Language of document : ECLI:EU:C:2020:398

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

28 de maio de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Transferência de resíduos — Regulamento (CE) n.o 1013/2006 — Procedimento prévio de notificação e consentimento escrito — Requisitos gerais de informação — Anexo III‑A — Misturas de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel — Rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia — Compostos interferentes — Contaminação de uma mistura por outras matérias — Valorização de forma ambientalmente correta»

No processo C‑654/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Stuttgart (Tribunal Administrativo de Estugarda, Alemanha), por Decisão de 10 de outubro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de outubro de 2018, no processo

Interseroh Dienstleistungs GmbH

contra

SAA Sonderabfallagentur BadenWürttemberg GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász, M. Ilešič e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de setembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Interseroh Dienstleistungs GmbH, por A. Oexle e T. Lammers, Rechtsanwälte,

–        em representação da SAA Sonderabfallagentur Baden‑Württemberg GmbH, por H. S. Wirsing e E. Beathalter, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e A. M. de Ree, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Haasbeek e A. C. Becker, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 2 do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos (JO 2006, L 190, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2002 da Comissão, de 10 de novembro de 2015 (JO 2015, L 294, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1013/2006»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Interseroh Dienstleistungs GmbH (a seguir «Interseroh») à SAA Sonderabfallagentur Baden‑Württemberg GmbH (Agência para os Resíduos Especiais do Land de Baden‑Württemberg, a seguir «SAA»), a propósito da recusa desta última de dispensar a transferência de uma mistura de resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel, bem como de outras matérias do procedimento de notificação previsto no Regulamento n.o 1013/2006.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O artigo 1.o da Convenção sobre o Controlo de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação, assinada em Basileia, em 22 de março de 1989, aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 93/98/CEE do Conselho, de 1 de fevereiro de 1993 (JO 1993, L 39, p. 1), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Convenção de Basileia»), sob a epígrafe «Âmbito da Convenção», dispõe, no seu n.o 1, alínea a):

«Nesta Convenção, os resíduos objeto de movimento transfronteiriço, e que são designados «resíduos perigosos», são os seguintes:

a)      Resíduos que pertençam a qualquer categoria incluída no anexo I, a menos que tenham alguma das características descritas no anexo III;

[…]»

4        A frase introdutória do anexo IX da referida convenção tem a seguinte redação:

«Os resíduos enumerados no presente anexo não são abrangidos pelo artigo 1.o, n.o 1, alínea a) da Convenção, a menos que contenham matérias incluídas no anexo I em quantidades suficientes para apresentarem uma característica de perigo discriminada no anexo III.»

5        A lista B3 deste anexo visa os «Resíduos que contêm fundamentalmente constituintes orgânicos, embora possam conter alguns metais ou matérias inorgânicas». Esta lista B3 contém, nomeadamente, a rubrica B3020, que tem a seguinte redação:

«B3020 Resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel

Os seguintes materiais, desde que não estejam misturados com resíduos perigosos:

Resíduos e escórias de papel e de painéis de cartão:

—      Papel ou painéis de cartão lisos ou canelados não lixiviados

—      Outros papéis ou painéis de cartão, fundamentalmente compostos de pasta quimicamente branqueada mas tintos na massa

—      Papel ou painéis de cartão fundamentalmente compostos por pasta mecânica (jornais, revistas e outro material impresso semelhante);

—      Outros, nomeadamente:

1.      Painéis de cartão

2.      Escórias não triadas».

 Direito da União

 Diretiva 2006/12/CE

6        O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa aos resíduos (JO 2006, L 114, p. 9), previa:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam valorizados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos suscetíveis de agredir o ambiente e, nomeadamente:

a)      Sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora;

b)      Sem causar perturbações sonoras ou por cheiros;

c)      Sem danificar os locais de interesse e a paisagem.»

 Regulamento n.o 1013/2006

7        Os considerandos 1, 3, 5, 7, 8, 14, 15, 33 e 39 do Regulamento n.o 1013/2006 têm a seguinte redação:

«(1)      O principal e mais predominante objetivo e elemento do presente regulamento é a proteção do ambiente […]

[…]

(3)      A Decisão [93/98] diz respeito à celebração, em nome da Comunidade, da Convenção de Basileia […], na qual a Comunidade é parte desde 1994. […]

[…]

(5)      Dado que a Comunidade aprovou a Decisão do Conselho da [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] C(2001) 107/Final relativa à revisão da Decisão da OCDE C(1992) 39/Final sobre o controlo dos movimentos transfronteiriços de resíduos destinados a operações de valorização (decisão da OCDE) a fim de harmonizar as listas de desperdícios pela Convenção de Basileia e rever determinados outros requisitos, torna‑se assim necessário integrar as disposições da referida decisão na legislação comunitária.

[…]

(7)      É importante organizar e regulamentar a fiscalização e o controlo das transferências de resíduos de um modo que tome em consideração a necessidade de preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente e da saúde humana e que promova uma aplicação mais uniforme do regulamento em toda a Comunidade.

(8)      É importante ter em conta o requisito definido na alínea d) do n.o 2 do artigo 4.o Convenção de Basileia, que estabelece que as transferências de resíduos perigosos devem ser reduzidas ao mínimo consistente com uma gestão ambientalmente correta e eficiente desses resíduos.

