Language of document : ECLI:EU:T:1998:198

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

15 de Setembro de 1998 (1)

«Concorrência - Transportes ferroviários - Acordos sobre os serviçosferroviários nocturnos no túnel do canal da Mancha - Restrições à concorrência- Directiva 91/440/CEE - Influência sensível no comércio - Fornecimento deserviços indispensáveis - 'Elementos essenciais‘ - Fundamentação -Admissibilidade»

Nos processos apensos T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94,

European Night Services Ltd (ENS), sociedade de direito inglês, com sede emLondres,

Eurostar (UK) Ltd, anteriormente European Passenger Services Ltd (EPS),sociedade de direito inglês, com sede em Londres,

representadas por Thomas Sharpe, QC, do foro de Inglaterra e do País de Gales,e Alexandre Nourry, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritóriode advogados Elvinger, Hoss e Prussen, 15, Côte d'Eich,

recorrentes nos processos T-374/94 e T-375/94, respectivamente

Union internationale des chemins de fer (UIC), associação de direito francês, comsede em Paris,

NV Nederlandse Spoorwegen (NS), sociedade de direito neerlandês, com sede emUtrecht (Países Baixos),

representadas por Erik H. Pijnacker Hordijk, advogado no foro de Amsterdão, comdomicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Luc Frieden, 62,avenue Guillaume,

recorrentes no processo T-384/94,

Société nationale des chemins de fer français (SNCF), sociedade de direito francês,com sede em Paris, representada por Chantal Momège, advogada no foro de Paris,com domicílio escolhido no Luxemburgo, no escritório do advogado Alex Schmitt,62, avenue Guillaume,

recorrente no processo T-388/94,

apoiadas por

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por LindseyNicoll, na qualidade de agente, e K. Paul E. Lasok, QC, do foro de Inglaterra e doPaís de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do ReinoUnido, 14, boulevard Roosevelt,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por FranciscoEnrique González Diáz, membro do Serviço Jurídico, e posteriormente porGiuliano Marenco, consultor jurídico principal, na qualidade de agentes, assistidospor Ami Barav, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales e advogado noforo de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de CarlosGómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 94/663/CEE da Comissão, de 21 deSetembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do TratadoCE e do artigo 53.° do Acordo EEE (IV/34.600 - «Night services») (JO L 259,p. 20).

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. Kalogeropoulos, presidente, C. W. Bellamy e J. Pirrung, juízes,

secretário: H. Jung

vistos os autos e após a audiência de 22 de Outubro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    A Directiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de Julho de 1991, relativa aodesenvolvimento dos caminhos-de-ferro comunitários (JO L 237, p. 25, a seguir«Directiva 91/440») tem por objectivo facilitar a adaptação dos caminhos-de-ferrocomunitários às exigências do mercado único e aumentar a respectiva eficácia. Porum lado, garante a independência da gestão das empresas de transporte ferroviário,para lhes permitir actuar segundo critérios comerciais, dispondo o artigo 5.°, n.° 3,que estas empresas «podem, nomeadamente:

    -    constituir um agrupamento internacional com outra ou outrasempresas ferroviárias,

    ...

    -    controlar o fornecimento e a comercialização dos serviços e fixar arespectiva tarifação...

    ...

    -    desenvolver a respectiva quota de mercado, criar novas tecnologias enovos serviços e adoptar técnicas de gestão inovadoras,

    -    lançar novas actividades em domínios associados à actividadeferroviária».

2.
    Por outro lado, prevê a separação entre a gestão da infra-estrutura ferroviária e aactividade de transporte das empresas de transporte ferroviário, sendo a separaçãodas contabilidades obrigatória e a separação orgânica facultativa (artigo 1.° eSecção III da Directiva).

3.
    Finalmente, a Directiva constitui uma primeira etapa na via da liberalizaçãoprogressiva do mercado dos transportes ferroviários, prevendo, pela primeira vez,o reconhecimento, sob determinadas condições, a partir de 1 de Janeiro de 1993,de um direito de acesso às infra-estruturas ferroviárias situadas na Comunidade,a favor de empresas ferroviárias de transporte combinado internacional e deassociações de empresas ferroviárias.

4.
    Com efeito, o artigo 10.° da Directiva estabelece:

«1.    Serão reconhecidos aos agrupamentos internacionais direitos de acesso e detrânsito nos Estados-Membros em que se encontram estabelecidas asempresas de transporte ferroviário que os constituem, bem como direitosde trânsito nos outros Estados-Membros para a prestação de serviços detransporte internacionais entre os Estados-Membros em que se encontramestabelecidas as empresas que constituem os citados agrupamentos.

2.    Às empresas de transporte ferroviário abrangidas pelo âmbito de aplicaçãodo artigo 2.° será concedido um direito de acesso, em condições equitativas,à infra-estrutura dos outros Estados-Membros para fins da exploração deserviços de transporte internacionais de mercadorias.

    ...»

5.
    Para este efeito, o artigo 3.° da Directiva define empresa de transporte ferroviáriocomo sendo «qualquer empresa de estatuto privado ou público, cuja actividadeprincipal consista na prestação de serviços de transporte de mercadorias e/ou depassageiros por caminho-de-ferro, devendo a tracção ser obrigatoriamenteassegurada por essa empresa». Segundo este mesmo artigo, constitui umagrupamento internacional de empresas de transporte ferroviário «qualquerassociação de pelo menos duas empresas de transporte ferroviário estabelecidas emEstados-Membros diferentes, com vista a fornecer serviços de transporteinternacionais entre Estados-Membros».

6.
    Em 19 de Junho de 1995, o Conselho, em execução da Directiva 95/440, adoptoua Directiva 95/18/CE, de 19 de Junho de 1995, relativa às licenças das empresas detransporte ferroviário (JO L 143, p. 70), e a Directiva 95/19/CE, relativa àrepartição das capacidades de infra-estrutura ferroviária e à cobrança de taxas deutilização da infra-estrutura (JO L 143, p. 75).

Matéria de facto subjacente ao litígio

7.
    Em 29 de Janeiro de 1993, a Comissão recebeu um pedido de declaração deinaplicabilidade do artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de19 de Julho de 1968, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectoresdos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1, aseguir «Regulamento n.° 1017/68») ou, em alternativa, de isenção nos termos doartigo 5.° do referido regulamento, relativamente a certos acordos no âmbito dotransporte ferroviário de passageiros através do túnel do canal da Mancha.

8.
    Este pedido (a seguir «notificação») tinha sido apresentado pela European NightServices Ltd (a seguir «ENS»), em nome da British Rail (a seguir «BR»), daDeutsche Bundesbahn (a seguir «DB»), da NV Nederlandse Spoorwegen (a seguir«NS») e da Société nationale des chemins de fer français (a seguir «SNCF»). Anotificação tinha também sido previamente aprovada pela Société nationale deschemins de fer belges (a seguir «SNCB») que, nessa altura, era titular de umaopção de participação na ENS, entretanto caducada em Julho de 1993. A SNCBcontinua a ser parte num dos acordos de exploração celebrados com a ENS.

9.
    O primeiro acordo notificado dizia respeito à criação, pelas quatro companhiasferroviárias acima mencionadas, a BR, a SNCF, a DB e a NS, directamente ouatravés das suas filiais, da sociedade ENS, com sede no Reino Unido, tendo comoobjecto a prestação e a comercialização de serviços nocturnos de transporteferroviário de passageiros entre a Grã-Bretanha e o Continente através do túneldo canal da Mancha e nos trajectos seguintes: Londres-Amsterdão,Londres-Frankfurt/Dortmund, Glasgow/Swansea-Paris, Glasgow/Plymouth-Bruxelas.

10.
    Por carta de 15 de Outubro de 1997, a ENS informou, porém, o Tribunal que osserviços de transporte ferroviário com partida e destino a Bruxelas tinham sidoabandonados em Dezembro de 1994, que o trajecto Londres-Frankfurt/Dortmundtinha sido substituído, em Agosto de 1996, pelo trajecto Londres-Colónia e que osúnicos trajectos então previstos eram Londres-Amsterdão/Colónia.

11.
    Em 9 de Maio de 1994, a European Passengers Services Ltd (a seguir «EPS»),filial da BR no momento da notificação dos acordos ENS, foi cedida por estaúltima aos poderes públicos britânicos e constitui, desde então, uma empresa detransporte ferroviário, na acepção do artigo 3.° da Directiva 91/440, tal como aSNCF, a DB e a NS (a seguir, incluindo nestas a EPS, «empresas de transporteferroviário em causa» ou «fundadores»). A participação da BR na ENS foiconcomitantemente transferida para a EPS. Por carta de 25 de Setembro de 1997,a ENS e a EPS informaram o Tribunal da mudança de nome da EPS paraEurostar (UK) Ltd (a seguir «EUKL») e solicitaram que qualquer referência àEPS fosse considerada como feita à EUKL e vice-versa. Precisaram igualmente quea participação dos poderes públicos britânicos no capital da EPS tinha sidotransferida, em 31 de Maio de 1996, para a London & Continental Railways. NoReino Unido, a quase totalidade da rede ferroviária e das infra-estruturas conexas,anteriormente propriedade da BR, pertence actualmente à Railtrack, o gestor dainfra-estrutura ferroviária.

12.
    A segunda categoria de acordos notificados era constituída por acordos deexploração celebrados entre a ENS e as empresas de transporte ferroviário emcausa, bem como com a SNCB, nos termos dos quais cada uma das empresas secomprometia a prestar à ENS determinados serviços, designadamente tracçãoferroviária na sua rede (locomotiva, pessoal de serviço e linhas horárias), serviçosde limpeza no interior dos comboios e de manutenção e reparação do equipamentoe serviços de passageiros. A EPS e a SNCF acordavam igualmente em assegurara tracção ferroviária no trajecto do túnel do canal da Mancha.

13.
    Para efeitos da exploração dos serviços de transporte nocturno de passageiros, asempresas de transporte ferroviário em causa adquiriram, por intermédio da ENS,adquiriram, por contratos de leasing a longo prazo, por 20 anos, aumentados, emJaneiro de 1996, para 25 anos, material circulante especial capaz de circular nasdiferentes redes ferroviárias e no trajecto do túnel do canal da Mancha, cujo custoglobal era de 136,7 milhões de UKL, aumentado, em Janeiro de 1996, para 158milhões de UKL, incluindo o preço da locação, o custo previsível das peças eacessórios, as modificações, as despesas de fornecimento, os testes e a colocaçãoem funcionamento, bem como os custos de desenvolvimento.

14.
    A ENS e as empresas de transporte ferroviário em causa explicavam na notificaçãoque, no mercado do serviço em questão, a ENS poderia, face à concorrência doavião, do autocarro, dos ferry-boats e do automóvel individual, obter partes domercado globais de cerca de 2,4% na categoria das viagens de negócios, e de cercade 5%, na categoria de viagens de recreio. Afirmavam ainda que, mesmo que omercado do serviço em causa fosse definido de modo mais restrito, abrangendoapenas os trajectos em questão, as partes do mercado globais da ENS continuariama ser insignificantes. Além disso, segundo a notificação, nenhuma das empresas detransporte ferroviário em causa poderia explorar sozinha um serviço comparávelnos trajectos assegurados pela ENS, e não haveria qualquer indício de que outroagrupamento tivesse manifestado interesse pela mesma actividade ou dela pudesseretirar lucros. As autoras da notificação garantiam igualmente que os acordos ENSnão criavam mais obstáculos do que os já existentes em relação a outras empresasque tentassem oferecer no mercado serviços semelhantes, podendo estas constituir«agrupamentos internacionais», na acepção do artigo 3.° da Directiva 91/440, quepoderiam obter acesso às infra-estruturas ferroviárias, ou seja, a linhas horárias nostrajectos em causa, e que não teriam qualquer dificuldade em recrutar pessoalqualificado e material circulante apropriado.

15.
    Nos termos do disposto no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1017/68, foipublicada uma comunicação sobre a notificação dos acordos ENS no Jornal Oficialdas Comunidades Europeias em 29 de Maio de 1993 (aviso 93/C 149/07, JO C 149,p. 10). Nesta comunicação, a Comissão informava as empresas notificantes de quetinha chegado à conclusão preliminar que os acordos notificados poderiam infringiro n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE e que, nessa fase do processo, ainda não tinhatomado posição sobre a eventual aplicabilidade do artigo 5.° do referidoregulamento. A Comissão convidava ainda os terceiros interessados aapresentarem-lhe as suas observações no prazo de 30 dias a contar da publicaçãoda comunicação.

16.
    Por carta de 23 de Julho de 1993, a Comissão fez saber às empresas autoras danotificação, para efeitos do disposto no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamenton.° 1017/68, que existiam sérias dúvidas quanto à aplicabilidade do artigo 5.° deste

regulamento aos acordos notificados.

17.
    Em 4 de Junho de 1994, a Comissão publicou no Jornal Oficial das ComunidadesEuropeias uma comunicação nos termos do artigo 26.°, n.° 3, do Regulamenton.° 1017/68 (JO C 153, p. 15), anunciando que os acordos notificados podiambeneficiar de isenção nos termos dos artigos 85.°, n.° 3, do Tratado, e 53.°, n.° 3, doAcordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «Acordo EEE»), desde quefosse satisfeita uma condição, destinada essencialmente a permitir a novasempresas interessadas a aquisição, às empresas autoras da notificação, dos mesmosserviços de transporte que estas últimas se tinham comprometido a prestar à ENS.Entretanto, a Comissão convidava os terceiros interessados a apresentarem-lhe assuas observações no prazo de 30 dias a contar da publicação desta comunicação.Porém, nenhum terceiro interessado respondeu a este convite da Comissão.

Decisão impugnada

18.
    Em 21 de Setembro de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/663/CEE, relativaa um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE e do artigo 53.° doAcordo EEE (IV/34.600 - «Night services») (JO L 259, p. 20, a seguir «decisão»ou «decisão impugnada»). Esta decisão baseia-se no Regulamento n.° 1017/68,mais particularmente no seu artigo 5.°, ao abrigo do qual a proibição de acordosentre empresas, formulada pelo artigo 2.° em termos quase idênticos aos do artigo85.°, n.° 1, do Tratado, pode ser declarada inaplicável com efeitos retroactivos acertos acordos entre empresas.

19.
    A decisão distingue dois mercados de serviços relevantes: por um lado, o mercadodo transporte de pessoas em viagens de negócios, para as quais o transporte aéreoem voo regular, o transporte ferroviário de alta velocidade e os serviços oferecidospela ENS constituem modos de transporte alternativos (ponto 26) e, por outro, omercado do transporte de pessoas em viagens de recreio, para as quais os serviçosalternativos podem incluir o avião em classe económica, o comboio, o autocarroe, eventualmente, o automóvel individual (ponto 27).

20.
    Ao contrário do que as autoras da notificação tinham sustentado, a Comissãoentende que o mercado geográfico em causa não abrange o conjunto do ReinoUnido, da França, da Alemanha e dos países do Benelux, mas deve ser limitado àsquatro linhas efectivamente servidas pela ENS, ou seja: Londres-Amsterdão,Londres-Frankfurt/Dortmund, Paris-Glasgow/Swansea e Bruxelas-Glasgow/Plymouth(ponto 29).

21.
    Referindo-se à comunicação da Comissão de 16 de Fevereiro de 1993 relativa aotratamento das empresas comuns com carácter de cooperação à luz do artigo 85.°do Tratado CEE (JO C 43, p. 2, a seguir «comunicação de 1993»), a decisãoindica, a seguir, que a ENS constitui uma empresa comum com carácter decooperação (pontos 30 a 37). Assinala que as empresas fundadoras da ENS não seretiram definitivamente do mercado em causa e que dispõem de meios técnicos efinanceiros para criarem facilmente um agrupamento internacional na acepção doartigo 3. da Directiva 91/440, e fornecerem serviços de transporte nocturno depassageiros. A decisão precisa ainda que estas empresas continuam especialmenteactivas num mercado a montante do mercado da ENS, o dos serviços ferroviáriosindispensáveis, que as empresas de transporte ferroviário vendem aos «operadoresde transporte» como a ENS. A empresa comum ENS constituiria, pois, um acordoabrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado, tal como os acordosde exploração celebrados entre ela e cada uma das empresas de transporteferroviário fundadoras, bem como com a SNCB.

22.
    A decisão enumera, a seguir, as restrições à concorrência resultantes dos acordosENS (pontos 38 a 53).

23.
    Em primeiro lugar, os acordos em questão anulariam ou restringiriamconsideravelmente, entre fundadores, as possibilidades de concorrência criadas peloartigo 10.° da Directiva 91/440 (pontos 38 a 45). Com efeito, segundo a decisão, porum lado, empresas de transporte ferroviário existentes, bem como eventuais novasempresas ferroviárias, incluindo filiais das empresas existentes, poderiam pretenderexercer os direitos de acesso conferidos por esta disposição e, por outro, osEstados-Membros teriam a possibilidade de adoptar legislações mais liberais emmatéria de acesso às infra-estruturas. O que teria como consequência que, porexemplo, a DB ou a NS teriam a possibilidade de constituir um agrupamentointernacional com uma empresa ferroviária estabelecida no Reino Unido a fim deexplorar serviços de transportes internacionais via túnel do canal da Mancha. Umaempresa ferroviária fundadora da ENS teria igualmente a possibilidade de realizar,por si, actividades de «operador de transporte» ou de criar uma filial especializadana qualidade de «operador de transporte», a fim de explorar serviços de transporteinternacionais, adquirindo às respectivas empresas de transporte ferroviário osserviços ferroviários indispensáveis.

24.
    Em segundo lugar, tendo em conta a capacidade económica das empresasfundadoras, a criação da ENS poderia dificultar o acesso ao mercado deoperadores de transporte susceptíveis de entrar em concorrência com a ENS(pontos 46 a 48). As sociedades-mãe da ENS manteriam uma posição dominantena prestação dos serviços ferroviários no respectivo Estado de origem,nomeadamente no que diz respeito às locomotivas especializadas para o túnel docanal da Mancha. Tendo em consideração o acesso directo da ENS a estes serviçose as relações privilegiadas que mantém com as suas sociedades-mãe, os outrosoperadores poderiam ser colocados numa situação concorrencial desfavorável noque respeita à aquisição dos serviços ferroviários indispensáveis. Deveria aindater-se em conta que a BR e a SNCF beneficiam de uma parte significativa daslinhas horárias disponíveis para os comboios internacionais no túnel da canal daMancha, em virtude da convenção celebrada com a Eurotunnel.

25.
    Por último, estas restrições à concorrência seriam reforçadas pelo facto de a ENSse inserir numa rede de empresas comuns entre os fundadores. Com efeito, aBR/EPS, a SNCF, a DB e a NS participariam, a diferentes níveis, numa rede deempresas comuns que tem por objecto a exploração de serviços de transporte demercadorias e de passageiros, nomeadamente através do túnel do canal daMancha. A BR e a SNCF participariam assim na criação da Allied ContinentalIntermodal Services Ltd (a seguir «ACI») para o transporte combinado demercadorias e a BR participaria igualmente, com a SNCB, na criação da«Autocare Europe» para o transporte ferroviário de veículos automóveis (pontos49 a 52).

26.
    Porém, segundo a decisão, os acordos em causa, embora não abrangidos peladerrogação prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68 em relação aosacordos técnicos, pelo facto de não terem apenas como objecto ou como efeito aaplicação de melhoramentos técnicos ou a cooperação técnica, na acepção desteartigo (pontos 55 a 58), satisfariam as condições previstas no artigo 5.° dessemesmo regulamento e no artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE (pontos 59 a 70). Comefeito, a criação da ENS favoreceria o progresso económico, assegurandodesignadamente a concorrência entre os diversos modos de transporte e os utentesbeneficiariam directamente desses novos serviços. Por outro lado, as restrições daconcorrência verificadas seriam indispensáveis tendo em consideração o facto deserem serviços totalmente novos, que implicam riscos financeiros elevados que umaempresa sozinha dificilmente poderia suportar. Assim, e desde que seja satisfeitauma condição destinada a garantir a presença no mercado de operadores detransporte ferroviário concorrentes da ENS, a criação da ENS não eliminaria todaa concorrência no mercado em causa.

27.
    Em consequência, a decisão declara inaplicáveis aos acordos ENS, por um prazode oito anos, isto é, até 31 de Dezembro de 2002, o n.° 1 do artigo 85.° do Tratadoe o n.° 1 do artigo 53.° do Acordo EEE (artigo 1.° da decisão), sujeitando estaisenção à condição (a seguir «condição imposta») de «as empresas ferroviáriasparte no acordo ENS prestarem, se necessário, a qualquer agrupamentointernacional de empresas ferroviárias ou a qualquer operador de transporte quedeseje explorar comboios nocturnos de passageiros que utilizam o túnel do canalda Mancha os serviços ferroviários indispensáveis que se comprometeram a prestarà ENS. Esses serviços consistem na disponibilização da locomotiva, da suatripulação e dos itinerários em cada rede nacional e no túnel do canal da Mancha.As empresas ferroviárias prestarão esses serviços nas suas redes nas mesmascondições técnicas e financeiras que as concedidas à ENS» (artigo 2.° da decisão).

Tramitação processual

28.
    Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instânciaem 22 de Novembro de 1994, a ENS e a EPS interpuseram recursos que foramregistados respectivamente sob os números T-374/94 e T-375/94.

29.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 5 de Dezembro de1994, a União Internacional dos Caminhos de Ferro (a seguir «UIC») e a NSinterpuseram recurso, que foi registado sob o número T-384/94.

30.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 13 de Dezembro de1994, a SNCF interpôs um recurso, que foi registado sob o número T-388/94.

31.
    Por requerimento separado, que deu entrada em 6 de Fevereiro de 1995 naSecretaria do Tribunal, a Comissão suscitou no processo T-388/94 uma questãoprévia de inadmissibilidade, com fundamento no artigo 114.° do Regulamento deProcesso do Tribunal de Primeira Instância. A demandante apresentou as suasobservações sobre esta questão prévia em 20 de Março de 1995.

