Language of document : ECLI:EU:C:2003:491

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

23 de Setembro de 2003 (1)

«Livre circulação de trabalhadores - Nacional de um país terceiro, cônjuge de um nacional de um Estado-Membro - Cônjuge sobre quem impende uma proibição de entrada e de permanência nesse Estado-Membro - Fixação de residência temporária do casal noutro Estado-Membro - Fixação de residência com o intuito de conferir ao cônjuge o direito de entrada e de permanência no primeiro Estado-Membro ao abrigo do direito comunitário - Abuso»

No processo C-109/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Immigration Appeal Tribunal (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Secretary of State for the Home Department

e

Hacene Akrich,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do direito comunitário em matéria de livre circulação de pessoas e de direito de permanência de um nacional de um país terceiro cônjuge de um nacional de um Estado-Membro,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, M. Wathelet, R. Schintgen e C. W. A. Timmermans, presidentes de secção, D. A. O. Edward, A. La Pergola, P. Jann, F. Macken, N. Colneric (relatora) e S. von Bahr, juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,


secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação de H. Akrich, por T. Eicke, barrister, mandatado por D. Flynn, Joint Council for the Welfare of Immigrants, e D. Betts, solicitor,

-    em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por E. Sharpston, QC, e T. R. Tam, barrister,

-    em representação do Governo helénico, por I. Galani-Maragkoudaki e S. Vodina, na qualidade de agentes,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por C. O'Reilly, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de H. Akrich, representado por T. Eicke, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistido por E. Sharpston, do Governo helénico, representado por I. Galani-Maragkoudaki e E.-Mamouna, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por C. O'Reilly, na audiência de 5 de Novembro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Fevereiro de 2003,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 3 de Outubro de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de Março seguinte, o Immigration Appeal Tribunal colocou, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do direito comunitário em matéria de livre circulação de pessoas e de direito de permanência de um nacional de um país terceiro cônjuge de um nacional de um Estado-Membro.

2.
    Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe o Secretary of State for the Home Department (a seguir «Secretary of State») a H. Akrich, cidadão marroquino, a propósito do direito deste último a entrar e permanecer no território do Reino Unido.

Enquadramento jurídico

Direito comunitário

3.
    O artigo 39.°, n.os 1 a 3, CE determina o seguinte:

«1.    A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade.

2.    A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3.    A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de:

[...]

b)    Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-Membros.

[...]»

4.
    A Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO L 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36), prevê, nos artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.os 1 e 2:

«Artigo 1.°

1.    As disposições da presente directiva aplicam-se aos nacionais de um Estado-Membro que se dirijam para outro Estado-Membro da Comunidade ou que neste permaneçam, quer para exercerem uma actividade assalariada ou não assalariada, quer na qualidade de destinatários de serviços.

2.    Estas disposições aplicam-se igualmente ao cônjuge e aos membros da família que preencham as condições dos regulamentos e directivas adoptados nesta matéria em execução do Tratado.

Artigo 2.°

1.    A presente directiva refere-se às disposições relativas à entrada no território, à emissão ou renovação da autorização de residência ou à expulsão do território, adoptadas pelos Estados-Membros por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.

2.    Estas razões não podem ser invocadas com fins económicos.

Artigo 3.°

1.    As medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar-se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa.

2.    A mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação de tais medidas.

[...]»

5.
    O artigo 10.°, n.os 1 e 3, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), determina:

«1.    Têm o direito de se instalar com o trabalhador nacional de um Estado-Membro empregado no território de outro Estado-Membro, seja qual for a sua nacionalidade:

a)    O cônjuge e descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo;

b)    Os ascendentes do trabalhador e os do seu cônjuge que se encontrem a seu cargo.

[...]

3.    Para efeitos do disposto nos n.os 1 e 2, o trabalhador deve ter um alojamento para a sua família, considerado normal para os trabalhadores nacionais na região onde está empregado, sem que esta disposição possa originar discriminação entre os trabalhadores nacionais e os trabalhadores provenientes de outros Estados-Membros.»

