Language of document : ECLI:EU:T:2021:196

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

14 de abril de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado finlandês do transporte aéreo — Auxílio concedido pela Finlândia à Finnair no contexto da pandemia de COVID‑19 — Garantia do Estado associada a um empréstimo — Decisão de não levantar objeções — Quadro temporário das medidas de auxílio de Estado — Medida destinada a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Não ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada — Igualdade de tratamento — Liberdade de estabelecimento — Livre prestação de serviços — Dever de fundamentação»

No processo T‑388/20,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por E. Vahida, F.‑C. Laprévote, S. Rating e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Reino de Espanha, representado por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

por

República Francesa, representada por E. de Moustier e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

e por

República da Finlândia, representada por H. Leppo, na qualidade de agente,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2020) 3387 final da Comissão, de 18 de maio de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56809 (2020/N) — Finlândia COVID‑19: Garantia de Estado concedida à Finnair,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, A. Kornezov, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk e G. Hesse (relator), juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de dezembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 13 de maio de 2020, a República da Finlândia notificou à Comissão Europeia, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, uma medida de auxílio sob a forma de uma garantia do Estado a favor da Finnair, Plc.

2        A medida em causa visa ajudar a Finnair a obter, junto de um fundo de pensões, um empréstimo de 600 milhões de euros destinado a cobrir as suas necessidades em fundo de maneio. A garantia do Estado cobre 90 % do empréstimo durante um período máximo limitado a três anos. Os restantes 10 % do empréstimo são cobertos por um banco comercial em condições de mercado. A referida garantia só deve ser acionada em caso de incumprimento da Finnair para com o fundo de pensões.

3        A medida baseia‑se no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, conforme interpretado pelos pontos 2 e 3.2 da Comunicação da Comissão, de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de Covid‑19» (JO 2020, C 91 I, p. 1) e alterada em 3 de abril de 2020 (JO 2020, C 112 I, p. 1) (a seguir «quadro temporário»).

4        Em 18 de maio de 2020, a Comissão adotou a Decisão C(2020) 3387 final relativa ao auxílio de Estado SA.56809 (2020/N) — Finlândia COVID‑19: Garantia do Estado concedida à Finnair, mediante a qual decidiu não levantar objeções à medida em causa, com o fundamento de que era compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, conforme interpretado pelo quadro temporário (a seguir «decisão impugnada»).

5        Nessa decisão, a Comissão considerou que a medida em causa constituía um auxílio de Estado à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (n.os 30 a 35 da decisão impugnada). No que respeita à compatibilidade desse auxílio com o mercado interno, a Comissão começou por considerar que o cenário apresentado pelas autoridades finlandesas, relativo à escassez de liquidez com que a Finnair se ia deparar, era realista. Seguidamente, salientou que a Finnair tinha tentado obter um financiamento dos mercados de crédito, mas não tinha podido cobrir todas as suas necessidades de liquidez. Em particular, em 29 de abril de 2020, a Finnair tinha anunciado que o seu conselho de administração decidira preparar uma recapitalização (emissão de ações), devido às perdas causadas pelo aparecimento da COVID‑19 que tinham afetado os seus capitais próprios. A Comissão salientou, nomeadamente, que, no momento da adoção da decisão impugnada, o montante da oferta ascendia aproximadamente a 500 milhões de euros e que não era seguro que a referida operação fosse bem-sucedida (n.os 40 a 44 da decisão impugnada). Por último, a Comissão concluiu que, tendo em conta a importância da Finnair para a economia finlandesa, a medida em causa era necessária, adequada e proporcionada para sanar uma perturbação grave da economia deste Estado‑Membro (n.os 45 a 52 da decisão impugnada). Verificou igualmente se a medida em causa cumpria todas as condições relevantes do quadro temporário e constatou que era esse o caso (n.o 53 da decisão impugnada).

 Factos posteriores à interposição do recurso

6        Em 29 de julho de 2020, após a interposição do recurso, a Comissão retificou a decisão impugnada através da Decisão C(2020) 5339 final, intitulada «Retificação da Decisão C(2020) 3387 final, de 18 de maio de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56809 (2020/N) — Finlândia COVID‑19: Garantia de Estado concedida à Finnair». A decisão impugnada, na sua versão corrigida, foi publicada no sítio Internet da Comissão em 31 de julho de 2020.

 Tramitação processual e pedidos das partes

7        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de junho de 2020, a recorrente, Ryanair DAC, interpôs o presente recurso.

8        Por requerimento apresentado na Secretaria Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que julgasse o presente recurso seguindo uma tramitação acelerada, em conformidade com os artigos 151.o e 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

9        Em 6 de julho de 2020, a Comissão pediu a suspensão do processo até prolação da decisão que põe fim à instância nos processos T‑238/20 e T‑259/20, ao que a recorrente se opôs, em 9 de julho de 2020. Por Decisão de 10 de julho de 2020, o presidente da Décima Secção do Tribunal Geral indeferiu o pedido de suspensão da Comissão.

10      Por Decisão de 15 de julho de 2020, o Tribunal Geral (Décima Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada.

11      Sob proposta da Décima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

12      A Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de julho de 2020.

13      Nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a recorrente apresentou, em 13 de agosto de 2020, um pedido fundamentado de realização de uma audiência de alegações.

14      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de setembro de 2020, o Reino de Espanha pediu autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de setembro de 2020, a recorrente pediu, nos termos do artigo 144.o, n.o 7, do Regulamento de Processo, que certos dados contidos na petição e na sua versão resumida não fossem comunicados ao Reino de Espanha. A recorrente juntou uma versão não confidencial da petição, da versão resumida da petição e dos seus anexos.

15      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de setembro de 2020, a República da Finlândia pediu autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de outubro de 2020, a recorrente pediu, nos termos do artigo 144.o, n.o 7, do Regulamento de Processo, que os dados referidos no n.o 14, supra, não fossem comunicados à República da Finlândia.

16      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de setembro de 2020, a República Francesa pediu autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de outubro de 2020, a recorrente pediu, nos termos do artigo 144.o, n.o 7, do Regulamento de Processo, que os dados referidos no n.o 14, supra, não fossem comunicados à República Francesa.

17      Por Despacho de 14 de outubro de 2020, o presidente da Décima Secção alargada do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Reino de Espanha, da República Francesa e da República da Finlândia e limitou provisoriamente a comunicação da petição e da sua versão resumida e seus anexos às versões não confidenciais apresentadas pela recorrente, na pendência de eventuais observações daquelas partes sobre o pedido de tratamento confidencial.

18      Por medida de organização do processo de 14 de outubro de 2020, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia foram autorizados, nos termos do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a apresentar um articulado de intervenção.

19      Em 29 de outubro de 2020, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia enviaram à Secretaria do Tribunal Geral os seus articulados de intervenção, sem formular objeções aos pedidos de tratamento confidencial apresentados pela recorrente.