[…]

(14)      No caso das transferências […] de resíduos destinados a operações de eliminação e dos resíduos não constantes dos anexos III, III‑A ou III‑B destinados a operações de valorização, justifica‑se que seja garantida uma otimização da fiscalização e controlo através da exigência de um consentimento escrito prévio para essas transferências. […]

(15)      No caso de transferências de resíduos constantes dos anexos III, III‑A ou III‑B destinados a operações de valorização, é adequado garantir um nível mínimo de fiscalização e controlo exigindo que essas transferências sejam acompanhadas por determinadas informações.

[…]

(33)      Deverão ser tomadas as medidas necessárias para assegurar que, nos termos da Diretiva [2006/12] e de outra legislação comunitária em matéria de resíduos, os resíduos transferidos dentro da Comunidade e para ela importados sejam geridos durante todo o período de transferência, incluindo a valorização ou eliminação no país de destino, sem perigo para a saúde humana e sem a utilização de processos ou métodos que possam prejudicar o ambiente. […]

[…]

(39)      Ao considerar as misturas de resíduos a aditar no anexo III‑A, haverá que ter em conta, nomeadamente, as seguintes informações: as propriedades dos resíduos, tais como eventuais características perigosas, potencial de contaminação e estado físico dos resíduos; os aspetos de gestão, como sejam a capacidade tecnológica de valorizar os resíduos e os benefícios ambientais decorrentes da operação de valorização, incluindo a possibilidade de obstar à gestão ambientalmente correta dos resíduos. […]»

8        O artigo 2.o, pontos 3 e 8, desse regulamento prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

3.      «Mistura de resíduos», os resíduos que resultem de uma mistura deliberada ou não deliberada de dois ou mais tipos de resíduos diferentes e relativamente à qual não exista uma rubrica própria nos anexos III, III‑B, IV e IV‑A. Uma única transferência de resíduos composta por dois ou mais resíduos e em que cada resíduo se encontre separado não é considerada uma mistura de resíduos;

[…]

8.      «Gestão ambientalmente correta», todos os passos viáveis a seguir com vista a assegurar uma gestão dos resíduos de maneira a proteger a saúde humana e o ambiente contra os efeitos nocivos que possam advir desses resíduos».

9        O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Quadro processual global», prevê:

«1.      As transferências dos resíduos a seguir enumerados estão sujeitas ao procedimento prévio de notificação e consentimento escrito nos termos do presente título:

[…]

b)      Quando destinadas a operações de valorização:

[…]

iii)      resíduos não classificados em qualquer rubrica própria nos anexos III, III‑B, IV ou IV‑A,

iv)      misturas de resíduos não classificadas em qualquer rubrica própria nos anexos III, III‑B, IV ou IV‑A, exceto se enumeradas no anexo III‑A.

2.      As transferências dos seguintes resíduos destinados a valorização estão sujeitas aos requisitos gerais de informação estabelecidos no artigo 18.o, se a quantidade dos resíduos transferidos for superior a 20 kg:

a)      Resíduos enumerados nos anexos III ou III‑B;

b)      Misturas, não classificadas em qualquer rubrica própria no anexo III, de dois ou mais resíduos enumerados no anexo III, desde que a composição dessas misturas não afete a respetiva valorização em boas condições ambientais e que essas misturas estejam enumeradas no anexo III‑A, nos termos do artigo 58.o

[…]»

10      Os artigos 4.o e seguintes do Regulamento n.o 1013/2006 preveem as modalidades do procedimento de notificação e consentimento escrito prévios.

11      O artigo 18.o deste regulamento estabelece os requisitos gerais de informação, segundo os quais os resíduos referidos, nomeadamente, no artigo 3.o, n.o 2, do referido regulamento devem ser acompanhados de determinadas informações, entre as quais figura o formulário reproduzido no anexo VII do mesmo regulamento.

12      O artigo 28.o do Regulamento n.o 1013/2006, sob a epígrafe «Desacordo sobre questões de classificação», prevê, no seu n.o 2:

«Se as autoridades competentes de expedição e de destino não chegarem a acordo quanto à classificação dos resíduos notificados como resíduos enumerados nos anexos III, III‑A, III‑B ou IV, os resíduos serão considerados como enumerados no anexo IV.»

13      O artigo 49.o deste regulamento, sob a epígrafe «Proteção do ambiente», dispõe, no seu n.o 1:

«O produtor, o notificador e outras empresas envolvidas numa transferência e/ou na valorização ou eliminação de resíduos devem tomar as medidas necessárias para garantir que quaisquer resíduos por si transferidos sejam geridos sem pôr em perigo a saúde humana e de uma forma ambientalmente correta durante todo o período de transferência e durante a operação de valorização e a eliminação. Em especial, sempre que a transferência ocorra no interior da Comunidade, tal implica o cumprimento dos requisitos do artigo 4.o da Diretiva [2006/12] e da legislação comunitária em matéria de resíduos.»

