Language of document : ECLI:EU:C:2003:112

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

L. A. GEELHOED

apresentadas em 27 de Fevereiro de 2003 (1)

Processo C-109/01

Secretary of State for the Home Department

contra

Hacene Akrich

(pedido de decisão prejudicial

apresentado pelo Immigration Appeal Tribunal)

«Pedido de decisão prejudicial do Immigration Appeal Tribunal - Livre circulação de pessoas - Nacional de um Estado-Membro, casado com um nacional de um país terceiro, que deixa o seu país de origem e se estabelece com o seu cônjuge noutro Estado-Membro por um período limitado de tempo, a fim de, no momento em que regressam ao Estado-Membro de origem, poderem invocar os direitos emergentes da legislação comunitária»

I - Introdução

1.
    No presente processo, o Immigration Appeal Tribunal colocou questões no domínio da livre circulação de pessoas. Mais especificamente, as questões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio estão relacionadas com os direitos que o nacional de um Estado-Membro, casado com um nacional de um país terceiro, que deixa o seu país de origem e, por um período limitado de tempo, se estabelece com o seu cônjuge noutro Estado-Membro, onde exerce uma actividade profissional, pode invocar com base no direito comunitário. Pode este nacional de um Estado-Membro, no momento em que regressa ao Estado-Membro de origem, beneficiar do direito conferido aos trabalhadores migrantes pela legislação comunitária, a saber, o direito a que o cônjuge se estabeleça consigo no Estado-Membro de origem?

2.
    O presente processo tem a sua origem na confluência de duas áreas de competência distintas. A primeira área de competência diz respeito à imigração. No estado actual do direito comunitário, a legislação sobre imigração é da competência dos Estados-Membros. O direito comunitário dá aos Estados-Membros a liberdade de estabelecerem a respectiva legislação da forma que melhor entenderem. Em geral, os Estados-Membros só permitem a entrada de imigrantes após uma apreciação individual do caso. Podem aplicar critérios rigorosos, e fazem-no seguramente. O artigo 63.° CE permite a adopção a nível comunitário de partes importantes da legislação sobre imigração, mas o legislador comunitário tem recorrido muito pouco a esta possibilidade.

3.
    Na prática, a competência dos Estados-Membros tem importância sobretudo a nível do tratamento dos nacionais de países terceiros. Os nacionais dos Estados-Membros encontram-se em grande parte subtraídos às normas nacionais sobre imigração, em virtude do direito que a legislação comunitária lhes atribui de permanecerem num Estado-Membro do qual não são nacionais. O que me leva à segunda área de competência, a livre circulação de pessoas no interior da União Europeia. Nesta área, o Tratado CE confere direitos directamente aos nacionais dos Estados-Membros e os direitos de circulação e de permanência foram objecto de uma harmonização quase total através do direito comunitário derivado e da jurisprudência do Tribunal de Justiça. A competência é, assim, exercida ao nível da União Europeia. Conforme exporei com maior desenvolvimento mais à frente nas presentes conclusões, o Tribunal de Justiça interpreta de forma ampla os direitos dos cidadãos da União Europeia no domínio da livre circulação de pessoas. O direito de permanecer noutro Estado-Membro é considerado um direito fundamental e deve, por essa razão, ser o menos restringido possível. Assim, o regresso ao Estado-Membro de origem não põe em causa determinados direitos baseados na legislação comunitária.

4.
    Na esteira dos nacionais dos Estados-Membros que se estabelecem noutro Estado-Membro, os membros das suas famílias também beneficiam do direito de residência, ainda que sejam nacionais de um país terceiro. O direito comunitário confere ao nacional de um Estado-Membro não só um direito individual de residência, mas também o direito de o mesmo se fazer acompanhar pelo cônjuge (e pelos outros membros da família). O direito comunitário derivado formula o direito de acompanhamento do cônjuge como um direito próprio desse cônjuge. Assim, o cônjuge de um cidadão migrante da União também se encontra em grande parte subtraído aos requisitos de entrada fixados na legislação nacional sobre imigração. Ainda que o cidadão migrante regresse ao seu país de origem, o cônjuge/nacional de um país terceiro pode continuar a beneficiar da livre circulação de pessoas no interior da União Europeia, conforme decorre do acórdão Singh (2). Este acórdão determina que o nacional de um Estado-Membro que esteve empregado como trabalhador dependente noutro Estado-Membro conserva, no momento do regresso, o direito de se fazer acompanhar pelo cônjuge, independentemente da nacionalidade deste.

5.
    O contexto do presente processo é o seguinte. Hacene Akrich, requerente no processo principal, é nacional de um país terceiro e o seu cônjuge é nacional do Reino Unido. Devido aos seus antecedentes pessoais, H. Akrich tem vedada a entrada no Reino Unido, ao abrigo da competência nacional no domínio da imigração. Uma vez que o direito comunitário impõe requisitos menos rigorosos à obtenção de um título de residência por H. Akrich do que a legislação nacional britânica, os interessados invocam o direito comunitário. Segundo os factos constantes do processo principal, os interessados não só invocam o direito comunitário, como permanecem na Irlanda durante um certo período, a fim de conseguirem que lhes seja aplicável o direito comunitário e não a legislação nacional britânica sobre imigração.

6.
    Estes factos do processo principal servem-me de ilustração para o seguinte. Do ponto de vista da livre circulação de pessoas, é lógico que o cônjuge do cidadão migrante da União seja subtraído à competência nacional no domínio da imigração. O direito que lhe é conferido pela legislação comunitária destina-se sobretudo a evitar obstáculos ao exercício do direito de residência noutro Estado-Membro pelo próprio cidadão da União Europeia. O cônjuge não pode ser impedido de acompanhar o nacional de um Estado-Membro que pretende exercer uma liberdade que lhe é conferida pelo Tratado e estabelecer-se noutro Estado-Membro.

7.
    Contudo, esta lógica aplica-se sobretudo aos cônjuges/nacionais de um país terceiro que já tenham sido autorizados a entrar no território de um Estado-Membro, encontrando-se assim legalmente no território da União Europeia. A atribuição de um direito de residência com base no direito comunitário é menos evidente em relação a cônjuges/nacionais de um país terceiro que ainda não tenham sido autorizados a entrar ou que se encontrem no território da União Europeia sem título de residência, como acontece com H. Akrich. O direito de residência do cônjuge é uma realidade um pouco diferente da admissão no território da União Europeia. O presente caso ilustra-o bem: a admissão na União Europeia foi anteriormente recusada por um Estado-Membro com base numa competência desse Estado-Membro.

8.
    No processo vertente, o direito comunitário é invocado a propósito de uma questão relativa à imigração que é essencialmente de competência nacional. Com efeito, a questão central do presente processo não é a de uma trabalhadora comunitária que deseja fazer-se acompanhar do respectivo cônjuge no exercício da liberdade que lhe é conferida pelo Tratado CE, mas a de um nacional de um país terceiro que pretende entrar num Estado-Membro, neste caso o Reino Unido, com base nos direitos que a legislação comunitária lhe confere enquanto cônjuge de um nacional da Comunidade Europeia.

9.
    No presente processo, os interessados fazem uso das amplas possibilidades que o direito comunitário oferece no domínio da livre circulação de pessoas no interior da União Europeia, baseando-se sobretudo no referido acórdão Singh. Pretendem, deste modo, subtrair-se à aplicação da legislação sobre imigração legitimamente adoptada e executada pelo Reino Unido com base numa competência que lhe é própria.

10.
    Chego assim ao dilema para o qual o Tribunal de Justiça terá de encontrar uma solução. A vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça, enunciada designadamente no acórdão Singh, deve ter por consequência a não aplicação da legislação nacional sobre imigração sempre que se trate de cônjuges de nacionais comunitários provenientes de fora da União Europeia que, no momento em que passaram a poder invocar direitos com base na legislação comunitária, ainda não se encontravam legalmente no território da União Europeia? Este dilema é tanto mais profundo quanto é certo que o direito comunitário no domínio da livre circulação de pessoas não fiscaliza a natureza e a duração do casamento, ao passo que essa fiscalização constitui uma parte importante da legislação nacional sobre imigração, a fim de evitar casamentos brancos.

II - Enquadramento jurídico

A - Direito comunitário

11.
    O artigo 39.° CE dispõe, no que releva para o presente processo:

«1.    A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade.

2.    A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3.    A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de:

[...]

c)    Residir num dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais.»

12.
    A fim de facilitar a livre circulação de trabalhadores, foi adoptado o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (3). Este regulamento estabelece regras sobre a posição jurídica dos membros da família do trabalhador. O artigo 10.°, n.° 1, dispõe o seguinte:

«1.    Têm o direito de se instalar com o trabalhador nacional de um Estado-Membro empregado no território de outro Estado-Membro, seja qual for a sua nacionalidade:

a)    O cônjuge e descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo;

[...].»

13.
    Chamo igualmente a atenção para uma directiva mais antiga, mas ainda em vigor, que contém outras disposições sobre a livre circulação dos trabalhadores. A Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (4), estabelece regras, nomeadamente, em matéria de autorização de entrada e de expulsão de pessoas por razões de ordem pública e de segurança pública (e também de saúde pública). A recusa de entrada e a expulsão de pessoas nem sempre é permitida. O artigo 3.° da directiva dispõe:

«1. As medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar-se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa.

2. A mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação de tais medidas [...]»

B - Legislação do Reino Unido

14.
    A legislação sobre imigração do Reino Unido é constituída, principalmente, pelo Immigration Act 1971 e pelas United Kingdom Immigration Rules (5) (a seguir «Immigration Rules»). Em regra, um indivíduo que não seja cidadão britânico só pode entrar ou permanecer no Reino Unido se lhe for dada uma autorização nesse sentido. Tal autorização é conhecida por «autorização de entrada» ou «autorização de permanência», respectivamente. As Immigration Rules estabelecem ainda que os nacionais de certos países indicados no seu anexo I, incluindo Marrocos, devem obter um visto antes de entrarem no território do Reino Unido.

As Immigration Rules determinam que a autorização de entrada pode ser recusada a uma pessoa que, no momento em que pretende entrar no Reino Unido, se encontre em condições de obter a autorização de entrada com base nas Immigration Rules, mas que não possua esse visto. Em circunstâncias bem determinadas, pode ser recusada a entrada a uma pessoa na posse desse visto.

15.
    Nos termos da section 7(1) do Immigration Act 1988, a autorização de entrada ou de permanência no Reino Unido não é necessária relativamente a pessoas autorizadas a entrar ou a permanecer no território do Reino Unido ao abrigo de «direitos emergentes da legislação comunitária directamente aplicáveis». A Immigration (European Economic Area) Order 1994 estabeleceu outras disposições para os nacionais dos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (não nacionais do Reino Unido) que exerçam ou pretendam exercer no Reino Unido os direitos conferidos pelo Tratado.

16.
    Um indivíduo pode requerer autorização para entrar no Reino Unido com base no facto de estar casado com uma pessoa (incluindo um nacional do Reino Unido) que se encontra e está estabelecida no Reino Unido. O vínculo conjugal deve preencher os requisitos previstos no parágrafo 281 das Immigration Rules. Estes requisitos são os seguintes, na parte que releva para o presente processo:

«-    o requerente estar casado com uma pessoa que se encontra e está estabelecida ou autorizada a estabelecer-se no Reino Unido;

-    os cônjuges conhecerem-se;

-    cada um deles ter a intenção de viver permanentemente com o outro, como marido ou mulher, e o casamento se manter;

-    os cônjuges disporem de alojamento adequado para si próprios e para qualquer pessoa que deles dependa, sem recurso aos fundos públicos, quer sejam proprietários ou ocupem esse alojamento em regime de exclusividade;

-    os cônjuges disporem de meios de subsistência para si próprios e para qualquer pessoa que deles dependa, sem recurso aos fundos públicos».

Uma pessoa que preencha estes requisitos pode obter um visto de entrada. Após a concessão do visto de entrada, pode então requerer uma autorização de entrada ao chegar a uma estância de entrada. A expulsão destas pessoas é possível por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (artigos 3.° e 15.° das Immigration Rules).

17.
    Além disso, o Secretary of State pode autorizar certas pessoas a entrar ou a permanecer no Reino Unido, mesmo que a isso não tenham direito ao abrigo das disposições das Immigration Rules especificamente aplicáveis.

18.
    Nos termos das sections 3(5) e 3(6) do Immigration Act 1971, um indivíduo que não seja cidadão britânico pode ser sujeito a uma medida de expulsão em determinadas circunstâncias, incluindo no caso de ter sido condenado pela prática de um crime punível com pena de prisão e no caso de um tribunal penal ter recomendado a expulsão. Se o Secretary of State assinar uma ordem de expulsão, a pessoa é obrigada a deixar o Reino Unido, fica proibida de aí entrar e qualquer autorização de entrada ou de permanência que lhe tenha sido concedida é cancelada.

19.
    Normalmente, as ordens de expulsão têm uma duração indeterminada. No entanto, nos termos da section 5(2) do Immigration Act, o Secretary of State pode revogar uma ordem de expulsão a qualquer momento. As Immigration Rules dispõem que os pedidos de revogação de uma ordem de expulsão devem ser apreciados à luz de todas as circunstâncias, incluindo os fundamentos que levaram à sua adopção, os argumentos apresentados a favor da revogação, os interesses da comunidade, incluindo a garantia de um controlo efectivo da imigração, e os interesses do requerente, incluindo razões de ordem familiar. As Immigration Rules estabelecem igualmente que, em princípio, uma ordem de expulsão não será revogada, a menos que se tenha verificado uma substancial alteração das circunstâncias ou que o decurso do tempo justifique a revogação. Normalmente - pondo de lado as circunstâncias excepcionais - uma ordem de expulsão só poderá ser revogada caso a pessoa não tenha sequer pisado o território do Reino Unido durante, pelo menos, três anos a contar da ordem de expulsão.

20.
    Por força dos Paragraphs 320(2) e 321(3) das Immigration Rules, se uma pessoa contra a qual existe uma ordem de expulsão válida requerer a entrada no Reino Unido a autorização de entrada e/ou o visto de entrada deve ser recusado, ainda que essa pessoa preencha, de outro modo, os requisitos de entrada. A pessoa em causa deve requerer a revogação da sua ordem de expulsão para poder obter um visto de entrada ou uma autorização de entrada no Reino Unido. A solução não é diferente se esta pessoa possuir outra qualidade que possa servir de base para a sua admissão no território do Reino Unido.

21.
    A legislação britânica não contém uma disposição especificamente aplicável a um indivíduo que pretende entrar no Reino Unido enquanto cônjuge de um nacional do Reino Unido que regressa, ou deseja regressar, ao Reino Unido depois de ter exercido os direitos conferidos pelo Tratado como trabalhador noutro Estado-Membro. À luz do acórdão Singh (6), esse indivíduo dispõe de um «direito resultante da legislação comunitária directamente aplicável» na acepção da section 7(1) do Immigration Act 1988 e da section 2 do European Communities Act 1972. Por conseguinte, não necessita de autorização para entrar no território do Reino Unido. Porém, se tiver uma das nacionalidades indicadas no anexo I das Immigration Rules, ele ou ela deve estar previamente munido de um visto de entrada para penetrar no território do Reino Unido. Este visto de entrada é normalmente concedido, mas pode ser recusado por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.

III - Factos e circunstâncias

22.
    Nesta parte das conclusões, reproduzo os factos dados como provados no processo principal e que também não foram contestados perante o Tribunal de Justiça.

23.
    Hacene Akrich é cidadão marroquino. Nasceu em 27 de Março de 1967. A sua esposa, Halina Jazdzewska, é cidadã britânica e nasceu em 9 de Junho de 1963.

24.
    Em 14 de Junho de 1988, foi recusada a H. Akrich a entrada no território do Reino Unido. H. Akrich chegou ao Reino Unido como turista em 12 de Fevereiro de 1989, com uma autorização de residência para turista. Em 20 de Julho de 1989, foi-lhe recusada uma autorização de residência para estudante. Ao recurso interposto foi negado provimento, em 10 de Agosto de 1990.

25.
    Em 22 de Junho de 1990, H. Akrich foi condenado por tentativa de furto e posse de documento de identidade furtado. Foi-lhe aplicada uma multa de 250 GBP ou um dia de prisão por cada um dos ilícitos, com cumulação de penas. Não recorreu. Em 1 de Outubro de 1990, foi emitida uma ordem de expulsão, assinada pelo Secretary of State. Em 2 de Janeiro de 1991, H. Akrich foi expulso para Argel. Em 1992, foi detido no Reino Unido, seguindo-se uma nova expulsão em 30 de Junho de 1992, novamente para Argel.

26.
    Em 8 de Junho de 1996, H. Akrich casou-se com Halina Jazdzewska. Esta é, nas presentes conclusões, a seguir designada por esposa de H. Akrich. Pouco depois, em 29 de Agosto de 1996, foi pedida uma autorização de permanência em nome de H. Akrich, na qualidade de cônjuge de uma cidadã britânica. Em 14 de Abril de 1997, H. Akrich apresentou ainda um pedido de asilo.

