Language of document : ECLI:EU:T:2001:251

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

18 de Outubro de 2001 (1)

«Funcionários - Agentes do Banco Central Europeu - Competência do Tribunal de Primeira Instância - Legalidade das condições de trabalho - Direito de defesa - Despedimento - Assédio - Utilização abusiva da Internet»

No processo T-333/99,

X, residente em Francoforte do Meno (Alemanha), representado por N. Pflüger, R. Steiner e S. Mittländer, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu, representado por C. Zilioli e V. Saintot, na qualidade de agentes, assistidas por B. Wägenbaur, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão Executiva do Banco Central Europeu, de 9 de Novembro de 1999, pela qual manteve a suspensão do recorrente e ordenou a retenção de metade do seu salário de base e da decisão de 18 de Novembro de 1999, pela qual ordenou o despedimento do recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, K. Lenaerts e M. Jaeger, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Fevereiro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1.
    O protocolo relativo aos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu (BCE), anexo ao Tratado CE (a seguir «Estatutos do SEBC»), contém, entre outras, as seguintes disposições:

«Artigo 12.°

[...]

12.3    O Conselho do BCE adoptará um regulamento interno, que determinará a organização interna do BCE e dos seus órgãos de decisão.

[...]

Artigo 36.°

Pessoal

36.1    O Conselho do BCE, sob proposta da Comissão Executiva, definirá o regime aplicável ao pessoal do BCE.

36.2    O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre todo e qualquer litígio entre o BCE e os seus agentes nos limites e condições previstos no regime que a estes é aplicável.»

2.
    Com fundamento no artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC, o Conselho de Governadores adoptou as Conditions of Employment for Staff of the European Central Bank (condições de trabalho aplicáveis ao pessoal do Banco Central Europeu, a seguir «condições de trabalho»), que prevêem, designadamente, na versão aplicável aos factos do presente processo:

«4.    a)    Os agentes do Banco Central Europeu devem exercer as suas funções em consciência e sem terem em conta os seus interesses pessoais. Devem orientar o seu comportamento de acordo com as funções que lhes foram atribuídas e com o estatuto do BCE como instituição da Comunidade.

[...]

9.    a)    As relações de trabalho entre o BCE e os seus agentes regem-se por contratos de trabalho celebrados em conformidade com as presentes condições de trabalho. As Staff Rules (regras aplicáveis ao pessoal, a seguir 'estatuto do pessoal') adoptadas pela Comissão Executiva, precisam as modalidades destas condições de trabalho.

[...]

    c)    As condições de trabalho não se regem por nenhuma ordem jurídica nacional específica. O BCE aplica i) os princípios gerais do direito comum aos Estados-Membros, ii) os princípios gerais do direito comunitário (CE) e iii) as regras contidas nos regulamentos e directivas (CE) respeitantes à política social dirigidas aos Estados-Membros. Sempre que se torne necessário, estes actos jurídicos serão aplicados pelo BCE. Serão tidas em devida conta a este propósito as recomendações (CE) em matéria de política social. Para a interpretação dos direitos e obrigações previstos pelas presentes condições de trabalho, o BCE tomará em devida conta os princípios consagrados pelos regulamentos, regras e jurisprudência que se apliquem ao pessoal das instituições comunitárias.

10.    a)    Os contratos de trabalho entre o BCE e os seus agentes revestem a forma de cartas de contratação que serão co-assinadas pelos agentes. As cartas de contratação contêm os elementos do contrato definidospela Directiva 91/533/CEE do Conselho, de 14 de Outubro de 1991. [...]

[...]

11.    a)    O BCE pode pôr termo aos contratos celebrados com os seus agentes, com base numa decisão fundamentada da Comissão Executiva, em conformidade com o processo definido no estatuto do pessoal e com os fundamentos seguintes:

        i)    Em caso de insuficiência profissional persistente. Quando for baseada neste fundamento, a rescisão de um contrato pelo BCE deve ser anunciada com um pré-aviso de três meses e dará lugar a uma indemnização de despedimento de um mês de vencimento por cada ano de serviço prestado, sem poder exceder 12 meses. A Comissão Executiva pode dispensar um agente do serviço no decurso do período de pré-aviso;

        ii)    Em caso de redução de efectivos. [...]

        iii)    Por razões disciplinares.

[...]

41.    Os membros do pessoal podem, recorrendo ao processo previsto no estatuto do pessoal, submeter à administração, com vista à apreciação pré-contenciosa, queixas e reclamações que esta apreciará sob o ponto de vista da coerência dos actos tomados em cada caso individual à luz da política de pessoal e das condições de trabalho do BCE. Os membros do pessoal que não tenham obtido satisfação na sequência da apreciação administrativa pré-contenciosa, podem recorrer ao processo de reclamação previsto no estatuto do pessoal.

    Os procedimentos acima referidos não podem ser utilizados para impugnar:

        i)    qualquer decisão do Conselho de Governadores ou qualquer directiva interna do BCE, incluindo qualquer directiva fixada nas condições gerais de trabalho ou no estatuto do pessoal,

        ii)    qualquer decisão para a qual existam processos específicos de recurso, ou

        iii)    qualquer decisão de não confirmar a nomeação de um membro do pessoal que tenha a qualidade de estagiário.

42.    Depois de se esgotarem os procedimentos internos disponíveis, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias terá competência para qualquer litígio que oponha o BCE a um membro ou a um antigo membro do seu pessoal ao qual se apliquem as presentes condições de trabalho.

    Essa competência limita-se à apreciação da legalidade da medida ou da decisão, salvo se o litígio for de natureza financeira, caso em que o Tribunal de Justiça tem competência de plena jurisdição.

43.    Em caso de incumprimento das suas obrigações para com o BCE, os agentes do BCE podem ser alvo, consoante os casos, de sanções disciplinares, da forma seguinte:

        i)    uma advertência, feita por um membro da Comissão Executiva;

        ii)    mediante decisão da Comissão Executiva:

        -    uma redução temporária do vencimento;

        -    uma transferência ou uma mudança de afectação do agente no seio do BCE;

        -    uma redução permanente do vencimento;

        -    o despedimento.

    As medidas disciplinares devem ser proporcionadas à gravidade das faltas à disciplina e devem ser declarados os fundamentos que estão na base da decisão. Essas medidas são adoptadas em conformidade com o processo definido no estatuto do pessoal. O referido processo deve velar por que a nenhum agente seja aplicada uma sanção disciplinar sem, previamente, lhe ter sido dada a possibilidade de responder às acusações.

44.    Em caso de falta grave imputada a um agente pela direcção do BCE, quer se trate de uma falta às obrigações de serviço ou de uma infracção de direito comum, a Comissão Executiva pode decidir suspender o agente das suas funções com efeito imediato.

    A decisão deve esclarecer se o agente conserva, durante o tempo em que está suspenso, o benefício da sua remuneração, total ou parcialmente. Em caso de retenção parcial, esta não pode ser superior a metade do vencimento de base do agente.

    Se, nos quatro meses seguintes à suspensão, a situação do agente suspenso ainda não tiver sido definitivamente decidida ou se a este último apenastiver sido feita uma advertência, o interessado tem direito ao reembolso dos montantes retidos a título de suspensão.

    Todavia, quando o agente é alvo de procedimento penal pelos mesmos factos, a sua situação só será definitivamente decidida depois de a decisão proferida pelo órgão jurisdicional competente se tornar definitiva.

45.    Um comité de pessoal, cujos membros são eleitos por escrutínio secreto, está incumbido de representar os interesses gerais de todos membros do pessoal em matéria de contratos de trabalho, de regulamentações aplicáveis ao pessoal e de remunerações; de condições de recrutamento, de trabalho, de saúde e de segurança no BCE; de cobertura social e de regimes de pensão.

46.    O comité de pessoal será consultado antes de qualquer modificação das presentes condições de trabalho, do estatuto do pessoal e de quaisquer questões que se relacionem com ele, tal como definidas no artigo 45.° anterior.

47.    Em caso de litígio de natureza individual, o agente tem o direito de pedir a assistência de um representante do pessoal nos procedimentos internos.»

3.
    Com fundamento no artigo 12.3 dos Estatutos do SEBC, o Conselho de Governadores adoptou o Regulamento interno do Banco Central Europeu (JO L 125, p.34), que dispõe, designadamente:

«Artigo 11.°

Pessoal do BCE

[...]

11.2    Sem prejuízo do disposto nos artigos 36.° e 47.° dos Estatutos, a Comissão Executiva instituirá regras de organização (a seguir designadas por 'circulares administrativas'). Tais regras serão obrigatórias para o pessoal do BCE.

[...]

Artigo 21.°

Regime aplicável ao pessoal

21.1    As relações de trabalho entre o BCE e os seus funcionários são determinadas pelo regime aplicável ao pessoal e pelo estatuto do pessoal.

21.2    O regime aplicável ao pessoal é aprovado e alterado pelo Conselho do BCE mediante proposta da Comissão Executiva. O Conselho-Geral deverá ser consultado de acordo com o procedimento previsto no presente regulamento interno.

21.3    O regime aplicável ao pessoal é aplicado através do estatuto do pessoal que é adoptado e alterado pela Comissão Executiva.

21.4    O comité de pessoal deverá ser consultado antes da aprovação de um novo regime aplicável ao pessoal ou do estatuto do pessoal. Os seus pareceres são apresentados, respectivamente, ao Conselho ou à Comissão Executiva.»

4.
    Com fundamento no artigo 21.3 do regulamento interno do BCE e do artigo 9.°, alínea a), das condições de trabalho, a Comissão Executiva do BCE adoptou as European Central Bank Staff Rules (a seguir «estatuto do pessoal»), que prevêem nomeadamente:

«8.3.2    Quando a Comissão Executiva decida despedir um agente, o despedimento tem efeitos a partir do dia da suspensão. O agente em questão conserva o benefício dos montantes que lhe foram pagos no decurso do período de suspensão.»

5.
    Em 12 de Novembro de 1998, o BCE adoptou a circular administrativa n.° 11/98, intitulada «ECB Internet Usage Policy» (a seguir «circular n.° 11/98»), definindo as regras que disciplinam a utilização pelo pessoal dos computadores que permitem a ligação à Internet e que permitem receber e enviar correio electrónico, que prevê nomeadamente:

«3.1    Os serviços Internet fornecidos pelo BCE destinam-se a fins de serviço.»

Factos na origem do litígio

6.
    O recorrente, que tinha sido agente do Instituto Monetário Europeu (IME), entrou ao serviço do BCE em 1 de Julho de 1998. Foi colocado nos arquivos do BCE, onde ocupava o posto de trabalho de documentalista. O seu posto de trabalho estava equipado com um computador que, como todos os outros computadores do BCE, estava ligado a um servidor central. Em Novembro de 1998, o computador do recorrente foi equipado de forma a permitir-lhe a ligação à Internet e enviar e receber correio electrónico.

7.
    Em Agosto de 1999, na sequência de um protesto de um dos colegas de trabalho do recorrente, a direcção do pessoal abriu um inquérito interno.

8.
    Em 18 de Outubro de 1999, a administração do BCE informou o recorrente da abertura de um processo disciplinar contra ele e do facto de que a Comissão Executiva do BCE tinha decidido, no mesmo dia, suspendê-lo das suas funções, com fundamento no artigo 44.° das condições de trabalho, com manutenção da totalidade do seu vencimento de base. Informou também o recorrente de que sobre ele incidia a suspeita, em primeiro lugar, de ter adquirido de forma repetida, através da Internet, documentos de carácter pornográfico e político e de os ter enviado a terceiros por correio electrónico. Em segundo lugar, suspeitava-se que ele tinha importunado o colega de trabalho, autor do protesto, nomeadamente enviando-lhe numerosas mensagens electrónicas de conteúdo pornográfico e/ou ideologicamente extremista, se bem que este colega tivesse claramente manifestado a sua reprovação.

9.
    Seguidamente, a direcção do pessoal, em colaboração com a direcção competente e com o Serviço Jurídico do BCE, ouviu uma série de testemunhas. Além disso, foram efectuadas algumas verificações no que respeita aos sítios consultados na Internet pelo recorrente e às mensagens electrónicas enviadas por ele. O computador do recorrente foi desligado da rede do BCE e selado.

10.
    Em 28 de Outubro de 1999, a direcção do pessoal do BCE transmitiu ao advogado do recorrente três pastas de arquivo contendo cerca de 900 páginas de documentos considerados como provas pelo recorrido, bem como um CD-ROM no qual foram gravadas as imagens pornográficas e as montagens de imagens procedentes da Internet, que o recorrente tinha difundido por correio electrónico no interior e no exterior do BCE no decurso do período em que esteve sujeito a controlo informático.

11.
    Em 3 de Novembro de 1999, o recorrente, assistido pelo seu advogado, por um membro do comité de pessoal e, a seu pedido, por um intérprete, foi ouvido pelos membros da direcção do pessoal, da divisão a que pertence e do Serviço Jurídico do BCE. Foi elaborada uma acta dessa audição. O advogado do recorrente contestou a regularidade da suspensão de 18 de Outubro de 1999 e suscitou a ilegalidade, respectivamente, da circular n.° 11/98 e das condições em que os elementos de prova contra o seu constituinte tinham sido obtidos.

12.
    Em 8 de Novembro de 1999, a administração emitiu um parecer fundamentado sobre o processo disciplinar instaurado contra o recorrente, a fim de levar ao conhecimento da Comissão Executiva do BCE os factos, as provas e a qualificação jurídica proposta na sequência deste processo.

13.
    Aí se concluía que o recorrente tinha, em primeiro lugar, assediado um colega de trabalho enviando-lhe, não obstante os protestos deste último, por correio electrónico, mensagens de conteúdo pornográfico e/ou ideologicamente extremista, recusando-se a respeitar o ambiente de trabalho deste, provocando-o por gestos de carácter sexual, insinuando que este colega era homossexual e ameaçando-o de agressão. Em segundo lugar, que o recorrente, em virtude destes actos, tinhaenvenenado o ambiente de trabalho no gabinete que partilhava com outros empregados do BCE. Em terceiro lugar, que o recorrente tinha abusado dos instrumentos de trabalho, neste caso, ao fazer uso com carácter não profissional da Internet e do correio electrónico em proporções não razoáveis e intoleráveis. Em quarto lugar, que o recorrente violara a sua obrigação de se comportar com dignidade na execução do seu contrato de trabalho, consultando sítios na Internet e enviando por correio electrónico mensagens de carácter pornográfico ou relativas a comportamentos de natureza provavelmente criminosa. Estas mensagens são inaceitáveis segundo o senso comum e, a fortiori, para um membro da função pública comunitária. Em quinto lugar, que o recorrente prejudicara a imagem e a credibilidade do BCE, por um lado, ao enviar para o exterior, a coberto do endereço deste último, mensagens electrónicas contendo documentos de carácter pornográfico ou relativos a comportamentos de natureza provavelmente criminosa e, por outro, ao consultar sob o nome do BCE sítios de uso não profissional.

