Language of document : ECLI:EU:T:2018:718

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

25 de outubro de 2018 (*)

«Recurso de anulação com pedido de indemnização — Pessoal do SATCEN — Agentes contratuais — Competência dos tribunais da União — Política externa e de segurança comum — Artigo 24.o TUE — Artigos 263.o, 268.o, 270.o e 275.o TFUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Igualdade de tratamento — Decisões 2014/401/PESC e 2009/747/PESC — Comissão de Recursos do SATCEN — Exceção de ilegalidade — Pedido de assistência — Modalidades do inquérito administrativo — Suspensão — Processo disciplinar — Demissão — Princípio da boa administração — Exigência de imparcialidade — Direito de ser ouvido — Acesso ao processo — Responsabilidade extracontratual — Pedido de indemnização prematuro — Danos morais»

No processo T‑286/15,

KF, representada por A. Kunst, advogada, e N. Macaulay, barrister,

recorrente,

contra

Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN), representado por L. Defalque e A. Guillerme, advogadas,

recorrido,

apoiado por

Conselho da União Europeia, representado por F. Naert e M. Bauer, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto, por um lado, um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado à anulação das decisões do diretor do SATCEN de 5 de julho de 2013, relativa à abertura de um processo disciplinar contra a recorrente, à suspensão da recorrente e ao indeferimento do seu pedido de assistência, e de 28 de fevereiro de 2014, relativa à demissão da recorrente, bem como da decisão da Comissão de Recursos do SATCEN de 26 de janeiro de 2015, que confirma tais decisões, e, por outro, um pedido baseado no artigo 268.o TFUE, destinado à indemnização dos danos alegadamente sofridos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise, R. da Silva Passos (relator), K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de outubro de 2017,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Quanto ao Centro de Satélites da União Europeia

1        O Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN) teve origem na decisão do Conselho de Ministros da União da Europa Ocidental («UEO»), de 27 de junho de 1991, relativa à criação de um centro exploração de dados de satélite, adotada com fundamento na decisão do referido Conselho de 10 de dezembro de 1990, relativa à cooperação espacial no âmbito da UEO. Nos termos da decisão do Conselho de Ministros da UEO de 27 de junho de 1991, o Centro de Satélites da UEO foi criado como órgão subsidiário da UEO e não dispunha de personalidade jurídica distinta desta última.

2        Na sua declaração feita em Marselha (França), em 13 de novembro de 2000, o Conselho de Ministros da UEO mencionou o acordo de princípio do Conselho da União Europeia, de 10 de novembro de 2000, sobre a criação, sob a forma de uma agência da União Europeia, de um Centro de Satélites que incorporava os elementos pertinentes do estabelecido na UEO.

3        Foi assim que, pela Ação Comum 2001/555/PESC do Conselho, de 20 de julho de 2001 (JO 2001, L 200, p. 5), o SATCEN foi instituído e se tornou operacional a 1 de janeiro de 2002. O quarto considerando da referida ação comum estabelece que o «Centro de Satélites da União Europeia deve gozar de personalidade jurídica, mantendo ao mesmo tempo laços estreitos com o Conselho e tendo devidamente em conta as responsabilidades políticas gerais da União Europeia e das suas Instituições».

4        Em 30 de março de 2010, os Estados‑Membros da UEO, por declaração comum, formalizaram a dissolução dessa organização a partir de 30 de junho de 2011, devido, nomeadamente, ao facto de «[a] entrada em vigor do Tratado de Lisboa marcar o início de uma nova fase para a segurança e a defesa europeias».

5        Posteriormente, o Conselho adotou a Decisão 2014/401/PESC, de 26 de junho de 2014, relativa ao SATCEN e que revoga a Ação Comum 2001/555, relativa à criação do Centro de Satélites da União Europeia (JO 2014, L 188, p. 73), que constitui atualmente o quadro jurídico aplicável ao SATCEN.

6        Resulta do segundo considerando e do artigo 5.o dessa decisão que o SATCEN funciona como «capacidade autónoma europeia» e que é dotado da personalidade jurídica necessária ao exercício das suas funções e à consecução dos seus objetivos.

7        Segundo o artigo 2.o, n.os 1 e 3, da referida decisão, as tarefas fundamentais do SATCEN consistem em apoiar o processo de tomada de decisão e as ações da União no domínio da política externa e de segurança comum (PESC) e, nomeadamente, da política comum de segurança e defesa (PCSD), incluindo as missões e operações de gestão de crises da União Europeia, fornecendo, a pedido do Conselho ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, produtos e serviços resultantes da exploração dos meios espaciais pertinentes e dados colaterais, incluindo imagens aéreas e imagens de satélite, bem como serviços afins.

8        O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Decisão 2014/401 precisa que o Comité Político e de Segurança (CPS) exerce, sob a responsabilidade do Conselho, a supervisão política sobre as atividades do SATCEN e emite orientações políticas relativas às prioridades do SATCEN, ao passo que o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança assegura a sua direção operacional.

9        O SATCEN é composto por três divisões operacionais, nomeadamente a divisão das operações, a divisão do desenvolvimento de capacidades e a divisão das tecnologias da informação. Além disso, o SATCEN compreende uma divisão administrativa e uma secção financeira.

10      Nos termos do artigo 7.o, n.o 3, da Decisão 2014/401, o diretor do SATCEN é o representante legal desse organismo. De acordo com o artigo 7.o, n.o 4 e n.o 6, segundo parágrafo, alínea e), da Decisão 2014/401, o referido diretor é, por um lado, responsável pelo recrutamento de todo o restante pessoal do SATCEN e, por outro, responsável por todas as questões respeitantes ao pessoal.

11      No que respeita ao pessoal do SATCEN, este é, nos termos do artigo 8.o, n.os 1 e 3, da Decisão 2014/401, composto por agentes contratados, nomeados pelo diretor do SATCEN, e por peritos destacados. O artigo 8.o, n.o 5, desta decisão dá competência ao conselho de administração para elaborar, mediante proposta do diretor, regras de pessoal do SATCEN, que são adotadas pelo Conselho. Foi com base numa disposição idêntica que o Conselho, no quadro da Ação Comum 2001/555, adotou a Decisão 2009/747/PESC, de 14 de setembro de 2009, relativa ao Estatuto do Pessoal do SATCEN (JO 2009, L 276, p. 1; a seguir «Estatuto do Pessoal do SATCEN»).

12      No que respeita aos litígios entre o SATCEN e seus agentes sobre questões reguladas pelo Estatuto do Pessoal do SATCEN, o artigo 28.o, n.o 5, do Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê o seguinte:

«Depois de se esgotar a primeira via de recurso (recurso gracioso), o agente tem a liberdade de apresentar um recurso contencioso perante a Comissão de Recurso do [SATCEN].

A composição, o funcionamento e o procedimento específicos a esta instância encontram‑se descritos no anexo X.»

13      Nos termos do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, prevê‑se o seguinte:

«As decisões da Comissão de Recurso são vinculativas para ambas as partes. Não podem ser objeto de recurso. A Comissão pode:

a)      Anular ou confirmar a decisão impugnada;

b)      A título acessório, condenar o [SATCEN] a reparar os prejuízos materiais sofridos pelo agente desde o dia em que a decisão anulada começou a produzir efeitos;

c)      Além disso, decidir que o [SATCEN] reembolse, dentro de um limite por ela fixado, as despesas justificadas incorridas pelo requerente […]».

14      O anexo X, ponto 1, do Estatuto do Pessoal do SATCEN dispõe:

«A Comissão de Recursos é competente para dirimir os litígios a que pode dar lugar a violação do presente regulamento ou dos contratos previstos no artigo 7.o do Estatuto do Pessoal Para o efeito, recebe reclamações apresentadas por agentes ou antigos agentes, ou pelos seus herdeiros e/ou pelos seus representantes, contra uma decisão do diretor.»

15      O anexo X, ponto 4, alínea b), do Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê igualmente que o recorrente na Comissão de Recursos do SATCEN (a seguir «Câmara de Recursos») «dispõe de um prazo de 20 dias — a contar da notificação da decisão impugnada […] — para apresentar um pedido escrito à Comissão de Recursos para que esta anule ou modifique a decisão. Este pedido é dirigido ao chefe da Administração e do Pessoal do [SATCEN], que acusa a sua receção ao agente e que dará início ao processo de reunião da Comissão de Recursos».

16      Por último, no que respeita à composição da Câmara de Recursos do SATCEN, resulta do anexo X, ponto 2, alíneas a), b) e e), do Estatuto do Pessoal do SATCEN que esta é constituída por um presidente e dois membros, designados pelo conselho de administração do SATCEN, por um período de dois anos, e não podem pertencer ao pessoal do SATCEN, e que os emolumentos do presidente e dos membros são fixados pelo conselho de administração do SATCEN.

B.      Factos na origem do litígio e decisões impugnadas

17      A recorrente, KF, foi recrutada pelo SATCEN como agente contratual a partir de 1 de agosto de 2009, por um período de três anos, para ocupar as funções de chefe da divisão administrativa. No termo do período experimental, em 31 de janeiro de 2010, a recorrente foi confirmada nas suas funções pelo diretor do SATCEN, que, a este respeito, salientou que a recorrente «trabalh[ava] com tato e diplomacia, não deixando contudo de ser firme na comunicação das suas decisões».

18      No âmbito da avaliação anual referente ao ano de 2010, a recorrente recebeu, em 28 de março de 2011, um relatório de avaliação do diretor adjunto do SATCEN, nos termos do qual o seu desempenho global foi considerado insuficiente, tendo‑lhe sida atribuída a pontuação mais baixa. O diretor adjunto considerou, nomeadamente, que, «tendo em conta o amplo espetro da matéria administrativa, [era] absolutamente essencial que [KF] […] confiasse no seu pessoal para realizar o trabalho para o qual [era] plenamente competente» e que importava «ter especialmente em conta as relações humanas principalmente num contexto multinacional muito sensível e a fim de evitar tensões desnecessárias entre as pessoas». A recorrente contestou estas conclusões e a forma como a avaliação foi realizada.

19      Em 27 de março de 2012, no âmbito da avaliação anual referente ao ano de 2011, o diretor adjunto do SATCEN observou uma evolução positiva da recorrente em relação ao ano anterior, e considerou que o seu desempenho global era bom, tendo em conta os esforços que tinha envidado. Especificou também que, «para melhor dirigir a equipa administrativa, [esses esforços deviam] ser prosseguidos de uma forma significativa» e que «a sua gestão gera[va] ainda, recorrentemente, queixas gerais vistas, em certos casos, como uma pressão profissional permanente». No que respeita à parte do relatório de avaliação dedicada à correção e às relações humanas, o diretor adjunto considerou que a recorrente devia envidar verdadeiros esforços na gestão da sua equipa, evitando pressões desnecessárias e confiando mais nos seus colegas. A recorrente apresentou também as suas observações à margem do referido relatório de avaliação, referindo que, no seu entender, as relações humanas na sua divisão eram muito boas, enquanto a comunicação com os outros chefes de divisão era frequentemente «mais tensa, baseada em mal‑entendidos, por vezes exagerada por mensagens de correio eletrónico ambíguas, dando origem a suspeitas e acusações e envenenando assim as relações».

20      Em 24 de maio de 2012, o contrato da recorrente foi prorrogado por um período de quatro anos, até 31 de julho de 2016.

21      No âmbito da avaliação anual referente ao ano de 2012, o diretor do SATCEN, por nota interna de 17 de outubro de 2012, encarregou o diretor adjunto de recolher junto do pessoal informações sobre a correção e as relações humanas no SATCEN. Nessa nota interna, o diretor do SATCEN especificou que devia ser dada especial atenção à situação dos agentes com responsabilidades de gestão, incluindo os chefes de divisão, identificando, se fosse caso disso, as potenciais situações de pressão psicológica ou de assédio, suscetíveis de conduzir, nos seus subordinados, a ansiedade, a perda de autoestima, a perda de motivação e mesmo a choros.

22      Em 14 de novembro de 2012, doze agentes do SATCEN apresentaram queixa ao diretor e ao diretor adjunto para denunciar «a situação difícil com que [estavam] confrontados há mais de três anos para uma realização normal das atividades profissionais», precisando que a situação «decorr[ia] do comportamento e da conduta do chefe da divisão administrativa, [KF]».

23      No início de 2013, o diretor adjunto do SATCEN deu seguimento à nota interna acima referida de 17 de outubro de 2012 sobre a correção e as relações humanas, enviando a 40 agentes do SATCEN, de diferentes divisões, um questionário em que lhes solicitava, através de perguntas de escolha múltipla, a avaliação das relações humanas com o respetivo chefe de divisão. Por nota interna de 7 de março de 2013, o diretor adjunto do SATCEN informou o diretor do SATCEN de que, tendo em conta as respostas ao questionário, «afigura[va‑se] claramente que, atendendo às respostas negativas gerais do pessoal da divisão administrativa, exist[ia] um verdadeiro problema de relações humanas com o chefe da divisão administrativa, [KF]».

24      Por nota interna de 8 de março de 2013, o diretor do SATCEN solicitou ao diretor adjunto do SATCEN, com base no artigo 27.o do Estatuto do Pessoal do SATCEN, a abertura de um inquérito administrativo contra a recorrente.

25      O inquérito administrativo consistiu no envio, em 12 de junho de 2013, de um questionário de escolha múltipla a 24 agentes do SATCEN, para determinar se tinham, ou não, sido confrontados com determinados tipos de comportamento por parte da recorrente (indicando o respetivo nome) e se tinham advindo algumas consequências, para si próprios ou para outros agentes, dos comportamentos em causa. Nos questionários, os agentes eram igualmente convidados a apresentar declarações ou provas que corroborassem as respostas dadas. Os agentes tinham de responder até 20 de junho de 2013 e, dos 24 inquiridos, 6 não responderam.

26      Entretanto, em resposta à sua avaliação anual referente ao ano de 2012, nos termos da qual o seu desempenho global foi de novo considerado insuficiente, a recorrente, por mensagem de correio eletrónico de 20 de março de 2013, por um lado, contestou a referida avaliação e, por outro, solicitou ao diretor do SATCEN que tomasse as medidas necessárias para fazer cessar a situação de assédio a seu respeito.

27      Em 2 de julho de 2013, o diretor adjunto do SATCEN finalizou o inquérito, concluindo pela verificação dos factos imputados à recorrente. De acordo com o relatório de investigação, a recorrente teve um comportamento «intencional, repetido, duradouro ou sistemático […], que se destinava a desacreditar ou diminuir as pessoas em causa», «[sendo] esses comportamentos atribuídos a [KF] confirmados e, considerando a sua natureza, frequência e efeitos relativamente a certos membros do pessoal, [constitutivos de] assédio moral».

28      Por mensagem de correio eletrónico do diretor do SATCEN de 3 de julho de 2013, a que foi anexado o relatório de investigação, a recorrente foi informada das conclusões do relatório de investigação administrativa. Nesse mesma mensagem de correio eletrónico, o diretor do SATCEN convocou a recorrente para uma reunião, em 5 de julho de 2013, para prosseguir o processo, conforme previsto no artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

29      Por decisão de 5 de julho de 2013, o diretor do SATCEN tomou conhecimento de que, no termo do inquérito, o diretor adjunto do SATCEN chegou à conclusão de que os comportamentos imputados à recorrente se confirmavam e eram constitutivos de assédio moral, tendo em conta a sua natureza, frequência e efeitos em alguns agentes do SATCEN. Com base nesses motivos, e após ouvir a recorrente no mesmo dia, decidiu, por um lado, iniciar um processo disciplinar no Conselho de Disciplina contra a recorrente (a seguir «decisão de abertura de um processo disciplinar») e, por outro, suspendê‑la das suas funções, mantendo o pagamento da sua remuneração (a seguir «decisão de suspensão»).