27.
    Em 1 de Junho de 1997, a esposa de H. Akrich deslocou-se para a Irlanda, na expectativa de que o seu marido a ela se juntasse. Efectivamente, H. Akrich chegou a Dublin pouco tempo depois, no final de Agosto de 1997. Foi aí conduzido a seu pedido pelas autoridades britânicas.

28.
    Mais tarde, a esposa de H. Akrich justificou assim a sua permanência na Irlanda. Declarou que o seu cônjuge se encontrava detido num centro de instalação no Reino Unido. Se ela residisse na Irlanda, o seu marido não seria expulso para a Argélia. Pôde assim ir para a Irlanda. Declarou igualmente que não era sua intenção ficar na Irlanda, pois sabia que uma permanência por seis meses na Irlanda permitiria a ambos, com base no direito comunitário, regressar ao Reino Unido. De acordo com a inquirição feita quer à esposa de H. Akrich quer ao próprio, estes invocam o acórdão Singh como fundamento para a entrada no Reino Unido.

29.
    Durante a sua permanência na Irlanda, a esposa de H. Akrich esteve empregada num banco. Resulta do despacho de reenvio que a relação de trabalho durou mais de seis meses.

30.
    Foi igualmente declarado e não contestado que, durante a sua permanência na Irlanda, H. Akrich também esteve empregado. No que se refere às circunstâncias susceptíveis de determinar o regresso ao Reino Unido: o casal tinha sítio onde ficar (o irmão da esposa de H. Akrich disponibilizou alojamento), a esposa de H. Akrich tinha perspectivas concretas de emprego (que lhe tinha sido oferecido no Reino Unido a partir de Agosto de 1998) e o casal provou possuir mais de 4 000 IEP em dinheiro.

IV - Tramitação processual

31.
    Em 23 de Janeiro de 1998, H. Akrich pediu a revogação da ordem de expulsão de 1990 ainda em vigor e em 12 de Fevereiro de 1998 solicitou junto da embaixada britânica em Dublin um visto para entrar no Reino Unido na qualidade de cônjuge de uma pessoa aí estabelecida.

32.
    Em 21 de Setembro de 1998, o Secretary of State recusou revogar a ordem de expulsão. Deu igualmente instruções ao Entry Clearance Officer para recusar o visto de entrada requerido. Em 29 de Setembro de 1998, o Entry Clearance Officer indeferiu o pedido de visto de entrada, conforme as instruções do Secretary of State. Segundo o Secretary of State, a deslocação de H. Akrich e da esposa para a Irlanda mais não fora do que uma ausência temporária com o intuito de criar, de forma artificial, um direito de residência a favor de H. Akrich no caso de regresso ao Reino Unido e a iludir as disposições da legislação nacional do Reino Unido. A esposa de H. Akrich não devia, pois, ser considerada uma trabalhadora que exercera noutro Estado-Membro direitos emergentes do Tratado.

33.
    Em 20 de Outubro de 1998, H. Akrich recorreu destas decisões para o Adjudicator. Em 2 de Novembro de 1999, o Adjudicator decidiu que a esposa de H. Akrich tinha efectivamente exercido os direitos garantidos pela legislação comunitária e que esta situação não tinha sido desvirtuada pelas intenções de H. Akrich e da esposa. No plano jurídico, concluiu que não tinham invocado o direito comunitário com o objectivo de iludirem as disposições da legislação do Reino Unido. Concluiu também que H. Akrich não constituía uma ameaça real e suficientemente séria para a ordem pública susceptível de justificar a manutenção da ordem de expulsão.

34.
    Em 16 de Novembro de 1999, o Secretary of State pediu autorização para recorrer da decisão do Adjudicator para o Immigration Appeal Tribunal. Em 23 de Novembro de 1999, o Immigration Appeal Tribunal autorizou o recurso. Numa audiência realizada em 12 de Abril de 2000, este tribunal indicou às partes que tencionava submeter determinadas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em aplicação do artigo 234.° CE. O Immigration Appel Tribunal convidou as partes a apresentarem observações sobre essas questões.

35.
    Posteriormente, por decisão de 3 de Outubro de 2000, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de Março de 2001, o Immigration Appeal Tribunal (Reino Unido) submeteu ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias um pedido de decisão prejudicial no processo Secretary of State for the Home Department contra Hacene Akrich. O Immigration Appeal Tribunal solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre as seguintes questões:

«Quando um nacional de um Estado-Membro é casado com um nacional de um país terceiro que não preenche os requisitos previstos na legislação nacional para entrar ou residir no território desse Estado-Membro e se desloca para outro Estado-Membro com o cônjuge não nacional com o objectivo de exercer direitos emergentes da legislação comunitária, trabalhando neste outro Estado-Membro apenas durante um período limitado de tempo a fim de, no momento em que regressa ao Estado-Membro de que tem a nacionalidade na companhia do cônjuge, invocar os direitos conferidos pela legislação comunitária:

1)    O Estado-Membro de origem pode considerar que a intenção que anima o casal, ao deslocar-se para outro Estado-Membro, de reclamar o benefício de direitos decorrentes da legislação comunitária no momento do regresso ao Estado-Membro de origem, independentemente do facto de o cônjuge estrangeiro não preencher os requisitos necessários nos termos da legislação nacional, configura uma situação em que o direito comunitário é invocado a fim de iludir a aplicação da legislação nacional, e

2)    em caso de resposta afirmativa, o Estado-Membro de origem pode recusar:

    a)    suprimir qualquer obstáculo prévio à entrada do cônjuge não nacional nesse Estado-Membro (no presente processo, uma ordem de expulsão em vigor) e

    b)    conceder ao cônjuge não nacional um direito de entrada no seu território?»

36.
    No presente processo, foram apresentadas observações escritas no Tribunal de Justiça pelo requerente no processo principal, pelos Governos do Reino Unido e da Grécia e pela Comissão. A audiência teve lugar em 5 de Novembro de 2002.

V - O contexto do presente processo

A - Nota preliminar

37.
    Conforme já referi na introdução destas conclusões, o presente processo tem origem na confluência, por um lado, da legislação sobre imigração que diz respeito sobretudo à autorização de entrada nos Estados-Membros de pessoas provenientes de países terceiros e, por outro, da livre circulação de pessoas no interior da própria União Europeia, a qual é garantida ao nível da União Europeia. Nesta parte das conclusões, desenvolverei um pouco mais os contornos das duas áreas de competência e elaborarei uma síntese. A parte seguinte das conclusões contém uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio da livre circulação de pessoas. Estas duas partes consideradas em conjunto delimitam os contornos da procura de uma solução para o dilema esboçado na introdução.

B - Direito da migração

1. A competência

38.
    Conforme já foi referido, no actual estado do direito comunitário, a legislação sobre imigração é quase toda da competência dos Estados-Membros. Trata-se de uma competência muito importante, que deve poder ser exercida de forma eficaz. É certo que o artigo 63.°, n.° 3, CE prevê a adopção de determinadas medidas comunitárias no domínio da imigração, mas esta disposição está concretizada na legislação comunitária de forma muito limitada (7). No futuro próximo, prevê-se uma maior aproximação das legislações (8). Além disso, a necessidade de uma política comunitária de imigração foi reconhecida em diversas reuniões do Conselho Europeu e a Comissão já delineou os seus eventuais contornos dessa política numa comunicação ao Conselho e ao Parlamento (9). Não se perspectiva uma harmonização total. O artigo 63.° apenas prevê a harmonização em determinadas áreas, inclusive as «condições de entrada e de residência, bem como normas relativas aos processos de emissão de vistos de longa duração e autorizações de residência permanente, pelos Estados-Membros, nomeadamente para efeitos de reagrupamento familiar» [v. artigo 63.°, n.° 3, alínea a)].

39.
    Segundo a Comissão, são necessárias medidas de harmonização porque a pressão da imigração deve continuar e porque uma política de migração mais aberta e mais transparente não só beneficia os imigrantes e os países de origem, como a própria UE. Porém, de acordo com a Comissão e nos termos do artigo 63.° CE, o controlo dos fluxos de migração deve manter-se nas mãos dos governos nacionais.

40.
    O modo como o Reino Unido exerceu a sua competência deu origem, no presente caso, ao processo prejudicial. Afinal, o que está em causa? O Reino Unido, ao abrigo da sua competência, fixou os requisitos aplicáveis à entrada de nacionais de países terceiros casados com cidadãos britânicos (10). O casamento deve ter um carácter «sério». Além disso, o acesso pode ser recusado - deixando de lado as excepções - se vigorar contra a pessoa uma ordem de expulsão.

41.
    O Reino Unido pode só estabelecer por si esses requisitos, desde que tenha em consideração o artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direito do Homem (CEDH), que protege a vida familiar. O exercício desta competência só pode colidir com o direito comunitário no domínio da livre circulação de pessoas numa situação em que o interessado possa recorrer ao direito comunitário.

2. Conteúdo e tendência

42.
    O artigo 63.° CE visa os nacionais de países terceiros. Actualmente, a legislação dos Estados-Membros sobre imigração é, em princípio, aplicável a todos os estrangeiros. No entanto, tendo em conta os muitos direitos que a legislação comunitária confere aos nacionais da UE, o grupo alvo da legislação nacional também se circunscreve na prática, pelo menos nas suas grandes linhas, aos nacionais de países terceiros. Já chamei a atenção para esse facto. O ponto central da legislação dos Estados-Membros sobre imigração é o de que um imigrante só é autorizado a entrar após uma prévia apreciação individual do seu caso. Os requisitos que os Estados-Membros estabelecem para esse efeito são cada vez mais rigorosos. O casamento constitui actualmente um dos poucos títulos com base nos quais o nacional de um país terceiro pode entrar num Estado-Membro. Além disso, as exigências impostas ao casamento são cada vez mais rigorosas (11).

43.
    Quando um nacional de um país terceiro pede para entrar num Estado-Membro, este pode, de acordo com a respectiva legislação nacional, subordinar essa autorização a determinados critérios. Um cônjuge de fora da União Europeia só é autorizado a entrar após a averiguação da natureza e da duração do casamento. Esta averiguação é feita para combater o fenómeno dos casamentos brancos entre nacionais da União e nacionais de países terceiros já residentes num Estado-Membro. Quando as autoridades competentes dos Estados-Membros constatam a existência de um casamento branco, a licença de estabelecimento ou de permanência do nacional do país terceiro baseada no casamento é, em geral, retirada, revogada ou não prorrogada. Estas medidas podem ser tomadas independentemente da existência de perigo para a ordem pública.

44.
    Em determinados Estados-Membros (Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Portugal e Reino Unido), há uma averiguação prévia. Nestes Estados-Membros, o funcionário do registo civil pode ou deve recusar celebrar o casamento sempre que haja indícios sérios de que os nubentes não têm intenção de viver juntos. Depois, é ainda efectuada em todos os Estados-Membros uma averiguação a posteriori. As competentes autoridades para a imigração investigam sempre que existam suspeitas fundadas da verificação de um casamento branco. A resolução do Conselho de 4 de Dezembro de 1997 fornece um conjunto de critérios nos quais as autoridades competentes se podem basear (12).

45.
    A par da averiguação do casamento, os Estados-Membros aplicam ainda uma série de critérios. Para esse efeito, é irrelevante que se trate de pessoas casadas ou solteiras. Na maioria dos Estados-Membros, a interrupção da residência no território de um Estado-Membro (13), a fraude e o perigo para a ordem e segurança públicas constituem motivos de revogação ou de recusa de prorrogação do título de residência ou de expulsão de uma pessoa do território de um Estado-Membro. Nalguns Estados-Membros, a medida de expulsão do território pode constituir uma sanção penal ou uma sanção acessória de uma pena privativa da liberdade. Se o nacional de um país terceiro tiver fornecido informações falsas ou enganosas, tiver utilizado documentos falsos ou falsificados ou tiver, por outros meios, praticado fraude ou utilizado meios ilegais, o seu título de residência pode ser retirado em todos os Estados-Membros ou pode ser recusada a prorrogação desse título. Todos os Estados-Membros previram na legislação nacional a possibilidade de afastarem ou expulsarem nacionais de um país terceiro em caso de perigo para a ordem ou segurança públicas. Na Áustria, Dinamarca e Alemanha, a expulsão com estes fundamentos é obrigatória. Alguns países estipularam igualmente na sua legislação que, quando estejam em causa determinadas penas (crimes em matéria de estupefacientes, na Dinamarca) ou penas de determinada duração (uma pena de prisão de mais do que um ano, na Finlândia), pode ser ordenada a expulsão.

46.
    Ao tomarem uma decisão de expulsão do território, os Estados-Membros devem, efectivamente, ter em conta as circunstâncias específicas em que se encontra o interessado. Isto está relacionado com o facto de uma medida de expulsão poder ter consequências muito sérias para as pessoas envolvidas, sobretudo no caso de o interessado ter laços muito estreitos com a sua família e outras pessoas próximas. Os limites decorrem da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), designadamente do seu artigo 8.° Na apreciação da recusa de emissão ou de prorrogação do título de residência ou na apreciação da expulsão do território, a entidade nacional competente deve ponderar de forma proporcional os interesses do Estado e os interesses do interessado e dos que lhe são próximos. Da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decorre um conjunto de critérios, tais como (14):

-    o grau de integração social e cultural no país de acolhimento;

-    os laços com pessoas próximas que vivem no país de acolhimento;

-    os laços com o país de acolhimento, devendo também averiguar-se se o nacional de um país terceiro já tinha emigrado para o país de acolhimento na sua juventude;

-    a duração de residência do interessado nesse país de acolhimento;

-    a saúde, idade e situação familiar e económica do interessado;

-    a medida em que o interessado mantém laços com o seu país de origem;

-    ou a questão de saber se existe perigo de maus tratos do interessado na hipótese de este regressar ao seu país de origem.

47.
    Conforme já referido, as possibilidades de os nacionais de países terceiros entrarem no território da União Europeia são limitadas. Em contrapartida, os fundamentos que podem servir de base à expulsão de uma pessoa do território de um Estado-Membro previstos na legislação dos Estados-Membros são, neste momento, muito amplos. Além disso, as legislações nacionais dos diversos Estados-Membros tornam-se cada vez mais restritivas, seguindo o exemplo umas das outras com curtos lapsos de tempo. Frequentemente, depois de um Estado-Membro ter aperfeiçoado a sua legislação sobre imigração, os Estados-Membros vizinhos vão atrás pouco tempo depois. Os requisitos que os Estados-Membros estabelecem para a admissão de nacionais de países terceiros tornam-se mais exigentes à medida em que têm mais dificuldades em gerir os fluxos migratórios.

48.
    Chamo ainda a atenção para as propostas constantes de um conjunto de novas directivas no domínio da imigração e da livre circulação (15). Estas propostas de legislação comunitária, em relação às quais se coloca ainda a questão de saber em que medida serão aceites pelo Conselho, não têm qualquer influência na resposta às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

C - Livre circulação de pessoas

1. Competência

49.
    As competências da Comunidade Europeia no domínio da livre circulação interna de pessoas são bastante completas. Dizem respeito à circulação e permanência de nacionais dos Estados-Membros da União Europeia nos Estados-Membros de que não são nacionais. Os artigos 18.°, 39.°, 43.° e 49.° CE visam expressamente os nacionais dos Estados-Membros (16). Estes podem basear directamente nos referidos artigos do Tratado o seu direito de circulação e permanência. Neste domínio, os Estados-Membros dispõem de uma competência muito limitada. Assim, só podem recusar a entrada e a permanência a nacionais de outros Estados-Membros por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. A Directiva 64/221 estipula, em especial, o modo como estes critérios devem ser interpretados pelos Estados-Membros. Relativamente aos cidadãos de outros Estados-Membros economicamente inactivos, pode exigir-se ainda que não constituam uma sobrecarga injustificada para os recursos públicos.

50.
    Esta competência é atribuída à Comunidade Europeia a fim de assegurar que a integração europeia é efectivamente concretizada, em primeiro lugar através de um mercado interno sem fronteiras internas. Cito o artigo 14.°, n.° 2, CE: «O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do presente Tratado.»

2. Conteúdo e tendência

51.
    Conforme referi de forma mais desenvolvida nas minhas conclusões no processo Baumbast e R (17), existem no domínio da livre circulação de pessoas dois complexos de legislação comunitária, a saber, as já antigas regras sobre migração relacionadas com o exercício de uma actividade económica e as regras mais recentes que comportam um direito de residência - de resto não ilimitado - a favor dos cidadãos da União Europeia, mesmo que estes não sejam economicamente activos.