14.
    No seu parecer fundamentado, a administração qualificou estes factos como violações de princípios fundamentais que protegem a dignidade das pessoas no trabalho, previstos no artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho e no artigo 3.1 da circular n.° 11/98. Tendo considerado que os factos provados contra o recorrente eram graves, propunha à Comissão Executiva o seu despedimento.

15.
    Em 9 de Novembro de 1999, o BCE transmitiu ao advogado do recorrente uma cópia do parecer fundamentado com os seus quatro anexos.

16.
    O advogado do recorrente apresentou observações sobre o parecer fundamentado por cartas de 9 e 10 de Novembro de 1999, redigidas em língua alemã. Explicava, na sua carta de 9 de Novembro de 1999, que o regime disciplinar previsto pelas condições de trabalho era desprovido de base legal e violava os princípios gerais comunitários e os princípios comuns aos Estados-Membros bem como o princípio nulla poena sine lege. Na sua carta de 10 de Novembro de 1999, observava essencialmente, em primeiro lugar, que as censuras feitas ao recorrente não estavam suficientemente circunstanciadas para lhe permitir tomar posição; em segundo lugar, que o recorrente contestava os factos, salvo a existência de um clima tenso entre ele e o colega que estava na origem do protesto; que, nomeadamente, não era feita prova de que o recorrente era a única pessoa que tinha acesso ao computador que lhe estava distribuído; em terceiro lugar, que, supondo que os factos estivesse fundamentados, o BCE violara o princípio da proporcionalidade, não tendo advertido o recorrente antes de instaurar um processo disciplinar a fim de lhe dar a possibilidade de corrigir o seu comportamento.

17.
    Em 9 de Novembro de 1999, a Comissão Executiva do BCE decidiu, à luz do processo disciplinar em curso, manter a suspensão do recorrente e reter, a partir de 10 de Novembro de 1999, metade do seu vencimento de base, em conformidade com o artigo 44.° das condições de trabalho (a seguir «decisão de 9 de Novembro de 1999»).

18.
    Em 10 de Novembro de 1999, o advogado do recorrente pediu a apreciação administrativa pré-contenciosa («administrative review») desta decisão, com o fundamento de o regime disciplinar previsto pelas condições de trabalho ser ilegal.

19.
    Em 12 de Novembro de 1999, a administração do BCE informou o advogado do recorrente de que, ao redigir as suas cartas de 9 e 10 de Novembro de 1999 em alemão, ignorara que a língua que devia ser utilizada nos relatórios e comunicações entre o empregado e o BCE era a língua inglesa. Todavia, com a preocupação de evitar um atraso do processo, o BCE afirmou o seu acordo em aceitar esta correspondência, sem que esta decisão pudesse ser considerada como um precedente.

20.
    Em 15 de Novembro de 1999, o advogado do recorrente enviou, em resposta a essa carta, uma carta ao presidente do BCE, redigida em língua inglesa, na qual explicava que o facto de impor o uso dessa língua no presente processo constituía uma tentativa de obstrução à defesa do recorrente e que, salvo parecer contrário do BCE a comunicar no prazo de três dias, redigiria futuramente a sua correspondência em língua alemã.

21.
    Em 17 de Novembro de 1999, a administração do BCE informou o advogado do recorrente de que a decisão de 9 de Novembro de 1999 não podia ser objecto de apreciação administrativa pré-contenciosa na acepção do artigo 41.° das condições de trabalho, já que a Comissão Executiva do BCE, que adoptou a referida decisão, é a mais alta autoridade administrativa deste organismo. Acrescentava que qualquer recurso da decisão de 9 de Novembro de 1999 devia ser interposto para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

22.
    Por carta de 18 de Novembro de 1999, a administração do BCE, em resposta à carta do advogado do recorrente de 15 de Novembro, contestou que tivesse querido fazer qualquer obstrução à defesa do recorrente, ao recordar o princípio da utilização do inglês. Afirmou que, pelo contrário, o BCE, ao admitir o uso da língua alemã nesse caso concreto, se tinha mostrado mais favorável ao recorrente do que o que lhe era legalmente exigido.

23.
    Por decisão do mesmo dia, a Comissão Executiva do BCE despediu o recorrente, em conformidade com os artigos 11.°, alíneas a) e b), das condições de trabalho e 8.3.2 do estatuto do pessoal. Na fundamentação dessa decisão, refutou as críticas formuladas pelo advogado do recorrente nas suas cartas de 9 e 10 de Novembro de 1999 ao parecer fundamentado. Observou, nomeadamente, que as contestações globais do recorrente não punham seriamente em causa a pertinência dos elementos de prova reunidos no decurso do processo disciplinar. No que respeita à questão da prova da utilização exclusiva do computador do recorrente por este último, concluía que o uso dos computadores no BCE era controlado pela utilização de códigos de acesso pessoais e confidenciais. Indicava também que, dado o importante número de mensagens electrónicas enviadas, num período de 18 meses, durante as horas de serviço, a partir do computador do recorrente,situado num gabinete em espaço aberto ocupado por seis pessoas, era pouco provável que este computador pudesse ser utilizado por um terceiro sem chamar a atenção. No que respeita ao alegado atraso com o qual a administração do BCE interveio, explicava que esta circunstância não podia justificar o comportamento do recorrente, do qual só este era responsável. Com base nos factos verificados, a Comissão Executiva do BCE aderia à qualificação proposta pela administração no parecer fundamentado. Refutava, finalmente, as críticas do advogado do recorrente quanto à legalidade do processo disciplinar. Acrescentava que nenhuma organização podia prosseguir sem um processo de sanção das violações das obrigações contratuais, que o regime disciplinar tinha uma base legal suficiente no artigo 36.° dos Estatutos do SEBC, que tinha sido aceite pelo recorrente quando tinha assinado o seu contrato de trabalho e que a aplicação deste regime tinha sido feita em conformidade com os princípios gerais de direito.

Tramitação processual e pedidos das partes

24.
    Foi nestas circunstâncias que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Novembro de 1999, o recorrente interpôs o presente recurso.

25.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

26.
    As partes foram ouvidas em alegações e deram respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 20 de Fevereiro de 2001.

27.
    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar que o processo disciplinar que lhe foi instaurado é ilegal;

-    declarar que a decisão de 9 de Novembro de 1999 é ilegal;

-    condenar o BCE, nos termos do artigo 44.° das condições de trabalho, a pagar-lhe os montantes retidos do seu salário;

-    declarar que o seu despedimento é ilegal e que o contrato de trabalho que celebrou com o BCE não foi rescindido, continuando em vigor;

-    condenar o BCE a mantê-lo como empregado;

-    condenar o BCE nas despesas.

28.
    O BCE conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso improcedente;

-    condenar o recorrente na totalidade das despesas.

Quanto à competência do Tribunal de Primeira Instância

Exposição sumária dos argumentos das partes

29.
    O BCE conclui que o recorrente pretende fundamentar o seu recurso no artigo 236.° CE. Ora, este artigo apenas abrange os litígios entre a Comunidade e os seus agentes e não os litígios entre o BCE e os seus empregados, que são regidos pelo artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC.

30.
    Observa que o artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC atribui competência ao Tribunal de Justiça e que a Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1), várias vezes modificada, não contém qualquer disposição que torne explicitamente competente o Tribunal de Primeira Instância para os litígios referidos no artigo já referido. Interroga-se, portanto, quanto à competência do Tribunal de Primeira Instância para conhecer do presente recurso.

31.
    Admite que a intenção dos autores do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, que instituiu o Sistema Europeu de Bancos Centrais e o BCE, era claramente conferir a competência para conhecer dos litígios referidos no artigo 36.2 do Estatuto do SEBC ao Tribunal de Primeira Instância. Refere-se, a este propósito, à declaração n.° 27, anexa à acta final do Tratado da União Europeia, relativa aos litígios entre o BCE e o IME, por um lado, e os seus agentes, por outro.

32.
    Todavia, a própria existência dessa declaração prova que o Tribunal, na falta de disposições pertinentes adoptadas pelas instituições, não é competente para conhecer dos litígios em questão.

33.
    O BCE considera que não é possível suprir esta lacuna apenas pela referência ao acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1976, Mills/BEI (110/75, Recueil, p. 955, n.os 11 a 13; Colect., p. 399). Faz também referência ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 1999, Hautem/BEI (T-140/97, ColectFP, pp. I-A-171 e II-897, n.° 77). Com efeito, o caso do BCE difere do do Banco Europeu de Investimento (BEI), na medida em que o Tratado previu explicitamente a competência do Tribunal de Justiça relativamente aos litígios entre o BCE e o seu pessoal, e isto através de uma base jurídica específica.

34.
    O recorrente considera que a competência do Tribunal de Primeira Instância resulta do artigo 3.°, alínea a), da Decisão 88/591, em conjugação com o artigo 236.° do Tratado CE. Não obstante várias modificações do Tratado CEposteriormente à Decisão 88/591, o artigo 236.° CE continua a declarar «O Tribunal de Justiça» competente para decidir sobre todo e qualquer litígio entre a Comunidade e os seus agentes. Por conseguinte, a expressão «Tribunal de Justiça» na acepção do artigo 236.° CE não designa o Tribunal de Justiça em sentido estrito, por oposição ao Tribunal de Primeira Instância. Após a adopção da Decisão 88/591, designa, na realidade, o Tribunal de Primeira Instância, que é competente do ponto de vista funcional para conhecer destes litígios como juiz de mérito.

35.
    O artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC refere-se à expressão «Tribunal de Justiça» no sentido que a esta expressão é dada no artigo 236.° CE e não confere ao Tribunal de Justiça em sentido estrito competência exclusiva.

Apreciação do Tribunal

36.
    Resulta do artigo 3.°, alínea a), da Decisão 88/591, com as alterações que lhe foram introduzidas, que o Tribunal de Primeira Instância exerce, em primeira instância, as competências conferidas ao Tribunal de Justiça pelos Tratados que instituem as Comunidades e pelos actos adoptados em sua execução para os litígios referidos no artigo 236°. do Tratado CE e no artigo 152°. do Tratado CEEA. Os litígios assim referidos são os que emergem das relações entre as Comunidades e os seus agentes.

37.
    Se a Decisão 88/591 se refere assim expressamente aos artigos já referidos, é com a finalidade de designar o tipo de litígio definido por esses artigos, e, por conseguinte, para esclarecer que o Tribunal de Primeira Instância exerce, em primeira instância, a competência conferida ao Tribunal de Justiça para qualquer litígio entre as Comunidades e os seus agentes. Deste modo, a Decisão 88/591, como disposição de direito derivado que deu execução às normas jurídicas pertinentes do direito primário, nomeadamente ao artigo 225.° CE, instituiu um sistema de dupla instância que rege de modo uniforme, coerente e completo as vias de recurso e os processos respeitantes aos litígios entre as Comunidades e os seus agentes.

38.
    É verdade que o artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC faz parte dum protocolo adoptado no quadro do Tratado de Maastricht e que constitui, por isso, uma disposição do direito primário. Todavia, o sentido dos termos jurídicos utilizados nesta disposição deve, em caso de dúvida, ser interpretado à luz do conjunto das normas jurídicas pertinentes em vigor no momento da sua adopção, na medida em que isto permite evitar uma contradição com um princípio fundamental de direito comunitário, como é o princípio da igualdade de tratamento.

39.
    Por conseguinte, o artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC deve, face às diferentes possibilidades de interpretação avançadas, ser interpretado de forma a que não fique em contradição com o sistema geral e uniforme de protecção jurisdicional dosagentes da Comunidade que resulta da Decisão 88/591 e que assenta no artigo 225.° CE.

40.
    Com efeito, se se quisesse interpretar o artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC de forma a excluir os recursos interpostos por certos agentes contra certas instituições ou certos organismos - neste caso, dos agentes do BCE contra o BCE - do sistema de protecção jurisdicional melhorado instituído pela Decisão 88/591 para o mesmo tipo de contencioso, esta ruptura do sistema geral de protecção jurisdicional, que não se justifica objectivamente, violaria o princípio da igualdade de tratamento e, assim, um princípio fundamental de direito comunitário.

41.
    A expressão «Tribunal de Justiça» utilizada no artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC deve, pois, ser interpretada no sentido de que designa o órgão jurisdicional comunitário no seu conjunto na acepção do artigo 7.° CE e, por conseguinte, no sentido de que inclui o Tribunal de Primeira Instância. Daí resulta que o Tribunal de Primeira Instância é competente para conhecer dos litígios a que se refere o artigo 36.2 dos Estatutos do SEBC.

42.
    Foi esse, aliás, o desejo expresso da Conferência Intergovernamental na sequência da adopção dos Estatutos do SEBC. Resulta, com efeito, da declaração n.° 27 anexa ao acto final do Tratado da União Europeia que «[a] Conferência considera conveniente que o Tribunal de Primeira Instância seja competente para conhecer deste tipo de litígios, de acordo com o disposto no artigo 168.°-A do Tratado».

43.
    À luz do contexto jurídico acabado de expor, o Conselho não era obrigado a anuir ao convite que lhe foi feito pela Conferência para «adoptar, nesse sentido, as disposições adequadas», e, portanto, para completar a enumeração feita no artigo em questão por uma referência expressa ao artigo 36.2 dos Estatutos da SEBC.

44.
    Resulta do exposto que o Tribunal de Primeira Instância é competente para conhecer do presente litígio.

Quanto à admissibilidade de alguns dos pedidos

A - Pedido do recorrente de que o BCE seja condenado a continuar a mantê-lo como empregado

Exposição sumária dos argumentos das partes

45.
    O BCE considera que o pedido do recorrente de que o Tribunal condene o Banco a continuar a mantê-lo como empregado é inadmissível. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o Tribunal não tem competência para fazer declarações de princípio ou dirigir injunções aos órgãos comunitários no âmbito do artigo 236.° CE.

46.
    O recorrente admite que, no âmbito de recursos de funcionários, o Tribunal só pode, em princípio, anular a decisão impugnada, sem poder emitir injunções contra a recorrida. Mas isto apenas é válido se o recurso visar um acto adoptado pela recorrida no exercício do seu poder de apreciação. Todavia, na ausência de poder de apreciação por parte da recorrida, ou nos litígios de carácter pecuniário, o Tribunal pode condenar a recorrida a adoptar medidas precisas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1981, Garganese/Comissão, 185/80, Recueil, p. 1785, e de 18 de Março de 1982, Chaumont-Barthel/Parlamento, 103/81, Recueil, p. 1003). Se o despedimento é, neste caso, irregular, os direitos da personalidade do recorrente exigem que se coloque este último no estado anterior ao despedimento. Trata-se do efeito jurídico da actio negatoria do direito romano e esta concepção jurídica constitui um princípio geral do direito comunitário.