30      Em 23 de agosto de 2013, o diretor do SATCEN decidiu sobre a composição do Conselho de Disciplina e informou a recorrente dessa decisão.

31      Em 28 de agosto de 2013, a recorrente apresentou ao diretor do SATCEN uma reclamação administrativa contra as decisões de abertura de um processo disciplinar e de suspensão de 5 de julho de 2013, contra a decisão sobre a composição do Conselho de Disciplina de 23 de agosto de 2013 e contra a decisão pela qual o diretor do SATCEN indeferiu tacitamente o seu pedido de assistência por alegado assédio moral.

32      Em 11 de setembro de 2013, a composição do Conselho de Disciplina foi definitivamente estabelecida, uma vez que a recorrente não tinha contestado a designação inicial de nenhum membro individual.

33      Por carta de 4 de outubro de 2013, o diretor do SATCEN indeferiu a reclamação administrativa apresentada em 28 de agosto de 2013 pela recorrente. Considerou que informações constantes do relatório de investigação administrativa justificavam as decisões de abertura de um processo disciplinar e de suspensão. Quanto ao pedido de assistência por alegado assédio, o diretor do SATCEN considerou que, no termo de uma investigação inicial realizada em resposta a esse pedido, nenhum comportamento imputável a agentes do SATCEN podia constituir assédio contra a recorrente.

34      Em 25 de outubro de 2013, o diretor do SATCEN apresentou ao Conselho de Disciplina um relatório, que também transmitiu à recorrente, nos termos do artigo 10.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

35      Em 1 de novembro de 2013, a recorrente enviou ao presidente do Conselho de Disciplina uma carta, pedindo‑lhe para poder beneficiar de um prazo de, pelo menos, 45 dias, para preparar a sua defesa. Pediu igualmente uma cópia de todos os documentos utilizados durante o inquérito administrativo, a convocatória perante o Conselho de Disciplina dos 12 agentes que subscreveram a queixa contra ela apresentada em 14 de novembro de 2012 e dos 18 agentes que preencheram o questionário de escolha múltipla no quadro do inquérito administrativo e, por último, a identidade dos 6 agentes que se recusaram a preencher esse questionário.

36      Por carta de 21 de novembro de 2013, o chefe da administração do SATCEN recusou que a recorrente tivesse acesso às suas mensagens de correio eletrónico e a outros documentos do seu computador, bem como ao seu telemóvel profissional.

37      Por carta de 28 de novembro de 2013, o presidente do Conselho de Disciplina informou a recorrente da realização de uma audição no Conselho de Disciplina, em 13 ou 14 de janeiro de 2014. Nessa mesma carta, pediu‑lhe para apresentar as suas observações escritas ao Conselho de Disciplina, pelo menos, uma semana antes da audição. A recorrente comunicou as suas observações escritas em 21 de dezembro de 2013.

38      Em 2 de dezembro de 2013, a recorrente interpôs recurso na Câmara de Recursos, por um lado, da decisão do diretor do SATCEN de 4 de outubro de 2013, que indeferia a sua reclamação contra as decisões de suspensão, de abertura de um processo disciplinar e de indeferimento do pedido de assistência, e, por outro, da decisão de 21 de novembro de 2013, referida no n.o 36, supra.

39      Por carta de 9 de dezembro de 2013, a recorrente solicitou ao presidente do Conselho de Disciplina o adiamento da audição. Indicou igualmente o nome das treze testemunhas cuja notificação para comparecer solicitava.

40      Por carta de 16 de dezembro de 2013, o presidente do Conselho de Disciplina manteve a data da audição para 13 ou 14 de janeiro de 2014 e informou a recorrente da sua decisão de ouvir duas das testemunhas que arrolava.

41      Por mensagem de correio eletrónico de 17 de dezembro de 2013, a recorrente pediu ao presidente do Conselho de Disciplina que se retirasse da sua função de membro do referido conselho, dado o seu envolvimento no processo em que estava em causa. A recorrente também reiterou o seu pedido de audição de testemunhas e sublinhou não lhe terem sido dadas explicações sobre os critérios seguidos para indeferir esse pedido.

42      No mesmo dia, a recorrente apresentou ao diretor do SATCEN uma reclamação contra a decisão do Conselho de Disciplina de 16 de dezembro de 2013, recordada no n.o 40, supra.

43      Em 4 de fevereiro de 2014, após a audição que teve lugar em 13 de janeiro de 2014, o Conselho de Disciplina emitiu um parecer fundamentado, no qual, por um lado, considerou, por unanimidade, que a recorrente não tinha cumprido as suas obrigações profissionais e, por outro, recomendou que baixasse de, pelo menos, dois graus, por forma a deixar de ocupar responsabilidades de gestão.

44      Após ouvir a recorrente, em 25 de fevereiro de 2014, o diretor do SATCEN demitiu‑a em 28 de fevereiro de 2014 por motivos disciplinares (a seguir «decisão de demissão»), produzindo a decisão efeitos no prazo de um mês a contar dessa data. Nessa decisão, o diretor do SATCEN considerou o seguinte:

«Tendo em conta a gravidade do seu incumprimento decorrente do relatório do diretor ao cuidado do Conselho de Disciplina, confirmada pelo parecer fundamentado do Conselho de Disciplina, a impossibilidade de a reclassificar num nível e numa função propostos no parecer do Conselho de Disciplina e a sua recusa em reconhecer que a sua conduta era inadequada, decido, em conformidade com o artigo 7.o do anexo IX [do Estatuto do Pessoal do SATCEN] aplicar‑lhe a seguinte sanção:

–        demissão, com consequente cessação do seu contrato com o SATCEN.

[O seu] contrato cessa, nos termos do artigo 7.o, n.o 3, alínea a), vii), do [Estatuto do Pessoal do SATCEN], no prazo de um mês a contar da notificação desta decisão.»

45      Em 17 de abril de 2014, a recorrente apresentou reclamação administrativa contra a decisão de demissão, que foi indeferida por decisão do diretor do SATCEN de 4 de junho de 2014. Em 12 de junho de 2014, a recorrente impugnou a decisão de demissão na Comissão de Recursos.

46      Por decisão de 26 de janeiro de 2015 (a seguir «decisão da Comissão de Recursos»), notificada à recorrente em 23 de março de 2015, a Comissão de Recursos julgou improcedente o pedido da recorrente de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar e da decisão de suspensão. Por outro lado, após ter julgado improcedentes todos os fundamentos invocados pela recorrente contra a decisão de demissão, a Comissão de Recursos anulou parcialmente essa decisão, apenas na medida em que a data de produção de efeitos tinha sido fixada em 31 de março e não em 4 de abril de 2014.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

47      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de maio de 2015, a recorrente interpôs o presente recurso.

48      Por requerimento separado apresentado em 4 de junho de 2015, a recorrente requereu o benefício de anonimato, que lhe foi concedido por decisão do Tribunal Geral de 29 de julho de 2015.

49      Por decisão de 13 de janeiro de 2016, tomada nos termos do artigo 69.o alínea d), do Regulamento de Processo, e depois de dar oportunidade às partes de apresentarem observações, o Tribunal Geral suspendeu a instância no presente processo até ser proferida decisão pondo termo à instância no processo C‑455/14 P, H/Conselho e Comissão. Após a prolação do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), a instância retomou o seu andamento.

50      Por ato apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de abril de 2016, o Conselho pediu que fosse autorizado a intervir no presente processo em apoio dos pedidos do SATCEN.

51      Na sequência da saída do juiz‑relator inicialmente designado, o presente processo foi confiado a um novo juiz‑relator, afetado à Nona Secção, à qual, por conseguinte, foi atribuído.

52      Por Despacho de 27 de outubro de 2016, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Conselho.

53      Em 17 de julho de 2017, o Tribunal Geral remeteu o processo à Nona Secção Alargada.

54      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão de indeferimento do seu pedido de assistência, a decisão de abertura de um processo disciplinar, a decisão de suspensão, a decisão de demissão e a decisão da Comissão de Recursos (a seguir, em conjunto, «decisões impugnadas»);

–        sendo caso disso, anular, por um lado, a decisão do diretor do SATCEN de 4 de outubro de 2013, que indefere a sua reclamação contra a decisão de indeferimento do seu pedido de assistência, a decisão de abertura de um processo disciplinar e a decisão de suspensão, bem como, por outubro lado, a decisão do diretor do SATCEN de 4 de junho de 2014, que indefere a sua reclamação contra a decisão de demissão;

–        condenar o SATCEN a pagar‑lhe um montante correspondente aos salários não auferidos a título dos danos materiais e o montante de 500 000 euros a título dos danos morais sofridos;

–        condenar o SATCEN nas despesas, acrescidas de juros calculados à taxa de 8%.

55      O SATCEN conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso de anulação e ao pedido de indemnização apresentados pela recorrente, «tendo em conta a incompetência do Tribunal Geral da EU para deles conhecer»;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso por ser parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas».

56      Na audiência, o Conselho apoiou, em substância, o primeiro pedido do SATCEN.

III. Questão de direito

57      O presente recurso é composto por um pedido de anulação e um pedido de indemnização.

58      Sem suscitar formalmente uma exceção na aceção do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o SATCEN deduz, por um lado, a incompetência do Tribunal Geral e, por outro, em substância, a inadmissibilidade do recurso.

A.      Quanto à competência do Tribunal Geral

59      Na petição, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral é competente para se pronunciar sobre o seu recurso, sublinhando que, embora o SATCEN tenha sido criado por uma ação comum do Conselho, o contencioso relativo a este organismo não está abrangido pela exclusão da competência dos tribunais da União em matéria de disposições relativas à PESC, prevista no artigo 24.o, n.o 1, TUE e no artigo 275.o TFUE.

60      Neste sentido, a recorrente observa, antes de mais, que as decisões impugnadas são meramente administrativas ou disciplinares e incidem sobre a gestão do pessoal. Como tal, essas decisões distinguem‑se claramente das medidas políticas ou estratégicas tomadas no âmbito da PESC, sendo apenas estas as abrangidas pela exclusão da competência dos tribunais da União.

61      Em seguida, a recorrente alega que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as instituições, órgãos e organismos da União que agem no quadro da PESC devem respeitar os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, cujo respeito deve ser assegurado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Como o presente litígio tem por objeto os direitos fundamentais da recorrente, os tribunais da União são competentes.

62      Para o efeito, a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia resultante do artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE de fiscalização da legalidade das decisões que preveem medidas restritivas deve ser interpretada no sentido de que abrange as decisões em que seja alegada uma violação dos direitos fundamentais de uma pessoa singular e, portanto, se aplica à situação da recorrente.

63      Por último, a recorrente sublinha que não tinha à sua disposição nenhuma via de recurso perante os órgãos jurisdicionais nacionais e que, tendo em conta que os Tratados estabeleceram um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais, não se pode aceitar que as decisões, como as que estão em causa no presente processo, escapem à fiscalização jurisdicional.

64      A este respeito, a recorrente alega, em substância, que a possibilidade de submeter uma questão à Comissão de Recursos competente para examinar das suas pretensões, nos termos do Estatuto do Pessoal do SATCEN, não é equiparável a um ação judicial, na aceção das disposições pertinentes da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

65      Por seu turno, o SATCEN sustenta que o Tribunal de Justiça da União Europeia deve, enquanto instituição da União, respeitar o princípio da atribuição de competências. Assim, na medida em que nenhuma disposição dos Tratados confere competência ao Tribunal Geral para decidir sobre os litígios entre o SATCEN e seus agentes, o Tribunal Geral deve declinar a sua competência, sob pena de infringir o princípio da atribuição de competências, alargando o seu âmbito para além do previsto nos Tratados.

66      Em apoio da sua argumentação, o SATCEN sublinha que, nos termos do artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE, uma instituição da União, quando cria um órgão ou organismo, pode confiar a fiscalização da legalidade dos atos adotados por esse órgão ou organismo a um órgão jurisdicional diferente do juiz da União.

67      Consequentemente, esta disposição de direito primário permite ao Conselho prever, no artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, a competência da Comissão de Recursos para decidir sobre litígios entre o SATCEN e os membros do seu pessoal.

68      Neste aspeto, a Comissão de Recursos constitui um órgão jurisdicional especial, cuja competência exclusiva, autorizada pelo artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE, obsta à competência dos tribunais da União para decidir o presente litígio.

69      A exclusão da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir sobre os litígios entre o SATCEN e seus agentes é corroborada pela Decisão dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União, reunidos no Conselho, de 15 de outubro de 2001, relativa aos privilégios e imunidades concedidos ao Instituto de Estudos de Segurança e ao SATCEN, bem como aos seus órgãos e aos membros do seu pessoal, cujo artigo 6.o prevê que os membros do pessoal do SATCEN gozam de imunidade jurisdicional relativamente aos atos adotados no âmbito das suas funções.

70      Essa decisão é reveladora da vontade expressa dos Estados‑Membros de excluírem da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais e dos da União os litígios relativos ao exercício das funções dos agentes do SATCEN. O SATCEN sublinha que, contrariamente ao Protocolo n.o 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União (JO 2010, C 83, p. 266), que prevê a imunidade de jurisdição dos funcionários e agentes da União e sujeita à competência do Tribunal de Justiça os litígios que os opõem às instituições da União, a decisão referida no n.o 69, supra, não prevê semelhante competência do Tribunal de Justiça da União Europeia no que se refere ao SATCEN.

71      O SATCEN acrescenta, apoiando‑se no Acórdão de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), que as decisões adotadas no domínio da PESC, mas ligadas a despesas administrativas, são da competência do Tribunal de Justiça da União Europeia apenas quando estejam em causa decisões imputáveis ao orçamento da União. Assim, no caso em apreço, como as decisões impugnadas não são do domínio do orçamento da União, mas sim do domínio das contribuições dos Estados‑Membros, com exceção da Dinamarca, a competência do Tribunal Geral deve ser excluída.

72      O SATCEN salienta ainda, na tréplica, que os tribunais da União são, em princípio, incompetentes para fiscalizar os atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União no domínio da PESC. Só assim não seria se a decisão que cria um órgão ou organismo que atua no domínio da PESC, ou seu Estatuto do Pessoal, previsse expressamente a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para dirimir os litígios entre o referido órgão ou organismo e seus agentes.

73      Ora, no contexto do SATCEN, nem no ato que o institui nem o seu Estatuto do Pessoal dão competência ao Tribunal de Justiça da União Europeia para fiscalizar a legalidade dos atos adotados contra os seus agentes.

74      Na réplica, a recorrente considera que a argumentação do SATCEN é posta em causa pelo Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569).

75      Segundo a recorrente, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a incompetência do Tribunal Geral com fundamento no artigo 24.o TUE e no artigo 275.o TFUE não podia abranger as decisões adotadas em matéria de conflitos laborais. Assim, os atos de gestão do pessoal, embora adotados no contexto da PESC, não escapam à competência dos tribunais da União.

76      A recorrente acrescenta, baseando‑se no n.o 55 do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), que a falta de competência dos tribunais da União no caso em apreço implicaria, em violação do princípio da igualdade de tratamento, uma diferença de tratamento entre os agentes do SATCEN e os agentes de outros organismos que se inserem no âmbito da PESC, como a Agência Europeia de Defesa e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE). Alega assim que os agentes vinculados a esses organismos têm a possibilidade de recorrer ao Tribunal de Justiça.