14      O anexo III do referido regulamento intitula‑se «Lista de resíduos sujeitos ao requisito geral de informação estabelecido no artigo 18.o (lista «verde» de resíduos)». A sua parte introdutória enuncia:

«Independentemente de estarem ou não incluídos na presente lista, não podem ser sujeitos ao requisito geral de acompanhamento por determinadas informações os resíduos que se encontrem contaminados por outras matérias de uma forma que:

a)      Aumente os riscos associados a esses resíduos de tal maneira que devam ser sujeitos ao procedimento de notificação e autorização prévia por escrito, tendo em consideração as características de perigo enumeradas no anexo III da Diretiva 91/689/CEE [do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa aos resíduos perigosos (JO 1991, L 377, p. 20), revogada pela Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO 2008, L 312, p. 3)]; ou

b)      Impeça a valorização desses resíduos de uma forma ambientalmente correta.»

15      Na sua parte I, este anexo III prevê, nomeadamente, que os resíduos enumerados no anexo IX da Convenção de Basileia, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, que contém, nomeadamente, a rubrica B3020, são sujeitos ao requisito geral de informação estabelecido no artigo 18.o deste.

16      O anexo III‑A deste regulamento, intitulado «Misturas de dois ou mais resíduos enumerados no anexo III não classificadas em nenhuma rubrica própria a que se refere o n.o 2 do artigo 3.o», dispõe:

«1.      Independentemente de estarem ou não incluídas na presente lista, não podem ser sujeitas ao requisito geral de acompanhamento por determinadas informações, definido pelo artigo 18.o, as misturas de resíduos que se encontrem contaminadas por outras matérias de uma forma que:

a)      Aumente os riscos associados a esses resíduos de tal maneira que devam ser sujeitos ao procedimento de notificação e autorização prévia por escrito, tendo em consideração as características de perigo enumeradas no anexo III da Diretiva [91/689]; ou

b)      Impeça a valorização desses resíduos de uma forma ambientalmente correta.

[…]

3.      São abrangidas pelo presente anexo as seguintes misturas de resíduos classificados em travessões ou subtravessões da mesma rubrica:

[…]

g)      Misturas de resíduos classificados na rubrica B3020 da Convenção de Basileia, limitados ao papel ou cartão liso ou canelado não lixiviado, a outros papéis ou cartões obtidos principalmente a partir de pasta química branqueada, não corada na massa, e a papéis ou cartões obtidos principalmente a partir de pasta mecânica (jornais, revistas e outro material impresso semelhante);

[…]»

17      O anexo V do referido regulamento, intitulado «Resíduos sujeitos à proibição de exportação do artigo 36.o», reproduz, na sua parte 1, lista B, o anexo IX da Convenção de Basileia. A rubrica B3020, que figura sob o título B3, intitulado «Resíduos que contêm fundamentalmente constituintes orgânicos, embora possam conter alguns metais ou matérias inorgânicas», tem a seguinte redação:

«B3020 Resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel

Os seguintes materiais, desde que não estejam misturados com resíduos perigosos:

Resíduos e escórias de papel e de painéis de cartão:

–        Papel ou painéis de cartão lisos ou canelados não lixiviados

–        Outros papéis ou painéis de cartão, fundamentalmente compostos de pasta quimicamente branqueada mas tintos na massa

–        Papel ou painéis de cartão fundamentalmente compostos por pasta mecânica (jornais, revistas e outro material impresso semelhante);

—      Outros, nomeadamente:

1.      Painéis de cartão

2.      Escórias não triadas».

 Diretiva 2008/98

18      O artigo 13.o da Diretiva 2008/98 dispõe:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que a gestão de resíduos seja efetuada sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente, nomeadamente:

a)      Sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a flora ou a fauna;

b)      Sem provocar perturbações sonoras ou por cheiros; e

c)      Sem produzir efeitos negativos na paisagem rural ou em locais de especial interesse.»

19      O anexo III desta diretiva contém explicações relativas às diferentes características dos resíduos que os tornam perigosos.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20      A Interseroh é uma sociedade com sede na Alemanha. Recolhe embalagens de venda usadas, ou seja, embalagens leves de papel, destinadas a valorização. O papel usado pré‑tratado é transferido para reciclagem para uma fábrica situada nos Países Baixos, cuja entidade exploradora é a ESKA Graphic Board BV (a seguir «ESKA»).

21      Resulta da decisão de reenvio que os resíduos transferidos devem ser constituídos por uma mistura de resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel, de tal modo que cada tipo de resíduos que compõe a mistura é abrangido pelo primeiro, segundo ou terceiro travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, contendo esta mistura, além disso, até 10 % de compostos interferentes, constituídos por cartões para líquidos (até 4 %), por plástico (até 3 %), por metal (até 0,5 %), bem como de corpos estranhos (até 3,5 %), como vidro, pedras, têxteis ou borracha (a seguir designada por «mistura de resíduos em causa»). Estes valores correspondem aos limites máximos prescritos pela ESKA.

22      A SAA, que é a autoridade competente responsável pela execução da regulamentação relativa à transferência de resíduos no Land de Baden‑Württemberg, desempenha, nomeadamente, as funções previstas no Regulamento n.o 1013/2006.

23      O órgão jurisdicional de reenvio indica que as operações de transferência de tipos de misturas de resíduos como o que está em causa foram efetuadas com base nas autorizações de controlo à exportação emitidas pela SAA e pela autoridade neerlandesa competente, em conformidade com o procedimento de notificação previsto nos artigos 4.o e seguintes do Regulamento n.o 1013/2006.