Apreciação do Tribunal

47.
    O pedido em questão tem um objecto diferente da anulação da decisão de despedimento do recorrente. Além disso, não apresenta carácter meramente pecuniário. Não é, portanto, um pedido que possa relevar do âmbito da competência de plena jurisdição do Tribunal de Primeira Instância no âmbito dos litígios entre o BCE e os seus agentes baseada no artigo 42.°, segundo parágrafo, das condições de trabalho, que dispõe que a competência da jurisdição comunitária «se limita à apreciação da legalidade da medida ou da decisão, salvo se o diferendo for de natureza financeira, caso em que o Tribunal de Justiça tem competência de plena jurisdição».

48.
    O objecto deste pedido integra-se portanto no âmbito da proibição imposta ao juiz comunitário de dirigir injunções à administração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Julho de 1999, Varas Carrión/Conselho, T-168/97, ColectFP, p. I-A-143 e p. II-761, n.° 26). É, por conseguinte, inadmissível.

B - Pedido do recorrente de que o BCE seja condenado, nos termos do artigo 44.° das condições de trabalho, a pagar-lhe os montantes retidos do seu salário

Exposição sumária dos argumentos das partes

49.
    O BCE considera que o pedido do recorrente no sentido de que o Tribunal condene o Banco a pagar-lhe os montantes retidos do seu salário nos termos do artigo 44.° das condições de trabalho é inadmissível pelos mesmos argumentos que foram expostos no n.° 45 supra.

50.
    O recorrente opõe a esta contestação a argumentação exposta no n.° 46 supra.

Apreciação do Tribunal

51.
    O pedido em questão é manifestamente de natureza pecuniária. Releva portanto, pelo seu objecto, do domínio da competência de plena jurisdição do tribunal comunitário, em conformidade com o artigo 42.°, segundo parágrafo, das condições de trabalho. Tal pedido é, por conseguinte, admissível (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Março de 2000, Rudolph/Comissão, T-197/98, ColectFP, pp. I-A-55 e II-241, n.os 32 e 33, e a jurisprudência referida).

Quanto ao mérito

A - Quanto às questões prévias de ilegalidade

1. Quanto às questões prévias de ilegalidade suscitadas relativamente às condições de trabalho

Quanto à falta de competência do BCE para adoptar um regime disciplinar

- Exposição sumária dos argumentos das partes

52.
    O recorrente sustenta que o BCE não tinha competência para adoptar um regime disciplinar. Remete também, para esse efeito, para a sua correspondência de 9 de Novembro de 1999, já referida, reproduzida no anexo 21 da petição inicial.

53.
    Com efeito, enquanto o artigo 24.° do Tratado que institui um Conselho e uma Comissão única das Comunidades Europeias (a seguir «Tratado de Fusão») confere competência ao Conselho para adoptar o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto dos Funcionários»), o artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC apenas conferiu ao Conselho de Governadores competência para definir, sob proposta da Comissão Executiva, o regime aplicável ao pessoal do BCE. Ora, a relação entre um funcionário e sua instituição não é de natureza contratual, mas antes uma relação de direito público fundada na noção de serviço e de lealdade. O Conselho, no uso dos poderes que lhe confere o artigo 24.° do Tratado de Fusão, estava, por conseguinte, no direito de prever no Estatuto dos Funcionários um regime disciplinar, resultante da relação de subordinação específica entre o funcionário e a Comunidade. Pelo contrário, a relação entre o BCE e os seus empregados é uma simples relação de natureza contratual, que assenta na autonomia da vontade, que resulta dos direitos da personalidade e da liberdade profissional e cuja protecção constitui um princípio geral do direito comunitário. Não se baseia, portanto, numa relação de subordinação. Por conseguinte, o BCE não tinha competência para prever nas condições de trabalho e aplicar um regime disciplinar que o colocaria em condições de modificar unilateralmente as condições de execução do contrato de trabalho, em violação do princípio da autonomia da vontade. O BCE podia proteger-se das violações pelos seus empregados das suas obrigações contratuais sem instituir tal regime, reservando-se contratualmente o direito ao despedimento excepcional.

54.
    O facto de prever, no âmbito da execução dos contratos de trabalho, um regime disciplinar também é contrário ao direito alemão.

55.
    Viola, finalmente, os princípios jurídicos europeus, nomeadamente o princípio da boa fé.

56.
    O BCE sublinha, antes de mais, que a remissão feita pelo recorrente para o anexo 21 da petição inicial não é conforme com as normas de processo e que esta crítica deve, por isso, ser declarada inadmissível, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal.

57.
    Seguidamente, quanto ao mérito, considera que o seu Conselho de Governadores tinha competência para estabelecer no regime aplicável ao pessoal um regime disciplinar.

- Apreciação do Tribunal

58.
    Em primeiro lugar, no que respeita à inadmissibilidade suscitada pelo recorrido, deve reconhecer-se que, apesar de se fazer remissão para um anexo, a exposição do fundamento de incompetência do BCE para adoptar o regime disciplinar, tal como resulta dos termos da petição inicial, é suficientemente clara e completa para permitir ao recorrido e ao Tribunal compreenderem o seu alcance. O fundamento é, por isso, admissível.

59.
    No que respeita ao mérito, deve observar-se que a relação de trabalho entre o BCE e os seus agentes é definida pelas condições de trabalho, adoptadas pelo Conselho de Governadores, sob proposta da Comissão Executiva do BCE, com base no artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC. As condições de trabalho dispõem, no artigo 9.°, alínea a), que «as relações de trabalho entre o BCE e os seus agentes regem-se por contratos de trabalho celebrados em conformidade com as presentes condições de trabalho». O artigo 10.°, alínea a), das mesmas condições prevê que «os contratos de trabalho entre o BCE e os seus agentes revestem a forma de cartas de contratação que serão co-assinadas pelos agentes».

60.
    Estas disposições são semelhantes às disposições do regulamento do pessoal do BEI, relativamente às quais o Tribunal de Justiça pôde concluir que «o regime adoptado para as relações entre o Banco e os seus agentes é [...] de natureza contratual e, por isso, baseado no princípio de que os contratos individuais celebrados entre o Banco e cada um dos agentes são o resultado de um acordo de vontades» (acórdão Mills/BEI, já referido, n.° 22).

61.
    Deve, pois, concluir-se que a relação de trabalho entre o BCE e os seus agentes é de natureza contratual, e não estatutária.

62.
    Seguidamente, deve observar-se que o contrato em questão foi celebrado com um organismo comunitário, encarregado de uma missão de interesse comunitário e com poderes para tomar, por via de regulamento, as disposições aplicáveis ao seu pessoal.

63.
    À luz destes elementos e contrariamente ao que sustenta o recorrente, o Conselho de Governadores tinha o direito, com fundamento nas disposições do artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC, de prever nas condições de trabalho um regime disciplinar que lhe permitisse, nomeadamente, em caso de infracção por um dos seus agentes das obrigações do contrato de trabalho, tomar as medidas necessárias à luz das responsabilidades e dos objectivos que lhe estão cometidos.

64.
    O recorrente aduz, essencialmente, dois argumentos para sustentar o contrário.

65.
    Em primeiro lugar, a redacção do artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC apenas autorizam, contrariamente ao artigo 24.° do Tratado de Fusão, a adopção de condições de trabalho que respeitem integralmente a autonomia da vontade. O artigo 36.1 refere-se, com efeito, ao «regime aplicável ao pessoal» («Beschäftigungsbedingungen», «Employment Conditions»), por oposição ao «Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias» referido no artigo 24.° do Tratado de Fusão.

66.
    Este argumento de natureza textual não é, todavia, procedente. Com efeito, o artigo 24.° do Tratado de Fusão evoca, depois da citação referida, o «regime aplicável aos outros agentes destas Comunidades», fórmula que é equivalente ao «regime aplicável ao pessoal» previsto pelo artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC. Ora, o regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (a seguir «ROA») prevê, com razão, relativamente às categorias mais importantes destes agentes, um regime disciplinar.

67.
    Em segundo lugar, a aplicação de sanções disciplinares coloca o BCE, na opinião do recorrente, em condições de modificar unilateralmente as condições de execução do contrato de trabalho, o que é contrário aos princípios que regem o direito do trabalho alemão e aos princípios jurídicos europeus, nomeadamente ao princípio da boa fé.

68.
    A este propósito, deve recordar-se, antes de mais, que a relação de trabalho entre as instituições ou os organismos comunitários, incluindo o BCE, e os seus agentes não funcionários, embora seja, naturalmente, de natureza contratual, se inscreve no quadro da execução por estes últimos das suas funções de interesse público e contém, por isso, fortes semelhanças com o nexo estatutário que existe entre o funcionário e a sua instituição de forma que pode, por esse motivo, conter um regime disciplinar. Assim, o agente temporário submetido ao ROA beneficia dos direitos e deve respeitar as obrigações previstas pelos artigos 11.° a 26.° do Estatuto dos Funcionários (artigo 11.° do ROA), e pode ser objecto de sanções disciplinares nas condições previstas no título VI deste estatuto (artigo 50.°-A do ROA). Damesma forma, o regime do pessoal do BEI, que é muito semelhante às condições de trabalho do BCE, prevê um regime disciplinar (v., como exemplos de aplicação deste regime, os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Hautem/BEI, já referido, e de 28 de Setembro de 1999, Yasse/BEI, T-141/97, ColectFP, pp. I-A-177 e II-929).

69.
    Seguidamente, o regime disciplinar em questão faz parte integrante das condições que eram conhecidas do recorrente e que foram aceites por ele no momento em que livremente assinalou o seu contrato de trabalho com o BCE, remetendo este último para as condições de trabalho.

70.
    Finalmente, quanto à censura do recorrente segundo o qual o regime disciplinar em causa permite ao BCE modificar unilateralmente as condições de execução do contrato dos seus agentes, cuja situação difere, assim, da de um empregado sujeito ao regime do direito privado do trabalho, é conveniente observar que, em todo o caso, tal censura não é pertinente no que respeita a certas sanções disciplinares previstas pelas condições de trabalho, que não constam dos contratos de trabalho de direito privado, a saber, nomeadamente, a mudança compulsiva de posto de trabalho e a redução temporária ou permanente do salário. Essas sanções não foram, todavia, aplicadas neste caso, já que ao recorrente foi aplicada a pena de despedimento por falta grave. Esta faculdade da entidade patronal de rescindir unilateralmente o contrato de trabalho em caso de falta grave do empregado é, todavia, prevista pelo direito privado do trabalho na maior parte dos Estados-Membros, incluindo no direito alemão. Além disso, na maioria destas ordens jurídicas, esta faculdade está rodeada de menos garantias de protecção do empregado do que no quadro da relação de trabalho entre o BCE e os seus agentes.

71.
    Daí resulta que este fundamento não é procedente.

Quanto à ilegalidade das obrigações de comportamento invocadas pelo BCE

- Exposição sumária dos argumentos das partes

72.
    O recorrente censura o BCE por se ter apoiado, na decisão de despedimento, no desrespeito de regras de conduta que incumbem aos agentes, definidas pelo artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho.

73.
    Em primeiro lugar, não foi dado conhecimento ao recorrente destas regras enquanto tais. Ora, a entidade patronal é obrigada, por força do artigo 2.° da Directiva 91/533/CEE do Conselho, de 14 de Outubro de 1991, relativa à obrigação de a entidade patronal informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho (JO L 288, p. 3), a levar ao conhecimento do trabalhador assalariado os elementos essenciais do contrato de trabalho. Embora, eventualmente, possa exigir-se a um funcionário que se informe quanto àsobrigações do seu estatuto, o trabalhador assalariado e, por extensão, o agente do BCE apenas estão vinculados às obrigações que resultam do contrato de trabalho negociado entre as partes.

74.
    Em segundo lugar, estas regras não foram objecto de consulta do comité de pessoal.

75.
    O BCE contesta a boa razão desta questão prévia de ilegalidade. As regras de conduta em causa foram levadas ao conhecimento do recorrente e foram objecto de uma consulta do comité de pessoal do IME, precursor do BCE.

- Apreciação do Tribunal

76.
    O artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho dispõe:

«Os agentes do BCE devem exercer as suas funções em consciência e sem terem em conta os seus interesses pessoais. Devem orientar o seu comportamento de acordo com as funções que lhes foram atribuídas e com o estatuto do BCE como instituição da Comunidade.»

77.
    O recorrente sustenta, antes de mais, que esta obrigação não foi levada ao seu conhecimento, em violação do artigo 2.° da Directiva 91/533.

78.
    A este propósito, deve observar-se que o BCE afirma, sem que esta afirmação seja séria e circunstanciadamente contestada pelo recorrente, que foi entregue a este, no momento do seu recrutamento, uma cópia das condições de trabalho. Em todo o caso, resulta do contrato de trabalho do recorrente que «as condições de trabalho do pessoal do BCE, na sua versão em vigor no momento relevante, são parte integrante do presente contrato». O recorrente assinou este contrato em 9 de Julho de 1998, tendo a sua assinatura sido precedida da menção «Aceito, pela presente, a oferta de trabalho acima mencionada, nos termos e nas condições acima enunciadas». Além disso, este contrato estipula: «Não hesite em contactar a direcção do pessoal se tiver necessidade de informações específicas quanto aos termos e condições do presente contrato.» Com base nestes elementos, deve admitir-se que o recorrente sabia ou, em todo o caso, não podia legitimamente ignorar, que as condições de trabalho, incluindo o respectivo artigo 4.°, alínea a), faziam parte integrante das suas obrigações contratuais. Por conseguinte, o BCE podia, com toda a razão, invocá-las contra o recorrente.

79.
    No que respeita à Directiva 91/533, as condições de trabalho estipulam, no artigo 9.°, alínea c), segundo parágrafo, que «O BCE aplica [...] as regras contidas nos regulamentos e directivas (CE) respeitantes à política social dirigidas aos Estados-Membros» e no artigo 10.°, alínea a), segunda frase, que «as cartas de contratação contêm os elementos do contrato definidos pela Directiva 91/533/CEE do Conselho, de 14 de Outubro de 1991». O BCE comprometeu-se, poisvoluntariamente a respeitar esta directiva, incluindo o seu artigo 2.°, cuja violação é invocada pelo recorrente.

80.
    O artigo 2.° desta directiva dispõe:

«Obrigação de informação

1. A entidade patronal é obrigada a levar ao conhecimento do trabalhador assalariado a que se aplica a presente directiva, adiante designado 'trabalhador', os elementos essenciais do contrato ou da relação de trabalho.