20      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

21      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

22      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso na sua totalidade e condenar a recorrente nas despesas.

23      A República Francesa e a República da Finlândia concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

24      Importa recordar que o juiz da União Europeia pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica negar provimento a um recurso sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.os 51 e 52, e de 14 de setembro de 2016, Trajektna luka Split/Comissão, T‑57/15, não publicado, EU:T:2016:470, n.o 84). Consequentemente, tendo em conta, em especial, as considerações que conduziram à autorização de uma tramitação acelerada do presente processo e da importância dada, tanto pela recorrente como pela Comissão, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia, a uma resposta rápida quanto ao mérito, há que começar por conhecer do mérito do recurso, sem decidir previamente da sua admissibilidade.

25      A recorrente invoca quatro fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, o segundo, à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, o terceiro, à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e o quarto, à violação do dever de fundamentação.

26      A título preliminar, importa recordar que, após a interposição do recurso, a Comissão retificou a decisão impugnada (v. n.o 6, supra). A este respeito, cabe referir que a retificação só tem por objeto erros de escrita que se referem unicamente a três dados apresentados na nota 9 da decisão impugnada (v. n.os 117 a 124, infra). A referida retificação não tem influência no objeto e no âmbito do litígio tal como fixados no recurso, pelo que não era necessária uma adaptação da petição. Incumbe ao Tribunal Geral, por uma questão de boa administração da justiça, ter em conta a referida retificação ao apreciar os fundamentos invocados pela recorrente, a fim de lhes conferir um efeito útil.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE

27      Em substância, o primeiro fundamento divide‑se em duas partes.

28      Por um lado, a recorrente alega que uma medida individual a favor da Finnair não é adequada para sanar uma perturbação grave da economia finlandesa. Sustenta que, à exceção do setor bancário, existem muito poucas decisões que autorizem uma medida baseada no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE em relação a empresas individuais. A recorrente considera igualmente que a decisão impugnada não demonstra de forma credível que o valor acrescentado ou os postos de trabalho criados pela Finnair permitam por si só concluir que a medida em causa é justificada para sanar uma perturbação grave da economia finlandesa. Assim, segundo a recorrente, ao considerar que a medida em causa sanava por si só uma perturbação grave da economia finlandesa, a Comissão cometeu um erro de direito e um erro manifesto de apreciação.

29      Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão está obrigada a ponderar os efeitos benéficos do auxílio para a realização dos objetivos enunciados no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada. A Comissão não procedeu a essa ponderação e, por conseguinte, cometeu um erro de direito e um erro manifesto de apreciação dos factos que justificam a anulação da decisão impugnada. Segundo a recorrente, o quadro temporário não dispensa a Comissão de efetuar um exercício de ponderação da medida em causa ou de qualquer outra medida de auxílio individual que lhe seja notificada. Pelo contrário, o ponto 1.2 do quadro temporário exige que a Comissão proceda a essa ponderação.

30      A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia, contesta a argumentação da recorrente.

 Quanto à primeira parte, relativa ao caráter inadequado da medida em causa para sanar uma perturbação grave da economia finlandesa

31      O artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE dispõe, nomeadamente, que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro.

32      A este respeito, cabe recordar que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE constitui uma derrogação ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, estabelecido no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, deve ser interpretado de forma estrita (v. Acórdão de 9 de abril de 2014, Grécia/Comissão, T‑150/12, não publicado, EU:T:2014:191, n.o 146, e jurisprudência aí referida). O artigo 107.o, n.o 1, TFUE estabelece que são compatíveis com o mercado interno os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros ou provenientes de recursos estatais, «independentemente da forma que assumam». Assim, cabe salientar que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE se aplica tanto aos regimes de auxílios como aos auxílios individuais.

33      Segundo a jurisprudência, a Comissão só pode declarar um auxílio compatível com o artigo 107.o, n.o 3, TFUE se puder concluir que o referido auxílio contribui para a realização de um dos objetivos especificados, objetivos que a empresa beneficiária não poderia alcançar pelos seus próprios meios em condições normais de mercado. Por outras palavras, uma medida não pode ser declarada compatível com o mercado interno se apresentar uma melhoria da situação financeira da empresa beneficiária sem que seja necessária para atingir os objetivos previstos no artigo 107.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de janeiro de 2009, Kronoply/Comissão, T‑162/06, EU:T:2009:2, n.o 65, e jurisprudência aí referida).

34      Nestas circunstâncias, um auxílio individual como o do caso em apreço pode ser declarado compatível com o mercado interno se for necessário, adequado e proporcionado para sanar uma perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa.

35      No caso vertente, como resulta claramente do ponto 44 da petição, a recorrente não contesta que a pandemia de COVID‑19 originou uma perturbação grave da economia finlandesa nem que o setor do transporte aéreo no seu conjunto foi particularmente afetado pela crise provocada por essa pandemia.

36      A existência tanto de uma perturbação grave da economia finlandesa devido à pandemia de COVID‑19 como de importantes efeitos negativos desta última no setor do transporte aéreo na Finlândia ficou, além disso, suficientemente demonstrada nos n.os 40 e 41 da decisão impugnada.

37      Neste contexto, as autoridades finlandesas constataram que a Finnair corria risco de insolvência devido à súbita erosão da sua atividade económica, causada pela pandemia de COVID‑19. Consideraram que uma insolvência da Finnair contribuiria, por seu turno, para afetar gravemente a economia finlandesa, incluindo a segurança do seu abastecimento. Ter uma rede de transporte aéreo que funcione corretamente é essencial para a economia do país no seu conjunto, e o seu eventual desaparecimento teria graves consequências para muitas regiões. As autoridades finlandesas consideraram, portanto, que, atendendo à sua importância para a economia finlandesa, a insolvência da Finnair agravaria a atual perturbação grave da economia do país (n.o 4 da decisão impugnada).

38      O objetivo essencial da medida em causa é garantir à Finnair liquidez suficiente para manter a sua viabilidade e os seus serviços aéreos numa altura em que a pandemia de COVID‑19 perturba gravemente toda a economia finlandesa e evitar que uma eventual insolvência da Finnair perturbe ainda mais a economia do Estado‑Membro em causa (n.os 3 e 39 da decisão impugnada).

39      Na decisão impugnada, a Comissão salientou que o colapso da procura, na sequência da propagação da COVID‑19 e das restrições de voo, teve um efeito negativo imediato e dramático sobre o cash flow da Finnair. A Comissão considerou que o cenário descrito pelas autoridades finlandesas parecia realista e demonstrava que a Finnair enfrentaria dificuldades sérias e imediatas para manter a sua atividade. A Comissão salientou igualmente que a Finnair tinha tentado obter financiamento nos mercados de crédito, mas que, devido à situação atual e às perspetivas incertas, não tinha conseguido cobrir todas as suas necessidades de liquidez (n.os 40 a 43 da decisão impugnada). A recorrente não põe em causa estas constatações.