24      Em 20 de maio de 2015, a ESKA obteve da secção do contencioso do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) uma decisão nos termos da qual um tipo de mistura de resíduos como o que está em causa, independentemente da presença de compostos interferentes, é abrangido pela posição B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, mencionada do anexo III do Regulamento n.o 1013/2006, e, por conseguinte, da lista dos resíduos sujeitos aos requisitos gerais de informação, previstos no artigo 18.o deste regulamento.

25      Baseando‑se nessa decisão, a Interseroh pediu à SAA que classificasse a mistura de resíduos em causa entre os resíduos que figuram no anexo III do Regulamento n.o 1013/2006.

26      A SAA indeferiu este pedido, por um lado, com o fundamento de que essa mistura de resíduos não era totalmente abrangida por nenhum dos quatro travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia. Em especial, esta mistura não era abrangida pelo quarto travessão desta rubrica, uma vez que não se tratava de uma categoria residual para as misturas de origem e de composição diferentes. Por outro lado, a SAA considerou que era de excluir a classificação da referida mistura ao abrigo do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006 devido à proporção demasiado elevada de compostos interferentes presentes na mesma.

27      Em 1 de junho de 2016, a Interseroh interpôs recurso para o Verwaltungsgericht Stuttgart (Tribunal Administrativo de Estugarda, Alemanha), com vista a obter a declaração de que estava sujeita, para a transferência da mistura de resíduos em causa, não à obrigação de notificação, mas apenas aos requisitos gerais de informação previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 1013/2006.

28      A este respeito, esse órgão jurisdicional interroga‑se a respeito da questão de saber se a rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia abrange as misturas de resíduos obtidos a partir de resíduos que figuram nos três primeiros travessões desta rubrica e que contêm, além disso, até 10 % de compostos interferentes, ou se esta rubrica diz exclusivamente respeito aos resíduos constituídos por uma única espécie de resíduos, inserindo‑se, assim, tais misturas unicamente no ponto 3, alínea g), do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006.

29      Nestas circunstâncias, o Verwaltungsgericht Stuttgart (Tribunal Administrativo de Estugarda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1013/2006] […] ser interpretado no sentido de que as misturas de resíduos de papel, de cartão e de produtos de papel, compostas de tal forma que as frações de resíduos, consideradas por si só, são abrangidas pelos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, e que apresentam adicionalmente uma fração de até 10 % de compostos interferentes, são abrangidas pela rubrica de Basileia B3020 e, por isso, sujeitas ao requisito geral de informação estabelecido no artigo 18.o, e não ao dever de notificação nos termos do artigo 4.o?

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

2)      Deve o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1013/2006] […] ser interpretado no sentido de que as misturas de resíduos de papel, de cartão e de produtos de papel, compostas de tal forma que as frações de resíduos, consideradas por si só, são abrangidas pelos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, e que apresentam adicionalmente uma fração de até 10 % de compostos interferentes, não são abrangidas pelo n.o 3, alínea g), do anexo III‑A e, por conseguinte, não estão sujeitas ao requisito geral de informação estabelecido no artigo 18.o, mas [são sujeitas] ao dever de notificação nos termos do artigo 4.o

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

30      Na sequência da apresentação das conclusões da advogada‑geral, a Interseroh, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de fevereiro de 2020, pediu a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

31      Em apoio do seu pedido, a Interseroh alegou, em substância, que as conclusões da advogada‑geral se baseiam em elementos novos, ainda não debatidos entre as partes. A Interseroh refere‑se, em especial, aos n.os 35 a 48, 59, 68 e 74 dessas conclusões. Acrescenta, a este respeito, que a problemática relativa a uma interpretação coerente da legislação relativa aos resíduos não foi evocada na audiência. Além disso, no seu pedido de reabertura da fase oral do processo, a Interseroh contesta, sob vários aspetos, a interpretação que a advogada‑geral fez do Regulamento n.o 1013/2006 nas suas conclusões.

32      Por um lado, importa recordar que, nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Exportslachterij J. Gosschalk e o., C‑477/18 e C‑478/18, EU:C:2019:1126, n.o 43 e jurisprudência aí referida).

33      Há que lembrar também que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes interessadas apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. Por conseguinte, o desacordo de um interessado com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Exportslachterij J. Gosschalk e o., C‑477/18 e C‑478/18, EU:C:2019:1126, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

34      Por outro lado, ao abrigo do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

35      No caso em apreço, contrariamente ao que alega a Interseroh, esta última, tal como os interessados que participaram no presente processo, puderam expor, no decurso tanto da fase escrita como da fase oral do mesmo, os elementos de direito que consideraram pertinentes para permitir ao Tribunal de Justiça interpretar o Regulamento n.o 1013/2006, a fim de responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

36      Nenhum dos elementos invocados pela Interseroh em apoio do seu pedido de reabertura da fase oral do processo pode, portanto, justificar essa reabertura, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo.

37      Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, ouvida a advogada‑geral, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

38      Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 1013/2006 deve ser interpretado no sentido de que é abrangida por esta disposição uma mistura de resíduos de papel, de cartão e de produtos em papel, de que cada tipo de resíduo é abrangido por um dos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, desse regulamento, e que contém até 10 % de compostos interferentes.