2. A informação a que se refere o n.° 1 deve incidir, pelo menos, sobre os seguintes elementos:

a)    A identidade das partes;

b)    O local de trabalho; na ausência de local de trabalho fixo ou predominante, o princípio de que o trabalhador desenvolve a sua actividade em vários locais, bem como a sede ou, eventualmente, o domicílio da entidade patronal;

c)    i) o título, grau, qualidade ou categoria do posto de trabalho que o trabalhador ocupa, ou ii) a caracterização ou descrição sumárias do trabalho;

d)    A data de início do contrato ou da relação de trabalho;

e)    Caso se trate de um contrato ou de uma relação de trabalho temporário, a duração previsível do contrato ou da relação de trabalho;

f)    O período de duração das férias remuneradas a que o trabalhador tem direito ou, caso não seja possível dispor dessa indicação no momento da prestação da informação, as regras de atribuição e de determinação dessas férias;

g)    O período de duração dos prazos de pré-aviso a observar pela entidade patronal e pelo trabalhador em caso de cessação do contrato ou da relação de trabalho, ou, caso não seja possível dispor dessa indicação no momento da prestação da informação, as regras de determinação desses prazos de pré-aviso;

h)    O montante de base inicial, ou outros elementos constitutivos, bem como periodicidade do pagamento da remuneração a que o trabalhador tem direito;

i)    O período de duração do trabalho diário ou semanal normal do trabalhador;

j)    Se for caso disso: i) a menção das convenções colectivas e/ou acordos colectivos que regem as condições de trabalho do trabalhador, ou ii) caso se trate de convenções colectivas celebradas fora da empresa por órgãos ou instituições paritários particulares, a menção do órgão competente ou da instituição paritária competente no seio do qual/da qual foram celebradas.

3. A informação sobre os elementos a que se referem as alíneas f), g), h) e i) do n.° 2 pode, se for caso disso, decorrer de uma referência às disposições legislativas, regulamentares, administrativas ou estatutárias ou às convenções colectivas que regem as matérias aí referidas.»

81.
    No caso vertente, o recorrente assinou, em 9 de Julho de 1998, um contrato de trabalho que estabelece, em conformidade com as exigências do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 91/533, a identidade das partes, o local de trabalho, a categoria do posto de trabalho, a data de início do contrato, a duração previsível deste e o montante de base inicial da remuneração. As informações relativas ao período de duração das férias remuneradas, a duração dos prazos de pré-aviso a observar em caso de cessação do contrato, a periodicidade do pagamento da remuneração, a duração do trabalho diário ou semanal normal, que devem, em princípio, ser também levadas ao conhecimento do trabalhador, podem, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da Directiva 91/533, decorrer de uma «referência às disposições legislativas, regulamentares, administrativas ou estatutárias ou às convenções colectivas» que regem essas matérias. Ora, o contrato em questão remete para as condições de trabalho do BCE, que tratam em pormenor estes elementos. O contrato de trabalho do recorrente contém, por conseguinte, todos os «elementos essenciais do contrato» na acepção da Directiva 91/533.

82.
    Além disso, nem o artigo 2.° da Directiva 91/533 nem qualquer outra disposição da mesma obrigam a entidade patronal a levar especificamente ao conhecimento do trabalhador a obrigação de comportamento em questão.

83.
    Em todo o caso, esta obrigação de comportamento constitui uma aplicação elementar do princípio comum aos direitos da grande maioria dos Estados-Membros, segundo o qual os contratos, e nomeadamente os contratos de trabalho, devem ser cumpridos de boa fé. Em razão do seu alcance fundamental, a sua existência é de tal forma evidente que se impõe manifestamente, mesmo na falta de qualquer estipulação expressa.

84.
    O recorrente argumenta, em segundo lugar, que esta obrigação de comportamento não foi objecto de consulta do comité de pessoal. Em complemento ao que acaba de se observar a propósito do carácter fundamental da obrigação em questão, deve observar-se que esta encontra a sua origem nas condições de trabalho, estabelecidas com base no artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC, que dispõe que «oConselho do BCE, sob proposta da Comissão Executiva, definirá o regime aplicável ao pessoal do BCE». Este regime foi elaborado, por conseguinte, no âmbito de um processo que não prevê a consulta do comité de pessoal. Este comité só foi criado pelas condições de trabalho, cujo artigo 46.° prevê que o mesmo deve ser consultado para qualquer modificação destas. Ora, a disposição em questão não procede de uma modificação das condições de trabalho, mas da sua versão inicial. Não havia, portanto, neste caso concreto, a obrigação de consulta do comité de pessoal. O argumento deve, por consequência, ser julgado improcedente.

Quanto à falta de definição dos factos susceptíveis de serem disciplinarmente sancionados

- Exposição sumária dos argumentos das partes

85.
    O recorrente expõe que as condições de trabalho não definem os factos susceptíveis de serem disciplinarmente sancionados. Assim, a parte correspondente ao n.° 8 das condições de trabalho, em particular o artigo 43.°, limita-se a descrever as consequência legais das infracções disciplinares sem definir estas infracções.

86.
    O BCE considera que o recorrente ignora a diferença entre uma infracção ao direito e uma sanção aplicada por causa de uma infracção ao direito.

- Apreciação do Tribunal

87.
    A este propósito, há que observar que o artigo 43.° das condições de trabalho dispõe que os agentes do BCE podem ser alvo de sanções disciplinares em caso de incumprimento das suas obrigações para com o BCE. Ora, estas obrigações («duties») são definidas nos diferentes artigos das condições de trabalho, nomeadamente nos artigos 4.° e 5.° O argumento deve, pois, ser julgado improcedente.

88.
    Resulta do exposto que as questões prévias de ilegalidade suscitadas relativamente às condições de trabalho não são procedentes.

2. Quanto à questão prévia de ilegalidade suscitada relativamente ao estatuto do pessoal

Exposição sumária dos argumentos das partes

89.
    O recorrente expõe que a aplicação do processo disciplinar previsto pelo artigo 43.° das condições de trabalho pressupõe necessariamente o recurso à parte correspondente ao n.° 8 do estatuto do pessoal, de modo que a ilegalidade deste último implica a irregularidade do referido processo. Ora, o estatuto do pessoal é, em sua opinião, ilegal por duas razões.

90.
    Em primeiro lugar, o mesmo carece de base legal. Com efeito, o mesmo respeita ao regime aplicável ao pessoal do BCE. Deveria, portanto, ter sido adoptado, nos termos do artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC, pelo Conselho de Governadores sob proposta da Comissão Executiva, e não pela Comissão Executiva que não tinha competência para isso.

91.
    Em segundo lugar, o mesmo ainda não entrou em vigor, dado que o processo de consulta do comité de pessoal, previsto pelo artigo 46.° das condições de trabalho, ainda não terminou.

92.
    O BCE sustenta, a título principal, que a questão prévia de ilegalidade suscitada relativamente ao estatuto do pessoal é manifestamente inadmissível, porque o recorrente denuncia de forma abstracta e em bloco a ilegalidade deste, sem indicar explicitamente as disposições especificamente impugnadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 1993, Reinarz/Comissão, T-6/92 e T-52/92, Colect., p. II-1047, n.° 57).

93.
    A título subsidiário, o BCE contesta a procedência dos dois argumentos apresentados pelo recorrente.

94.
    Por um lado, o estatuto do pessoal tem, na sua opinião, base legal suficiente no artigo 21.3 do regulamento interno do BCE.

95.
    Por outro lado, o estatuto do pessoal foi objecto de consulta do comité de pessoal do IME, anteriormente à sua entrada em vigor em 1 de Julho de 1998.

Apreciação do Tribunal

96.
    Para sustentar a sua contestação de que a questão prévia de ilegalidade suscitada pelo recorrente seja admissível, o BCE invoca o acórdão Reinarz/Comissão, já referido. Aí se declara que, para que uma questão prévia de ilegalidade seja admissível, é necessário que o acto geral cuja ilegalidade foi invocada seja aplicável, directa ou indirectamente, à situação que constitui o objecto do recurso e que exista um vínculo jurídico directo entre a decisão individual impugnada e o acto geral cuja ilegalidade se suscita (acórdão Reinarz/Comissão, já referido, n.° 57, e jurisprudência aí referida).

97.
    Neste caso concreto, o recorrente precisa, com razão, que a aplicação do processo disciplinar previsto pelo artigo 43.° das condições de trabalho supõe necessariamente o recurso à parte correspondente ao n.° 8 do estatuto do pessoal. Por conseguinte, a ilegalidade do estatuto do pessoal implica a irregularidade do processo disciplinar. Existe portanto um nexo jurídico directo entre as decisões impugnadas e o acto geral contestado. A questão prévia de ilegalidade é, portanto, admissível, pelo menos na parte que se refere às disposições correspondentes ao n.° 8 do estatuto do pessoal.

98.
    Quanto ao mérito da questão prévia da ilegalidade, no que respeita, em primeiro lugar, à base legal do estatuto do pessoal, o recorrente argumenta que este foi adoptado pela Comissão Executiva do BCE, quando, nos termos do artigo 36.1 dos Estatutos do SEBC, compete exclusivamente ao Conselho de Governadores adoptar, sob proposta da Comissão Executiva, o regime aplicável ao pessoal do BCE.

99.
    Deve observar-se que o estatuto do pessoal, que tem por objecto definir as condições de execução das condições de trabalho, foi adoptado pela Comissão Executiva com base no artigo 21.3 do regulamento interno do BCE, que dispõe que «o regime aplicável ao pessoal é aplicado através do estatuto do pessoal que é adoptado e alterado pela Comissão Executiva». O regulamento interno baseia-se, por seu lado, no artigo 12.3 dos Estatutos do SEBC, que prevê que «o Conselho do BCE adoptará um regulamento interno, que determinará a organização interna do BCE e dos seus órgãos de decisão».

100.
    No artigo 21.3 do regulamento interno do BCE, o Conselho de Governadores delegou, por conseguinte, na Comissão Executiva a competência para definir as condições de execução das condições de trabalho.

101.
    O argumento do recorrente suscita a questão se saber se esta delegação de competência era lícita, tendo em conta que os Estatutos do SEBC, que, na hierarquia das normas, têm um valor superior ao regulamento interno, dispõem que compete ao Conselho de Governadores adoptar «o regime aplicável ao pessoal do BCE».

102.
    Resulta da jurisprudência que em direito comunitário as delegações de poderes de execução são lícitas, desde que um diploma legal as não proíba formalmente (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, Colect. 1954-1961, p. 175).

103.
    Ora, neste caso concreto, por um lado, nenhum diploma legal proíbe formalmente a delegação em questão.

104.
    Por outro lado, a delegação apenas tem por objecto a execução de legislação elaborada pela autoridade competente e foi decidida com base num texto de direito primário, neste caso, o artigo 12.3 dos Estatutos do SEBC. Este último, com efeito, dá competência ao Conselho de Governadores para adoptar um regulamento interno que determine a organização interna do BCE, o que implica o poder de delegar para esse fim a definição do regime aplicável ao pessoal.

105.
    A presente delegação deve comparar-se com a respeitante ao artigo 24.° do Tratado de Fusão, que constitui um diploma de direito primário, segundo o qual o Conselho adopta o Estatuto dos Funcionários e o ROA. Este artigo não prevê formalmente que o Conselho possa delegar esta competência. Todavia, o Estatutodos Funcionários, adoptado pelo Conselho com este fundamento, dispõe, no seu artigo 110.°, que «as disposições gerais de execução do presente estatuto serão adoptadas por cada instituição». A legalidade desta delegação, não formalmente prevista por um diploma do direito primário, foi implicitamente reconhecida pela jurisprudência comunitária (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Dezembro de 1990, Brems/Conselho, T-75/89, Colect., p. II-899, n.° 29).

106.
    O argumento do recorrente relativo à adopção do estatuto do pessoal pela Comissão Executiva do BCE deve, pois, ser julgado improcedente.

107.
    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o estatuto do pessoal ainda não entrou em vigor porque não terminou a consulta do comité de pessoal, deve sublinhar-se que resulta dos artigos 46.° das condições de trabalho e 21.4 do regulamento interno do BCE que esta consulta só é exigida em caso de modificação do referido estatuto ou de elaboração de um novo estatuto do pessoal.

108.
    O argumento do recorrente deve, portanto, ser julgado improcedente.

109.
    Daqui resulta que a questão prévia de ilegalidade suscitada relativamente ao estatuto do pessoal não é procedente.

3. Quanto à questão prévia de ilegalidade suscitada relativamente à circular n.° 11/98

Exposição sumária dos argumentos das partes

110.
    O recorrente considera que a circular 11/98 não tem qualquer efeito.

111.
    Na réplica, explica a este propósito, em primeiro lugar, que as suas relações com o BCE são de natureza não estatutária, mas contratual, que o BCE não pode, por conseguinte, modificar unilateralmente as condições de execução do contrato de trabalho e que não está provado que a circular n.° 11/98 tenha sido objecto de acordo de vontade entre as partes. Daí conclui que a circular n.° 11/98 não pode ser-lhe oposta, mesmo que, eventualmente, lhe tenha sido comunicada anteriormente aos factos imputados.

112.
    Em segundo lugar, a circular n.° 11/98 não está legalmente em vigor, porque o comité de pessoal não foi consultado a seu respeito.

113.
    O BCE sustenta, essencialmente, que a questão prévia de ilegalidade é inadmissível, já que o recorrente se limitou, na sua petição, a remeter para as observações que apresentou no decurso do processo disciplinar, e, subsidiariamente, que a mesma não é procedente.

Apreciação do Tribunal

114.
    Nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, toda a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. Essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à recorrida preparar a sua defesa e ao Tribunal pronunciar-se sobre o recurso, tal sendo o caso, sem outras informações em apoio (por exemplo, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Julho de 2000, Samper/Parlamento, T-111/99, ColectFP, pp. I-A-135 e II-611, n.° 27).

115.
    Deve recordar-se que, se o corpo da petição inicial pode ser apoiado e completado, em aspectos específicos, por remissões para extractos de documentos que a ela são anexados, a remissão global para outros escritos, mesmo anexados à petição, não poderá atenuar a ausência dos elementos essenciais da argumentação de direito, que, nos termos das disposições acima referidas, devem figurar na petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T-154/98, Colect., p. II-1703, n.° 49). Finalmente, a enunciação deste fundamento na réplica não pode remediar à não conformidade da petição com a referida disposição. Com efeito, embora se admita que um recorrente possa desenvolver os seus fundamentos na réplica, este direito está, contudo, condicionado a que os referidos fundamentos tenham pelo menos sido enunciados na petição (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, De Persio/Comissão, T-23/96, ColectFP, pp. I-A-483 e II-1413, n.° 49).