6.
    Em simultâneo com o Regulamento n.° 1612/68, o legislador comunitário adoptou a Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-Membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88). Segundo o seu primeiro considerando, esta directiva visa a adopção de medidas adequadas aos direitos e faculdades reconhecidos pelo Regulamento n.° 1612/68 aos nacionais de cada Estado-Membro que se desloquem a fim de exercer uma actividade assalariada, bem como aos seus familiares. Nos termos do segundo considerando da referida directiva, a regulamentação em matéria de permanência deve, na medida do possível, aproximar a situação dos trabalhadores dos outros Estados-Membros e dos seus familiares da dos trabalhadores nacionais.

7.
    Nos termos do artigo 1.° da Directiva 68/360:

«Os Estados-Membros suprimirão, nas condições previstas nesta directiva, as restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos referidos Estados e seus familiares aos quais se aplica o Regulamento n.° 1612/68.»

8.
    O artigo 3.° da Directiva 68/360 tem a seguinte redacção:

«1.    Os Estados-Membros admitirão no seu território as pessoas abrangidas pelo artigo 1.° mediante a simples apresentação de um bilhete de identidade ou passaporte válido.

2.    Não pode ser exigido qualquer visto de entrada ou obrigação equivalente, excepto aos familiares que não possuam a nacionalidade de um dos Estados-Membros. Os Estados-Membros concederão a estas pessoas todas as facilidades para a obtenção dos vistos necessários.»

9.
    O artigo 4.° da Directiva 68/360 dispõe:

«1.    Os Estados-Membros reconhecerão o direito de permanência no seu território às pessoas abrangidas pelo artigo 1.° que possam apresentar os documentos referidos no n.° 3.

2.    [O] direito de permanência é confirmado pela emissão de um documento denominado ‘Cartão de Residência de Nacional de um Estado-Membro da CEE’. Este documento deve conter a menção de que foi emitido nos termos d[o] Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e das disposições adoptadas pelos Estados-Membros em aplicação da presente directiva. O texto desta menção consta do anexo da presente directiva.

3.    Para a emissão do Cartão de Residência de Nacional de um Estado-Membro da CEE, os Estados-Membros apenas podem exigir a apresentação dos seguintes documentos:

-    Ao trabalhador:

    a)    O documento ao abrigo do qual entrou no seu território;

    b)    Uma declaração de contrato passada pelo empregador ou um certificado de trabalho;

-    Aos familiares:

    c)    O documento ao abrigo do qual entraram no seu território;

    d)    Um documento emitido pela autoridade competente do Estado de origem ou de proveniência, provando o seu vínculo de parentesco;

    e)    Nos casos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, um documento emitido pela autoridade competente do Estado de origem ou de proveniência, atestando que estão a cargo do trabalhador ou que vivem, nesse país, sob o mesmo tecto desse trabalhador.

4.    Quando um familiar não possua a nacionalidade de um Estado-Membro ser-lhe-á [entregue] um documento de residência que terá a mesma validade que o concedido ao trabalhador de que depende.»

10.
    Os trabalhadores não assalariados e os membros das suas famílias são abrangidos pela Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132).

Direito nacional

Aspectos gerais

11.
    A legislação sobre imigração do Reino Unido consta principalmente da Immigration Act 1971 (lei sobre a imigração de 1971) e das United Kingdom Immigration Rules (House of Commons Paper 395) (normas relativas à imigração adoptadas pelo Parlamento do Reino Unido em 1994), que desde então foram várias vezes alteradas (a seguir «Immigration Rules»).

12.
    Por força das Sections 1(2) e 3(1) da Immigration Act 1971, um cidadão não britânico não pode, em geral, entrar nem permanecer no Reino Unido, a menos que tenha obtido uma autorização nesse sentido. Estas autorizações são conhecidas por «autorização de entrada» («leave to enter») e «autorização de permanência» («leave to remain»), respectivamente.

