugnada).

145.
    Quanto ao carácter indispensável das cláusulas em litígio, a recorrida declarou, nomeadamente que «sem o acesso preferencial a estes canais [temáticos], a TPS ter-se-ia visto obrigada a editar ela própria um grande número de canais, o que aumentaria de forma significativa os custos já muito elevados do lançamento da plataforma» (considerando 122 da decisão impugnada) e que «a difusão exclusiva dos canais generalistas, enquanto produto de apelo e elemento diferenciador da oferta da TPS, é indispensável para a implantação desta empresa no mercado francês de televisão por assinatura» (considerando 132 da decisão impugnada).

146.
    É certo que, no que concerne à quarta condição prevista pelo artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, que se refere à eliminação da concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa, a recorrida não fez explicitamente referência à cláusula de exclusividade e à cláusula relativa aos canais temáticos. Contentou-se em declarar que «o acordo TPS não elimina de forma alguma a concorrência mas, pelo contrário, favorece-a» (considerando 135 da decisão impugnada). Resulta, todavia, implicitamente da análise da recorrida que, para efeitos desta conclusão, teve em conta essas cláusulas ao considerar que estas eram indispensáveis ao sucesso da TPS.

147.
    Em segundo lugar, é oportuno salientar que, mesmo que a recorrida tenha, correctamente, considerado que a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos não podiam ser consideradas como restrições acessórias à criação da TPS pelas razões acima evocadas nos n.os 118 a 137, estas restrições estão, todavia, directamente ligadas a essa operação. Por conseguinte, a análise da satisfação das diferentes condições previstas pelo artigo 85.°, n.° 3, do Tratado devia ser feita em relação à operação principal a que se ligam essas cláusulas.

148.
    É, de resto, conveniente observar que a argumentação das recorrentes, a este respeito, é contraditória. Com efeito elas afirmam, por um lado, que a recorrida devia ter considerado essas cláusulas como restrições acessórias à criação da TPS e, por outro, que a recorrida devia ter verificado, independentemente da operação principal, se as condições previstas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado estavam satisfeitas no que lhes diz respeito.

149.
    Esta contradição baseia-se numa interpretação errada da noção de restrição acessória. Com efeito, segundo as recorrentes, quando uma restrição não possa ser qualificada como restrição acessória, deve necessariamente ser analisada em separado. Ora, como foi recordado, supra, no n.° 147, uma tal concepção não tem, todavia, em conta o facto de que, embora certas restrições que estão directamente ligadas a uma operação não possam ser qualificadas como restrições acessórias pornão serem objectivamente necessárias ou por não serem proporcionadas em relação à realização da operação principal, continuam, no entanto, a estar indissociavelmente ligadas a esta última. É, portanto, normal, que sejam analisadas tendo em conta o contexto económico e jurídico desta última.

150.
    Esta parte da argumentação das recorrentes deve, por conseguinte, ser afastada.

ii) Quanto ao argumento baseado em erro de apreciação no que concerne à duração da isenção individual

Argumentos das partes

151.
    As recorrentes consideram que a recorrida cometeu um erro de apreciação ao considerar, na decisão impugnada, que a duração da isenção para a cláusula de exclusividade devia ser fixada em três anos. Assim, os fundamentos indicados pela recorrida, segundo os quais, por um lado, esta restrição só é indispensável à TPS durante o período de lançamento e, por outro, este carácter indispensável diminuirá com o correr do tempo, na medida em que a TPS poderá recrutar assinantes, adquirir experiência no domínio da televisão por assinatura, o que lhe permitirá melhorar a sua oferta, estão errados.

152.
    Segundo as recorrentes, o carácter indispensável da exclusividade não vai diminuir, mas, muito pelo contrário, vai crescer, face às posições incontornáveis que o grupo Canal+ ocupa no mercado. Salientam que, sem a exclusividade da difusão dos canais generalistas, a viabilidade da TPS está em perigo.

153.
    A este respeito, as recorrentes consideram que há que fazer referência à decisão Cégétel, na qual uma cláusula de distribuição exclusiva de certos serviços telefónicos foi isenta por um período de dez anos, nomeadamente pelo facto de a sociedade Cégétel só poder rentabilizar os investimentos feitos nos serviços de telecomunicação no termo de um período muito longo.

154.
    As recorrentes consideram igualmente que a recorrida cometeu um erro de apreciação ao limitar a três anos, quer dizer, ao período de lançamento, a duração da isenção para a cláusula relativa aos canais temáticos. Com efeito, consideram que o carácter indispensável desta cláusula não se limita ao período de lançamento, tal como afirma a recorrida, antes se aplica a todo o período de exploração da TPS, na medida em que, para esta, essa cláusula é o único meio de garantir o seu abastecimento em canais temáticos.

155.
    A recorrida contesta ter cometido um erro de apreciação ao fixar a duração da isenção em três anos.

Apreciação do Tribunal

156.
    É conveniente salientar, em primeiro lugar, que, segundo uma jurisprudência constante, o exercício dos poderes da recorrida no âmbito do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado se baseia necessariamente em apreciações económicas complexas, o que implica que o controlo jurisdicional destas apreciações se deve limitar, em especial, ao exame da materialidade dos factos e das qualificações jurídicas que a recorrida daí deduziu (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423, e acórdão Matra Hachette/Comissão, já referido no n.° 74, supra, n.° 104).