52.
    As regras aplicáveis aos cidadãos economicamente activos - limito-me aqui à relação do presente processo com a livre circulação de trabalhadores - estão consagradas, nomeadamente, nos artigos 39.° e seguintes do Tratado CE, no Regulamento n.° 1612/68 e nas Directivas 64/221 e 68/360 (18). O artigo 39.° CE confere ao nacional de um Estado-Membro da União Europeia o direito de circular livremente dentro da União Europeia e de permanecer no território de um outro Estado-Membro com vista ao exercício de uma actividade profissional. O direito derivado acrescentou a estes dois direitos protegidos pelo próprio Tratado direitos acessórios, inclusive o já referido direito de se fazer acompanhar por membros da família no caso de residência noutro Estado-Membro. O Regulamento n.° 1612/68 enuncia este direito acessório como um direito próprio dos membros da família do trabalhador. A Directiva 68/360 deve assegurar que o exercício deste direito não possa ser dificultado por obstáculos formais no momento da entrada efectiva. Os membros da família - e naturalmente também o próprio trabalhador - são admitidos no território mediante apresentação de um bilhete de identidade ou de um passaporte válidos e, eventualmente, de um visto. Deste modo, é excluída uma apreciação individual prévia (19).

53.
    Para os cidadãos inactivos, vigora o direito de residência ao abrigo da Directiva 90/364 (20). Este direito é concedido aos nacionais dos Estados-Membros que não beneficiem desse direito por força de outras disposições de direito comunitário e aos membros das respectivas famílias, na condição de disporem, para si próprios e para as suas famílias, de um seguro de doença que cubra todos os riscos no Estado-Membro de acolhimento e de recursos suficientes para evitar que se tornem, durante a sua permanência, uma sobrecarga para a assistência social do Estado-Membro de acolhimento.

54.
    A legislação comunitária no domínio da livre circulação de pessoas é completada pelo direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados-Membros, de que gozam os cidadãos da União por força do artigo 18.° CE. No acórdão Baumbast e R (21), o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente o efeito directo do artigo 18.°, embora este direito esteja sujeito a restrições que têm a sua base no direito comunitário. Nesse caso, o Tribunal de Justiça não teve de analisar a questão de saber se os direitos que o artigo 18.° confere aos cidadãos da União incluem o direito de este de se fazer acompanhar pelos seus familiares.

55.
    Isto leva-me, mais especificamente, aos direitos dos membros da família que não sejam eles próprios nacionais de um Estado-Membro da CE. O artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 confere direitos aos nacionais de países terceiros que possam invocar o estatuto de cônjuge ou de filho de um trabalhador comunitário. Para beneficiarem de um direito de residência é irrelevante que não sejam cidadãos da União; a única coisa que conta é o laço que existe com o trabalhador. O regulamento nada mais refere sobre o cônjuge.

56.
    Chegamos agora à evolução do direito. A liberdade de residir noutro Estado-Membro garantida pelo Tratado tem vindo a tornar-se cada vez mais completa. Os cidadãos da União não podem ser impedidos de exercer o direito devido a obstáculos que se coloquem a membros da família. Isto aplica-se, em especial, à livre circulação de trabalhadores. Antes de mais, o trabalhador tem sempre o direito, com base no Regulamento n.° 1612/68, de se instalar com o seu cônjuge nesse outro Estado-Membro. Segundo o preâmbulo do regulamento, este direito deve ser considerado um direito fundamental, tanto do trabalhador como da sua família. Nem a natureza nem a duração do casamento são averiguadas. A única excepção diz respeito à recusa de entrada por razões de ordem pública ou de segurança pública (nos termos da Directiva 64/221). A ameaça deve ser séria: uma condenação penal não pode, em si mesma, ser automaticamente considerada uma ameaça. Além disso, os direitos dos membros da família vão mais longe do que a simples admissão. Devem poder trabalhar e ter acesso ao ensino. Conservam mesmo determinados direitos após o regresso do trabalhador ao Estado-Membro de origem (22).

57.
    Coloca-se, pois, a questão de saber se o legislador comunitário se deu conta de todas as possíveis variantes aquando da adopção do Regulamento n.° 1612/68. O que importa, antes de mais, no Regulamento n.° 1612/68, segundo me parece, é que o trabalhador, quando migra para outro Estado-Membro, deve poder levar consigo o seu cônjuge em condições que sejam para este atractivas. Isto serve o interesse da livre circulação e vai também ao encontro do disposto no artigo 8.° da CEDH. Contudo, são imagináveis outras situações, também elas abrangidas pela ampla formulação do artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68. Refira-se, para começar, a situação de não existirem ainda laços familiares no momento da migração. Só depois de se ter instalado como trabalhador num país de acolhimento é que o cidadão da União casa com alguém de fora da União Europeia. Além disso, pode pensar-se numa situação em que o laço com o trabalhador migrante existiu efectivamente, mas em determinado momento desaparece. Foi o que aconteceu no processo Baumbast e R (23). Este processo comportava dois elementos diferentes, a saber, o fim do laço com o trabalhador por motivo de divórcio e a circunstância de o nacional comunitário com quem o interessado estava casado (e permaneceu casado) deixar de poder invocar o estatuto de trabalhador comunitário.

58.
    Existe ainda a variante do presente processo. H. Akrich, cônjuge de uma nacional comunitária, não se encontra legalmente no território da União Europeia. Para além de não lhe ter sido autorizada a entrada, existe no Reino Unido uma ordem de expulsão contra si. Não obstante, invoca o direito comunitário para, noutro Estado-Membro - no caso a Irlanda -, conseguir entrar no território da União Europeia. Este direito é-lhe concedido e posteriormente invoca-o para entrar no Estado-Membro que anteriormente lhe recusou a admissão, apesar de ainda estar em vigor a ordem de expulsão.

D - Síntese

59.
    A legislação sobre imigração visa regular a entrada nos Estados-Membros da União Europeia. As regras são cada vez mais rigorosas. A legislação comunitária em matéria de livre circulação de pessoas pretende liberalizar a circulação e a permanência noutros países. O direito de residir noutro Estado-Membro é cada vez mais completo.

60.
    Estas evoluções não são em si mesmas necessariamente contraditórias. É até inevitável que a evolução do direito material nestes dois domínios de competência divirja cada vez mais. Com efeito, sendo a União Europeia cada vez mais um espaço de deslocação completamente livre, é necessário exercer o controlo no momento de admissão a esse espaço. A livre circulação de pessoas aplica-se pois àqueles que são admitidos nesse espaço.

61.
    Contudo, a regulamentação no domínio da livre circulação de pessoas também confere direitos aos cônjuges de cidadãos da UE que não tenham, ou não tenham ainda, sido admitidos na União Europeia. Isto é tanto mais notável quanto é certo que as regras, conforme referido, divergem cada vez mais. Além disso, verifica-se que os domínios de aplicação ratione personae são cada vez mais coincidentes. Por um lado, os nacionais de países terceiros que podem invocar as regras da livre circulação de pessoas constituem um grupo cada vez mais importante, uma vez que o direito de residência na União Europeia confere cada vez mais direitos aos cidadãos da União Europeia e, por conseguinte, também aos seus familiares (direitos derivados). Por outro lado, numa legislação sobre imigração cada vez mais rigorosa, a constituição da família e o reagrupamento familiar são, em termos relativos, um fundamento cada vez mais importante para a imigração legal na União Europeia. São precisamente as regras da livre circulação de pessoas que conferem direitos aos membros da família de cidadãos comunitários migrantes. Estes direitos só tendem a reforçar-se, sobretudo devido à importância que o Tribunal de Justiça atribui à protecção da vida familiar dos cidadãos da União Europeia (24).

62.
    Estes dois aspectos conduzem a uma incongruência jurídica. Um cidadão da União que pretenda casar-se e posteriormente viver com uma pessoa que possua a nacionalidade de um país terceiro não tem automaticamente direito a que o seu cônjuge seja admitido nesse Estado-Membro. O cônjuge só é admitido após uma apreciação individual efectuada pelas autoridades nacionais de imigração com o auxílio de regras rigorosas. Essa apreciação incide, nomeadamente, na natureza e duração da relação, bem como no passado do cônjuge. Todavia, se o cidadão da União se estabelecer em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia, estas regras não se aplicam. O cônjuge é nesse caso subtraído à legislação nacional sobre imigração e é automaticamente admitido ao abrigo do direito comunitário. Isto só não se passa assim se o cônjuge constituir uma ameaça séria para a ordem pública (25).

63.
    A fim de ser exaustivo, gostaria ainda de referir que o Estado-Membro de acolhimento pode efectivamente verificar se o cidadão da União - portanto, não o cônjuge proveniente do exterior - invoca legitimamente o direito comunitário, na qualidade de trabalhador (ou, por exemplo, de prestador de serviços) ou de cidadão economicamente inactivo, com base na Directiva 90/364.

VI - Jurisprudência do Tribunal de Justiça

A - Introdução

64.
    Para o presente processo, é sobretudo relevante a jurisprudência sobre o alcance do direito que decorre do artigo 39.° CE e da legislação comunitária derivada conexa para o trabalhador migrante e respectivos familiares. Tratarei esta jurisprudência do seguinte modo. Começarei por analisar a constituição do direito ao abrigo do artigo 39.°, verificando a seguir em que medida este direito subsiste no caso de o trabalhador regressar ao seu país de origem, analisando a esse propósito o princípio da não discriminação. Examinarei depois as limitações ao direito de residência permitidas pelo direito comunitário por razões de ordem publica ou de segurança pública. Em seguida, abordarei a jurisprudência sob outra perspectiva: que direitos confere a legislação comunitária aos cidadãos no caso de estes o utilizarem pura e simplesmente para contornarem as suas legislações (nacionais) que lhes são desfavoráveis? Por último, debruçar-me-ei sobre o cidadão da União e o seu direito à vida familiar. Nas diferentes partes, também se coloca a questão de saber em que medida o cônjuge do trabalhador migrante pode extrair do direito comunitário os mesmos direitos que o próprio trabalhador migrante.

65.
    Começo, no entanto, por uma observação preliminar. A interpretação feita pelo Tribunal de Justiça das disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores caracteriza-se, no essencial, por ser «extensiva». Para além da letra da regulamentação, o Tribunal de Justiça também atende, de forma muito explícita, ao escopo subjacente: os entraves à livre circulação dos trabalhadores devem tanto quanto possível ser suprimidos. O reverso da medalha é o facto de se limitar o âmbito de aplicação das medidas nacionais que (potencialmente) afectam essa liberdade.

B - Constituição do direito

66.
    Para começar, importa chamar a atenção para a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos resultantes do artigo 39.° CE só podem nascer de situações que se inscrevam no âmbito de aplicação do direito comunitário. Esses direitos não surgem em situações que não apresentem qualquer conexão com uma das situações previstas pelo direito comunitário e em que todos os elementos se circunscrevam ao território de um único Estado-Membro (26). Por conseguinte, o regime do artigo 39.° não pode ser aplicado às pessoas que nunca exerceram essa liberdade. O mesmo acontece mutatis mutandis no que respeita aos direitos que um cidadão invoca com base no artigo 43.° CE ou no artigo 49.° CE, em matéria de estabelecimento ou de prestação de serviços, respectivamente (27).

67.
    Para constituir um direito com base no artigo 39.° CE é, pois, necessário um elemento transfronteiras. Numa determinada situação, o que funda o direito deve ter elementos de conexão com pelo menos dois Estados-Membros. A situação clássica visada pelo artigo 39.° CE é a do nacional de um Estado-Membro que se desloca para outro Estado-Membro para aí trabalhar. A legislação comunitária confere-lhe o direito de residir nesse outro Estado-Membro. Esta é a regra principal do artigo 39.° CE.

68.
    Segundo o acórdão Levin (28), o trabalhador só pode invocar a livre circulação dos trabalhadores se trabalhar real e efectivamente num Estado-Membro de que não é nacional ou, pelo menos, tencionar seriamente fazê-lo. O trabalho não pode ser de tal maneira reduzido que se afigure puramente marginal e acessório. Pode tratar-se de trabalho a tempo parcial e pode o salário auferido ser inferior ao salário mínimo garantido no sector em causa. Assim, o Tribunal de Justiça não exclui que um emprego a tempo parcial que normalmente não ultrapassa as dez horas semanais apresente um carácter suficientemente sério. O mesmo acontece em relação a um estágio integrado numa formação profissional (29).

69.
    Chamo a atenção, a este propósito, para o facto de o conceito de trabalhador ser um conceito de direito comunitário (30). A sua aplicação não pode ser limitada pelos critérios formulados na legislação nacional, por exemplo, requisitos relativos à importância do trabalho ou ao período mínimo de exercício das actividades profissionais (31).

70.
    De modo a assegurar uma livre circulação de trabalhadores efectiva, a jurisprudência reconhece, nomeadamente com base no direito comunitário derivado, vários direitos complementares. Assim, o Tribunal de Justiça concretizou o pressuposto de que estamos perante liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado que, por isso, não podem ser entendidas restritivamente (32). Essa concretização verifica-se a dois níveis: o Tribunal de Justiça concebe muitas vezes em termos amplos o direito do próprio trabalhador, mas, paralelamente, também atribui aos membros da família do trabalhador direitos equivalentes.

71.
    Começo por abordar a amplitude do direito do próprio trabalhador. Em primeiro lugar, a sua relação de trabalho não é submetida a requisitos demasiado rigorosos. Assim, no acórdão Levin de 1982, o Tribunal de Justiça já reconhecia o trabalho a tempo parcial. O que é notável, uma vez que em 1982 o trabalho a tempo parcial era consideravelmente menos utilizado do que hoje. Em segundo lugar, não se exige per se que o nacional de um Estado-Membro se estabeleça fisicamente noutro Estado-Membro. No acórdão Carpenter - que se refere à livre prestação de serviços - o Tribunal de Justiça considera que o direito comunitário é aplicável a uma situação em que o prestador de serviços preste serviços principalmente a partir do seu próprio Estado-Membro para destinatários estabelecidos noutros Estados-Membros. O Tribunal de Justiça vai, possivelmente, ainda mais longe no acórdão Deliège (33). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça prevê a possibilidade de determinada pessoa invocar o direito comunitário com base na circunstância de a mesma participar como atleta numa competição num Estado-Membro que não aquele onde se encontra estabelecida. Exige-se, evidentemente, que essa participação em torneios internacionais constitua uma actividade económica na acepção do artigo 2.° do Tratado. Em terceiro lugar, o trabalhador pode, em determinadas circunstâncias, continuar a invocar o direito comunitário se, após permanecer noutro Estado-Membro, regressar ao seu próprio país. Tendo em conta a importância deste elemento para o presente processo, o mesmo será abordado separadamente adiante.

72.
    Os direitos dos membros da família do trabalhador migrante baseiam-se, principalmente, no Regulamento n.° 1612/68 (34). O direito de residência é-lhes conferido pelo artigo 10.° deste regulamento. Os membros da família adquirem, deste modo, direitos próprios que podem invocar, embora estes direitos dependam da existência de um laço com um trabalhador migrante. Este carácter derivado dos direitos implica que o cônjuge não tenha que ser um cidadão da União e também que não tenha, ele próprio, de apresentar um elemento de conexão com mais de um Estado-Membro. O que está em causa é saber se o próprio trabalhador possui um elemento de conexão, conforme decorre, nomeadamente, do acórdão Morson e Jhanjan (35). Segundo este acórdão, faltava um elemento de conexão na hipótese de trabalhadores que nunca tinham trabalhado noutro Estado-Membro pretenderem fazer vir membros da família de um país terceiro.

73.
    Em conformidade com a interpretação ampla do direito do trabalhador, o Tribunal de Justiça não impõe requisitos demasiado rigorosos à natureza do laço com o trabalhador migrante. Assim, os cônjuges não estão obrigados a viver permanentemente um com o outro (36). Além disso, o fim do laço com o trabalhador migrante não significa automaticamente o fim do direito do familiar de residir num Estado-Membro. O acórdão Baumbast e R (37) referia-se quer à hipótese de o laço familiar ter sido quebrado por divórcio quer à hipótese de o estatuto de trabalhador do titular do direito baseado no artigo 39.° CE se ter extinguido. O Tribunal de Justiça concluiu nas duas situações que, segundo o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, o direito de residência dos filhos do (ex-) trabalhador se mantinha em vigor, assim como o direito de residência do progenitor que assegura a guarda, o qual deriva do direito dos filhos.

74.
    Por último, quer o trabalhador quer os seus familiares não podem ser submetidos a formalidades previamente à sua admissão num Estado-Membro. A recusa de entrada na fronteira só é possível no caso de alguém que não esteja em condições de provar a sua identidade (38). A esse propósito, o Tribunal de Justiça determinou até, no acórdão MRAX, que o facto de alguém não dispor de um visto válido não pode por si só levar a uma recusa de entrada (39). O não preenchimento das formalidades tão-pouco constitui, segundo este acórdão, motivo de expulsão.

C - Extingue-se o direito no momento do regresso?

75.
    Em princípio, um indivíduo perde a qualidade de trabalhador comunitário quando deixa de preencher as condições para a sua obtenção (40). Por outras palavras, quando a relação de trabalho termina, o interessado perde em princípio a qualidade de trabalhador na acepção do artigo 39.° CE. Isto não impede, porém, que essa qualidade possa produzir determinados efeitos após a cessação da relação de trabalho (41). Tais efeitos subsistem após o regresso do trabalhador ao seu próprio Estado-Membro.