13.
    Segundo o parágrafo 24 das Immigration Rules, os nacionais de alguns países, entre os quais figura Marrocos, devem obter um título de entrada («entry clearance») antes de chegarem ao Reino Unido. O título de entrada assemelha-se a um visto. Para as pessoas sujeitas a visto, o título de entrada reveste a forma de visto.

14.
    Nos termos da Section 7(1) da Immigration Act 1988 (lei sobre a imigração de 1988), não necessitam de autorização de entrada ou de permanência no Reino Unido as pessoas que tenham esse direito ao abrigo de «direitos emergentes da legislação comunitária directamente aplicável».

Poder de apreciação do Secretary of State

15.
    O Secretary of State possui um poder de apreciação que lhe permite autorizar a entrada ou a permanência de pessoas no Reino Unido mesmo que estas não satisfaçam as condições previstas pelas disposições específicas da legislação relativa à imigração.

Expulsão

16.
    Nos termos das Sections 3(5) e 3(6) da Immigration Act 1971, um cidadão não britânico pode ser expulso do Reino Unido («deportation»), nomeadamente no caso de ter sido condenado por crime passível de pena de prisão e de um tribunal penal ter recomendado a sua expulsão.

17.
    Uma vez assinada pelo Secretary of State, a ordem de expulsão tem por efeito, em conformidade com a Section 5(1) da Immigration Act 1971, obrigar a pessoa em causa a deixar o Reino Unido, proibi-la de aí entrar e anular qualquer autorização de entrada ou de permanência que lhe tenha sido concedida quer antes quer após a assinatura da ordem. As ordens de expulsão implicam o abandono do território do Reino Unido.

18.
    Existindo uma ordem de expulsão contra uma pessoa que solicita autorização de entrada no Reino Unido, a autorização de entrada deve ser recusada [parágrafo 320(2) das Immigration Rules], ainda que essa pessoa possa obter a autorização de entrada por outro motivo. Quem entrar no Reino Unido havendo uma ordem de expulsão contra si é um estrangeiro com entrada ilegal [Section 33(1) da Immigration Act 1971]. Pode ser expulso do Reino Unido como tal, nos termos Section 4(2)(c) e do parágrafo 9 do anexo 2 da Immigration Act 1971.

19.
    As ordens de expulsão têm duração ilimitada. No entanto, nos termos da Section 5(2) da Immigration Act 1971, o Secretary of State pode revogar a todo o tempo uma ordem de expulsão. O parágrafo 390 das Immigration Rules dispõe que os pedidos de revogação de uma ordem de expulsão devem ser apreciados à luz de todas as circunstâncias, incluindo os fundamentos que levaram a que a ordem de expulsão fosse decretada, os argumentos apresentados a favor da revogação, os interesses nacionais, incluindo a garantia de um controlo efectivo da imigração, e os interesses do requerente, incluindo razões humanitárias. As situações matrimoniais e familiares são normalmente incluídas nas razões humanitárias.

20.
    Nos termos do parágrafo 391 das Immigration Rules, em princípio, uma ordem de expulsão não será revogada, a menos que se tenha verificado uma substancial alteração das circunstâncias ou que o decurso do tempo justifique a revogação. No entanto, salvo em circunstâncias muito excepcionais, uma ordem de expulsão só pode ser revogada se a pessoa tiver estado ausente do Reino Unido por um período de, pelo menos, três anos a contar da ordem de expulsão.

21.
    O parágrafo 392 das Immigration Rules precisa que a revogação da ordem de expulsão, por si só, não confere ao interessado o direito a entrar no Reino Unido. Apenas lhe permite requerer uma autorização de entrada no Reino Unido em conformidade com as Immigration Rules ou com quaisquer outras disposições da legislação em matéria de imigração.

