Language of document : ECLI:EU:C:2010:561

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

30 de Setembro de 2010 (*)

«Política social – Igualdade de tratamento entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino – Directiva 76/207/CEE – Artigos 2.° e 5.° – Direito a uma dispensa a favor das mães que trabalham por conta de outrem – Possibilidade de gozo pela mãe ou pelo pai que trabalham por conta de outrem – Mãe que exerce uma actividade independente – Exclusão do direito à dispensa do pai que trabalha por conta de outrem»

No processo C‑104/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Espanha), por decisão de 13 de Fevereiro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Março de 2009, no processo

Pedro Manuel Roca Álvarez

contra

Sesa Start España ETT SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, P. Lindh (relatora), A. Rosas, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo espanhol, por B. Plaza Cruz, na qualidade de agente,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. van Beek e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de Maio de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 2.°, n.os 1, 3 e 4, e 5.° da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe P. M. Roca Álvarez à sua entidade empregadora, a sociedade Sesa Start España ETT SA, relativamente à recusa desta em lhe conceder uma dispensa dita «para aleitação».

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 76/207 tem a seguinte redacção:

«A presente directiva tem em vista a realização, nos Estados‑Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional, assim como no que se refere às condições de trabalho e, nas condições previstas no n.° 2, à segurança social. Este princípio será a seguir denominado por ‘princípio da igualdade de tratamento’.»

4        O artigo 2.° desta directiva dispõe:

«1.      O princípio da igualdade de tratamento, na acepção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.

[...]

3.      A presente directiva não constitui obstáculo às disposições relativas à protecção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade.

4.       A presente directiva não constitui obstáculo às medidas que tenham em vista promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, em particular às que corrijam as desigualdades de facto que afectam as oportunidades das mulheres nos domínios referidos no n.° 1 do artigo 1.°»

5        Nos termos do artigo 5.° da referida directiva:

«1.      A aplicação do princípio da igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo as condições de despedimento, implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo.

2.      Para esse efeito, os Estados‑Membros adoptarão as medidas necessárias a fim de que:

a)      Sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento;

b)      Sejam nulas, anuláveis ou possam ser revistas as disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento que figurem em convenções colectivas ou em contratos individuais de trabalho, em regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes;

c)      Sejam revistas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento quando a preocupação de protecção que as inspirou na origem tenha deixado de ter fundamento; e que, no que se refere às disposições convencionais da mesma natureza, os parceiros sociais sejam convidados a proceder às desejáveis revisões.»

6        A Directiva 76/207 foi alterada pela Directiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002 (JO L 269, p. 15), e revogada pela Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional (reformulação) (JO L 204, p. 23).

 Legislação nacional

7        Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Lei 8/1980 relativa ao estatuto dos trabalhadores (Estatuto de los trabajadores), de 10 de Março de 1980, na versão resultante do Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de Março de 1995 (BOE n.° 75, de 29 de Março de 1995, p. 9654, a seguir «estatuto dos trabalhadores»), aplica‑se aos trabalhadores que prestam voluntariamente serviços por conta de outrem mediante remuneração, no âmbito da organização e sob a direcção de outra pessoa singular ou colectiva designada «entidade empregadora».

8        O artigo 1.°, n.° 3, do estatuto dos trabalhadores esclarece que qualquer actividade exercida no âmbito de uma relação diferente da definida no artigo 1.°, n.° 1, está excluída do âmbito de aplicação deste estatuto.

9        O artigo 37.°, n.° 4, do mesmo estatuto prevê a concessão de uma dispensa dita «para aleitação». Na versão em vigor à data da interposição do recurso no processo principal, esta disposição tinha a seguinte redacção:

«As trabalhadoras têm direito a uma hora de dispensa do trabalho para aleitação de um filho menor de nove meses, podendo dividi‑la em duas fracções. A mulher poderá, se assim o quiser e para esse mesmo efeito, substituir esse direito por uma redução da jornada de trabalho em meia hora. A dispensa poderá ser gozada indistintamente pela mãe ou pelo pai, no caso de ambos trabalharem.»