76.
    No acórdão Singh (42), o Tribunal de Justiça afirma o seguinte: «Um cidadão de um Estado-Membro poderia ser dissuadido de abandonar o seu país de origem para exercer uma actividade assalariada ou não assalariada, na acepção do Tratado CE, no território de outro Estado-Membro se não pudesse beneficiar, quando regressa ao Estado-Membro da sua nacionalidade para exercer uma actividade assalariada ou não assalariada, de facilidades de entrada e de residência pelo menos equivalentes às de que dispõe, por força do Tratado ou do direito derivado, no território de outro Estado-Membro.» Em resumo, o Tribunal de Justiça parte do princípio de que um trabalhador migrante, depois de regressar ao seu próprio Estado-Membro, continua a beneficiar de direitos com base no Tratado CE. O Tribunal de Justiça afirma igualmente neste acórdão que esses direitos são equivalentes aos direitos que o Tratado CE confere a um trabalhador migrante assalariado ou não assalariado.

77.
    De sublinhar que o regresso ao próprio país não faz surgir qualquer direito novo com base na legislação comunitária, mas que esses direitos decorrem de um direito anteriormente constituído. Interpreto da mesma forma os acórdãos Angonese, Kraus e D'Hoop (43), todos eles relacionados com o tratamento dos cidadãos da União Europeia no seu próprio país depois de terem anteriormente seguido uma formação noutro Estado-Membro. Sem entrar em pormenores, chamo a atenção para o facto de que estes cidadãos tinham utilizado o direito de livre circulação, o que os colocava sob o âmbito de aplicação do direito comunitário. Após o regresso, puderam continuar a beneficiar de direitos com base no direito comunitário. Nomeadamente, não puderam ser prejudicados por não terem efectuado (integralmente) a sua formação no seu próprio país. Tem de haver, pois, um elemento de conexão entre o exercício do direito de livre circulação e o direito que o interessado invoca (44).

78.
    Mais concretamente, o Tribunal de Justiça aborda a seguir, no acórdão Singh, o direito do cônjuge proveniente de um país terceiro. Este pode acompanhar o trabalhador assalariado ou não assalariado nas condições previstas no Regulamento n.° 1612/68, na Directiva 68/360 ou na Directiva 73/148. Os seus direitos não diferem dos que teria se o trabalhador se tivesse estabelecido noutro Estado-Membro.

79.
    Em relação aos filhos do trabalhador, o direito vai ainda mais longe. O Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão Echternach e Moritz (45), que o filho de um trabalhador que tenha estado empregado noutro Estado-Membro conserva a qualidade de membro da família de um trabalhador na acepção do Regulamento n.° 1612/68 quando a sua família regressa ao Estado-Membro de origem e ele permanece no país de acolhimento, eventualmente após determinada interrupção, com o objectivo de prosseguir a sua formação, a qual não podia ser efectuada no país de origem. O Tribunal de Justiça considerou, para esse efeito, que as vantagens concedidas aos membros da família de um trabalhador contribuem para a sua integração na vida social do país de acolhimento, em conformidade com os objectivos da livre circulação de trabalhadores. Para que tal integração resulte - assim prossegue o Tribunal de Justiça - é indispensável que o filho de um trabalhador comunitário tenha a possibilidade de fazer os estudos no país de acolhimento, como prevê expressamente o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, e de terminá-los com aproveitamento (46).

80.
    Contudo, as vantagens de que beneficiam os filhos não são ilimitadas. O acórdão Echternach e Moritz refere-se a uma situação específica. Em geral, o acesso não discriminatório aos benefícios sociais concedidos pelo Estado-Membro de acolhimento não pode - salvo circunstâncias especiais (47) - ser alargado a trabalhadores que, tendo deixado de exercer a sua actividade profissional no Estado-Membro de acolhimento, decidiram regressar ao seu Estado-Membro de origem. Assim, não tem que ser concedido qualquer financiamento dos estudos no caso de o trabalhador regressar acompanhado pelo filho, que tinha anteriormente beneficiado do direito ao financiamento dos estudos (48).

D - Significado da proibição de discriminação

81.
    Antes de mais, refira-se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade de tratamento inscrito tanto no artigo 39.° CE como no artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 proíbe não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, aplicando outros critérios de distinção, conduzam na prática ao mesmo resultado. Os interessados podem invocar esta proibição interpretada em sentido lato. A condição é que não se encontrem fora do âmbito de aplicação ratione materiae do direito comunitário, conforme referiu o Tribunal de Justiça no acórdão Morson e Jhanjan (49).

82.
    A proibição da discriminação desempenha um papel importante na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de livre circulação de pessoas. Muitos dos direitos que a legislação comunitária tem conferido decorrem da proibição de reservar aos cidadãos migrantes da União e aos membros da sua família um tratamento mais desfavorável do que a uma pessoa com a qual os mesmos são comparados.

83.
    Em relação à livre circulação de pessoas, a proibição tem duas gradações. Por um lado, o Tribunal de Justiça permite, por vezes, que ao seu nacional seja reservado um tratamento mais favorável do que ao nacional doutro Estado-Membro. Esta diferenciação existe uma vez que, na fase actual do direito comunitário, o direito de os nacionais de um Estado-Membro residirem no território de outro Estado-Membro não é incondicional (50). A diferença de tratamento também pode traduzir-se numa diferença de tratamento entre o cônjuge do próprio nacional e o cônjuge do nacional de outro Estado-Membro. Segundo o Tribunal de Justiça, os Estados-Membros podem, em especial, exigir dos cônjuges de pessoas que não beneficiam, elas próprias, de um direito de residência incondicional um período de permanência mais longo no seu território do que o exigido aos cônjuges de pessoas que já possuem esse direito, antes de lhes concederem um direito de residência incondicional (51).

84.
    Por outro lado, a discriminação de sentido contrário desempenha um papel importante. Um Estado-Membro pode sujeitar os seus nacionais a regras que não pode impor aos nacionais de outros Estados-Membros, por constituírem entraves ao exercício de uma liberdade destes últimos nacionais garantida pelo Tratado. Contudo, esta faculdade do Estado-Membro não é absoluta. O nacional de um Estado-Membro tem direito, em situações que se insiram no âmbito de aplicação ratione materiae do direito comunitário, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente previstas, ao mesmo tratamento jurídico (52). Se for abrangido por esse âmbito de aplicação, é necessário ainda que o seu nacional sofra entraves ao exercício de uma liberdade garantida pelo direito comunitário. Significa isto que um Estado-Membro só pode discriminar os seus nacionais se todos os aspectos relevantes no caso se desenrolarem no seu próprio território. O Tribunal de Justiça considera que estes casos são puramente internos a um Estado-Membro, por não existir um elemento de conexão com qualquer das situações previstas pelo direito comunitário (53). Contudo, importa também sublinhar que o Tribunal de Justiça interpreta o âmbito de aplicação ratione materiae do direito comunitário de forma abrangente.

85.
    A proibição da discriminação foi, assim, suficientemente apresentada, na parte que releva para o presente processo. Chego agora ao conteúdo da discriminação: igualdade de tratamento relativamente a quem? A discriminação clássica refere-se ao migrante comunitário que se estabelece noutro Estado-Membro. Este deve ser tratado do mesmo modo que o nacional desse Estado-Membro. Um exemplo clássico é o acórdão Reed (54), no qual um Estado-Membro que equipara os seus nacionais casados e em comunhão de facto para efeitos da obtenção de determinadas vantagens se vê impedido, em relação aos migrantes comunitários, de restringir essas vantagens ao cônjuge do migrante.

86.
    Contudo, o presente processo não tem qualquer relação com esta situação clássica, mas com uma forma de discriminação em sentido contrário: o cidadão que regressa ao seu próprio país após ter exercido uma liberdade garantida pelo direito comunitário. Na jurisprudência encontrei as seguintes comparações:

-    a comparação com aquele que permanece estabelecido no Estado-Membro onde exerceu a respectiva liberdade (acórdão Fahmi e Esmoris Cerdeiro-Pinedo Amado);

-    a comparação com o próprio nacional que não fez uso do direito comunitário (acórdão D'Hoop);

-    a comparação com aquele que se deslocou para outro Estado-Membro (um terceiro Estado-Membro) (acórdão Singh).

87.
    O acórdão Fahmi e Esmoris Cerdeiro-Pinedo Amado (55) confirma a jurisprudência anterior relacionada com a manutenção, após o regresso ao próprio país, das vantagens sociais a que um trabalhador migrante tem direito ao abrigo do Regulamento n.° 1612/68. Estava em causa, nomeadamente, a manutenção do direito ao financiamento dos estudos dos filhos do trabalhador (56). O artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 não pode ser interpretado no sentido de que garante a manutenção de uma vantagem social em benefício dos trabalhadores migrantes que deixaram de exercer a sua actividade profissional no Estado-Membro de acolhimento e que regressaram ao seu Estado-Membro de origem (57). Interpreto esta jurisprudência de forma mais ampla. Após o regresso do trabalhador ao seu Estado-Membro, deixa de haver motivo para o comparar com aqueles que ficaram no país de acolhimento. Esta regra é válida em relação aos direitos que são inerentes a uma permanência no local, como o financiamento dos estudos, mas também em relação a outros direitos. O indivíduo encontra-se novamente na esfera jurídica do seu próprio Estado-Membro, pelo que pode invocar direitos relativamente a esse Estado.

88.
    A segunda comparação respeitante à proibição de discriminação encontra-se no acórdão D'Hoop (58). Seria incompatível com o princípio da livre circulação reservar a uma pessoa um tratamento menos favorável no Estado-Membro de que é nacional do que aquele de que beneficiaria se não tivesse feito uso dos direitos conferidos pelo Tratado em matéria de livre circulação. O que está aqui em causa é, pois, uma desigualdade de tratamento relativamente a compatriotas que não fizeram uso da livre circulação. Ninguém pode ficar pior em virtude do uso de uma liberdade prevista no Tratado CE.

89.
    Contudo, este acórdão não se debruça sobre a questão de saber se a proibição de discriminação também implica que o facto de alguém ter feito uso do direito comunitário o pode colocar numa posição mais favorável. É precisamente esta interpretação que pode oferecer uma solução a H. Akrich e à sua esposa no presente processo.

90.
    Esta interpretação encontra-se no acórdão Singh. O Tribunal de Justiça também extrai desta comparação consequências para a posição jurídica do cônjuge de um nacional comunitário que fez uso do direito comunitário quando este último regressa ao seu país de origem. O cônjuge tem, pelo menos, os mesmos direitos de entrada e de permanência que aqueles que o direito comunitário lhe atribuiria no caso de o seu cônjuge decidir ir para outro Estado-Membro, do qual não fosse nacional, e aí residir.

E - Limitações por razões de ordem pública e de segurança pública

91.
    Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, as medidas nacionais susceptíveis de afectar ou de tornar menos atraente o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado CE devem preencher quatro condições: aplicarem-se de modo não discriminatório, justificarem-se por razões imperativas de interesse geral, serem adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassarem o que é necessário para atingir esse objectivo (59). O Tribunal de Justiça faz, deste modo, uma interpretação estrita desta limitação de uma liberdade fundamental prevista no Tratado.

92.
    O artigo 46.° CE reconhece a ordem pública e a segurança pública como razões imperativas de interesse geral. A ordem pública - e o mesmo acontece com a segurança pública - pode ser invocada em relação a nacionais de outros Estados-Membros com vista a expulsá-los do território nacional ou a recusar-lhes a entrada nesse território. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a noção de ordem pública só pode ser invocada em caso de ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade (60). O Tribunal de Justiça baseia a sua jurisprudência directamente no Tratado e utiliza aqui um critério que é mais rigoroso do que o estabelecido pela Directiva 64/221. Por vezes, o Tribunal de Justiça remete expressamente para esta directiva (61). Afirma, então, que a existência de uma condenação penal só pode ser considerada na medida em que as circunstâncias que lhe deram origem revelem a existência de um comportamento pessoal que constitua uma ameaça actual para a ordem pública. De resto, a Directiva 68/360 também conhece uma derrogação por razões de ordem pública e de segurança pública. Parto do princípio de que a interpretação desta derrogação não diverge do que acabo de referir.

93.
    A proibição de discriminação com base na nacionalidade não implica, neste caso, que as mesmas sanções também se apliquem em relação aos próprios nacionais. Mais especificamente, em relação aos nacionais de outros Estados-Membros, os Estados-Membros podem, por razões de ordem pública, tomar medidas que não podem aplicar aos seus nacionais, visto que não podem expulsar estes últimos do território nacional nem proibir-lhes o acesso a esse território (62). No entanto, isso não significa que as sanções que são aplicadas aos próprios nacionais e aos nacionais de outros Estados-Membros possam divergir totalmente umas das outras. O acórdão Olazabal contém um bom exemplo (63). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça faz depender a admissibilidade de uma medida em que, por razões de ordem pública, é recusada a entrada a um nacional de outro Estado-Membro numa parte do território nacional da questão de saber se em casos semelhantes também são tomadas medidas repressivas em relação aos próprios nacionais.

94.
    Na jurisprudência sobre a recusa em admitir um nacional de um país terceiro também tem um papel importante a proporcionalidade. Refiro, a este propósito, o acórdão MRAX (64), no qual o Tribunal de Justiça considerou o seguinte. A recusa de entrada na fronteira é, de qualquer forma, desproporcionada e, portanto, proibida se o nacional de um país terceiro casado com um nacional de um Estado-Membro que faz uso do seu direito de residência ou de circulação decorrente do direito comunitário estiver em condições de provar a sua identidade, bem como o vínculo matrimonial, e se não existirem elementos susceptíveis de provar que representa um perigo para a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública. O mesmo se passa relativamente à recusa de autorização de residência fundamentada exclusivamente no facto de o interessado não ter cumprido as formalidades legais relativas ao controlo dos estrangeiros ou relativamente à expulsão do território com fundamento apenas na caducidade do visto.

95.
    No acórdão Carpenter, o Tribunal de Justiça utiliza como critério de proporcionalidade o equilíbrio entre, por um lado, o direito ao respeito pela vida familiar - a que se refere o artigo 8.° da CEDH - e, por outro, a defesa da ordem pública e da segurança pública. A importância do exercício de uma liberdade fundamental decorrente do Tratado CE não integra, pois, a análise da proporcionalidade.

F - Possível utilização abusiva do direito comunitário

96.
    Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (65), as facilidades criadas pelo Tratado CE não podem ter por efeito permitir que as pessoas que delas beneficiam se subtraiam abusivamente às legislações nacionais. Está-se perante uma utilização abusiva do direito comunitário sempre que se verifiquem duas condições cumulativas, conforme se pode depreender do acórdão Emsland-Stärke (66). A primeira condição é constituída por um conjunto de circunstâncias objectivas «das quais resulte que, apesar do respeito formal das condições previstas na legislação comunitária, o objectivo pretendido por essa legislação não foi alcançado». A segunda condição é de natureza subjectiva e consiste na vontade do interessado de obter um benefício que resulta da legislação comunitária mediante a criação artificial das condições exigidas para a sua obtenção.

97.
    As liberdades previstas no Tratado não impedem os Estados-Membros de tomarem as medidas necessárias para evitarem essas utilizações abusivas. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado-Membro tem o direito de tomar medidas destinadas a impedir que, com base nas facilidades criadas pelo Tratado, alguns dos seus nacionais tentem subtrair-se abusivamente à aplicação da sua legislação nacional e que os particulares possam, abusiva ou fraudulentamente, prevalecer-se das normas comunitárias (67).

98.
    O acórdão Veronica Omroep Organisatie (68) oferece um exemplo de legislação nacional aceite pelo Tribunal de Justiça que se destinava a evitar essa utilização abusiva do direito comunitário. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça aceitou uma legislação nacional que proibia os organismos neerlandeses de radiodifusão de ajudarem a criar sociedades comerciais de rádio e televisão no estrangeiro com o objectivo de aí prestarem serviços destinados aos Países Baixos. A legislação impedia nomeadamente que, graças ao exercício das liberdades garantidas pelo Tratado CE, estes organismos de radiodifusão pudessem subtrair-se abusivamente às obrigações decorrentes da legislação nacional relativas ao conteúdo pluralista e não comercial dos programas. O acórdão TV 10 (69) aponta na mesma direcção e, possivelmente, até vai mais longe. Foi considerada uma utilização abusiva a constituição de uma empresa de radiodifusão de acordo com a legislação luxemburguesa, com a sua sede social no Grão-Ducado do Luxemburgo, mas com a intenção de emitir para os Países Baixos.

99.
    A utilização abusiva do direito comunitário pode, assim, ser contrariada por meio de medidas nacionais, mas isso nada diz sobre a margem de manobra que os Estados-Membros têm para esse efeito. Essa margem de manobra é limitada.