Casamento com um cidadão britânico ou com um nacional de um Estado-Membro do Espaço Económico Europeu (EEE)

22.
    A pessoa cuja entrada no Reino Unido esteja subordinada à obtenção de uma autorização de entrada pode requerer esta autorização invocando o casamento com uma pessoa, incluindo um nacional do Reino Unido, que se encontra e está estabelecida no Reino Unido. Os requisitos exigidos para a emissão desta autorização são enumerados no parágrafo 281 das Immigration Rules. Esta disposição prevê, nomeadamente, no ponto vi), que o requerente disponha de um título válido de entrada no Reino Unido que lhe permita entrar no Reino Unido na qualidade de cônjuge.

23.
    Quem preencher todos os requisitos enumerados no parágrafo 281 das Immigration Rules pode obter um título de entrada e, se o obtiver, pode requerer uma autorização de entrada ao chegar a uma estância de entrada no território do Reino Unido. Segundo o parágrafo 282 das Immigration Rules, quem pretender obter uma autorização de entrada no Reino Unido na qualidade de cônjuge de uma pessoa que se encontra e está estabelecida no Reino Unido pode obter uma autorização de entrada inicial, válida por um período máximo de doze meses, se dispuser do referido título de entrada.

24.
    Não obstante, nos termos dos parágrafos 320(2) e 321(3) das Immigration Rules, se uma pessoa contra a qual exista uma ordem de expulsão válida pedir para entrar no Reino Unido na qualidade de cônjuge de uma pessoa que se encontra e está estabelecida no Reino Unido, o título de entrada e, se a requerer, a autorização de entrada ser-lhe-ão recusados, ainda que preencha os demais requisitos para entrar nessa qualidade. A pessoa em causa deve obter a revogação da sua ordem de expulsão antes que lhe possa ser concedido um título de entrada ou uma autorização de entrada no Reino Unido. A revogação da ordem de expulsão pode ser requerida antes ou em simultâneo com o título de entrada.

25.
    À partida, a legislação do Reino Unido em matéria de imigração não continha disposições específicas que regulassem a situação examinada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 7 de Julho de 1992, Singh (C-370/90, Colect., p. I-4265), isto é, a admissão no Reino Unido de uma pessoa que, em princípio, deveria dispor de uma autorização de entrada e que deseja entrar no Reino Unido como cônjuge de um nacional do Reino Unido que regressa ou deseja regressar ao Reino Unido, depois de exercer direitos que o direito comunitário lhe confere na qualidade de trabalhador noutro Estado-Membro.

26.
    Contudo, à luz do acórdão Singh, já referido, essa pessoa dispunha de um «direito resultante da legislação comunitária directamente aplicável», na acepção da Section 7(1) da Immigration Act 1988 e da Section 2 do European Communities Act 1972 (lei sobre as Comunidades Europeias de 1972), e, nessa qualidade, não necessitava de obter uma autorização de entrada no Reino Unido.

27.
    Na prática, caso a pessoa estivesse «sujeita a um título de entrada prévio», devia obtê-lo para ser admitida no Reino Unido. Normalmente, esse título de entrada era concedido, mas podia ser recusado por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. Se obtivesse o título, ao chegar ao Reino Unido tinha o direito de entrar no território do Reino Unido e de aí permanecer nas mesmas condições que um membro da família de um nacional de um Estado-Membro do EEE diferente do Reino Unido [artigo 3(2) e (3) da Immigration (European Economic Area) Order 1994 (despacho de 1994 relativo à imigração com origem no Espaço Económico Europeu)].

28.
    Nos termos do artigo 11.°, n.° 1, das EEA Regulations 2000 (regulamento de 2000 relativo aos direitos de entrada e de permanência no território do Reino Unido dos nacionais do EEE), este regulamento é aplicável aos «membros da família» de um nacional do Reino Unido como se fossem membros da família de um «nacional do EEE», desde que se encontrem preenchidas as condições previstas no artigo 11.°, n.° 2. Estas condições são as seguintes:

-    após ter abandonado o território do Reino Unido, o nacional do Reino Unido tiver permanecido num Estado-Membro do EEE onde tenha trabalhado como assalariado (não a título temporário ou a título ocasional) ou se tenha estabelecido como trabalhador independente;