10      Esta disposição foi alterada pela Lei orgânica 3/2007 relativa à igualdade efectiva entre homens e mulheres (ley orgánica de Igualdad efectiva de mujeres y hombres), de 22 de Março de 2007 (BOE n.° 71, de 23 de Março de 2007, p. 12611), isto é, posteriormente aos factos em causa no processo principal. A sua redacção é agora a seguinte:

«As trabalhadoras têm direito a uma hora de dispensa do trabalho para aleitação de um filho menor de nove meses, podendo dividi‑la em duas fracções. A duração da dispensa aumenta proporcionalmente no caso de parto múltiplo.

Para esse mesmo fim, a mulher pode decidir substituir esse direito por uma redução da jornada de trabalho em meia hora ou acumulá‑lo em jornadas completas, nos termos previstos na convenção colectiva ou no acordo celebrado com a entidade empregadora respeitando, se for caso disso, o disposto nessa convenção colectiva.

Esta dispensa pode ser gozada indistintamente pela mãe ou pelo pai, no caso de ambos trabalharem.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      P. M. Roca Álvarez é trabalhador por conta da Sesa Start España ETT SA desde Julho de 2004. Em 7 de Março de 2005, pediu à sua entidade empregadora que lhe fosse reconhecido o direito a beneficiar da dispensa prevista no artigo 37.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores relativamente ao período de 4 de Janeiro de 2005 a 4 de Outubro de 2005. Esta dispensa foi‑lhe recusada pelo facto de a mãe do seu filho não exercer uma actividade por conta de outrem, sendo trabalhadora independente. Ora, o exercício de uma actividade por conta de outrem pela mãe era essencial para beneficiar da referida dispensa.

12      P. M. Roca Álvarez impugnou a decisão da sua entidade empregadora no Juzgado de lo Social de A Coruña. Este órgão jurisdicional considerou que, na medida em que a dispensa reclamada está reservada às «trabalhadoras», a mesma é concedida exclusivamente às mães. Além disso, este direito à dispensa é conferido às mães que trabalham por conta de outrem, condição que a mãe do filho de P. M. Roca Álvarez não satisfaz. Consequentemente, o seu pedido foi julgado improcedente.

13      P. M. Roca Álvarez interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Superior de Justicia de Galicia.

14      Este órgão jurisdicional considera que a legislação nacional foi correctamente interpretada. Verifica, contudo, que a dispensa prevista nessa legislação foi desligada do facto biológico da aleitação natural, de forma que pode ser considerada como um simples tempo de dedicação ao filho. Salienta também que existe um outro mecanismo de protecção da trabalhadora por conta de outrem em caso de «risco durante a aleitação natural». Observa ainda que, actualmente, a legislação em causa admite o gozo ou a fruição dessa dispensa tanto pelo pai como pela mãe, mas apenas no caso de «ambos trabalharem», e, por conseguinte, só se a mãe trabalhar por conta de outrem e gozar, portanto, a esse título, do direito à dispensa para aleitação é que o pai poderá beneficiar dessa licença em vez da mãe.

15      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esse direito à dispensa não deve ser conferido tanto aos homens como às mulheres e se o facto de estar reservado às mulheres trabalhadoras por conta de outrem e aos pais dos seus filhos não constitui uma medida discriminatória contrária ao princípio da igualdade de tratamento e à Directiva 76/207.

16      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a dispensa prevista no artigo 37.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores se traduz sobretudo numa «licença parental» na acepção da Directiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de Junho de 1996, relativa ao Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO L 145, p. 4).

17      Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma lei nacional (concretamente, o artigo 37.°, n.° 4, do [e]statuto dos [t]rabalhadores) que reconhece exclusivamente às mães que trabalhem por conta de outrem a titularidade do direito a uma dispensa remunerada para aleitação, que consiste numa redução da jornada de trabalho em meia hora ou numa ausência do trabalho durante uma hora que pode ser dividida em duas fracções, de carácter voluntário e remunerado pela entidade patronal até a criança cumprir a idade de nove meses, e que não reconhece essa titularidade aos pais trabalhadores por conta de outrem viola o princípio da igualdade de tratamento, que impede qualquer discriminação em razão do sexo, consagrado no artigo 13.° [CE], na Directiva 76/207[…] e na Directiva 2002/73[…]?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à Directiva 76/207

18      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 76/207 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que os trabalhadores do sexo feminino, mães de uma criança e com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, podem beneficiar de uma dispensa, segundo diversas modalidades, durante os primeiros nove meses que se seguem ao nascimento dessa criança ao passo que os trabalhadores do sexo masculino, pais de uma criança e com o mesmo estatuto, só podem beneficiar da mesma dispensa se a mãe da criança tiver também o estatuto de trabalhadora por conta de outrem.