39      O n.o 2 do artigo 3.o do Regulamento n.o 1013/2006 prevê que as transferências de resíduos com vista à valorização e cuja quantidade for superior a 20 quilogramas, estão sujeitas aos requisitos gerais de informação estabelecidos no artigo 18.o desse regulamento, desde que, por um lado, por força do n.o 2, alínea a), do artigo 3.o do referido regulamento, esses resíduos estejam incluídos, nomeadamente, no anexo III do mesmo regulamento ou que, por outro, por força do n.o 2, alínea b), desse artigo 3.o, as misturas de dois ou mais resíduos enumerados no anexo III, não classificadas em qualquer rubrica própria deste, tenham uma composição que não afete a sua valorização em boas condições ambientais, e constam do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006.

40      Na medida em que o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), e o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 remetem, respetivamente, para os anexos III e III‑A deste regulamento, há que examinar, num primeiro momento, o alcance do anexo III do referido regulamento e, eventualmente, numa segunda fase, o seu anexo III‑A.

41      Em primeiro lugar, o anexo III do Regulamento n.o 1013/2006 contém uma lista de resíduos dita «verde» e a sua parte I remete para o anexo IX da Convenção de Basileia, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, deste regulamento, na qual figura, nomeadamente, a rubrica B3020, intitulada «Resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel».

42      Resulta da decisão de reenvio que, para serem transferidas para serem recicladas na fábrica explorada pela ESKA, situada nos Países Baixos, as misturas de resíduos de papel e de cartão recolhidas pela Interseroh devem, nomeadamente, ser compostas, pelo menos em 90 %, por resíduos abrangidos por um dos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se essas misturas podem ser classificadas nesta rubrica.

43      Há que salientar, a título preliminar, que, no anexo IX da Convenção de Basileia, a rubrica B3020 contém quatro travessões, sendo que o próprio quarto travessão é composto por dois travessões, ao passo que, na versão em língua francesa do anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, esta rubrica está estruturada de forma diferente, na medida em que contém dois travessões, eles próprios compostos por três e dois travessões, respetivamente.

44      Ora, há que sublinhar que, na medida em que, como enunciado nos considerandos 3 e 5 do Regulamento n.o 1013/2006, resulta da Decisão 93/98 que a União Europeia aprovou a Convenção de Basileia e que este regulamento integrou o conteúdo da decisão da OCDE que harmoniza a lista de desperdícios com esta convenção, as disposições desta última fazem parte integrante, a partir da data em que a União se tornou parte na referida convenção, da ordem jurídica da União. Neste contexto, e tendo em conta o princípio do primado dos acordos internacionais celebrados pela União sobre o direito derivado, o Regulamento (CE) n.o 1013/2006 deverá ser interpretado, na medida do possível, em conformidade com a Convenção de Basileia (v., neste sentido, Acórdão de 11 de abril de 2013, HK Danmark C‑335/11 e C‑337/11, EU:C:2013:222, n.os 29 e 30.o e a jurisprudência aí referida).

45      Por conseguinte, para interpretar a rubrica B3020 reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, há que ter em conta a forma como os diferentes travessões desta rubrica estão estruturados na rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia.

46      Feita esta observação preliminar, há que declarar que a rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia abrange os «Resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel», desde que não estejam misturados com resíduos perigosos, e contém quatro travessões. Por força dos três primeiros travessões desta rubrica, que correspondem aos três travessões constantes do primeiro travessão da rubrica B3020 reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006 na sua versão em língua francesa, tais resíduos e escórias podem provir de «[p]apel ou painéis de cartão lisos ou canelados não lixiviados», «de [o]utros papéis ou painéis de cartão, fundamentalmente compostos de pasta quimicamente branqueada mas tintos na massa» ou de «[p]apel ou painéis de cartão fundamentalmente compostos por pasta mecânica (jornais, revistas e outro material impresso semelhante)». O quarto travessão da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, que, na versão em língua francesa do Regulamento n.o 1013/2006, corresponde ao segundo travessão da rubrica B3020 reproduzida neste anexo V, parte 1, lista B, é designado como «outros» e inclui, mas não está limitado a, os «[p]ainéis de cartão» e as «[e]scórias não triadas».

47      Assim, em primeiro lugar, resulta da estrutura da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia e da redação dos quatro travessões desta que estes últimos abrangem tipos diferentes de resíduos e escórias de papel e de painéis de cartão, sem mencionar misturas de resíduos pertencentes a estes diferentes tipos.

48      Além disso, tendo em conta a redação do quarto travessão desta rubrica, este último travessão deve ser entendido no sentido de que visa tipos de resíduos e escórias de papel e de painéis de cartão diferentes dos abrangidos pelos três primeiros travessões desta rubrica.

49      Assim, atendendo à sua redação, a rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, deve ser entendida no sentido de que os resíduos enumerados nos quatro travessões desta rubrica correspondem cada um a um tipo de resíduos e que não estão abrangidos pela referida rubrica misturas constituídas por resíduos desses diferentes tipos.

50      Em segundo lugar, esta interpretação é a única que pode estar de acordo com o regime geral do Regulamento n.o 1013/2006. Com efeito, o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento visa expressamente as misturas de resíduos não classificadas em qualquer rubrica própria no anexo III deste regulamento, de dois ou mais resíduos enumerados nesse anexo, e que figuram no anexo III‑A do referido regulamento. Ora, o ponto 3, alínea g), deste último anexo menciona especificamente as misturas de resíduos incluídos nos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia. Por conseguinte, há que considerar, como salientou, em substância, a advogada‑geral no n.o 43 das suas conclusões, que esse anexo III‑A ficaria privado do seu efeito útil se a rubrica B3020 reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, em especial, o seu último travessão intitulado «[o]utros», devesse ser entendido no sentido de que inclui misturas de resíduos compostos por resíduos mencionados nos outros travessões desta rubrica.