116.
    Neste caso concreto, o recorrente limitou-se a indicar na sua petição inicial:

«A circular 11/1998 carece de efeitos. Para evitar repetições, remetemos neste contexto para as nossas observações de 21 de Outubro de 1999, bem como para as nossas alegações na audiência de 3 de Novembro de 1999.»

117.
    É forçoso concluir que os elementos de facto e de direito em que se baseia o fundamento em questão não foram apresentados, mesmo sumariamente, na petição. Por conseguinte, a simples remissão do recorrente para as suas observações de 21 de Outubro de 1999 e as indicações contidas na réplica não podem suprir esta carência. O fundamento em questão deve, por conseguinte, ser declarado inadmissível.

118.
    Em todo o caso, o fundamento em questão não tem qualquer pertinência. Deve recordar-se, a este propósito, que uma questão prévia de ilegalidade pressupõe, para ser admissível, que o acto geral relativamente ao qual se suscita a ilegalidade seja aplicável, directa ou indirectamente, ao caso que é objecto de recurso e que exista um nexo jurídico directo entre a decisão individual impugnada e o acto geral cuja ilegalidade se suscita (v. acórdão Reinarz/Comissão, já referido, n.° 57, e a jurisprudência referida).

119.
    Neste caso, o recorrente foi alvo de um processo disciplinar porque foi acusado, por um lado, de ter assediado um dos seus colegas e envenenado o ambiente de trabalho e, por outro lado, de ter abusado da possibilidade de ligação à Internet no seu local de trabalho. Este abuso revestiu duas formas diferentes, em primeiro lugar, a consulta de sítios e envio de mensagens electrónicas de carácter pornográfico ou politicamente extremista e, em segundo lugar, a utilização abusiva da Internet para fins privados.

120.
    A circular n.° 11/98 apenas foi indicada no âmbito deste último tipo de abuso, através da disposição muito geral do seu artigo 3.1, segundo a qual «os serviços Internet fornecidos pelo BCE destinam-se a fins de serviço». Na decisão de despedimento precisa-se, a este propósito, que «ao fazê-lo, a circular aplica o princípio geral do direito de trabalho segundo o qual os instrumentos de trabalho da entidade patronal fornecidos aos empregados no local de trabalho devem ser utilizados para fins de trabalho». O BCE aplica este princípio ao recorrente ao declarar seguidamente, na mesma decisão: «a duração, o número e a frequência das ligações registadas tanto na conta internet do Sr. X como no seu correio electrónico - do qual dois terços não estavam relacionados com o cumprimento das funções do interessado - denotam um desvio manifesto de um instrumento de trabalho e constituem, portanto, uma violação do princípio já referido e das obrigações do Sr. X de exercer as suas funções conscienciosamente em relação ao BCE». Todavia, esta última obrigação resulta não da circular n.° 11/98, mas do artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho, que dispõe que «os agentes do BCE devem exercer as suas funções em consciência e sem terem em conta os seus interesses pessoais».

121.
    Além disso, a regra estipulada no artigo 3.1 da circular n.° 11/98 apenas constitui, como observa com razão o BCE, a expressão do princípio segundo o qual o material de trabalho confiado pela entidade patronal ao trabalhador deve ser utilizado, de uma maneira geral e sem prejuízo de excepções específicas, para execução das tarefas profissionais do empregado. Ora, este princípio é apenas uma aplicação do princípio expresso no artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho, segundo o qual os agentes são obrigados a executar as suas tarefas de forma conscienciosa e desinteressada, princípio que, em si mesmo, é a mera expressão do princípio segundo o qual o contrato de trabalho deve ser cumprido de boa fé.

122.
    O artigo 3.1 da circular n.° 11/98 apenas tem, por isso, como objecto exprimir um princípio elementar e fundamental, subjacente a qualquer contrato de trabalho, que se aplica com toda a evidência, mesmo na ausência de qualquer estipulação expressa. Além disso, constitui uma simples aplicação do artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho. Independentemente da questão da legalidade da circular n.° 11/98, a regra que a mesma exprime impõe-se, por conseguinte, em todo o caso, quer com base no referido princípio quer com base nessa disposição das condições de trabalho.

123.
    Daí resulta que a obrigação de o agente do BCE apenas utilizar, em princípio, os utensílios de trabalho colocados à sua disposição pela entidade patronal para fins profissionais existe independentemente da legalidade do artigo 3.1 da circular n.° 11/98. A questão prévia da ilegalidade não é, por isso, pertinente. Por conseguinte, é inadmissível.

B - Quanto à legalidade das decisões impugnadas

1. Quanto ao fundamento de inexistência de processo pré-contencioso

Exposição sumária dos argumentos das partes

124.
    O recorrente expõe na réplica que a decisão de 9 de Novembro de 1999 é ilegal. A esse propósito, observa que o seu advogado, por carta de 10 de Novembro de 1999, pediu a apreciação administrativa pré-contenciosa dessa decisão com base no artigo 41.° das condições de trabalho e que a resposta do BCE, por carta de 17 de Novembro de 1999, segundo a qual a referida decisão não podia ser objecto desse procedimento, é juridicamente errada e contrária ao artigo 41.° das condições de trabalho. Com efeito, este preceito apenas exclui essa apreciação relativamente a uma decisão do Conselho de Governadores. Todavia, no caso vertente, a decisão em questão foi adoptada pela Comissão Executiva.

125.
    Observa que o procedimento de apreciação administrativa pré-contenciosa previsto pelo artigo 41.° das condições de trabalho tem por objectivo permitir ao agente autor da reclamação obrigar o BCE a examinar mais uma vez os seus argumentos, antes da adopção de uma decisão definitiva. Antes da aplicação deste procedimento, os efeitos da decisão inicial ficam suspensos. Todavia, quando o procedimento de apreciação administrativa pré-contenciosa tenha sido recusado em infracção do artigo 41.° das condições de trabalho, a decisão objecto de reclamação é definitivamente desprovida de efeitos jurídicos.

126.
    No mesmo articulado, o recorrente retoma esta argumentação no que respeita à decisão de despedimento. A este propósito, observa, a título de facto novo, que o seu advogado, por carta de 26 de Novembro de 1999, pediu ao BCE que procedesse à apreciação administrativa pré-contenciosa dessa decisão e que, por carta de 9 de Dezembro de 1999, ou seja, posteriormente à apresentação da petição inicial, a administração do BCE o informou de que essa decisão, pelas mesmas razões que as invocadas no que respeita à decisão de 9 de Novembro de 1999, não podia ser objecto de tal procedimento.

127.
    O BCE argumenta, a título principal, que este fundamento é inadmissível porque extemporâneo e, a título subsidiário, que o mesmo não é procedente, já que as decisões impugnadas, uma vez que foram adoptadas pela Comissão Executiva do BCE, não podem ser objecto de apreciação administrativa pré-contenciosa.

Apreciação do Tribunal

128.
    O artigo 41.° das condições de trabalho dispõe:

«Os membros do pessoal podem, recorrendo ao processo previsto no estatuto do pessoal, submeter à administração, com vista à apreciação pré-contenciosa ['administrative review'], queixas e reclamações que esta apreciará sob o ponto de vista da coerência dos actos tomados em cada caso individual à luz da política de pessoal e das condições de trabalho do BCE. Os membros do pessoal que não tenham obtido satisfação na sequência da apreciação administrativa pré-contenciosa, podem recorrer ao processo de reclamação ['grievance procedure'] previsto no estatuto do pessoal.

Os procedimentos acima referidos não podem ser utilizados para impugnar:

i)    qualquer decisão do Conselho de Governadores ou qualquer directiva interna do BCE, incluindo qualquer directiva fixada nas condições gerais de trabalho ou no estatuto do pessoal,

ii)    qualquer decisão para a qual existam processos específicos de recurso, ou

iii)    qualquer decisão de não confirmar a nomeação de um membro do pessoal que tenha a qualidade de estagiário.»

129.
    O estatuto do pessoal descreve, no seu artigo 8.1, por um lado, o procedimento de apreciação administrativa pré-contenciosa e, por outro, o processo de reclamação. Estes dois procedimentos são complementares.

130.
    No primeiro procedimento, se a questão incidir essencialmente em matéria da competência da divisão em que o agente está colocado, este deve submetê-la ao seu chefe de divisão. Se relevar da responsabilidade do director do pessoal, deve submetê-la ao director do pessoal. Se a questão não for resolvida de modo satisfatório no prazo de um mês, ou se o agente não desejar submetê-la às entidades acima referidas, pode recorrer, na primeira hipótese, ao director ou ao director-geral e, na segunda, ao director-geral da administração e do pessoal. Estes devem adoptar, no prazo de um mês a partir da comunicação da questão, uma decisão fundamentada que será notificada ao agente.

131.
    O agente que não ficar satisfeito com a decisão assim tomada ou que não tenha recebido resposta no prazo de um mês pode utilizar o processo de reclamação (artigos 8.1.4 e 8.1.5 do estatuto do pessoal). Para o efeito, o agente dirigirá um requerimento ao presidente do BCE, no qual precisará as razões que o levam a contestar a decisão e o remédio que solicita. O presidente responderá por escrito no prazo de um mês (artigo 8.1.5 do estatuto do pessoal). A instauração do processo de reclamação não suspende a decisão impugnada (artigo 8.1.6 do estatuto do pessoal).

132.
    No caso vertente, o recorrente formulou um pedido de apreciação administrativa pré-contenciosa da decisão de 9 de Novembro de 1999 e depois da decisão de 18 de Novembro de 1999 que determinou o seu despedimento.

133.
    O BCE respondeu-lhe, no que respeita ao primeiro pedido, em 17 de Novembro de 1999 e, no que respeita ao segundo pedido, em 9 de Dezembro de 1999 (portanto, posteriormente à interposição do recurso, apresentado em 25 de Novembro de 1999).

134.
    No que respeita à admissibilidade do fundamento, deve recordar-se que o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo estabelece que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

135.
    Neste caso, a recusa de aceder ao pedido de apreciação administrativa pré-contenciosa da decisão de 9 de Novembro de 1999 foi levada ao conhecimento do recorrente anteriormente à apresentação da petição inicial. Pelo contrário, a mesma recusa no que respeita à decisão de despedimento só lhe foi comunicada posteriormente.

136.
    Daí resulta que a contestação da primeira recusa, formulada pela primeira vez na réplica, é inadmissível, uma vez que se relaciona com um elemento já conhecido antes da apresentação da petição inicial. Pelo contrário, a contestação da segunda recusa é admissível, uma vez que se relaciona com um elemento que só se revelou no decurso do processo.

137.
    No que respeita ao mérito desta contestação, resulta das condições de trabalho que o despedimento deve ser decidido pela Comissão Executiva do BCE [artigos 11.°, alínea a), e 43.°, alínea ii)]. Ora, no estatuto do pessoal, a autoridade competente para proceder à apreciação administrativa pré-contenciosa é ou o chefe de divisão, o director ou o director-geral da divisão do agente, se a questão relevar principalmente desta divisão, ou o director do pessoal ou o director-geral da administração e do pessoal, se a questão relevar principalmente da direcção do pessoal. Por conseguinte, a possibilidade de apreciação administrativa pré-contenciosa de uma questão que releva, como no caso vertente, da competência da Comissão Executiva do BCE não está prevista pelo estatuto do pessoal.

138.
    Além disso, o processo de reclamação, que constitui a sequência necessária do procedimento de apreciação administrativa pré-contenciosa, não podia, neste caso concreto, ser aplicado com base nas disposições do estatuto do pessoal. A autoridade designada no estatuto do pessoal no quadro do processo de reclamação é, com efeito, o presidente do BCE ou, em caso de ausência, o vice-presidente ou, se os dois estiverem ausentes, um outro membro da Comissão Executiva. Ora,embora se admita que o membro de uma instituição que tenha tomado, na qualidade de autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»), uma decisão que causa prejuízo a um agente não é obrigado a abster-se de participar na deliberação do colectivo dos membros dessa instituição sobre a reclamação apresentada pelo agente contra a decisão em questão (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 1980, Vecchioli/Comissão, 101/79, Recueil, p. 3069, n.° 31), não pode admitir-se que um membro de uma instituição ou de um organismo como o BCE tenha em exclusivo o direito de se pronunciar sobre uma reclamação dirigida contra uma decisão que foi adoptada pelo colectivo dos membros dessa instituição ou desse organismo e, por conseguinte, de apreciar sozinho as censuras dirigidas a uma decisão colegial na qual ele participou.

139.
    Daí resulta que o procedimento de apreciação administrativa pré-contenciosa e o processo de reclamação não podiam, neste caso concreto, ser aplicados com base nas disposições do estatuto do pessoal.

140.
    A este propósito, o recorrente sustenta, essencialmente, que, no estatuto do pessoal, foi feita errada aplicação do artigo 41.° das condições de trabalho, que não excluiu a possibilidade de prever um procedimento pré-contencioso contra as decisões do tipo da decisão impugnada. Baseia-se, para o efeito, na redacção do artigo 41.° das condições de trabalho, que dispõe que o procedimento pré-contencioso não pode ser aplicado relativamente às três categorias de decisões enumeradas, a saber, as decisões do Conselho de Governadores do BCE ou qualquer directiva interna do BCE, incluindo qualquer directiva fixada nas condições gerais de trabalho ou no estatuto do pessoal, qualquer decisão para a qual existam processos específicos de recurso, ou qualquer decisão de não confirmar a nomeação de um membro do pessoal que tenha a qualidade de estagiário. A categoria a que pertence a decisão em questão, a saber, a das decisões disciplinares que relevam, nos termos do artigo 43.°, alínea ii), das condições de trabalho, da competência da Comissão Executiva do BCE, não figura, por conseguinte, entre estas excepções.

141.
    Coloca-se, por conseguinte, a questão de saber se a enumeração, pelo artigo 41.° das condições de trabalho, dos casos de exclusão do procedimento pré-contencioso é limitativa.

142.
    Deve observar-se a este respeito, por um lado, que as condições de trabalho conferem competência à Comissão Executiva para decidir das medidas disciplinares previstas no artigo 43.°, alínea ii), incluindo o despedimento. Por outro lado, o único órgão de decisão que, no seio do BCE, é, do ponto de vista hierárquico, superior à Comissão Executiva é o Conselho de Governadores. Ora, este último não é competente para conhecer das decisões disciplinares da Comissão Executiva. Com efeito, resulta do artigo 11.6 dos Estatutos do SEBC que só a Comissão Executiva é a responsável da gestão corrente do BCE.

143.
    Na lógica dos Estatutos do SEBC e das condições de trabalho, não existe, portanto, qualquer autoridade competente para conhecer do procedimento pré-contencioso em duas etapas previsto pelo artigo 41.° das condições de trabalho contra as decisões da Comissão Executiva.

144.
    Estas decisões não estão, portanto, abrangidas pelo procedimento definido por esse artigo, embora este não contenha qualquer indicação a esse respeito.