40      Em contrapartida, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro de direito e um erro manifesto de apreciação ao considerar que a medida em causa sanava, por si só, uma perturbação grave da economia finlandesa. Este argumento assenta numa leitura incorreta da decisão impugnada. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão não considerou nessa decisão que a medida em causa sanava, por si só, a perturbação grave da economia finlandesa. A Comissão procurou estabelecer se, devido à importância da Finnair para a economia finlandesa, essa medida se destinava a sanar a perturbação grave da economia finlandesa causada pela pandemia de COVID‑19.

41      Importa recordar que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige que o auxílio seja, por si só, suscetível de sanar a perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa. Com efeito, após a Comissão declarar a existência de uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro, este último pode ser autorizado, se os outros requisitos previstos nesse artigo estiverem preenchidos, a conceder auxílios de Estado, sob a forma de regimes de auxílios ou de auxílios individuais, que contribuam para sanar a referida perturbação grave. Assim, pode tratar‑se de várias medidas de auxílio que, através de cada uma delas, contribuam para esse fim. Por conseguinte, não se pode exigir que, para se basear validamente no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, uma medida de auxílio sane, por si só, uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro.

42      Na medida em que a recorrente alega que o auxílio em causa não é adequado para sanar a perturbação grave da economia finlandesa, há que examinar se, na decisão impugnada, a Comissão estabeleceu de forma suficiente que, devido à importância da Finnair para a economia finlandesa, esse auxílio se destinava efetivamente a sanar a perturbação grave da economia finlandesa causada pela pandemia de COVID‑19.

43      Para chegar a esta conclusão, a Comissão teve em conta diversos elementos, nomeadamente o transporte de passageiros, o transporte de mercadorias, os postos de trabalho, as compras a fornecedores e a contribuição para o produto interno bruto (PIB).

44      Antes de mais, a Comissão teve em conta a importância da Finnair para o transporte de passageiros (n.o 45 da decisão impugnada).

45      A este respeito, cabe referir, à semelhança da Comissão, que, no momento da adoção da decisão impugnada, a Finnair explorava uma importante rede interna e internacional que assegurava a conectividade da Finlândia. Como salientou a Comissão e sem que tal tenha sido contestado pela recorrente, a Finnair era a principal transportadora aérea da Finlândia, com cerca de 15 milhões de passageiros transportados em 2019, ou seja, 67 % da totalidade dos passageiros transportados nesse ano para, de e dentro da Finlândia. O seu estatuto de primeira transportadora aérea é confirmado pelo relatório estatístico da Finavia de 2019. A Finavia é a sociedade gestora do Aeroporto de Helsinki‑Vantaa (Finlândia) bem como de todos os aeroportos regionais da Finlândia. Segundo esse relatório, os passageiros da Finnair representavam mais de 60 % dos passageiros transportados em voos internacionais e pelo menos 80 % dos passageiros transportados em voos domésticos. A sua quota de mercado total representava mais de 40 % do mercado de serviços aéreos nos aeroportos da Finavia em 2019. No mesmo ano, as outras duas principais companhias aéreas representavam apenas, respetivamente, 12 % e 3,4 % dos passageiros transportados. Além disso, cabe salientar que a Finnair tem a particularidade de ser a única companhia aérea que opera na maioria dos aeroportos regionais finlandeses, durante todo o ano e em intervalos regulares.

46      Seguidamente, a Comissão teve em conta o papel da Finnair para a Finlândia no que se refere ao transporte aéreo de mercadorias (n.o 46 da decisão impugnada).

47      A este respeito, a Finnair é o principal operador de transporte aéreo de mercadorias na Finlândia e responde às necessidades de várias empresas situadas no território da Finlândia, tanto para a exportação como para a importação de produtos, o que também não é contestado pela recorrente. Além disso, a Finnair dispõe de uma rede asiática alargada, como decorre do artigo de imprensa retirado do sítio de informação online Aviation Business News, citado na nota 14 da decisão impugnada. Se esta rede é essencial para o comércio entre as empresas finlandesas e asiáticas, é ainda mais importante no contexto da crise provocada pela pandemia de COVID‑19. Com efeito, a Finnair explora diariamente rotas de transporte aéreo de mercadorias para a Coreia do Sul, China e Japão a fim de responder à procura finlandesa de produtos, em especial produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, necessários para fazer face à crise de COVID‑19. Uma vez que as medidas de confinamento, como as restrições impostas às deslocações ou o encerramento temporário de uma ou mais categorias de estabelecimentos abertos ao público, têm um impacto imediato na economia, a segurança do abastecimento de produtos farmacêuticos e de equipamentos médicos necessários para fazer face ao vírus é estratégica para limitar as medidas de confinamento e, assim, relançar rapidamente a economia do Estado‑Membro em causa.

48      A Comissão salientou igualmente que a Finnair era um empregador direto e indireto importante na Finlândia (n.o 47 da decisão impugnada).

49      A este respeito, cabe salientar que, no final de 2019, a Finnair tinha cerca de 6 800 empregados, o que não é posto em causa pela recorrente. Como a Comissão declarou no n.o 50 da decisão impugnada, a insolvência da Finnair teria, portanto, consequências sociais suscetíveis de agravar a perturbação grave com que a economia finlandesa se depara atualmente.

50      Além disso, a Comissão constatou que as compras da Finnair aos seus fornecedores ascenderam em 2019 a 1,9 mil milhões de euros, dos quais 40 % eram provenientes de empresas finlandesas (n.o 48 da decisão impugnada).

51      A este respeito, cabe esclarecer que um dos principais fornecedores locais da Finnair é a Finavia. Resulta da decisão impugnada que a situação da Finavia depende em grande medida do sucesso ou, no atual contexto, da sobrevivência da Finnair. Assim, a curto prazo, o bom funcionamento do aeroporto de Helsinki‑Vantaa e de todos os aeroportos regionais da Finlândia, geridos pela Finavia, depende da sobrevivência da Finnair.

52      Outra contribuição da Finnair para a economia finlandesa, tomada em conta pela Comissão, diz respeito à investigação. Com efeito, a Finnair está envolvida num projeto de investigação destinado a desenvolver aeronaves elétricas, como confirma um artigo no sítio Internet de atualidades aeronáuticas Simple Flying, datado de setembro de 2019.

53      Por último, resulta da decisão impugnada que, em 2017, a Finnair era, segundo as autoridades finlandesas, a décima sexta empresa mais importante da Finlândia, devido à sua contribuição para o PIB deste país, com um valor acrescentado de 600 milhões de euros.