51      Em terceiro lugar, a interpretação que decorre da redação da rubrica B3020 reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, à luz da rubrica correspondente do anexo IX da Convenção de Basileia, bem como do regime geral deste regulamento, está em conformidade com o objetivo de proteção do ambiente prosseguido pelo referido regulamento. De acordo com o seu considerando 7, esse mesmo regulamento organiza e regulamenta a fiscalização e o controlo das transferências de resíduos de um modo que tome em consideração a necessidade de preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente e da saúde humana.

52      Ora, o facto de as transferências de resíduos destinados a valorização e mencionados na lista verde de resíduos que figura no anexo III do Regulamento n.o 1013/2006 serem, por defeito, geralmente excluídos do procedimento prévio de notificação e consentimento escrito previsto no título II, capítulo I, desse regulamento explica‑se pela circunstância de as transferências desses resíduos apresentarem menos riscos para o ambiente, o que permite, como indica o considerando 15 do referido regulamento, impor um nível mínimo de fiscalização e controlo exigindo que essas transferências sejam acompanhadas por determinadas informações.

53      Assim, o objetivo de proteção do ambiente e da saúde humana prosseguido pelo Regulamento n.o 1013/2006 opõe‑se a que a rubrica B3020 reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, deste regulamento seja interpretada de forma a que misturas não expressamente referidas nesta rubrica sejam submetidas aos requisitos gerais de informação, fixados no artigo 18.o do referido regulamento, os quais são menos estritos do que os previstos no procedimento prévio de notificação e consentimento escrito, consagrado no artigo 3.o, n.o 1, do mesmo regulamento.

54      Resulta do que precede que a rubrica B3020, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, do Regulamento n.o 1013/2006, visa unicamente os resíduos pertencentes a cada tipo de resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel mencionados nos diferentes travessões da referida rubrica. Assim, esta última não abrange as misturas de resíduos compostas por resíduos, que, separadamente, seriam abrangidos por esses diferentes travessões. Por conseguinte, tais misturas não podem ser classificadas na lista verde dos resíduos que figuram no anexo III do Regulamento n.o 1013/2006, o que exclui que estejam sujeitas aos requisitos gerais de informação, fixados no artigo 18.o deste regulamento, por força do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deste último.

55      Tendo em conta esta conclusão intermédia, há que examinar, em segundo lugar, o alcance do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006, a fim de determinar se o regime previsto no artigo 3.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento é aplicável às misturas de resíduos em causa.

56      Como foi recordado no n.o 48 do presente acórdão, o n.o 3, alínea g), desse anexo III‑A menciona especificamente as misturas de resíduos compostas por resíduos classificados na rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, restringidos às misturas de resíduos incluídos nos três primeiros travessões desta rubrica.

57      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a presença de compostos interferentes até 10 % na composição das misturas de resíduos, em que cada resíduo é abrangido por um dos três primeiros travessões da referida rubrica, exclui que as referidas misturas possam ser classificadas nesta última.

58      Há que salientar, em primeiro lugar, que esse órgão jurisdicional indica que as misturas de resíduos transferidas pela Interseroh para os Países Baixos para efeitos de reciclagem podem conter cartões para embalagens de líquidos até 4 %. Ora, resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que estes cartões podem ser abrangidos pela rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia. Com efeito, é pacífico que os cartões para embalagens de líquidos, quando constituem resíduos, podem ser classificados na rubrica «Resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel». No entanto, uma vez que não correspondem a nenhum dos tipos de resíduos referidos nos três primeiros travessões desta rubrica, há que considerar que são abrangidos pelo quarto travessão da referida rubrica, que tem um caráter residual.

59      Assim, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar no que respeita à presença de cartões para embalagens de líquidos nas misturas de resíduos em causa, uma tal presença tem como consequência que essas misturas são constituídas por resíduos que devem ser classificados não apenas num dos três primeiros travessões desta rubrica mas também no seu quarto travessão, de tal modo que as referidas misturas não estão abrangidas pelo ponto 3, alínea g), do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006, cuja redação clara visa apenas as misturas de resíduos compostas por resíduos abrangidos pelos três primeiros travessões desta rubrica, e, assim, não fazem parte das misturas enumeradas nesse anexo. Tais misturas não são, portanto, abrangidas pelo procedimento de informação, previsto no artigo 18.o deste regulamento.

60      Em segundo lugar, há que salientar que, mesmo na hipótese de as misturas de resíduos em causa não conterem cartões para embalagens de líquidos, resulta do pedido de decisão prejudicial que essas misturas podem, de qualquer modo, conter até 7 % de outros compostos interferentes.

61      A fim de determinar se essas misturas de resíduos podem ser abrangidas pelo anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006, há que recordar que o ponto 1 deste anexo enuncia que, independentemente de estarem ou não incluídas na lista mencionada no referido anexo III‑A, não podem ser sujeitas aos requisitos gerais em matéria de informação, definidos no artigo 18.o desse regulamento, as misturas de resíduos que se encontrem contaminadas por outras matérias de uma forma que aumente os riscos associados a esses resíduos de tal maneira que devam ser sujeitos ao procedimento de notificação e autorização prévia por escrito, tendo em consideração as características de perigo enumeradas no anexo III da Diretiva 91/689/CEE, ou impeça a valorização desses resíduos de uma forma ambientalmente correta.