32.
    Em 28 de Junho de 1995, o Tribunal (Primeira Secção Alargada) decidiu, pordespacho, julgar a final a questão da inadmissibilidade levantada pela Comissão econvidou a SNCF a responder a várias perguntas escritas e a apresentar um certonúmero de documentos.

33.
    Por despachos do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de 9 deAgosto de 1995, os pedidos de intervenção da União Internacional das sociedadesde transporte combinado ferro-rodoviário em apoio dos pedidos da Comissão nosprocessos T-374/94, T-375/94 e T-384/94, que deram entrada na Secretaria doTribunal em 3 de Abril de 1995, não foram admitidos.

34.
    Por despacho do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de 9 deAgosto de 1995, os pedidos de intervenção da SNCF em apoio dos pedidos dasrecorrentes nos processos T-374/94 e T-384/94, que deram entrada na Secretariado Tribunal em 9 de Maio de 1995, foram admitidos.

35.
    Por despachos do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de 14 deJulho e de 10 de Agosto de 1995, o Reino Unido foi admitido como intervenienteem apoio dos pedidos das recorrentes nos processos T-374/94, T-375/94, T-384/94e T-388/94.

36.
    Por decisão do Tribunal de 2 de Outubro de 1995, o juiz-relator foi designado paraa Segunda Secção Alargada, à qual os processos foram consequentementeatribuídos.

37.
    Por decisão do Tribunal, de 8 de Novembro de 1996, o processo foi atribuído auma secção de três juízes.

38.
    Por despacho do presidente da Segunda Secção de 6 de Agosto de 1997, osprocessos T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94 foram apensos para efeitos dafase oral e do acórdão.

39.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância(Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Convidou,porém, as partes a responder a algumas perguntas escritas, o que estas fizeram noprazo estabelecido.

40.
    As alegações das partes e as respostas destas às perguntas do Tribunal foramouvidas na audiência realizada em 22 de Outubro de 1997.

Pedidos das partes

41.
    Nos processos T-374/94 e T-375/94, a ENS e a EPS concluem pedindo que oTribunal se digne:

-    anular a decisão;

-    ordenar à Comissão:

    a)    que declare inaplicáveis o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 e oartigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ou

    b)    que conceda a isenção sem a condição imposta e por um períodocorrespondente ao prazo por que os compromissos foram assumidospelas empresas ferroviárias para o financiamento do materialcirculante;

    c)    a título subsidiário, que conceda a isenção impondo uma condição queseja necessária e proporcionada às alegadas restrições da concorrênciae por um período correspondente ao prazo por que os compromissosforam assumidos pelas empresas ferroviárias para o financiamento domaterial circulante;

-    condenar a Comissão nas despesas da instância.

42.
    A SNCF, interveniente em apoio das conclusões da recorrente no processoT-374/94, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão;

-    ordenar à Comissão:

    a)    que declare inaplicáveis o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 e oartigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ou

    b)    que conceda a isenção sem a condição imposta e por um períodocorrespondente ao prazo por que os compromissos foram assumidospelas empresas ferroviárias para o financiamento do materialcirculante;

43.
    Nos processos T-374/94 e T-375/94, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal sedigne:

-    rejeitar o recurso;

-    rejeitar os argumentos da SNCF;

-    condenar as recorrentes e a interveniente nas despesas da instância.

44.
    No processo T-384/94, a UIC e a NS concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar nula a decisão impugnada na sua totalidade;

-    a título subsidiário, declarar nulos os artigos 2.° da decisão e o artigo 1.°, naparte em que este limita o prazo da isenção a um período inferior a 20anos;

-    ordenar qualquer outra medida que, em seu prudente arbítrio, julgueadequada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

45.
    A SNCF, interveniente em apoio dos pedidos das recorrentes, conclui pedindo queo Tribunal se digne:

-    declarar nula a decisão impugnada na sua totalidade;

-    a título subsidiário, declarar nulo o artigos 2.° da decisão, por serinjustificada a condição imposta e o artigo 1.°, por a Comissão ter concedidouma isenção por um prazo inferior a 20 anos;

-    ordenar quaisquer outras medidas que, em seu prudente arbítrio, julgueadequadas;

-    condenar a Comissão nas despesas.

46.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar inadmissível o recurso interposto pela UIC, ou, em qualquer caso,improcedente;

-    rejeitar o recurso interposto pela NS;

-    rejeitar os argumentos da interveniente;

-    condenar as recorrentes e a interveniente nas despesas da instância.

47.
    No processo T-384/94, a SNCF conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    a título principal, anular a decisão impugnada;

-    a título subsidiário, anular o artigo 2.° da decisão, por ser injustificada acondição imposta, bem como o artigo 1.°, por a Comissão ter concedido aisenção por um prazo inferior a 20 anos;

-    ordenar qualquer outra medida que, em seu prudente arbítrio, julgueadequada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

48.
    Nas observações que apresentou sobre a questão da inadmissibilidade suscitadapela Comissão, a SNCF conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso admissível;

-    condenar a Comissão nas despesas.

49.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar inadmissível o recurso e, em qualquer caso, improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas.

50.
    O Reino Unido, interveniente em apoio dos pedidos das recorrentes nos processosT-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Quanto à admissibilidade dos pedidos nos processos T-374/94 e T-3375/94

Argumentação das partes

51.
    A Comissão considera que os recursos são inadmissíveis, pelo facto de asrecorrentes ENS e EPS, pedirem ao Tribunal que ordene à Comissão a) quedeclare inaplicáveis o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 e o artigo 85.°, n.° 1,do Tratado, b) que conceda a isenção sem a condição imposta pela Comissão e porum prazo correspondente ao prazo por que os compromissos foram assumidospelas empresas ferroviárias para o financiamento do material circulante; e c) atítulo subsidiário, que conceda a isenção impondo uma condição que sejanecessária e proporcionada às restrições da concorrência alegadas e por um prazocorrespondente ao prazo por que os compromissos foram assumidos pelasempresas de transporte ferroviário para o financiamento do material circulante;Com efeito, segundo jurisprudência constante, o juiz comunitário não temcompetência, no âmbito de um recurso de anulação baseado no artigo 173.° doTratado, para dirigir injunções às instituições comunitárias (v., por último, oacórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995,Ladbroke/Comissão, T-74/92, Colect., p. II-115, n.° 75).

52.
    As recorrentes, ENS e EPS, retorquem que a Comissão não contesta aadmissibilidade dos seus recursos na parte em que pedem a anulação da decisão,nem a possibilidade de o Tribunal anular parcialmente a decisão, isto é, a condiçãoimposta no artigo 2.° desta.

Apreciação do Tribunal

53.
    O Tribunal recorda que, segundo jurisprudência constante, não cabe ao juizcomunitário, no quadro da fiscalização da legalidade por ele exercida, dirigirinjunções às instituições ou substituir-se a estas últimas, mas que incumbe àadministração em causa tomar as medidas que comporta a execução de umacórdão proferido no quadro de um recurso de anulação. Assim, os pedidos dasrecorrentes acima expostos no n.° 41, alíneas a), b) e c), devem ser rejeitados porinadmissíveis (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998,Ladbroke Racing/Comissão, T-67/94, Colect., p. II-1, n.° 200). Os recursos nosprocessos T-374/94 e T-375/94 só são, portanto, admissíveis quanto ao pedido deanulação da decisão impugnada na sua totalidade (v. acima, n.° 41).

Quanto à admissibilidade do recurso no processo T-384/94

Argumentação das partes

54.
    As recorrentes UIC e NS explicam que a UIC é uma associação internacional deempresas de transporte ferroviário da qual são membros todas as grandes empresasferroviárias sediadas nos Estados-Membros da Comunidade Europeia e que tempor objecto a promoção da cooperação entre esses membros e a organização deactividades de desenvolvimento do modo de transporte ferroviário na Europa,consolidando a sua interfuncionalidade, tendo por fim reforçar a suacompetitividade. Segundo o artigo 2.° do seu estatuto, a UIC actua através daelaboração de normas e linhas directrizes e intervindo junto de outras entidades emrepresentação e defesa dos interesses comuns dos seus membros. As empresas detransporte ferroviário estabelecidas na Comunidade estão, além disso,representadas no quadro de um grupo especial designado «Comunidade doscaminhos de ferro europeus» (a seguir «CCE»).

55.
    Sustentam que a UIC, não sendo embora destinatária da decisão impugnada, é, noentanto, directa e individualmente afectada, na acepção do artigo 173.° do Tratado,visto que a decisão afecta directamente os interesses dos seus membrosestabelecidos na Comunidade, representados pela CCE, bem como os seus própriosinteresses.

56.
    No que diz respeito aos interesses dos seus membros estabelecidos na Comunidade,as recorrentes alegam que a decisão impugnada é susceptível de desmotivar a UICde tomar outras iniciativas inovadoras de cooperação entre empresas de transporteferroviário no domínio dos transportes internacionais de passageiros e acrescentamque o recurso da UIC deveria ser julgado admissível, ao mesmo título que os dosseus membros estabelecidos na Comunidade, quer sejam quer não sejamdestinatários da decisão.

57.
    Quanto ao interesse em agir da UIC, as recorrentes sustentam que a UIC é, elaprópria, directa e individualmente afectada pela decisão, pelo facto de estacomprometer a plena realização de um dos seus principais objectivos estatutários,ou seja, o reforço da competitividade da rede internacional de caminhos de ferro.Acrescentam que embora a UIC não tenha participado no procedimentoadministrativo que levou à adopção da decisão impugnada (acórdão do Tribunalde Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, AAC e o./Comissão, T-442/93,Colect., p. II-1329), um dos grupos internos à UIC, a CCE, participouefectivamente em reuniões preparatórias à adopção da Directiva 91/440.

58.
    A Comissão alega que a UIC não é individual e directamente afectada pela decisãoimpugnada e sustenta que o Tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre alegitimidade da UIC. Com efeito, a jurisprudência que afirma que, no caso de umsó recurso ser interposto por vários recorrentes, basta que um destes tenhalegitimidade para que o recurso seja considerado admissível no seu conjunto seriasusceptível de criar dificuldades relativamente às despesas da instância e ao direitoda recorrente em causa de interpor recurso da decisão a intervir para o Tribunalde Justiça.

59.
    Acrescenta que, segundo a jurisprudência, uma associação, na sua qualidade derepresentante de uma categoria de empresários, não é individualmente atingida porum acto que afecta os interesses gerais dessa categoria (acórdãos do Tribunal deJustiça de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs defruits et légumes e o./Conselho, 16/62 e 17/62, Colect., p. 175, de 18 de Março de1975, Union syndicale e o./Conselho, 72/74, Colect., p. 159; Recueil, p. 401, edespacho do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1979, Fédération nationale desproducteurs de vins de table et vins de pays/Comissão, 60/79, Recueil, p. 2429).

60.
    A Comissão sustenta ainda que, não tendo a UIC participado no procedimentoadministrativo prévio à adopção da decisão impugnada e não tendo apresentadoobservações na sequência da publicação no Jornal Oficial das ComunidadesEuropeias das comunicações da Comissão de 29 de Maio de 1993 e de 4 de Junhode 1994, não teria nem interesse em agir nem legitimidade para interpor o presenterecurso (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 25 de Outubro de 1977,Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, de 11 de Outubro de 1983, Demo-StudioSchmidt, 210/81, Recueil, p. 3045, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de24 de Janeiro de 1995, BEMIM/Comissão, T-114/92, Colect., p. II-147). Finalmente,o papel desempenhado pela CCE no quadro da adopção da Directiva 91/440 nãopoderia individualizar a UIC em relação à decisão impugnada.

Apreciação do Tribunal

61.
    O Tribunal salienta que a legitimidade da NS enquanto destinatária da decisãoimpugnada não foi contestada e que, tratando-se de um único e mesmo recurso,não há que examinar a legitimidade da UIC (acórdão do Tribunal de Justiça de 24de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.° 31 eacórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996,Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 51).

Quanto à admissibilidade do recurso no processo T-388/94

Argumentação das partes

62.
    A Comissão alega que a decisão impugnada foi notificada à recorrente na sua sedepor carta de 22 de Setembro de 1994, recebida em 29 de Setembro, como o atestao aviso de recepção dos correios que foi carimbado pela SNCF com a indicaçãodesta última data. Nos termos do decidido no acórdão do Tribunal de Justiça de26 de Novembro de 1985, Cockerill-Sambre/Comissão (42/85, Recueil, p. 3749,n.° 11), uma notificação na sede de uma sociedade satisfaz o critério da segurançajurídica e permite à sociedade em causa tomar conhecimento do acto notificado,independentemente da questão de saber se a pessoa competente para o efeitosegundo as regras internas da sociedade destinatária, pôde efectivamente deletomar conhecimento.

63.
    Tendo presente que, nos termos do disposto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamentode Processo do Tribunal, o prazo para interposição de um recurso de anulaçãocomeça a correr, em caso de notificação, no dia a seguir a esta e que, no total, oprazo se eleva, neste caso, a dois meses, acrescidos de uma dilação de seis dias(artigo 102.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instânciae artigo 1.° do Anexo II ao Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça), adata limite para interposição do recurso da SNCF contra a decisão impugnada era6 de Dezembro de 1994. Interposto em 13 de Dezembro de 1994, o recurso seria,portanto, manifestamente inadmissível, porque extemporâneo (acórdãos doTribunal de Justiça, de 5 de Junho de 1980, Belfiore/Comissão, 108/79, Recueil,p. 1769, de 12 de Julho de 1984, Ferriera Valsabbia/Comissão, 209/83, Recueil,p. 3089, n.° 14, e Cockerill-Sambre/Comissão, já referido, n.° 10).

64.
    A Comissão contesta o argumento da recorrente de que, por a decisão ter sidoentregue a um dos seus empregados não autorizado a receber o correio, não é esteaviso de recepção que deve ser tomado em consideração para o cômputo do prazode interposição do recurso, mas um segundo aviso de recepção que vinha dentrodo envelope da decisão e que foi assinado em 7 de Outubro de 1994 por umapessoa com competência para tal. A Comissão sublinha, em primeiro lugar, que,nos termos decididos no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maiode 1991, Bayer/Comissão (T-12/90, Colect., p. II-219, n.° 20), o segundo aviso derecepção incluído no envelope da notificação da decisão não constitui, de formaalguma, uma segunda notificação distinta da que foi regularmente efectuada porvia postal, dado que o envio por carta registada com aviso de recepção constituisempre a forma de notificação adequada, visto permitir determinar com segurançao início do prazo. O envio de um segundo aviso de recepção destina-se apenas apermitir à Comissão certificar-se da data em que a empresa em causa tomouconhecimento da decisão notificada, no caso de a administração dos correios emcausa não cumprir o seu dever, não lhe devolvendo o aviso de recepção depois deassinado. A precaução de enviar um segundo aviso de recepção não se destinaria,portanto, a remediar uma eventual deficiência dos correios consistente na entrega,por lapso, do envio postal a uma pessoa empregada pelo destinatário nãoautorizada a receber correio registado, mas sim a deficiência consistente naeventual omissão de devolução do aviso de recepção. Resultaria, além disso, dodireito francês, que a assinatura do aviso de recepção postal por um funcionáriode uma pessoa colectiva destinatária não habilitado a receber correio registado nãoafecta a validade da notificação efectuada por carta registada com aviso derecepção.

65.
    Quanto ao argumento da SNCF baseado na invocação de caso fortuito e de forçamaior, a Comissão alega que, segunda a jurisprudência do Tribunal de Justiça, osproblemas de comunicação no interior da sociedade destinatária não constituemcasos fortuitos ou de força maior (acórdão Cockerill-Sambre/Comissão, já referido,n.° 12), designadamente quando o desfuncionamento se deve a faltas de serviço dosassalariados da empresa recorrente (acórdão do Tribunal de Justiça, de 15 deDezembro de 1994, Bayer/Comissão, C-195/91 P, Colect., p. I-5619, n.° 33).

66.
    Finalmente, quanto ao argumento da SNCF baseado em erro desculpável, aComissão sustenta que este conceito só pode reportar-se a circunstânciasexcepcionais, especialmente quando a instituição em causa tenha adoptado umcomportamento susceptível de provocar uma confusão admissível no espírito de umparticular de boa fé que faça prova de toda a diligência exigível a um operadornormalmente prudente (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 15 deMarço de 1995, Cobrecaf e o./Comissão, T-514/93, Colect., p. II-621, n.° 40). Ora,no presente caso, o erro cometido seria devido ao comportamento de alguém quenão a Comissão.

67.
    A SNCF contesta a validade da notificação e, a título subsidiário, alega que, mesmoque a notificação fosse válida, as circunstâncias em que foi recebida a decisãonotificada são constituintes de caso fortuito ou de força maior ou resultam de errodesculpável.

68.
    Quanto à irregularidade da notificação, a SNCF sustenta que, nos termos do artigoL 9 do código francês dos correios e telecomunicações, as cartas registadas devemser entregues em mão ao destinatário ou ao seu «procurador». De onde resultaque o aviso de recepção que atesta ter ela recebido a decisão notificada é nulo.Com efeito, não teria sido assinado por uma das pessoas às quais tinha sidoespecificamente delegado o poder de assinar esses avisos de recepção. Além disso,o agente dos correios teria aceitado que o aviso de recepção fosse assinado poruma pessoa para tal não habilitada. Finalmente, o aviso de recepção teria sidoenviado à Comissão pelos correios franceses, infringindo a sua obrigação deverificar a conformidade da assinatura da pessoa que tinha assinado efectivamenteo aviso de recepção com a assinatura da pessoa com poderes para o fazer.

69.
    A SNCF sustenta que, segundo a jurisprudência, o facto de um aviso de recepçãoser assinado por uma pessoa para tal habilitada, afecta aos serviços de correio daempresa destinatária, é um elemento determinante da validade da notificação(acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maio de 1991,Bayer/Comissão, já referido, n.os 4 e 20); conclusões do advogado-geral M. Darmonno processo em que foi proferido o acórdão Cockerill-Sambre/Comissão, járeferido, p. 3750), como a própria Comissão o teria admitido no processo em quefoi proferido o acórdão Ferriera Valsabbia/Comissão, já referido.

70.
    De onde resulta, segundo a SNCF, que é o formulário do aviso de recepçãonormal, junto pela Comissão à decisão notificada, a fim de lhe permitir conhecer,com segurança, a data em que a empresa tomou conhecimento da decisão, quedeve ser tomado em consideração, visto que se destina a remediar as deficiênciasdos correios (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maio de 1991,Bayer/Comissão, já referido). As deficiências a que a jurisprudência faz referêncianão seriam apenas aquelas em que os correios não devolvem o aviso de recepçãoà Comissão, mas também aquelas em que os correios apõem eles próprios a datano aviso, sem recolherem a assinatura de um representante devidamente habilitadoda sociedade destinatária, de modo que um erro dos serviços de correios na suafunção de entrega dos envios registados deveria levar a ignorar as informações aíapostas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, BASFe o./Comissão, T-80/89, T-81/89, T-83/89, T-87/89, T-88/89, T-90/89, T-93/89,T-95/89, T-97/89, T-99/89, T-100/89, T-101/89, T-103/89, T-105/89, T-107/89 eT-112/89, Colect., p. II-729, n.os 54 a 60). Nestas condições, a data de recepção e,por conseguinte, a data da notificação, é a data de 7 de Outubro de 1994, indicadano segundo aviso de recepção.

71.
    A título subsidiário, a SNCF sustenta que, mesmo admitindo que o seu recurso éextemporâneo, essa extemporaneidade é consequência de um caso fortuito ou deforça maior, uma vez que a assinatura do aviso de recepção por uma pessoa nãoautorizada é totalmente independente da sua vontade e que, pelo seu lado, fezprova de toda a diligência necessária para poder receber normalmente os enviosregistados. Sublinha, a este propósito, que o agente dos correios que entregou adecisão notificada em 29 de Setembro de 1994 sabia perfeitamente que a pessoaque a recebeu não estava para tal habilitada e acrescenta que os tribunais francesesconsideram a entrega dos envios a uma pessoa não habilitada para tal como umafalta grave dos serviços de correios, susceptível de pôr em causa a responsabilidadeda administração.

72.
    Segundo a SNCF, ainda que as circunstâncias da notificação da decisão impugnadanão fossem constitutivas de um caso de força maior, resultariam, pelos menos, deerro desculpável. Retoma, a este propósito, os argumentos relativos à inobservânciapelos serviços de correios das suas instruções precisas em matéria de recepção dosenvios registados e sustenta que, tendo em conta o modo como estes serviçoscumprem geralmente as suas obrigações, a falta cometida no caso em apreçoconstitui um caso isolado e excepcional. Ora, segundo a SNCF, o erro desculpáveltipificar-se-ia quando a deficiência excepcional dos serviços de correios provocaconfusão na empresa destinatária, visto que o conceito de erro desculpável não selimita aos casos em que é a Comissão a provocar essa confusão (acórdão doTribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, Bayer/Comissão, já referido,n.° 26).

73.
    A SNCF acusa ainda a Comissão de práticas pouco rigorosas em matéria denotificação das decisões e considera que, no presente caso, o erro da SNCF foiparcialmente provocado por essas práticas. Com efeito, relativamente a envios demuito menor importância (informação sobre a apresentação de uma denúncia,convite a apresentar observações), a Comissão teria o cuidado de designarnominalmente o destinatário, ao passo que envia sem indicação do nome dodestinatário uma decisão final de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratadosusceptível de recurso de anulação, como a do presente caso.

74.
    Por último, a SNCF invoca o carácter enganador e susceptível de induzir em erroda prática da Comissão consistente em juntar o seu próprio aviso de recepção àsdecisões que notifica às empresas, sem chamar a atenção dos destinatários sobreo facto de que uma decisão se considera notificada a partir do momento em queo destinatário recebe a carta registada e assina o aviso de recepção.

Apreciação do Tribunal

75.
    O Tribunal recorda liminarmente que é pacífico que, nos termos das disposiçõesconjugadas do terceiro parágrafo do artigo 173.° do Tratado, do artigo 102.°, n.° 2,do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e do artigo 1.° doAnexo II do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, para o qual remeteo artigo 102.°, n.° 2, o prazo de recurso era, no caso vertente, de dois meses e seisdias.