19      Segundo o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 76/207, esta tem em vista a realização, nos Estados‑Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere, nomeadamente, às condições de trabalho.

20      Este princípio é precisado nos artigos 2.° e 5.° desta directiva. O dito artigo 2.°, n.° 1, enuncia que o princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar. O artigo 5.°, n.° 1, da mencionada directiva prevê que a aplicação desse princípio no que se refere às condições de trabalho implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo.

21      Deve observar‑se que a medida em causa no processo principal prevê que a dispensa dita «para aleitação» assume em concreto a forma de uma autorização de ausência durante a jornada de trabalho ou da sua redução. Esta tem como efeito alterar os horários de trabalho. Consequentemente, afecta as «condições de trabalho» na acepção do artigo 5.° da Directiva 76/207 (v., neste sentido, acórdão de 20 de Março de 2003, Kutz‑Bauer, C‑187/00, Colect., p. I‑2741, n.os 44 e 45).

22      Por outro lado, esta medida reserva, em princípio, o direito à dispensa em causa no processo principal às mães das crianças, pois o pai de uma criança só pode beneficiar dessa dispensa se ambos os pais tiverem o estatuto de trabalhador por conta de outrem.

23      Daqui resulta que as mães com o estatuto de trabalhador por conta de outrem podem beneficiar sempre da dispensa dita «para aleitação», ao passo que os pais com o estatuto de trabalhador por conta de outrem só podem beneficiar dessa dispensa se a mãe do seu filho também tiver esse estatuto. Assim, a qualidade de progenitor não basta para permitir aos homens com o estatuto de trabalhador por conta de outrem beneficiarem da dispensa, apesar de essa qualidade bastar para as mulheres com igual estatuto.

24      Ora, as situações de um trabalhador masculino e de um trabalhador feminino, respectivamente pai e mãe de filhos de tenra idade, são equiparáveis tendo em conta a necessidade em que ambos se podem encontrar de ter de reduzir o seu tempo de trabalho diário para se ocuparem desse filho (v., por analogia, no que se refere à situação dos trabalhadores masculinos e femininos que assumem a educação dos seus filhos, acórdão de 29 de Novembro de 2001, Griesmar, C‑366/99, Colect., p. I‑9383, n.° 56, e, no que se refere à situação desses trabalhadores relativamente ao recurso a serviços de infantários, acórdão de 19 de Março de 2002, Lommers, C‑476/99, Colect., p. I‑2891, n.° 30).

25      Deve assim observar‑se que a medida em causa no processo principal estabelece uma diferença de tratamento em razão do sexo, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 76/207, entre as mães com o estatuto de trabalhador por conta de outrem e os pais com esse mesmo estatuto.

26      Relativamente à justificação dessa diferença de tratamento, o artigo 2.°, n.os 3 e 4, da Directiva 76/207 esclarece que esta não constitui obstáculo às disposições relativas à protecção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade, nem às medidas que tenham em vista promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, em particular às que corrijam as desigualdades de facto que afectam as oportunidades das mulheres no que diz respeito às condições de trabalho.

27      No que se refere, em primeiro lugar, à protecção da gravidez e da maternidade, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que, ao reservar aos Estados‑Membros o direito de manterem ou de adoptarem disposições destinadas a assegurar essa protecção, o artigo 2.°, n.° 3, da Directiva 76/207 reconhece a legitimidade, à luz do princípio da igualdade de tratamento entre os sexos, por um lado, da protecção da condição biológica da mulher durante a sua gravidez e na sequência desta e, por outro, da protecção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período a seguir ao parto (v. acórdãos de 12 de Julho de 1984, Hofmann, 184/83, Recueil, p. 3047, n.° 25; de 14 de Julho de 1994, Webb, C‑32/93, Colect., p. I‑3567, n.° 20; de 30 de Junho de 1998, Brown, C‑394/96, Colect., p. I‑4185, n.° 17; e de 1 de Fevereiro de 2005, Comissão/Áustria, C‑203/03, Colect., p. I‑935, n.° 43).