145.
    Esta ausência de procedimento pré-contencioso é compensada pelo facto de as decisões em questão serem, nos termos do artigo 43.° das condições de trabalho, adoptadas na sequência de um processo contraditório, devendo ser garantida aos agentes interessados a ocasião de tomarem posição sobre as acusações que lhe são imputadas.

146.
    Este fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

2. Quanto ao fundamento baseado na violação do princípio ne bis in idem

Exposição sumária da argumentação das partes

147.
    O recorrente considera que o facto de a Comissão Executiva do BCE, por um lado, ter decidido em 9 de Novembro de 1999, com base no resultado do processo disciplinar, manter a sua suspensão, decidida em 18 de Outubro de 1999, e reter, a partir de 10 de Novembro de 1999, metade do seu vencimento de base, nos termos do artigo 44.° das condições de trabalho, e, por outro lado, ter decidido em 18 de Novembro de 1999, pelas mesmas razões, o seu despedimento conduz a sancioná-lo duas vezes pelos mesmos factos e viola, por conseguinte, o princípio ne bis in idem.

148.
    O BCE admite que o princípio ne bis in idem proíbe que se apliquem várias sanções disciplinares por uma única e mesma infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1966, Gutmann/Comissão, 18/65 e 35/65, Recueil, p. 149, Colect. 1965-1968, p. 325. Neste caso concreto, este princípio não é, todavia, infringido. Deve distinguir-se a suspensão, que constitui apenas uma medida provisória, do despedimento, que foi a única sanção infligida neste caso concreto.

Apreciação do Tribunal

149.
    Convém observar que, contrariamente ao Estatuto dos Funcionários, que dispõe no seu artigo 86.°, n.° 3, que «uma mesma infracção não pode dar origem a mais que uma sanção disciplinar», as condições de trabalho e o estatuto do pessoal não contêm qualquer disposição que imponha o respeito deste princípio. Constitui, todavia, um princípio geral de direito comunitário que se impõe independentemente de qualquer diploma legal (v., neste sentido, o acórdão Gutmann/Comissão, já referido, p. 172).

150.
    Neste caso, o recorrente foi sucessivamente alvo, por parte da Comissão Executiva do BCE, em 18 de Outubro de 1999, de uma medida de suspensão sem redução do salário, com base no artigo 44.° das condições de trabalho; posteriormente, em 9 de Novembro de 1999, de uma confirmação dessa suspensão acompanhada, com efeitos a partir de 10 de Novembro de 1999, de uma redução de metade do salário, com o mesmo fundamento e, em 18 de Novembro de 1999, de um despedimento, com base nos artigos 11.°, alíneas a) e b), e 43.° das condições de trabalho.

151.
    Na decisão de 9 de Novembro de 1999, a Comissão Executiva do BCE decidiu uma medida de suspensão, que tem natureza provisória dado que, nomeadamente, o artigo 44.°, terceiro parágrafo, das condições de trabalho, que se inspira no artigo 88.°, quarto parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, dispõe: «Se, nos quatro meses seguintes à suspensão, a situação do agente suspenso ainda não tiver sido definitivamente decidida ou se a este último apenas tiver sido feita uma advertência, o interessado tem direito ao reembolso dos montantes retidos a título de suspensão.» Esta medida não entra, pois, em linha de conta para efeitos de aplicação do princípio em causa.

152.
    Só na decisão de 18 de Novembro de 1999 é que a Comissão Executiva do BCE pôs termo ao processo disciplinar instaurado contra o recorrente e decidiu aplicar-lhe a sanção prevista pelo artigo 43.° das condições de trabalho.

153.
    O fundamento deve, pois, ser julgado improcedente.

3. Quanto ao fundamento baseado na violação dos direitos de defesa

Exposição sumária dos argumentos das partes

154.
    O recorrente sustenta que os seus direitos de defesa foram violados no decurso do processo disciplinar.

155.
    Esta violação afecta, em primeiro lugar, a audição de 3 de Novembro de 1999, e isto de uma dupla perspectiva.

156.
    Em primeiro lugar, o BCE não precisou, anteriormente a essa audição, a extensão exacta das faltas que lhe censurava. É verdade que foi entregue ao recorrente, em 28 de Outubro de 1999, um processo contendo 900 páginas e um CD-ROM. O BCE, todavia, não indicou ao recorrente quais, entre os numerosos factos que aí se encontravam relatados, entendia imputar-lhe. O BCE só no parecer fundamentado de 8 de Novembro de 1999 precisou, pela primeira vez, as acusações retidas contra o recorrente.

157.
    Em segundo lugar, o recorrente expõe na réplica que, dado o carácter muito volumoso do processo, não dispôs de um prazo suficiente entre a data da entrega deste ao seu advogado, em 28 de Outubro de 1999, e a data da audição, em 3 de Novembro de 1999, para preparar a sua defesa.

158.
    Segundo o recorrente, os seus direitos de defesa foram violados, em segundo lugar, pelo facto de o BCE, tendo-lhe precisado pela primeira vez os factos que lhe eram imputados no parecer fundamentado de 8 de Novembro de 1999, ter adoptado logo no dia seguinte uma decisão disciplinar, ou seja, a decisão de 9 de Novembro de 1999, sem lhe dar a possibilidade de apresentar as suas observações. Com efeito, como o BCE instruiu o processo da mesma forma que uma autoridade do Ministério Público, deveria ter-se mantido estritamente nos princípios do Estado de direito e conceder ao interessado o direito a ser ouvido, antes de qualquer tomada de decisão.

159.
    O recorrente sustenta, em terceiro lugar, que o facto de o BCE ter lembrado ao seu advogado, na sequência da sua correspondência de 9 e 10 de Novembro de 1999, redigida em alemão, que a língua de trabalho que devia ser utilizada, em princípio, era o inglês, deve ser considerado como uma tentativa de tornar mais difícil o exercício dos meios de recurso e leva a pensar que ele não pôde efectivamente defender-se de forma eficaz com as cartas redigidas em alemão.

160.
    O BCE recorda que o respeito dos direitos de defesa pressupõe que o interessado seja previamente informado das acusações que lhe são feitas pela autoridade competente e que disponha de um prazo razoável para preparar a sua defesa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 1988, Misset/Conselho, 319/85, Colect., p. 1861, n.° 7, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 1998, Tzoanos/Comissão, T-74/96, ColectFP, pp. I-A-129 e II-343, n.° 329).

161.
    O BCE sustenta que respeitou integralmente estas condições.

Apreciação do Tribunal

162.
    A título de observação prévia, deve recordar-se que, em matéria disciplinar, o agente colocado em causa beneficia do princípio geral do respeito dos direitos de defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1999, Tzoanos/Comissão, C-191/98 P, Colect., p. I-8223, n.° 34). Todavia, o processo disciplinar não é judiciário, mas administrativo, e a administração não pode ser qualificada de «tribunal» na acepção do artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (acórdão de 19 de Março de 1998, Tzoanos/Comissão, já referido, n.° 339, confirmado em recurso pelo acórdão de 18 de Novembro de 1999, Tzoanos/Comissão, já referido).

163.
    O recorrente considera que os seus direitos de defesa foram violados por três vezes, a saber, em primeiro lugar, na audição de 3 de Novembro de 1999, em segundo lugar, na adopção da decisão de 9 de Novembro de 1999 e, em terceiro lugar, no momento em que o BCE recordou que a sua língua de trabalho interna é o inglês.

164.
    No que respeita, primeiramente, aos argumentos que se relacionam com a audição de 3 de Novembro de 1999, o recorrente censura o BCE, em primeiro lugar, por este não o ter informado previamente dos factos que lhe eram censurados e, em segundo lugar, de lhe ter dado um prazo de preparação insuficiente.

165.
    Quanto ao argumento baseado na falta de comunicação prévia das acusações, deve recordar-se que o artigo 43.° das condições de trabalho dispõe: «As medidas disciplinares [...] são adoptadas em conformidade com o processo definido no estatuto do pessoal. O referido processo deve velar por que a nenhum agente seja aplicada uma sanção disciplinar sem previamente lhe ter sido dada a possibilidade de responder às acusações.» O estatuto do pessoal não contém todavia qualquer disposição relativa à tramitação do processo disciplinar.

166.
    As condições de trabalho e o estatuto do pessoal não contêm, portanto, qualquer disposição do tipo da que consta no artigo 1.° do anexo IX do Estatuto dos Funcionários, que dispõe que deve ser entregue ao funcionário contra o qual foi instaurado um processo disciplinar «um relatório elaborado pela [AIPN] que deve indicar claramente os factos imputados e, se necessário, as circunstâncias em que os mesmos foram praticados». Do mesmo modo, o regulamento do pessoal do BEI dispõe que o membro do pessoal contra o qual foi instaurado o processo disciplinar «recebe, por escrito, a comunicação dos factos que lhe são imputados [...] antes da data prevista para a reunião da comissão» paritária, que assume funções semelhantes às do conselho de disciplina previsto pelo Estatuto dos Funcionários (acórdão Yasse/BEI, já referido, n.° 5).

167.
    Do mesmo modo, a jurisprudência interpretou o artigo 87.°, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, segundo o qual o funcionário que é alvo de processo disciplinar que apenas origine a sanção de advertência ou de repreensão e que não necessite da consulta do conselho de disciplina «deve ser previamente ouvido», no sentido de que esta disposição exige que o interessado seja previamente informado das acusações que lhe são feitas pela AIPN (acórdão Misset/Conselho, já referido, n.° 7).

168.
    Daqui resulta que esta mesma exigência deve ser alargada mutatis mutandis ao processo disciplinar aplicável aos agentes do BCE, e isto por maioria de razão quando as condições de trabalho obrigam esta entidade a garantir ao agente em questão a possibilidade de responder às acusações imputadas (the «opportunity to reply to the relevant charges first being granted»).

169.
    Neste caso concreto, deve observar-se, antes de mais, que, anteriormente à audição de 3 de Novembro de 1999, foi notificada ao recorrente a decisão de suspensão de 18 de Outubro de 1999, na qual foram enumeradas as séries de factos que lhe eram imputados, a saber, em primeiro lugar, ter utilizado de forma repetida o acesso à Internet do BCE para consultar sítios para uso não profissional, o que implica uma perda de produtividade desta, e de ter enviado um certo número de mensagens electrónicas de conteúdo sexual ou político e, em segundo lugar, terassediado um dos seus colegas, enviando-lhe repetidamente, por um lado, e não obstante a sua oposição, mensagens electrónicas de carácter sexual ou contendo biografias ou fotografias dos responsáveis do regime nazi, e, por outro lado, por diferentes incidentes verbais e não verbais, tais como lançamento de objectos, gestos sexuais provocatórios e uma atitude ameaçadora.

170.
    Em seguida, estas alegações foram precisadas e completadas pela entrega, em 28 de Outubro de 1999, de um processo contendo 900 páginas e um CD-ROM. Neste processo, do qual foi remetida uma cópia ao Tribunal, constam:

-    uma cópia de 19 mensagens electrónicas internas enviadas pelo recorrente ao colega que se suspeita ter assediado (anexo 1 do processo);

-    uma cópia das mensagens electrónicas enviadas por este colega e pelos superiores do recorrente como reacção aos envios acima referidos e a outros factos imputados a este último bem como deposições circunstanciadas deste colega e dos seus superiores contra os comportamentos do recorrente (anexo 2 deste processo);

-    uma lista das mensagens electrónicas enviadas pelo recorrente para o interior e para o exterior do BCE entre 16 de Julho e 18 de Outubro de 1999, classificadas em função do seu carácter não profissional e profissional, e uma cópia de cada uma delas; um quadro relativo à consulta de sítios Internet de uso não profissional no decurso de alguns dias, com uma descrição da natureza dos sítios consultados e do tempo de consulta, bem como uma lista destes sítios; uma lista de sequências animadas enviadas por correio electrónico para o interior e para exterior do BCE, contendo em grande parte um conteúdo pornográfico, bem como um CD-ROM que permite visualizar estas sequências (anexos 3 a 5);

-    uma cópia das condições de trabalho, do estatuto do pessoal e da circular n.° 11/98.

171.
    Este processo estava organizado de forma muito clara. Continha uma lista que recenseava e descrevia o conteúdo de todos os anexos e cada anexo continha uma lista que resumia e qualificava o seu conteúdo. Por outro lado, na sua maior parte, era composto de documentos que emanavam do próprio recorrente.

172.
    Daqui resulta que o recorrente, neste caso concreto, foi suficientemente posto em condições de conhecer os factos que lhe eram imputados.

173.
    Quanto ao argumento baseado no tempo de preparação insuficiente, deve concluir-se que o BCE suscita a respectiva inadmissibilidade em virtude de esse argumento ter sido apresentado pela primeira vez apenas na réplica, de forma que constitui um fundamento novo, e, por isso, inadmissível.

174.
    É verdade que o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo estabelece que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Todavia, um fundamento que constitui a ampliação de um fundamento anteriormente enunciado, directa ou implicitamente, na petição introdutória da instância e que apresenta um nexo estreito como este deve ser considerado admissível (acórdão do Tribunal de 17 de Julho de 1998, Hubert/Comissão, T-28/97, ColectFP, pp. I-A-435 e II-1255, n.° 38, e jurisprudência aí referida). Neste caso, o recorrente formulou na petição inicial um fundamento baseado em que os seus direitos de defesa foram violados por ocasião da audição de 3 de Novembro de 1999. A esse respeito, declarou que não tinha podido defender-se de forma útil nessa audição em virtude de o processo que lhe tinha sido remetido em 28 de Outubro de 1999 não lhe permitir conhecer exactamente os factos que lhe eram imputados. Por conseguinte, o argumento em questão, baseado no pouco tempo disponível entre a remessa desse processo e a audição, constitui uma ampliação daquele fundamento e apresenta um nexo estreito com ele. É, por isso, admissível.

175.
    No que respeita ao mérito destes argumentos, deve recordar-se que o anexo IX do Estatuto dos Funcionários, relativo ao processo disciplinar, dispõe no seu artigo 4.°, primeiro parágrafo: «O funcionário acusado dispõe, para preparar a sua defesa, de um prazo mínimo de quinze dias a contar da data da recepção do relatório que dá início ao processo disciplinar.» O regulamento do pessoal do BEI prevê também, no seu artigo 4.°, que o membro do pessoal contra o qual tenha sido instaurado um processo disciplinar «recebe, por escrito, uma comunicação dos factos que lhe são imputados pelo menos quinze dias antes da data prevista para a reunião da comissão» paritária chamada a dar parecer.

176.
    Além disso, a jurisprudência interpreta a exigência, já referida, do artigo 87.° do Estatuto dos Funcionários no sentido de que o funcionário em questão deve ser previamente informado das acusações que lhe são feitas e deve dispor de um prazo razoável para preparar a sua defesa (acórdão Misset/Conselho, já referido, n.° 7).