76.
    O Tribunal lembra, a seguir, que, segundo jurisprudência constante, a aplicaçãoestrita das regras comunitárias referentes aos prazos processuais dá satisfação àexigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar toda e qualquerdiscriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça. É igualmentejurisprudência constante que a existência de uma notificação válida na sede socialda empresa em causa não está minimamente dependente da tomada deconhecimento efectivo pela pessoa que, segundo as regras internas da empresadestinatária, tem competência na matéria, e que uma decisão é validamentenotificada quando é comunicada ao destinatário e este pode dela tomarconhecimento (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1985,Cockerill-Sambre/Comissão, já referido, n.° 10, e acórdão BASF e o./Comissão, járeferido, n.os 58 e 59).

77.
    Deve, portanto, verificar-se se a notificação à SNCF da decisão impugnada foivalidamente efectuada, nas condições previstas pela legislação aplicável em matériade distribuição do correio em França, no sentido de saber se a decisão terá sidoentregue a um empregado da SNCF devidamente habilitado a receber esse correio(acórdão BASF e o./Comissão, já referido, n.° 60).

78.
    Há que salientar, quanto a este aspecto, que, como resulta dos autos e dasrespostas da SNCF às perguntas escritas do Tribunal, os serviços de correiosfranceses, embora na posse de procurações válidas passadas pela SNCF quedelegavam em pessoas com poderes para tal a recepção do correio endereçado aosseus diferentes serviços e empregados, não entregaram a decisão ora impugnadaa uma dessas pessoas, mas a um terceiro para tal não habilitado. Ora, como arecorrente sublinhou, sem ter sido contestada pela Comissão, segundo as regrasaplicáveis em França em matéria de distribuição do correio, os agentes dos correiosfranceses só podem distribuir correio registado às pessoas nominalmente indicadasou, na ausência destas, aos seus procuradores, isto é, às pessoas munidas deprocuração válida para esse efeito.

79.
    De onde resulta que, tendo a decisão impugnada sido entregue, em violação dasregras acima mencionadas, a um agente da recorrente não autorizado a recebercorreio, a decisão não foi validamente notificada à SNCF, de modo que o prazo derecurso só começa a correr a partir da recepção e da assinatura do segundo avisode recepção, isto é, em 7 de Outubro de 1994, e não a partir da data da assinaturado primeiro aviso de recepção, em 29 de Setembro de 1994. O Tribunal entendeque o acórdão Cockerill-Sambre/Comissão, já referido, invocado pela Comissão emapoio do fundamento baseado no carácter extemporâneo do recurso, não épertinente no caso presente, porque esse processo não dizia respeito à questão davalidade da notificação, pelos serviços dos correios, de uma decisão da Comissãoa um funcionário da empresa destinatária devidamente habilitado a receber essecorreio, mas à possibilidade, para a empresa destinatária, na sequência de umanotificação válida na sua sede social, de justificar a interposição tardia de umrecurso de anulação por invocação das suas regras internas quanto às pessoascompetentes para tomarem efectivamente conhecimento do correio que lhe tinhasido endereçado (v. n.° 10 do acórdão Cockeril-Sambre/Comissão, já referido). Omesmo se diga do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994,Bayer/Comissão, já referido, em que não foi contestado que a notificação dadecisão impugnada tinha sido efectuada pelos serviços dos correios em condiçõesnormais a um «representante» do serviço de correio da Bayer. Neste acórdãotambém, a questão que se punha era unicamente a de saber se, apesar de adecisão da Comissão ter sido regularmente notificada na sede social da Bayer, estaúltima podia, mesmo assim, basear-se no funcionamento deficiente dos seusserviços internos para justificar a interposição, fora de prazo, do seu recurso deanulação (n.os 2 e 20 do acórdão). Ora, como acabámos de sublinhar, é a validadeda notificação, em si, que é posta em causa no presente processo, isto é, ofuncionamento dos serviços de correios (aspecto externo da notificação) e não ofuncionamento interno dos serviços da SNCF (aspecto interno da notificação).

80.
    Tendo, assim, sido interposto atempadamente, o recurso da SNCF deve ser julgadoadmissível.

Quanto ao mérito

81.
    Segundo os fundamentos e argumentos dos recorrentes, a decisão impugnadadeveria ser anulada, essencialmente por quatro razões, a saber: em primeiro lugar,nenhum dos elementos constitutivos das infracções a que se refere o artigo 85.°,n.° 1, do Tratado se verifica no caso em apreço, não sendo os acordos ENSsusceptíveis de restringir a concorrência, de modo que a decisão estaria viciada poruma apreciação incorrecta e incompleta dos factos, bem como por erro de direitomanifesto e falta de fundamentação; em segundo lugar, ao aplicar as regras daconcorrência, a Comissão teria excedido os limites do quadro legal traçado peladirectiva 91/440; em terceiro lugar, a Comissão teria feito depender a isençãoconcedida de condições desproporcionadas e, em quarto lugar, a isenção concedidapara os acordos notificados seria demasiado curta (oito anos). Finalmente, norecurso, T-384/94, a SNCF sustenta, além disso, que a decisão impugnada deveráser anulada, por a Comissão ter considerado que os acordos ENS não podiambeneficiar da excepção por motivos técnicos prevista no artigo 3.° do Regulamenton.° 1017/68.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado em apreciação incorrecta e incompleta dosfactos e em erro de direito manifesto e/ou incumprimento da obrigação defundamentar devidamente a decisão impugnada, por a Comissão ter decidido que acriação da ENS tinha como objectivo ou como efeito restringir a concorrência

82.
    Este fundamento subdivide-se em duas vertentes: a primeira, baseada numa erradadefinição do mercado relevante e em inexistência de efeitos sensíveis dos acordosENS sobre o comércio entre Estados-Membros, e o segundo, na inexistência deefeitos restritivos da concorrência provocados por esses acordos.

A primeira vertente: quanto à definição do mercado relevante e à inexistência deefeitos sensíveis dos acordos ENS sobre o comércio entre Estados-Membros

Argumentos das partes

83.
    As recorrentes lembram que, na decisão, a Comissão definiu os mercados em causacomo sendo os do transporte, por um lado, de homens de negócios e, por outro,de turistas em cada uma das linhas asseguradas pela ENS. Alegam que, com basenas previsões sobre a procura para 1995, constantes da sua notificação (quadro 17,p. 26 da notificação), os serviços da ENS não cobririam provavelmente mais do que4% das diferentes partes desses mercados (ou seja, 2,4% do mercado das viagensde negócios e 5% do mercado das viagens de recreio). Ora, à luz da comunicaçãoda Comissão de 13 de Setembro de 1986, relativa aos acordos de pequenaimportância que não são abrangidos pelo disposto no n.° 1 do artigo 85.° doTratado CEE (JO 1986 C 231, p. 2), essas partes de mercado seriam insignificantes.Ainda que se analisasse cada trajecto em separado, verificar-se-ia pelo quadro 17da notificação que as únicas partes de mercado de mais de 4%, de que a ENSprovavelmente beneficia são, respectivamente, de 6% e 7% nas viagens de recreionas linhas Londres-Amsterdão e Londres-Frankfurt/Dortmund. Quanto à tese daComissão de que uma parte de mercado de 5% justificaria que se considerasse aempresa em causa como tendo importância suficiente para que o seucomportamento fosse, em princípio, susceptível de afectar as trocas entreEstados-Membros, as recorrentes remetem para os acórdãos do Tribunal dePrimeira Instância de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão (T-7/93, Colect.,p. II-1533) e Schöller/Comissão (T-9/93, Colect., p. II-1611), dos quais resultariaque uma parte de mercado de 5% não basta, por si só, para se concluir pelaexistência de uma restrição sensível à concorrência. Na notificação teria sidosublinhado, além disso, que a parte do mercado da ENS permaneceria estável, oumesmo que diminuiria, porque o mercado deveria crescer mais depressa do que acapacidade da ENS para aumentar a frequência dos seus serviços (notificação,p. 27, ponto II.4.c.6). O mercado em causa dos dois serviços referidos (viagens denegócios e de lazer) seria, portanto, muito vasto, e seria evidente que a ENS nãotem o poder de influenciar os preços, a qualidade e a disponibilidade dos serviços,nem de afastar ou enfraquecer a concorrência.

84.
    Quanto à afirmação da Comissão, constante da sua contestação, segundo a qual aparte do mercado da ENS no segmento das viagens de negócios deveria sercalculada em relação aos voos do princípio da manhã e do final da tarde em vezde o ser em relação ao conjunto dos voos disponíveis em cada período de 24 horasnum dado trajecto, as recorrentes sustentam que essa afirmação constitui umaredefinição do mercado em causa e que não é sustentada por nenhuma espécie deprova.

85.
    A Comissão alega que a parte do mercado da ENS não deve ser calculada, comoas notificantes propunham na sua notificação, em relação ao mercado geral detransporte de passageiros entre o Reino Unido, por um lado, e a França, aAlemanha e os países do Benelux, por outro, mercado geográfico este em que aENS só detém 2,4% do segmento das viagens de negócios e 5% do segmento dasviagens de turismo, ou seja uma parte global de mercado de cerca de 4%. Omercado em causa limitar-se-ia, com efeito, às linhas efectivamente servidas pelaENS, ou seja: Londres-Amsterdão, Londres-Frankfurt, Paris-Glasgow/Swansea eBruxelas-Glasgow/Plymouth (decisão, ponto 29). Segundo esta definição, a ENSrepresentaria uma parte do mercado de, pelo menos, 7% no segmento das viagensde negócios, e de 8%, no segmento das viagens turísticas, segundo os númerosfornecidos pelas partes do acordo ENS na respectiva notificação.

86.
    Ora, segundo a jurisprudência, uma parte de mercado de 5% justificaria que seconsiderasse uma empresa como tendo importância suficiente para que o seucomportamento, seja, em princípio, susceptível de afectar as trocas comerciais entreEstados-Membros (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 1 de Fevereiro de 1978,Miller/Comissão, 19/77, Colect., p. 45, de 7 de Junho de 1983, Musique DiffusionFrançaise e o./Comissão, 100/80, 101/80, 102/80 e 103/80, Recueil, p. 1825, e de 25de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151). A mesma regraseria válida para as restrições da concorrência susceptíveis de resultar de umacordo entre empresas. A Comissão sustenta a este propósito que, ao contrário doque as recorrentes alegam, não resulta dos acórdãos Langnese-Iglo/Comissão eSchöller/Comissão, já referidos, que uma parte do mercado superior a 5% seja, porsi só, insuficiente para permitir concluir que há uma restrição significativa daconcorrência.

87.
    Além disso, segundo a Comissão, a parte do mercado da ENS no segmento dasviagens de negócios do mercado em causa seria muito mais importante. Comefeito, resultaria da análise do mercado constante da notificação que a parte daENS neste segmento do mercado deveria ser calculada exclusivamente em relaçãoaos voos do princípio da manhã e do fim da tarde, em vez de o ser em relação aoconjunto dos voos disponíveis em cada período de 24 horas numa determinadalinha. A Comissão sublinha ainda que a previsão da parte do mercado só abrangeo ano de 1995, quer dizer, o primeiro ano previsto de exploração dos serviços daENS e que, tendo em conta o poder efectivo das empresas de transporteferroviário em questão nos mercados em causa e a sua clientela actual e potencial,é provável que essa parte de mercado aumente. Em consequência, haveriafundamento para considerar que os acordos ENS eliminam ou restringemsensivelmente as possibilidades de concorrência.

88.
    O Reino Unido, interveniente, sustenta que a definição, pela Comissão, dosmercados em causa é artificialmente restritiva. Por um lado, o mercado geográficodeveria abranger, em termos globais, o Reino Unido, a França, a Bélgica, os PaísesBaixos, o Luxemburgo e a Alemanha. Por outro, o facto de os mercados em causaabrangerem diversos modos de transporte só teria sido tomado em consideraçãona parte da decisão relativa à concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°,n.° 3, do Tratado. Finalmente, segundo o Reino Unido, as partes num acordo quepossuam uma parte do mercado inferior a 10% não exercem, em regra, nenhumpoder no mercado, qualquer que seja a importância do seu volume de negócios, demodo que, abaixo desse limiar, só circunstâncias especiais podem tornar o objectivoou efeito anticoncorrencial do acordo em questão suficientemente nocivo ousensível.

89.
    A Comissão replica que a tese do Reino Unido, segundo a qual só uma parte domercado de 10% é susceptível de justificar a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, doTratado, não tem qualquer apoio na jurisprudência.

Apreciação do Tribunal

90.
    Convém salientar liminarmente que, para apreciar os efeitos dos acordos ENSsobre a concorrência e o comércio entre Estados-Membros, a Comissão definiu, nadecisão impugnada, dois mercados de serviços relevantes, isto é, o mercado dotransporte de pessoas em viagem de negócios, para as quais o transporte aéreo emvoo regular e o transporte ferroviário de alta velocidade constituem modos detransporte alternativos (mercado «integrado» das viagens de negócios) e, poroutro, o mercado do transporte de pessoas em viagens de recreio, para as quais osserviços alternativos podem incluir o avião em classe económica, o comboio, oautocarro e, eventualmente, o automóvel individual (mercado «integrado» dasviagens de recreio) (pontos 26 e 27 da decisão).

91.
    Referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1989, AhmedSaeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro (66/86, Colect., p. 803), a Comissãoconsiderou aliás que o mercado geográfico em causa deveria ser limitado às linhasefectivamente servidas pela ENS (decisão, pontos 28 e 29), ou seja:

-    Londres-Amsterdão,

-    Londres-Frankfurt/Dortmund,

-    Paris-Glasgow/Swansea,

-    Bruxelas-Glasgow/Plymouth.

92.
    Não tendo esta definição do mercado geográfico sido posta em causa pelasrecorrentes, os acordos ENS só deveriam ter sido apreciados com base nos quatromercados geográficos distintos acima referidos e exclusivamente no âmbito de ummercado integrado de vários meios de transporte, como o comboio, o avião, oautocarro e o automóvel. Deve examinar-se, neste quadro, se a Comissão avalioucorrectamente as partes de mercado da ENS para daí concluir que os acordos ENSexerciam um efeito sensível sobre o comércio entre Estados-Membros, dado que,segundo a notificação das recorrentes, estas partes de mercado não excedem olimiar crítico dos 5% e são, em qualquer caso, insignificantes.

93.
    O Tribunal faz notar, quanto a este aspecto, que a decisão impugnada não contémqualquer referência às partes de mercado da ENS, nem às partes de mercado dosoutros operadores concorrentes da ENS, que estão igualmente presentes nosdiferentes mercados integrados considerados pela Comissão mercados relevantespara efeitos de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. De onde resulta que,mesmo admitindo que, ao contrário do que sustentam as recorrentes, os acordosENS são restritivos da concorrência, na falta desses elementos de análise domercado relevante na decisão impugnada, o Tribunal não pode pronunciar-se sobrea questão de saber se as hipotéticas restrições à concorrência têm um efeitosensível sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros e se caem, por isso, soba alçada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tendo em conta designadamente aconcorrência entre modos de transporte que, segundo a própria decisão, caracterizaos dois mercados de serviços em causa.

94.
    Foi só na fase do processo contencioso no Tribunal que a Comissão se referiu, pelaprimeira vez, à notificação das partes para sustentar que resulta desta que,«mesmo com base nas previsões modestas - e, por natureza, restritivas - da ENS,que se baseiam numa definição mais restrita do mercado, a parte da Night Servicesseria de 7% no segmento das viagens de negócios e de 8% no segmento dasviagens de turismo». Além disso, foi também na fase escrita do processocontencioso que a Comissão alegou, pela primeira vez, que, relativamente aomercado das viagens de negócios, se devia calcular a parte de mercado da ENS emrelação aos voos do princípio da manhã e do fim da tarde, em vez de o ser emrelação ao conjunto dos voos disponíveis em cada período de 24 horas numdeterminado trajecto, o que provaria que a parte de mercado da ENS é, de facto,muito mais importante.

95.
    Embora segundo jurisprudência constante, na fundamentação das decisões que élevada a tomar para assegurar a aplicação das regras da concorrência, a Comissãonão seja obrigada a discutir todas as questões de facto e de direito e todas asconsiderações que a levaram a tomar essa decisão, não é menos verdade que aComissão está obrigada, nos termos do artigo 190.° do Tratado, a mencionar, pelomenos, os factos e as considerações que revestem uma importância essencial naeconomia da sua decisão, permitindo assim ao tribunal comunitário e às partesinteressadas conhecer as condições em que aplicou o Tratado (acórdão do Tribunalde Justiça de 17 de Janeiro de 1995, Publishers Association/Comissão, C-360/92 P,Colect., p. I-23, n.° 39; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 27 deNovembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 150,e de 19 de Fevereiro de 1998, DIR International Film e o./Comissão, T-369/94 eT-85/95, Colect., p. II-357, n.° 117). Resulta, além disso, da jurisprudência que,salvo circunstâncias excepcionais, uma decisão deve incluir, no próprio corpo dadecisão, a sua fundamentação e não pode ser fundamentada pela primeira vez ea posteriori perante o juiz comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância,de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect.,p. II-1931, n.° 131, de 21 de Março de 1996, Farrugia/Comissão, T-230/94, Colect.,p. II-195, n.° 36, e de 12 de Dezembro de 1996, Rendo e o./Comissão, T-16/91 RV,Colect., p. II-1827, n.° 45).

96.
    Resulta desta referida jurisprudência que, quando uma decisão da Comissão queaplica o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado está viciada por omissões importantes, comoé o caso da referência às partes de mercado das empresas em causa, a Comissãonão pode remediar essa situação, invocando pela primeira vez no Tribunal dadose outros elementos de análise que permitam verificar que os elementos essenciaisde aplicação do artigo 85.°, n.° 1, estão efectivamente reunidos nesse caso, salvo sese tratar de elementos de análise não contestados por nenhuma das partes duranteo procedimento administrativo prévio.

97.
    Ora, verifica-se pelas estimativas apresentadas pelas recorrentes na notificação queas partes de mercado da ENS não deviam exceder 4% e que só com base numadefinição restrita do mercado é que essas partes poderiam eventualmente atingir7% do mercado das viagens de negócios e 8% do mercado das viagens de recreio(v. ponto 2.1.2. do resumo da notificação), sem, no entanto, exercerem um efeitosensível sobre a concorrência. De onde resulta que, no que se refere aos efeitos dosacordos ENS sobre o comércio entre Estados-Membros, as recorrentes e aComissão não partiam da mesma premissa, considerando as primeiras que osacordos em questão não tinham um efeito sensível sobre o comérciointracomunitário. Em consequência, a Comissão era obrigada a fundamentar demodo suficiente a importância dos efeitos dos acordos ENS sobre o comérciointerestatal.

98.
    Acrescente-se, por outro lado, que, ainda que fosse admissível que a Comissãoviesse invocar pela primeira vez, no Tribunal, dados e outros elementos de análisepara justificar a correcção da sua decisão, mesmo assim as conclusões retiradaspela Comissão da notificação das partes (v. supra, n.° 94) não são correctas. Comefeito, resulta do quadro 17 da notificação (p. 26), que as partes de mercado daENS no segmento das viagens de negócios se situam abaixo dos 5% em todas aslinhas em causa:

-    Londres-Amsterdão            :    3%

-    Londres-Frankfurt/Dortmund    :    3%

-    Paris-Glasgow/Swansea        :    4%

-    Bruxelas-Glasgow/Plymouth        :    1%

99.
    Quanto ao segmento das viagens de recreio, resulta ainda do quadro 17 danotificação das partes que, em duas das quatro linhas que só a ENS assegura, aparte do mercado da ENS excede os 5%, sem atingir, de qualquer modo, o limiardos 8% a que se refere a Comissão:

-    Londres-Amsterdão            :    7%

-    Londres-Frankfurt/Dortmund    :    6%

-    Paris-Glasgow/Swansea        :    4%

-    Bruxelas-Glasgow/Plymouth        :    4%

100.
    Resulta igualmente da notificação que as partes de mercado da ENS no mercadodas viagens de recreio deviam permanecer estáveis ou mesmo diminuir naperspectiva de um crescimento do conjunto do mercado e tendo em conta aspossibilidades limitadas de aumento da capacidade da ENS. Ora, se é verdade que,como acabamos de recordar, a Comissão não é obrigada a discutir todas asquestões de facto e de direito suscitadas no decurso do procedimentoadministrativo prévio à adopção da decisão impugnada, este último argumento dasnotificantes era essencial em apoio da tese do carácter insignificante dos efeitos dosacordos ENS sobre o comércio interestatal. Não se pode, portanto, concluir, comoo fez a Comissão, que, segundo a notificação, a parte do mercado da ENS nomercado das viagens de recreio era de 8%, ou sequer que excedia 5%.

101.
    Saliente-se a este propósito que, se é verdade que nos pontos 2.1.2. do resumo danotificação e II.4.c.5.2.(d) da notificação, as partes afirmaram designadamente quea parte de mercado da ENS poderia eventualmente vir a atingir 7% no segmentodas viagens de negócios e 8% no segmento das viagens turísticas, há que sublinharque, segundo as notificantes, essas partes de mercado só deveriam ser assimconsideradas no quadro de uma definição mais restrita do mercado, baseada emitinerários de «cidade a cidade» («city to city flows») e excluindo a concorrênciaresidual dos automóveis e dos autocarros. Além disso, estas estimativas das partesreportar-se-iam a partes médias de um mercado geográfico global e não aos quatroitinerários efectivamente assegurados pela ENS e considerados justamente pelaComissão como sendo os diferentes mercados geográficos relevantes no quadro dosquais os acordos ENS deviam ser apreciados. De onde resulta que, não tendo adecisão impugnada, por um lado, definido os mercados em causa em relação a umtráfego «de cidade a cidade», mas em relação a um tráfego que inclui váriosdestinos (por exemplo, de Paris para Glasgow e Swansea) e, por outro, não tendo,de modo nenhum excluído da definição do mercado a concorrência residual dosautomóveis e dos autocarros, e não tendo, finalmente, apreciado os efeitos dosacordos ENS com base num mercado geográfico global, mas com base nos quatroitinerários efectivamente assegurados pela ENS, a Comissão não podia ter optadopelas partes de mercado de 7% e 8% referidas.

