Language of document : ECLI:EU:T:2000:95

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

30 de Março de 2000 (1)

«Marca comunitária - Palavra OPTIONS - Motivo absoluto de recusa - Ausência de carácter distintivo - Artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 40/94 - Aquisição pela utilização numa parte da Comunidade»

No processo T-91/99,

Ford Motor Company, com sede em Dearborn, Michigan (Estados Unidos), representada por A. J. Tweedale Willoughby, bem como, na audiência, por B. H. E. Halliday, solicitors em Londres, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loeff, Claeys e Verbeke, 58, rue Charles Martel,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por F. López de Rego, chefe do Serviço Jurídico e Contencioso, e A. Di Carlo, membro do Serviço Jurídico, bem como, na audiência, por A. von Mühlendahl, vice-presidente encarregado dos assuntos jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico da Comissão, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto Europeu de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 11 de Fevereiro de 1999 (processo R 150/98-2), que recusou o registo como marca comunitária da palavra OPTIONS,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: V. Tiili, presidente, R. M. Moura Ramos e P. Mengozzi, juízes,

secretário: G. Herzig, administrador,

vista a petição inicial entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Abril de 1999,

vista a contestação entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Julho de 1999,

após a audiência de 2 de Dezembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Nos termos do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na sua actual redacção:

«1. Será recusado o registo:

...

b)    De marcas desprovidas de carácter distintivo,

c)    De marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes;

d)    De marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se tenham tornado habituais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.

...

2. O n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade.

3. As alíneas b), c) e d) do n.° 1 não são aplicáveis se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um carácter distintivo para os produtos ou serviços para os quais foi pedido o registo.»

Antecedentes do litígio

2.
    Em 29 de Março de 1996, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»).

3.
    A marca cujo registo é pedido é a palavra OPTIONS. Os serviços para os quais o registo foi pedido eram, inicialmente, todos os serviços compreendidos na «classe 36», na acepção do acordo de Nice relativo à classificação internacional dos produtos e serviços, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado. Posteriormente, em 27 de Agosto de 1996, a especificação passou a ter a seguinte redacção: «serviços de seguros, de garantia, financiamentos, de venda a crédito e de locação com opção de compra».

4.
    Por decisão de 9 de Julho de 1998, o examinador indeferiu o pedido nos termos do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94. O examinador baseou a sua decisão na circunstância de a palavra OPTIONS não ter carácter distintivo em inglês e em francês.

5.
    Em 9 de Setembro de 1998, a recorrente interpôs recurso para o Instituto, de acordo com o disposto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, da decisão do examinador. O memorando em que se apresentavam os fundamentos do recurso foi apresentado em 9 de Novembro de 1998. Nos fundamentos do recurso, a recorrente apresentou elementos destinados a provar que a marca OPTIONS tinha sido utilizada na prestação dos serviços em causa na Bélgica, Dinamarca, Países Baixos, Portugal, Suécia e Reino Unido. Contudo, a utilização da mesma nunca foi invocada no que respeita à França.

6.
    Foi negado provimento ao recurso por decisão de 11 de Fevereiro de 1999 da Segunda Câmara de Recurso do Instituto (a seguir «decisão impugnada»), que foi notificada à recorrente em 15 de Fevereiro de 1999. Na decisão, a Câmara de Recurso considerou que, mesmo que a marca OPTIONS se tenha tornado distintivaatravés da utilização no Reino Unido, como a recorrente afirma, a mesma não possui, por si só, carácter distintivo em França. A Câmara decidiu, assim, negar provimento ao recurso, com fundamento no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, salientando que nenhuma utilização da marca tinha sido invocada nesse país.

Pedidos das partes

7.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar o Instituto nas despesas;

-    adoptar todas as medidas que o Tribunal entenda úteis.

8.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

Argumentos das partes

9.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca um único fundamento, assente na violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94. Alega que esta disposição deve prevalecer sobre o n.° 2 do mesmo artigo, pelo menos quando o carácter distintivo adquirido através da utilização possa ser demonstrado numa parte substancial da Comunidade Europeia, incluindo um «país maior» como, no presente caso, o Reino Unido.

10.
    Em primeiro lugar, a recorrente admite que, na ausência de prova da utilização da marca, uma marca que tenha carácter descritivo apenas numa parte da Comunidade não pode ser registada por força do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), tendo em conta a aplicação do artigo 7.°, n.° 2. Contudo, afirma que o artigo 7.°, n.° 2, não constitui, enquanto tal, um motivo de recusa do registo, antes se limitando a esclarecer o alcance do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c).

11.
    Em segundo lugar, afirma que basta que o carácter distintivo da marca seja adquirido pela utilização numa parte apenas da Comunidade para que o artigo 7.°, n.° 3, se aplique. Ora, ao contrário do artigo 7.°, n.° 2, o n.° 3 do mesmo artigo não se limita a reger a aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), mas, em determinadas circunstâncias, prevalece sobre a referida disposição. Consequentemente, e ao contrário do que parece ser a prática seguida peloInstituto até ao presente, quando esteja demonstrado que uma marca adquiriu carácter distintivo pela utilização numa parte substancial da Comunidade, a marca deve ser admitida a registo.

12.
    No que respeita à amplitude com que o carácter distintivo foi adquirido pela utilização, a recorrente refere que nem o artigo 7.°, n.° 3, nem qualquer outra disposição do Regulamento n.° 40/94 dispõem que o referido carácter deve ser demonstrado no conjunto da Comunidade. Bastará, assim, que esse carácter seja adquirido numa parte substancial da Comunidade. No caso concreto, o referido carácter distintivo foi demonstrado no Reino Unido e em determinados outros Estados da Comunidade.