77      Pelo contrário, o SATCEN sustenta que resulta do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), que, na falta da competência expressa dos tribunais da União evocada no n.o 72, supra, o Tribunal de Justiça da União Europeia é exclusivamente competente, em matéria de PESC, para fiscalizar a legalidade dos atos de gestão do pessoal relativos a agentes destacados pelos Estados‑Membros, para evitar uma rutura da igualdade relativamente aos peritos destacados pelas instituições da União, em relação aos quais o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente por força do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»).

78      Assim, a solução do Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569), não é transponível para a situação da recorrente, que é um agente contratual do SATCEN e não um perito nacional destacado por um Estado‑Membro ou uma instituição da União.

79      O SATCEN acrescenta que, de qualquer modo, o Tribunal de Justiça da União Europeia também não seria competente se estivesse em causa um perito nacional destacado junto do SATCEN, na medida em que essa competência não está prevista na decisão do seu conselho de administração, relativa aos peritos nacionais destacados, de 18 de julho de 2007.

80      A título preliminar, recorde‑se que, por aplicação do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e do artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, os tribunais da União não são, em princípio, competentes no que respeita às disposições relativas à PESC e aos atos adotados com base nessas disposições (v. Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 39 e jurisprudência referida).

81      A este respeito, a PESC é definida no artigo 24.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, como abrangendo todos os domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a uma defesa comum.

82      No caso em apreço, as decisões impugnadas foram adotadas pelo diretor e pela Comissão de Recursos do SATCEN, organismo regulado pela Decisão 2014/401, adotada ao abrigo, nomeadamente, do artigo 28.o TUE, relativo às ações operacionais da União e incluído no capítulo 2 do título V do Tratado da União Europeia, relativo à PESC. A este respeito, como resulta do segundo considerando e do artigo 2.o dessa decisão, a missão do SATCEN consiste, em substância, em fornecer aos Estados‑Membros e às instituições da União produtos e serviços resultantes da exploração dos meios de observação espacial e aérea, para apoiar o processo de tomada de decisão e as ações da União no domínio da PESC.

83      Todavia, a circunstância de as decisões impugnadas se inscreverem no quadro do funcionamento de um organismo que atua no domínio da PESC não pode, só por si, implicar a incompetência dos tribunais da União para decidir o presente litígio (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 43 e jurisprudência referida).

84      Com efeito, o artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE introduzem uma derrogação à regra da competência geral que o artigo 19.o TUE confere ao Tribunal de Justiça da União Europeia para assegurar o respeito do direito na interpretação dos Tratados, pelo que devem ser interpretados restritivamente (v. Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 40 e jurisprudência referida).

85      De igual modo, embora o artigo 47.o da Carta não possa criar uma competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando os Tratados a excluem, o princípio da tutela jurisdicional efetiva implica, contudo, que a exclusão da competência dos tribunais da União em matéria de PESC seja interpretada de modo restritivo (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 74).

86      Por outro lado, como resulta tanto do artigo 2.o TUE, que figura nas disposições comuns deste Tratado, como do artigo 21.o TUE, sobre a ação externa da União, para o qual remete o artigo 23.o TUE, relativo à PESC, a União funda‑se, designadamente, nos valores da igualdade e do Estado de Direito. Ora, a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de Direito (v. Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 41 e jurisprudência referida).

87      No caso vertente, a recorrente foi, nos termos do seu contrato de trabalho, recrutada para ocupar as funções de chefe da divisão administrativa do SATCEN.

88      Com o presente recurso, pretende, antes de mais, obter a anulação das decisões de suspensão, de abertura de um processo disciplinar e de demissão, pelas quais o diretor do SATCEN, respetivamente, a suspendeu das suas funções, deu início a um processo disciplinar contra ela e pôs termo ao seu contrato por motivos disciplinares. Em seguida, a recorrente pede a anulação da decisão da Comissão de Recursos, que, em substância, confirmou as três decisões acima mencionadas. Além disso, a recorrente solicita ao Tribunal Geral a anulação da decisão pela qual o diretor do SATCEN indeferiu tacitamente o seu pedido de assistência apresentado por, alegadamente, ser vítima de assédio moral. Por último, a recorrente pede a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu devido à adoção das decisões impugnadas.

89      As decisões de suspensão e de abertura de um processo disciplinar foram adotadas no termo de um inquérito administrativo, resultante de uma queixa de doze agentes do SATCEN, em que denunciaram o clima deletério na divisão administrativa e na secção financeira, imputável, segundo os queixosos, à recorrente e ao facto de esta entrar em conflito com os seus colegas diariamente, criticando‑os constantemente, a tal ponto que alguns deles foram vítimas de assédio moral da sua parte. Assim, no âmbito do inquérito e, seguidamente, do processo no Conselho de Disciplina, vários agentes da divisão administrativa e secção financeira do SATCEN apresentaram respostas a um questionário e depoimentos para corroborar essas críticas. No mesmo sentido, os superiores hierárquicos da recorrente puseram em causa nos seus relatórios de avaliação de 2010 a 2012 a sua aptidão para o cargo de chefia e sua gestão das relações humanas no trabalho, frequentemente fonte de conflitos.

90      Por sua vez, a decisão de demissão da recorrente foi fundamentada, como resulta do parecer do Conselho de Disciplina, para o qual remete essa decisão, na crítica feita à recorrente de, em substância e de forma repetida, ter tido comportamentos desadequados, incluindo gritos e comentários depreciativos ou vexantes, e feito observações intimidantes para com outros agentes da divisão administrativa e da secção financeira do SATCEN.

91      Daqui resulta que as referidas decisões de suspensão, abertura de um processo disciplinar e de demissão constituem atos de pura gestão do pessoal, que, à luz dos seus fundamentos e objetivos, bem como do contexto da sua adoção, não tinham por objeto contribuir para a condução, definição ou execução da PESC na aceção do artigo 24.o, n.o 2, TUE, nem, mais particularmente, dar resposta às missões do SATCEN no domínio da PESC, recordadas nos n.os 7 e 82, supra. A mesma conclusão deve ser aplicada à decisão da Comissão de Recursos que adotou uma decisão juridicamente vinculativa ao confirmar, em substância, as três decisões acima mencionadas, em conformidade com as prerrogativas que o Estatuto do Pessoal do SATCEN lhe conferia (v. n.os 13 e 14, supra).

92      O mesmo se diga da decisão de indeferimento tácito do pedido de assistência. Com efeito, o pedido de assistência em causa inscrevia‑se no contexto do processo disciplinar instaurado contra a recorrente, uma vez que esta alegou nesse pedido, em substância, que as acusações de que o seu comportamento era objeto se enquadravam numa situação de assédio moral a seu respeito, razão pela qual tinha solicitado a assistência do SATCEN.

93      Além disso, por um lado, há que referir que o Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê, no capítulo VII e no anexo IX, um regime disciplinar análogo ao previsto no título VI e no anexo IX do Estatuto, tanto a nível do inquérito administrativo e do processo no Conselho de Disciplina como das categorias de sanções e dos elementos a tomar em consideração para determinar a sanção adequada. Do mesmo modo, a secção 6 do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê, em termos sensivelmente idênticos aos da secção 6 do anexo IX do Estatuto, a possibilidade de suspender um agente que é acusado de uma falta grave.

94      Por outro lado, o artigo 28.o, n.os 1 a 3, do Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê um procedimento de reclamação administrativa perante o diretor do SATCEN, que, há que reconhecer, prossegue um objetivo comparável ao do procedimento pré‑contencioso instituído no artigo 90.o do Estatuto, a saber, permitir aos interessados resolverem amigavelmente os diferendos entre si.

95      Assim, importa considerar que o presente litígio é análogo aos litígios entre uma instituição, órgão ou organismo da União não abrangidos pela PESC e um dos seus funcionários ou agentes, que podem ser processados perante os tribunais da União ao abrigo do artigo 270.o TFUE, que prevê a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir sobre os litígios entre a União e seus agentes (v., por analogia, Acórdão de 6 de março de 2001, Dunnett e o./BEI, T‑192/99, EU:T:2001:72, n.o 54).

96      Ora, não se pode considerar que a derrogação à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia prevista no artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, último período, TUE e no artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, que deve ser interpretada restritivamente, chegue ao ponto de excluir a competência do juiz da União para fiscalizar a legalidade de atos, como os que estão em causa no presente processo, emanados de um organismo da União, quando o juiz da União é competente para fiscalizar a legalidade de atos idênticos quanto ao conteúdo, objetivos prosseguidos, processo de adoção e contexto da adoção, quando tais atos respeitem a uma instituição, órgão ou organismo da União, cuja missão seja alheia à PESC (v., por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 55).

97      Uma interpretação diferente levaria a excluir o agente de um organismo da União, abrangido pela PESC, do sistema de tutela jurisdicional oferecido aos agentes da União, em violação do princípio da igualdade de tratamento (v., por analogia, Acórdão de 18 de outubro de 2001, X/BCE, T‑333/99, EU:T:2001:25, n.os 38 a 40).

98      A interpretação seguida no n.o 96, supra, é corroborada, por um lado, pela possibilidade, prevista no artigo 8.o, n.o 3, da Decisão 2014/401, de o SATCEN acolher funcionários destacados das instituições da União, que, como o SATCEN reconheceu na audiência, podem, durante o período de destacamento, recorrer aos tribunais da União com fundamento no artigo 270.o TFUE. Por outro lado, essa interpretação é também corroborada pela competência dos tribunais da União para decidir, ao abrigo do artigo 11.o, n.o 3, alínea a), e n.o 6, da Decisão (PESC) 2015/1835 do Conselho, de 12 de outubro de 2015, que define o estatuto, a sede e as regras de funcionamento da Agência Europeia de Defesa (JO 2015, L 266, p. 55), sobre os recursos interpostos pelos agentes contratuais dessa Agência, e para decidir, por força do artigo 6.o, n.o 2, último parágrafo, da Decisão 2010/427/UE do Conselho, de 26 de julho de 2010, que estabelece a organização e o funcionamento do [SEAE] (JO 2010, L 201, p. 30), sobre os recursos interpostos pelos agentes contratuais do SEAE (v., por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 56).

99      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral é competente para conhecer do presente litígio. Esta competência resulta, respetivamente, tratando‑se da fiscalização da legalidade das decisões impugnadas, do artigo 263.o TFUE, e, tratando‑se do pedido de reconhecimento da responsabilidade extracontratual da União, do artigo 268.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, tomando em consideração o artigo 19.o, n.o 1, TUE e o artigo 47.o da Carta (v., por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão, C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 58).

100    Esta conclusão não é posta em causa pelos restantes argumentos apresentados pelo SATCEN.

101    Em primeiro lugar, importa rejeitar o argumento do SATCEN relativo às disposições do Estatuto do Pessoal do SATCEN que preveem a competência da Comissão de Recursos para conhecer, sem recurso, dos litígios entre o SATCEN e seus agentes.

102    Certamente, como sublinhou o Conselho na audiência, o mecanismo da Comissão de Recursos como órgão de resolução dos diferendos entre o SATCEN e o seu pessoal é explicado pela especificidade do SATCEN, inicialmente ligado à UEO, organização internacional intergovernamental e, em seguida, a partir de 1 de janeiro de 2002, à União, conforme instituída antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa (v. n.os 1 a 3, supra). Nessas condições, a situação do pessoal do SATCEN não podia ser equiparada à dos agentes da Comunidade Europeia, já que só eles podiam recorrer ao Tribunal Geral, nos termos do artigo 236.o CE (atual artigo 270.o TFUE), o que podia fundamentar, no SATCEN, a instituição de um organismo como a Comissão de Recursos, competente para resolver os diferendos em matéria laboral. No entanto, essa diferença de tratamento deixou de se justificar após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, do qual resulta que a União substitui e sucede à Comunidade (artigo 1.o TUE) e, por conseguinte, que todos os agentes da União, quer dependam da antiga Comunidade ou da União, conforme instituída antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, podem ser colocados numa situação semelhante. Assim, os litígios entre o SATCEN e seus agentes são, agora, equiparáveis aos litígios entre os agentes da União e respetivos empregadores (v. n.os 91 a 99, supra).

103    A este respeito, contrariamente ao que o Conselho sustentou na audiência, é útil recordar que o Conselho optou, aquando da adoção da Decisão 2011/411/PESC, de 12 de julho de 2011, que define o estatuto, a sede e as regras de funcionamento da Agência Europeia de Defesa e que revoga a Ação Comum 2004/551/PESC (JO 2011, L 183, p. 16), por suprimir a competência de uma «Comissão de Recursos» para conhecer dos litígios entre a Agência Europeia de Defesa e os seus agentes contratuais, anteriormente prevista no título VII da Decisão 2004/676/CE do Conselho, de 24 de setembro de 2004, relativa ao Estatuto da Agência Europeia de Defesa (JO 2004, L 310, p. 9). Com efeito, a Decisão 2011/411, cujo quarto considerando precisava que visava «ter em conta as alterações introduzidas no Tratado da União Europeia (TUE) pelo Tratado de Lisboa», estabeleceu, no seu artigo 11.o, n.o 4, a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia quanto a esses litígios.

104    Em segundo lugar, não é possível acolher o argumento do SATCEN de que o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE legitima a possibilidade de o Conselho conferir à Comissão de Recursos uma competência exclusiva, que exclui a do Tribunal Geral, para conhecer dos litígios entre o SATCEN e seus agentes.

105    A este respeito, há que recordar que, segundo o artigo 19.o TUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia assegura o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados. Além disso, nos termos do artigo 256.o, n.o 1, primeiro período, TFUE, o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância dos recursos referidos nos artigos 263.o, 265.o, 268.o, 270.o e 272.o TFUE, com exceção dos atribuídos a um tribunal especializado criado nos termos do artigo 257.o do mesmo Tratado e dos que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia reservar para o Tribunal de Justiça. No caso vertente, os artigos 263.o e 268.o TFUE fundamentam a competência do Tribunal Geral para decidir sobre o presente litígio (v. n.o 99, supra).

106    Certamente, segundo o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE, os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas.

107    Todavia, contrariamente ao que o SATCEN sustenta, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que confere ao Conselho, na sua decisão relativa ao Estatuto do Pessoal do SATCEN, o direito de subtrair à fiscalização jurisdicional dos tribunais da União os atos adotados pelo diretor do SATCEN, destinados a produzir efeitos jurídicos no âmbito do seu funcionamento interno, atribuindo à Comissão de Recursos a competência exclusiva para decidir «[sem] recurso» sobre os litígios entre o SATCEN e o seu pessoal, conforme indicado no artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN. Admitir tal interpretação violaria a competência do juiz da União de assegurar «o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados», conforme exigido no artigo 19.o, n.o 1, primeiro parágrafo, segundo período, TUE. Como admitiu o Conselho na audiência, as «condições e regras específicas» na aceção do artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE devem ser interpretadas no sentido de que visam o estabelecimento, por um órgão ou por um organismo da União, de condições ou regras puramente internas, que antecedem um recurso jurisdicional, que regulam, nomeadamente, o funcionamento de um mecanismo de autovigilância ou o desenrolar de um processo de resolução amigável para evitar um contencioso nos tribunais da União (v., neste sentido, Despacho de 12 de setembro de 2013, European Dynamics Luxembourg e o./IHMI, T‑556/11, EU:T:2013:514, n.os 59 e 60).

108    Ora, resulta do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN que a Comissão de Recursos exerce, a título obrigatório e exclusivo, a fiscalização da legalidade das decisões do diretor do SATCEN e pode igualmente pronunciar‑se sobre os pedidos de indemnização apresentados pelos agentes do SATCEN.