102.
    De qualquer modo, mesmo que, como acabámos de verificar, a parte da ENS nomercado do transporte de turistas excedesse, de facto, 5% em determinadas linhas,elevando-se assim a 7% na rota Londres-Amsterdão e a 6% na rotaLondres-Frankfurt/Dortmund (v. supra, n.° 94), há que recordar que, segundo ajurisprudência, um acordo pode escapar à proibição do artigo 85.°, n.° 1, doTratado quando apenas afecta o mercado de modo insignificante, tendo em contaa posição pouco relevante que os interessados ocupam no mercado dos produtosou dos serviços em causa (acórdão de 9 de Julho de 1969, Völk, 5/69, Colect.1969-1970, p. 95, n.° 7). No que se refere ao aspecto quantitativo da influência nomercado, a Comissão alega que, em conformidade com a sua comunicação relativaaos acordos de pequena importância, já referida, o artigo 85.°, n.° 1, se aplica a umacordo quando a parte do mercado dos contratantes é de 5%. O Tribunal verifica,no entanto, que o simples facto de se atingir esse limiar ou mesmo de o excedernão permite concluir, com certeza, que um acordo fica abrangido pela proibiçãodo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Com efeito, resulta do próprio texto do ponto 3desta comunicação que «a definição quantitativa do carácter sensível, dada pelaComissão, não tem, contudo, valor absoluto» e que «é perfeitamente possível que,em casos concretos, acordos concluídos por empresas que excedem os limiares...indicados não afectem o comércio entre Estados-Membros ou a concorrência senãonuma medida insignificante, não sendo, por consequência, abrangidos pelo n.° 1 doartigo 85.°» (v. também o acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 98).Além disso, e a título puramente indicativo, deve observar-se que esta análise écorroborada pela comunicação da Comissão de 1997 relativa aos acordos depequena importância (JO 1997 C 372, p. 13), que substitui a comunicação de 3 deSetembro de 1986 acima citada, segundo a qual mesmo acordos que não são depequena importância podem não ser abrangidos pela proibição de acordos,decisões e práticas concertadas devido aos seus efeitos exclusivamente positivossobre a concorrência.

103.
    Nestas condições, o Tribunal entende que, num caso como o presente em queacordos horizontais entre empresas atingem ou excedem por pouco o limiar dos5% considerado pela própria Comissão como o limiar crítico, susceptível de levarà aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a Comissão é obrigada a explicar demodo suficiente as razões por que entende que esses acordos estão abrangidos pelaproibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. E é por maioria de razão assim quando,como no presente caso, por um lado, como as recorrentes explicaram na suanotificação, a ENS tem de operar em mercados que são, em larga medida,dominados por outros meios de transporte, como o avião, e quando, por outrolado, como alegam as recorrentes colocando-se na perspectiva de um acréscimo daprocura nos mercados relevantes e tendo em consideração as possibilidadeslimitadas de aumento da capacidade da ENS, as suas partes do mercado irãodiminuir ou permanecer estáveis. Essa fundamentação era igualmente necessáriano presente caso pelo facto de que, como o Tribunal de Justiça afirmou noacórdão Musique Diffusion Française e o./Comissão, já referido, um acordo ésusceptível de exercer uma influência sensível sobre a corrente das trocascomerciais entre Estados-Membros, ainda que as partes do mercado das empresasrecorrentes não excedam 3%, se estas partes de mercado forem superiores às deterceiros concorrentes (n.° 86).

104.
    Ora o Tribunal verifica que, no presente caso, essa fundamentação não existe.

105.
    Resulta do que acima se disse que a decisão impugnada não está suficientementefundamentada de modo a permitir ao juiz comunitário pronunciar-se sobre aspartes detidas pela ENS nos diversos mercados relevantes e, portanto, sobre osefeitos sensíveis dos acordos ENS no comércio entre Estados-Membros, de modoque a decisão deve ser anulada, com este fundamento.

A segunda vertente: quanto à apreciação dos efeitos restritivos dos acordos ENS sobrea concorrência

Argumentação das partes

106.
    As recorrentes sustentam que os acordos ENS não restringem a concorrência nementre os fundadores, nem entre estes e a ENS, nem em relação a terceiros e quenão há nenhum reforço das alegadas restrições à concorrência que resulte dapresença de redes de empresas comuns no mercado ferroviário. Sustentamigualmente que os efeitos favoráveis resultantes dos acordos ENS são maisimportantes do que as pretensas restrições daí resultantes. A decisão estaria, pois,viciada por falta de fundamentação, ou, pelo menos, por erros manifestos deapreciação.

107.
    No que se refere, em primeiro lugar, às restrições da concorrência entrefundadores e entre estes e a ENS, as recorrentes alegam que, tendo em conta asimportantes dificuldades com que se irão deparar as empresas de transporteferroviário e a ENS, não se pode afirmar que poderá aparecer nesses mercadosuma concorrência significativa entre as empresas de transporte ferroviário em tornodos novos serviços propostos pela ENS. A ENS e a EPS invocam, a este propósito,uma carta de Lazard Brothers, de 27 de Abril de 1992, enviada à BR (anexo 7 danotificação), da qual se depreenderia que nenhuma das empresas de transporteferroviário teria assumido sozinha esses riscos - o que a própria Comissão teriareconhecido na sua decisão. Além disso, a aquisição do material circulanteimplicaria diversos custos fixos, de um tal montante que uma empresa só poderiater lucros se a sua produção atingisse um volume mínimo do nível que a ENSespera realizar. Individualmente, nenhuma das empresas de transporte ferroviárioteria podido aumentar o volume dos seus serviços de modo a atingir essaquantidade mínima.

108.
    Quanto a este aspecto, a UIC e a NS acrescentam que não pode haver restriçõesà concorrência potencial entre as partes nos acordos ENS, posto que, segundo aDirectiva 91/440, nenhuma das empresas de transporte ferroviário está emcondições de assegurar por si só qualquer das linhas em causa, mas é obrigada aparticipar num agrupamento internacional. Por exemplo, a linhaLondres-Amsterdão não poderia ter sido assegurada pela SNCF e pela EPS sema participação da NS. Sendo a EPS e a NS «parceiros obrigatórios» em qualqueragrupamento internacional que assegure esta linha, a participação suplementar daSNCF, que não seria um concorrente actual nem potencial da NS ou da EPS nalinha em causa não poderia, portanto, constituir uma restrição à concorrência.Quanto ao facto de a ENS assegurar uma linha cujo ponto de destino se situa naBélgica, sem que a empresa ferroviária belga, a SNCB, participe nos acordos ENS,as recorrentes sublinham que o facto de a SNCB ter que fornecer à ENS «serviçosindispensáveis» resulta de uma decisão puramente comercial e não de umaobrigação imposta pelo direito comunitário.

109.
    Se as quatro linhas asseguradas pela ENS devessem ser consideradas comoconstituindo quatro mercados geográficos distintos (decisão, n.° 29), isso teria comoconsequência que as quatro ligações também não poderiam ser consideradas comoestando em concorrência recíproca, pelo que a exploração combinada dessasquatro ligações por um único agrupamento não poderia constituir uma restrição àconcorrência.

110.
    A tese de que os acordos ENS restringem a concorrência entre as partes nosacordos e novas empresas ferroviárias, incluindo filiais de empresas existentes seriaigualmente infundada. Posto que se trataria, nesse caso, de empresas novas, estaconsideração seria efectivamente impertinente no quadro da análise de eventuaisrestrições à concorrência entre empresas participantes. A afirmação de que osfundadores poderiam criar fora do seu país de estabelecimento, em países onde aENS está presente, filiais que poderiam adquirir o estatuto de «empresas detransporte ferroviário» na acepção da Directiva 91/440, e com as quais nenhumadas empresas de transporte ferroviário em causa poderia organizar transportesnocturnos através de um agrupamento que excluísse qualquer outro participanteda ENS, seria meramente hipotética. Por um lado, nenhuma das empresas detransporte ferroviário que participam na ENS possui efectivamente essas filiais. Poroutro, as empresas ferroviárias não teriam a possibilidade de criar filiais com oestatuto de empresas de transporte ferroviário nos Estados-Membros onde estãoestabelecidas outras empresas de transporte ferroviário, pelo menos antes deentrarem em vigor as duas propostas de directiva que completam o quadroregulamentar da Directiva 91/440. Aliás, mesmo que esse quadro legal já existisse,seria totalmente irrealista, numa perspectiva comercial, pensar que a DB, porexemplo, criaria a sua própria empresa ferroviária nos Países Baixos para explorarcom a EPS uma ligação ferroviária nocturna entre o Reino Unido e Amsterdãosem passar pela NS. De qualquer modo, as conclusões da Comissão prestar-se-iamtanto mais a contestação quanto a cooperação no interior da ENS não é exclusiva,não havendo nada nos acordos ENS que impeça os participantes de entrarem numagrupamento concorrente da ENS.

111.
    A SNCF acrescenta a este propósito que, ao contrário do que sustenta a Comissão,a possibilidade, para as companhias ferroviárias, de criarem filiais noutroEstado-Membro para constituírem com elas agrupamentos não existe, porqueexistem monopólios legais nos Estados-Membros e porque não existe legislação doConselho que confira esse direito de estabelecimento. Por outro lado, aparticipação de várias empresas ferroviárias nos acordos ENS não teriaconsequências, uma vez que operam em eixos distintos e não estão, portanto, emsituação de concorrência em cada um dos outros mercados geográficosconsiderados. Finalmente, a SNCF sublinha que os riscos financeiros ligados àconstituição da ENS não são suportáveis por uma única empresa, como a própriaComissão admite no ponto 63 da sua decisão.

112.
    Do mesmo modo, o argumento da Comissão de que cada empresa ferroviáriapoderia desempenhar o papel de «operador de transporte» ferroviário fora do seupaís de estabelecimento, através da compra às empresas em causa dos serviçosferroviários indispensáveis, assentaria numa descrição pouco realista do mercadoe seria incompatível com o regime instituído pela Directiva 91/440. Não faria,assim, sentido, por exemplo, imaginar que a DB teria interesse em criar umaestrutura especial e em negociar direitos de acesso com o gestor da infra-estruturabritânica, a SNCF e a NS, para criar uma ligação ferroviária nocturna entreAmsterdão e Londres. Esse comportamento não seria, aliás, comercialmentepossível, não dispondo nenhuma das partes nos acordos ENS de meios financeirose comerciais suficientes para tal.

113.
    O raciocínio da Comissão basear-se-ia igualmente numa descrição do mercadoincompatível com o regime da Directiva 91/440. Com efeito, ao efectuar umadistinção artificial entre as empresas de transporte ferroviário e uma nova categoriahipotética de participantes no mercado, chamados «operadores de transporte», aComissão teria criado direitos de acesso e trânsito não previstos pela directiva. Aanálise da Comissão levaria, aliás, a considerar que qualquer formação de umagrupamento internacional restringe, por si só, a concorrência, pelo simples factode que os seus participantes teriam podido criar um outro agrupamento. Esteraciocínio seria tanto mais inaceitável quanto seria impossível, para as empresas detransporte ferroviário participantes, determinar como é que os serviços da ENSdeverão ser estruturados após o termo da isenção concedida, o que tem comoefeito desencorajar outras iniciativas das empresas ferroviárias da Comunidade emmatéria de novos serviços internacionais de transporte.

114.
    Em segundo lugar, no que se refere a alegadas restrições ao acesso de terceiros(pontos 46 a 48 da decisão impugnada), as recorrentes sustentam que a análise daComissão está viciada por erros de facto e de direito. Primeiro, a possibilidade deexclusão de terceiros deveria ser apreciada em relação aos mercados integrados emcausa nos quais a empresa comum irá operar e nos quais, segundo os pontos 26 e27 da decisão, existem outros meios de transporte alternativos. Ora, a análise emquestão basear-se-ia numa outra definição de mercado, isto é, o mercado defornecimento de serviços ferroviários indispensáveis, que é diferente da definiçãoexpressamente escolhida na decisão.

115.
    Segundo, a apreciação da Comissão basear-se-ia na premissa, errada, de que aENS deve ser considerada como um «operador de transporte» ao qual associedades-mãe fornecem serviços ferroviários. Ora, a ENS é, não um operador detransporte, mas um agrupamento internacional de empresas de transporteferroviário na acepção da Directiva 91/440, constituído com o objectivo de permitiràs suas empresas fundadoras fornecer prestações de transporte internacional depassageiros, nos termos do n.° 1 do artigo 10.° da directiva. O facto de associedades-mãe terem optado por um agrupamento sob a forma de sociedade éirrelevante para efeitos da caracterização jurídica da ENS. Assim, ao contrário doque sustenta a Comissão, uma vez que as empresas fundadoras fornecem, elaspróprias, através do agrupamento em causa, prestações de transporte depassageiros, não pode existir um mercado a montante de fornecimento de serviçosferroviários a operadores e um outro mercado distinto, no qual operaria a ENS,como se afirma na decisão. Em qualquer caso, as conclusões da Comissãoassentariam no pressuposto errado de que um «operador de transporte», qualquerque seja a sua natureza (por exemplo, uma cadeia hoteleira) pode pedir ofornecimento da locomotiva.

116.
    Terceiro, o argumento da Comissão basear-se-ia na hipótese errada de que a EPSé uma filial a 100% da BR e/ou do gestor de infra-estrutura britânico Railtrack eque ocupa uma posição dominante no Reino Unido, quando, na realidade, a EPSfoi cedida pela BR ao Governo do Reino Unido (v. supra, n.° 11) e a sua posiçãoestá longe de ser dominante em qualquer mercado. Com efeito, a EPS terialembrado à Comissão, na sua carta de 30 de Junho de 1994 (anexo 9 à petiçãoinicial), que não é nem proprietária nem gestora de infra-estruturas e que só temacesso às linhas horárias que lhe estão reservadas e de que necessita na rede doReino Unido, que representam uma pequena parte das linhas horárias nos trajectosem causa. Do mesmo modo, a EPS só emprega pouco pessoal ferroviário e o seuparque de locomotivas é reduzido. De onde resultaria que a EPS não está emposição dominante quanto ao acesso à infra-estrutura da rede britânica.

117.
    Quarto, a Comissão não teria explicado como é que o alegado poder económicodas empresas de transporte ferroviário participantes constitui, enquanto tal, umobstáculo ao acesso de terceiros ao mercado. Com efeito, o argumento baseado naexistência de concorrentes actuais ou potenciais, bem como no prejuízo que seriacausado à concorrência nos mercados a montante pelas alegadas relaçõesprivilegiadas entre as empresas de transporte ferroviário e a ENS é meramenteespeculativo. Mesmo que as empresas de transporte ferroviário sejam as únicas apossuir locomotivas e ainda que cada uma delas recuse fornecer locomotivas a umnovo operador, o efeito nos mercados em causa, correctamente definidos, seria, defacto, mínimo. Por outro lado, segundo a Directiva 91/440, as empresas detransporte ferroviário participantes são, de qualquer modo, obrigadas, na suaqualidade de gestoras de infra-estruturas, a fornecer determinados serviços aterceiros. Além disso, a aquisição de locomotivas (designadamente usadas) porlocação, leasing ou qualquer outro meio não representa nenhum investimento degrande monta para terceiros e nada permite à Comissão presumir que só asempresas ferroviárias em causa possuem esses meios ou que qualquer novocandidato teria dificuldades em obtê-los. Seria possível, além disso, em vez deencomendar locomotivas novas ou especiais, adaptar as locomotivas existentes afim de as tornar aptas à circulação no túnel do canal da Mancha. Em qualquercaso, o simples facto de a criação de uma empresa comum necessitar dedeterminados investimentos importantes em capital não pode ser considerado comouma barreira à entrada no mercado. Quanto à referência feita pela Comissão nosarticulados por ela apresentados ao efeito de exclusão que derivaria da convençãode utilização do túnel do canal da Mancha, as recorrentes sustentam que estaconvenção foi objecto de uma isenção concedida pela Comissão nos termos do n.° 3do artigo 85.° do Tratado e sublinham que as linhas horárias a utilizar pela ENSsão uma parte das linhas reservadas pela convenção Eurotunnel à SNCF e à BR,de modo que o número de linhas reservadas a terceiros não é diminuído.

118.
    Em terceiro lugar, relativamente aos efeitos restritivos devidos à existência de umarede de empresas comuns, as recorrentes sublinham que essas outras empresascomuns operam em mercados de produtos ou de serviços diferentes do mercadoem que a ENS operará, isto é, o mercado do transporte combinado de mercadoriase o mercado do transporte ferroviário de veículos, e que não exercem actividadesconcorrentes nem sequer complementares. Ora a decisão não conteria qualqueranálise do modo como a alegada existência de uma rede de empresas comunsferroviárias afecta a concorrência no mercado do transporte de passageiros eestaria, além disso, em contradição com os princípios defendidos pela Comissão nasua comunicação de 1993.

119.
    Por último, no que diz respeito à apreciação global dos efeitos dos acordos ENS,a ENS e a EPS alegam que, segundo jurisprudência constante do Tribunal deJustiça (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 1966, LTM, 56/65,Colect. 1965-1968, p. 381; de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão,56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423; Metro/Comissão, já referido; de 8 deJunho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, Recueil, p. 2015; de 28 deJaneiro de 1986, Pronuptia, 161/84, Colect., p. 353, e de 28 de Fevereiro de 1991,Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935), os efeitos favoráveis de um acordo sobre aconcorrência devem ser ponderados em relação aos efeitos anticoncorrenciais. Seos efeitos favoráveis à concorrência forem mais importantes do que os efeitosanticoncorrenciais e se estes últimos forem necessários à aplicação do acordo, estenão pode considerar-se como tendo por objecto ou por efeito impedir, restringirou falsear a concorrência no interior do mercado comum, para efeitos do artigo85.°, n.° 1, do Tratado.

120.
    As recorrentes sustentam, quanto a este aspecto, que os acordos em questãocontribuem largamente para favorecer a concorrência nos dois mercados deserviços em causa, tal como estes são definidos nos pontos 26 e 27 da decisão. Omercado do transporte de passageiros em viagens de negócios, por exemplo, paradestinos assegurados pela ENS seria dominado por um reduzido número decompanhias aéreas, que, segundo o estudo do fluxo internacional de passageiros(International Passenger Survey) efectuado pelo Office of Population Censures andSurveys, detinham 74% deste mercado em 1991. A ENS teria demonstradoigualmente, na sua notificação, que podia vir a obter 7% deste mercado, quandoas companhias aéreas deverão deter 78%, pelo que a criação da ENS atenua, emcerta medida, o domínio do mercado pelas transportadoras aéreas. A Comissãoteria, aliás, admitido que a situação era a mesma no mercado das viagens deturismo. Em última análise, os efeitos favoráveis dos acordos em causa são,portanto, mais importantes do que qualquer efeito anticoncorrencial hipotético.

121.
    A Comissão explica que o facto de os participantes na ENS terem assumido riscoscomerciais consideráveis e suportado custos elevados não significa que umaconcorrência importante entre as empresas de transporte ferroviário em causa nomercado relevante seja improvável. Segundo a Comissão, uma empresa ferroviáriaestabelecida num Estado-Membro tem direito a constituir um agrupamentointernacional com outra empresa ferroviária estabelecida noutro Estado-Membro,adquirindo à Eurotunnel, na qualidade de gestora da infra-estrutura, as linhashorárias necessárias para atravessar o túnel do canal da Mancha, a fim de explorarserviços de transportes internacionais (decisão, ponto 42). Além disso, qualquerempresa ferroviária parte no acordo ENS pode colocar-se ela própria em situaçãode «operador de transporte» e criar uma filial que, através da aquisição àsempresas em causa dos serviços ferroviários indispensáveis, poderia igualmenteexplorar serviços internacionais de transporte (decisão, pontos 43 e 44). Aoconcederem a exploração e a comercialização destes serviços à sua empresacomum ENS, as recorrentes restringem consideravelmente as possibilidades deconcorrência no mercado em causa (decisão, ponto 45). Finalmente, a prova deque a possibilidade, para uma empresa ferroviária parte nos acordos ENS, de criaruma filial no Reino Unido e/ou noutros Estados-Membros não é irrealista nemilusória seria dada pela decisão da empresa ferroviária alemã DB de formar umaempresa comum com os caminhos-de-ferro austríacos, a fim de explorar serviçosnocturnos entre as cidades suíças, alemãs e austríacas.

122.
    Quanto ao facto de cada uma das recorrentes ser um parceiro obrigatório naexploração das linhas servidas pela ENS, a Comissão riposta que a ENS não é umaempresa ferroviária na acepção da Directiva 91/440, mas um «operador detransporte» que adquire os serviços ferroviários necessários às empresas detransporte ferroviário. Além disso, o facto de a linha Bruxelas-Glasgow/Plymouthdever ser explorada pela ENS, embora a SNCB não seja parte no acordo,demonstra que a participação de cada uma das quatro empresas de transporteferroviário estabelecidas nos Estados-Membros em causa não era uma condiçãosine qua non da exploração desses serviços.

123.
    Relativamente ao argumento das recorrentes de que não seria possível, para asempresas de transporte ferroviário em causa, criar filiais com o estatuto deempresas de transporte ferroviário nos diferentes Estados-Membros e constituirassim outros agrupamentos internacionais em concorrência com a ENS, a Comissãoalega que não existe nenhum obstáculo jurídico que impeça as empresasferroviárias de se estabelecerem noutros Estados-Membros. O princípio daliberdade de estabelecimento do artigo 52.° do Tratado tornou-se plenamenteaplicável desde o termo do período de transição, de modo que o facto de oConselho não ter ainda adoptado, na altura em que foi publicada a decisãoimpugnada, a proposta de directiva relativa às autorizações das empresas detransporte ferroviário seria irrelevante, uma vez que o objectivo dessa directiva eraapenas o de facilitar o exercício do direito de estabelecimento, e não o de conferirtal direito (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74,Colect., p. 325).