177.
    Esta última exigência aplica-se também, mutatis mutandis, mesmo na falta de disposições neste sentido no estatuto do pessoal, ao agente do BCE que é objecto de processo disciplinar, e isto por maioria de razão quando o artigo 43.° das condições de trabalho dispõe, de forma semelhante ao artigo 87.° do Estatuto dos Funcionários, que «o referido processo deve velar por que a nenhum agente seja aplicada uma sanção disciplinar sem, previamente, lhe ter sido dada a possibilidade de responder às acusações».

178.
    Neste caso, foi entregue ao advogado do recorrente o processo já mencionado na quinta-feira 28 de Outubro de 1999, tendo a audição ocorrido na quarta-feira 3 de Novembro de 1999. Dispôs portanto de um tempo de preparação de três dias úteis. Este prazo é, em princípio, demasiado curto, sobretudo tendo em conta que o Estatuto dos Funcionários e o regulamento do pessoal do BEI prevêem um prazode quinze dias. Considerando as circunstâncias específicas deste caso, postas em relevo pelo BCE com razão, deve, todavia, considerar-se razoável.

179.
    Com efeito, em primeiro lugar, o recorrente já tinha sido posto em condições de conhecer a natureza dos factos que lhe eram censurados e a qualificação jurídica destes pela decisão de suspensão de 18 de Outubro de 1999. O processo enviado em 28 de Outubro de 1999 apenas tinha por objecto completar essa informação por provas e ilustrações. Em segundo lugar, nem o recorrente nem o advogado solicitaram um adiamento da audição. Em terceiro lugar, a audição não foi a única ocasião fornecida ao recorrente para apresentar o seu ponto de vista. Foi-lhe proposta essa possibilidade uma segunda vez por ocasião da comunicação do parecer fundamentado, em 8 de Novembro de 1999. A carta de acompanhamento deste parecer convidava, com efeito, o recorrente a apresentar os seus eventuais comentários nos cinco dias úteis seguintes, ou seja, até 15 de Novembro de 1999. O advogado do recorrente fez, aliás, uso desta faculdade através de duas cartas enviadas em 9 e 10 de Novembro de 1999.

180.
    Deve recordar-se, finalmente, que o processo enviado em 28 de Outubro de 1999, embora contenha mais de 900 páginas, é, na sua maior parte, composto por mensagens emanadas do próprio recorrente. Além disso, os documentos consistem, como observa o BCE, em textos curtos facilmente compreensíveis. Só o anexo 2 do processo é que contém, em parte, documentos que o recorrente não conhecia ainda, ou seja, as deposições do seu colega assediado e dos seus superiores hierárquicos. Todavia, estes documentos apenas representavam uma dezena de páginas.

181.
    O argumento baseado no tempo de preparação insuficiente deve, portanto, ser julgado improcedente.

182.
    Em segundo lugar, no que respeita à censura feita ao BCE por não ter dado ao recorrente a possibilidade de apresentar as suas observações anteriormente à decisão de 9 de Novembro de 1999, deve recordar-se que esta decisão constitui uma medida provisória, baseada no artigo 44.° das condições de trabalho. Este artigo, que rege as medidas de suspensão contra agentes do BCE, não prevê formalmente o direito do agente a ser ouvido.

183.
    Todavia, o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de conduzir a um acto que lhe cause prejuízo constitui um princípio fundamental de direito comunitário que deve ser observado mesmo na falta de uma disposição expressa que o preveja. Ora, uma decisão de suspensão de um agente do BCE tomada nos termos do artigo 44.° das condições de trabalho constitui um acto que causa prejuízo. Daí resulta que, embora tendo em conta a urgência que normalmente existe em adoptar uma decisão de suspensão face a uma alegação de infracção grave, tal decisão deve ser adoptada no respeito dos direitos de defesa. Por conseguinte, salvo circunstâncias particulares devidamenteprovadas, uma decisão de suspensão só pode ser tomada depois de esse agente ter sido colocado em posição de dar a conhecer de forma útil o seu ponto de vista sobre os elementos que lhe são imputados e sobre os quais a autoridade competente prevê fundar essa decisão. Só em circunstâncias particulares é que pode revelar-se impossível na prática, ou incompatível com o interesse do serviço, proceder a uma audição antes da adopção de uma medida de suspensão. Em tais circunstâncias, as exigências que decorrem do princípio do respeito dos direitos de defesa podem ser satisfeitas por uma audição do agente interessado no prazo mais curto a partir da decisão de suspensão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2000, F/Comissão, T-211/98, ColectFP, pp. I-A-107 e II-471, n.os 27, 28, 30 a 32 e 34).

184.
    A este propósito, deve observar-se que, no caso vertente, o recorrente pôde apresentar o seu ponto de vista quanto aos elementos retidos contra ele na audição de 3 de Novembro de 1999. Nestas circunstâncias, e como os princípios acima recordados não exigem que, adicionalmente, o agente seja chamado a apresentar o seu ponto de vista quanto à oportunidade e à natureza de uma eventual medida de suspensão que pudesse ser consequência dos elementos considerados contra ele, o argumento não é procedente.

185.
    Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento baseado numa pretensa tentativa do BCE de tornar mais difícil o exercício dos direitos de defesa na medida em que exigiu a utilização da língua inglesa, resulta dos elementos do processo o seguinte:

-    em 8 de Novembro de 1999, a Direcção-Geral da Administração e do Pessoal e a Direcção-Geral dos Serviços Jurídicos do BCE emitiram e transmitiram ao advogado do recorrente uma cópia dum parecer fundamentado destinado à Comissão Executiva do BCE, no qual resumiam os factos imputados ao recorrente, faziam a respectiva qualificação e propunham uma sanção, a saber, o despedimento;

-    em 9 e 10 de Novembro de 1999, o advogado do recorrente tomou posição sobre esse parecer em duas cartas redigidas em língua alemã;

-    em 12 de Novembro de 1999, o BCE acusou a recepção destas cartas e lembrou que a língua inglesa constituía a sua língua de trabalho interna; acrescentou: «Todavia, relativamente às suas cartas de 9 e 10 de Novembro de 1999, para não atrasar mais o processo, o BCE aceitará estes documentos mesmo redigidos numa língua diferente da língua usual dos contratos e da língua veicular do BCE. A presente decisão não deve ser considerada como um precedente»;

-    em 15 de Novembro de 1999, o advogado do recorrente dirigiu uma carta ao presidente do BCE na qual se queixava do tom arrogante da carta de 12 de Novembro de 1999, anunciava que utilizaria a língua alemã na suacorrespondência futura dirigida ao BCE e pedia que o BCE lhe confirmasse formalmente que a aceitaria;

-    em 18 de Novembro de 1999, o director-geral da administração e do pessoal respondeu, contestando que a carta de 12 de Novembro de 1999 tivesse denotado um tom arrogante e observando que o BCE, ao aceitar tratar a correspondência redigida em língua alemã, se mostrara mais conciliador do que lhe era legalmente exigível.

186.
    Resulta desta cronologia dos factos que o BCE se limitou a recordar que o inglês era a sua língua de trabalho. Não recusou a correspondência do advogado do recorrente redigida em língua alemã. Precisou até que a aceitaria, não obstante o facto de tal correspondência dever, em princípio, ser redigida em língua inglesa. O argumento deve, portanto, ser julgado improcedente.

4. Quanto ao fundamento baseado na irregularidade de certas provas

187.
    O recorrente apresentou o fundamento em questão da forma seguinte, no ponto 3.4 da petição inicial:

«O recorrente já teve ocasião de observar que existem casos de proibição no que respeita à obtenção de certos meios de prova. O recorrido não informou até agora em pormenor - com as respectivas provas - de que forma obteve as informações que conduziram às acusações feitas no processo disciplinar. Remetemos a este propósito para as reservas feitas pelo mandatário ad litem na audição de 3 de Novembro de 1999.»

188.
    O BCE contesta, a título principal, a admissibilidade deste fundamento e, a título subsidiário, a sua procedência.

189.
    O Tribunal recorda que, para que um recurso, ou um fundamento, seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (v., por exemplo, o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Junho de 2000, Schuerer/Conselho, T-338/99, Colect., p. II-2571, n.° 19).

190.
    Ora, no caso vertente, o recorrente não apresenta, ainda que de forma sumária, os argumentos de facto e de direito em que assenta o fundamento em causa. Limita-se a remeter, sem outra explicação, para as reservas expressas pelo seu advogado na audição de 3 de Novembro de 1999. Na falta de precisões complementares, é difícil saber com exactidão quais, de entre as numerosas observações feitas pelo advogado do recorrente no decurso dessa audição e que estão consignadas na acta da mesma, são especificamente referidas. Além disso, o recorrente não fornece precisões complementares na réplica. Em todo o caso, não compete ao Tribunal procurar eidentificar, nos anexos, os elementos que poderia considerar como constituindo o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T-84/96, Colect., p. II-2081, n.° 34).

191.
    Nestas circunstâncias, este fundamento deve ser julgado inadmissível.

192.
    A título de exaustão, deve acrescentar-se que as condições em que o BCE entrou na posse dos elementos de prova apresentados no caso vertente foram esclarecidas por este e levadas ao conhecimento do recorrente. Com efeito, resulta do parecer fundamentado (ponto I) e da decisão de despedimento (ponto 4) que, no âmbito do processo disciplinar, se procedeu a um exame, através de uma análise da memória do servidor do BCE ao qual estão ligados todos os computadores individuais instalados nas suas instalações, por um lado, das mensagens electrónicas enviadas pelo recorrente, a partir do computador que lhe tinha sido atribuído no seu local de trabalho, para o interior e exterior do BCE e, por outro lado, dos sítios na Internet consultados pelo recorrente a partir deste computador. Também se indica que se procedeu a uma audição de testemunhas, a saber, do chefe dos arquivos, do superior hierárquico directo do recorrente e do colega que se suspeita ter assediado, e à audição do recorrente, em 3 de Novembro de 1999.

193.
    Além disso, estes exames foram efectuados no âmbito de um processo disciplinar dirigido contra o recorrente e posteriormente à abertura do mesmo, os seus resultados foram levados ao conhecimento do recorrente e foi-lhe dada a possibilidade de tomar posição a esse respeito.

194.
    Este fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

5. Quanto ao fundamento baseado na falta de prova dos factos imputados

Exposição sumária dos argumentos das partes

195.
    Na réplica, o recorrente afirma que o ónus da prova da legalidade e da natureza apropriada da medida disciplinar incumbe ao BCE, sendo esta regra uma norma substancial e não uma norma processual. Compete ao BCE provar, em conformidade com o artigo 43.° das condições de trabalho, a existência dos factos que estão na base da medida disciplinar e o carácter proporcionado dessa medida em relação à gravidade desses factos. Compete-lhe, pois, precisar os factos que motivaram a medida disciplinar e, se necessário, fazer a respectiva prova. O agente pode limitar-se a contestar a legalidade da medida. A sua contestação obriga o BCE a fazer prova da legalidade desta. No decurso do processo disciplinar, o agente podia manter-se em silêncio, sem que isso constituísse uma renúncia ao seu direito de contestar em juízo as alegações do BCE.

196.
    Com base nestes princípios, o recorrente contesta que tivesse reconhecido os factos que lhe são imputados. Longe de se ter mantido em silêncio no decurso doprocesso disciplinar, contestou, aliás, as censuras que lhe foram dirigidas na carta do seu advogado de 10 de Novembro de 1999.

197.
    O BCE nem sequer conseguiu, na opinião do recorrente, estabelecer um início de prova dos fundamentos do despedimento.

198.
    O recorrente observa em primeiro lugar, a este propósito, que, se o BCE pretendesse basear-se no processo de 900 páginas e no CD-ROM para provar a legalidade das medidas disciplinares, devia precisar quais são as censuras e os documentos pertinentes. Devia também indicar as motivações subjectivas em que se funda a decisão de despedimento, já que só ele as conhece.

199.
    Em segundo lugar, o recorrente contesta, nomeadamente, que se tenha qualificado regularmente de «OaO/MoU» (One and Only/Master of the Universe). Quando muito, foi verdade que empregou estes termos algumas vezes no círculo dos seus colegas e em sentido irónico. Contesta, da mesma forma, ter feito regularmente observações inconvenientes relativamente aos seus colegas ou ter-se comportado em relação a eles de forma indecente ou provocatória, ter tido desde o início uma atitude negativa em relação a um colega determinado, ter assediado um colega de trabalho e ter sido informado por este da sua reprovação. Compete ao BCE precisar esta censura, a fim de colocar o recorrente em condições de se defender.

200.
    Em terceiro lugar, compete ao BCE precisar em que data o recorrente obteve as mensagens de carácter pornográfico ou de conteúdo político que transmitiu a terceiros através de mensagens electrónicas.

201.
    Em quarto lugar, o recorrente contesta que os documentos de carácter pornográfico e as biografias de dirigentes nazis, que figuram no processo, constituam per se uma causa de despedimento. Daí não resulta que o recorrente se identificasse com a mensagem política dos nazis. Quando muito, poderia sustentar-se que estes documentos provam que a circular n.° 11/98, que proíbe o acesso a esses documentos pela Internet, foi violada. Ora, esta circunstância não é pertinente, dado que a circular não faz parte das disposições contratualmente aceites pelas partes e não está legalmente em vigor.

202.
    Em quinto lugar, o BCE não provou que as mensagens electrónicas que são objecto das censuras foram efectivamente enviadas pelo próprio recorrente e que, por conseguinte, no decurso do período considerado, só o recorrente tinha acesso ao seu computador.

203.
    O BCE considera que o fundamento em questão, apresentado pela primeira vez na réplica, é inadmissível nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

204.
    O BCE observa que o recorrente não contesta os factos que lhe são imputados, nem a sua qualificação segundo as disposições das condições de trabalho.

205.
    Quanto ao mérito, o BCE é de opinião de que os autos permitem saber claramente quando o recorrente descarregou tal documento da Internet, e quando e a quem enviou uma ou outra mensagem electrónica. Os documentos do processo são explícitos e não necessitam de outras precisões.

Apreciação do Tribunal

206.
    O recorrente só apresentou o seu fundamento baseado na falta de prova dos factos imputados pela primeira vez na réplica. A este propósito, deve recordar-se que o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo estabelece que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

207.
    Não estando estas condições respeitadas no caso vertente, uma vez que a contestação se reporta a elementos conhecidos antes da apresentação da petição inicial, o fundamento é inadmissível.