109    Daqui resulta que o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN é incompatível com os Tratados, nomeadamente com o artigo 19.o TUE e o artigo 256.o TFUE, na medida em que prevê que a Comissão de Recursos dispõe, a título obrigatório e exclusivo, de competência para decidir os litígios entre o SATCEN e os seus agentes, quando o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância deste tipo de recursos.

110    Neste contexto, o argumento apresentado pelo SATCEN de que a Comissão de Recursos cumpre os critérios de um tribunal independente e imparcial formulados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é irrelevante. Com efeito, uma vez que o Tribunal Geral é competente para fiscalizar a legalidade das decisões como as do diretor do SATCEN e pronunciar‑se sobre o pedido indemnizatório da recorrente, não se pode admitir que tal órgão, ainda que independente e imparcial, possa exercer essas funções em vez do juiz da União.

111    Em terceiro lugar, não colhe o argumento do SATCEN de que, em substância, por força da sua decisão de 15 de outubro de 2001 sobre os privilégios e imunidades do SATCEN, os representantes dos Governos dos Estados‑Membros da União, reunidos no Conselho, quiseram excluir sem reserva a competência do Tribunal de Justiça.

112    Com efeito, essa decisão só diz respeito aos privilégios e imunidades conferidos ao SATCEN e aos membros do seu pessoal pelos Estados‑Membros, na sua ordem jurídica interna e, consequentemente, não tem qualquer relação com a competência dos tribunais da União. Assim, o facto de essa decisão não reservar a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia aos litígios entre o SATCEN e os seus agentes, contrariamente ao artigo 11.o, alínea a), do Protocolo n.o 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União, tratando‑se dos litígios entre a União e os seus agentes, não implica que o Tribunal Geral não possa conhecer dos litígios entre o SATCEN e os seus agentes.

113    Em quarto lugar, o argumento do SATCEN, baseado no Acórdão de 12 de novembro de 2015, Elitaliana/Eulex Kosovo (C‑439/13 P, EU:C:2015:753), e relativo à não imputabilidade das decisões impugnadas ao orçamento da União, deve igualmente ser rejeitado. Com efeito, neste último processo, o Tribunal de Justiça confirmou a sua competência numa situação específica, a saber, a de medidas tomadas em matéria de contratos públicos no contexto da PESC, e que gerou despesas para o orçamento da União. Ora, a circunstância de o presente processo ser alheio a esta situação não permite afastar a competência do Tribunal Geral no presente caso, visto que esta competência decorre das considerações desenvolvidas nos n.os 88 a 99, supra.

114    O Tribunal Geral é, portanto, competente para se pronunciar sobre a totalidade dos pedidos da recorrente.

B.      Quanto à admissibilidade

115    A título preliminar, importa observar que deve considerar‑se que o pedido da recorrente de anulação das decisões pelas quais o diretor do SATCEN indeferiu as suas reclamações contra as decisões de indeferimento do pedido de assistência, de abertura de um processo disciplinar, de suspensão e de demissão é dirigido a estas últimas quatro decisões. Com efeito, segundo jurisprudência constante relativa ao procedimento pré‑contencioso previsto no 90.o do Estatuto, que prossegue o mesmo objetivo que o artigo 28.o, n.os 1 a 3, do Estatuto do Pessoal do SATCEN (v. n.o 94, supra), a reclamação de um agente e seu indeferimento pela autoridade competente fazem parte integrante de um processo complexo, de modo que o recurso, ainda que formalmente interposto contra o indeferimento da reclamação do agente, tem por efeito submeter à apreciação do Tribunal Geral o ato lesivo contra o qual foi apresentada a reclamação (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2000, De Palma e o./Comissão, T‑203/99, EU:T:2000:213, n.o 21 e jurisprudência referida)

116    Em seguida, na sua contestação, o SATCEN deduz, em substância, a inadmissibilidade dos pedidos de anulação e de indemnização no seu conjunto, invocando dois fundamentos de inadmissibilidade, relativos, respetivamente, ao vínculo laboral entre a recorrente e o SATCEN e à natureza contratual do litígio.

117    Por último, a título subsidiário, o SATCEN deduz a inadmissibilidade, primeiro, do pedido dirigido contra a decisão de indeferimento do pedido de assistência, segundo, do pedido dirigido contra a decisão de abertura de um processo disciplinar e, terceiro, contra os argumentos dirigidos contra o processo no Conselho de Disciplina.

1.      Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo ao vínculo laboral entre a recorrente e o SATCEN

118    O SATCEN alega que o vínculo laboral que une a recorrente ao SATCEN se opõe, por um lado, a que seja qualificada de terceiro na aceção do artigo 263.o TFUE e, por outro, à responsabilidade extracontratual da União.

119    Segundo o SATCEN, há que distinguir as vias de recurso disponíveis a qualquer pessoa singular ou coletiva, com base nos artigos 263.o, 268.o e 340.o do TFUE, e a competência do Tribunal Geral, tratando‑se de litígios entre a União e os seus agentes, prevista no artigo 270.o TFUE e no artigo 91.o do Estatuto. Esta distinção justifica‑se pela relação laboral existente entre a União e os seus agentes e deve, assim, aplicar‑se por analogia à situação da recorrente. Esta não pode, portanto, recorrer ao Tribunal de Justiça com base nos artigos 263.o, 268.o e 340.o do TFUE, mesmo que a via de recurso prevista no artigo 270.o TFUE não esteja à sua disposição, dado que o Estatuto não é aplicável aos agentes do SATCEN.

120    No entanto, há que observar, desde logo, que a argumentação do SATCEN assenta numa premissa incorreta, uma vez que, como salientado no n.o 99, supra, a competência do Tribunal Geral para decidir o presente litígio tem por base os artigos 263.o e 268.o TFUE.

121    É certo que, como sublinha o SATCEN, o vínculo laboral entre a recorrente e este último confere uma natureza especial ao presente litígio. Em princípio, esse vínculo implicaria que o litígio entre o agente de um organismo da União e o seu empregador não estivesse abrangido pelos artigos 263.o, 268.o e 340.o TFUE, mas sim pelo artigo 270.o TFUE.

122    Não é menos verdade que, como sublinhado pelas partes, o artigo 270.o TFUE não é aplicável à situação da recorrente. Com efeito, nos termos desta disposição, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir sobre todos os litígios entre a União e os seus agentes, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo Estatuto e pelo Regime Aplicável aos Outros Agentes da União (a seguir «ROA»). A este respeito, resulta de uma leitura conjugada do artigo 1.o e do artigo 1.o‑A, n.o 2, do Estatuto, e do artigo 3.o‑A, n.o 1, alínea b), do ROA, que estes regimes são aplicáveis aos agentes contratuais dos órgãos ou organismos da União apenas se o ato que cria esse órgão ou organismo o previr. Ora, no que se refere aos agentes contratuais do SATCEN, nem a Decisão 2014/401 nem o Estatuto do Pessoal do SATCEN preveem a aplicabilidade do Estatuto ou a do ROA.

123    Daqui resulta que, contrariamente às alegações do SATCEN, o recurso de anulação da recorrente está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 263.o TFUE e o seu pedido de reconhecimento da responsabilidade extracontratual da União pelo do artigo 268.o TFUE.

2.      Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo à natureza contratual do presente litígio

124    O SATCEN alega que o presente recurso é inadmissível, na medida em que tem natureza puramente contratual, dado que as decisões impugnadas têm origem no contrato de trabalho da recorrente.

125    A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 263.o TFUE, os tribunais da União fiscalizam apenas a legalidade dos atos adotados pelas instituições destinados a produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação a terceiros, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, e que esta competência diz respeito apenas aos atos referidos no artigo 288.o TFUE que as instituições devam adotar nas condições previstas no Tratado, fazendo uso das suas prerrogativas de poder público. Em contrapartida, os atos adotados pelas instituições que se inscrevem num âmbito meramente contratual de que são indissociáveis não figuram, pela sua própria natureza, entre os atos referidos no artigo 288.o TFUE, cuja anulação pode ser requerida ao abrigo do artigo 263.o TFUE (v. Acórdão de 10 de abril de 2013, GRP Security/Tribunal de Contas, T‑87/11, não publicado, EU:T:2013:161, n.o 29 e jurisprudência referida).

126    Segundo o artigo 8.o, n.o 1, da Decisão 2014/401, o pessoal do SATCEN é constituído, nomeadamente, por agentes contratados. Foi assim que a recorrente foi recrutada mediante contrato de trabalho, que é o resultado de um acordo de vontades entre as partes. O vínculo laboral entre a recorrente e o SATCEN tem, pois, natureza contratual.

127    No entanto, o contrato de trabalho da recorrente foi celebrado com um organismo da União, encarregado de uma missão de interesse geral e cujas «regras do pessoal» são, nos termos do artigo 8.o, n.o 5, da Decisão 2014/401, adotadas pelo Conselho. É com base numa disposição idêntica que o Conselho, no quadro da Ação Comum 2001/555, adotou, através da Decisão 2009/747, o Estatuto do Pessoal do SATCEN (v. n.o 11, supra). Segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, o Estatuto do Pessoal do SATCEN é aplicável aos agentes empregados mediante contrato pelo SATCEN.

128    Assim, mesmo que o vínculo laboral entre o SATCEN e os seus agentes seja de natureza contratual, não é menos verdade que estes últimos se encontram numa situação jurídica determinada pelo Estatuto do Pessoal do SATCEN.

129    Assim, as disposições gerais do Estatuto do Pessoal do SATCEN, adotado unilateralmente pelo Conselho, que não era parte no contrato de trabalho celebrado pela recorrente, são‑lhe obrigatoriamente aplicáveis, bem como a qualquer outro agente contratual do SATCEN, e estão integradas nos respetivos contratos de trabalho (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de outubro de 2004, Pflugradt/BCE, C‑409/02 P, EU:C:2004:625, n.os 34 e 35). A este respeito, importa salientar que, no caso em apreço, o ponto 14 da proposta de contratação feita à recorrente, por ela assinada, precisava que «esta proposta de contratação, bem como as condições laborais, [eram] reguladas pelo [Estatuto do Pessoal do SATCEN] […] e por posteriores alterações ao mesmo, o qual [fazia] parte integrante da proposta».

130    Ora, o presente litígio tem origem no alegado incumprimento da recorrente das suas obrigações profissionais, tais como previstas no Estatuto do Pessoal do SATCEN. Além disso, é com base no Estatuto do Pessoal do SATCEN que o diretor do SATCEN exerceu os seus poderes disciplinares relativamente à recorrente. Estes poderes são da competência do diretor do SATCEN para todas as questões respeitantes ao pessoal, como resulta do artigo 7.o, n.o 6, segundo parágrafo, alínea e), da Decisão 2014/401.

131    Daqui resulta que, ao adotar a decisão de indeferimento do pedido de assistência, a decisão de abertura de um processo disciplinar, a decisão de suspensão e a decisão de demissão, o diretor do SATCEN limitou‑se a aplicar o Estatuto do Pessoal do SATCEN, que vai além do vínculo contratual da recorrente com o SATCEN. Ora, o presente litígio tem por objeto a legalidade em si dessas decisões do diretor do SATCEN, bem como a decisão da Comissão de Recursos, que, em substância, negou provimento ao recurso interposto pela recorrente da decisão de abertura de um processo disciplinar, da decisão de suspensão e da decisão de demissão.

132    O fundamento de inadmissibilidade relativo à natureza contratual do presente litígio deve, portanto, ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo SATCEN contra o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de assistência

133    O SATCEN considera que o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de assistência é inadmissível, na medida em que, em substância, a recorrente não respeitou o procedimento administrativo prévio previsto no Estatuto do Pessoal do SATCEN.

134    Nos termos do artigo 28.o, n.os 1 a 3, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, a falta de resposta do diretor do SATCEN a um pedido de tomada de decisão em matérias abrangidas pelo Estatuto do Pessoal, no prazo de dois meses, equivale a uma decisão de indeferimento tácito, suscetível de reclamação no prazo de três meses a contar da data do termo do prazo de resposta.

135    Assim, quando o diretor do SATCEN não dá nenhuma resposta a um pedido de assistência na aceção do artigo 2.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN no prazo de dois meses previsto no artigo 28.o, n.o 1, deste Estatuto do Pessoal, pode considerar‑se que se formou uma decisão de indeferimento tácito desse pedido de assistência. Nessa hipótese, deve presumir‑se que o diretor do SATCEN não considerou que os elementos apresentados em apoio do pedido de assistência constituíam um princípio de prova suficiente da realidade dos factos alegados para desencadear a obrigação de assistência, que pode dar origem à abertura de um inquérito administrativo se os factos alegados forem qualificados de assédio moral (v., por analogia, Acórdãos de 25 de outubro de 2007, Lo Giudice/Comissão, T‑154/05, EU:T:2007:322, n.o 41, e de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑570/16, EU:T:2017:283, n.os 53 a 57)

136    No caso em apreço, a recorrente enviou ao diretor do SATCEN um pedido de assistência em 20 de março de 2013. Em 22 de março de 2013, o diretor do SATCEN pediu ao seu adjunto que verificasse as informações contidas nesse pedido, à margem do inquérito administrativo de que a recorrente era objeto. Ora, o diretor do SATCEN não considerou que essa verificação de informações tivesse revelado um princípio de prova da realidade dos factos alegados para justificar a abertura de um inquérito administrativo, como confirma a carta que lhe enviou o diretor adjunto do SATCEN em 26 de agosto de 2013 e o indeferimento que opôs à reclamação da recorrente em 7 de outubro de 2013.

137    Consequentemente, deve considerar‑se que o pedido de assistência da recorrente, notificado em 21 de março de 2013, foi tacitamente indeferido no prazo de dois meses a contar dessa data, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 1, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, ou seja, em 21 de maio de 2013, e não, como a recorrente afirma, em 5 de julho de 2013. Como alega acertadamente o SATCEN, esta decisão de indeferimento tácito devia, nos termos do artigo 28.o, n.o 2, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, ser objeto de reclamação no prazo de três meses a contar da data do termo do prazo de resposta, ou seja, em 21 de agosto de 2013, o mais tardar. Ora, não resulta das peças dos autos que a recorrente tenha apresentado tal reclamação no prazo acima referido.

138    Resulta do exposto que, na medida em que visa a anulação da decisão de indeferimento do pedido de assistência, o pedido da recorrente deve ser julgado inadmissível.

4.      Quanto ao fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo SATCEN contra o pedido de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar

139    O SATCEN sustenta que o recurso de uma decisão de iniciar um processo disciplinar não pode ser examinado enquanto tal, pois a decisão impugnável só pode ser a adotada no termo do processo disciplinar. Consequentemente, o pedido da recorrente de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar deve ser julgado inadmissível.

140    A recorrente contesta esta argumentação e pede, a título subsidiário, que a legalidade da decisão de abertura de um processo disciplinar seja apreciada para efeitos da apreciação da legalidade da decisão de demissão.

141    A este respeito, há que salientar que, quando uma sanção é aplicada a um agente de um organismo da União, a decisão de abertura de um processo disciplinar a seu respeito constitui apenas um ato preparatório que não prejudica a posição final da administração e não pode, por conseguinte, ser considerada lesiva na aceção do artigo 263.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 340 e jurisprudência referida).

142    O pedido que visa a decisão de abertura de um processo disciplinar é, portanto, enquanto tal, inadmissível, sendo que só a decisão disciplinar definitiva, isto é, a decisão de demissão, constitui um ato lesivo.