124.
    Quanto ao argumento das recorrentes de que o quadro jurídico criado pelaDirectiva 91/440 não permite às empresas de transporte ferroviário criar uma filialna qualidade de operador de transporte, a Comissão salienta que, se é verdade queesta directiva só se aplica às empresas de transporte ferroviário cuja actividadeprincipal consista na prestação de serviços de transporte de mercadorias e/ou depassageiros por caminho-de-ferro, devendo a tracção ser obrigatoriamenteassegurada por essa empresa (artigo 3.°), não é menos verdade que os operadoresde transporte que não têm eles próprios o estatuto de empresa de transporteferroviário na acepção do artigo 3.° desta directiva, e que não dispõem assim dodireito de acesso à infra-estrutura ferroviária, podem, no entanto, oferecer serviçosde transporte de mercadorias por caminho de ferro e/ou outros serviços, adquirindoàs empresas de transporte ferroviário os serviços de tracção e o direito de acessoà infra-estrutura ferroviária. Seria precisamente assim que operaria a ACIrelativamente ao transporte combinado e a ENS relativamente ao transporte depassageiros.

125.
    A Comissão sublinha a este propósito que já defendeu esta tese nas cartas queenviou às notificantes em 29 de Outubro de 1993 (documento n.° 4 junto àcontestação) e em 28 de Fevereiro de 1994 e que, depois de ter consultado asempresas de transporte ferroviário que fazem parte da ENS, o presidente da ENS,por carta de 13 de Abril de 1994, dirigida à Comissão (documento n.° 6 junto àcontestação), confirmou o acordo das suas empresas para fornecimento de serviçosnocturnos aos concorrentes da ENS nas mesmas linhas.

126.
    Quanto ao facto de os acordos ENS não conterem nenhuma cláusula deexclusividade e não impedirem, por conseguinte, as empresas ferroviáriasinteressadas de constituírem agrupamentos internacionais diferentes capazes decompetir com a ENS, a Comissão sublinha que essa hipótese é altamenteimprovável, dado que, no decurso do procedimento administrativo, as empresas detransporte ferroviário em causa insistiram na necessidade de conjugar as suasexperiências e os seus recursos financeiros para assegurar o sucesso comercial daENS.

127.
    A Comissão contesta, a seguir, que tenha apreciado incorrectamente os efeitosrestritivos do acordo ENS sobre os terceiros e remete, quanto a este aspecto, paraos pontos 46 a 48 da decisão impugnada. A Comissão entende que, se a formaçãoda ENS não cria restrições ao acesso de terceiros aos outros modos de transporte,que são alternativos dos serviços prestados pela ENS, o acesso das empresasferroviárias e dos operadores de transporte ao segmento ferroviário do mercadorelevante poderia, porém, ser entravado, pelo facto de a ENS ser constituída porempresas de transporte ferroviário poderosas que controlam tanto a utilização dainfra-estrutura ferroviária como o abastecimento em serviços de tracção. Segundoa Comissão, não é indispensável que esse entrave ao acesso se produza em relaçãoa cada segmento do mercado, quando se trata, como no presente caso, de ummercado complexo. Acrescenta que o facto de a convenção Eurotunnel, assinadaentre a Eurotunnel, a BR e a SNCF, ter sido objecto de uma decisão de isençãoao abrigo do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado não retira pertinência à avaliação daposição económica da EPS e da SNCF, que detêm 75% das linhas horáriasreservadas aos comboios internacionais no túnel do canal da Mancha.

128.
    Relativamente às restrições da concorrência decorrentes do fornecimento à ENSde serviços ferroviários indispensáveis, a Comissão reconhece que, relativamenteàs linhas horárias, os agrupamentos internacionais podem, nos termos da directiva,adquirir directamente aos gestores de infra-estrutura acesso à infra-estrutura. Talnão seria, porém, aplicável aos operadores de transporte tanto em relação às linhashorárias como em relação ao fornecimento da tracção e do pessoal qualificado.Com efeito, tendo em conta que a tracção só pode ser assegurada pelas empresasde transporte ferroviário e que estas empresas detêm tanto as locomotivasdestinadas à tracção no túnel do canal da Mancha como o pessoal especializadocapaz de as pôr em funcionamento, justificar-se-ia a conclusão de que operadoreseconómicos que tentassem obter serviços semelhantes ficariam em desvantagem,se não os obtivessem em condições não discriminatórias às sociedades-mãe da ENS.

129.
    Relativamente à participação das empresas fundadoras numa rede de empresascomuns, a Comissão sustenta que esta rede é uma rede de exploração de serviçosde transporte de mercadorias e de passageiros, isto é, a empresa Intercontainer,de que são membros todas as empresas notificantes, a empresa ACI, criada pelaBR, a SNCF e Interncontainer e, por último, a empresa Autocare Europe. Oargumento de que as empresas comuns de transporte combinado de mercadoriase de transporte ferroviário de veículos automóveis não influenciariam os serviçosnocturnos de transporte de passageiros como os que a ENS explora não teriafundamento, uma vez que, segundo a comunicação de 1993, o jogo da concorrênciaé mais gravemente afectado quando se multiplicam as empresas comuns criadaspara produtos ou serviços complementares ou diferentes entre parceirosconcorrentes de um mesmo sector com estrutura oligopolística.

130.
    A Comissão contesta, por último, o argumento de que os acórdãos a que asrecorrentes se referem lhe imponham uma obrigação de aplicar uma «regra derazoabilidade» («rule of reason») e que aprecie os efeitos positivos e negativos doacordo em causa sobre a concorrência. Esta abordagem só deveria ser adoptadano quadro do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e não para efeitos da apreciação dasrestrições à concorrência no quadro do n.° 1 do mesmo artigo 85.°.

131.
    O Reino Unido, interveniente, sustenta, em primeiro lugar, que, no quadro daaplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado aos acordos ENS, a Comissão não teveem conta o contexto económico e designadamente a concorrência existente semesses acordos. Os acordos ENS não restringiriam a concorrência, uma vez queforam concebidos para permitir e facilitar o lançamento de um serviço que nãoexiste actualmente e que nenhuma empresa poderia, com razoabilidade, criarsozinha.

132.
    Diferentes passagens da fundamentação da decisão controvertida comprovariamaliás a natureza favorável à concorrência dos acordos ENS, a novidade do serviçooferecido, os riscos financeiros importantes que implica, a justificação, tantofinanceira como técnica, de uma colaboração, a conjugação do know how e anecessidade de esperar vários anos até que os investimentos sejam rentáveis(pontos 59, 61, 63, 64 e 74 a 77 da decisão). O facto de estas afirmações sóconstarem da parte da decisão respeitante à isenção dos acordos ENS e não daparte respeitante à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado seria, pois,significativo.

133.
    Por outro lado, a decisão impugnada não explica de modo bastante como é que associedades-mãe da ENS estão em concorrência ou poderiam verdadeiramente estarem concorrência no mercado em causa. A decisão impugnada não explicaria averosimilhança dessa concorrência, o que comprovaria que a Comissão ou nãoprocedeu à necessária análise do contexto económico ou não observou o dispostono artigo 190.° do Tratado.

134.
    Em resposta ao Reino Unido, a Comissão observa que, se a análise de um acordodeve ter em conta o seu contexto económico, tal não significa, porém, que sejanecessário recorrer à «regra da razoabilidade», conceito que o Tribunal de Justiçateria recusado utilizar até hoje. Esta conclusão não seria infirmada pelo acórdãodo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, DLG (C-250/92, Colect.,p. I-5641), que só se refere à validade das restrições acessórias no quadro particulardas organizações cooperativas e não pode, portanto, considerar-se como aexpressão de um princípio geral. Em consequência, segundo a Comissão, aponderação das vantagens e dos inconvenientes de um acordo sobre a concorrênciaseria necessária para a concessão de isenções ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, doTratado, mas não para apreciar restrições à concorrência na acepção do n.° 1 domesmo artigo 85.°, que, ao contrário do que alega o Reino Unido, teriam sidolargamente desenvolvidas na decisão.

Apreciação do Tribunal

135.
    O Tribunal salienta que, segundo a decisão impugnada, os acordos ENS têm efeitosrestritivos da concorrência actual e potencial, em primeiro lugar, entre osfundadores, em segundo lugar, entre estes e a ENS, em terceiro lugar, face aterceiros, e, em quarto lugar, que essas restrições são agravadas ainda mais pelaexistência de uma rede de empresas comuns criada pelos fundadores.

136.
    Antes de examinar os argumentos das partes quanto à correcção da análise daComissão a respeito das restrições à concorrência, o Tribunal recorda,liminarmente, que a apreciação de um acordo ao abrigo do artigo 85.°, n.° 1, doTratado deve ter em conta o quadro concreto em que esse acordo produz os seusefeitos e designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas emcausa operam, a natureza dos serviços visados por esse acordo, bem como ascondições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa (acórdãosdo Tribunal de Justiça Delimitis, já referido, DLG, já referido, n.° 31, de 12 deDezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o., C-399/93, Colect., p. I-4515, n.° 10;acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1997, VGB eo./Comissão, T-77/94, Colect., p. II-759, n.° 140), salvo se se tratar de um acordocom restrições manifestas à concorrência como a fixação dos preços, a repartiçãodo mercado ou o controlo das vendas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância,de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T-148/89, Colect., p. II-1063, n.° 109).Com efeito, neste último caso, só no quadro do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado é queessas restrições podem ser ponderadas face aos efeitos alegadamente favoráveis àconcorrência, para efeitos de concessão de uma isenção da proibição constante don.° 1 do mesmo artigo.

137.
    Deve sublinhar-se igualmente que a análise das condições de concorrência assentanão só na concorrência actual das empresas já presentes no mercado em causa,mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta aestrutura do mercado e o contexto económico e jurídico em que se enquadra o seufuncionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidascompetirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa efazer concorrência às empresas já estabelecidas nesse mesmo mercado (acórdãoDelimitis, já referido, n.° 21). Acrescente-se a este respeito que, segundo acomunicação da Comissão de 1993 relativa ao tratamento das empresas comunscom carácter de cooperação à luz do artigo 85.° do Tratado, «Só pode existir umarelação de concorrência potencial se cada um dos fundadores estiver em condiçõesde desempenhar sozinho as funções confiadas à empresa comum, não perdendoesta capacidade com a criação da empresa comum. Na apreciação dos casosconcretos, deverá ser adoptada uma abordagem económica realista» (ponto 18 dacomunicação).

138.
    É à luz destas considerações que deve, em consequência, ser examinada a justezada apreciação, efectuada pela Comissão, dos efeitos restritivos dos acordos ENS.

- Quanto às restrições da concorrência entre fundadores

139.
    O Tribunal verifica que, tal como resulta dos autos, as empresas de transporteferroviário dos Estados-Membros não estavam, antes da adopção da Directiva91/440, em concorrência actual ou potencial, e isto porque existiam direitosexclusivos que impediam, de direito e de facto, na maioria dos Estados-Membros,a prestação de serviços de transporte internacional de passageiros e o acesso àinfra-estrutura (rede nacional). Como as partes sublinharam, antes da adopçãodesta directiva, era unicamente com base nos acordos de cooperação tradicionaisentre as empresas de transporte ferroviário que operavam nas diferentes redes queesses serviços eram fornecidos na Comunidade. Porém, após a adopção daDirectiva 91/440, as condições de concorrência no mercado ferroviário alteraram-se,de modo que as empresas de transporte ferroviário que operam nas redesnacionais se transformaram, em certa medida, em concorrentes potenciais nodomínio do transporte internacional de passageiros, desde que formem«agrupamentos internacionais» com outras empresas ferroviárias estabelecidas emEstados-Membros diferentes, com vista a fornecer serviços de transporteinternacionais entre esses Estados-Membros (artigos 3.° e 10.° da directiva).

140.
    O Tribunal faz notar que resulta dos argumentos da Comissão que a possibilidadede fornecer serviços de transporte internacional, por intermédio de agrupamentosinternacionais, não está aberta apenas às empresas ferroviárias existentes, mastambém às novas empresas ferroviárias, incluindo filiais de empresas ferroviáriasexistentes e que foi a partir desta premissa que a Comissão considerou que osacordos ENS restringiam a concorrência entre fundadores, dado que a) cada umadas partes nos acordos ENS podia constituir um agrupamento quer com umaempresa estabelecida no Reino Unido quer com a sua própria filial britânica,fazendo assim concorrência à ENS, b) cada parte nos acordos ENS podia criar umafilial especializada na qualidade de «operador de transporte» e adquirir àsempresas partes nos acordos ENS os mesmos serviços ferroviários indispensáveisque estes vendiam à ENS e c) cada empresa ferroviária podia colocar-se, elaprópria, em situação de operador de transporte e explorar os serviçosinternacionais de comboios nocturnos adquirindo às empresas de transporteferroviário em causa os serviços ferroviários indispensáveis.

141.
    Relativamente à possibilidade de cada parte nos acordos ENS constituir umagrupamento quer com uma empresa estabelecida no Reino Unido, quer com a suaprópria filial britânica a constituir, fazendo assim concorrência à ENS, saliente-se,em primeiro lugar, que, dado que segundo o artigo 10.° da Directiva 91/440, umalinha internacional só poder ser assegurada por um agrupamento internacionalconstituído pelas empresas de transporte ferroviário estabelecidas em cada um dospaíses em causa, os únicos «parceiros obrigatórios» para constituir um talagrupamento internacional em cada linha são necessariamente as empresas detransporte ferroviário estabelecidas em cada um dos Estado em causa. Como asrecorrentes sublinharam, por exemplo a propósito da linha Londres-Amsterdão, naaltura dos factos, os únicos parceiros obrigatórios eram a NS e a EPS, de modoque a participação da SNCF e da DB neste agrupamento não podia ter quaisquerefeitos na concorrência actual, porque, no contexto estabelecido pela Directiva91/440, nenhuma destas duas empresas ferroviárias podia entrar em concorrênciacom a EPS e a NS nessa linha. O mesmo acontecia em relação a cada uma dasoutras três linhas efectivamente servidas pela ENS (v. supra, n.° 9). De onde seconclui que a exploração em comum das quatro linhas em causa pela EPS, pelaDB, pela SNCF e pela NS não pode ter como efeito restringir sensivelmente aconcorrência actual entre os fundadores.

142.
    Quanto às restrições à concorrência potencial resultantes do facto de cada uma dasempresas fundadoras poder criar filiais nos Estados-Membros dos outrosfundadores e constituir quer com as suas próprias filiais quer com outras empresasferroviárias estabelecidas nos outros Estados-Membros agrupamentosinternacionais, em concorrência directa com a ENS, o Tribunal entende que seestá, nesse caso, perante uma hipótese que nenhum facto vem sustentar, tal comonenhuma análise das estruturas do mercado relevante permite concluir que se tratade uma possibilidade real e concreta. Com efeito, nem a decisão impugnada nemos autos contêm indicações sobre a existência de empresas ferroviárias quepossuam noutros Estados-Membros filiais que tenham, elas próprias, o estatuto deempresa de transporte ferroviário, comprovando um exercício efectivo da liberdadede estabelecimento no mercado ferroviário comunitário.

143.
    Sublinhe-se, a este propósito, que, no quadro das medidas de organizaçãoprocessual por ele ordenadas, o Tribunal convidou a Comissão a indicar seempresas ferroviárias estabelecidas nos Estados-Membros possuem filiais com oestatuto de empresa de transporte ferroviário, na acepção da Directiva 91/440,noutros Estados-Membros e, em caso de resposta afirmativa, a precisar quais asempresas ferroviárias criadas após a entrada em vigor da Directiva 91/440. Naresposta, a Comissão reconheceu que não tinha conhecimento de outras filiaiscriadas nem antes nem depois da adopção da Directiva 91/440 pelas empresasfundadoras da ENS, reiterando no entanto a sua tese de que o direito deestabelecimento é conferido directamente a qualquer empresa ferroviáriainteressada pelo artigo 52.° do Tratado.

144.
    O Tribunal entende que este argumento da Comissão de que não existe, em teoria,nenhum obstáculo jurídico que impeça as empresas ferroviárias de seestabelecerem num Estado-Membro diferente do da sua sede social, não tem emconta o contexto económico e as características do mercado relevante tal comoestas resultam dos autos e não é, pois, bastante, por si só, para demonstrar aexistência de restrições à concorrência potencial entre fundadores e entre estes ea ENS.

145.
    Tal como as recorrentes expuseram largamente nos seus articulados, se se tiverpresente a novidade dos serviços de transporte ferroviário nocturno em causa e osseus aspectos particulares, não é realista imaginar que os fundadores procedam àcriação de outras filiais noutros Estados-Membros com o estatuto de empresa detransporte ferroviário, com o objectivo único de formar uma nova empresa comumpara fazer concorrência à ENS. O custo proibitivo do investimento requerido paraesse tipo de serviços que utilizam o túnel do canal da Mancha e a falta deeconomias de escala resultante da exploração de uma única linha ferroviária, aocontrário do que acontece com as quatro linhas exploradas em comum pela ENSdemonstram, com efeito, a natureza pouco realista da concorrência potencial entreos fundadores e entre estes e a ENS. Acresce que, como resulta dos autos, nasequência da publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias dacomunicação da Comissão convidando as partes interessadas a apresentarem-lheas suas observações sobre os acordos ENS, tal como estes foram resumidos nessapublicação, nenhum terceiro interessado se manifestou durante o procedimentoadministrativo apresentando observações enquanto concorrente potencial,eventualmente afectado ou atingido pela aplicação dos acordos ENS (v. supra,n.° 17). Finalmente, a existência, no caso em apreço, de concorrentes quer actuaisquer potenciais da ENS pode igualmente ser seriamente posta em dúvida tendo emconta o facto de que, como a Comissão admitiu nas respostas às perguntas escritasdo Tribunal, nenhuma filial foi criada, até à presente data, por empresasferroviárias comunitárias noutros Estados-Membros nem antes nem depois daadopção da Directiva 91/440.

146.
    Com base em quanto precede, o Tribunal considera que a apreciação da Comissãode que os acordos ENS são susceptíveis de reduzir sensivelmente a concorrênciaactual e/ou potencial entre os fundadores e entre estes e a ENS padece de falta defundamentação e/ou está viciada por erro de apreciação.

147.
    Relativamente às restrições à concorrência entre fundadores, pelo facto de cadauma das empresas de transporte ferroviário parte nos acordos ENS poder ou criaruma empresa especializada na qualidade de operador de transporte, ou colocar-seela própria em situação de operador de transporte e competir com a ENS,adquirindo às empresas de transporte ferroviário em causa os mesmos serviçosferroviários indispensáveis, o Tribunal entende que esta apreciação da Comissãose funda igualmente, numa análise do mercado que não corresponde à realidade.Com efeito, a Comissão parte da ideia de que, no mercado do transporteferroviário de passageiros, existe, a par das empresas de transporte ferroviário, umaoutra categoria de operadores económicos, a dos operadores de transporte, queforneceriam o mesmo serviço que as empresas de transporte ferroviário, isto é, otransporte de passageiros, mas comprando ou alugando a estas os «serviçosferroviários indispensáveis», isto é, as locomotivas, o pessoal de serviço e o acessoà infra-estrutura. Sendo a sociedade ENS, segundo a decisão, um operador detransporte, poderia estar sujeita à concorrência quer de filiais especializadas, naqualidade de operadores de transporte, criadas pelas empresas de transporteferroviário, quer destas actuando directamente no mercado nesta qualidade, demodo que a sua criação implicaria uma restrição à liberdade das partes de operarindividualmente, enquanto operador de transporte, no mercado em causa.

148.
    Porém, o exame desta apreciação da Comissão pressupõe que se responda àquestão de saber se, para além dos agrupamentos internacionais a que se referea Directiva 91/440, os serviços internacionais de transporte de passageiros sãoigualmente fornecidos por operadores de transporte. Tendo esta questão sidolevantada pelas recorrentes no quadro do segundo fundamento por elas invocado,será nesse quadro que iremos examiná-la (v. infra, n.os 161 a 189).

- Quanto às restrições à concorrência face a terceiros

149.
    O Tribunal recorda que a decisão impugnada sublinha que o acesso de terceirosaos mercados em causa arrisca ser entravado devido, por um lado, à existência derelações privilegiadas entre a ENS e as sociedades-mãe que colocam os outrosoperadores numa situação concorrencial desfavorável no que respeita à aquisiçãode serviços ferroviários indispensáveis fornecidos pelas sociedades-mãe e, por outro,à convenção de utilização do túnel do canal da Mancha entre a BR, a SNCF e aEurotunnel, que permite à BR e à SNCF conservarem uma parte significativa, istoé, 75%, das linhas horárias disponíveis para os comboios internacionais.

150.
    No que se refere, em primeiro lugar, às relações privilegiadas da ENS com asempresas de transporte ferroviário em causa, verifica-se que a análise da Comissãoparte da premissa de que o mercado ferroviário de transporte de passageiros estácindido em dois mercados, um mercado a montante de fornecimento de «serviçosferroviários indispensáveis» (linhas horárias, locomotivas especiais e pessoalrespectivo) e um mercado a jusante de transporte de passageiros no qual operam,a par das empresas de transporte ferroviário, operadores de transporte, como aENS. Segundo a decisão, as empresas-mãe poderiam abusar da sua posiçãodominante no mercado a montante recusando a terceiros, concorrentes da ENS,que operam no mercado a jusante, o fornecimento dos serviços ferroviáriosindispensáveis.

151.
    Porém, o exame deste aspecto da análise da Comissão depende, também ele, daquestão de saber se existem, para além dos agrupamentos internacionais,operadores de transporte que operam igualmente nesses mercados, questão estaque examinaremos no quadro do segundo fundamento, tal como a questão de saberse os serviços prestados pelos fundadores à ENS podem ser qualificados como«serviços ou elementos essenciais ou indispensáveis», que se enquadra no terceirofundamento e deve, por conseguinte, ser examinada no quadro deste (v. infra,n.os 190 a 221).