100.
    Em primeiro lugar, a luta contra a utilização abusiva não pode levar a uma limitação das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado CE, que são interpretadas de forma ampla pelo Tribunal de Justiça. A aplicação da medida nacional não pode, nomeadamente, atentar contra a plena eficácia e a aplicação uniforme das disposições comunitárias nos Estados-Membros (70). Mais especificamente, a limitação não pode estar relacionada com um elemento que seja inerente ao exercício de uma liberdade garantida pelo Tratado CE, conforme refere o Tribunal de Justiça no acórdão Centros (71). Tratava-se, nesse acórdão, do nacional de um Estado-Membro, que pretendia criar uma sociedade e, posteriormente, decidiu constituí-la num Estado-Membro cujas regras de direito das sociedades lhe impunham menos limitações e criar sucursais noutros Estados-Membros - inclusive o seu próprio Estado-Membro. Neste caso, não está em causa uma utilização abusiva do direito. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, o direito de constituir uma sociedade em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e de criar sucursais noutros Estados-Membros é inerente ao exercício, num mercado único, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado CE.

101.
    O que chama a atenção é o facto de o Tribunal de Justiça não ter seguido um raciocínio semelhante no acórdão TV 10. Com efeito, nesse processo também se fez uso de um direito inerente à liberdade de estabelecimento, a saber, a constituição de uma sociedade noutro Estado-Membro. Entendo que o acórdão TV 10 deve ser analisado no seu contexto específico. A sociedade foi constituída noutro Estado-Membro pura e simplesmente para iludir uma legislação nacional que prosseguia um objectivo no domínio da política cultural que o Tribunal de Justiça aceitou como sendo de interesse geral. Além disso, a constituição da sociedade teve por consequência que o objectivo de interesse geral deixava de poder ser devidamente realizado.

102.
    Em segundo lugar, as intenções de quem fez uso do direito comunitário não podem ser controladas. No acórdão Levin (72), o Tribunal de Justiça afirma expressamente que as intenções que possam ter movido o trabalhador são irrelevantes e não devem ser tomadas em consideração. O que é determinante é saber se a liberdade é utilizada em conformidade com o Tratado. Conforme também refere o advogado-geral Sir Gordon Slynn nas conclusões que apresentou neste processo, não interessa determinar qual a intenção que anima um trabalhador que vai trabalhar noutro Estado-Membro. Pode, efectivamente, ser o emprego, mas também, por exemplo, a proximidade da família ou o clima. De resto, o Tribunal de Justiça também analisa expressamente no acórdão o significado do facto de o direito de residência previsto no artigo 39.°, n.° 3, apenas ser atribuído a quem residir noutro Estado-Membro a fim de nele exercer uma actividade laboral. O termo «a fim de» não tem nada a ver, segundo o Tribunal de Justiça, com a intenção efectiva de residir noutro Estado-Membro. Se este termo exprime uma intenção, trata-se, segundo a leitura que faço do acórdão, da intenção de exercer uma verdadeira actividade laboral durante a estadia.

103.
    Apesar da formulação clara do acórdão Levin, a intenção do interessado tem, desde então, desempenhado um papel na jurisprudência do Tribunal de Justiça. No acórdão Lair (73), o Tribunal de Justiça afirma que há utilização abusiva do direito comunitário quando se prove por elementos objectivos que um trabalhador veio para outro Estado-Membro com a única finalidade de, após um curto período de actividade profissional, obter determinado benefício.

104.
    No acórdão Knoors, o Tribunal de Justiça relativiza, mais uma vez de forma contundente, a competência dos Estados-Membros para combater a utilização abusiva. O Tribunal de Justiça observa que a Directiva 64/427 (74) estabelece regras relativas ao período mínimo da residência noutro Estado-Membro para determinados trabalhadores independentes e que a Comunidade é livre de tomar medidas a nível europeu para lutar contra as causas da fraude à lei.

105.
    Por último, refira-se ainda que o Tribunal de Justiça, a aceitar o combate à utilização abusiva, segue o seguinte raciocínio. Uma legislação nacional que é justificada por uma razão imperativa de interesse geral pode ser aplicada a nacionais do próprio Estado-Membro que usem o direito comunitário pura e simplesmente para se subtraírem a essa legislação.

G - O cidadão e a sua família

106.
    Refira-se, a título liminar, a cidadania da União, que no presente processo não está em si mesma em discussão, mas que dá uma indicação da ampla protecção que o direito comunitário confere aos migrantes dentro da União Europeia. No acórdão Baumbast e R, conforme referido, o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito directo do artigo 18.° CE, que confere ao cidadão da União um direito de circulação e um direito de residência (75). O acórdão Baumbast e R foi o culminar de uma evolução na jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de atribuir cada vez mais valor à cidadania. O acórdão Grzelczyk constituiu uma etapa importante nessa evolução. Segundo o Tribunal de Justiça, a qualidade de nacional da União deve ser a qualidade fundamental dos nacionais dos Estados-Membros (76). Além disso, conforme salienta o Tribunal de Justiça, o cidadão tem frequentemente uma família.

107.
    Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça afirma expressamente que o legislador comunitário reconheceu a importância de assegurar a protecção da vida familiar dos nacionais dos Estados-Membros como forma de eliminar os obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, o que resulta nomeadamente dos regulamentos e directivas do Conselho relativos à livre circulação dos trabalhadores assalariados e não assalariados no interior da Comunidade (77). Assim, o Regulamento n.° 1612/68 deve ser interpretado tendo em conta o direito ao respeito pela vida familiar previsto no artigo 8.° da CEDH. Decorre do sistema e da finalidade deste regulamento que, para a promoção da livre circulação dos membros da família dos trabalhadores, o Conselho teve em consideração o facto de ser importante para o trabalhador, do ponto de vista humano, viver com a sua família (78).

108.
    O artigo 8.° da CEDH não só desempenha um papel na interpretação das intenções do legislador comunitário, como se torna cada vez mais importante também noutros domínios, enquanto um quadro de referência para o Tribunal de Justiça. Assim, parto do princípio de que o artigo 8.° da CEDH limita a interpretação e a aplicação do próprio Tratado CE - e, em relação ao presente processo, estou a pensar sobretudo no artigo 39.° CE. Por outro lado, chamo ainda a atenção para o acórdão Carpenter (79). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça fiscaliza uma decisão de um Estado-Membro directamente à luz artigo 8.° da CEDH. O Tribunal de Justiça declara o seguinte: «Mesmo que a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais não garanta como tal qualquer direito de um estrangeiro de entrar e permanecer no território de um país determinado, excluir uma pessoa de um país onde vivem os seus parentes próximos pode constituir uma ingerência no direito ao respeito pela vida familiar tal como vem protegido no artigo 8.°, n.° 1, da convenção. Semelhante ingerência viola a convenção se não cumprir as exigências do n.° 2 do mesmo artigo, ou seja, se não estiver prevista na lei e não for inspirada por uma ou várias finalidades legítimas à luz do referido número e necessária numa sociedade democrática [...].»

H - Síntese

109.
    Fiz anteriormente, no n.° 65, a observação preliminar de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio da livre circulação dos trabalhadores tem um carácter extensivo. O exame da jurisprudência permite precisar ainda mais este carácter extensivo.

110.
    Começo pela jurisprudência extensiva relativa ao âmbito de aplicação da livre circulação dos trabalhadores. Para dar origem a um direito, o acto do cidadão da União Europeia deve estar abrangido pelo âmbito de aplicação do direito comunitário e o cidadão deve ser um trabalhador. O direito comunitário aplica-se logo que existe um elemento transfronteiras; não é necessário que o trabalhador se estabeleça noutro Estado-Membro. Para ser considerado trabalhador, é suficiente que exista uma relação de trabalho de duração e importância limitada.

111.
    Também o conteúdo do direito do trabalhador comunitário é interpretado de forma ampla pelo Tribunal de Justiça. Em primeiro lugar, é um direito objectivado. As intenções do trabalhador não desempenham, em princípio, qualquer papel. Em segundo lugar, o direito de circular e residir noutro Estado-Membro deve poder ser exercido plenamente. O direito é também complementado com uma série de direitos acessórios interpretados extensivamente, entre os quais o direito de se fazer acompanhar pelo cônjuge. O cônjuge chega mesmo a beneficiar de direitos autónomos com base no direito comunitário. Em terceiro lugar, mesmo que alguém perca a qualidade de trabalhador comunitário, ao regressar ao próprio país conserva determinados direitos que adquiriu com base na sua anterior qualidade. Em quarto lugar, as possibilidades que o trabalhador tem de invocar a proibição de discriminação são muito amplas. Por vezes, o trabalhador comunitário que regressa ao seu país tem mais direitos do que os seus compatriotas que não deixaram o país. Em quinto lugar, a ampla interpretação do direito do trabalhador comunitário é ainda reforçada pela importância que o Tribunal de Justiça atribui ao artigo 8.° da CEDH.

112.
    As possíveis limitações ao direito do trabalhador são, em contrapartida, interpretadas de forma estrita. Isto é válido para a interpretação do conceito de ordem pública enquanto fundamento de limitação e para o reconhecimento de uma utilização abusiva do direito comunitário.

VII - Apreciação

A - Observações preliminares

113.
    Começo por fazer uma observação sobre a abordagem. O Governo britânico pede ao Tribunal de Justiça uma resposta clara que permita ao órgão jurisdicional nacional concluir se o direito comunitário foi legitimamente invocado ou se o elemento da actuação abusiva ou fraudulenta é determinante. Terei presente este pedido do Governo britânico ao responder às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Estou de acordo com o Governo britânico quando este afirma que uma resposta em termos gerais não favorece a segurança jurídica. Isto significa igualmente que não concordo com a alegação do Governo grego de que o órgão jurisdicional nacional é a instância mais apta a decidir (80).

114.
    Quanto ao mérito, o Governo britânico afirma que as medidas que um Estado-Membro pode tomar ao abrigo da Directiva 64/221 não são suficientemente eficazes. Expressa o seu receio de que, caso o Tribunal de Justiça decida que H. Akrich tem o direito de residir no Reino Unido com base no direito comunitário, todos os cônjuges de países terceiros passem a poder subtrair-se impunemente ao direito nacional e a obter um direito de residência pelo simples facto de estarem casados com um nacional de um Estado-Membro. Deste modo, o direito de os Estados-Membros adoptarem medidas contra o abuso torna-se-ia marginal.

115.
    Em contrapartida, a Comissão sublinha que a aplicação da legislação nacional sobre imigração significaria que o direito nacional prevalece, apesar de a pessoa estar protegida pelo direito comunitário. No presente processo, o interessado não tem, pois, qualquer relação com o direito nacional. A este propósito, a Comissão remete para o acórdão Centros (81). No entender da Comissão, não há qualquer interesse nacional imperativo que justifique a aplicação da legislação nacional.

116.
    A argumentação de H. Akrich vai no mesmo sentido. No seu entender, no domínio da livre circulação de pessoas há uma harmonização total e, por conseguinte, um Estado-Membro já não tem o direito de tomar medidas unilaterais nesse domínio. Se um Estado-Membro excluir uma determinada categoria de pessoas dos direitos no domínio da livre circulação de pessoas, acrescentando um requisito adicional ao conceito de trabalhador, entrava a própria livre circulação de pessoas. Sustenta ainda que o Governo britânico não pode adoptar medidas que vão mais longe do que as medidas susceptíveis de serem adoptadas ao abrigo da Directiva 64/221. Qualquer medida mais restritiva é, por definição, desproporcionada.

117.
    O curioso do presente processo, segundo H. Akrich, é que o Secretary of State aceita que outro Estado-Membro não possa, com base no direito comunitário, recusar a H. Akrich a entrada e permanência no seu território, mas o Reino Unido fá-lo. Esta é a incongruência a que fiz referência no n.° 62.

B - Dilema

118.
    Concluí a introdução destas conclusões com o seguinte dilema: a vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça, expressa nomeadamente no acórdão Singh, deve ter por consequência a não aplicação sistemática da legislação nacional sobre imigração, sempre que se trate de cônjuges de cidadãos comunitários provenientes de fora da União Europeia que não se encontravam legalmente no território da União Europeia? Este dilema é crucial para a apreciação do presente processo.

119.
    Por um lado, temos a legislação sobre imigração, que regula a admissão de nacionais de países terceiros na União Europeia. A legislação sobre imigração, que ainda é estabelecida em grande parte ao nível dos Estados-Membros, tem como característica essencial o facto de fixar um limiar à entrada de nacionais de países terceiros no território da União Europeia. Este limiar é composto por dois elementos. Em primeiro lugar, a admissão só tem lugar após uma avaliação individual prévia efectuada pelas autoridades. Em segundo lugar, os fundamentos para a admissão são taxativos. Acresce que o limiar é cada vez mais elevado à medida que a pressão da imigração aumenta sobre (os Estados-Membros de) a União Europeia.

120.
    Por outro lado, temos a circulação de pessoas dentro da própria União Europeia. Esta circulação interna de pessoas, que está quase integralmente regulada ao nível da União Europeia, tem como característica essencial o facto de remover, tanto quanto possível, na União Europeia o limiar para a obtenção do direito de entrada noutro Estado-Membro. A remoção desse limiar significa o seguinte. Em primeiro lugar, um indivíduo é admitido noutro Estado-Membro sem uma avaliação individual prévia. Em segundo lugar, os fundamentos para a admissão são, em princípio, ilimitados. O direito comunitário só conhece algumas limitações, descritas de forma taxativa, ao exercício do direito de circulação e de residência. Acresce que o limiar para a admissão noutro Estado-Membro foi sendo colocado, ao longo dos anos, a um nível cada vez mais baixo pelo legislador comunitário e pelo Tribunal de Justiça.

121.
    Uma legislação sobre imigração aplicável e eficaz, conforme descrito supra, é uma condição necessária à realização de um mercado interno onde os controlos nas fronteiras internas podem ser suprimidos e as pessoas podem circular livremente em toda a União. Este último interesse - a criação desse mercado interno com livre circulação de pessoas - constitui precisamente um dos motivos por que o legislador e o órgão jurisdicional comunitários optaram por atribuir ao artigo 39.° CE um âmbito de aplicação amplo. A relação entre a regulação da imigração para a União Europeia e a livre circulação no interior desta resulta, nomeadamente, do artigo 61.°, alínea a), CE. Nessa disposição, o Tratado designa o controlo na fronteira externa de medida de acompanhamento relativamente à livre circulação interna de pessoas. O Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985 também já partia do princípio de que a supressão dos controlos nas fronteiras internas só seria possível mediante um controlo reforçado na fronteira externa.

122.
    Até à data, o sistema tem funcionado. Os cidadãos da União Europeia - cujo direito de circular e residir noutros Estados-Membros decorre da sua qualidade de cidadãos da União - e os nacionais de países terceiros que foram admitidos na União Europeia após uma avaliação individual prévia com base na legislação sobre imigração podem beneficiar dos direitos que a livre circulação de pessoas lhes confere.

123.
    No entanto, o sistema comporta uma incongruência essencial. Por vezes, pessoas que ainda não foram autorizadas a entrar na União Europeia beneficiam de um direito de residência com base nas normas relativas à circulação interna de pessoas. Isto acontece, nomeadamente, em relação ao cônjuge de um trabalhador migrante, por força do artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68. É este estatuto de cônjuge que é invocado por H. Akrich. Estes cônjuges são admitidos na União Europeia sem uma avaliação individual prévia pelas autoridades competentes em matéria de imigração. No caso de H. Akrich, verifica-se que essa autorização de entrada pode, inclusive, ser obtida por uma pessoa que tenha sido anteriormente expulsa da União Europeia com base na legislação sobre imigração de um Estado-Membro. Esta pessoa pode, assim, invocando o direito comunitário, obter um direito de residência num Estado-Membro diferente daquele que a expulsou.

124.
    O Tribunal de Justiça não pode remover esta incongruência no presente processo. Com efeito, a admissão de H. Akrich na Irlanda sem uma avaliação individual prévia não está em causa no presente processo.

125.
    As questões que se colocam ao Tribunal de Justiça não dizem respeito à incongruência propriamente dita. Trata-se antes de determinar até onde vão as consequências dessa incongruência. Mais concretamente, se a esposa de H. Akrich pôde ser qualificada de trabalhadora migrante na Irlanda, ao regressar ao Reino Unido conserva, nos termos da jurisprudência relativa à livre circulação de pessoas, em especial do acórdão Singh, um conjunto de direitos que lhe adviram da qualidade de trabalhadora migrante, entre os quais o direito de se fazer acompanhar pelo seu cônjuge.

126.
    O Tribunal de Justiça deve debruçar-se agora sobre a questão de saber se esta formulação geral do acórdão Singh também é aplicável à hipótese de o cônjuge que acompanha o trabalhador no regresso deste ao seu país ter sido admitido no território da União Europeia fora das regras normais de imigração - ou seja, sem uma avaliação individual prévia. Um Estado-Membro deve, não obstante, aceitar que este cônjuge de um nacional seja subtraído à aplicação da legislação sobre imigração? Com efeito, em princípio não se questiona a competência de um Estado-Membro para submeter o cônjuge de um nacional que possui a nacionalidade de um país terceiro a uma avaliação ao abrigo da legislação nacional sobre imigração. O direito comunitário no domínio da livre circulação de pessoas, conforme resulta do acórdão Morson e Jjanjhan, não se aplica a esta situação. A referida avaliação prévia dos cônjuges de países terceiros constitui um elemento essencial da política de imigração, nomeadamente no que diz respeito ao risco de casamentos brancos.