143    Contudo, a inadmissibilidade de um pedido de anulação dirigido contra um ato não lesivo não impede de invocar, em apoio de um pedido dirigido contra uma decisão impugnável, a eventual ilegalidade desse ato (v., por analogia, Acórdãos de 13 de março de 2003, Pessoa e Costa/Comissão, T‑166/02, EU:T:2003:73, n.o 37 e jurisprudência referida). Consequentemente, sendo o pedido de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar inadmissível, os fundamentos apresentados em apoio desse pedido devem ser considerados dirigidos contra a decisão de demissão, tomada no termo desse processo.

5.      Quanto ao fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo SATCEN contra os argumentos dirigidos contra o processo no Conselho de Disciplina

144    Em apoio do primeiro e segundo fundamentos de anulação da decisão de demissão, a recorrente contesta as condições em que decorreu o processo disciplinar no Conselho de Disciplina.

145    Segundo o SATCEN, as acusações dirigidas contra o parecer do Conselho de Disciplina devem ser julgadas inadmissíveis, na medida em que as referidas acusações devem ser consideradas dirigidas contra o parecer do Conselho de Disciplina em si, que constitui um ato lesivo e não foi objeto de reclamação administrativa prévia.

146    A este respeito, há que observar que o Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39), no qual o SATCEN se apoia, não é pertinente, na medida em que, nesse processo, o Tribunal de Justiça julgou inadmissível o pedido porquanto visava a anulação de «processo seguido no Conselho de Disciplina», além da anulação do parecer do Conselho de Disciplina em si.

147    Do mesmo modo, no Acórdão de 29 de janeiro de 1985, F./Comissão (228/83, EU:C:1985:28, n.o 16), referido pelo SATCEN, o Tribunal de Justiça considerou que seria contrário ao princípio do contraditório e aos direitos de defesa da pessoa em causa num processo disciplinar considerar que não pode impugnar separadamente o parecer do Conselho de Disciplina e obter a sua anulação, com o fim de se reiniciar o processo disciplinar.

148    Assim, não resulta de modo algum desses acórdãos que um recorrente não pode, em apoio do seu pedido de anulação de uma sanção disciplinar tomada após parecer do Conselho de Disciplina, arguir a irregularidade do processo seguido no referido Conselho de Disciplina, dado que, na situação da recorrente, tal processo constituiu um pressuposto necessário à sanção de demissão contestada, como resulta da leitura conjugada dos artigos 7.o, 9.o e 10.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

149    Assim, os argumentos relativos à ilegalidade do processo no Conselho de Disciplina são admissíveis.

150    Tendo em conta o exposto, primeiro, os fundamentos de inadmissibilidade opostos pelo SATCEN aos pedidos de anulação e de indemnização na sua totalidade devem ser julgados improcedentes. Segundo, o presente recurso é inadmissível na parte em que é dirigido contra a decisão de abertura de um processo disciplinar e a decisão de indeferimento do pedido de assistência. Terceiro, o referido recurso é admissível na parte em que é dirigido contra a decisão de suspensão, a decisão de demissão e a decisão da Comissão de Recursos, de modo que há que apreciar a legalidade dessas três decisões, começando pela decisão da Comissão de Recursos.

C.      Quanto ao mérito

1.      Quanto aos pedidos de anulação

a)      Quanto à legalidade da decisão da Comissão de Recursos

151    A recorrente pede que seja declarada a anulação da decisão da Comissão de Recursos, por duas ordens de razões. Primeiro, a Comissão de Recursos violou o direito a um recurso efetivo da recorrente, por um lado, devido à sua composição, que não obedece aos critérios de um tribunal independente e imparcial, e, por outro, porquanto ignorou a maior parte dos argumentos de facto e de direito que apresentou. Segundo, a Comissão de Recursos, em substância, cometeu vários erros de direito ao negar provimento ao recurso interposto pela recorrente.

152    Além disso, a recorrente deduz, com base no artigo 277.o TFUE, uma exceção de ilegalidade do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, alegando, em substância, que, por força dessa disposição, a Comissão de Recursos é a única instância de fiscalização da legalidade das decisões do diretor do SATCEN.

153    O SATCEN pede que seja declarada a improcedência do pedido de anulação da decisão da Comissão de Recursos, na medida em que esta apresenta garantias suficientes para assegurar o respeito do direito a um recurso efetivo da recorrente. As suas decisões podem, por conseguinte, ser finais e vinculativas, como prevê o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

154    Há que começar por apreciar a exceção de ilegalidade do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, deduzida pela recorrente.

155    Segundo jurisprudência constante, o artigo 277.o TFUE é a expressão de um princípio geral que garante a todas as partes o direito de impugnarem por via incidental, com vista à anulação de uma decisão individual, a validade de atos institucionais anteriores que sejam a base jurídica dessa decisão individual (v. Acórdão de 19 de junho de 2015, Itália/Comissão, T‑358/11, EU:T:2015:394, n.o 180 e jurisprudência referida).

156    Na medida em que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de alcance geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o alcance de uma exceção de ilegalidade deve ser limitado ao que é indispensável para a solução do litígio. Daqui resulta que o ato geral cuja ilegalidade é invocada deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao caso que é objeto de recurso e que deve existir um nexo jurídico direto entre a decisão individual impugnada e o ato geral em questão. A este respeito, a existência de tal nexo pode ser deduzida, nomeadamente, da constatação de que o ato impugnado no processo principal assenta essencialmente numa disposição do ato cuja legalidade é impugnada (v. Acórdão de 27 de outubro de 2016, BCE/Cerafogli, T‑787/14 P, EU:T:2016:633, n.o 44 e jurisprudência referida).

157    A declaração de ilegalidade efetuada pelo juiz não produz efeitos erga omnes, antes implica a ilegalidade da decisão individual impugnada, deixando subsistir o ato de alcance geral na ordem jurídica sem afetar a legalidade dos outros atos que tenham sido adotados com base nele e que não foram impugnados dentro do prazo de recurso (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 1974, Kortner e o./Conselho e o., 15/73 a 33/73, 52/73, 53/73, 57/73 a 109/73, 116/73, 117/73, 123/73, 132/73 e 135/73 a 137/73, EU:C:1974:16, n.os 37 e 38).

158    No caso em apreço, o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, cuja ilegalidade a recorrente invoca, prevê, nomeadamente, que a Comissão de Recursos é competente para anular ou confirmar as decisões do diretor do SATCEN adotadas com fundamento nesse Estatuto do Pessoal, bem como para indemnizar determinados danos sofridos por um agente após uma decisão ilegal do diretor do SATCEN (v. n.o 13, supra). Além disso, esta disposição precisa que as decisões da Comissão de Recursos «são vinculativas para ambas as partes» e que «não podem ser objeto de recurso».

159    Ora, resulta da apreciação da competência do Tribunal Geral para decidir o presente litígio que o Conselho não podia, sem violar as disposições do artigo 19.o TUE e do artigo 256.o TFUE, atribuir à Comissão de Recursos uma competência obrigatória e exclusiva para fiscalizar a legalidade das decisões do diretor do SATCEN, e para se pronunciar sobre o pedido de indemnização dos seus agentes, num caso em que, como no caso presente, é o Tribunal Geral que é competente para conhecer, em primeira instância, deste tipo de litígios (v. n.os 101 a 110, supra).

160    Consequentemente, ao instituir, pela Decisão 2009/747, uma Comissão de Recursos cuja competência é exclusiva e alternativa à do Tribunal Geral, e mantendo esta Comissão de Recursos mesmo após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho violou os Tratados, em especial o artigo 19.o TUE e o artigo 256.o TFUE acima referidos. Há, pois, que julgar procedente a exceção de ilegalidade e declarar inaplicável ao caso em apreço o artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

161    Em consequência, a decisão da Comissão de Recursos, adotada com base nos poderes que esta disposição lhe conferia, fica privada de base legal, pelo que deve ser anulada, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os outros fundamentos invocados pela recorrente contra a decisão da Comissão de Recursos.

162    A ilegalidade da decisão da Comissão de Recursos não afeta, de resto, o cumprimento do prazo de recurso pela recorrente, no que respeita às decisões de suspensão e de demissão.

163    É certo que, por força do presente acórdão, a decisão da Comissão de Recursos é retroativamente excluída da ordem jurídica, o que implica que o Tribunal Geral esteja perante um recurso interposto depois do prazo de dois meses previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, acrescido do prazo de dilação em razão da distância de dez dias previsto no artigo 60.o do Regulamento de Processo. Com efeito, enquanto a decisão de suspensão e a decisão de demissão foram notificadas à recorrente em 5 de julho de 2013 e 4 de março de 2014, respetivamente, o presente recurso foi interposto em 28 de maio de 2015.

164    Todavia, segundo jurisprudência constante, no âmbito do artigo 263.o TFUE, a admissibilidade de um recurso deve ser apreciada à luz da situação existente no momento em que a petição é apresentada (Acórdãos de 27 de novembro de 1984, Bensider e o./Comissão, 50/84, EU:C:1984:365, n.o 8, e de 18 de abril de 2002, Espanha/Conselho, C‑61/96, C‑132/97, C‑45/98, C‑27/99, C‑81/00 e C‑22/01, EU:C:2002:230, n.o 23).

165    Ora, à data da interposição do presente recurso, a ilegalidade do artigo 28.o, n.o 6, do Estatuto do Pessoal do SATCEN não tinha sido declarada pelo Tribunal Geral. Assim, a apresentação da questão à Comissão de Recursos, que deliberava em conformidade com os poderes que lhe eram conferidos por essa disposição, assentava numa base legal e constituía uma via de direito que, em princípio, oferecia à recorrente uma forma de resolver a sua situação, uma vez que, a priori, não se podia excluir que a Comissão de Recursos anulasse as decisões contestadas do diretor do SATCEN. Com efeito, nos termos de jurisprudência constante, os atos das instituições da União gozam, em princípio, de uma presunção de legalidade e produzem, portanto, efeitos jurídicos enquanto não forem revogados, anulados no âmbito de um recurso de anulação ou declarados inválidos na sequência de um pedido prejudicial ou de uma exceção de ilegalidade (v. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems, C‑362/14, EU:C:2015:650, n.o 52 e jurisprudência referida).

166    Assim, não se pode considerar, designadamente à luz do direito a uma ação, consagrado no artigo 47.o da Carta, que a impugnação das decisões de suspensão e de demissão na Comissão de Recursos implique a prescrição do direito da recorrente de impugnar no Tribunal Geral tais decisões, que, em substância, foram confirmadas pela decisão da Comissão de Recursos (v., por analogia, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, LL/Parlamento, C‑326/16 P, EU:C:2018:83, n.o 35).

167    Nestas condições, o prazo de recurso contra as decisões de suspensão e de demissão só começou a correr em relação à recorrente em 23 de março de 2015, data em que a decisão da Comissão de Recursos lhe foi notificada. Assim, ao interpor o presente recurso das decisões de suspensão e de demissão em 28 de maio de 2015, a recorrente respeitou o prazo de dois meses previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, acrescido do prazo de dilação em razão da distância de dez dias, previsto no artigo 60.o do Regulamento de Processo.

b)      Quanto à legalidade da decisão de demissão

168    Em apoio do pedido de anulação da decisão de demissão, a recorrente invoca cinco fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a uma violação do princípio da boa administração e da exigência de imparcialidade no decurso do inquérito administrativo (primeira parte) e no decurso do processo no Conselho de Disciplina (segunda parte). O segundo fundamento é relativo a uma violação das regras processuais e dos direitos de defesa no decurso do inquérito administrativo (primeira parte) e no decurso do processo no Conselho de Disciplina (segunda parte). O terceiro fundamento é relativo a uma violação do princípio da presunção de inocência. O quarto fundamento é relativo à não demonstração da realidade dos factos imputados. O quinto fundamento é relativo a um desvio de poder.

169    Com a primeira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do segundo fundamento, a recorrente visa pôr em causa o processo de inquérito administrativo. Assim, o Tribunal Geral considera oportuno analisar em conjunto estas duas partes, baseadas, respetivamente, numa violação do princípio da boa administração e da exigência de imparcialidade no decurso do inquérito administrativo, e na violação das regras processuais e dos direitos de defesa no decurso do referido inquérito.

1)      Quanto à regularidade do inquérito administrativo

170    A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 27.o, n.o 2, do Estatuto do Pessoal do SATCEN, o diretor do SATCEN pode abrir um inquérito administrativo, a fim de verificar a existência de um incumprimento por parte de um agente das obrigações previstas no referido Estatuto do Pessoal, quando tenha tomado conhecimento de elementos de prova que deixem presumir a existência desse incumprimento.

171    Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN:

«Sempre que uma averiguação interna revelar a eventual implicação pessoal de um agente ou de um antigo agente, essa pessoa deve ser rapidamente informada, desde que isso não prejudique o desenrolar da averiguação. Em circunstância alguma podem ser tiradas conclusões no final do inquérito que mencionem o nome do agente sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de formular as suas observações relativamente aos factos que lhe dizem respeito. As conclusões devem fazer referência a essas observações.»

172    Nos termos do artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN:

«Após ter comunicado ao agente todas as provas constantes do processo e depois de o ter ouvido, o diretor pode, com base no relatório de investigação: […] c) [e]m caso de incumprimento das obrigações na aceção do artigo 27.o do Estatuto do Pessoal: i) decidir abrir o processo disciplinar previsto na secção 4 do presente anexo, ou ii) decidir abrir um processo disciplinar perante o Conselho de Disciplina.»

173    Quando o processo disciplinar é instaurado no Conselho de Disciplina, o diretor apresenta‑lhe, nos termos do artigo 10.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, um relatório que deve indicar claramente os factos imputados e, quando adequado, as circunstâncias em que ocorreram, incluindo qualquer circunstância agravante ou atenuante. O relatório destinado ao Conselho de Disciplina é adotado após audição do agente em causa, no termo do inquérito, e visa apenas apurar os factos, tendo em conta nomeadamente os resultados da audição, e correlacioná‑los com as obrigações ou disposições estatutárias cujo incumprimento se imputa ao agente (v., por analogia, Acórdão de 10 de junho de 2016, HI/Comissão, F‑133/15, EU:F:2016:127, n.o 131).

174    O inquérito administrativo visa assim apurar os factos imputados à pessoa em causa e as circunstâncias envolventes e permitir ao diretor do SATCEN apreciar, prima facie, a realidade e a gravidade dos mesmos, a fim de formar uma opinião quanto à oportunidade de submeter o caso ao Conselho de Disciplina, com vista à adoção, eventual, de uma sanção disciplinar.

175    A autoridade encarregue de um inquérito administrativo dispõe, como resulta da jurisprudência, de um amplo poder de apreciação na condução do inquérito (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 16 de maio de 2012, Skareby/Comissão, F‑42/10, EU:F:2012:64, n.o 38; de 11 de julho de 2013, Tzirani/Comissão, F‑46/11, EU:F:2013:115, n.o 124; e de 18 de setembro de 2014, CV/CESE, F‑54/13, EU:F:2014:216, n.o 43).

176    A este respeito, importa recordar que o direito da União exige que os procedimentos administrativos sejam conduzidos com respeito pelas garantias conferidas pelo princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta. Entre estas garantias figura a obrigação de a instituição competente examinar, de forma diligente e imparcial, todos os elementos pertinentes do caso concreto. O direito, que assiste a todos, de que os seus assuntos sejam tratados com imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa encarregado do processo deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito todas as dúvidas legítimas (v. Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 155 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 11 de maio de 2010, Nanopoulos/Comissão, F‑30/08, EU:F:2010:43, n.o 189).