157.
    Este princípio vale, nomeadamente, no que concerne à determinação pela recorrida do período durante o qual uma restrição é considerada indispensável (acórdão Remia e o./Comissão, já referido no n.° 87, supra, n.° 34).

158.
    Em segundo lugar, é conveniente recordar que, no seu acórdão Matra Hachette/Comissão, já referido no n.° 74, supra (n.° 104), o Tribunal de Primeira Instância decidiu que «compete às empresas notificantes fornecer à Comissão os elementos que provem que as condições previstas no artigo 85.°, n.° 3, estão preenchidas [acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19], devendo esta obrigação ser apreciada no quadro do processo contencioso, tendo em conta o ónus que incumbe à recorrente de avançar elementos susceptíveis de pôr em causa a apreciação da Comissão».

159.
    Ora, é forçoso declarar que as recorrentes se contentam em afirmar que a recorrida cometeu um erro de apreciação, na medida em que, em vez de diminuir, como a recorrida declara no considerando 133 da decisão impugnada, o carácter indispensável da exclusividade vai, segundo as recorrentes, pelo contrário crescer, face às posições incontornáveis que o grupo Canal+ ocupa no mercado. Quanto à cláusula relativa aos canais temáticos, as recorrentes alegam que esta é necessária para garantir o abastecimento da TPS em canais deste tipo. Não apresentam, todavia, qualquer elemento de prova para demonstrar a exactidão desta afirmação que, além disso, não tem em conta a evolução do mercado. Finalmente, as recorrentes não contestam nenhum dos elementos factuais com base nos quais a recorrida, por um lado, considerou que o carácter indispensável destas cláusulas ia necessariamente diminuir com o correr do tempo e, por outro, concluiu que três anos constituíam a duração mínima durante a qual elas eram indispensáveis à TPS (considerando 134 da decisão impugnada).

160.
    Em terceiro lugar, há que observar que as recorrentes se referem erradamente à decisão da Cégétel. Com efeito, tal como sublinha correctamente a recorrida, nesta decisão, apenas a exclusividade da distribuição de certos produtos era objecto de uma isenção e a distribuição destes produtos não constituía mais do que uma parte reduzida das actividades da sociedade Cégétel, ao passo que a exclusividade da difusão dos canais generalistas constitui um elemento essencial da oferta da TPS.

161.
    Por conseguinte, há que considerar que a recorrida não cometeu erro manifesto de apreciação ao limitar a duração da isenção a três anos.

162.
    Esta parte da argumentação das recorrentes deve, por conseguinte, ser rejeitada.

iii) Conclusão

163.
    Face ao que precede, há que rejeitar o presente fundamento por improcedente.

2. No que concerne ao fundamento relativo ao artigo 2.° da decisão impugnada, baseado em violação do princípio da segurança jurídica

Argumentos das partes

164.
    As recorrentes consideram que, ao passar um certificado negativo com uma duração limitada a três anos por a cláusula de concorrência só poder ser qualificada como restrição acessória à criação da TPS durante o período de lançamento, a recorrida não cumpriu as regras que tinha formulado no seu XXIV Relatório sobre a Política de Concorrência. As recorrentes salientam, com efeito, que a recorrida precisou neste documento, que a vincula, que «quando se trata de empresas comuns, [as restrições acessórias] são normalmente autorizadas por todo o período de duração da empresa comum» (p. 120, n.° 166).

165.
    Segundo as recorrentes, resulta da jurisprudência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, e de 10 de Março de 1992, Hüls/Comissão, T-9/89, Colect., p. II-499), que, ao não respeitar esta norma no caso presente, a recorrida violou o princípio da segurança jurídica.

166.
    As recorrentes salientam que a posição da recorrida no presente processo é tanto mais criticável quanto a referida regra continua a ser actual, tal como resulta das decisões Cégétel e Télécom développement. Com efeito, nestas decisões, duas cláusulas de não concorrência foram qualificadas como restrições acessórias e foram objecto do mesmo tratamento que a empresa comum.

167.
    A recorrida contesta ter violado o princípio da segurança jurídica ou cometido um erro de apreciação, ao considerar que a cláusula de não concorrência constituía uma restrição acessória apenas durante o período de lançamento, quer dizer, durante os três primeiros anos.

Apreciação do Tribunal

168.
    A título liminar, há que salientar que resulta do extracto do XXIV Relatório sobre a Política de Concorrência citado pelas recorrentes, segundo o qual as restrições acessórias «são normalmente autorizadas por todo o período de duração da empresa comum» bem como do quadro concreto em que ele se integra, a análisede cinco constituições de empresas comuns no sector da pesquisa e do desenvolvimento, que a parte do relatório em que se insere este extracto não contém regras estritas que a recorrida se tenha imposto a si própria quanto à qualificação de um compromisso como restrição acessória. Trata-se antes da simples descrição de um certo número de princípios que a recorrida segue normalmente no âmbito da sua análise de certas cláusulas que considera como acessórias a uma operação principal.