-    o nacional do Reino Unido não tiver abandonado o território do Reino Unido com o objectivo de permitir ao membro da sua família adquirir direitos ao abrigo deste regulamento e iludir, dessa forma, a aplicação da legislação do Reino Unido relativa à imigração;

-    ao regressar ao Reino Unido, o nacional do Reino Unido, se fosse nacional do EEE, tinha o direito de permanecer no Reino Unido («qualified person»), e

-    se o membro da família do nacional do Reino Unido for o seu cônjuge, o casamento se tiver realizado e as partes tiverem coabitado num Estado-Membro do EEE antes do regresso do nacional britânico ao Reino Unido.

Litígio no processo principal

29.
    Em Fevereiro de 1989, H. Akrich, cidadão marroquino nascido em 1967, foi autorizado a entrar no Reino Unido como turista pelo período de um mês. Requereu uma autorização de residência para estudante, mas esta foi-lhe recusada, em Julho de 1989, e ao subsequente recurso foi negado provimento, em Agosto de 1990.

30.
    Em Junho de 1990, H. Akrich foi julgado por tentativa de furto e utilização de um documento de identidade furtado. Com base numa ordem de expulsão emitida pelo Secretary of State, foi expulso para a Argélia em 2 de Janeiro de 1991.

31.
    Em Janeiro de 1992, H. Akrich regressou ao Reino Unido utilizando um bilhete de identidade francês falso. Foi detido e voltou a ser expulso em Junho de 1992. Após ter permanecido fora do Reino Unido durante menos de um mês, regressou ao país clandestinamente.

32.
    Em 8 de Agosto de 1996, apesar de residir ilegalmente no Reino Unido, casou com Helina Jazdzewska, cidadã britânica, e, no final do mesmo mês, pediu uma autorização de permanência na qualidade de cônjuge de um nacional do Reino Unido.

33.
    Depois de ter sido detido, no início de 1997, ao abrigo da Immigration Act 1971, em Agosto de 1997, H. Akrich foi expulso para, como era seu desejo, Dublim (Irlanda), onde a sua mulher residia desde Junho de 1997.

34.
    Em Janeiro de 1998, H. Akrich pediu a revogação da ordem de expulsão e, no mês seguinte, requereu um título de entrada no Reino Unido na qualidade de cônjuge de uma pessoa aí estabelecida.

35.
    Aquando da apresentação deste pedido, H. Akrich e a sua mulher foram interrogados por um funcionário britânico, na Embaixada do Reino Unido em Dublim, sobre a sua permanência na Irlanda e sobre as suas intenções. Foi possível apurar, por um lado, que a mulher de H. Akrich trabalhava em Dublim desde Agosto de 1997 e que, desde Janeiro de 1998, ocupava um emprego a tempo inteiro e a termo, até Maio ou Junho de 1998, mas com possibilidade de renovação. H. Akrich, por seu lado, trabalhara como empregado de restauração por intermédio de uma agência, aceitando todo o trabalho disponível. O irmão da mulher de H. Akrich oferecera-lhes alojamento no Reino Unido caso regressassem e esta recebera uma oferta de emprego no Reino Unido a partir de Agosto de 1998.

36.
    Resultou destes encontros, por um lado, que H. Akrich e a sua mulher requeriam um título de entrada com fundamento no acórdão Singh, já referido. Em resposta a uma questão, a mulher de H Akrich declarou que ela e o seu marido tinham a intenção de regressar ao Reino Unido, pois «tinham ouvido falar de direitos comunitários segundo os quais, após uma permanência de seis meses, era possível regressar ao Reino Unido». Como fonte desta informação, indicou «solicitors e outras pessoas na mesma situação».