177    Além disso, o direito a uma boa administração compreende, nos termos do artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta, o direito de qualquer pessoa de ser ouvida antes da adoção de uma medida individual que a afete desfavoravelmente e o direito de qualquer pessoa de ter acesso ao processo que se lhe refira. No que se refere à condução de inquéritos administrativos no SATCEN, estas regras estão contempladas no artigo 1.o, n.o 1, e no artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, recordados, respetivamente, nos n.os 171 e 172, supra.

178    É à luz destas considerações que importa apreciar em conjunto a primeira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do segundo fundamento, através das quais a recorrente põe em causa i) a escolha do seu superior hierárquico para conduzir o inquérito administrativo a seu respeito; ii) a utilização de um questionário de escolha múltipla em que é nomeada, como modalidade do inquérito administrativo; iii) o facto de não ter sido associada ao inquérito administrativo; e iv) a recusa de acesso em tempo útil aos documentos do processo de inquérito administrativo.

i)      Quanto à escolha do investigador

179    A recorrente contesta a designação do seu superior, o diretor adjunto do SATCEN, para conduzir o inquérito administrativo a seu respeito. No seu entender, o diretor adjunto carecia de imparcialidade objetiva para conduzir o inquérito, na medida em que sempre manifestou preconceitos, parcialidade e hostilidade nas suas atitudes para com ela no trabalho.

180    Neste sentido, a recorrente alega que pôs em causa o diretor adjunto do SATCEN em dois pedidos de assistência por factos de assédio moral de que era vítima. A recorrente alega igualmente ter sofrido insultos e ataques em reuniões na presença do diretor do SATCEN e do seu adjunto, bem como nos seus três relatórios de avaliação anuais por este redigidos. A hostilidade do diretor adjunto do SATCEN em relação à recorrente é ainda demonstrada pelo facto de este, com o diretor do SATCEN, lhe ter retirado arbitrariamente responsabilidades, «apesar das suas incontestáveis competências profissionais».

181    A este respeito, importa, antes de mais, constatar que não resulta dos documentos dos autos que o diretor adjunto do SATCEN tenha retirado arbitrariamente responsabilidades à recorrente, nem que esta tenha sofrido insultos na sua presença, sendo que tais alegações se baseiam apenas em notas redigidas pela própria recorrente. Acresce que, mesmo supondo que se deva conferir a tais declarações qualquer valor probatório, há que salientar que o diretor adjunto do SATCEN não é aí posto em causa diretamente, nem acusado de ter retirado responsabilidades à recorrente ou de ter assistido a insultos a seu respeito, que tivesse tolerado.

182    Em seguida, no que respeita aos seus relatórios de avaliação anuais, a recorrente não demonstra em que é que estes estão repletos de insultos e revelam parcialidade e hostilidade do diretor adjunto do SATCEN. Contrariamente ao que parece sugerir a recorrente, a avaliação das prestações de um agente classificado por um superior hierárquico, ainda que crítica, não pode ser equiparada a insultos e não demonstra, enquanto tal, a parcialidade do superior hierárquico em questão.

183    Por último, dado que a recorrente alega que era inadequado designar como investigador o diretor adjunto do SATCEN, na medida em que ele era por ela visado em dois pedidos de assistência da sua parte, há que rejeitar esta argumentação.

184    Com efeito, por um lado, importa constatar que o diretor adjunto do SATCEN não foi posto em causa pela recorrente nos seus comentários sobre a sua avaliação anual, que redigiu em 30 de maio de 2011. A recorrente indicou, de resto, posteriormente, em 7 de março de 2013, que não tinha sido dado seguimento à sua queixa de 2012, nos termos da qual se sentia vítima de assédio moral por parte do diretor das Finanças, e não do diretor adjunto do SATCEN.

185    Por outro lado, o diretor adjunto do SATCEN foi designado pelo diretor do SATCEN para conduzir o inquérito administrativo em 8 de março de 2013, ou seja, antes do envio, em 20 de março de 2013, do segundo pedido de assistência da recorrente, no qual esta última ponha em causa o comportamento do diretor adjunto do SATCEN.

186    De qualquer forma, cabe recordar os termos do segundo pedido de assistência da recorrente, no qual aparece o nome do investigador:

«Venho pela presente solicitar‑lhe formalmente que tome medidas destinadas a fazer cessar o assédio exercido contra a minha pessoa e contra a minha função […]

Em especial, solicito‑lhe que [o diretor das Finanças] deixe de controlar e de interrogar os agentes da minha divisão acerca de questões internas à divisão […] e deixe de comunicar a sua opinião tendenciosa. Embora só a ele tenha imputado a situação de humilhação de setembro de 2012, posso agora vislumbrar uma aliança entre alguns colaboradores, que parece influenciar outros colegas, como diretor adjunto, através de rumores, descredibilizando‑me.»

187    Contrariamente ao que afirma a recorrente, essa formulação não se destina a pôr diretamente em causa o diretor adjunto do SATCEN na situação em que a recorrente alega ser vítima, mas sim o diretor das Finanças. Com efeito, no que respeita ao diretor adjunto do SATCEN, nomeado para conduzir o inquérito, a recorrente limitou‑se a alegar que pode ter sido influenciado pela opinião do diretor das Finanças. Assim, o pedido de assistência da recorrente não basta para declarar a parcialidade do investigador.

188    Consequentemente, não resulta suficientemente dos elementos autos que a nomeação do investigador pudesse suscitar à recorrente dúvidas legítimas acerca da imparcialidade objetiva para conduzir o inquérito.

ii)    Quanto à utilização de um questionário de escolha múltipla relativo à recorrente no âmbito do inquérito administrativo

189    A recorrente põe em causa as modalidades do inquérito administrativo e alega que, no seu decurso, o SATCEN violou o princípio da boa administração e a exigência de imparcialidade dele decorrente.

190    A recorrente contesta o facto de o investigador ter pedido a vários agentes do SATCEN para preencherem um questionário de escolha múltipla, cujo título a referia expressamente, associando‑a ao conceito de intimidação. A recorrente acrescenta que as perguntas de escolha múltipla incluídas nesse questionário eram tendenciosas e muito sugestivas. Assim, em seu entender, o envio do questionário constituía, enquanto tal, um instrumento desadequado para o apuramento dos factos.

191    A este respeito, segundo a recorrente, o objetivo de um inquérito administrativo relativo a eventuais incumprimentos disciplinares implica a recolha de todos os elementos precisos e pertinentes. Ora, no caso em apreço, o relatório do inquérito administrativo não cita nenhum incidente preciso e demonstra que o investigador se limitou a recolher as respostas ao questionário e a reproduzir as acusações gerais dele constantes.

192    Daqui decorre que o inquérito administrativo era parcial e tendencioso e, por conseguinte, violava o princípio da boa administração e a exigência de imparcialidade.

193    O SATCEN contesta a argumentação da recorrente e sublinha que o questionário consistia em duas perguntas de resposta aberta, cujas respostas devem ser lidas conjuntamente com as dadas ao questionário de escolha múltipla.

194    No caso em apreço, há que recordar que, em 14 de novembro de 2012, o diretor do SATCEN recebeu uma queixa, assinada por doze agentes e redigida nos seguintes termos:

«Verificámos todos, de uma forma ou de outra, até que ponto [KF] se comportou de forma desadequada, tomando decisões em função da identidade da pessoa que as solicitava, aplicando as regras de acordo com a sua vontade; constatámos uma situação de assédio e abuso relativamente a certos membros do pessoal. [KF] também se intrometeu no nosso trabalho profissional em matérias em que não é especialista. Tudo isto torna as nossas tarefas diárias difíceis e menos eficazes do que o deveriam ser. Não é normal que esse agente do SATCEN procure diariamente o confronto com um de nós e fiquemos contentes pela sua ausência no serviço. A crítica aos nossos colegas é permanente e o ambiente de trabalho é desastroso, ou mesmo prejudicial. Sabemos que outros membros do pessoal do SATCEN estão ao corrente da situação, podendo eventualmente fornecer mais provas para apoiar a nossa queixa. O nosso objetivo é, quando todas as provas forem verificadas, que V. Ex.a tome as necessárias providências para assegurar que este tipo de comportamento, de tal forma afastado do espírito da [União], não mais se repita.»

195    Assim, em 8 de março de 2013, o diretor do SATCEN abriu um inquérito administrativo. Nos termos do relatório de investigação, o inquérito justificava‑se pela «extrema gravidade da situação levada ao conhecimento do diretor do SATCEN, que demonstra um incumprimento [da recorrente] as obrigações previstas no Estatuto do Pessoal do SATCEN», e visava «coligir os factos necessários para provar uma eventual situação de assédio moral e de intimidação [da recorrente] em relação ao pessoal sob a sua autoridade direta».

196    O inquérito administrativo consistiu em enviar a 24 agentes do SATCEN, em 12 de junho de 2013, um questionário de escolha múltipla, intitulado «Questionário sobre o assédio», que referia: «[é] favor responder às seguintes questões destinadas a apurar a existência de eventuais comportamentos intimidantes de [KF] a seu respeito». O questionário apresentava‑se na forma do quadro seguinte, constituído por campos a preencher correspondentes a categorias de comportamentos eventualmente adotados pela recorrente a respeito desses agentes:


Questão

Resposta



Não

Ocasionalmente

Frequentemente

1

Falta de ou pouco reconhecimento, falta de confiança nos outros




2

Fraca participação nas decisões




3

Pouca ou insignificante comunicação/informação




4

Falta de informações sobre o rendimento




5

Comentários degradantes ou ofensivos, pressão, comportamento agressivo, reações desadequadas




6

Insultos relativos à pessoa ou à competência profissional




7

Reparos insultuosos ou ameaçadores, tanto verbalmente como por escrito




8

Intimidação, pressão




9

Ameaças de represálias




10

Denegrir dos contributos e das realizações




11

Degradação das relações sociais




12

Impressão de estar isolado, separado, excluído, de ser rejeitado, ignorado, denegrido ou humilhado




13

Fixação de objetivos ou de funções manifestamente impossíveis




14

Falta de trabalho ou trabalho que não corresponde ao perfil do lugar ocupado





197    Os destinatários do questionário foram igualmente interrogados sobre a questão de saber se estes comportamentos, caso tivessem sido confrontados com um deles, tinham provocado uma das seguintes consequências, também apresentadas sob a forma de um quadro com campos a preencher:


Questão

Resposta



Não

parcialmente

Sim

15

Isolamento e tendência para a degradação das relações sociais




16

Prática de erros cada vez mais frequente, incapacidade de concentração, diminuição da produtividade, perda de motivação




17

Desenvolvimento profissional dificultado e carreira comprometida




18

Problemas de saúde mental e física, como stress, ansiedade, sentimento de vergonha e desmotivação




19

Humilhação, desorientação, perturbação do sono, diminuição ou aumento de problemas físicos e psicológicos graves




20

Degradação das regras no local de trabalho




21

Aumento das tensões




22

Amplificação de pequenos problemas





198    Como resulta das disposições e da jurisprudência recordadas nos n.os 170 a 177, supra, o inquérito administrativo subsequente a alegações de incumprimento das obrigações profissionais relativamente a um agente do SATCEN tem por objetivo estabelecer a materialidade dos factos que lhe são imputados e deve, portanto, consistir na pesquisa diligente e imparcial de todos os elementos precisos e pertinentes do caso concreto. Nos termos da queixa apresentada ao diretor do SATCEN, que põe em causa o comportamento global da recorrente, qualificando‑o, designadamente, de «assédio», cabia ao investigador convidar os queixosos para fundamentarem os factos alegados, apreciar o caráter circunstanciado e concordante das queixas para, depois, se fosse caso disso, os qualificar juridicamente.

199    Ora, o investigador enviou aos queixosos e a outros agentes do SATCEN um «questionário sobre o assédio», com respostas de escolha múltipla, correspondentes, em substância, a categorias gerais de comportamentos suscetíveis de constituir «assédio moral».

200    Essa iniciativa não tinha, portanto, como finalidade verificar a materialidade dos factos precisos alegados, mas sim pedir aos destinatários do questionário que dissessem o que pensavam, de forma geral e abstrata, sobre certas categorias de comportamentos que consideravam ter notado na recorrente.

201    É verdade que o SATCEN dispunha de uma ampla margem de apreciação quanto à abertura em si de um inquérito e quanto à determinação das modalidades práticas desse inquérito. No entanto, ao remeter às pessoas que trabalhavam quotidianamente com a recorrente um questionário de escolha múltipla, no qual a recorrente era visada e nomeada pessoalmente, o SATCEN não agiu com a prudência e diligência necessárias num litígio entre um organismo da União e um dos seus agentes. Uma iniciativa dessa natureza só poderia agravar as relações laborais entre a recorrente e os seus colegas, superiores ou subordinados, antes mesmo de a materialidade dos factos precisos poder ser demonstrada com objetividade. Outros meios mais adequados haveria para que o diretor adjunto pudesse avaliar o comportamento da recorrente, nomeadamente através de reuniões bilaterais com os queixosos, a fim de ouvir, serena e objetivamente, as razões invocadas, e de reuniões diretas com a recorrente. Caberia então ao diretor adjunto, após essas entrevistas e se fosse caso disso, determinar se estava perante determinados tipos de comportamento suscetíveis, dado o seu caráter duradouro, repetido ou sistemático, e efeitos, de constituir assédio moral ou, pelo menos, um incumprimento por parte da recorrente das suas obrigações profissionais.

202    A utilização do tipo de questionário de escolha múltipla em causa para demonstrar a realidade das acusações de assédio, dirigido pelo investigador a 24 agentes do SATCEN, deve, portanto, ser considerada manifestamente desadequada e, por isso, contrária ao dever de diligência que deve presidir à condução de um inquérito administrativo.

203    É certo que, como sublinha o SATCEN, os agentes inquiridos foram também convidados a responder a duas perguntas de resposta aberta à margem do questionário de escolha múltipla. No entanto, resulta da redação em si dessas duas perguntas que as mesmas não são suscetíveis de pôr em causa o caráter manifestamente desadequado do questionário. Por um lado, com a primeira pergunta de resposta aberta, pedia‑se aos agentes inquiridos que relatassem qualquer facto ou acontecimento relativo aos campos do questionário que tivessem assinalado. As respostas que podiam ser dadas a essa pergunta estavam, por conseguinte, indissociavelmente ligadas às categorias gerais de comportamentos repreensíveis que figuravam no questionário. Por outro lado, com a segunda pergunta de resposta aberta, os agentes inquiridos eram convidados a indicar se tinham presenciado comportamentos constitutivos de assédio moral por parte da recorrente relativamente aos outros agentes do SATCEN. Assim, ao formular essa pergunta, o SATCEN partiu do pressuposto de que os comportamentos descritos em resposta à pergunta podiam, antes de serem objeto de um exame objetivo, ser qualificados de assédio moral pelos próprios agentes inquiridos.

204    De qualquer modo, resulta das peças dos autos que as conclusões do relatório de investigação, nas quais a materialidade dos comportamentos imputados à recorrente é dada por demonstrada, se baseiam apenas em categorias gerais de comportamentos imputadas à recorrente, sem citar elementos precisos resultantes das respostas dos agentes às duas perguntas de resposta aberta.

205    Por outro lado, como alega com razão a recorrente, ao associar o seu nome a um «questionário sobre o assédio», o investigador, o diretor adjunto do SATCEN, não atuou com prudência. Essa forma de proceder pode pôr em causa a imparcialidade subjetiva do diretor adjunto do SATCEN, na medida em que este, agindo desse modo, aludiu à responsabilidade da recorrente por incumprimentos disciplinares qualificados juridicamente, quando esta ainda não tinha, nessa fase, sido ouvida, e quando ainda não tinha sido decidida a abertura de um processo disciplinar.