54      Decorre destas constatações factuais que a Comissão estabeleceu de forma suficiente a importância da Finnair para a economia finlandesa. A recorrente não contesta a veracidade destas constatações. No entanto, embora reconheça que os números relativos aos postos de trabalho, às compras e à contribuição da Finnair para o PIB da Finlândia «não são negligenciáveis», considera que não são suficientemente importantes, tendo em conta a dimensão da população ativa e da economia finlandesas, para se declarar o auxílio compatível com o mercado interno, à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, uma vez que o valor acrescentado criado pela Finnair não desapareceria «completamente» se esta se tornasse insolvente.

55      Primeiro, comparar, como faz a recorrente, os dados relativos às compras e aos empregados da Finnair, referidos nos n.os 47 a 49 da decisão impugnada, com o PIB da Finlândia e o número de empregados na Finlândia equivale, na realidade, a sustentar que a Comissão autorizou a medida em causa porque a manutenção das atividades da Finnair era suscetível de sanar, por si só, a perturbação grave da economia finlandesa. Segundo a recorrente, o montante de 600 milhões de euros que representa o valor acrescentado da Finnair é mínimo quando comparado com os 241 mil milhões de euros do PIB finlandês. De igual forma, os 6 800 empregados da Finnair são apenas uma fração mínima dos 2,5 milhões de empregados na Finlândia.

56      Contudo, a leitura da decisão impugnada permite concluir que a Comissão considerou que, dada a importância da Finnair na economia finlandesa, a sua insolvência teria tido consequências graves para a economia finlandesa no contexto da crise e que, portanto, a medida em causa, dado que visava a manter as atividades da Finnair, era adequada para contribuir para sanar a perturbação grave dessa economia.

57      A este respeito, cabe salientar, como sustentam, em substância, a Comissão e a República da Finlândia, que a Finnair é importante para o bom funcionamento da rede de transporte aéreo da Finlândia, ele próprio essencial para a economia finlandesa. Na data da adoção da decisão impugnada, a Finnair gozava de uma posição única em relação a todas as companhias aéreas que operam na Finlândia. Assim, resulta da decisão impugnada que as principais companhias aéreas da Finlândia, tirando a Finnair, eram a Norwegian e a SAS, seguidas da Lufthansa, da KLM e da Air Baltic. Em 2019, a Norwegian transportou 12 % dos passageiros, ao passo que os passageiros da SAS representavam 3,4 % dos passageiros transportados. Embora a Norwegian operasse em quatro aeroportos regionais situados na parte norte do país e a SAS operasse igualmente em três aeroportos regionais, a Finnair era a única companhia aérea que dispunha de serviços, com intervalos regulares, com destino à maioria dos aeroportos regionais finlandeses. Além disso, a Finnair dispunha de uma vasta rede internacional de mais de 100 rotas, que ligavam a Finlândia aos principais centros de negócios da Europa e a outras regiões do mundo, em particular a Ásia. A Finnair era a única companhia aérea que explorava regularmente a rede doméstica da Finlândia durante todo o ano. Cerca de 30 % da procura de serviços de transporte aéreo prestados pela Finnair para os voos internacionais com origem ou destino na Finlândia estava relacionada com viagens de negócios, e esse número ascendia a 50 % para os voos domésticos.

58      A importância da Finnair para a economia finlandesa não se limitava ao transporte de passageiros. A Finnair era também a principal companhia aérea em matéria de operações de transporte aéreo de mercadorias e a sua insolvência teria tido por efeito reduzir consideravelmente as trocas comerciais entre as empresas finlandesas e asiáticas, quando, desde o início da crise, a Finnair tem cooperado com a Huoltovarmuuskeskus (Agência Nacional de Abastecimentos de Urgência, Finlândia) e utilizado a sua rede internacional para responder à procura finlandesa de equipamentos necessários para fazer face à pandemia de COVID‑19.

59      Uma parte importante das empresas, dos trabalhadores e dos nacionais finlandeses e da União contam assim com os serviços da Finnair, os quais, em caso de insolvência, não seriam prestados a curto prazo e na mesma medida por outras companhias aéreas. A este respeito, pode‑se acrescentar, como a Comissão sublinhou na decisão impugnada, que, devido ao clima e à situação geográfica relativamente isolada da Finlândia na Europa, os outros meios de transporte nem sempre são uma alternativa satisfatória à aviação. Por conseguinte, outros operadores económicos não poderiam substituir a Finnair a curto prazo e na mesma medida.

60      À luz das considerações anteriores, deve concluir‑se que, ainda que o montante de 600 milhões de euros que representa o valor acrescentado da Finnair seja apenas uma parte do PIB finlandês e os 6 800 empregados da Finnair sejam apenas uma fração do número de empregados na Finlândia, provavelmente não existia uma alternativa viável à contribuição da Finnair para as necessidades da economia e da conectividade da Finlândia. Por conseguinte, tendo em conta essa contribuição, a medida em causa, que se destina a manter as atividades da Finnair durante e após a crise, era, contrariamente ao que sustenta a recorrente, adequada para sanar a perturbação grave da economia finlandesa.

61      Segundo, no que respeita ao argumento de que o valor acrescentado criado pela Finnair não desapareceria «completamente» se esta se tornasse insolvente, cabe observar que a recorrente se limita a fazer esta afirmação sem apresentar explicações ou elementos de prova que permitam compreende‑la ou demonstrar a sua veracidade. Resulta daqui que este argumento deve ser considerado inadmissível com fundamento no artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo.

62      Terceiro, no que respeita aos argumentos da recorrente baseados na prática decisória da Comissão e na comunicação da Comissão intitulada «Aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas adotadas em relação às instituições financeiras no contexto da crise financeira global» (JO 2008, C 270, p. 8), por um lado, importa recordar que é unicamente no âmbito do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE que deve ser apreciada a legalidade da decisão impugnada, e não à luz de uma alegada prática anterior (v. neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2013, Nitrogénművek Vegyipari/Comissão, T‑387/11, não publicado, EU:T:2013:98, n.o 126, e jurisprudência aí referida). Por outro lado, há que salientar que a medida em causa foi tomada com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, conforme interpretado pelo quadro temporário. A Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas adotadas em relação às instituições financeiras no contexto da crise financeira global não é pertinente no caso em apreço e, em todo o caso, não é suscetível de demonstrar que uma empresa como a Finnair não podia beneficiar de um auxílio individual nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE por não ser um banco que representasse um risco sistémico para a economia em caso de insolvência.

63      Tendo em conta as considerações anteriores, não há que pôr em causa a procedência da apreciação, na decisão impugnada, do caráter adequado da medida em causa para sanar a perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa. Por conseguinte, todos os argumentos da recorrente que criticam a Comissão por ter considerado que um auxílio individual como o do caso em apreço podia sanar a perturbação grave da economia finlandesa, na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, devem ser rejeitados.