208.
    A título de exaustão, convém acrescentar que a decisão de despedimento se baseia em duas séries de factos. Em primeiro lugar, acusa-se o recorrente de ter assediado sexualmente e psicologicamente um dos seus colegas e de ter envenenado o ambiente de trabalho. Em segundo lugar, imputa-se-lhe uma utilização abusiva da possibilidade de se ligar à Internet no seu local de trabalho, tendo este abuso consistido, por um lado, na consulta de sítios e envio de mensagens electrónicas de carácter pornográfico ou politicamente extremista e, por outro lado, o uso exagerado da Internet para fins particulares.

209.
    A prova da veracidade dos factos que são assim imputados resulta de forma suficientemente circunstanciada do processo, cujo conteúdo foi resumido acima no n.° 170. A acusação feita ao recorrente de ter assediado um colega e envenenado o ambiente de trabalho é ilustrada pelos anexos 1 e 2 desse processo. O contexto destes comportamentos está descrito de forma circunstanciada e detalhada nos documentos que constam no anexo 2 e nas deposições reproduzidas no mesmo. A acusação de utilização abusiva do acesso à Internet para fins particulares resulta dos anexos 1 e 3 a 5 do processo, que contêm cópias dos documentos enviados, bem como das listas de sítios consultados a partir do computador do recorrente. Estes documentos são suficientemente explícitos para afastar qualquer contestação séria quanto à veracidade dos factos imputados.

210.
    O recorrente invoca, todavia, argumentos no que respeita à fundamentação de algumas das acusações em questão.

211.
    O recorrente sustenta, em primeiro lugar, que o BCE devia precisar em pormenor em que medida entende basear-se em cada um dos documentos juntos ao processo para justificar as medidas disciplinares controvertidas. A este propósito, deve observar-se, ao mesmo tempo que se remete para as conclusões precedentes, que, tendo em conta a clareza da estrutura do processo e o facto de a pertinência desses documentos resultar da sua natureza e do seu conteúdo, o argumento não é manifestamente procedente.

212.
    Em segundo lugar, no que respeita ao assédio pelo recorrente de um dos seus colegas bem como ao carácter intimidatório e violento do seu comportamento relativamente à vítima, tais comportamentos resultam de forma juridicamente satisfatória dos testemunhos concordantes desta, do seu superior hierárquico directo e do chefe do serviço dos arquivos, bem como do conteúdo das mensagens electrónicas que o recorrente lhe enviou, reproduzidas nos anexos 1 e 2 do processo. Tendo em atenção a natureza muito circunstanciada e concordante destes elementos, a contestação do recorrente, segundo a qual o BCE devia ter precisado em que momento estes factos foram praticados, é manifestamente infundada. Esta mesma conclusão se impõe no que respeita à contestação pelo recorrente do facto de a vítima lhe ter claramente dado a entender a sua reprovação, já que a veracidade desta tomada de posição resulta claramente da mensagem electrónica dirigida pela vítima ao recorrente em 22 de Março de 1999, às 12h36.

213.
    Em terceiro lugar, no que respeita à data em que o recorrente obteve as mensagens de carácter pornográfico ou de conteúdo político que transmitiu a terceiros por correio electrónico, basta verificar que o envio pelo recorrente de tais mensagens a terceiros, a natureza destas mensagens, a data e a hora de transmissão bem como a identidade dos destinatários resultam de forma juridicamente suficiente do processo muito completo organizado pelo BCE. Nestas circunstâncias, o BCE não estava manifestamente obrigado a provar em acréscimo em que momento e em que circunstância o recorrente tinha obtido ele próprio as imagens, emblemas e textos em questão.

214.
    Em quarto lugar, no que respeita à contestação de que os documentos com carácter pornográfico ou contendo biografias ou fotografias de dirigentes nazis pudessem constituir em si mesmos uma causa de despedimento, deve observar-se que tais documentos foram enviados por correio electrónico interno à vítima do assédio e constituem, portanto, um elemento deste assédio. Por outro lado, resulta do processo que os sítios de carácter pornográfico foram consultados na Internet a partir do computador do recorrente e que as sequências animadas de carácter pornográfico foram enviadas por correio electrónico para o exterior do BCE, e isto de forma repetida, a saber, por onze vezes entre o dia 18 de Agosto e o dia 18 Outubro de 1999. Estes factos constituem uma violação das obrigações referidas no artigo 4.°, alínea a), das condições de trabalho, que revestem uma importância absolutamente essencial para cumprimento dos objectivos da instituição bancária e constituem um elemento essencial do comportamento que o pessoal do bancodeve observar para preservar a independência e a dignidade deste (acórdão Yasse/BEI, já referido, n.° 110).

215.
    O BCE observa, a este respeito, e com razão, que os factos referidos no número anterior, na medida em que são susceptíveis de se tornar públicos e ser relatados pelos meios de comunicação social, o colocam em sério risco de se tornar alvo de um escândalo que ponha em causa a sua imagem e, eventualmente, a sua credibilidade. Nestas circunstâncias e como, além disso, estes factos não foram isolados, mas repetidos, podiam com boa razão ser qualificados de comportamentos faltosos.

216.
    Em quinto lugar, o recorrente sustenta que o BCE devia provar que foi de facto ele que enviou as mensagens electrónicas que são objecto das censuras e que nenhuma outra pessoa teve acesso ao seu computador. Basta, a este respeito, referir-se ao n.° 6 da decisão de despedimento, na qual a Comissão Executiva do BCE observa que, tendo em conta o número de mensagens electrónicas enviadas, os momentos em que o foram (no decurso das horas de trabalho durante um período de 18 meses), o facto de anexos idênticos terem sido encontrados em várias mensagens electrónicas enviadas pelo recorrente para interior e para o exterior do BCE, é pouco plausível que outra pessoa seja o autor destes envios. Além disso, estando o computador do recorrente situado num gabinete em espaço aberto que agrupa seis pessoas, e necessitando o seu funcionamento da utilização de um código de acesso pessoal, teria sido difícil para um terceiro utilizar este computador, ainda por cima com frequência e nos momento referidos. Esta análise impõe-se tanto mais quanto o recorrente admitiu, durante a audiência, não ter comunicado o seu código de acesso a terceiros.

217.
    O fundamento é, por isso, manifestamente improcedente.

6. Quanto ao fundamento baseado no carácter desproporcionado da sanção aplicada

Exposição sumária dos argumentos das partes

218.
    Na réplica, o recorrente conclui que se todas as acusações não circunstanciadas fossem fundadas, o BCE, em aplicação do princípio da proporcionalidade, devia, por causa delas, aplicar-lhe uma pena de advertência, sanção prevista pelo artigo 43.° das condições de trabalho, que devia preceder a pena de despedimento.

219.
    O BCE considera, principalmente, que se trata de uma nova alegação, que é, por isso, inadmissível. A título subsidiário, na medida em que o recorrente pretenda sustentar que as decisões contestadas são desproporcionadas, porque bastaria uma repreensão escrita, convém recordar que, nos termos da jurisprudência, compete à AIPN escolher a medida disciplinar adequada, desde que os factos imputados ao agente estejam provados. O Tribunal não pode substituir a apreciação feita pela AIPN pela sua própria apreciação, a não ser que exista um erro manifesto, o que não se passa no caso vertente.

Apreciação do Tribunal

220.
    O recorrente só apresentou pela primeira vez o seu argumento baseado no carácter desproporcionado da sanção aplicada na réplica. Uma vez que esta contestação se refere a elementos conhecidos antes da apresentação da petição inicial, é inadmissível à luz dos princípios acima recordados.

221.
    A título de exaustão, convém acrescentar que a aplicação em matéria disciplinar do princípio da proporcionalidade comporta dois aspectos. Por um lado, a escolha da sanção adequada compete à AIPN quando estejam provados os factos de que o funcionário é acusado e o juiz comunitário não pode censurar tal escolha, excepto se a sanção aplicada for desproporcionada relativamente aos factos provados contra o funcionário. Por outro lado, a escolha da sanção funda-se na avaliação global pela AIPN de todos os factos concretos e circunstâncias específicas de cada caso individual, já que nem os artigos 86.° a 89.° do Estatuto dos Funcionários, nem as condições de trabalho do BCE relativamente aos seus agentes, estabelecem qualquer relação fixa entre as sanções disciplinares que prevêem e os diversos tipos de incumprimento cometidos pelos funcionários, nem precisam em que medida a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes deve intervir na escolha da sanção. O exame feito pelo juiz comunitário limita-se à questão de saber se a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes efectuada pela AIPN o foi de forma proporcionada, não podendo o juiz substituir-se à referida autoridade no que se refere aos juízos de valor por ela efectuados a este respeito (acórdão Yasse/BEI, já referido, n.os 105 a 106, e jurisprudência aí referida).

222.
    Com base nestes princípios, o controlo do Tribunal de Primeira Instância limita-se, por conseguinte, a apreciar se a sanção aplicada não é desproporcionada em relação aos factos imputados ao agente e se a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes pelo BCE foi feita de forma proporcionada.

223.
    A este propósito, deve reconhecer-se que resulta dos autos, nomeadamente dos testemunhos da vítima, do seu superior hierárquico directo e do chefe de serviços de arquivos, bem como das cópias das mensagens electrónicas recebidas por esta, que o recorrente o assediou de forma quase ininterrupta desde o seu recrutamento, em Janeiro de 1998, até à sua suspensão, em 18 de Outubro de 1999, excepto numa curta interrupção, devida a uma separação momentânea dos seus locais de trabalho respectivos, entre Março e Maio de 1998, e de um período de pacificação relativo de Outubro a Dezembro de 1998. Este assédio foi nomeadamente caracterizado por observações impertinentes sobre a vítima, expressas pelo recorrente a terceiros, incluindo aos seus superiores hierárquicos, por atitudes provocantes em relação à vítima, incluindo um convite do recorrente à vítima, em 18 de Fevereiro de 1998, para que lhe fizesse uma felação, e pelo envio repetido à vítima, pelo menos 19 vezes, de mensagens electrónicas provocantes, que incluíram, por exemplo, em 6 de Agosto e 16 de Setembro de 1999, sequênciasanimadas de carácter pornográfico, em 24 de Março de 1999, biografias de Adolf Hitler e de Joseph Goebbels e, em 18 de Agosto de 1999, uma fotografia de um oficial nazi.

224.
    O grande número e a frequência dos incidentes registados demonstram a existência de um comportamento caluniador e violento do recorrente em relação à vítima. Não é seriamente contestável que este comportamento justificaria, no direito do trabalho da maior parte dos Estados-Membros, um despedimento com efeito imediato. A sanção aplicada não parece, por isso, manifestamente desproporcionada, tendo apenas em conta esta acusação, mesmo considerada isoladamente.

225.
    Acresce que o controlo efectuado por sondagem, no que respeita à consulta de sítios na Internet, e que apenas abrange o período mais recente anteriormente à suspensão do recorrente, permitiu concluir que este, por diversas vezes, concretamente em 19 de Maio e 21 de Junho de 1999, consultou sítios de carácter pornográfico. O recorrente, além disso, enviou por diversas vezes, por um lado, mensagens electrónicas de conteúdo pornográfico para o exterior do BCE (a saber, 11 sequências animadas entre 18 de Agosto e 18 de Outubro de 1999) e, no decurso dos três meses que precederam a sua suspensão, 149 mensagens electrónicas para o interior do BCE e 117 para o exterior, que não eram de natureza profissional, ou seja, 266, das quais uma parte não despicienda eram mensagens longas e elaboradas.

226.
    Tendo em conta a particular gravidade das faltas do recorrente às suas obrigações, que resulta desta acumulação de acusações, a sanção aplicada não se mostra manifestamente desproporcionada.

227.
    Este fundamento também não é, portanto, procedente.

7. Quanto ao fundamento baseado no carácter desproporcionado do processo disciplinar

Exposição sumária dos argumentos das partes

228.
    O recorrente considera que o recorrido estava ao corrente, pelo menos em Fevereiro de 1998, da existência de um conflito nos arquivos entre ele e a pessoa que se queixa de ser vítima de assédio. O BCE não fez nada para resolver este conflito. Deixou deslizar este assunto. Nestas condições, o processo disciplinar que instaurou contra o recorrente é, por isso, totalmente desproporcionado.

229.
    O BCE considera que este fundamento não é procedente, uma vez que deu regularmente instruções para resolver o conflito criado pelo recorrente.

Apreciação do Tribunal

230.
    Neste fundamento, distinto do precedente, o recorrente sustenta que o conflito que o opõe à vítima de assédio devia ter sido resolvido de forma mais eficaz e preventiva pela administração do BCE, que devia ter dado instruções de trabalho claras, acompanhadas, se necessário, de uma advertência. A instauração de um processo disciplinar foi, neste caso, um remédio desproporcionado.

231.
    Todavia, o fundamento não é procedente de facto e não se pode censurar o BCE de ter ficado passivo em relação à situação criada pelo recorrente. Com efeito, a vítima queixou-se pela primeira vez ao seu superior hierárquico em 13 de Agosto de 1998, e imediatamente a seguir este convocou a vítima e o recorrente para uma entrevista e estabeleceu as regras de conduta. Na sequência desta intervenção, o comportamento do recorrente parece ter melhorado durante alguns meses. Em 25 de Agosto de 1999, a vítima dirigiu-se de novo ao seu superior hierárquico para se queixar do recorrente. Desta vez, foi imediatamente aberto um inquérito interno, que originou a instauração do processo disciplinar.

232.
    Verifica-se, portanto, que o BCE reagiu com diligência a cada uma das duas queixas da vítima.

233.
    Em todo o caso, como observa com razão o BCE na decisão de despedimento (ponto 8), a eventual negligência dos superiores do recorrente não pode justificar as faltas deste último, que continua responsável pelos seus actos.

234.
    O fundamento deve ser julgado improcedente. Por conseguinte, todo o recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto às despesas

235.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Porém, nos termos do artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas.

236.
    O BCE pede, todavia, com fundamento no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que derroga o artigo 88.° deste regulamento e que dispõe, nomeadamente, que o Tribunal pode condenar a parte, mesmo vencedora, a pagar à outra parte as despesas em que a tenha feito incorrer e que sejam consideradas inúteis ou vexatórias, a condenação do recorrente a suportar a totalidade das despesas. Sustenta que o recurso é inútil, nomeadamente em virtude do seu carácter manifestamente improcedente.

237.
    O Tribunal considera que este pedido não é procedente. Com efeito, o recurso tem por objecto, nomeadamente, a contestação da sanção disciplinar mais grave, a saber, o despedimento. Ora, não se pode censurar o agente interessado porinterpor recurso da decisão que determina o seu despedimento, qualquer que seja, aliás, o valor jurídico dos fundamentos que apresenta em apoio deste recurso.

238.
    No caso vertente, cada uma das partes suportará, pois, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)    O recurso é julgado improcedente.

2)    Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Azizi
Lenaerts
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Outubro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Jaeger


1: Língua do processo: alemão.