127.
    No caso de a resposta a esta questão ser afirmativa, o direito comunitário pode ser utilizado para iludir a legislação nacional. Isto, não só tem repercussões na eficácia da legislação nacional sobre imigração - um desvio com vista a contornar esta legislação é, deste modo, legitimado -, como significa que uma condição necessária à circulação interna de pessoas na União Europeia fica prejudicada.

128.
    No processo principal, uma aplicação sem gradações do acórdão Singh faria com que a incongruência tivesse consequências ainda mais importantes. Assim, um Estado-Membro que, na sequência de uma avaliação individual prévia no quadro da sua legislação sobre imigração, decidisse expulsar o nacional de um país terceiro com base nessa legislação nacional seria obrigado a autorizar a entrada a essa pessoa sem que fosse feita uma nova avaliação individual na União Europeia.

129.
    Acresce o seguinte. Também com base nas declarações dos interessados, verificou-se que H. Akrich e a sua esposa organizaram de tal modo as circunstâncias da sua vida pessoal e profissional que o direito comunitário lhes confere um direito de residência que não pode ser limitado pela aplicação da legislação nacional sobre imigração. H. Akrich usa, deste modo, a livre circulação de pessoas como instrumento para entrar na União Europeia, ao passo que as normas do direito da imigração que lhe são destinadas não lhe conferem qualquer direito de entrada.

C - Apreciação do dilema

130.
    Por conseguinte, é importante averiguar se o alcance do acórdão Singh não deve ser definido de forma mais precisa. De resto, a Comissão exprime a sua preocupação sobre este ponto. Receia que, na formulação de critérios destinados a combater a utilização abusiva do direito comunitário, se limite a essência da jurisprudência Singh. O meu receio vai no sentido oposto. Se o acórdão Singh fosse interpretado sem qualquer gradação, a legislação sobre imigração poderia perder eficácia, conforme já foi referido.

131.
    Entendo que, nas circunstâncias do processo principal, o direito comunitário não pode ser interpretado de modo a afastar a aplicação da legislação sobre imigração de um Estado-Membro.

132.
    Segundo o acórdão Singh, o nacional de um Estado-Membro que exerceu uma actividade noutro Estado-Membro enquanto trabalhador tem o direito de se fazer acompanhar pelo cônjuge quando regressa ao seu próprio país. No meu entender, não resulta deste acórdão que este direito possa ser invocado em quaisquer circunstâncias. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça não teve que se pronunciar no acórdão Singh sobre a questão de saber se esse direito existe igualmente no caso de o cônjuge não possuir qualquer título próprio de residência na União Europeia, após ter sido objecto de uma avaliação individual prévia de acordo com a legislação sobre imigração de um Estado-Membro. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça parece ter presente que o direito do nacional do Estado-Membro não exclui uma avaliação individual. Com efeito, sublinha o facto de que no processo Singh não foi alegado que o casamento dos Singh fora fictício (82). Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça baseia o seu entendimento no argumento de que um entrave ao regresso ao próprio país pode levar a que o nacional de um Estado-Membro deixe de usar o seu direito de ir trabalhar noutro Estado-Membro. Este argumento não prevê a hipótese de o cônjuge não ser admitido no seu próprio Estado-Membro. Nesse caso, tendo em conta a incongruência do sistema acima descrita, o nacional comunitário tem precisamente uma razão para ir trabalhar noutro Estado-Membro.

133.
    O acórdão Singh reconhece quer o direito de o nacional comunitário se fazer acompanhar pelo cônjuge quando regressa ao seu próprio país quer o direito de o cônjuge que possui a nacionalidade de um país terceiro se estabelecer nesse Estado-Membro sem ficar sujeito à legislação sobre imigração. Estes direitos devem ser considerados no contexto da livre circulação de pessoas na União Europeia. Um cidadão da União que esteja casado com um nacional de um país terceiro deve poder fazer-se acompanhar do respectivo cônjuge se fizer uso do direito que lhe é conferido de residir noutro Estado-Membro. Deve igualmente poder partir do princípio de que, quando mais tarde regressar ao próprio país, o cônjuge não será submetido a uma avaliação individual prévia de acordo com a legislação sobre imigração, com o risco de não ser autorizado a entrar. Normalmente, a situação não se altera se o casamento for realizado durante a estadia noutro Estado-Membro.

134.
    O acórdão Singh não reconhece, no entanto, ao nacional de um país terceiro qualquer direito a ser admitido no território da União Europeia. Este está sujeito à legislação dos Estados-Membros sobre imigração, que exige uma avaliação individual prévia. A incongruência do sistema, que implica que o cônjuge de um trabalhador migrante possa residir no território de um Estado-Membro sem uma avaliação individual prévia, não significa que este disponha de um direito ilimitado de circulação e de residência na União Europeia.

135.
    A interpretação restrita deste direito de circulação e de residência está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio da livre circulação de pessoas. Com efeito, o carácter em geral extensivo desta jurisprudência decorre da essência da livre circulação de pessoas. Os direitos que o Tratado CE confere aos cidadãos da União só podem ser integralmente exercidos se os entraves forem, tanto quanto possível, suprimidos. Para que a livre circulação de pessoas no interior da União Europeia funcione plenamente é também importante que os controlos das entradas na fronteira externa da União Europeia se possam fazer de forma eficaz. A livre circulação interna de pessoas não pode funcionar plenamente, à medida que vai sendo mais simples aos nacionais de países terceiros obterem autorização de entrada na União Europeia mediante recurso ao direito comunitário, sem a realização de controlos à entrada. Por outras palavras, uma limitação das possibilidades que se oferecem aos nacionais de países terceiros é - tendo em conta o que precede - uma condição necessária para a livre circulação de pessoas sem entraves no interior da União Europeia. Para esse efeito, é irrelevante que a admissão de nacionais de países terceiros seja actualmente regulada ao nível dos Estados-Membros. Ainda que a competência comunitária venha em breve a ser preenchida, com base no artigo 63.° CE, a referida condição deve ser cumprida.

136.
    Isto leva-me ao seguinte entendimento: o direito que é conferido ao cônjuge do trabalhador migrante pelo artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 pode ser limitado na hipótese de um cônjuge nacional de um país terceiro que não tenha sido admitido na União Europeia de acordo com a legislação sobre imigração. Com efeito, não se trata, no essencial, de um direito que integre a livre circulação de pessoas, mas de um título destinado a autorizar os nacionais de países terceiros a entrarem na União Europeia. A circunstância de o preâmbulo do Regulamento n.° 1612/68 qualificar o direito de residência do cônjuge de direito fundamental que se inscreve no domínio da livre circulação interna de pessoas nada altera.

137.
    Isto significa que um Estado-Membro, num caso como o referido no número anterior, tem em princípio o direito de só autorizar a entrada desse nacional no seu território após uma avaliação individual prévia. A competência de um Estado-Membro para submeter essa pessoa a tal avaliação é necessária por razões de aplicabilidade e eficácia da legislação sobre imigração.

D - Concretização desta apreciação

138.
    Em primeiro lugar, uma legislação sobre imigração aplicável e eficaz que regule a entrada na União Europeia a partir de países terceiros é uma condição necessária para a realização do mercado interno com uma livre circulação de pessoas no seu interior. No estado actual do direito comunitário, o controlo da imigração do exterior é uma tarefa dos Estados-Membros. O direito comunitário não pode ser interpretado de tal forma que estes não possam cumprir essa tarefa.

139.
    Em segundo lugar, a avaliação individual prévia dos nacionais de países terceiros que desejam entrar, mediante a aplicação dos critérios estabelecidos na legislação nacional, faz parte do cerne da competência nacional. Se a legislação nacional tiver de ceder, o Estado-Membro deixa de ser competente para fazer depender a admissão do nacional de um país terceiro de uma avaliação individual, independentemente da questão de saber se essa avaliação acabaria ou não por levar a uma admissão. Com efeito, essa avaliação só é possível no caso de perigo para a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública. Uma averiguação mais aprofundada seria facilmente desproporcionada e, portanto, proibida, tendo em conta os requisitos que o Tribunal de Justiça coloca, por exemplo, no acórdão MRAX (83).

140.
    Em terceiro lugar, deve evitar-se que o direito comunitário possa ser utilizado para contornar as legislações nacionais dos Estados-Membros sobre imigração - nomeadamente a avaliação individual prévia. Isto é particularmente verdadeiro na situação do processo principal, em que o direito comunitário é utilizado para retirar eficácia jurídica a uma decisão anterior de expulsão de um Estado-Membro. No caso concreto de H. Akrich, foi a prática anterior de uma infracção penal que determinou a sua expulsão do Reino Unido e que, posteriormente, impediu a sua admissão como cônjuge de um nacional britânico.

141.
    Em quarto lugar, a amplitude dos riscos a nível da aplicabilidade e eficácia da legislação nacional sobre imigração não deve ser subestimada. Com efeito:

-    os âmbitos de aplicação pessoais do direito comunitário e da legislação nacional sobre imigração convergem cada vez mais (84);

-    o Tribunal de Justiça oferece uma ampla protecção à livre circulação de pessoas enquanto um dos direitos fundamentais do Tratado CE;

-    cada alargamento da jurisprudência do Tribunal de Justiça pode dar origem a novas formas de contornar as legislações nacionais. H. Akrich e a sua esposa baseiam-se expressamente no acórdão Singh.

142.
    A este propósito, chamo a atenção para o facto de que, embora a situação concreta de H. Akrich e da sua esposa não deva repetir-se muitas mais vezes no futuro, são possíveis outras variantes com pessoas a tentarem subtrair-se à legislação sobre imigração mediante recurso ao direito comunitário. Isso não é difícil, se o Tribunal de Justiça não aceitar um fundamento. Pode até ser vantajoso para os interessados, uma vez que, por exemplo, uma avaliação individual do casamento à luz dos critérios da resolução do Conselho de 4 de Dezembro de 1997 (85) - mesmo havendo boa fé - pode ser dolorosa para os interessados e o resultado não está, de antemão, seguro. Também me parece provável que as pessoas tentem mais vezes subtrair-se à aplicação da legislação nacional sobre imigração e escolham o direito comunitário como instrumento para poderem residir no próprio Estado-Membro.

143.
    Isto não significa que a avaliação individual prévia não esteja condicionada. A presença de uma razão imperativa de interesse geral não implica necessariamente que qualquer medida seja aceitável. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a medida deve ser adequada para garantir a realização do fim prosseguido e não deve ultrapassar o necessário para alcançar esse fim.

144.
    No presente caso, a medida é adequada, uma vez que prossegue um objectivo admissível, a saber a avaliação individual prévia da imigração de nacionais de países terceiros. No seu estado actual, o direito comunitário permite que os Estados-Membros elaborem como quiserem o regime da sua legislação nacional sobre imigração no que se refere à admissão de nacionais de países terceiros. Para o efeito, o legislador britânico introduziu na sua legislação um conjunto de critérios objectivos aplicáveis ao processo de decisão.

145.
    O exame da proporcionalidade refere-se à aplicação concreta dos critérios ao caso individual. O Tribunal de Justiça aprecia se essa aplicação respeita o justo equilíbrio entre os interesses em causa. Esta ponderação diz respeito, por um lado, ao interesse da aplicabilidade e da eficácia da legislação nacional sobre imigração. Já analisei suficientemente este interesse. Por outro lado, temos os interesses concretos do casal Akrich. Os interesses individuais legítimos que devem entrar na ponderação são de dois tipos:

-    o direito de uma pessoa como a esposa de H. Akrich exercer sem entraves o direito à livre circulação que lhe é conferido por força do direito comunitário;

-    o respeito do direito a uma vida familiar.

146.
    É certo que a esposa de H. Akrich e o seu cônjuge vêem dificultado o exercício do direito à livre circulação que lhes é conferido por força do direito comunitário, conforme explica o acórdão Singh. Contudo, entendo que esta medida não ultrapassa o necessário para alcançar o objectivo prosseguido. Para mim, é determinante que o interesse que o Reino Unido invoca, a saber, a necessidade de uma avaliação individual, não possa ser assegurado por uma medida que entrave menos a livre circulação. Acresce que considero aceitável que o direito conferido ao cônjuge do trabalhador migrante pelo artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 seja limitado na hipótese de um cônjuge que é nacional de um país terceiro e que não tenha sido admitido na União Europeia de acordo com a legislação sobre imigração.

147.
    Isto leva-me ao direito ao respeito pela vida familiar, tal como se encontra consagrado no artigo 8.° da CEDH. No meu entender, o artigo 8.° da CEDH tem sobretudo um papel na aplicação da legislação nacional sobre imigração pelas autoridades britânicas. Essa aplicação não está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça. Só em casos muito especiais é que o artigo 8.° desempenha um papel na apreciação da proporcionalidade. Foi o que aconteceu no processo Carpenter. Nesse processo, o Tribunal de Justiça (86) considerou que a não admissão da esposa de Carpenter no Reino Unido levaria à separação dos cônjuges. Contudo, no presente caso, não está em causa uma separação obrigatória. H. Akrich e a sua esposa vivem na Irlanda e podem continuar a viver aí. O que lhes recusado é o direito à livre circulação, ou seja, o direito de se estabelecerem os dois no Reino Unido.

148.
    Concluo que a aplicação por um Estado-Membro da legislação nacional sobre imigração a um nacional de um país terceiro que é casado com o nacional deste Estado-Membro pode justificar-se por uma razão imperativa de interesse geral, como a aplicabilidade e a eficácia da legislação nacional sobre imigração. A aplicação efectuada nas circunstâncias do processo principal é adequada e proporcional.

E - Consequências desta apreciação para a abordagem a seguir

149.
    Tendo em conta a minha conclusão supra, considero que não faria sentido apreciar as questões do órgão jurisdicional de reenvio pela ordem por que foram colocadas. Com efeito, a intenção do casal Akrich, visada em primeira linha pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é o elemento essencial. A competência de um Estado-Membro para aplicar a legislação nacional sobre imigração é independente dessa intenção.

150.
    Isto leva-me a justificar a aplicação com base numa razão imperativa de interesse geral, a saber, a aplicabilidade e a eficácia da legislação nacional sobre imigração. Este fundamento ainda não foi expressamente reconhecido pelo Tribunal de Justiça. Necessito deste fundamento porque outros fundamentos já reconhecidos pelo Tribunal de Justiça não são adequados.

151.
    No presente processo perante o Tribunal de Justiça, surgiram três possibilidades com base nas quais o Reino Unido teria competência para, na situação do processo principal, recusar a H. Akrich a entrada no seu território mediante aplicação da sua legislação nacional sobre imigração, a saber:

-    H. Akrich e a sua esposa não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito comunitário;

-    embora abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito comunitário, a intervenção do Estado-Membro é justificada por uma razão imperativa de interesse geral que decorre da necessidade de proteger a ordem pública e a segurança pública na acepção do artigo 46.° CE ou da Directiva 64/221;

-    idem, embora a justificação encontrada não seja a ordem pública e a segurança pública, mas uma razão imperativa reconhecida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, a saber, a necessidade de combater a utilização abusiva do direito comunitário.

Demonstrarei por que razão cada uma destas três possibilidades não pode, no presente caso, constituir um fundamento adequado para a aplicação da legislação nacional britânica sobre imigração. Ficará assim demonstrado que falta outro fundamento para a aplicação já reconhecido pelo direito comunitário.

F - Âmbito de aplicação do direito comunitário

152.
    O Governo britânico entende que o direito comunitário não é aplicável ao presente caso. O Governo britânico alega que uma pessoa que tenta usar o direito comunitário para contornar o direito nacional não pode reclamar quaisquer benefícios decorrentes do direito comunitário. Essa pessoa não é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito comunitário. Por conseguinte, não é necessário determinar se, nos termos do direito comunitário, o Estado-Membro pode proibir a entrada no seu território com fundamento na ordem pública. Assim, segundo este governo, não é necessário averiguar se a esposa de H. Akrich é uma trabalhadora comunitária.

153.
    A Comissão entende, em contrapartida, que os nacionais da União Europeia têm o direito, ao abrigo do artigo 39.° CE, de se deslocarem para outro Estado-Membro para aí exercerem uma actividade laboral e de regressarem ao Estado-Membro de origem juntamente com o seu cônjuge para aí beneficiarem dos mesmos direitos de que tinham beneficiado no outro Estado-Membro. O regresso ao Estado-Membro de origem é assim regulado pelo direito comunitário e não pelo direito nacional. A esposa de H. Akrich é uma trabalhadora comunitária. Os direitos inerentes a este estatuto não foram exercidos de forma desproporcionada, tendo em conta a natureza e o alcance destes direitos.