64      Consequentemente, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa ao incumprimento da alegada obrigação de ponderar os efeitos benéficos do auxílio para a realização dos objetivos enunciados no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada

65      Nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE «[p]odem ser considerados compatíveis com o mercado interno […] os auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro». Decorre da redação desta disposição que os seus autores consideraram que era do interesse de toda a União que um ou outro dos seus Estados‑Membros estivesse em condições de superar uma crise grave, mesmo existencial, que só poderia ter consequências graves para a economia de todos ou alguns dos outros Estados‑Membros e, por conseguinte, para a União enquanto tal. Esta interpretação textual da letra do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE é confirmada através da sua comparação com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, que diz respeito aos «auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum», na medida em que a redação desta última disposição contém uma condição, relativa à demonstração de que as condições das trocas comerciais não são afetadas numa medida contrária ao interesse comum, que não figura no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 20 e 39).

66      Assim, desde que os requisitos impostos pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE estejam preenchidos, a saber, no caso em apreço, o Estado‑Membro em causa seja efetivamente confrontado com uma perturbação grave da sua economia e as medidas de auxílio adotadas para sanar essa perturbação sejam, por um lado, necessárias para esse efeito, e, por outro, adequadas e proporcionadas, presume‑se que essas medidas são adotadas no interesse da União, pelo que esta disposição não exige que a Comissão proceda a uma ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos nas condições comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada, contrariamente ao que é exigido pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Por outras palavras, essa ponderação não tem razão de ser no quadro do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, presumindo‑se que o seu resultado é positivo. O facto de um Estado‑Membro conseguir sanar uma perturbação grave da sua economia só pode beneficiar a União em geral e o mercado interno em particular.

67      Impõe‑se referir que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige que a Comissão proceda a uma ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada, contrariamente ao que é exigido pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, mas apenas que verifique se a medida de auxílio em causa é necessária, adequada e proporcionada para sanar a perturbação grave da Estado‑Membro em causa. Consequentemente, o argumento da recorrente de que obrigação de ponderação decorre do caráter excecional dos auxílios compatíveis, incluindo os auxílios declarados compatíveis nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, deve ser rejeitado.

68      A recorrente também não pode invocar o caráter obrigatório de uma ponderação com fundamento no quadro temporário, argumentando que este vincula a Comissão e fornece uma segunda base distinta para a sua obrigação a esse respeito, uma vez que essa obrigação não figura no quadro temporário. Em particular, o ponto 1.2 do quadro temporário a que a recorrente se refere, relativo a uma «necessidade de estreita coordenação europeia das medidas nacionais em matéria de auxílios estatais», contém apenas um ponto, o ponto 10, que não estabelece nenhuma exigência a esse respeito. Consequentemente, a recorrente não pode invocá‑lo.

69      Pelas mesmas razões, a argumentação da Comissão, apresentada a título subsidiário, segundo a qual o próprio quadro temporário contém essa ponderação só pode ser rejeitado.

70      O Acórdão de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão (T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130), invocado pela recorrente, também não é suscetível de apoiar a tese segundo a qual a Comissão era obrigada a proceder a uma ponderação na decisão impugnada. Com efeito, no processo que deu lugar a esse acórdão, a Comissão tinha adotado uma decisão que aprovava, com fundamento no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, a aplicação de um regime geral de auxílios, mas submetia‑o a certas condições. Nesse acórdão, o Tribunal Geral salientou que resultava claramente do enunciado dessas «condições» que a Comissão tinha considerado que, nos casos que excediam determinados limites estabelecidos pela referida decisão, a verificação da perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa não bastava, por si só, para legitimar o auxílio em causa (Acórdão de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130, n.os 127 a 129). Seguidamente, criticou a Comissão por não ter examinado em que medida a concorrênciapoderia ter sido falseada e o comércio na União Europeia poderia ter sido afetado pelo auxílio em causa, quando na decisão de autorização do regime de auxílios em causa se tinha obrigado a fazê‑lo (Acórdão de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130, n.o 135).

71      Conclui‑se que os factos que deram lugar ao Acórdão de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão (T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130), são diferentes dos factos do presente processo. Por conseguinte, aquela jurisprudência não pode demonstrar que, no caso vertente, a Comissão era obrigada a ponderar os efeitos benéficos do auxílio para a realização dos objetivos enunciados no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada. O argumento da recorrente a este respeito deve, portanto, ser rejeitado.

72      Os restantes argumentos apresentados pela recorrente não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão de que a Comissão não era obrigada a realizar uma ponderação na decisão impugnada.

73      Com efeito, quanto ao argumento de que a decisão impugnada é contraditória no que respeita à quota de mercado da Finnair e contém, portanto, uma apreciação errada da importância desta última e das outras companhias aéreas para a conectividade da Finlândia, resulta do exame da primeira parte do primeiro fundamento que a Comissão apreciou corretamente a importância da Finnair para a economia e a conectividade finlandesas. No que respeita mais precisamente às incoerências salientadas pela recorrente, este argumento será tratado no âmbito do quarto fundamento, relativo à insuficiência de fundamentação da decisão impugnada.

74      Quanto ao argumento de que a decisão impugnada não menciona as consequências do auxílio para o mercado interno, importa referir que decisão impugnada reconhece, à semelhança da recorrente na sua petição, que a medida em causa confere uma vantagem à Finnair, na medida em que a liberta de custos que deveria ter suportado em condições normais de mercado. Assim, a Comissão reconheceu que a medida em causa era suscetível de falsear a concorrência, uma vez que reforçava a posição concorrencial da Finnair e que o comércio entre os Estados‑Membros era afetado — dado que a Finnair opera num setor em que existem trocas comerciais dentro União (n.os 30 a 35 da decisão impugnada). No entanto, como se pode verificar pelo exame do primeiro fundamento, supra, e do segundo fundamento, infra, a Comissão considerou, acertadamente, que essa medida era necessária, adequada e proporcionada para sanar uma perturbação grave da economia finlandesa (n.os 36 a 52 da decisão impugnada). No caso vertente, verificou‑se que a medida em causa preenchia os requisitos da derrogação prevista artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Nestas condições, a Comissão podia declarar o auxílio individual em causa compatível com o mercado interno.

75      Decorre de todas as considerações anteriores que a argumentação da recorrente que acusa a Comissão de não ter ponderado os efeitos benéficos do auxílio para a realização dos objetivos enunciados no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada deve ser rejeitada.

76      Consequentemente, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente, assim como o primeiro fundamento na íntegra.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento

77      Cabe recordar que, segundo a jurisprudência, decorre da economia geral do Tratado que o procedimento previsto no artigo 108.o TFUE nunca deve conduzir a um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado. Por conseguinte, um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viole outras disposições do Tratado, nomeadamente as disposições relativas à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento, não pode ser declarado compatível com o mercado interno pela Comissão. De igual modo, um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viole os princípios gerais do direito da União, como o princípio da igualdade de tratamento, não pode ser declarado compatível com o mercado interno pela Comissão (Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 50 e 51).