152.
    Em segundo lugar, no que diz respeito aos efeitos restritivos resultantes daconvenção de utilização do túnel do canal da Mancha, o Tribunal lembra que adecisão da Comissão que isentou esta convenção da proibição do n.° 1 do artigo85.° do Tratado (a seguir «decisão Eurotunnel») foi anulada por acórdão doTribunal de 22 de Outubro de 1996, SNCF e British Railways/Comissão (T-79/95e T-80/95, Colect., p. II-1491), por a Comissão ter cometido um erro de facto aointerpretar as disposições desta convenção relativas à repartição das linhas horáriasno túnel, entre a SNCF e a BR, por um lado, e a Eurotunnel, por outro.

153.
    No quadro das medidas de organização do processo que ordenou, o Tribunalconvidou as partes a tomarem posição sobre a pertinência deste acórdão doTribunal no presente litígio. Na resposta a esta questão, a Comissão alegou queeste acórdão não era pertinente para efeitos de apreciação da legalidade dadecisão impugnada e que, do ponto 47 desta resultava que a BR e a SNCF, nãobeneficiando embora da totalidade das linhas horárias disponíveis para os comboiosinternacionais, dispunham de parte significativa. Pelo seu lado, as recorrentesresponderam que o acórdão do Tribunal confirma que o acesso ao túnel do canalda Mancha não está fechado e que os efeitos restritivos da convenção de utilizaçãodo túnel face a terceiros foram mal avaliados pela Comissão.

154.
    O Tribunal entende que, dado que, por um lado, foi precisamente na «convençãoEurotunnel» que a Comissão se baseou para demonstrar, na decisão impugnada,que o acesso alegadamente privilegiado da SNCF e da BR às linhas horárias notúnel colocava as empresas concorrentes da ENS numa posição concorrencialdesfavorável e, por outro, que a decisão Eurotunnel foi anulada pelo Tribunal porerro de facto na interpretação das disposições da mencionada convenção relativaà repartição das linhas horárias, a Comissão não pode basear nela nenhumargumento válido para efeitos de apreciação dos acordos ENS.

- Quanto ao reforço dos efeitos restritivos da concorrência resultantes da existênciade uma rede de empresas comuns

155.
    No que diz respeito, por último, ao alegado reforço das restrições da concorrênciaresultante da existência de redes de empresas comuns (pontos 49 a 53 da decisão),o Tribunal recorda, liminarmente, que segundo a comunicação da Comissão de1993 relativa ao tratamento das empresas comuns com carácter de cooperação, aexistência de redes de empresas comuns deve ser objecto de uma análise particular,quer sejam criadas pelos mesmos fundadores, por um dos fundadores comdiferentes parceiros ou, paralelamente, por vários fundadores (ponto 17 dacomunicação). As redes de empresas comuns poderiam nomeadamente restringira concorrência quando os fundadores concorrentes criem várias empresas comunspara produtos complementares destinados a ser transformados por eles próprios,ou mesmo para produtos não complementares por eles próprios comercializados,aumentando deste modo a extensão e a intensidade da restrição à concorrência.Estas considerações valem igualmente para o sector dos serviços (ponto 29 dacomunicação).

156.
    Na decisão impugnada, a Comissão considerou que era esse o caso, uma vez quea BR/EPS, a SNCF, a DB e a NS participam, a diferentes níveis, numa rede deempresas comuns que tem por objecto não só a exploração de serviços detransporte de mercadorias, mas também de passageiros, nomeadamente através dotúnel do canal da Mancha. A Comissão referiu-se a este propósito à empresacomum ACI, criada conjuntamente, designadamente pela BR e pela SNCF, que éum operador de transporte combinado de mercadorias [Decisão 94/594/CE daComissão, de 27 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo85.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo n.° IV/34.518 - ACI)(JO L 224, p. 28), a seguir «decisão ACI»], e à Autocare Europe, na qual a BRe a SNCB têm uma participação, e que assegura o transporte ferroviário deveículos automóveis. Nos articulados, a Comissão referiu-se ainda, e pela primeiravez, à empresa comum Intercontainer, criada por 29 empresas ferroviárias, entreas quais se contam a BR e a SNCF, e que opera igualmente no mercado dotransporte combinado de mercadorias.

157.
    A decisão impugnada não precisa, no entanto, quais as empresas comuns criadaspelos fundadores especializadas no serviço de transporte de passageiros. OTribunal, no quadro das medidas de organização do processo, convidou a Comissãoa precisar quais as empresas comuns que operam no mercado do transporte depassageiros em que, segundo o ponto 51 da decisão, participam os fundadores daENS. Na resposta, a Comissão declarou não ter conhecimento de outras empresascomuns das empresas fundadoras da ENS para o transporte de passageiros.Salientou, porém, que «a SNCF, a SNCB e a BR (e, na sequência da privatizaçãodesta última, a London & Continental Railways Ltd) participam conjuntamente naEurostar para o transporte de passageiros entre o Reino Unido e o continente»,não sustentando, no entanto, que era à empresa Eurostar que o ponto 51 se referiaimplicitamente. O Tribunal entende assim que a decisão impugnada, no que serefere à alegada existência de uma rede de empresas comuns criadas pelosfundadores para o transporte de passageiros, está viciada por falta defundamentação.

158.
    Quanto à participação dos fundadores em empresas comuns para o transportecombinado de mercadorias, resulta do ponto 29 da comunicação da Comissão de1993 que, quando os fundadores criam empresas comuns para serviços «nãocomplementares», a concorrência pode ser restringida quando esses serviços «nãocomplementares» são comercializados pelos próprios fundadores.

159.
    O Tribunal faz notar que nada na decisão impugnada indica que os fundadoresasseguram eles próprios a comercialização dos serviços fornecidos pela ACI,Intercontainer e Autocar. No quadro das medidas de organização do processo, oTribunal convidou as recorrentes a precisar se são elas ou uma empresa terceiraque asseguram a comercialização dos serviços de transporte fornecidos pelas trêsreferidas empresas. Resulta das respostas que nenhuma das empresas fundadorasassegura a comercialização ou vende serviços fornecidos pela ACI, a Intercontainerou a Autocare. Mesmo admitindo que assim era, o Tribunal verifica que, dequalquer modo, a decisão impugnada não explica as razões por que considera quea participação de alguns ou de todos os fundadores numa rede de empresascomuns operando em mercados diferentes do da ENS restringiria a concorrênciaentre eles ao nível da criação da ENS. De onde se conclui que a apreciação daComissão dos efeitos agravantes das restrições à concorrência resultantes daexistência de uma rede de empresas comuns não está suficientementefundamentada.

160.
    Conclui-se de quanto precede que, relativamente à apreciação das restrições àconcorrência resultantes dos acordos ENS, a decisão impugnada padece de faltaou de insuficiência de fundamentação.

Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do Regulamento n.° 1017/68e do quadro legal estabelecido pela Directiva 91/440

Argumentos das partes

161.
    As recorrentes sustentam que a Comissão, ao impor a condição constante do artigo2.° da decisão impugnada, utilizou poderes que lhe são conferidos pelo artigo 5.°do Regulamento n.° 1017/68, de modo incompatível com as disposições da Directiva91/440.

162.
    Com efeito, a Comissão teria alargado o âmbito de aplicação da directiva, uma vezque, nos termos do seu artigo 10.°, n.° 1, os direitos de acesso às infra-estruturassó seriam concedidos aos agrupamentos internacionais de empresas ferroviárias, talcomo estes são definidos na directiva, e não a qualquer operador de transporteinteressado na exploração de comboios. Acrescentam que, além disso, a Comissão,quando exerce os seus poderes ao abrigo do Regulamento n.° 1017/68, tem, aobrigação de ter em conta orientações fundamentais da política comum dostransportes, tal como estas são definidas pelo Conselho. O controlo jurisdicional daapreciação pela Comissão dos acordos ENS, em aplicação do artigo 85.° doTratado, deveria, pois, exercer-se no contexto da legislação comunitária relativa aosector dos transportes ferroviários, que constitui o quadro legislativo no qual aconcorrência neste sector deve funcionar.

163.
    Mais particularmente, os elementos fundamentais da política comum dostransportes da Comunidade no sector ferroviário estariam actualmente consagradosna Directiva 91/440, que, pela primeira vez, teria introduzido um certo grau deconcorrência entre modos de transporte e que teria como objectivo a realização doobjectivo principal da política dos transportes ferroviários, a saber, a melhoria daeficácia dos transportes ferroviários e da sua competitividade em relação aos outrosmodos de transporte. Ora, por força da directiva, os direitos de acesso e trânsitoseriam concedidos unicamente às empresas com o estatuto de empresas detransporte ferroviário e aos agrupamentos internacionais formados por estas. Alémdisso, a directiva só diria respeito a direitos de acesso à infra-estrutura e nãoconcederia direitos relativos ao fornecimento de serviços ferroviários como ofornecimento da tracção (locomotivas e pessoal de trânsito). A directiva tambémnão conteria regras de separação da gestão das locomotivas e do pessoal doscomboios da exploração de outros serviços ferroviários, como por exemplo, nemregras relativas à repartição dos serviços de tracção e ao pagamento dessesserviços, o que seria conforme à finalidade da directiva, que é a de permitir àsempresas ferroviárias organizarem-se em moldes comerciais e adaptarem-se àsnecessidades do mercado, designadamente através da criação de novos serviços.

164.
    Pelas razões que precedem, a distinção feita pela Comissão entre empresas detransporte ferroviário e operadores de transporte constituiria assim uma distinçãoartificial porque, por razões ligadas à segurança e à responsabilidade pelos riscosde transporte, só as empresas de transporte ferroviário estariam autorizadas àmatrícula dos vagões e ao transporte de pessoas através da infra-estruturaferroviária. Fora das empresas de transporte ferroviário e dos agrupamentosinternacionais que estas criam, nenhuma outra pessoa poderia oferecer ao públicoserviços de transporte ferroviário de passageiros. Tal não excluiria a possibilidadede uma empresa ferroviária colocar um comboio inteiro à disposição, por exemplo,de uma cadeia hoteleira, ou mesmo de alugar os vagões, mas, mesmo nestahipótese, a empresa ferroviária continuaria a ser o operador de transporte quesuportaria todos os riscos inerentes ao serviço de transporte. Neste exemplo, acadeia hoteleira, por seu lado, limitar-se-ia a vender ao público capacidades emlugares sentados ou em «couchettes» de comboio. Segundo as recorrentes, aactividade essencial das empresas de transporte ferroviário não é a de assegurarum serviço de base consistente em fazer circular, a pedido dos operadores detransporte, locomotivas em redes ferroviárias, permitindo assim a estes ligar vagõesa uma locomotiva de uma empresa ferroviária e fazê-los circular numa determinadalinha, mas fornecer directamente ao público serviços integrados de transporte depassageiros.

165.
    Por outro lado, segundo as recorrentes, embora a ENS seja uma empresa comumcriada por quatro empresas de transporte ferroviário, constitui, na realidade, umagrupamento internacional de empresas ferroviárias, na acepção do artigo 3.° daDirectiva 91/440, e não um «operador de transporte». Resultaria do n.° 3 do artigo5.° da Directiva 91/440 que as empresas ferroviárias são livres de constituir com«outra ou outras» empresas ferroviárias um agrupamento internacional, sem queseja imposta uma forma jurídica específica para essa associação. A Comissãotambém não poderia inferir dos acordos de exploração celebrados entre a ENS ea SNCB que a ENS constitui um operador de transporte. Com efeito, seria numabase voluntária que a SNCB teria decidido, antes do abandono definitivo da linhaBruxelas-Glasgow/Plymouth, fornecer à ENS «serviços ferroviários indispensáveis»,e não em consequência de uma qualquer obrigação decorrente da Directiva 91/440ou do direito comunitário da concorrência.

166.
    De onde se concluiria que a ENS não é um operador de transporte activo nomercado a jusante, diferente daquele em que operam os seus fundadores, mas,precisamente devido ao seu estatuto de agrupamento internacional de empresasferroviárias, um instrumento por meio do qual os seus fundadores põem ao dispordo público transportes ferroviários. Esta distinção do mercado ferroviário geralentre um mercado a jusante e um mercado a montante, feita pela Comissão parademonstrar que a ENS é um operador de transporte, seria tanto mais artificialquanto, no que se refere ao transporte de passageiros, numerosos serviços detransporte são fornecidos por «comboios com locomotiva integrada», em que alocomotiva é uma parte inseparável do resto do comboio, de modo que, mesmo deum ponto de vista puramente técnico, seria impossível distinguir estes doismercados.

167.
    O facto de a ENS ter que ir buscar tracção às empresas de transporte ferroviáriopara oferecer os seus serviços também não a privaria da sua qualidade deagrupamento internacional, na acepção do artigo 3.° da directiva, visto que bastaà ENS ser a emanação dessas empresas de transporte ferroviário, que estão, pordefinição, aptas a assegurar a tracção. É a este agrupamento que está reservadoo benefício dos direitos de acesso à infra-estrutura ferroviária dosEstados-Membros onde as empresas fundadoras estão estabelecidas. Admitir a teseda Comissão equivaleria, pelo contrário, a permitir a qualquer empresa oferecerserviços de transporte internacional de passageiros mesmo que essa empresa nãoseja uma emanação de empresas de transporte ferroviário e não esteja, portanto,em condições de assegurar a tracção através delas.

168.
    As recorrentes acrescentam que a criação desta nova categoria de operadores detransporte, conjugada com o facto de os serviços ferroviários indispensáveis seremconsiderados «elementos essenciais» teria como efeito esvaziar de conteúdo aDirectiva 91/440, porque, na sua pretensa qualidade de operador de transporte,uma empresa ferroviária poderia, efectivamente, reclamar o acesso às redes dosEstados-Membros sem ter que satisfazer as condições requeridas pela directiva, istoé, estar estabelecida num dos Estados-Membros ou ter constituído umagrupamento com uma empresa ferroviária estabelecida num dessesEstados-Membros.

169.
    As recorrentes sustentam, além disso, que, ao impor às empresas de transporteferroviário o fornecimento a operadores de transporte de locomotivas e do pessoalrespectivo, em condições técnicas e financeiras idênticas às concedidas ao seuagrupamento, a Comissão teria esquecido que o direito de acesso à infra-estruturaestá dependente da condição prévia de esse operador poder assegurar a tracção,e, portanto, de ter a qualidade de empresa ferroviária ou de agrupamento deempresas ferroviárias. Esta condição seria, além disso, incompatível com oobjectivo, visado pela directiva, de garantir às empresas de transporte ferroviárioum estatuto de operador independente, que lhe permita actuar em moldescomerciais, adaptando-se às necessidades do mercado (terceiro considerando) e,para tal, assegurar-lhes a liberdade de «controlar o fornecimento e acomercialização dos serviços e (de) fixar a respectiva tarifação» (artigo 5.°, n.° 3,da Directiva 91/440).

170.
    Finalmente, a UIC e a NS sustentam que a decisão impugnada tem como resultadocomprometer o direito de constituir agrupamentos internacionais, visto que aComissão interpreta o n.° 1 do artigo 85.° de tal modo que a criação de qualqueragrupamento internacional constituiria, doravante, uma violação deste artigo.Segundo as recorrentes, ainda que a criação de um agrupamento internacionalpudesse beneficiar da isenção da proibição prevista no n.° 3 do artigo 85.°, aindaassim as condições das quais a Comissão faz depender, no caso concreto, essaisenção, isto é, por um período limitado a sete anos e com a obrigação de fornecera qualquer operador de transporte serviços ferroviários indispensáveis nas mesmascondições que à ENS, tornariam ilusória a aplicação da Directiva 91/440. Ascondições impostas pela Comissão obrigariam indirectamente os participantes emagrupamentos internacionais a fornecer ao seu agrupamento os «serviçosferroviários indispensáveis» em condições não privilegiadas, privando-os dessemodo da liberdade de determinarem as condições comerciais em que fornecem osseus serviços a terceiros. Os participantes num agrupamento poderiam, assim,ver-se obrigados a partilhar com qualquer terceiro o benefício da sua cooperação,quando esse terceiro em nada contribuiu para os custos de implementação de umprojecto inovador, nem participa nos riscos comerciais daí decorrentes.

171.
    A Comissão alega que o argumento de que as regras da concorrência do Tratadonão se aplicam aos transportes ferroviários contraria a jurisprudência nesta matériae deve, consequentemente, ser rejeitado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça, de 4de Abril de 1974, Comissão/França, 167/73, Colect., p. 187, e de 30 de Abril de1986, Asjes e o., 209/84, 210/84, 211/84, 212/84 e 213/84, Colect., p. 1425).

172.
    A Comissão sublinha que a participação conjugada das quatro empresas detransporte ferroviário não é, no presente caso, indispensável à exploração daslinhas a que os acordos ENS dizem respeito. Considera que cada linha em que aENS opera poderia ser explorada por um agrupamento internacional constituídopor duas empresas ferroviárias estabelecidas respectivamente num Estado-Membrode partida e num Estado-Membro de destino final. Assim, a linhaLondres-Frankfurt/Dortmund poderia ser assegurada por um grupo constituído pelaBR e pela DB, que têm direitos de acesso às infra-estruturas no seu Estado deestabelecimento respectivo e direitos de trânsito na Bélgica, em França e no túneldo canal da Mancha. Do mesmo modo, o serviço entre Londres e Amsterdãopoderia ser explorado por um agrupamento composto pela BR e pela NS, que têmdireitos de acesso no Reino Unido e nos Países Baixos e de trânsito na Bélgica, emFrança e no túnel do canal da Mancha.

173.
    Segundo a Comissão, esta análise seria corroborada por três elementos. Emprimeiro lugar, a ENS não seria uma empresa ferroviária na acepção da directiva,mas um operador de transporte que, para fornecer os serviços ferroviáriosnocturnos em questão, compraria os serviços ferroviários necessários às empresasde transporte ferroviário. A Comissão contesta o argumento das recorrentes de quea ENS é apenas um instrumento através do qual as empresas fundadoras podemoferecer, no quadro legal estabelecido pela Directiva 91/440, serviços internacionaisde transporte ferroviário ao público. Com efeito, a ENS não exerceria por elamesma o direito concedido pela directiva aos agrupamentos internacionais deempresas ferroviárias, isto é, o direito de explorar comercialmente os seus próprioscomboios, fornecendo a sua própria tracção ferroviária, porque tem que compraresses serviços às suas empresas fundadoras e à SNCB. Em consequência, a ENSescaparia ao domínio coberto pela directiva, porque na realidade é apenas umavariante da forma tradicional de cooperação entre empresas ferroviárias e, aocontrário do que afirmam as recorrentes, a ENS e as empresas de transporteferroviário em causa não operam, portanto, no mesmo mercado. Em consequência,o argumento de que a decisão estaria em contradição com a directiva e alargariaa categoria de empresas habilitadas a aceder às infra-estruturas ferroviárias seriadestituído de pertinência. Em apoio da alegação de que a ENS e as empresasfundadoras operam em dois mercados distintos, a Comissão invoca a jurisprudênciasegundo a qual se deve, em determinados casos, distinguir entre dois mercados que,apesar de ligados entre si, nem por isso deixam de ser distintos (acórdãos doTribunal de Justiça, de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano eCommercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, de 31 de Maio de 1979,Hugin/Comissão, 22/78, Recueil, p. 1869, de 3 de Outubro de 1985, CBEM, 311/84,Recueil, p. 3261; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 10 de Julho de1991, RTE/Comissão, T-69/89, Colect., p. II-485 e BBC/Comissão, T-70/89, Colect.,p. II-535).

174.
    Quanto ao argumento das recorrentes de que a distinção entre mercado de serviçosde transporte e mercado de serviços ferroviários indispensáveis é tanto maisinjustificada quanto um bom número de serviços de transporte no sector dotransporte de passageiros são assegurados por «comboios com motor integrado»,nos quais a locomotiva é indissociável do resto do comboio, a Comissão respondeque a própria ENS só obtém as locomotivas das suas empresas fundadoras com ascarruagens à parte.

175.
    Em segundo lugar, a linha Bruxelas-Glasgow/Plymouth seria explorada pela ENS,embora a SNCB não seja parte no acordo, o que demonstra que a participação decada uma das quatro empresas de transporte ferroviário estabelecidas nosEstados-Membros em causa não é uma condição sine qua non à exploração dosserviços em causa.

176.
    Em terceiro lugar, a BR, a SNCF, e a Intercontainer teriam formado uma empresacomum denominada ACI, especializada no transporte combinado de mercadoriasentre o Reino Unido e o continente, que também não seria uma empresaferroviária na acepção da directiva, mas um operador de transporte, que só contaentre os seus accionistas duas empresas de transporte ferroviário e que opera demodo análogo à ENS, quer dizer, adquirindo serviços ferroviários indispensáveisàs empresas de transporte ferroviário para fornecimento das prestações detransporte.

177.
    A Comissão alega ainda que os operadores de transporte que não têm, elespróprios, o estatuto de empresa de transporte ferroviário, e que não dispõem,portanto, de direitos de acesso à infra-estrutura ferroviária, devem, apesar disso,poder propor prestações de transporte por caminho de ferro, comprando àsempresas de transporte ferroviário os serviços de tracção e os direitos de acessoà infra-estrutura, a exemplo da ENS e da ACI. De onde se concluiria que o direitode oferecer serviços de transporte ferroviário de passageiros não poderia serreservado à ENS. O presidente da ENS teria, aliás, por carta de 13 de Abril de1994, dirigida à Comissão (documento n.° 6 junto à contestação), confirmado oacordo das empresas de transporte ferroviário para fornecimento dos serviçosnecessários aos concorrentes nas mesmas linhas. Segundo a Comissão, mesmo antesdessa carta, a ENS, por carta datada de 4 de Junho de 1992, tê-la-ia informado dadecisão das notificantes de fornecer «sem condições» a tracção e os outros serviçosindispensáveis a concorrentes da ENS que operam nas linhas por ela asseguradas.

178.
    A Comissão considera, por outro lado, que a independência das empresas detransporte ferroviário não está de modo nenhum comprometida pela condiçãoimposta. Como todas as empresas comunitárias, estas empresas estariam sujeitasà obrigação de não discriminação e às regras do direito da concorrência, comoresulta dos acórdãos do Tribunal de Justiça, Comissão/França e Asjes e o., járeferidos.