206    Tendo em conta o exposto, não se pode considerar que o inquérito administrativo visasse seriamente apurar os factos precisos, procurando com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto. Nestas condições, há que concluir que o SATCEN não agiu com toda a diligência exigida de um organismo da União para com os membros do seu pessoal, adotando as medidas proporcionadas e adequadas às circunstâncias do caso concreto.

207    Atendendo ao exposto, o Tribunal Geral conclui que o SATCEN violou o princípio da boa administração, o dever de diligência e a exigência de imparcialidade na condução do inquérito administrativo.

iii) Quanto à falta de associação da recorrente ao inquérito administrativo

208    A recorrente acusa igualmente o SATCEN de não a ter associado ao inquérito administrativo, em violação do seu direito de ser ouvida e do artigo 1.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

209    Neste sentido, a recorrente alega não ter recebido nenhuma informação sobre o inquérito administrativo entre o mês de março de 2013, mês em que o inquérito foi iniciado, e o mês de julho de 2013, mês em que foi informada, pela primeira vez, das modalidades desse inquérito. Além disso, embora tenha sido convocada pelo investigador pela primeira vez em 2 de julho de 2013, a recorrente sublinha que, nessa data, as conclusões do inquérito estavam já finalizadas.

210    Ora, segundo a recorrente, devia ter sido ouvida, conhecer os pormenores dos incidentes que lhe eram imputados e dispor de um prazo suficiente para os analisar.

211    No caso em apreço, resulta das peças dos autos que o diretor do SATCEN informou a recorrente da abertura de um inquérito administrativo a seu respeito por nota datada de 4 de abril de 2013, com menção do artigo 27.o do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

212    O diretor do SATCEN comunicou à recorrente as conclusões do relatório de investigação por mensagem de correio eletrónico de 3 de julho de 2013, às 16h56. Nessa mesma mensagem, o diretor do SATCEN convidou a recorrente a participar numa audição em 5 de julho de 2013, às 10 horas, e a apresentar as suas observações sobre as conclusões do relatório de investigação.

213    Nos termos dessas conclusões, o diretor adjunto do SATCEN considerou que os agentes que trabalhavam próximo da recorrente tinham «claramente confirma[do] diferentes aspetos que caracteriza[vam] um assédio moral», dado que, no caso de várias categorias gerais de comportamentos enumeradas no questionário de escolha múltipla, vários desses agentes tinham assinalado o campo «frequentemente» (a saber, as seguintes categorias: «falta de ou pouco reconhecimento e falta de confiança nos outros», assinalado seis vezes; «comentários degradantes ou ofensivos, pressão, comportamento agressivo, reações desadequadas», assinalado sete vezes; «insultos relativos à pessoa ou à competência profissional», assinalado três vezes; «reparos insultuosos ou ameaçadores», assinalado três vezes; «intimidação, pressão», assinalado sete vezes; «denegrir dos contributos», assinalado três vezes; «sentimento de humilhação», assinalado quatro vezes).

214    Além disso, no que se refere aos agentes que não trabalhavam diretamente com a recorrente, o diretor adjunto do SATCEN referiu, no relatório do inquérito, que «[tinham sido] comunicadas as seguintes declarações: microgestão permanente fora da competência [de um agente de] grau A 4; falta de confiança conducente a contra verificações continuadas; críticas públicas de agentes independentemente das funções exercidas; divulgação de rumores sobre a inação de certos atores internos; amplificação de pequenos problemas; iniciativas desadequadas e, por vezes, incumprimento das decisões do diretor e do diretor adjunto».

215    Nos termos do relatório de investigação, o diretor adjunto do SATCEN deduziu desses elementos que estava «provado que o comportamento de [KF] [era] abusivo, intencional, repetitivo, duradouro ou sistemático, que se destinava a desacreditar ou diminuir as pessoas em causa», e que «esses comportamentos atribuídos a [KF] [estavam] confirmados e, considerando a sua natureza, frequência e efeitos relativamente a certos membros do pessoal, constitu[íam] assédio moral».

216    Ora, há que salientar, por um lado, que as conclusões do relatório de investigação, que consideram provada a materialidade dos factos constitutivos de assédio moral, estão redigidas em termos muito genéricos e imprecisos, referindo apenas categorias gerais de comportamentos imputados à recorrente, sem citar qualquer incidente preciso, o que dificultava à recorrente o exercício dos seus direitos de defesa. Por outro lado, a recorrente dispôs de um prazo inferior a 48 horas para apresentar as suas observações sobre o relatório, que tinha por objeto factos particularmente graves que lhe eram imputados e concluía um inquérito iniciado vários meses antes. Nestas condições, não se pode considerar que o SATCEN tenha ouvido devidamente a recorrente antes de o diretor do SATCEN retirar as suas conclusões para efeitos do relatório de investigação.

217    A recorrente tem, portanto, razão em queixar‑se de uma violação pelo SATCEN da regra segundo a qual o diretor do SATCEN só pode extrair conclusões de um inquérito administrativo depois de o agente em causa ter sido, prévia e devidamente, ouvido, prevista no artigo 1.o, n.o 1, e no artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN (v. n.os 171 e 172, supra), regra que constitui uma aplicação específica do princípio geral da proteção dos direitos de defesa, de resto consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta (v. n.o 177, supra).

iv)    Quanto ao acesso da recorrente aos documentos do processo do inquérito administrativo em tempo útil

218    Segundo a recorrente, os documentos do processo de inquérito nos quais o diretor do SATCEN se baseou para adotar a decisão de abertura de um processo disciplinar só lhe foram comunicados em outubro de 2013, ou seja, posteriormente à adoção efetiva dessa decisão, em 5 de julho de 2013. Assim, a recorrente não dispunha de informações suficientes para identificar as acusações de que era alvo, nem para lhes responder utilmente, de modo que a decisão de abertura de um processo disciplinar infringia o artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

219    No caso em apreço, é preciso observar que, como resulta da ata da reunião de 5 de julho de 2013, e como o SATCEN reconheceu na audiência, os documentos referidos no relatório de investigação administrativo não foram transmitidos à recorrente antes da adoção, no mesmo dia, da decisão de abertura de um processo disciplinar que concluía a fase de inquérito administrativo.

220    Com efeito, nos termos dessa ata, o diretor do SATCEN considerou que a recorrente não podia, nessa fase, ter acesso aos questionários preenchidos e assinados pelos agentes do SATCEN devido às regras de proteção dos dados pessoais e ao receio de represálias sobre os agentes que tivessem testemunhado.

221    A este propósito, é certo que foi decidido que a Administração está obrigada, no quadro de um inquérito administrativo realizado na sequência de uma queixa, a ponderar dois direitos que podem ser contraditórios, a saber, o direito de a pessoa visada na queixa de exercer os seus direitos de defesa e o direito do queixoso a que a sua queixa seja tratada corretamente, sendo que esse direito do queixoso se traduz num dever de confidencialidade que incumbe à Administração, por força do qual esta é obrigada a abster‑se de qualquer ação suscetível de comprometer os resultados do inquérito (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Donati/BCE, F‑63/09, EU:F:2012:193, n.o 171).

222    No entanto, essa ponderação de direitos contraditórios não tinha de ser feita no presente caso, na medida em que os resultados do inquérito administrativo já tinham sido obtidos, de modo que o seu bom desenrolar não seria comprometido pela divulgação dos depoimentos à recorrente. É, aliás, a razão pela qual o artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê, em termos claros e incondicionais, que o diretor do SATCEN tem a obrigação de comunicar à pessoa sujeita a inquérito todos os documentos do processo entre a conclusão desse inquérito e a adoção da decisão de abertura de um processo disciplinar (v. n.o 172, supra).

223    Em qualquer caso, mesmo admitindo que o dever de confidencialidade da Administração pudesse justificar uma restrição dos direitos de defesa da recorrente, o diretor do SATCEN nem sequer equacionou facultar‑lhe o acesso aos depoimentos em causa, após os ter tornado anónimos. Ora, essa possibilidade foi expressamente prevista pelo diretor adjunto do SATCEN, que, ao enviar o questionário aos agentes do SATCEN, destinatários no âmbito do inquérito, teve o cuidado de referir: «a primeira página contém o seu nome, data e assinatura (investigador e testemunha) e pode ser totalmente separada do questionário em si […], se necessário, para proteger a testemunha».

224    Atendendo ao exposto, a recorrente tem razão quando alega que, ao não lhe comunicar os documentos do processo antes de adotar a decisão de abertura de um processo disciplinar, o diretor do SATCEN violou o seu direito de acesso ao processo, previsto no artigo 41.o, n.o 2, da Carta, e recordado no artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN (v. n.os 172 e 177, supra).

2)      Quanto às consequências da irregularidade do inquérito administrativo

225    Segundo jurisprudência constante, para que uma irregularidade processual possa justificar a anulação de um ato, é necessário que, na falta dessa irregularidade, o processo pudesse ter tido um resultado diferente (v. Acórdão de 18 de setembro de 2015, Wahlström/Frontex, T‑653/13 P, EU:T:2015:652, n.o 21 e jurisprudência referida). No âmbito dessa análise, foi declarado que era preciso tomar em conta todas as circunstâncias concretas e, nomeadamente, a natureza das acusações e a dimensão das irregularidades processuais cometidas relativamente às garantias de que o funcionário pôde beneficiar (v. Acórdão de 15 de abril de 2015, Pipiliagkas/Comissão, F‑96/13, EU:F:2015:29, n.o 65 e jurisprudência referida).

226    No caso em apreço, verificou‑se, no âmbito da apreciação do mérito da primeira parte do primeiro fundamento e da primeira parte do segundo fundamento, que, na condução do inquérito administrativo instaurado contra a recorrente, o SATCEN, por um lado, incumpriu sua obrigação de conduzir o inquérito administrativo com cuidado e imparcialidade e, por outro, violou os direitos da recorrente de ser ouvida e de acesso ao processo.

227    Como recordado nos n.os 171 a 173, supra, o processo disciplinar previsto no anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN prevê duas fases distintas. A primeira fase consiste na realização de um inquérito administrativo diligente e imparcial, iniciado por decisão do diretor do SATCEN, seguida da redação de um relatório de investigação e encerrado, após audição do interessado sobre os factos que lhe são imputados, por conclusões extraídas do referido relatório. A segunda fase é constituída pelo processo disciplinar propriamente dito, iniciado pelo mesmo diretor com base nesse relatório de investigação, e consiste, ou na abertura de um processo disciplinar sem recurso ao Conselho de Disciplina, ou na consulta desse Conselho, com base num relatório elaborado pelo diretor do SATCEN em função das conclusões do inquérito e das observações apresentadas pela pessoa em causa em relação ao inquérito.

228    Daqui resulta que o inquérito administrativo condiciona o exercício pelo diretor do SATCEN de seu poder de apreciação sobre o seguimento a dar ao inquérito, que, in fine, pode levar à aplicação de uma sanção disciplinar. Com efeito, é com base nessa investigação e na audição do agente em causa que o diretor do SATCEN aprecia, primeiro, se deve ou não instaurar um processo disciplinar, segundo, se este deve, se for caso disso, consistir ou não na consulta do Conselho de Disciplina e, terceiro, quando inicie o processo no Conselho de Disciplina, os factos submetidos à apreciação do referido Conselho.

229    Assim, não sendo a competência do diretor do SATCEN uma competência vinculada, não se pode excluir que, se o inquérito administrativo tivesse sido conduzido com cuidado e imparcialidade, o referido inquérito poderia ter conduzido a uma apreciação inicial dos factos diferente e, assim, a consequências distintas, pelo que poderia ser tomada uma decisão menos severa do que a decisão de demissão da recorrente (v., por analogia, Acórdão de 14 de fevereiro de 2017, Kerstens/Comissão, T‑270/16 P, não publicado, EU:T:2017:74, n.o 82).

230    Além disso, ao não permitir que a recorrente fizesse valer utilmente o seu ponto de vista no termo do inquérito administrativo, o SATCEN privou‑a da possibilidade de convencer o diretor do SATCEN de que era possível outra apreciação inicial dos factos, determinante para a continuação do processo. Ora, não se pode admitir que, nas circunstâncias do caso em apreço, o diretor do SATCEN teria adotado a decisão de abertura de um processo disciplinar, que conduziu à adoção da decisão de demissão, se a recorrente tivesse podido fazer valer utilmente as suas observações sobre o relatório de investigação e sobre os documentos do processo de inquérito. Com efeito, essa solução levaria a esvaziar da sua substância o direito fundamental de ser ouvido e o direito fundamental de acesso ao processo, consagrados, respetivamente, no artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta, dado que o conteúdo em si destes direitos implica que o interessado tenha podido influenciar o processo decisório em causa (v. por analogia, Acórdão de 14 de setembro de 2011, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, EU:T:2011:465, n.o 115).

231    Atendendo ao exposto, o pedido da recorrente de anulação da decisão de demissão deve ser julgado procedente, sem que seja necessário examinar os restantes fundamentos invocados em seu apoio.

c)      Quanto à legalidade da decisão de suspensão

232    A recorrente contesta a legalidade da decisão de suspensão, invocando, em substância, três fundamentos, relativos, respetivamente, a violações do princípio da boa administração e da exigência de imparcialidade, dos seus direitos de defesa e do seu direito à presunção de inocência.

233    O Tribunal Geral considera oportuno começar por examinar o segundo fundamento, pelo qual a recorrente contesta o facto de a decisão de suspensão ter sido adotada quando não lhe tinha sido comunicado o conjunto dos documentos subjacentes às conclusões do inquérito administrativo. Esta falta de comunicação dos documentos do processo antes da adoção da decisão de suspensão viola os direitos de defesa da recorrente e o artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN.

234    A este respeito, importa referir que o artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, cuja violação é alegada pela recorrente, é relativo às conclusões que o diretor do SATCEN pode extrair de um inquérito administrativo, entre as quais não figura a suspensão de um agente, prevista no artigo 18.o do mesmo anexo. Assim, o argumento da falta de comunicação dos documentos do processo, em violação do artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, deve, na medida em que é dirigido contra a decisão de suspensão, ser afastado.

235    Não é menos verdade que a decisão de suspensão de um agente ao abrigo do artigo 18.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, a qual é adotada perante uma alegação de falta grave, constitui uma medida individual desfavorável que, consequentemente, deve ser adotada no respeito dos direitos de defesa, em especial o direito de ser ouvido. Assim, exceto em circunstâncias específicas devidamente comprovadas, uma decisão de suspensão só pode ser adotada depois de o agente em causa ter podido dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos que lhe são imputados e sobre os quais a autoridade competente prevê fundar essa decisão (v., por analogia, Acórdãos de 16 de dezembro de 2004, De Nicola/BEI, T‑120/01 e T‑300/01, EU:T:2004:367, n.o 123, e de 16 de dezembro de 2015, DE/EMA, F‑135/14, EU:F:2015:152, n.o 57).

236    A este respeito, por um lado, resulta das disposições do artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta que todas as pessoas têm direito a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial. Daqui decorre que um agente do SATCEN tem o direito de acesso a informações detidas pelo seu empregador que lhe permitam compreender o teor das alegações que justificam a suspensão, isto a fim de poder demonstrar, nomeadamente, que os atos visados não são da sua responsabilidade, que a sua gravidade não justifica uma decisão de suspensão, que não têm suficiente caráter de verosimilhança, ou que são manifestamente desprovidos de fundamento, de modo que a suspensão do agente em causa é ilegal (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2012, AX/BCE, F‑7/11 e F‑60/11, EU:F:2012:195, n.o 101). Por outro lado, para respeitar o direito de ser ouvido, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, é igualmente necessário que a Administração informe o agente em causa, com suficiente precisão, sobre as consequências que poderá retirar das informações em causa, na fase em que se pede ao interessado para apresentar as suas observações (Acórdão de 5 de outubro de 2016, ECDC/CJ, T‑395/15 P, não publicado, EU:T:2016:598, n.o 60).