78      No presente processo, por um lado, a recorrente alega que a autorização, pela Comissão, de medidas e de decisões relativas a auxílios de Estado nunca deve violar outras disposições do Tratado FUE, como o princípio da não discriminação. Considera que a decisão impugnada trata de forma diferente a situação, comparável, das companhias aéreas que operam nas ligações de e para a Finlândia, beneficiando a Finnair sem qualquer justificação objetiva. Em apoio deste argumento, a recorrente invoca, nomeadamente, a prática da Comissão em matéria de medidas de auxílio baseadas no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE. A recorrente salienta que a pandemia de COVID‑19 teve repercussões graves para todas as companhias aéreas que operam na Finlândia. A necessidade de salvar apenas a Finnair, com exclusão das outras companhias aéreas que operam na Finlândia, não está demonstrada e o auxílio em causa vai além do necessário para alcançar o seu objetivo. A ajuda em causa é uma medida de puro nacionalismo económico. A recorrente acrescenta que as anteriores medidas de salvamento das instituições financeiras em 2008 e a Comunicação da Comissão intitulada «Aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas adotadas em relação às instituições financeiras no contexto da atual crise financeira global» ilustram a importância do princípio da não discriminação que foi violado no caso vertente.

79      Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão deveria ter determinado, ao apreciar a compatibilidade da medida em causa, se a forma do auxílio concedido no presente caso, a saber, uma garantia do Estado sobre um empréstimo, respeitava o princípio da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Ao não o fazer, a Comissão tinha cometido um erro de direito. A recorrente considera que reservar o auxílio apenas à Finnair restringe os direitos concedidos às outras companhias aéreas da União de fornecerem livremente os seus serviços no mercado interno. A decisão impugnada implica, assim, uma restrição injustificada aos princípios da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento.

80      A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia, contesta a argumentação da recorrente.

 Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

81      Importa salientar que um auxílio individual como o que está em causa beneficia, por definição, apenas uma empresa, com exclusão de todas as outras, incluindo as que se encontram numa situação comparável à do beneficiário desse auxílio. Assim, pela sua própria natureza, esse auxílio individual cria uma diferença de tratamento, ou até uma discriminação, a qual é, porém, inerente ao caráter individual da referida medida. Ora, sustentar, como faz a recorrente, que o auxílio individual em causa é contrário ao princípio da não discriminação equivale, em substância, a pôr sistematicamente em causa a compatibilidade de todos os auxílios individuais com o mercado interno, quando o direito da União permite aos Estados‑Membros concederem esses auxílios desde que os requisitos previstos no artigo 107.o TFUE estejam preenchidos.

82      No entanto, mesmo admitindo, como afirma a recorrente, que a diferença de tratamento instituída pela medida em causa, devido ao facto de beneficiar apenas a Finnair, possa ser equiparada a uma discriminação, é necessário verificar se se justifica por um objetivo legítimo e se é necessária, adequada e proporcionada para o alcançar. Do mesmo modo, na medida em que a recorrente refere o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, importa sublinhar que, de acordo com esta disposição, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados, «sem prejuízo das suas disposições especiais». Por conseguinte, importa verificar se essa diferença de tratamento é permitida ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, que constitui a base jurídica da decisão impugnada. Esse exame implica, por um lado, que o objetivo da medida em causa satisfaça os requisitos previstos por esta última disposição, e, por outro, que as modalidades de concessão da medida em causa, a saber, no caso vertente, o facto de beneficiar apenas a Finnair, sejam de molde a permitir que esse objetivo seja alcançado e não vão além do necessário para o alcançar.

83      No presente caso, no que diz respeito ao objetivo da medida em causa, esta visa, tal como foi precisado no n.o 38, supra, assegurar à Finnair liquidez suficiente para manter a sua viabilidade e os seus serviços aéreos numa altura em que a pandemia da COVID‑19 está a perturbar gravemente toda a economia finlandesa, e evitar que a sua eventual insolvência perturbe ainda mais esta economia.

84      Uma vez que a existência quer de uma perturbação grave da economia finlandesa devido à pandemia de COVID‑19 quer de efeitos negativos significativos desta pandemia no mercado finlandês do transporte aéreo está, conforme foi exposto no n.o 36, supra, suficientemente estabelecida na decisão impugnada, deve considerar‑se que, tendo em conta a importância da Finnair para a economia finlandesa, o objetivo da medida em causa preenchia os requisitos impostos pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

85      Quanto à questão de saber se as modalidades de concessão da medida em causa são suscetíveis de alcançar esse objetivo e não vão além do que é necessário para o alcançar, resulta do exame do primeiro fundamento que a concessão da garantia do Estado apenas à Finnair é adequada para alcançar o objetivo prosseguido pela medida em causa e preenche os requisitos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

86      No entanto, a recorrente sustenta que o tratamento favorável concedido à Finnair não é nem necessário nem proporcionado ao objetivo prosseguido pela República da Finlândia.

87      A este respeito, em primeiro lugar, cabe sublinhar que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o objetivo da medida não é «preservar a conectividade aérea doméstica e internacional da Finlândia». Tendo em conta o objetivo da medida em causa, recordado no n.o 83, supra, e tendo em conta os elementos expostos nos n.os 37 e 39, supra, deve considerar‑se que a concessão da garantia do Estado apenas à Finnair é necessária para a prossecução do referido objetivo.

88      Além disso, como alega acertadamente a Comissão na contestação, não existia nenhuma obrigação de esta última examinar se, para além da manutenção da Finnair, o Estado‑Membro em causa devia alargar o círculo de beneficiários do auxílio, uma vez que a decisão impugnada estabelece de forma suficiente a necessidade de preservar a contribuição da Finnair para a economia finlandesa. Por conseguinte, os argumentos da recorrente sobre este ponto devem ser rejeitados.

89      Em segundo lugar, importa salientar que a recorrente não põe em causa o montante do auxílio. Em contrapartida, considera que o facto de a Finnair receber 100 % desse auxílio, embora a sua quota de conectividade da Finlândia seja inferior a 100 %, vai além do que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido pela referida medida e é, por conseguinte, desproporcionado. Segundo ela, se o auxílio fosse atribuído a todas as companhias aéreas que operam na Finlândia, em função da sua quota de mercado, o objetivo da medida seria alcançado sem discriminação.

90      Importa recordar que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para alcançar os objetivos legítimos prosseguidos pela legislação em causa (Acórdão de 17 de maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83 EU:C:1984:183, n.o 25), entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos [Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de capturas de espadarte mediterrânico), C‑611/17 EU:C:2019:332, n.o 55].