179.
    Por último, a Comissão contesta as acusações da recorrente, por um lado, de queconsideraria que qualquer agrupamento internacional recai sob a alçada dodisposto no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, por outro, de que imporia aosnotificantes condições dissuasivas que comprometem os objectivos da Directiva91/440 e a criação de outros agrupamentos internacionais. O favorecimento daconstituição desses agrupamentos não implica que todos os agrupamentosinternacionais de empresas ferroviárias devam, automaticamente, ser consideradoscompatíveis com o direito comunitário da concorrência.

Apreciação do Tribunal

180.
    O Tribunal salienta que, segundo a decisão impugnada, as empresas de transporteferroviário abrangidas estão presentes em dois mercados, um mercado a montante,ou seja, o mercado do fornecimento de serviços ferroviários indispensáveis, e ummercado a jusante, ou seja, o mercado da prestação de serviços de transporte depassageiros. Neste último mercado operariam não só empresas de transporteferroviário, mas também uma outra categoria de empresas, a dos operadores detransporte, empresas estas que, no entanto, a fim de poderem operar nestemercado, são obrigadas a adquirir previamente os serviços ferroviáriosindispensáveis fornecidos pelas empresas de transporte ferroviário no mercado amontante. A ENS constitui, segundo a Comissão, um exemplo concreto destacategoria de operador de transportes, de modo que, qualquer tratamentoprivilegiado desta pelas empresas notificantes deverá igualmente ser concedido aterceiros, quer sejam agrupamentos internacionais ou operadores de transporte, nasmesmas condições técnicas e financeiras. Finalmente, segundo o artigo 2.° dadecisão, os serviços indispensáveis em questão dizem respeito ao fornecimento dalocomotiva, ao pessoal desta e à linha horária, em cada rede nacional e no túneldo canal da Mancha.

181.
    Deve, assim, examinar-se se, ao impor aos fundadores a condição de os serviçosferroviários indispensáveis serem fornecidos não só a agrupamentos internacionais,mas também a operadores de transporte, como a ENS, a Comissão aplicou, comosustentam as recorrentes, as regras da concorrência em violação do quadro legalcriado pela Directiva 91/440, de modo que a decisão impugnada estaria viciada pordesvio de poder ou por falta de competência. Esta análise implica que se respondapreviamente à questão de saber se a ENS constitui um operador de transporte,como sustenta a Comissão, ou um agrupamento internacional, na acepção daDirectiva 91/440, como defendem as recorrentes. Será com base na resposta a estaquestão que se examinará, igualmente, a correcção da análise efectuada pelaComissão das restrições à concorrência entre fundadores, resultante do facto decada uma das empresas de transporte ferroviário parte no acordo ENS poder, quercriar uma empresa especializada na qualidade de operador de transporte, quercolocar-se ela própria na situação de operador de transporte e fazer concorrênciaà ENS, adquirindo às empresas de transporte ferroviário em causa os mesmosserviços ferroviários indispensáveis (v. supra, n.os 147 e 148).

182.
    O Tribunal lembra que, nos termos do artigo 3.° da Directiva 91/440, umagrupamento internacional se define como «qualquer associação de pelo menosduas empresas de transporte ferroviário estabelecidas em Estados-Membrosdiferentes, com vista a fornecer serviços de transporte internacionais entreEstados-Membros». Esta disposição não define as formas precisas que estaassociação deve revestir. Com efeito, o elemento essencial que se destaca destadefinição é que deve tratar-se de uma forma de associação que permita tornarpossível o fornecimento de prestações de serviço de transporte internacional,independentemente, portanto, da forma escolhida para o efeito. Nestas condições,o Tribunal entende que, ao contrário do que a Comissão sustenta, não existindo notexto da Directiva uma definição precisa, a utilização do conceito de «agrupamentointernacional» não pode ser reservada apenas às formas de associação de tipo«cooperativo» entre empresas de transporte ferroviário («acordos tradicionais deexploração em comum»), com exclusão de qualquer outra forma de sociedade,como uma empresa comum de natureza cooperativa, ou mesmo fruto de umaconcentração.

183.
    Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de, por força do artigo 2.° daDirectiva 91/440, esta se aplicar apenas às empresas de transporte ferroviário, querdizer às únicas empresas cuja actividade principal é o transporte de mercadoriase/ou de passageiros por caminho de ferro e que asseguram elas próprias a tracção(artigo 3.° da Directiva 91/440), de modo que a ENS, porque compra a tracção àsempresas notificantes, não poderia prevalecer-se das disposições da directiva e daqualidade de agrupamento internacional. Em primeiro lugar, como a própriaComissão sublinhou nas peças processuais por ela apresentadas, aquando daadopção da Directiva 91/440, uma declaração conjunta da Comissão e do Conselhoprecisou que a noção de tracção não implicava necessariamente a propriedadedesta. Se é verdade que este tipo de declarações é desprovido de valor jurídico,não é menos verdade que a Comissão já fez sua essa declaração na sua práticadecisional nesta matéria, como se pode ver no ponto 6 da sua Decisão 93/174/CEE,de 24 de Fevereiro de 1993, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° doTratado CEE (IV/34.494 - Estruturas tarifárias de transporte combinado demercadorias) (JO L 73, p. 38), segundo o qual «deve entender-se por empresa detransporte ferroviário as empresas estabelecidas ou que venham a estabelecer-senum Estado-Membro e que disponham dos meios de tracção ferroviária, tendo emconta que a noção de tracção não implica necessariamente que a empresa sejaproprietária do material de tracção nem que utilize o seu próprio pessoal».

184.
    Em segundo lugar, uma vez que, tal como acabámos de ver, um agrupamentointernacional pode revestir a forma de uma empresa comum cooperativa, como aENS, resulta da própria natureza desta forma que os fundadores, na sua qualidadede empresas de transporte ferroviário que exercem os direitos que a directiva lhesreconhece, podem, em vez de dotar directamente a sua empresa comum domaterial e do pessoal necessário para exercerem as suas funções no mercado,fornecer-lhos, com base em acordos de cooperação com ela celebrados, sem queessa escolha do modo de funcionamento da empresa comum possa afectar a suaqualificação jurídica de agrupamento internacional na acepção da Directiva 91/440.Com efeito, como as recorrentes explicaram nas respostas escritas às perguntas doTribunal e na audiência, sem contestação por parte da Comissão, a opção defornecimento à ENS de locomotivas e do respectivo pessoal com base em acordosde exploração devia-se unicamente a considerações de ordem fiscal e não ao factode a ENS ser suposta actuar no mercado como operador de transporte. O facto dea ENS não se ter registado no Reino Unido como empresa ferroviária, como asrecorrentes indicaram nas suas respostas às perguntas escritas do Tribunal em nadaafecta a sua qualificação jurídica como agrupamento internacional, porque, comoa própria Comissão declarou na audiência, as licenças ferroviárias das empresasfundadoras bastam para que os comboios da ENS possam circular nas linhas emcausa.

185.
    Em terceiro lugar, resulta dos autos que, como alegaram as partes, a actividade deoperador de transporte se revela, no contexto económico do sector ferroviário,como uma actividade desconhecida em relação ao transporte ferroviário depassageiros. Aliás, nem na decisão impugnada nem nos articulados, a Comissão deuexemplos dessa categoria de empresas em matéria de transporte ferroviário depassageiros. A referência da Comissão à empresa ACI não é pertinente a esterespeito. Com efeito, essa referência ignora as especificidades do mercadoferroviário do transporte de passageiros, que se distingue claramente do mercadodo transporte combinado de mercadorias no qual a ACI opera efectivamenteenquanto operador de transporte. Mais precisamente, no mercado do transportecombinado de mercadorias, as empresas de transporte ferroviário não vendemdirectamente prestações de transporte aos carregadores, salvo raras excepções,para remessas importantes. Neste mercado, as prestações de transporte combinadosão preparadas e vendidas aos carregadores por operadores de transportecombinado, que são, eventualmente, filiais das empresas de transporte ferroviário.Estes operadores são empresas de transporte que dispõem de um materialespecífico, isto é, de equipamento para manutenção e de vagões especiais, e que,para realizarem as suas prestações de serviço, devem comprar os serviços detracção ferroviária e o acesso às infra-estruturas às empresas de transporteferroviário que são as únicas capazes de os fornecer [v. pontos 6 a 8 da decisãoACI, já referida, e Decisão 94/210/CE da Comissão, de 29 de Março de 1994,relativa a um processo nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE(IV/(33.941 - HOV SVZ/MCN) (JO L 104, p. 34, pontos 10 a 12)].

186.
    Ora, se é verdade que actualmente, o mercado ferroviário do transporte combinadode mercadorias se caracteriza por uma certa abertura, no sentido de que asempresas de transporte ferroviário não são as únicas a operar nesse mercado, omesmo não acontece no mercado do transporte de passageiros onde só operamempresas de transporte ferroviário e, em certa medida, agrupamentosinternacionais destas.

187.
    Daqui resulta que a Comissão não pode validamente referir-se às características deum mercado separado e distinto, isto é, o mercado do transporte combinado demercadorias, a fim de justificar a qualificação da ENS como operador detransporte.

188.
    Esta conclusão também não pode ser infirmada pelo facto de a ENS deverinicialmente assegurar a linha Bruxelas-Glasgow/Plymouth, quando a SNCB, à quala ENS tinha adquirido o direito de acesso à infra-estrutura belga não se contaentre os seus fundadores. Com efeito, como alegam as recorrentes, trata-se, nestecaso, de um acordo de cooperação tradicional entre diferentes redes. Além disso,a possibilidade, para a ENS, enquanto agrupamento internacional na acepção daDirectiva 91/440, de assinar esses acordos com empresas ferroviárias terceiras, paraobter um acesso contratual à respectiva infra-estrutura, não é posta em causa poressa directiva.

189.
    O Tribunal entende - sem que seja necessário examinar se a Comissão cometeudesvio de poder ou se a decisão impugnada está viciada por falta de competência- que resulta do que precede que a apreciação da Comissão sobre a qualificaçãojurídica da ENS como operador de transporte se baseia em premissas erradas. Poroutro lado, uma vez que, como acabámos de ver, a actividade de operador detransporte é uma actividade estranha às realidades actuais do mercado ferroviáriodo transporte de passageiros, a análise da Comissão, a respeito das restrições àconcorrência entre fundadores ligadas ao facto de que cada um deles poderia agirno mercado em causa, enquanto operador de transporte, em concorrência com aENS e os outros fundadores (v. supra, n.° 147) assenta, igualmente, nas mesmaspremissas erradas e também não merece, portanto, acolhimento (v. supra, n.° 148).

Quanto ao terceiro fundamento baseado no carácter desproporcionado e nãonecessário da condição imposta no artigo 2.° da decisão impugnada

190.
    A EPS, a ENS e a SNCF sustentam que a Comissão, ao impor às notificantes aobrigação de fornecer a outros agrupamentos internacionais e operadores detransporte os mesmos serviços ferroviários indispensáveis que fornecem à ENS,teria efectuado uma errada aplicação da teoria dos «elementos essenciais», dadoque, pondo de parte o fornecimento das linhas horárias imposto pela Directiva91/440 em determinadas condições, nenhum dos serviços fornecidos à ENS podesatisfazer as condições de aplicação desta teoria. A NS acrescenta, a este respeito,que essa obrigação teria como efeito, não apenas comprometer os esforços dasempresas ferroviárias para constituir agrupamentos internacionais, mas tambémobrigá-las a partilhar com terceiros os frutos dessa cooperação sem que estesúltimos tenham que suportar os riscos comerciais inerentes. Segundo a NS, osefeitos económicos da obrigação, para as empresas de transporte ferroviário, defornecimento a operadores de transporte de serviços indispensáveis em condiçõesque não podem determinar livremente equivaleria a uma expropriação.

191.
    As recorrentes alegam, além disso, que a teoria dos elementos essenciais só seaplica no quadro do artigo 86.° do Tratado e quando uma empresa recusa aos seusconcorrentes o acesso a instalações ou a serviços essenciais tanto para acompetitividade do concorrente como para a existência da concorrência.

192.
    No caso em apreço, a Comissão não teria efectuado nenhuma distinção entre asinstalações ou serviços que correspondem apenas a uma vantagem para osconcorrentes e as que são essenciais à manutenção da concorrência. Maisprecisamente, esta última condição não teria sido examinada, uma vez que, por umlado, embora a posse ou o domínio da infra-estrutura possa ser considerada uma«instalação ou serviço essencial» o acesso a esta é garantido aos agrupamentosinternacionais pela Directiva 91/440 e que, por outro, relativamente às locomotivasutilizadas para o serviço nocturno via túnel do canal da Mancha e ao pessoal decondução ou de gestão, a decisão não contém a mínima prova de que as empresasde transporte ferroviário tenham o respectivo acesso exclusivo ou que qualquerconcorrente actual ou potencial teria dificuldades em obtê-los. A este propósito,a ENS e a EPS alegam que as locomotivas concebidas especialmente para atravessia do canal da Mancha ou susceptíveis de nele circular podem ser adquiridasaos construtores ou alugadas a outros operadores de serviços ferroviários nummercado livre. A Comissão também não teria examinado a questão dadisponibilidade das locomotivas ou do pessoal de comboio e não teria demonstradoa existência de penúria de pessoal ferroviário qualificado. Além disso, a condiçãoimposta obrigaria as empresas de transporte ferroviário a fornecer os serviçosferroviários necessários a agrupamentos internacionais e a operadores detransporte na sua rede, quer dizer, para além e fora dos itinerários em causa.

193.
    As recorrentes consideram, a seguir, que a condição imposta não é necessária. Porum lado, não teria qualquer ligação com a primeira restrição à concorrênciaidentificada na decisão, isto é, a que existiria entre as partes em consequência dacriação da empresa comum. Por outro lado, não teria qualquer justificaçãorelativamente à restrição à concorrência em relação a terceiros, resultante daposição dominante que seria detida pelas sociedades-mãe da ENS no fornecimentode serviços ferroviários no Estado-Membro de origem. Em primeiro lugar,nenhuma das empresas de transporte ferroviário teria estabelecido qualquerrelação exclusiva com a ENS, de modo que seriam livres de fazer beneficiarqualquer outra empresa das suas locomotivas, do seu pessoal e de qualquer viaférrea à qual tenham direitos. Por outro lado, sendo os mercados das viagens denegócios e das viagens de turismo nos referidos itinerários igualmente exploradospelos transportes aéreos, pelo autocarro e pelo automóvel, a ENS não ocupa umaposição dominante, e a recusa de fornecimento a um terceiro dos serviços emcausa na decisão não teria efeito na concorrência nos mercados a jusante. De onderesulta que não é indispensável que um futuro prestador de serviços de transportede passageiros obtenha os serviços ferroviários em causa para poder estar presenteno mercado, tal como este é definido na decisão. De qualquer modo, a Comissãonão teria apresentado qualquer prova fornecida por terceiros, designadamenteoperadores actuais ou potenciais de serviços concorrentes, em apoio da suaafirmação de que a empresa comum arrisca colocar os outros operadores numaposição desfavorável. A preocupação da Comissão seria, portanto, da ordem dashipóteses.

194.
    A Comissão começa por lembrar que uma condição semelhante foi imposta peladecisão ACI, ACI esta que é uma empresa comum da BR, da SNCF e daInterncontainer para o transporte de mercadorias entre o Reino Unido e ocontinente, e invoca o facto de esta decisão não ter sido objecto de nenhumrecurso interposto pelas empresas fundadoras.

195.
    A Comissão precisa igualmente que a condição imposta não obriga aofornecimento a terceiros, pelas empresas fundadoras da ENS, do conjunto dosserviços que estas fornecem à sua filial comum (limpeza, comercialização), e, emespecial, que não é imposta nenhuma obrigação às empresas fundadoras da ENSrelativamente aos vagões cujo custo constitui, porém, segundo as próprias empresasfundadoras, o principal obstáculo à penetração no mercado.

196.
    A Comissão alega ainda que o acesso à infra-estrutura ferroviária é, actualmentee na maior parte dos casos, controlado pelas empresas de transporte ferroviário nasua qualidade de gestoras da infra-estrutura e que o acesso à infra-estruturaconstitui uma barreira importante à entrada no segmento ferroviário do mercadoem causa. Como os gestores da infra-estrutura e as empresas de transporteferroviário constituem entidades distintas, a obrigação decorrente da condiçãoimposta para estas empresas não teria, portanto, qualquer efeito.

197.
    Relativamente às locomotivas especiais com o respectivo pessoal, a Comissãosalienta que, embora possam teoricamente pertencer a outros que não as empresasde transporte ferroviário fundadoras da ENS e possam, eventualmente, seradquiridas ou alugadas pelos operadores de transporte, só as empresas detransporte ferroviário fundadoras da ENS as possuem de facto. Existiria, assim,uma impossibilidade real e prática de encontrar alternativa para os operadores detransporte. Nestas condições, não se poderia negar que, no mercado dos serviçosessenciais, as empresas de transporte ferroviário ocupam uma posição dominante,o que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de PrimeiraInstância (Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão,CBEM, RTE/Comissão, já referidos), justificaria a condição imposta.

198.
    Quanto ao argumento baseado no carácter desproporcionado da condição imposta,a Comissão alega que o direito de acesso à infra-estrutura, reservado pela directivaàs empresas de transporte ferroviário e aos agrupamentos internacionais destasempresas, não significa que outros operadores de transporte não possam explorarserviços idênticos aos propostos pela ENS. Como só as empresas de transporteferroviário é que têm acesso à infra-estrutura e um novo concorrente não estáhabilitado pela directiva a solicitar por si uma linha horária aos gestores dainfra-estrutura em causa, as empresas de transporte ferroviário deveriam forneceruma linha horária aos operadores a fim de lhes garantir o acesso ao mercado.Além disso, só seriam visados pela condição imposta os serviços ferroviáriosindispensáveis à entrada no segmento ferroviário dos mercados relevantes, pelo quea condição não seria desproporcionada e permitiria assegurar a presença de váriosoperadores de transporte ferroviários, a fim de intensificar a concorrência com osoutros modos de transporte.

199.
    A Comissão contesta, por outro lado, a interpretação que leva a entender que acondição imposta às empresas de transporte ferroviário em causa as obriga afornecer os serviços ferroviários indispensáveis no conjunto das redes, quer dizer,para além das linhas em discussão. Com efeito, a obrigação só existiria em relaçãoao acesso aos mercados identificados na decisão impugnada.

200.
    Por último, a Comissão sustenta que o carácter não exclusivo do acordo entre asempresas de transporte ferroviário e a ENS não tem qualquer relevância. Comefeito, como no quadro do acordo, as empresas de transporte ferroviário distribuemos lucros e os prejuízos da ENS, seria pouco provável, segundo a Comissão, queestas mesmas empresas quisessem fornecer serviços a concorrentes potenciais.

201.
    O Reino Unido, interveniente, sustenta que a condição imposta não pode serconsiderada indispensável, dado que, no ponto 65 da decisão, a Comissão já setinha pronunciado no sentido de que as restrições à concorrência eram necessárias.A justificação invocada, respeitante à necessidade de garantir a presença nosmercados de operadores de transporte ferroviário concorrentes da ENS, seria, alémdisso, inadequada, uma vez que esses operadores concorrentes não existem. Poresta razão, a Comissão teria falseado as condições da concorrência, ao encorajarartificialmente operadores a entrarem no mercado, actuação para a qual aComissão não tem competência com base no artigo 13.° do Regulamenton.° 1017/68.

202.
    A decisão impugnada estaria igualmente viciada por falta de fundamentação, pornão expor de modo adequado e suficiente os motivos por que a Comissão aplicoua teoria dos «elementos essenciais». Em qualquer caso, as condições exigidas paraa aplicação desta teoria não estariam reunidas. Por um lado, como as empresas detransporte ferroviário não ocupam uma posição dominante nos mercadosidentificados pela Comissão na sua decisão, os serviços ferroviários em causa nãopodem ser havidos como essenciais para a entrada de concorrentes nos mercados.A justificação da condição imposta, baseada na divisão dos mercados em causa emdiferentes segmentos, demonstraria aliás a imperfeição do raciocínio da Comissão,que estaria, a este respeito, em contradição com a análise do mercado exposta nadecisão. Por outro lado, a Comissão, ao referir, na decisão, que as partes nosacordos ENS devem fornecer os «serviços ferroviários indispensáveis» aos novoscandidatos a entrar no mercado, no caso de estes não poderem fornecê-los elespróprios, está implicitamente a admitir que as empresas de transporte ferroviárionão são as únicas a controlar as instalações e serviços relativamente aos quais oacesso é considerado essencial, de modo que a condição imposta seria, de facto,injustificada.

203.
    Respondendo ao Reino Unido, a Comissão começa por afirmar que o facto deadmitir que um acordo que cria uma empresa comum implica restrições àconcorrência que considera necessárias não significa que todas as restrições sejamindispensáveis. A condição imposta destinar-se-ia precisamente a evitar que asrestrições à concorrência excedam o indispensável. Por outro lado, a condiçãoimposta reflectiria uma preocupação distinta da teoria dos «elementos essenciais»,que se destinaria, no presente caso, a permitir que as condições de isençãoprevistas pelo n.° 3 do artigo 85.° do Tratado e pelo artigo 5.° do Regulamenton.° 1017/68 sejam satisfeitas.

204.
    Por último, a Comissão alega que, num mercado complexo como o definido nadecisão, não é necessário que as barreiras contra o acesso sejam erigidas em todosos segmentos do mercado. Se assim fosse, a consequência seria que, em caso depredominância de um modo de transporte num mercado integrado, só osobstáculos ao acesso de terceiros a esse modo de transporte cairiam sob a alçadado disposto no artigo 85.° do Tratado, ficando os restantes modos de transportesubtraídos ao direito da concorrência.

Apreciação do Tribunal

205.
    O Tribunal sublinha que, segundo o ponto 79 da decisão impugnada, a condiçãoconstante do artigo 2.° do dispositivo é imposta a fim de«evitar que as restriçõesde concorrência ultrapassem o indispensável».