169.
    Contrariamente ao que alegam as recorrentes, o presente caso não pode, portanto, ser analisado à luz do processo que deu lugar ao acórdão Hercules Chemicals/Comissão, já referido no n.° 165, supra. Neste processo, com efeito, a recorrida tinha comunicado, através do seu relatório anual sobre a política de concorrência, um certo número de regras relativas ao acesso ao processo em matéria de concorrência, que tinha imposto a si própria.

170.
    Ressalta, de resto, do extracto do XXIV Relatório sobre a Política de Concorrência, citado pelas recorrentes, que este mais não faz do que retomar, de modo quase literal, os princípios desenvolvidos pela recorrida no n.° 67 da comunicação relativa ao tratamento das empresas comuns com carácter de cooperação. Ora, tal como resulta claramente desta comunicação, esta não tem mais do que um valor indicativo no que concerne à maneira como a recorrida aplica a teoria das restrições acessórias na prática.

171.
    Segue-se que as recorrentes não podem basear-se no extracto referido para demonstrarem que a recorrida violou o princípio da segurança jurídica a seu respeito.

172.
    Face ao que precede, o presente fundamento deve ser rejeitado por improcedente.

173.
    Sendo improcedentes todos os fundamentos invocados pelas recorrentes, deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

174.
    Por força do disposto no primeiro parágrafo do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão requerido nesse sentido e tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las nas suas próprias despesas, nas despesas feitas pela recorrida e pela parte interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    As recorrentes suportarão as suas próprias despesas bem como as efectuadas pela recorrida e pela interveniente.

Azizi
Lenaerts
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Setembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi

Índice

     Quadro geral do processo

II - 2

         A - Descrição da operação

II - 2

         B - Os mercados afectados e a estrutura destes mercados

II - 3

             1. O mercado da televisão por assinatura em França

II - 3

             2. O mercado de aquisição de direitos de difusão, nomeadamente de cinema e de desporto

II - 4

             3. O mercado da comercialização e da exploração de canais temáticos

II - 4

         C - A notificação e os acordos notificados

II - 5

             1. A cláusula de não concorrência

II - 5

             2. A cláusula relativa aos canais temáticos

II - 6

             3. A cláusula de exclusividade

II - 6

         D - A decisão impugnada

II - 6

     Tramitação processual e pedidos das partes

II - 7

     Questão de direito

II - 8

         A - Quanto à admissibilidade do recurso

II - 8

             Argumentos das partes

II - 8

             Apreciação do Tribunal

II - 8

         B - Quanto ao mérito

II - 10

             1. Quanto aos fundamentos da anulação do artigo 3.° da decisão impugnada

II - 10

                 a) Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

II - 11

                     i) Quanto à argumentação, invocada a título principal, baseada em a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos não constituírem restrições à concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

II - 11

                     - Quanto à acusação baseada na existência de apreciações erradas

II - 11

                     Argumentos das partes

II - 11

                     Apreciação do Tribunal

II - 12

                     - Quanto à acusação baseada em aplicação errada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (falta de aplicação de uma «rule of reason»)

II - 14

                     Argumentos das partes

II - 14

                     Apreciação do Tribunal

II - 15

                     ii) Quanto à argumentação, apresentada a título subsidiário, baseada em a cláusula de exclusividade e a cláusula relativa aos canais temáticos constituírem restrições acessórias

II - 17

                     - Argumentos das partes

II - 17

                     Quanto à noção de restrição acessória

II - 17

                     Quanto às consequências da qualificação como restrição acessória

II - 19

                     Quanto à qualificação da cláusula de exclusividade como restrição acessória

II - 20

                     Quanto à qualificação da cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória

II - 21

                     - Apreciação do Tribunal

II - 22

                     Quanto à noção de restrição acessória

II - 22

                     Quanto às consequências da qualificação como restrição acessória

II - 24

                     Quanto à qualificação da cláusula de exclusividade como restrição acessória

II - 24

                     Quanto à qualificação da cláusula relativa aos canais temáticos como restrição acessória

II - 26

                     iii) Conclusão

II - 27

                 b) Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado

II - 27

                     i) Quanto ao argumento baseado em aplicação errada dos critérios de isenção previstos no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado

II - 27

                     Argumentos das partes

II - 27

                     Apreciação do Tribunal

II - 28

                     ii) Quanto ao argumento baseado em erro de apreciação no que concerne à duração da isenção individual

II - 30

                     Argumentos das partes

II - 30

                     Apreciação do Tribunal

II - 30

                     iii) Conclusão

II - 32

             2. No que concerne ao fundamento relativo ao artigo 2.° da decisão impugnada, baseado em violação do princípio da segurança jurídica

II - 32

                 Argumentos das partes

II - 32

                 Apreciação do Tribunal

II - 32

    Quanto às despesas

II - 33


1: Língua do processo: francês.