62      Assim, antes de mais, resulta da redação do ponto 1 do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006 que uma mistura de resíduos mencionados na lista que consta desse anexo não é excluída dessa lista pelo simples facto de essa mistura conter compostos interferentes, além dos resíduos expressamente enumerados na referida lista. Como salientou a advogada‑geral no n.o 53 das suas conclusões, a existência do referido n.o 1 revela, com efeito, que o legislador da União estava ciente de que é tecnicamente difícil, se não impossível, assegurar que qualquer fluxo de resíduos seja totalmente puro.

63      Por outro lado, há que salientar, por um lado, que a condição prevista no ponto 1, alínea a), do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006 visa garantir que as misturas de resíduos que constam desse anexo, que, devido aos compostos interferentes que contêm, implicam riscos acrescidos para o ambiente, sejam submetidas ao procedimento de notificação e autorização prévia por escrito. Em especial, tais riscos devem ser avaliados à luz das características de perigo que constam do anexo III da Diretiva 91/689, que foi retomada, na sequência da revogação desta diretiva, no anexo III da Diretiva 2008/98.

64      Por outro lado, a condição que figura no ponto 1, alínea b), do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006 remete para a exigência de «valorização ambientalmente correta». Embora este conceito não esteja expressamente definido neste regulamento, há, no entanto, que salientar que, à semelhança da definição do conceito de «gestão ambientalmente correta», que consta do artigo 2.o, ponto 8, do referido regulamento, a valorização ambientalmente correta dos resíduos visa todos os passos viáveis a seguir com vista a assegurar uma valorização dos resíduos de maneira a proteger a saúde humana e o ambiente contra os efeitos nocivos que possam advir desses resíduos.

65      Neste contexto, importa recordar que, como resulta do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1013/2006, lido em conjugação com o considerando 33 deste regulamento, os resíduos devem ser transferidos para o país de destino e durante todo o período de transferência sem perigo para a saúde humana e sem a utilização de processos ou métodos que possam prejudicar o ambiente. A este respeito, sempre que a transferência ocorra no interior União, este artigo 49.o, n.o 1, impõe o cumprimento dos requisitos previstos, nomeadamente, no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/12, cujas disposições foram retomadas no artigo 13.o da Diretiva 2008/98, segundo as quais os resíduos são valorizados sem criar riscos para a água, o ar, ou o solo, nem para a fauna ou a flora, e sem provocar perturbações sonoras ou por cheiros, bem como sem produzir efeitos negativos na paisagem rural ou em locais de especial interesse.

66      Tendo em conta esta precisão, há que salientar que, na aplicação da condição que consta do ponto 1, alínea b), do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006, é necessário determinar, em cada caso específico, se o tipo e a percentagem de compostos interferentes presentes numa mistura de resíduos referidos nesse anexo III‑A impedem a valorização dos resíduos em questão de uma forma ambientalmente correta. Como salientou a advogada‑geral no n.o 64 das suas conclusões, trata‑se, em princípio, de uma questão de facto que cabe às autoridades nacionais competentes e, eventualmente, aos órgãos jurisdicionais nacionais, determinar.

67      A este respeito, há que observar, como indicaram, nomeadamente, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia no quadro do processo prejudicial no Tribunal de Justiça, que o Regulamento n.o 1013/2006 não contém nenhum outro critério que permita precisar ainda mais o alcance desta condição mencionada no ponto 1, alínea b), do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006.

68      Daqui resulta que deve ser conferida a cada Estado‑Membro uma certa margem de apreciação na aplicação do referido ponto 1. Com esta finalidade, os Estados‑Membros são livres de adotar os critérios que permitam determinar as circunstâncias nas quais a presença de compostos interferentes numa mistura de resíduos obsta a que tal mistura possa ser valorizada de forma ambientalmente correta, desde que, deste modo, não prejudiquem nem o alcance nem a eficácia do Regulamento n.o 1013/2006, incluindo o procedimento previsto no seu artigo 18.o (v., por analogia, Acórdão de 12 de abril de 2018, Fédération des entreprises de la beauté, C‑13/17, EU:C:2018:246, n.o 47).

69      Mais precisamente, em caso de adoção de tais critérios, os Estados‑Membros devem ter em conta que a aplicação do procedimento relativo aos requisitos gerais de informação, previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 1013/2006, constitui uma derrogação à aplicação do procedimento geral prévio de notificação e consentimento escrito, previsto no artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento. Por conseguinte, o artigo 3.o, n.o 2, do referido regulamento, bem como, nomeadamente, o seu anexo III‑A, que precisa o alcance desta última disposição, devem, em princípio, ser objeto de interpretação restritiva.

70      Importa, aliás, salientar, a este respeito, que o ponto 1 desse anexo III‑A visa, precisamente, assegurar uma aplicação do procedimento relativo aos requisitos gerais de informação, previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 1013/2006, limitado ao que é necessário para alcançar os objetivos prosseguidos por este regulamento, na medida em que a transferência de misturas de resíduos, em aplicação desse procedimento, só é efetuada quando não exista um perigo importante para o ambiente e para a saúde humana, em conformidade com o objetivo visado no artigo 191.o, n.o 2 TFUE, que consiste em atingir um nível de proteção elevado do ambiente, bem como dos princípios da precaução e da ação preventiva nos quais se baseia a política da União neste domínio.