91      No caso vertente, deve considerar‑se que, em qualquer hipótese, tendo em conta as considerações apresentadas no âmbito do exame da primeira parte do primeiro fundamento, nomeadamente as considerações expostas nos n.os 57 a 59, supra, a concessão da garantia do Estado apenas à Finnair não excedeu os limites do que era adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela República da Finlândia e, consequentemente, ao invés do que sustenta a recorrente, não era desproporcionada. Além disso, a atribuição do auxílio a todas as companhias aéreas que operam na Finlândia, em função da sua quota de mercado, como proposto pela recorrente, teria como consequência a redução do montante do auxílio concedido à Finnair, de modo que as suas necessidades de liquidez não seriam cobertas, o que, portanto, poderia ter repercussões graves na economia finlandesa, tendo em conta a importância desta companhia para esta economia. Por conseguinte, os argumentos da recorrente sobre este ponto devem ser rejeitados.

92      Tendo em conta todas as considerações anteriores, deve concluir‑se que a concessão do auxílio em causa apenas à Finnair não foi além do que era necessário para alcançar o objetivo prosseguido por esta última. A recorrente está, portanto, errada ao sustentar que a Finnair beneficia de um tratamento vantajoso injustificado devido à medida em causa.

93      Os outros argumentos apresentados pela recorrente no âmbito do segundo fundamento não podem prosperar.

94      Com efeito, uma vez que preenche os requisitos previstos pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, a medida em causa não pode ser considerada de puro nacionalismo económico. O comunicado de imprensa do Governo finlandês, invocado pela recorrente e apresentado no anexo A.3.4 da petição, também não é de molde a estabelecer que essa medida representa a pura expressão de um nacionalismo económico.

95      É verdade que, segundo esse comunicado de imprensa, a República da Finlândia detém uma participação de 55,8 % na Finnair. Todavia, um auxílio que preencha os requisitos previstos pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, como acontece no caso vertente, pode ser concedido a uma empresa detida maioritariamente pelo Estado em causa. Além disso, como salientou a Comissão na contestação, o referido comunicado de imprensa sublinha a importância das ligações aéreas garantidas Finnair para a segurança do abastecimento da Finlândia, para o transporte de mercadorias e para o transporte de passageiros, bem como a influência dessa empresa na economia nacional. Nestas circunstâncias, esse comunicado não é suscetível de retirar plausibilidade às apreciações feitas pela Comissão e reproduzidas nos n.os 39 a 53, supra. Pelo contrário, o referido comunicado é coerente com essas apreciações.

96      A recorrente invoca igualmente a descrição geral das regras em matéria de auxílios de Estado e de obrigações de serviço público aplicáveis ao setor do transporte aéreo durante a pandemia de COVID‑19, redigida pela Comissão, a alegada prática decisória da Comissão relativa ao artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, a alegada prática da Comissão relativa a anteriores medidas de salvamento de instituições financeiras, autorizadas a título do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, e a Comunicação da Comissão intitulada «Aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas adotadas em relação às instituições financeiras no contexto da atual crise financeira global».

97      Contudo, pelas razões já expostas no n.o 62, supra, as alegadas práticas da Comissão e essa comunicação não são pertinentes para o presente caso. Além disso, no que respeita à argumentação da recorrente segundo a qual a descrição geral das regras em matéria de auxílios Estado e de obrigações de serviço público aplicáveis ao setor do transporte aéreo durante a pandemia de COVID‑19 destaca o princípio da não discriminação, deve remeter‑se para as considerações feitas nos n.os 81 a 92, supra.

98      Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à violação da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento

99      No que diz respeito ao artigo 56.o TFUE, cabe referir que, nos termos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes, a saber, o título VI do TFUE. A livre prestação de serviços em matéria de transportes está, portanto, sujeita, no âmbito do direito primário, a um regime jurídico específico (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 36). Por conseguinte, o artigo 56.o TFUE não se aplica como tal ao domínio da navegação aérea (Acórdão de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger, C‑382/08, EU:C:2011:27, n.o 22).

100    Por conseguinte, as medidas de liberalização para os transportes aéreos apenas podem ser adotadas com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 38). Ora, como salienta acertadamente a recorrente, o legislador da União adotou o Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3), com fundamento nessa disposição, que tem precisamente por objeto definir as condições de aplicação, no setor do transporte aéreo, do princípio da livre prestação de serviços (v., por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis, C‑92/01, EU:C:2003:72, n.os 23 e 24).

101    No presente caso, embora seja verdade que a medida em causa diz respeito a um auxílio individual que beneficia apenas a Finnair, a recorrente não demonstra de que forma o caráter exclusivo da medida é suscetível de dissuadi‑la de efetuar prestações de serviços a partir da Finlândia e com destino a ela ou de exercer a sua liberdade de estabelecimento. A recorrente continua, nomeadamente, a não identificar os elementos de facto ou de direito que fazem com que essa medida produza efeitos restritivos que vão além daqueles que desencadeiam a proibição do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mas que, como foi declarado nos n.os 42 a 63, supra, e nos n.os 82 a 92, infra, são necessários e proporcionados para remediar a perturbação grave da economia da economia finlandesa causada pela pandemia de COVID‑19, em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

102    Consequentemente, a medida em causa não pode constituir um entrave à liberdade de estabelecimento ou à livre prestação de serviços da recorrente. Além disso, a recorrente não pode criticar a Comissão por não ter examinado expressamente a compatibilidade dessa medida com a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços.

103    Nestas circunstâncias, a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

104    Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE

105    A recorrente alega que a Comissão ignorou a exigência decorrente do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE de ponderar os efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada e de verificar se a decisão impugnada respeitava os princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Estes erros, considerados separadamente, são suficientes para se concluir que o auxílio em causa é incompatível com o mercado interno. Por conseguinte, a decisão impugnada teria sido substancialmente diferente se a Comissão tivesse constatado a existência de dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio e dado início ao procedimento formal de exame. Ao recusar‑se a dar início ao procedimento formal de exame e a solicitar as observações das partes interessadas, neste caso as da recorrente, a Comissão violou os direitos que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE e pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece modalidades de aplicação do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), bem como o princípio da boa administração.

106    A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia, contesta a argumentação da recorrente.

107    O terceiro fundamento, relativo à salvaguarda dos direitos processuais da recorrente devido ao facto de a Comissão não ter dado início a um procedimento formal de exame apesar da alegada existência de dúvidas sérias, apresenta, na realidade, caráter subsidiário, para o caso de o Tribunal Geral não ter examinado a apreciação do auxílio enquanto tal. Com efeito, decorre de jurisprudência constante que um fundamento desse tipo se destina a permitir que uma parte seja admitida a interpor, nessa qualidade, um recurso nos termos do artigo 263.o TFUE, o que de outro modo lhe seria recusado (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 48, e de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 44). Ora, o Tribunal Geral examinou os dois primeiros fundamentos do recurso, que dizem respeito à apreciação do auxílio enquanto tal, pelo que esse fundamento está privado da sua finalidade declarada.