28      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a dispensa prevista no artigo 37.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores foi inicialmente instituída em 1900, para permitir a aleitação natural pela mãe. A evolução da legislação desligou a dispensa dessa finalidade ao deixar de se referir à aleitação natural. Além disso, a jurisprudência aceita desde há vários anos que o benefício dessa dispensa seja concedido mesmo em casos de aleitação artificial. Esse órgão jurisdicional observa que a dispensa foi desligada do facto biológico da aleitação e que agora é considerada um simples tempo de dedicação ao filho e uma medida de conciliação entre a vida familiar e a vida profissional na sequência da licença de maternidade.

29      O facto de a evolução da legislação nacional e a sua interpretação jurisprudencial terem paulatinamente desligado a concessão da dispensa dita «para aleitação» do facto biológico da aleitação natural não permite considerar que esta medida assegura a protecção da condição biológica da mulher no seguimento da sua gravidez, na acepção da jurisprudência referida no n.° 27 do presente acórdão. Com efeito, como resulta da decisão de reenvio, a dispensa em causa no processo principal pode ser gozada indistintamente pela mãe ou pelo pai, desde que este tenha também a qualidade de trabalhador por conta de outrem.

30      Esta situação distingue‑se da que deu origem ao acórdão Hofmann, já referido, em que a legislação nacional em causa previa a concessão de uma licença de maternidade suplementar, no termo do prazo de protecção, e reservava essa licença à mãe, com exclusão de qualquer outra pessoa (v. acórdão Hofmann, já referido, n.° 26).

31      O facto de a dispensa em causa no processo principal poder ser gozada indistintamente pelo pai trabalhador por conta de outrem ou pela mãe trabalhadora por conta de outrem implica que a alimentação e o tempo de dedicação ao filho possam ser assegurados tanto pelo pai como pela mãe. Esta dispensa parece, consequentemente, ser concedida aos trabalhadores na sua qualidade de progenitores da criança. Não pode, assim, ser considerada como permitindo assegurar a protecção da condição biológica da mulher na sequência da gravidez ou a protecção das relações especiais entre a mãe e o seu filho.

32      No que se refere, em segundo lugar, à promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e à redução das desigualdades de facto que afectam as oportunidades das mulheres no domínio das condições de trabalho, o Governo espanhol alega, nas suas observações, que o objectivo prosseguido ao reservar às mães o benefício da dispensa em causa no processo principal é compensar as desigualdades efectivas que as mulheres sofrem, relativamente aos homens, no que respeita à manutenção do seu emprego a seguir ao nascimento de um filho. Este governo considera que é mais difícil às mães de filhos de tenra idade integrar o mundo do trabalho ou nele permanecer.

33      Resulta de jurisprudência assente que o artigo 2.°, n.° 4, da Directiva 76/207 tem como finalidade precisa e limitada autorizar medidas que, embora na aparência discriminatórias, visem efectivamente eliminar ou reduzir as desigualdades de facto que possam existir na realidade da vida social. Esta disposição autoriza medidas nacionais no domínio do acesso ao emprego, incluindo a promoção, que, favorecendo especialmente as mulheres, têm como finalidade melhorar a sua capacidade de competir no mercado de trabalho e de prosseguir uma carreira em pé de igualdade com os homens (v. acórdãos de 17 de Outubro de 1995, Kalanke, C‑450/93, Colect., p. I‑3051, n.os 18 e 19; de 11 de Novembro de 1997, Marschall, C‑409/95, Colect., p. I‑6363, n.os 26 e 27; de 28 de Março de 2000, Badeck e o., C‑158/97, Colect., p. I‑1875, n.° 19; e Lommers, já referido, n.° 32).

34      O referido artigo 2.°, n.° 4, visa conduzir a uma igualdade substancial e não formal, reduzindo as desigualdades de facto que podem surgir na vida social e, assim, prevenir ou compensar, em conformidade com o artigo 157.°, n.° 4, TFUE, desvantagens na carreira profissional das pessoas em causa (v., neste sentido, acórdãos Kalanke, já referido, n.° 19; de 6 de Julho de 2000, Abrahamsson e Anderson, C‑407/98, Colect., p. I‑5539, n.° 48; e de 30 de Setembro de 2004, Briheche, C‑319/03, Colect., p. I‑8807, n.° 25).