154.
    Também segundo H. Akrich, o seu cônjuge deve ser considerado trabalhador comunitário, uma vez que se deslocou para a Irlanda com a intenção de aí exercer uma actividade laboral real e efectiva e de regressar ao Reino Unido após determinado período. O Governo britânico não pode persistir em afirmar que a esposa de H. Akrich é uma trabalhadora na Irlanda e deixa de ser trabalhadora quando regressa ao Reino Unido

155.
    Começo por analisar a constituição de um direito com base na qualidade de trabalhador comunitário. Examinarei, a seguir, em que circunstâncias um cidadão da União que regressa ao seu país depois de ter exercido uma actividade laboral durante certo período noutro Estado-Membro é abrangido pelo âmbito de aplicação ratione materiae do direito comunitário. Coloca-se também, a esse propósito, a questão do significado da proibição da discriminação. Por último, abordarei o direito de que o cônjuge deste cidadão beneficia com base no direito comunitário. O que significa o facto de o seu direito derivar dos direitos do seu cônjuge?

156.
    A jurisprudência do Tribunal de Justiça não coloca requisitos rigorosos à constituição de um direito de residência por um trabalhador migrante. Com efeito, trata-se aqui de uma liberdade fundamental do Tratado que deve ser protegida o melhor possível. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça faz uma interpretação ampla da duração, amplitude, nível e local das actividades assalariadas. Em segundo lugar, as intenções do trabalhador não têm, em princípio, qualquer relevância. Conforme a Comissão sustentou no presente processo, trata-se aqui de saber o que uma pessoa faz e não por que motivo o faz. Nem podia ser de outra forma, uma vez que as pessoas podem ter motivos muito divergentes para se estabelecerem como trabalhadores noutro Estado-Membro. Estes motivos podem ser profissionais, mas também podem ser de natureza pessoal. Tão-pouco se exige que alguém tenha a intenção de permanecer por um período mais longo ou até permanentemente noutro país. É evidente que obrigar alguém a comprometer-se de antemão a permanecer durante um período mais longo teria um efeito dissuasor na circulação dos trabalhadores.

157.
    Em terceiro lugar, o direito de um nacional de um Estado-Membro da União Europeia se estabelecer noutro Estado-Membro tornou-se cada vez mais completo. Essa evolução culminou no efeito directo do artigo 18.° CE, que o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente, pela primeira vez, no acórdão Baumbast e R. O intuito subjacente à permanência noutro Estado-Membro perdeu assim toda a relevância na determinação da existência de um direito de estabelecimento noutro Estado-Membro.

158.
    O intuito da permanência é, efectivamente, relevante enquanto base jurídica dessa permanência. Esta base jurídica pode ser importante relativamente aos direitos dos membros da família derivados do direito de residência e aos direitos que subsistem após o regresso do trabalhador ao seu Estado-Membro.

159.
    Estas considerações trazem-me ao caso concreto do processo principal. Neste processo, é dado assente que a esposa de H. Akrich trabalhou num banco durante mais de seis meses quando residia na Irlanda. Não existe, por conseguinte, qualquer dúvida, por força do direito comunitário, de que tinha o direito de residir na Irlanda e de que durante a sua permanência na Irlanda possuía o estatuto de trabalhador comunitário. É igualmente dado assente que as autoridades irlandesas a trataram como tal. Uma vez que as intenções dos interessados são irrelevantes, não encontro qualquer elemento que sustente o ponto de vista do Reino Unido de que H. Akrich e a sua esposa se encontram fora do âmbito do direito comunitário.

160.
    As interpretações amplas do Tribunal de Justiça sobre a constituição do direito também se repercutem na amplitude dos direitos que um - ex- - trabalhador comunitário tem após o regresso ao seu Estado-Membro (87). O acórdão Singh, crucial para o presente processo, formula estes direitos de forma bastante absoluta. Estes direitos baseiam-se na proibição de discriminação e são equivalentes aos direitos que um indivíduo que se estabelece noutro Estado-Membro pode invocar com base no direito comunitário. Em sentido material, conserva os direitos de um trabalhador migrante. Entre estes direitos figura o direito de, no território do seu próprio país, se fazer acompanhar pelo seu cônjuge nacional de um país terceiro, nas condições descritas para os trabalhadores no Regulamento n.° 1612/68 e na Directiva 68/360 (88).

161.
    Assim, a proibição de discriminação leva a que o nacional de um Estado-Membro da União Europeia que residiu noutro Estado-Membro e que, assim, fez uso do direito comunitário adquira uma posição jurídica mais favorável do que o seu compatriota que não fez uso do direito comunitário. O mesmo acontece em relação ao cônjuge do nacional de um Estado-Membro que residiu noutro Estado-Membro. No acórdão Singh, o Tribunal de Justiça não compara este nacional com o seu compatriota, mas com aquele que se estabelece noutro (terceiro) Estado-Membro. Vistas as coisas nestes termos, a esposa de H. Akrich tem o direito de levar consigo o seu cônjuge para o Reino Unido. H. Akrich mantém o seu direito de residência próprio que lhe foi conferido ao abrigo do Regulamento n.° 1612/68. Ambos conservam, assim, os direitos de que beneficiaram na Irlanda ao abrigo do direito comunitário.

162.
    A este propósito, alega-se no presente processo que o direito de H. Akrich de residir no Reino Unido ao abrigo do direito comunitário é um direito derivado do direito do seu cônjuge. Por outro lado, além de o seu direito ser derivado do direito do cônjuge, a base jurídica do mesmo não figura no próprio Tratado, mas na legislação comunitária derivada, nomeadamente no Regulamento n.° 1612/68. Acresce que o direito de H. Akrich não pode resultar da própria letra do Regulamento n.° 1612/68, mas da interpretação do regulamento no acórdão Singh.

163.
    Por outras palavras, o direito de H. Akrich é menos forte. Não partilho este entendimento. O direito de que H. Akrich beneficia ao abrigo do direito comunitário é um direito inteiramente baseado no direito comunitário. Só tem um carácter derivado na medida em que deriva do laço que existe entre si e um trabalhador comunitário. Este laço deve satisfazer dois requisitos: deve existir uma relação entre H. Akrich e a sua esposa e esta deve beneficiar de direitos emergentes da legislação comunitária em virtude do seu estatuto de trabalhadora comunitária. No presente processo, não há qualquer dúvida de que o laço satisfaz os dois requisitos.

164.
    Tão-pouco valorizo o facto de o direito de H. Akrich não decorrer do direito comunitário primário, mas do direito comunitário derivado. Em primeiro lugar, o Regulamento n.° 1612/68 foi adoptado como uma das medidas que, por força do artigo 40.° CE, são necessárias para alcançar a livre circulação de trabalhadores. Esta e outra legislação comunitária equivalente constituem, assim, uma condição para a realização da livre circulação dos trabalhadores, pelo que não devem subestimar-se. A este propósito, o preâmbulo do Regulamento n.° 1612/68 utiliza o termo direito fundamental quer para o trabalhador quer para a sua família. Em segundo lugar, o direito comunitário não conhece uma hierarquia de normas em que a força de um direito dependa do nível a que foi fixado. Por estas razões, o facto de o direito decorrer da interpretação do Tribunal de Justiça e não da letra do regulamento também não é importante.

165.
    Tendo em conta o exposto, concluo que o nacional de um Estado-Membro que exerceu uma actividade como trabalhador comunitário noutro Estado-Membro, após o regresso ao seu país, continua a beneficiar dos direitos resultantes do direito comunitário e, mais especificamente, do artigo 39.° CE. Estes direitos incluem o direito de o seu cônjuge se estabelecer consigo no seu próprio país. A aplicação da legislação nacional sobre imigração pelas autoridades britânicas colide com este direito. Assim, deve em seguida averiguar-se se há um interesse nacional imperativo que justifique a aplicação da medida nacional. Já anteriormente concluí que essa justificação existe no presente caso.

166.
    Por último, chamo ainda a atenção para o seguinte. H. Akrich afirma que no domínio da livre circulação de trabalhadores, os Estados-Membros já não são competentes para tomarem medidas unilaterais, na sequência da harmonização total. Esta posição de H. Akrich carece de fundamento. Refira-se, a título liminar, que o Regulamento n.° 1612/68, que deveria servir de base ao direito de residência de H. Akrich, não pode ser considerado uma medida de harmonização. Este regulamento não visa aproximar as legislações dos Estados-Membros, mas executa o artigo 39.° CE, em especial através da adopção de algumas medidas com vista à abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade entre os trabalhadores dos Estados-Membros. Também é importante a Directiva 64/221. Esta directiva harmoniza as legislações dos Estados-Membros, mas apenas se refere a um aspecto específico da circulação interna de pessoas na União Europeia, a saber, a recusa de admissão de pessoas no território de um Estado-Membro por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. A directiva nada estipula sobre a admissão de pessoas na União Europeia.

G - Ordem pública na acepção do artigo 46.° CE e da Directiva 64/221

167.
    Se o conceito de ordem pública é utilizado como fundamento para uma excepção à livre circulação de pessoas no interior da Comunidade Europeia, é interpretado de forma estrita. Ao interpretar o artigo 46.° CE, o Tribunal de Justiça exige a presença de uma ameaça grave que afecte um interesse fundamental da sociedade. A fiscalização à luz da Directiva 64/221 baseia-se na existência de um comportamento pessoal que constitua uma ameaça actual para a ordem pública.

168.
    Neste ponto, é útil analisar mais uma vez a situação concreta que presidiu à não admissão de H. Akrich no Reino Unido. A recusa das autoridades britânicas de revogarem a ordem de expulsão contra H. Akrich está relacionada com a prática anterior de uma infracção penal. Não foi alegado nem provado que a sua presença no Reino Unido constitui um perigo para a ordem pública de molde a permitir que esta seja invocada como fundamento. As autoridades britânicas entendem, nomeadamente, que num caso como o presente não pode invocar-se o direito comunitário. Além disso, também resulta dos factos e circunstâncias do caso que não é plausível a existência de perigo para a ordem pública. Sem uma investigação profunda dos factos - investigação que já é da competência do Tribunal de Justiça -, concluo de que num caso como o presente a ordem pública não pode constituir um fundamento imperativo.

H - Utilização abusiva do direito comunitário

169.
    No processo perante o Tribunal de Justiça, foi dada grande atenção à questão da utilização abusiva do direito comunitário. Isso não só resulta das observações apresentadas, como é lógico tendo em conta as questões prejudiciais colocadas ao Tribunal de Justiça. Sobre esta matéria, a Comissão entende que os motivos ou intenções dos interessados não são determinantes. O facto de o casal ter feito uso das facilidades oferecidas pela jurisprudência e ter, deste modo, obtido uma vantagem decorrente do direito comunitário não configura uma utilização abusiva do direito comunitário. H. Akrich também alega que, segundo a jurisprudência, os motivos dos interessados não podem ser tomados em consideração. A circunstância de o seu cônjuge se ter deslocado para a Irlanda com a intenção de aí exercer uma actividade laboral e de, após um período determinado, ter regressado ao Reino Unido, não tendo assim intenção de permanecer para sempre na Irlanda, não pode em si mesmo ser qualificado de utilização abusiva.

170.
    O Governo britânico entende que, no presente caso, está em causa uma utilização abusiva do direito comunitário, uma vez que a esposa de H. Akrich só se deslocou para Dublin para tirar proveito do direito comunitário e contornar, deste modo, a legislação nacional. Segundo o Governo britânico, para determinar se existe utilização abusiva do direito comunitário podem analisar-se as razões pelas quais a esposa de H. Akrich se deslocou para a Irlanda.

171.
    O Governo grego afirma que as pessoas têm, em princípio, o direito de moldar as circunstâncias de modo a serem abrangidas por determinado complexo de legislação, no presente caso o direito comunitário, e a poderem beneficiar do mesmo. Mas se está em causa uma utilização abusiva, o órgão jurisdicional nacional é o mais adequado para decidir se o interessado deve continuar a beneficiar das vantagens do direito comunitário. O mesmo governo refere depois que deve atender-se à intenção do casal. Para o efeito, cumpre examinar a vontade declarada dos interessados. A vontade real e os motivos são irrelevantes.

172.
    Começo por fazer a seguinte observação preliminar. O caso vertente é uma boa oportunidade para sujeitar o conceito de utilização abusiva do direito comunitário a uma análise mais detalhada. H. Akrich e a sua esposa declararam de forma expressa, nomeadamente, que apenas se estabeleceram na Irlanda com a intenção de escaparem à legislação nacional britânica sobre imigração. Fizeram assim um desvio e poderia considerar-se que existe uma utilização abusiva do direito comunitário. Porém, estas declarações revelam igualmente a fragilidade da doutrina da utilização abusiva. Se a intenção do estabelecimento na Irlanda fosse determinante, os futuros interessados deixariam de ter a honestidade de H. Akrich e da sua esposa e declarariam outra intenção.

173.
    No meu entender, resulta da jurisprudência referida (v. n.os 96 e segs.) e das observações apresentadas neste processo o quão difícil é aplicar a doutrina da utilização abusiva do direito comunitário a um caso concreto. Colocam-se, no essencial, as seguintes questões:

-    os critérios subjectivos não fazem sentido;

-    os critérios objectivos - quando identificáveis - são contornáveis;

-    é difícil traçar a fronteira entre a utilização abusiva e a utilização para um fim não visado pelo legislador.

174.
    Em primeiro lugar, os critérios subjectivos. A jurisprudência dá mostras de uma grande contenção na atribuição de importância a estes critérios. Em princípio, conforme resulta do acórdão Levin, as intenções do trabalhador são irrelevantes. Tendo em conta a minha observação preliminar, esta posição de contenção do Tribunal de Justiça é inevitável, uma vez que os critérios subjectivos, nomeadamente o intuito dos interessados, são fáceis de manipular. Trabalhar com uma vontade declarada, conforme preconiza o Governo grego, ou com uma vontade objectivada não altera isso.

175.
    Em segundo lugar, os critérios objectivos. O acórdão Emsland-Stärke também subordina a existência e a utilização abusiva ao preenchimento não só de condições subjectivas, mas também de condições objectivas. No presente caso, a duração da residência na Irlanda poderia constituir uma condição objectiva. Tanto no acórdão Lair como no acórdão Knoors é valorizada a duração da residência. No acórdão Lair, o Tribunal de Justiça valoriza o facto de só se ter trabalhado noutro Estado-Membro durante um período muito curto. No acórdão Knoors, o Tribunal de Justiça afirma que, se o legislador comunitário fixar um período mínimo de residência noutro Estado-Membro, o Estado-Membro deixa de ter um interesse legítimo na prevenção do abuso. Raciocinando a contrario, na falta de um período mínimo estabelecido na legislação comunitária, tal interesse pode existir.

176.
    Todavia, os critérios objectivos são susceptíveis de serem contornados. A segurança jurídica exige, no meu entender, que os factores utilizados pelas autoridades nacionais na averiguação da questão do abuso possam ser conhecidos. Essa publicidade comporta, no entanto, o risco de que os interessados adaptem o seu caso de modo a preencherem as condições fixadas. Recordo a declaração feita pela esposa de H. Akrich, donde resulta que ela partia do princípio de que a sua permanência na Irlanda juntamente com o seu marido duraria, no mínimo, seis meses. De resto, a aplicação de um critério de duração mínima de residência noutro Estado-Membro é completamente contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o estatuto de trabalhador comunitário é obtido logo após um período muito curto de actividade noutro Estado-Membro.

177.
    O Governo britânico parece reconhecer esta possibilidade de desvio e opta por uma combinação de critérios subjectivos e objectivos para a determinação do abuso (89). Não vejo como é que essa combinação de critérios pode suprimir os obstáculos referidos. Com efeito, os interessados não têm de respeitar os critérios subjectivos - os motivos - e podem cumprir os critérios objectivos.

178.
    Isto leva-me ao terceiro aspecto, a saber, a fronteira entre a utilização abusiva do direito comunitário e a utilização do direito comunitário para um fim que o legislador comunitário não tinha visado, mas que a legislação comunitária torna possível. A este propósito, considero também o critério aplicado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Centros, nomeadamente o conceito de «elemento inerente» (90).

179.
    Ilustro-o do seguinte modo. O direito comunitário permite que o nacional de um Estado-Membro se estabeleça noutro Estado-Membro. Ora, um cidadão da União pode ter os mais diversos motivos para se estabelecer noutro Estado-Membro. Um desses motivos pode ser a existência nesse outro Estado-Membro de um regime legal que lhe é mais favorável. Foi o que aconteceu no processo Centros, em que o interessado optou por um Estado-Membro com um direito das sociedades que lhe era favorável, e esta situação é muito mais frequente quando existem diferenças entre as legislações fiscais dos Estados-Membros. Esta mobilidade não é censurável do ponto de vista do direito comunitário; pelo contrário, o objectivo do direito comunitário é precisamente promover a mobilidade.

180.
    O estabelecimento de H. Akrich e da sua esposa na Irlanda deve ser considerado uma utilização do direito comunitário para um fim que o legislador comunitário não visou, mas que é inerente ao direito comunitário. O legislador comunitário não pretendeu criar um direito que pode ser utilizado para contornar a legislação nacional sobre imigração, mas criou o direito de um nacional de um Estado-Membro se estabelecer noutro Estado-Membro juntamente com o seu cônjuge. O estabelecimento nesse outro Estado-Membro constitui o cerne da liberdade que o direito comunitário confere aos nacionais da União.