108    De resto, impõe‑se referir que o presente fundamento não tem conteúdo autónomo. Com efeito, no âmbito deste fundamento, a recorrente só pode invocar, a fim de preservar os direitos processuais de que goza no quadro do procedimento formal de exame, argumentos suscetíveis de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha ou podia dispor, aquando da fase preliminar de exame da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 81; de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 35; e de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59), tais como o caráter insuficiente ou incompleto do exame realizado pela Comissão aquando do procedimento de exame preliminar ou a existência de queixas de terceiros. A este respeito, importa sublinhar que o terceiro fundamento reproduz de forma mais resumida os argumentos apresentados no âmbito do primeiro e segundo fundamentos, sem destacar elementos específicos relacionados com eventuais dificuldades sérias.

109    Por estes motivos, deve considerar‑se que, uma vez que o Tribunal Geral examinou o mérito dos referidos fundamentos, não é necessário examinar o mérito do presente fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

110    A recorrente alega, em substância, que o raciocínio da Comissão na decisão impugnada é ou inexistente, ou tautológico ou contraditório.

111    A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia, contesta a argumentação da recorrente.

112    Cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. Assim, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 79, e de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 125).

113    Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não ponderou os efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada.

114    Contudo, decorre dos n.os 65 a 67, supra, que a ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada não é exigida pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Por conseguinte, a Comissão não tinha de apresentar razões a este respeito.

115    Em segundo lugar, a recorrente acusa a Comissão de não ter apreciado se o auxílio era ou não discriminatório e se respeitava os princípios da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento.

116    No entanto, deve referir‑se que a decisão impugnada contém os elementos, recordados nos n.os 39, 44 a 53 e 56 a 59, supra, que permitem compreender as razões pelas quais a Comissão considerou que a República da Finlândia podia conceder o auxílio em causa apenas à Finnair.

117    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a decisão impugnada enferma de uma incoerência na forma como as quotas de mercado da Finnair são apresentadas no n.o 45 e na nota 9 da decisão impugnada. A quota de mercado de 67 % da Finnair no mercado dos serviços de transporte aéreo na Finlândia, quer se trate de voos domésticos ou internacionais, não é coerente, à luz dos dados apresentados na nota 9 da decisão impugnada. Além disso, esses dados e os dados da análise independente efetuada para a recorrente não se sobrepõem. Esta incoerência é ainda mais grave quando a quota de mercado da Finnair constitui um elemento que pesou fortemente na apreciação, efetuada pela Comissão, da importância da Finnair para a economia finlandesa.

118    A este respeito, o n.o 45 da decisão impugnada indica o seguinte:

«A Comissão observa que a Finnair explora uma importante rede doméstica e internacional que assegura a conectividade dentro da Finlândia e com destino a este país. A Finnair é o principal transportador aéreo na Finlândia, com cerca de 15 milhões de passageiros transportados em 2019 (67 % de todos os passageiros transportados para, de e dentro da Finlândia em 2019) […]»

119    A nota 9 da decisão impugnada estava inicialmente redigida como segue:

«Segundo o relatório da Finavia de 2019, a Finnair detinha uma quota de mercado de 67 % dos passageiros transportados num voo internacional e de 80 % nos voos domésticos. A sua quota de mercado total ascende a 45 % do mercado finlandês dos serviços aéreos.»

120    Impõe‑se referir que as incoerências entre as quotas de mercado da Finnair apresentadas no n.o 45 e na nota 9 da decisão impugnada são o resultado de um simples erro de escrita que não teve influência na apreciação da Comissão e que não pôde ter induzido a recorrente em erro.

121    Com efeito, em 29 de julho de 2020, a Comissão adotou a Decisão C(2020) 5339 final, intitulada «Retificação da Decisão C(2020) 3387 final relativa ao auxílio de Estado SA.56809 (2020/N) — Finlândia COVID‑19: Garantia de Estado concedida à Finnair». A decisão impugnada, na sua versão corrigida, foi posteriormente publicada, em 31 de julho de 2020, no sítio Internet da Comissão, como esta indicou na audiência. De acordo com essa versão da decisão impugnada, os passageiros transportados pela Finnair representavam 67 % de todos os passageiros transportados dentro, para e a partir da Finlândia em 2019. A Finnair detinha uma quota de mercado de 62 % dos passageiros transportados em voos internacionais e de 83 % em voos domésticos. A sua quota de mercado total elevava‑se a 44 % do mercado finlandês dos serviços aéreos. Assim, o erro alegado pela recorrente, que apenas dizia respeito à nota 9, foi corrigido pela Comissão.

122    É importante notar que a versão inicial da decisão impugnada afirmava clara e inequivocamente que a Finnair era a principal transportadora aérea de passageiros da Finlândia em 2019, com uma quota de mercado de 67 % dos passageiros transportados dentro, para e a partir da Finlândia em 2019, de modo que permitia aos interessados conhecer as razões da referida decisão e à recorrente, contestar a sua bondade, como demonstra o conteúdo da sua petição.

123    Nestas circunstâncias, o erro de escrita na nota 9 da decisão impugnada não é suscetível de fazer com que esta enferme de um vício de fundamentação suscetível de justificar a sua anulação a este respeito.

124    Quanto ao argumento de que a análise efetuada para a recorrente com base nos dados constantes do Oficial Airline Guide (Guia Oficial das Companhias Aéreas), apresentada no anexo A.3.2 da petição, dá uma imagem diferente das quotas de mercado da Finnair, cabe referir que é verdade que as quotas de mercado apresentadas pela Comissão, no n.o 45 da decisão impugnada, e pela recorrente, no anexo A.3.2, não são idênticas. No entanto, essas divergências, que são negligenciáveis, podem ser explicadas pelas diferentes fontes das quais provêm as quotas de mercado em causa. A este respeito, como alega acertadamente a Comissão, os dados fornecidos pela Finavia, principal operador aeroportuário da Finlândia, nos quais se baseou na decisão impugnada, não podem ser considerados menos fiáveis do que os dados do Official Airline Guide.

125    Decorre das considerações anteriores que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada e que, por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

126    Consequentemente, há que negar provimento ao recurso na íntegra, embora deferindo o pedido da recorrente de tratamento confidencial, uma vez que o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia não levantaram nenhuma objeção a esse respeito.

 Quanto às despesas

127    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última, incluindo as efetuadas no âmbito do pedido de tratamento confidencial.

128    Além disso, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no processo suportarão as suas próprias despesas. O Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia suportarão, por conseguinte, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL

decide:

É negado provimento ao recurso.A Ryanair DAC é condenada a suportar as suas próprias despesas e as da Comissão Europeia, incluindo as despesas efetuadas no âmbito do pedido de tratamento confidencial.O Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de abril de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.