237    No caso em apreço, por um lado, como salientado no n.o 219, supra, a decisão de suspensão, adotada ao mesmo tempo que a decisão de abertura de um processo disciplinar, e pelos mesmos factos, não foi precedida da transmissão à recorrente das informações pertinentes detidas pelo diretor do SATCEN, a saber, os anexos ao relatório de investigação. Diferentemente das circunstâncias do processo que deu origem ao Acórdão de 13 de dezembro de 2012, AX/BCE (F‑7/11 e F‑60/11, EU:F:2012:195), invocado pelo SATCEN, a não divulgação desses elementos não é, no presente caso, justificada pela necessidade de proteger a eficácia do inquérito administrativo, na medida em que, no momento da adoção da decisão de suspensão, o diretor adjunto do SATCEN tinha concluído a sua investigação e remetido o seu relatório de investigação ao diretor do SATCEN.

238    Por outro lado, não resulta dos documentos dos autos que o diretor tenha comunicado à recorrente, antes da adoção da decisão de suspensão, a sua intenção de tomar tal decisão a seu respeito. Com efeito, a mensagem de correio eletrónico de 3 de julho de 2013, através da qual o referido diretor convidou a recorrente para uma audição, visava unicamente o artigo 2.o do anexo IX do Estatuto do Pessoal do SATCEN, relativo às consequências disciplinares a retirar na sequência de um inquérito administrativo relativo a um agente, e não à suspensão deste último.

239    Daqui resulta que, ao não informar a recorrente sobre a medida de suspensão equacionada e ao não lhe comunicar os elementos para os quais o relatório de investigação remetia, o SATCEN violou o seu direito a ser ouvida e o seu direito de acesso ao processo, consagrados no artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta.

240    Como salientado no n.o 230, supra, o direito de ser ouvido e o direito de acesso ao processo, consagrados no artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta, implicam que o interessado tenha tido a possibilidade de influenciar o processo decisório em causa. Consequentemente, sob pena de esvaziar a substância dos direitos fundamentais, não se pode excluir que, se tivesse tido acesso aos documentos subjacentes à decisão de suspensão, e se tivesse sido informada em tempo útil de que o diretor do SATCEN previa a adoção de tal decisão, a recorrente podia ter influenciado o conteúdo da decisão do diretor do SATCEN.

241    Consequentemente, o fundamento relativo à violação dos direitos de defesa da recorrente na adoção da decisão de suspensão deve ser acolhido e, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 225, supra, determinar a anulação da decisão de suspensão, sem que seja necessário examinar os restantes fundamentos invocados pela recorrente.

2.      Quanto ao pedido de indemnização

242    Em apoio do seu pedido de indemnização, a recorrente invoca a ilegalidade das decisões impugnadas. Por um lado, essas decisões causaram‑lhe danos materiais correspondentes à perda dos salários, emolumentos e direitos que teria recebido entre a data em que a sua demissão produziu efeitos e a data do termo do seu contrato. Por outro lado, essas decisões causaram‑lhe danos morais consistentes, em substância, em distúrbios psicológicos e numa ofensa à sua integridade profissional, cujo montante global avalia em 500 000 euros.

243    Segundo jurisprudência assente, a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, por comportamento ilícito dos seus órgãos, está sujeita à verificação de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o dano invocado (Acórdão de 28 de abril de 1971, Lütticke/Comissão, 4/69, EU:C:1971:40, n.o 10; v., igualmente, Acórdãos de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 106 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, C‑419/08 P, EU:C:2010:147, n.o 40 e jurisprudência referida).

244    Importa, portanto, verificar se, no caso em apreço, se verificam estes requisitos da responsabilidade extracontratual da União.

a)      Quanto à ilegalidade do comportamento imputado ao SATCEN

245    No que se refere requisito da ilegalidade do comportamento imputado à instituição, resulta de jurisprudência assente que, quando atua como empregador, a União está sujeita a uma responsabilidade acrescida, que se manifesta na obrigação de reparar os danos causados ao seu pessoal pelas ilegalidades cometidas na sua qualidade de empregador. Com efeito, diferentemente dos demais particulares, o funcionário ou o agente da União está vinculado à instituição, ao órgão ou ao organismo de que depende por uma relação jurídica laboral que comporta um equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocos específicos, que, no essencial, se destina a preservar a relação de confiança que deve existir entre a Administração e os seus funcionários e agentes para garantir aos cidadãos o correto cumprimento das missões de interesse geral atribuídas às instituições, aos órgãos e aos organismos da União (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, Comissão/Petrilli, T‑143/09 P, EU:T:2010:531, n.o 46, e de 12 de julho de 2012, Comissão/Nanopoulos, T‑308/10 P, EU:T:2012:370, n.o 103).

246    Embora a jurisprudência recordada no n.o 245, supra, tenha sido desenvolvida no contexto dos recursos interpostos ao abrigo do artigo 270.o TFUE e dos artigos 90.o e 91.o do Estatuto, há que a aplicar, mutatis mutandis, no caso vertente. Com efeito, tal como no Estatuto, as disposições do Estatuto do Pessoal do SATCEN incluem um equilíbrio de direitos e obrigações recíprocos específicos relativos aos agentes contratuais do SATCEN, concebido para garantir o correto cumprimento da missão de interesse geral de que o SATCEN está investido.

247    Consequentemente, no caso em apreço, a mera constatação de uma ilegalidade cometida pelo SATCEN é suficiente para considerar verificado o primeiro dos três requisitos necessários à responsabilidade da União.

248    A este respeito, resulta da análise dos pedidos de anulação da recorrente, que servem de base ao seu pedido de indemnização, que a decisão de suspensão, a decisão de demissão e a decisão da Comissão de Recursos padecem todas de ilegalidades suscetíveis de determinar a sua anulação. Assim, ao adotar essas decisões, o SATCEN cometeu um ato ilícito suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual da União, desde que demonstrada a existência de um dano real e certo e estabelecido um nexo de causa e efeito suficientemente direto entre esse dano e esse ato.

b)      Quanto aos danos e ao nexo de causalidade

1)      Quanto aos danos materiais e ao nexo de causalidade

249    A recorrente solicita a indemnização dos danos materiais que as decisões impugnadas lhe causaram, correspondentes ao montante da remuneração a que teria direito se tivesse permanecido em funções no SATCEN entre a data da sua exoneração e a data do termo do seu contrato de trabalho.

250    A este respeito, é verdade que, no presente acórdão, o Tribunal Geral declara a anulação da decisão de demissão, através da qual se pôs termo ao contrato do recorrente. No entanto, em conformidade com o artigo 266.o TFUE, compete ao SATCEN tomar as medidas necessárias à execução do acórdão de que é destinatário. Assim, sem antecipar as referidas medidas de execução, o Tribunal Geral não está em condições de concluir que a anulação da decisão de demissão implica necessariamente o direito da recorrente ao pagamento das quantias que reclama, de modo que o pedido de indemnização deve, a este respeito, ser julgado prematuro (v., por analogia, Acórdãos de 17 de outubro de 2013, BF/Tribunal de Contas, F‑69/11, EU:F:2013:151, n.o 75 e jurisprudência referida, e de 22 de maio de 2014, CU/CESE, F‑42/13, EU:F:2014:106, n.o 56).

251    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, para dar cumprimento ao acórdão de anulação e executá‑lo plenamente, a instituição de que emana o ato anulado é obrigada a tomar as medidas necessárias para anular os efeitos das ilegalidades declaradas, o que, no caso de um ato que já foi executado, implica colocar o recorrente na situação jurídica em que se encontrava antes desse ato (v., neste sentido, Acórdão de 31 de março de 2004, Girardot/Comissão, T‑10/02, EU:T:2004:94, n.o 84 e jurisprudência referida).

252    O artigo 266.o TFUE também obriga a instituição em causa a evitar que qualquer ato destinado a substituir o ato anulado enferme das mesmas irregularidades que as identificadas no acórdão de anulação (v. Acórdão de 13 de setembro de 2005, Recalde Langarica/Comissão, T‑283/03, EU:T:2005:315, n.o 51 e jurisprudência referida).

253    Por último, caso a execução do acórdão de anulação apresente dificuldades específicas, a instituição em causa pode adotar decisões suscetíveis de compensar de forma equitativa o dano causado à pessoa em causa pela decisão anulada e pode, neste contexto, estabelecer um diálogo com a mesma para tentar chegar a um acordo que lhe atribua uma compensação equitativa da ilegalidade de que foi vítima (v. Acórdão de 24 de junho de 2008, Andres e o./BCE, F‑15/05, EU:F:2008:81, n.o 132 e jurisprudência referida).

254    Resulta do exposto que o Tribunal Geral não está em condições de conceder uma indemnização à recorrente, sem conhecer as medidas tomadas pelo SATCEN em execução do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de junho de 2006, Pérez‑Díaz/Comissão, T‑156/03, EU:T:2006:153, n.o 76 e jurisprudência referida, e de 5 de fevereiro de 2016, GV/SEAE, F‑137/14, EU:F:2016:14, n.o 94 e jurisprudência referida).

2)      Quanto aos danos morais e ao nexo de causalidade

255    A recorrente solicita a indemnização dos danos morais que sofreu devido à adoção das decisões impugnadas, que lhe causaram distúrbios psicológicos e uma ofensa à sua integridade profissional, reputação, perspetivas de carreira e capacidade de trabalho.

256    A este respeito, cabe recordar que, segundo a jurisprudência, a anulação de um ato ferido de ilegalidade pode constituir, em si mesma, reparação adequada e, em princípio, suficiente de todo o dano moral que esse ato possa ter causado, a não ser que o recorrente demonstre ter sofrido um dano moral separável da ilegalidade que justificou a anulação e que é insuscetível de ser integralmente reparado por essa anulação (v. Acórdão de 19 de julho de 2017, DD/FRA, T‑742/15 P, não publicado, EU:T:2017:528, n.o 72 e jurisprudência referida).

257    No caso em apreço, há que observar que a anulação da decisão de suspensão e da decisão de demissão não é suscetível de reparar os danos morais sofridos pela recorrente, causados pelas ilegalidades de que enfermam as referidas decisões.

258    Com efeito, em primeiro lugar, a recorrente foi alvo de um inquérito administrativo cujo resultado justificou tanto a decisão de suspensão como a decisão de abertura de um processo disciplinar, que conduziu à adoção da decisão de demissão. Ora, por um lado, o relatório do inquérito administrativo punha em causa o comportamento da recorrente de modo muito geral. Por outro lado, a recorrente beneficiou de um prazo demasiado limitado para apresentar as suas observações sobre esse relatório e os documentos que constituíam o cerne desse inquérito, que lhe foram divulgados vários meses após a decisão de abertura de um processo disciplinar. Assim, a recorrente sofreu de distúrbios psicológicos relacionados com o seu estado de incerteza quanto aos factos precisos que lhe eram imputados, não obstante a presumível gravidade dos mesmos, que eram expressamente qualificados de assédio moral.

259    Em segundo lugar, ao difundir junto de outros agentes do SATCEN um «questionário sobre o assédio moral», onde a recorrente era nomeada, e ao associá‑lo a categorias de comportamentos suscetíveis de caracterizar assédio moral, quando não tinha sido ouvida na sequência do inquérito administrativo e antes de o diretor do SATCEN decidir a sua suspensão, o SATCEN cometeu uma ofensa particularmente grave à honra e à reputação profissional da recorrente.

260    Em contrapartida, as pretensões da recorrente de indemnização de danos resultantes de uma situação de assédio moral a seu respeito devem ser julgadas improcedentes. Com efeito, com esse pedido, a recorrente pretende obter um resultado idêntico ao que teria obtido com a procedência do seu pedido de anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de assistência devido a uma situação de assédio moral a seu respeito, que foi julgado inadmissível (v. n.o 138, supra). A este respeito, é jurisprudência constante que os pedidos de reparação de um dano devem ser indeferidos quando apresentem uma relação estreita com pedidos de anulação que tenham sido, eles próprios, indeferidos (v. Acórdão de 9 de setembro de 2010, Carpent Languages/Comissão, T‑582/08, não publicado, EU:T:2010:379, n.o 84 e jurisprudência referida).

261    Resulta do exposto que a recorrente sofreu danos morais resultantes de um estado de incerteza quanto aos factos que lhe eram imputados e de uma ofensa à sua honra e à sua reputação profissional. Há que decidir ex aequo et bono que uma indemnização de 10 000 euros constitui reparação adequada desses danos e, por conseguinte, condenar o SATCEN a pagar este montante à recorrente.

 Quanto às despesas

262    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

263    Resulta dos fundamentos acima expostos que o SATCEN é, no essencial, a parte vencida, e que, portanto, deve ser condenado nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente neste sentido.

264    Em contrapartida, deve ser indeferido o pedido da recorrente no sentido de que a condenação do SATCEN nas despesas seja acompanhada de uma obrigação de pagamento de juros de mora. Com efeito, tal pedido é prematuro e só pode ser decidido, se for caso disso, no âmbito de um processo de fixação de despesas.

265    Por outro lado, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. Assim, enquanto instituição interveniente, o Conselho suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      A decisão da Comissão de Recursos do Centro de Satélites da União Europeia (SATCEN) de 26 de janeiro de 2015 é anulada.

2)      A decisão do diretor do SATCEN de 5 de julho de 2013 de suspensão de KF é anulada.

3)      A decisão do diretor do SATCEN de 28 de fevereiro de 2014 de demissão de KF é anulada.

4)      O SATCEN é condenado a pagar a KF a quantia de 10 000 euros a título de reparação dos danos morais que sofreu.

5)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

6)      O SATCEN é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por KF.

7)      O Conselho da União Europeia suportará as suas próprias despesas.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de outubro de 2018.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Quanto ao Centro de Satélites da União Europeia

B. Factos na origem do litígio e decisões impugnadas

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto à competência do Tribunal Geral

B. Quanto à admissibilidade

1. Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo ao vínculo laboral entre a recorrente e o SATCEN

2. Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo à natureza contratual do presente litígio

3. Quanto ao fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo SATCEN contra o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de assistência

4. Quanto ao fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo SATCEN contra o pedido de anulação da decisão de abertura de um processo disciplinar

5. Quanto ao fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo SATCEN contra os argumentos dirigidos contra o processo no Conselho de Disciplina

C. Quanto ao mérito

1. Quanto aos pedidos de anulação

a) Quanto à legalidade da decisão da Comissão de Recursos

b) Quanto à legalidade da decisão de demissão

1) Quanto à regularidade do inquérito administrativo

i) Quanto à escolha do investigador

ii) Quanto à utilização de um questionário de escolha múltipla relativo à recorrente no âmbito do inquérito administrativo

iii) Quanto à falta de associação da recorrente ao inquérito administrativo

iv) Quanto ao acesso da recorrente aos documentos do processo do inquérito administrativo em tempo útil

2) Quanto às consequências da irregularidade do inquérito administrativo

c) Quanto à legalidade da decisão de suspensão

2. Quanto ao pedido de indemnização

a) Quanto à ilegalidade do comportamento imputado ao SATCEN

b) Quanto aos danos e ao nexo de causalidade

1) Quanto aos danos materiais e ao nexo de causalidade

2) Quanto aos danos morais e ao nexo de causalidade

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.