37.
    Em 21 de Setembro de 1998, o Secretary of State recusou revogar a ordem de expulsão. Em conformidade com as suas instruções, o título de entrada requerido com fundamento no acórdão Singh, já referido, foi igualmente recusado, em 29 de Setembro de 1998. O Secretary of State considerou que a deslocação de H. Akrich e da sua mulher para a Irlanda mais não fora do que uma ausência temporária com o intuito de forjar um direito de residência a favor de H. Akrich quando este regressasse ao Reino Unido e, dessa forma, iludir as disposições da legislação nacional do Reino Unido, pelo que a mulher de H. Akrich não havia verdadeiramente exercido os direitos que o Tratado CE lhe confere enquanto trabalhadora noutro Estado-Membro.

38.
    Em Outubro de 1998, H. Akrich recorreu destas duas decisões para o Immigration Adjudicator (Reino Unido), tendo o recurso sido provido em Novembro de 1999.

39.
    O Immigration Adjudicator, dando como provado, nomeadamente, que H. Akrich e a sua mulher se tinham deslocado para a Irlanda com o objectivo de exercerem posteriormente os direitos decorrentes da legislação comunitária que lhes permitiria regressar ao Reino Unido, concluiu, no entanto, que, no plano jurídico, a mulher de H. Akrich tinha efectivamente exercido os direitos conferidos pela legislação comunitária e que esta situação não tinha sido desvirtuada pelas intenções do casal, pelo que estes não tinham invocado o direito comunitário para iludir as disposições da legislação nacional do Reino Unido. Declarou também que H. Akrich não constituía uma ameaça real e suficientemente séria para a ordem pública susceptível de justificar a manutenção da ordem de expulsão.

40.
    O Secretary of State recorreu desta decisão para o Immigration Appeal Tribunal.

Despacho de reenvio e questões prejudiciais

41.
    No seu despacho de reenvio, o Immigration Appeal Tribunal recorda que, no n.° 24 do acórdão Singh, já referido, o Tribunal de Justiça formulou a seguinte reserva:

«Quanto aos riscos de fraude invocados pelo Governo do Reino Unido, basta recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (v., entre outros, os acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors, n.° 25, 115/78, Recueil, p. 399, e de 3 de Outubro de 1990, Bouchoucha, n.° 14, C-61/89, Colect., p. I-3551), as facilidades criadas pelo Tratado não podem ter por efeito permitir às pessoas que delas beneficiam subtrair-se abusivamente às legislações nacionais e proibir os Estados-Membros de tomarem as medidas necessárias para impedir tais abusos.»

42.
    O Immigration Appeal Tribunal interroga-se sobre se, ao aceitar a alegação de H. Akrich de que «qualquer medida tomada para evitar abusos por parte de um Estado-Membro deve ser compatível com o direito comunitário», o Immigration Adjudicator aplicou correctamente esta reserva.

43.
    Segundo o Secretary of State, a reserva deve ser tida em conta na apreciação das duas fases da argumentação de H. Akrich, de modo que não é possível determinar se H. Akrich e a sua mulher podem beneficiar dos direitos conferidos aos «trabalhadores» nem se o alcance da excepção de «ordem pública» permite a expulsão do cônjuge de um «trabalhador» de um Estado-Membro sem dar o devido relevo ao facto de que o objectivo do exercício putativo dos direitos conferidos pelo direito comunitário era precisamente evitar a normal aplicação da lei em matéria de imigração do Reino Unido.

44.
    O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta questão não é claramente resolvida pelo acórdão Singh, já referido, e que, portanto, se afigura útil pedir ao Tribunal de Justiça que forneça orientações adicionais sobre a matéria.

45.
    Com base no exposto, o Immigration Appeal Tribunal decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Quando um nacional de um Estado-Membro é casado com um nacional de um país terceiro que não preenche os requisitos previstos na legislação nacional para entrar ou residir no território desse Estado-Membro e se desloca para outro Estado-Membro com o cônjuge não nacional com o objectivo de exercer direitos emergentes da legislação comunitária, trabalhando neste outro Estado-Membro apenas durante um período limitado de tempo a fim de, no momento em que regressa ao Estado-Membro de que tem a nacionalidade na companhia do cônjuge, invocar os direitos conferidos pela legislação comunitária:

1)    O Estado-Membro de origem pode considerar que a intenção que anima o casal, ao deslocar-se para outro Estado-Membro, de reclamar o benefício de direitos decorrentes da legislação comunitária no momento do regresso ao Estado-Membro de origem, independentemente do facto de o cônjuge estrangeiro não preencher os requisitos necessários nos termos da legislação nacional, configura uma situação em que o direito comunitário é invocado a fim de iludir a aplicação da legislação nacional, e

2)    em caso de resposta afirmativa, o Estado-Membro de origem pode recusar:

    a)    suprimir qualquer obstáculo prévio à entrada do cônjuge não nacional nesse Estado-Membro (no presente processo, uma ordem de expulsão em vigor) e

    b)    conceder ao cônjuge não nacional um direito de entrada no seu território?»

Quanto às questões prejudiciais

46.
    Através destas questões, que convém examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, qual o alcance do acórdão Singh, já referido, numa situação como a que está em causa no processo principal.

47.
    Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o disposto no artigo 52.° do Tratado CEE (que passou a artigo 52.° do Tratado CE, o qual por sua vez passou, após alteração, a artigo 43.° CE) e na Directiva 73/148 deve ser interpretado no sentido de que obriga um Estado-Membro a autorizar a entrada e a permanência no seu território do cônjuge, qualquer que seja a sua nacionalidade, do nacional desse Estado que se deslocou com esse cônjuge para o território de outro Estado-Membro para aí exercer uma actividade assalariada, na acepção do artigo 48.° do Tratado CEE (que passou a artigo 48.° do Tratado CE, o qual por sua vez passou, após alteração, a artigo 39.° CE), e que regressa ao território do Estado-Membro de que é nacional para nele se estabelecer, na acepção do artigo 52.° do Tratado. Segundo a parte decisória do acórdão, o cônjuge deve beneficiar, pelo menos, dos mesmos direitos que lhe seriam reconhecidos pelo direito comunitário se o seu marido ou mulher se deslocassem para o território de outro Estado-Membro e aí permanecessem.

48.
    As mesmas consequências resultam do artigo 39.° CE caso o nacional do Estado-Membro em causa pretenda regressar ao território desse Estado-Membro para aí exercer uma actividade assalariada. Por conseguinte, quando o cônjuge é nacional de um país terceiro, deve beneficiar, pelo menos, dos mesmos direitos que lhe seriam reconhecidos pelo artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 se o seu marido ou mulher se deslocassem para o território de outro Estado-Membro e aí permanecessem.

49.
    Porém, o Regulamento n.° 1612/68 apenas visa a livre circulação no interior da Comunidade. Nada diz quanto à existência dos direitos de acesso ao território da Comunidade de um nacional de um país terceiro, cônjuge de um cidadão da União.

50.
    Para beneficiar dos direitos previstos no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 numa situação como a que está em causa no processo principal, o nacional de um país terceiro, cônjuge de um cidadão da União, deve residir legalmente num Estado-Membro no momento da sua deslocação para outro Estado-Membro, para o qual o cidadão da União migra ou migrou.

51.
    Esta interpretação está em conformidade com a economia das disposições comunitárias que visam garantir a liberdade de circulação dos trabalhadores na Comunidade, cujo exercício não pode penalizar o trabalhador migrante e a sua família.

52.
    Quando um cidadão da União estabelecido num Estado-Membro, casado com um nacional de um país terceiro com direito de residência nesse Estado-Membro, se desloca para outro Estado-Membro a fim de aí exercer um emprego assalariado, essa deslocação não deve traduzir-se na perda da possibilidade de viverem legalmente juntos, razão pela qual o artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 confere ao referido cônjuge o direito a instalar-se nesse outro Estado-Membro.