206.
    Ora, como resulta da análise efectuada pelo Tribunal dos primeiro e segundofundamentos, deve considerar-se que a Comissão não analisou de modo correctoe bastante, na decisão impugnada, o contexto económico e jurídico no qual seinscrevem os acordos ENS. Em consequência, não ficou demonstrado que osacordos ENS sejam restritivos da concorrência, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, doTratado e que, por isso, necessitem de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3,do Tratado. Nestas condições, não havendo na decisão impugnada elementos deanálise pertinentes a propósito da estrutura e do funcionamento do mercado emque a ENS opera, nem sobre o grau de concorrência existente nesse mercado, nem,por conseguinte, sobre a natureza e a extensão das restrições à concorrênciaalegadas, a Comissão não podia avaliar se a condição imposta pelo artigo 2.° dadecisão impugnada é ou não indispensável, no quadro de uma eventual isenção aoabrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

207.
    Porém, mesmo que a Comissão tivesse efectuado uma avaliação suficiente ecorrecta das restrições à concorrência em causa, dever-se-ia, ainda assim, examinarse, ao impor às notificantes a condição de que as linhas horárias, as locomotivase o respectivo pessoal sejam fornecidos a terceiros nas mesmas condições que àENS, pelo facto de serem indispensáveis ou constituírem, como foi discutido pelaspartes nos articulados e na audiência, elementos essenciais, a Comissão fez umacorrecta aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

208.
    Quanto a este aspecto, o Tribunal faz notar que resulta da jurisprudência relativaà aplicação do artigo 86.° do Tratado que um produto ou serviço só podeconsiderar-se essencial ou indispensável se não existir qualquer alternativa real oupotencial (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, RTE eITP/Comissão, C-241/91 P e C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.os 53 e 54, e acórdãodo Tribunal de Primeira Instância de 12 de Junho de 1997, TiercéLadbroke/Comissão, T-504/93, Colect., p. II-923, n.° 131).

209.
    Em consequência, quando, como no presente caso, se está perante um acordo decriação de uma empresa comum abrangido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, oTribunal entende que as empresas-mãe e/ou a empresa comum assim criada sópodem ser consideradas como estando na posse de infra-estruturas, de produtosou serviços «indispensáveis» ou «essenciais» para o acesso ao mercado relevantese essas infra-estruturas, produtos ou serviços não forem «alternativos entre si» ese, pelas suas características particulares, designadamente o custo proibitivo da suareprodução e/ou do tempo razoável requerido para esse efeito, não existiremalternativas viáveis para os potenciais concorrentes da empresa comum, queficariam, por isso, excluídos do mercado.

210.
    É à luz destas considerações e por analogia com a jurisprudência que referimos (v.supra, n.° 208) que deve examinar-se, por um lado, se a Comissão podiavalidamente qualificar, no presente caso, o fornecimento pelos fundadores à ENSde a) linhas horárias, b) de locomotivas, e c) de pessoal, como serviços essenciaisou indispensáveis, que tenham que ser prestados a terceiros nas mesmas condiçõesdo que à ENS e, por outro lado, se, ao fazê-lo, a Comissão fundamentou de modosuficiente a sua decisão. Finalmente, é com base neste exame que se deve verificarigualmente a correcção da análise da Comissão sobre as alegadas restrições àconcorrência em relação a terceiros, resultantes dos laços privilegiados entre osfundadores e a ENS (v. supra, n.° 151).

211.
    Em primeiro lugar, no que diz respeito às linhas horárias, se é verdade que o artigo2.° da decisão impugnada impõe às empresas notificantes o dever de «prestarem,se necessário, a qualquer agrupamento internacional de empresas ferroviárias [aslinhas horárias]» não é menos verdade que, segundo a jurisprudência, o dispositivode uma decisão deve ser lido à luz dos fundamentos que lhe servem de suporte,isto é, no presente caso, o ponto 81 da decisão impugnada. Ora, segundo esteponto 81, as empresas notificantes «não devem... ser obrigadas a fornecer umitinerário se a entidade que o solicita intervém na qualidade de agrupamento deempresas ferroviárias nos termos do artigo 10.° da Directiva 91/440/CEE, e pode,por conseguinte, ela própria solicitar esse itinerário aos respectivos gestores deinfra-estruturas». Assim, esta obrigação só é imposta pela decisão impugnada nocaso de os terceiros serem não agrupamentos internacionais mas, como sustentaa Comissão, operadores de transporte, como a ENS. Ora, como acabámos deverificar, a ENS não é um operador de transporte, mas um agrupamentointernacional na acepção da Directiva 91/440. Por outro lado, o conceito deoperador de transporte é um conceito estranho às realidades actuais do mercadoferroviário do transporte de passageiros. Em consequência, sendo a condição oraem exame baseada em premissas incorrectas, na medida em que se destina aobrigar os fundadores que já estão na posse das linhas horárias a fornecê-las aterceiros que actuem no mercado como operadores de transporte, é desprovida defundamento.

212.
    Em segundo lugar, quanto ao fornecimento das locomotivas, há que lembrar que,como acabámos de sublinhar, para que as locomotivas possam ser consideradaselementos essenciais ou indispensáveis, é necessário que o sejam para osconcorrentes da ENS, no sentido de que, por delas não disporem, estes últimos nãopodem nem penetrar no mercado em causa nem continuar a nele operar. Ora,tendo a decisão, por um lado, definido o mercado em causa como um mercadointegrado de transporte de passageiros em viagens de negócios e outro, igualmenteintegrado, de transporte de passageiros em viagem de recreio, e, por outro, tendodeterminado que nestes dois mercados integrados, a parte do mercado da ENS nãoultrapassa 7% ou 8%, segundo a Comissão, ou 5%, segundo a notificação daspartes, não se pode admitir que a recusa eventual das empresas notificantes defornecimento a concorrentes da ENS de locomotivas especiais para a passagem dotúnel do canal da Mancha tenha como efeito excluí-las do mercado em causa, talcomo este é definido na decisão impugnada. Com efeito, não se provou que umaempresa que detém uma parte do mercado tão pouco significativa esteja emcondições de exercer uma qualquer influência no funcionamento e na estrutura domercado em causa.

213.
    Só se nos colocarmos num mercado totalmente diferente, isto é, no mercadointegrado do transporte ferroviário de pessoas em viagem de negócios e de turismo,no qual as empresas de transporte ferroviário detêm presentemente uma posiçãodominante, é que a recusa de fornecimento das locomotivas poderia,eventualmente, ter efeitos sobre a concorrência. Deve sublinhar-se, no entanto, quenão foi finalmente este mercado integrado que foi considerado relevante pelaComissão, mas o mercado integrado de transporte (v. pontos 17 a 27 da decisãoimpugnada). Foi só na fase escrita que a Comissão se referiu, pela primeira vez,ao mercado integrado dos serviços ferroviários como segmento do mercadointegrado do transporte de pessoas em viagens de negócios e de turistas parajustificar a obrigação de fornecimento das locomotivas a concorrentes da ENSimposta às empresas notificantes. Ora, se não é de excluir que a análise dos efeitosde um acordo possa ser efectuada tanto no mercado principal como em segmentosdeste, tal - isto é, tanto a distinção entre mercado principal e segmento(s) dessemercado como as razões em que essa distinção se funda - deve resultar de modoclaro e não ambíguo de uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado,o que não acontece no presente caso.

214.
    Mesmo admitindo que as explicações fornecidas a este respeito pela Comissão nafase escrita não implicam uma redefinição do mercado relevante, tal como este édefinido nos pontos 17 a 27 da decisão impugnada, constituindo tão só umaclarificação dessa definição, ainda assim a apreciação da Comissão estaria, nestecaso, viciada por falta de fundamentação.

215.
    Com efeito, como alegaram as recorrentes, a decisão impugnada não contémelementos de análise que comprovem o carácter essencial ou indispensável daslocomotivas em causa. Mais precisamente, a leitura da decisão impugnada nãopermite concluir que os terceiros não possam adquirir essas locomotivas querdirectamente aos construtores, quer indirectamente, comprando-as ou tomando-asde aluguer a terceiros. Também não consta dos autos qualquer correspondênciaentre a Comissão e terceiros, da qual resulte que estes estão impossibilitados deadquirir as locomotivas em causa no mercado. Ora, como sublinharam asrecorrentes, qualquer empresa interessada em explorar os mesmos serviçosferroviários que a ENS utilizando o túnel do canal da Mancha pode livrementeadquirir ou alugar as locomotivas no mercado. Resulta dos autos, além disso, quenão consta dos contratos de fornecimento das locomotivas celebrados entre asnotificantes e a ENS qualquer cláusula de exclusividade a favor da ENS, sendotodas as empresas notificantes livres de fornecer as mesmas locomotivas a terceirose não apenas à ENS.

216.
    Acrescente-se a este propósito que a Comissão não contestou o facto de que osterceiros podem livremente comprar ou alugar as locomotivas em causa nomercado, limitando-se a considerar que se trata, na realidade, de uma possibilidadepuramente teórica e que só as empresas notificantes estão efectivamente na possedessas locomotivas. Este argumento da Comissão não merece, porém, acolhimento.O facto de as empresas notificantes terem sido as primeiras a adquirir no mercadoas locomotivas em causa não significa que só elas é que podem adquiri-las.

217.
    De onde se conclui que a apreciação, efectuada pela Comissão, do carácteressencial ou indispensável das locomotivas especiais para a passagem do túnel docanal da Mancha e, portanto, a obrigação, imposta aos fundadores, de fornecerema terceiros essas locomotivas, padece de falta, ou, pelo menos, de insuficiência defundamentação.

218.
    Pelas mesmas razões que as acima expostas, a obrigação imposta aos fundadoresde fornecerem também a terceiros o pessoal das locomotivas especiais para apassagem do túnel do canal da Mancha está ferida do mesmo vício de falta ouinsuficiência de fundamentação.

219.
    De onde se conclui que a decisão impugnada, na parte em que impõe àsrecorrentes a obrigação de fornecer a terceiros, concorrentes da ENS, os mesmos«serviços indispensáveis» que fornecem a esta, padece de falta, ou, pelo menos, deinsuficiência, de fundamentação.

220.
    Resulta igualmente do que precede que a análise da Comissão das restrições àconcorrência em relação a terceiros, devido às relações privilegiadas dosfundadores com a ENS, também não tem fundamento (v. supra, n.os 150 e 151).Com efeito, uma vez que, como foi demonstrado acima, a ENS não é um operadorde transporte, o mercado ferroviário não pode, finalmente, ser cindido em doismercados de serviços distintos, isto é, um mercado integrado de prestação deserviços de transporte de passageiros no qual se movem as empresas ferroviáriase os seus agrupamentos internacionais e um mercado de acesso e gestão dainfra-estrutura, gerido por gestores de infra-estrutura, na acepção da Directiva91/440 (v. supra, enquadramento jurídico, n.os 1 a 6). Acresce que o argumentoinvocado pela Comissão na audiência, segundo o qual resulta do n.° 55 do acórdãodo Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, DeutscheBahn/Comissão (T-229/94, Colect., p. II-1689), que o mercado dos serviçosferroviários constitui um submercado distinto do mercado dos transportesferroviários em geral, não tem fundamento, visto que as conclusões do Tribunalnesse processo dizem apenas respeito ao mercado ferroviário do transportecombinado. É, pois, nos dois mercados acima referidos que a análise das restriçõesà concorrência em relação a terceiros deve ser efectuada.

221.
    Assim em primeiro lugar, em relação à infra-estrutura (linhas horárias), o Tribunalfaz notar que, se é verdade que o acesso de terceiros a essa infra-estrutura podeser dificultado quando são empresas concorrentes que controlam esse acesso, nãoé menos verdade que a obrigação das empresas de transporte ferroviário, que sãosimultaneamente gestoras da infra-estrutura, de permitir o acesso a estainfra-estrutura em condições equitativas e não discriminatórias a agrupamentosinternacionais concorrentes da ENS está expressamente consagrada e garantidapela Directiva 91/440. Em consequência, os acordos ENS não podem, pordefinição, dificultar o acesso de terceiros à infra-estrutura. Quanto ao fornecimentoà ENS de locomotivas especiais para a passagem do túnel do canal da Mancha,bem como do pessoal destas, o benefício deste serviço, por si só, só pode dificultaro acesso de terceiros ao mercado a jusante se essas locomotivas e o respectivopessoal deverem ser considerados como elementos essenciais. Ora, não podendoas locomotivas especiais e o respectivo pessoal, pelas razões acima expostas (v.n.os 210 a 215) ser qualificadas como elementos essenciais, o facto de os acordosde exploração dos serviços nocturnos de comboio preverem o seu fornecimento àENS não pode ser visto como implicando uma restrição da concorrência emrelação a terceiros. Por conseguinte, esta análise da Comissão das restrições àconcorrência relativamente a terceiros também não tem fundamento (v. supra,n.os 150 e 151).

Quanto ao quarto fundamento, baseado na insuficiência do período de isençãoconcedido

Argumentos das partes

222.
    As recorrentes sublinham que nos acordos ENS está em causa um investimentoimportante a longo prazo e que o rendimento do projecto assenta na obtenção deuma financiamento vantajoso, por um prazo de 20 anos, para compra do materialcirculante especial, de modo que a limitação da isenção a um prazo de oito anosseria insuficiente. A referência, na decisão, ao prazo julgado necessário pordeterminadas empresas ferroviárias para assegurar a viabilidade de um outroacordo, relativo a serviços de transporte combinado de mercadorias via túnel docanal da Mancha, seria destituída de pertinência, por dizer respeito a uma empresacomum que opera num sector diferente da ENS, do qual nenhuma das notificantesé parte.

223.
    Quanto à justificação, invocada no ponto 73 da decisão, baseada no facto de oprazo de eficácia da isenção depender, nomeadamente, do período em que, deforma razoável, se pode considerar que as condições de funcionamento do mercadonão irão ser sensivelmente alteradas, as recorrentes entendem que a Comissão nãoapresenta nenhum dado que permita prever que essas modificações irão ocorrerno termo do período de isenção, sabendo-se que os riscos financeiros seacentuariam devido à duração, relativamente curta, do período de isenção.

224.
    As recorrentes acrescentam, a este propósito, que na sua prática decisória, aComissão sempre considerou que as empresas comuns que exigiam investimentosimportantes a longo prazo, e cujo objecto é o desenvolvimento de um novoproduto, precisam necessariamente de um longo período para rentabilizar o capitalinvestido. Entendem que a consideração, constante da decisão, de que a aquisiçãode material em comum seria dissociável do modo de exploração comercial dessemesmo material não tem fundamento no presente caso, visto que o materialcirculante utilizado pela ENS só pode servir para percursos entre o Reino Unidoe o continente. Por todas estas razões, as recorrentes concluem que a decisãoimpugnada está viciada por erro manifesto de apreciação e/ou falta ou insuficiênciade fundamentação.

225.
    A Comissão, por sua vez, explica que o prazo da isenção deve ser determinadotendo em conta as condições do mercado existentes no momento de tomada dadecisão, à luz das modificações razoavelmente previsíveis que poderão ocorrernesse mercado. Entende que, no presente caso, o prazo da isenção concedida, istoé, dez anos a contar da notificação e oito a contar da data da decisão, permiteconciliar previsões económicas realistas, por um lado, com a necessidade desegurança jurídica das empresas, por outro. Com efeito, resultaria da notificaçãodos acordos que as projecções financeiras das empresas ferroviárias em causaindicam que os serviços nocturnos prestados pela ENS criarão receitas suficientespara cobrir as despesas a partir do quarto ano da exploração (notificação, p. 35,ponto II.4.e.1.4., documento n.° 1 junto à contestação). Segundo a Comissão, ofacto de o financiamento da aquisição de material circulante se estender por umperíodo de 20 anos não é justificação para a concessão de uma isenção a longoprazo, porque a aquisição de material em comum seria dissociável do modo deexploração comercial desse mesmo material.

226.
    A Comissão acrescenta que, de qualquer modo, por força do n.° 2 do artigo 13.°do Regulamento n.° 1017/68, a isenção pode ser renovada mais de uma vez, se ascircunstâncias o exigirem, e que, na prática, a renovação é concedida sempre queas condições do mercado não se tenham alterado significativamente. Mesmo emcaso de alterações importantes, a Comissão pode sempre renovar a decisão deisenção e subordiná-la a condições diferentes das previstas na decisão anterior.

227.
    O Reino Unido, interveniente, sustenta que a condição imposta às empresas detransporte ferroviário e a duração da isenção alteram a base financeira em que aspartes nos acordos ENS se apoiaram para assumir o compromisso de fornecimentodos novos serviços ferroviários em causa. A importância do investimento acordadopelas partes deveria ter sido, segundo este interveniente, um elemento essencial dadeterminação da duração da isenção. Não tendo tomado em consideração esteelemento, a decisão é incompatível com a política de favorecimento da participaçãodo sector privado no desenvolvimento das redes transeuropeias.

228.
    Em resposta, a Comissão afirma que a duração da isenção concedida ésimultaneamente suficiente e justificada e acrescenta que, ao contrário do quepretende o Reino Unido, a sua decisão é conforme à sua política a respeito dopapel do sector privado no desenvolvimento das redes transeuropeias.

Apreciação do Tribunal

229.
    Como resulta da análise efectuada pelo Tribunal dos primeiro e segundofundamentos, deve considerar-se que a Comissão não analisou de modo correctoe bastante, na decisão impugnada, o contexto económico e jurídico no qual seinscrevem os acordos ENS. Em consequência, não ficou demonstrado que osacordos ENS sejam restritivos da concorrência, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, doTratado e que, por isso, necessitem de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3,do Tratado. A Comissão não tinha, portanto, os meios de avaliar que prazo eraadequado para uma eventual isenção ao abrigo deste artigo.

230.
    Porém, mesmo que a Comissão tivesse efectuado, na decisão, uma avaliaçãosuficiente e correcta das restrições à concorrência em causa, o Tribunal entendeque o prazo por que é concedida uma isenção ao abrigo do n.° 3 do artigo 85.° doTratado, ou, como no caso em apreço, ao abrigo do artigo 5.° do Regulamenton.° 1017/68 e do artigo 53.°, n.° 3, do Acordo EEE, deve ser suficiente para permitiraos beneficiários realizar os benefícios que justificam a isenção em questão, isto é,no presente caso, o contributo para o progresso económico e as vantagensresultantes para os utentes da implementação de novos serviços de transporte deum elevado nível de qualidade, como se refere nos pontos 59 a 61 da decisãoimpugnada. Por outro lado, dado que esse progresso económico e essas vantagensnão podem ser conseguidos sem investimentos importantes, o período necessáriopara rentabilizar esses investimentos constitui necessariamente um elementoessencial na avaliação do prazo da isenção, tanto mais quanto, como no caso oraem apreço, é manifesto que se trata de serviços totalmente novos que necessitamde investimentos consideráveis e implicam riscos financeiros importantes e acolocação em comum do Know how das empresas participantes (pontos 63, 64 e75 da decisão impugnada).

231.
    Nestas condições, é entendimento do Tribunal que a afirmação constante do ponto73 da decisão, de que «o prazo de eficácia da isenção depende, nomeadamente,do período em que, de forma razoável, se pode considerar que as condições defuncionamento do mercado não irão ser sensivelmente alteradas» não pode serhavida como um elemento determinante, por si só, para a determinação do prazode isenção, sem ter em conta, igualmente, o período de tempo necessário parapermitir às partes obter uma remuneração suficiente do seu capital.

232.
    Ora, o Tribunal verifica que a decisão impugnada não contém uma avaliaçãocircunstanciada do prazo necessário para rentabilizar os investimentos em causa emcondições de segurança jurídica, tomando em consideração, designadamente, ofacto de os compromissos financeiros das partes para a compra de materialcirculante especial terem sido assumidos por 20 anos. A afirmação da Comissão,constante do ponto 76 da decisão, de que no domínio do transporte combinado demercadorias, as empresas ferroviárias lhe tinham comunicado ser necessário umperíodo de cinco anos para conseguir assegurar a viabilidade de novos serviços, éimpertinente, posto que, como acabámos de verificar (v. supra, n.os 185 a 187), seestá perante uma empresa comum que opera num mercado diferente do da ENS.

233.
    Quanto à afirmação da Comissão, constante do ponto 75 da decisão impugnada,de que o montante dos investimentos não pode constituir um elementodeterminante para a fixação do período de isenção, porque a aquisição do materialem comum é dissociável das modalidades da sua exploração comercial, é forçosoconcluir que a decisão não contém qualquer dado que permita compreender porque é que a exploração comercial desse material é «dissociável» da sua aquisição,quando é sabido que o material circulante em causa foi adquirido e oscompromissos financeiros correspondentes assumidos unicamente no quadro dosacordos notificados. De qualquer modo, a Comissão não contestou a afirmação dasrecorrentes de que outras possibilidades de utilização do material circulante emcausa eram extremamente limitadas.

234.
    De onde se conclui que, qualquer que seja o caso, a decisão da Comissão, delimitar a oito anos o prazo de concessão da isenção aos acordos ENS padece defalta de fundamentação.

235.
    Tendo em conta o que acima se disse, o quarto fundamento das recorrentes deveconsiderar-se procedente.

236.
    Resulta de quanto precede, e sem que seja necessário que o Tribunal se pronunciesobre o fundamento invocado pela SNCF no processo T-384/94, baseado emviolação do artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68, que a decisão impugnada deveser anulada.

Quanto às despesas

237.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a partevencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo aComissão sido vencida e tendo as recorrentes apresentado o correspondentepedido, há que condená-la nas despesas, incluindo as efectuadas pela SNCF,interveniente nos processos T-374/94 e T-384/94.

238.
    Nos termos do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal dePrimeira Instância, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

decide:

1.
    A Decisão 94/663/CEE da Comissão, de 21 de Setembro de 1994, relativaa um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE e do artigo 53.° doAcordo EEE (IV/34.600 - «Night services») é anulada.

2.
    A Comissão é condenada no pagamento das despesas.

3.
    O Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, interveniente,suportará as suas próprias despesas.

Kalgeropoulos
Bellamy
Pirrung

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Kalogeropoulos


1: Línguas do processo: inglês e francês.