181.
    Por outras palavras, o estabelecimento de um trabalhador noutro Estado-Membro a fim de beneficiar de um regime legal mais favorável não constitui, pela sua natureza, uma utilização abusiva do direito comunitário.

182.
    Dito isto, coloca-se a seguinte questão: isto também se aplica em relação ao regresso do trabalhador comunitário ao seu Estado-Membro? Tendo em conta o acórdão Singh (91), entendo que a resposta a esta questão não pode ser senão positiva. Com efeito, segundo este acórdão, as facilidades de entrada e de residência devem ser, pelo menos, equivalentes às de que dispõe o trabalhador comunitário, por força do Tratado CE ou do direito comunitário derivado, no território de outro Estado-Membro. É pois indiferente que a esposa de H. Akrich, após a sua partida da Irlanda, se estabeleça com o marido num terceiro Estado-Membro -, o que não configura, por natureza, uma utilização abusiva - ou que pretenda regressar ao Reino Unido, como faz no presente caso.

183.
    Não me alongo mais sobre a questão de saber em que medida os direitos de H. Akrich e da sua esposa baseados no direito comunitário se mantêm após o regresso ao Reino Unido. Também não é necessário fazê-lo. Para mim, o que é indiscutível é que o regresso ao próprio Estado-Membro nas condições previstas no direito comunitário é inerente à livre circulação de pessoas. Não existe, por definição, qualquer utilização abusiva do direito comunitário no caso de os interessados invocarem, no momento desse regresso, os direitos que o direito comunitário lhes confere.

184.
    Concluo que, tal como a situação se apresenta no processo principal, não pode estar em causa uma utilização abusiva do direito comunitário.

185.
    Seja qual for o significado da doutrina da utilização abusiva no direito comunitário em geral (92), concluo que na situação do processo principal não existe uma utilização abusiva do direito comunitário.

VIII - Conclusão

186.
    Com base no exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões do Immigration Appeal Tribunal do seguinte modo:

-    O nacional de um Estado-Membro que exerceu uma actividade como trabalhador noutro Estado-Membro, na acepção do artigo 39.° CE, após o regresso ao seu país, continua a beneficiar dos direitos resultantes do direito comunitário e, mais especificamente, do artigo 39.° CE. Estes direitos incluem o direito de o seu cônjuge se estabelecer consigo no seu próprio país, independentemente da nacionalidade do cônjuge. Ao cônjuge do trabalhador é, nesse caso, conferido, com base no artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, o direito próprio de residir no Estado-Membro de que é nacional o trabalhador.

-    Não obstante, o Estado-Membro de que é nacional o trabalhador pode, invocando um interesse nacional imperativo, subordinar a entrada do cônjuge do trabalhador a uma avaliação individual prévia com base nos critérios da legislação nacional sobre imigração, caso se trate de um cônjuge que seja nacional de um país terceiro e que não tenha sido admitido na União Europeia de acordo com a legislação sobre imigração de um Estado-Membro.

-    Esta competência deste Estado-Membro decorre da importância da aplicabilidade e da eficácia da legislação sobre imigração.

-    São irrelevantes as intenções com que o trabalhador e o seu cônjuge fazem uso dos direitos que lhes são conferidos pelo direito comunitário e, mais especificamente, pela regulamentação relativa à livre circulação dos trabalhadores.


1: -     Língua original: neerlandês.


2: -     Acórdão de 7 de Julho de 1992 (C-370/90, Colect., p. I-4265).


3: -     JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77.


4: -     JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36.


5: -     House of Commons Paper 395; normas sobre imigração adoptadas em 1994, pelo Parlamento do Reino Unido.


6: -     Já referido na nota 2.


7: -     O artigo 63.°, n.° 3, constitui, nomeadamente, a base jurídica do Regulamento n.° 1091/2001 do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativo à livre circulação ao abrigo de um visto de estadia de longa duração (JO L 150, p. 4), e da Directiva 2001/40/CE do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativa ao reconhecimento mútuo de decisões de afastamento de nacionais de países terceiros (JO L 149, p. 34).


8: -     V., nomeadamente, a proposta alterada de directiva do Conselho relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2002, C 203 E, p. 136) e a proposta de directiva do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho assalariado e de exercício de uma actividade económica independente (JO 2002, C 332 E, p. 248).


9: -     V., nomeadamente, as conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de Outubro de 1999 e a comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 22 de Novembro de 2000, relativa a uma política da comunidade em matéria de imigração (COM/2000/757 final).


10: -     V. n.° 16 das presentes conclusões.


11: -     Em certa medida, os nacionais de países terceiros podem ainda entrar legalmente no território da UE para a realização de estudos, enquanto operadores económicos ou na qualidade de requerentes de asilo. Também o reagrupamento familiar é susceptível de dar lugar a um direito de entrada ou de residência. Nestas conclusões, abordo apenas o casamento como fundamento de entrada e de residência.


12: -     Resolução do Conselho, de 4 de Dezembro de 1997, sobre as medidas a adoptar em matéria de luta contra os casamentos brancos (JO C 382, p. 1). O n.° 2 da resolução enuncia, na parte que releva para o presente processo: Os factores que podem levar à presunção que determinado casamento é um casamento branco são, nomeadamente:

    -    a ausência de vida em comum;

    -    a ausência de contribuição adequada para os encargos decorrentes do casamento;

    -    o facto de os cônjuges nunca se terem encontrado antes do casamento;

    -    o facto de os cônjuges se enganarem sobre os dados respectivos (nome, morada, nacionalidade, emprego), sobre as circunstâncias em que se conheceram ou sobre outras informações importantes de carácter pessoal que lhes digam respeito;

    -    o facto de os cônjuges não falarem uma língua que seja compreendida por ambos;

    -    o facto de ser remetida uma quantia em dinheiro para que o casamento seja celebrado (com excepção das quantias entregues a título de dote nos casos de nacionais de países terceiros em que a entrega de um dote constitui uma prática normal);

    -    o facto de o passado de um ou de ambos os cônjuges revelar indicações sobre casamentos brancos anteriores ou irregularidades de residência.


13: -     Em dez Estados-Membros, a interrupção da permanência no território pode constituir fundamento para retirar ou recusar a prorrogação de um título de residência. Este critério não tem qualquer relevância no presente processo.


14: -     TEDH, acórdãos Moestaquim e Bélgica de 18 de Fevereiro de 1991, série A, n.° 193, Nasri e França de 13 de Julho de 1995, série A, n.° 320-B, Boughanemi c. França de 24 de Abril de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões 1996-II, C. c. Bélgica de 7 de Agosto de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões 1996-III, Bouchelkia c. França de 29 de Janeiro de 1997, Colectânea dos acórdãos e decisões 1997-I.


15: -     V., por exemplo, a proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados-Membros (JO 2001, C 270 E, p. 150). V. também a proposta alterada de directiva do Conselho relativa ao direito ao reagrupamento familiar (já referida na nota 8). Estas propostas dão seguimento ao Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de Outubro de 1999.


16: -     O facto de o artigo 18.° CE se referir a cidadãos da União e de o artigo 39.° CE, a trabalhadores dos Estados-Membros, é irrelevante.


17: -     Conclusões no processo C-413/99 (acórdão de 17 de Setembro de 2002, Colect., p. I-7091, a partir do n.° 28).


18: -     Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88).


19: -     O Tribunal de Justiça vai mesmo mais longe no acórdão MRAX, v. n.° 74, supra.


20: -     Directiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26).


21: -     Já referido na nota 17.


22: -     V. acórdão Echternach e Moritz, considerado no n.° 79, supra.


23: -     V. n.° 73.


24: -     V., por exemplo, os recentes acórdãos de 11 de Julho de 2002, Carpenter (C-60/00, Colect., p. I-6279, n.os 38 a 42), e de 25 de Julho de 2002, MRAX (C-459/99, Colect., p. I-6591, n.os 53 e 61). V. ainda as presentes conclusões a partir do n.° 106.


25: -     Ou para a segurança pública ou saúde pública.


26: -     V., por exemplo, acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Koua Poirrez (C-206/91, Colect., p. I-6685, n.os 10 e 11).


27: -     V. acórdão MRAX, já referido na nota 24, n.° 39.


28: -     Acórdão de 23 de Março de 1982 (53/81, Recueil, p. 1035, n.° 21).


29: -     Nas minhas conclusões hoje apresentadas no processo Ninni-Orasche, C-413/01, dou uma visão mais alargada dessa jurisprudência.


30: -     Os requisitos a que deve obedecer a relação entre empregador e trabalhador são tratados de forma mais desenvolvida no acórdão de 31 de Maio de 1989, Bettray (344/87, Colect., p. 1621).


31: -     V., além do acórdão Levin, também o acórdão de 21 de Junho de 1988, Lair (39/86, Colect., p. 3161, n.os 41 e 42).


32: -     V., nomeadamente, o acórdão Levin, já referido na nota 28, n.° 13.


33: -     Acórdão de 11 de Abril de 2000 (C-51/96 e C-191/97, Colect., p. I-2549, n.os 58 e 59).


34: -     A Directiva 68/360/CEE, já referida na nota 18, completa este regulamento com algumas obrigações para os Estados-Membros em matéria de emissão de títulos de circulação e de residência.


35: -     Acórdão de 27 de Outubro de 1982 (35/82 e 36/82, Recueil, p. 3723).


36: -     Acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, Diatta (267/83, Recueil, p. 567).


37: -     Já referido na nota 17.


38: -     Salvo perigo para a ordem pública, para a segurança pública ou para a saúde pública, que examino adiante nos n.os 91 e segs.


39: -     Já referido na nota 24, n.° 61.


40: -     Nas minhas conclusões no processo Baumbast e R, já referido na nota 17, n.os 45 e segs., abordei este aspecto de forma mais desenvolvida, fazendo novamente referência às conclusões do advogado-geral A. La Pergola no processo Martínez Sala (acórdão de 12 de Maio de 1998, C-85/96, Colect., p. I-2691).


41: -     V. acórdão Martínez Sala, já referido na nota 40, n.° 32.


42: -     Já referido na nota 2, n.° 19.


43: -     Acórdãos de 31 de Março de 1993, Kraus (C-19/92, Colect., p. I-1663, nomeadamente n.° 32); de 6 de Junho de 2000, Angonese (C-281/98, Colect., p. I-4139, v. nomeadamente n.os 38 a 41); e de 11 de Julho de 2002, D'Hoop (C-224/98, Colect., p. I-6191).


44: -     V. as conclusões do advogado-geral G. Tesauro no processo Singh, já referido na nota 2, n.° 5.


45: -     Acórdão de 15 de Março de 1989 (389/87 e 390/87, Colect., p. 723).


46: -     V. n.os 20 e 21 do acórdão.


47: -     V., a propósito destas circunstâncias especiais, sobretudo o acórdão de 27 de Novembro de 1997, Meints (C-57/96, Colect., p. I-6689), relativo a uma prestação cuja concessão dependia da existência de uma relação de trabalho recentemente extinta e que estava indissociavelmente ligada à qualidade objectiva de trabalhador dos beneficiários.


48: -     Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2001, Fahmi e Esmoris Cerdeiro-Pinedo Amado (C-33/99, Colect., p. I-2415, n.° 47).


49: -     Já referido na nota 35, n.os 15 a 17.


50: -     O reconhecimento do efeito directo do artigo 18.° CE no acórdão Baumbast e R também não conduz a esse resultado.


51: -     Acórdão de 11 de Abril de 2000, Kaba (C-356/98, Colect., p. I-2623, n.os 30 a 32).


52: -     Acórdão D'Hoop, já referido na nota 43, n.os 28 e 29. A este propósito, o Tribunal de Justiça remete expressamente para a cidadania da União, conforme referido no acórdão Grzelzcyk (n.° 106, supra).


53: -     V., com mais desenvolvimento, as minhas conclusões no processo Reisch e o. (acórdão de 5 de Março de 2002, C-515/99, C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 a C-540/99, Colect., p. I-2157, n.os 77 e segs.). A perspectiva da minha exposição é a da admissibilidade das questões prejudiciais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, relacionada com a possível inexistência de um elemento de conexão com o direito comunitário.


54: -     Acórdão de 17 de Abril de 1986 (59/85, Colect., p. 1283, n.os 25 e segs.).


55: -     Já referido na nota 48.


56: -     V. também n.° 80, supra. Semelhante é o caso visado no acórdão de 30 de Setembro de 1975, Cristini (32/75, Colect., p. 359), onde estavam em causa cartões de redução para o comboio atribuídos aos trabalhadores.


57: -     Acórdão Fahmi e Esmoris Cerdeiro-Pinedo Amado, já referido na nota 48, n.° 46.


58: -     Já referido na nota 43, n.° 30. De resto, é significativo o facto de o Tribunal de Justiça, em processos anteriores semelhantes (nomeadamente, no acórdão Angonese, já referido na nota 43, n.os 37 e segs.), racionar com base numa discriminação indirecta dos nacionais de outros Estados-Membros.


59: -     V., nomeadamente, acórdão de 30 de Novembro de 1995, Gebhard (C-55/94, Colect., p. I-4165, n.° 37).


60: -     V. a jurisprudência assente que se inicia no acórdão de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn (41/74, Colect., p. 567, n.os 22 e 23), passa pelo acórdão de 19 de Janeiro de 1999, Calfa (C-348/96, Colect., p. I-11, n.os 20 e 21), e termina no acórdão de 26 de Novembro de 2002, Olazabal (C-100/01, Colect., p. I-0000, n.° 39).


61: -     V., por exemplo, acórdão Calfa, já referido na nota 60, n.° 24.


62: -     V., por exemplo, acórdão Olazabal, já referido na nota 60, n.° 40.


63: -     Já referido na nota 60, nomeadamente o n.° 45.


64: -     Já referido na nota 24, nomeadamente os n.os 61, 78 e 90.


65: -     O acórdão paradigma é aqui o de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors (115/78, Colect., p. 399, n.° 25).


66: -     Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2000 (C-110/99, Colect., p. I-11569, n.os 52 e 53). De resto, este acórdão dizia respeito a um outro sector do direito comunitário, a saber, as restituições à exportação na agricultura.


67: -     V., nomeadamente, acórdão de 9 de Março de 1999, Centros (C-212/97, Colect. p. I-1459, n.° 24). A jurisprudência já vem do acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen (33/74, Colect., p. 543).


68: -     Acórdão de 3 de Fevereiro de 1993 (C-148/91, Colect., p. I-487, n.° 13).


69: -     Acórdão de 5 de Outubro de 1994, TV 10 (C-23/93, Colect., p. I-4795, n.os 14 e 21).


70: -     V., nomeadamente, acórdão de 12 de Maio de 1998, Kefalas e o. (C-367/96, Colect., p. I-2843, n.° 22).


71: -     Já referido na nota 67, n.° 27.


72: -     Já referido na nota 28, n.° 22.


73: -     Já referido na nota 31, n.° 43.


74: -     Directiva 64/427/CEE do Conselho, de 7 de Julho de 1964, relativa às modalidades das medidas transitórias no domínio das actividades não assalariadas dependentes das indústrias transformadoras abrangidas pelas classes 23-40 CITI (Indústria e Artesanato) (JO 1964, 117, p. 1863; EE 06 F1 p. 43).


75: -     V. n.° 54 das presentes conclusões.


76: -     Acórdão de 20 de Setembro de 2001 (C-184/99, Colect., p. I-6193, n.° 31).


77: -     V., por exemplo, acórdãos MRAX, já referido na nota 24, n.° 53, e Carpenter, já referido na nota 24, n.° 38.


78: -     Acórdão de 18 de Maio de 1989, Comissão/Alemanha (249/86, Colect., p. 1263, n.os 10 e 11).


79: -     Já referido na nota 24, n.os 41 e segs. É aqui citado o n.° 42.


80: -     V. n.° 172, supra.


81: -     Já referido na nota 67; v., de forma mais desenvolvida, o n.° 100.


82: -     V. n.° 12 do acórdão Singh, já referido na nota 2.


83: -     V. n.° 74, supra.


84: -     V. n.° 61, supra.


85: -     V. nota 12 das presentes conclusões.


86: -     V. n.° 39 do acórdão. Também na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é determinante se os cônjuges podem razoavelmente viver juntos noutro país. V. acórdão Boultif c. Suíça de 29 de Agosto de 2001, Colectânea dos acórdãos e decisões 2001-IX, n.os 52 a 55.


87: -     V. n.os 75 e segs.


88: -     V., de forma mais desenvolvida, n.os 89 e 90, supra.


89: -     A enumeração de critérios, que não foi inserida nas conclusões, visa auxiliar o Tribunal de Justiça na apreciação de um caso como o presente, em que um casal se desloca temporariamente para outro Estado-Membro.


90: -     V. n.° 100, supra.


91: -     Já referido na nota 2, n.° 19.


92: -     No n.° 98 faço referência ao acórdão TV 10, no qual o Tribunal de Justiça considerou admissível um regime nacional específico que visava combater a utilização abusiva do direito comunitário, apesar de o mesmo entravar a livre circulação no interior da União Europeia.