71      A este respeito, o considerando 39 do Regulamento n.o 1013/2006 pode constituir um elemento que pode servir de base para estabelecer critérios que levem em conta o tipo de compostos interferentes, as propriedades dos resíduos que incluem compostos interferentes e a sua eventual perigosidade, a quantidade desses compostos e a tecnologia disponível, como salientou a advogada‑geral no n.o 59 das suas conclusões.

72      Neste contexto, a adoção de critérios, que determinam as circunstâncias em que a presença de compostos interferentes numa mistura de resíduos impede que essa mistura possa ser valorizada de forma ambientalmente correta, é suscetível de permitir que as autoridades nacionais competentes e os operadores económicos saibam antecipadamente se a transferência, no interior da União, de uma mistura de resíduos pode ser efetuada com base no procedimento relativo aos requisitos gerais de informação, fixado no artigo 18.o do Regulamento n.o 1013/2006, o que contribui para garantir uma maior segurança jurídica e a plena eficácia desse procedimento.

73      Todavia, importa salientar, por um lado, que, na falta de tais critérios, as autoridades nacionais competentes têm a possibilidade de efetuar uma apreciação casuística, a fim de garantir, no respeito dos objetivos prosseguidos por este regulamento, uma aplicação eficaz do mesmo, que tenha em conta o facto de o referido regulamento prever expressamente a possibilidade de aplicar o procedimento de informação previsto no seu artigo 18.o a misturas de resíduos.

74      Por outro lado, se as autoridades nacionais competentes tiverem dúvidas quanto à possibilidade de a mistura de resíduos em causa poder ser valorizada de forma ambientalmente correta, na aceção do ponto 1, alínea b), do anexo III‑A deste regulamento, essas autoridades devem, a fim de garantir um nível adequado de proteção do ambiente e da saúde humana, aplicar o procedimento geral prévio de notificação e consentimento escrito, previsto no artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento.

75      Por último, importa sublinhar que, como salientou a advogada‑geral no n.o 74 das suas conclusões, até que exista uma iniciativa legislativa para estabelecer critérios comuns relativos ao tipo e à taxa de contaminação toleráveis das misturas de resíduos por compostos interferentes, critérios esses que permitiriam uma aplicação uniforme, em toda a União, da condição imposta no ponto 1, alínea b), desse anexo, o artigo 28.o, n.o 2, deste regulamento pode ser aplicável. Segundo esta disposição, quando as autoridades do Estado‑Membro de expedição e as do Estado‑Membro de destino não chegarem a acordo quanto à classificação de um carregamento de resíduos e, assim, à possibilidade de aplicar o procedimento relativo aos requisitos gerais de informação, previsto no artigo 18.o do referido regulamento, os resíduos em causa são considerados como resíduos enumerados no anexo IV do mesmo regulamento. Estão, portanto, sujeitos ao procedimento prévio de notificação e consentimento escrito, previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1013/2006.

76      No caso em apreço, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta os elementos de análise acima enunciados, determinar se, no processo principal, a presença de compostos interferentes na mistura de resíduos em causa implica que, tendo em conta os requisitos decorrentes do ponto 1 do anexo III‑A do Regulamento n.o 1013/2006, essa mistura não pode ser classificada na lista de misturas de resíduos que figura nesse anexo e não pode, por conseguinte, ser sujeita, em aplicação do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), desse regulamento, aos requisitos gerais em matéria de informações, na aceção do artigo 18.o do referido regulamento.

77      Atendendo a todas considerações precedentes, há que responder do seguinte modo às questões submetidas:

–        o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1013/2006 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma mistura de resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel, relativamente aos quais cada tipo de resíduo é abrangido por um dos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção de Basileia, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, desse regulamento, e que contém compostos interferentes até 10 %;

–        o artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a essa mistura de resíduos desde que, por um lado, essa mistura não contenha matérias abrangidas pelo quarto travessão da rubrica B3020 do anexo IX desta convenção, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, desse regulamento, e, por outro, que estejam preenchidas as condições que figuram no ponto 1 do anexo III‑A do referido regulamento, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

78      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2002 da Comissão, de 10 de novembro de 2015, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma mistura de resíduos de papel, de painéis de cartão laminado e de produtos de papel, relativamente aos quais cada tipo de resíduo é abrangido por um dos três primeiros travessões da rubrica B3020 do anexo IX da Convenção sobre o controlo de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação, assinada em Basileia, em 22 de março de 1989, aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 93/98/CEE do Conselho, de 1 de fevereiro de 1993, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, desse regulamento, e que contém compostos interferentes até 10 %.

O artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, conforme alterado pelo Regulamento 2015/2002, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a essa mistura de resíduos desde que, por um lado, essa mistura não contenha matérias abrangidas pelo quarto travessão da rubrica B3020 do anexo IX da referida convenção, reproduzida no anexo V, parte 1, lista B, desse regulamento, e, por outro, que estejam preenchidas as condições que figuram no ponto 1 do anexo IIIA do referido regulamento, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.