35      Como já foi referido no n.° 21 do presente acórdão, a dispensa em causa no processo principal assume a forma de uma autorização de ausência durante a jornada de trabalho ou da sua redução. Não há dúvida de que uma tal medida pode ter por efeito favorecer as mulheres ao permitir às mães com o estatuto de trabalhador por conta de outrem manterem o emprego ao mesmo tempo que dedicam tempo aos seus filhos. Este efeito é reforçado pelo facto de que, se o pai da criança tiver ele próprio o estatuto de trabalhador por conta de outrem, pode beneficiar da dispensa em vez da mãe, a qual não sofrerá consequências nefastas no seu emprego devido aos cuidados e à atenção dispensados ao seu filho.

36      Contudo, o facto de se considerar, como defende o Governo espanhol, que só a mãe com estatuto de trabalhador por conta de outrem é titular do direito a beneficiar da dispensa em causa no processo principal, ao passo que o pai com o mesmo estatuto só pode gozar esse direito sem dele ser titular, contribui sobretudo para perpetuar uma distribuição tradicional das funções entre homens e mulheres deixando os homens num papel subsidiário relativamente às mulheres no que respeita ao exercício da sua função parental (v., neste sentido, acórdão Lommers, já referido, n.° 41).

37      Como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, a circunstância de recusar o beneficio da dispensa em causa no processo principal aos pais com estatuto de trabalhador por conta de outrem, pelo simples facto de a mãe da criança não ter esse estatuto, pode ter por efeito que uma mulher, como a mãe do filho de P. M. Roca Álvarez, que exerce uma actividade independente, seja obrigada a restringir a sua actividade profissional e a suportar sozinha o encargo resultante do nascimento do seu filho sem poder receber uma ajuda do pai da criança.

38      Por conseguinte, uma medida como a que está em causa no processo principal não constitui uma medida que tem por efeito eliminar ou reduzir as desigualdades de facto que podem existir, para as mulheres, na realidade da vida social, na acepção do artigo 2.°, n.° 4, da Directiva 76/207, nem uma medida que visa conduzir a uma igualdade substancial e não formal, corrigindo as desigualdades de facto que podem surgir na vida social, e, assim, prevenir ou compensar, nos termos do artigo 157.°, n.° 4, TFUE, desvantagens na carreira profissional das pessoas em causa.

39      Resulta do conjunto destas considerações que os artigos 2.°, n.os 1, 3 e 4, e 5.° da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma medida nacional como a que está em causa no processo principal que prevê que os trabalhadores do sexo feminino, mães de uma criança e com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, podem beneficiar de uma dispensa, segundo diversas modalidades, durante os primeiros nove meses que se seguem ao nascimento dessa criança ao passo que os trabalhadores do sexo masculino, pais de uma criança e com o mesmo estatuto, só podem beneficiar dessa mesma dispensa se a mãe da criança tiver também o estatuto de trabalhador por conta de outrem.

 Quanto às Directivas 2002/73 e 96/34

40      Relativamente à Directiva 2002/73, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta directiva, que alterou a Directiva 76/207, deve ser interpretada no sentido de que se opõe à medida em causa no processo principal.

41      Apesar de a Directiva 2002/73 ter entrado em vigor no dia da sua publicação, a sua transposição devia ocorrer o mais tardar até 5 de Outubro de 2005, isto é, numa data posterior aos factos em causa no processo principal. Consequentemente, não é aplicável ratione temporis a estes factos. Em qualquer caso, na hipótese de ser a Directiva 76/207, conforme alterada pela Directiva 2002/73, a aplicável ratione temporis, isso não alteraria a interpretação dada no n.° 39 do presente acórdão.

42      Relativamente à Directiva 96/34, cumpre salientar que, nas suas observações, a Comissão das Comunidades Europeias considera que a medida em causa no processo principal é contrária a esta directiva.

43      Contudo, na falta de esclarecimentos na decisão de reenvio sobre o conteúdo da legislação nacional em matéria de licença parental e na falta de um pedido expresso nesse sentido, não há que interpretar a Directiva 96/34.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Os artigos 2.°, n.os 1, 3 e 4, e 5.° da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma medida nacional como a que está em causa no processo principal que prevê que os trabalhadores do sexo feminino, mães de uma criança e com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, podem beneficiar de uma dispensa, segundo diversas modalidades, durante os primeiros nove meses que se seguem ao nascimento dessa criança ao passo que os trabalhadores do sexo masculino, pais de uma criança e com o mesmo estatuto, só podem beneficiar dessa mesma dispensa se a mãe da criança tiver também o estatuto de trabalhador por conta de outrem.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.