13.
    A este respeito, a recorrente esclarece que ela própria ou as suas filiais registaram a marca OPTIONS na Irlanda e no Reino Unido para serviços abrangidos pela classe 36 na acepção do acordo de Nice, acima referido. O registo no Reino Unido foi obtido mediante a justificação do carácter distintivo adquirido neste Estado-Membro. Por outro lado, a marca está registada em cursivo na Dinamarca e no Reino Unido. Por último, a marca OPTIONS está registada no Benelux como marca nominal.

14.
    A recorrente alega que a prova do registo de uma marca idêntica no Reino Unido e na Irlanda é, por si só, bastante para refutar as objecções ao registo baseadas no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94.

15.
    O Instituto afirma, em primeiro lugar, que subscreve a opinião da recorrente segundo a qual o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 não constitui, em si mesmo, um motivo independente de recusa, mas orienta simplesmente a aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), e só clarifica o alcance destas disposições. Contudo, considera que o simples facto de a decisão ter citado o artigo 7.°, n.° 2, não significa que a Câmara de Recurso tenha considerado que apenas esta disposição constitua motivo de recusa.

16.
    O Instituto recorda que a Câmara de Recurso indeferiu o registo da marca devido à ausência de carácter distintivo da mesma e ao seu carácter descritivo, motivos referidos, respectivamente, no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94. Com base apenas nestas considerações, a Câmara referiu-se ao n.° 2 do mesmo artigo para concluir que estes motivos absolutos de recusa - verificados numa parte da Comunidade, isto é, a França - eram suficientes para não ser admitido o registo solicitado.

17.
    Consequentemente, o recorrido afirma que a decisão impugnada foi adoptada correctamente com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94 conjugado com o n.° 2 do mesmo artigo.

18.
    Em segundo lugar, o recorrido afirma que, quando a recusa de registo de uma marca comunitária tem por fundamento a ausência de carácter distintivo e o carácter descritivo de uma marca numa parte da Comunidade, a contestação da recusa do registo, com base no carácter distintivo adquirido pela utilização previsto no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, pressupõe a demonstração da aquisição pela utilização do carácter distintivo na parte da Comunidade onde o mesmo foi negado. Se o motivo de recusa estiver presente em toda a Comunidade, deve ser demonstrado que o carácter distintivo adquirido existe em toda a Comunidade.

19.
    Afirma que, no caso contrário, o registo de uma marca constituiria uma ofensa significativa ao princípio do carácter unitário da marca comunitária tal como está expressamente estabelecido no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94. Este princípio desempenha um papel fundamental no sistema da marca comunitária, que se baseia num ordenamento jurídico separado e independente dos sistemas de marcas nacionais. A este respeito, o Instituto salienta também que não existe qualquer excepção ao carácter unitário das marcas comunitárias no que respeita aos motivos absolutos de recusa.

20.
    No presente processo, o recorrido pede que seja negado provimento ao recurso pelo facto de a recorrente, por um lado, não invocar nem aquisição de carácter distintivo, nem mesmo a utilização da marca nas partes francófonas da Comunidade e, por outro, reconhecer que a marca OPTIONS não tem carácter distintivo e que, em qualquer caso, tem carácter descritivo em francês e inglês.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

21.
    A recorrente afirma que, quando o carácter distintivo de uma marca tenha sido adquirido pela utilização nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, embora esta aquisição tenha tido lugar apenas numa parte substancial da Comunidade, o Instituto é obrigado a registar a marca em causa, sem se poder opor ao registo com base nas regras dos n.os 1, alíneas b), c) e d), e 2 do mesmo artigo.

22.
    Esta tese não pode ser aceite.

23.
    Deve recordar-se que, nos termos do segundo considerando do Regulamento n.° 40/94, o regime comunitário de marcas confere às empresas o direito de adquirirem, segundo um procedimento único, marcas comunitárias que gozem de protecção uniforme e produzam efeitos em todo o território da Comunidade, e que o princípio do carácter unitário da marca comunitária assim definido é aplicável salvo disposição em contrário do mesmo regulamento. O mesmo princípio consta do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, que dispõe que a marca comunitária tem «carácter unitário», o que implica que a mesma «produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade».

24.
    Consequentemente, para ser admitido a registo, um sinal deve possuir carácter distintivo em toda a Comunidade. Esta exigência, ao permitir que os consumidores distingam os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94, é essencial para que o referido sinal possa desempenhar a função de uma marca comunitária na vida económica.

25.
    Uma aplicação expressa do princípio do carácter unitário da marca comunitária encontra-se no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, que prevê que será recusado o registo de uma marca «mesmo que os motivos de recusa [constantes do n.° 1 do mesmo artigo] apenas existam numa parte da Comunidade».

26.
    O artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, deve ser lido à luz do referido princípio.

27.
    Nesta perspectiva, para que seja aceite o registo de uma marca nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o carácter distintivo adquirido pela utilização da referida marca deve ser demonstrado na parte substancial da Comunidade onde a mesma o não tem nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b), c) e d), do referido regulamento.

28.
    No presente processo, a recorrente não contestou a ausência de carácter distintivo da palavra OPTIONS na língua francesa. Também não afirmou que a marca OPTIONS foi objecto de uma utilização que lhe permitisse adquirir carácter distintivo numa parte substancial da Comunidade, no caso presente a França.

29.
    Nestas condições, o Instituto não pode ser criticado por ter recusado o registo da palavra OPTIONS como marca comunitária.

30.
    Resulta de tudo o que antecede que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

31.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e o recorrido pedido a sua condenação nas despesas, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

    Tiili
Moura Ramos
            Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Março de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: inglês.