53.
    Em contrapartida, quando um cidadão da União estabelecido num Estado-Membro, casado com um nacional de um país terceiro sem direito de residência nesse Estado-Membro, se desloca para outro Estado-Membro a fim de aí exercer um emprego assalariado, o facto de o seu cônjuge não possuir um direito, ao abrigo do artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68, a instalar-se com ele nesse outro Estado-Membro não configura um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficiavam antes de o referido cidadão fazer uso das facilidades oferecidas pelo Tratado em matéria de circulação de pessoas. Consequentemente, a ausência de tal direito não é susceptível de dissuadir o cidadão da União de exercer os direitos de circulação reconhecidos pelo artigo 39.° CE.

54.
    O mesmo acontece quando o cidadão da União, casado com um nacional de um país terceiro, regressa ao Estado-Membro de que é nacional para aí exercer um emprego assalariado. Se o seu cônjuge dispõe de um direito de residência válido noutro Estado-Membro, o artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 é aplicável, por forma a que o cidadão da União não seja dissuadido de exercer a sua liberdade de circulação, regressando ao Estado-Membro de que é nacional. Em contrapartida, se o seu cônjuge não dispõe ainda de um direito de residência válido noutro Estado-Membro, o facto de este último não ter direito, com base no referido artigo 10.°, a instalar-se com o cidadão da União não produz qualquer efeito dissuasivo a esse nível.

55.
    Relativamente à questão do abuso, evocada no n.° 24 do acórdão Singh, já referido, importa recordar que as intenções que possam ter levado o trabalhador de um Estado-Membro a procurar trabalho noutro Estado-Membro são irrelevantes no que diz respeito ao seu direito de entrada e de permanência no território deste último Estado, desde que o mesmo exerça ou deseje exercer uma actividade real e efectiva (acórdão de 23 de Março de 1982, Levin, 53/81, Recueil, p. 1035, n.° 23).

56.
    Tais intenções são igualmente irrelevantes para apreciar a situação jurídica do casal no momento do regresso ao Estado-Membro de que o trabalhador é nacional. O comportamento descrito não configura abuso na acepção do n.° 24 do acórdão Singh, já referido, ainda que o cônjuge não disponha de um direito de residência no Estado-Membro da nacionalidade do trabalhador no momento em que o casal se estabelece noutro Estado-Membro.

57.
    Em contrapartida, existiria abuso caso as facilidades criadas pelo direito comunitário em benefício dos trabalhadores migrantes e dos seus cônjuges fossem invocadas no quadro de casamentos de conveniência celebrados com o objectivo de contornar as disposições relativas à entrada e permanência dos nacionais de países terceiros.

58.
    Quando o casamento é autêntico e, no momento do regresso do cidadão da União ao Estado-Membro de que é nacional, o seu cônjuge, nacional de um país terceiro, com o qual vivia no Estado-Membro que abandona, não reside legalmente no território de um Estado-Membro, há que atender ao direito ao respeito da vida familiar na acepção do artigo 8.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Este direito faz parte dos direitos fundamentais que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, aliás confirmada pelo preâmbulo do Acto Único Europeu e pelo artigo 6.°, n.° 2, UE, estão protegidos na ordem jurídica comunitária.

59.
    Mesmo que a CEDH não garanta, como tal, qualquer direito de um estrangeiro a entrar e a permanecer no território de um país determinado, excluir uma pessoa de um país onde vivem os seus familiares chegados pode constituir uma ingerência no direito ao respeito da vida familiar tal como vem protegido no artigo 8.°, n.° 1, desta Convenção. Semelhante ingerência viola a CEDH se não cumprir as exigências do n.° 2 do mesmo artigo, ou seja, se não estiver «prevista na lei», não for inspirada por uma ou várias finalidades legítimas à luz do referido número e não for «necessária numa sociedade democrática», isto é, «justificada por uma necessidade social imperiosa» e, nomeadamente, proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido (acórdão de 11 de Julho de 2002, Carpenter, C-60/00, Colect., p. I-6279, n.° 42).

60.
    Os limites do «necessário numa sociedade democrática», no caso de o cônjuge ter cometido uma infracção, foram interpretados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos seus acórdãos Boultif c. Suiça de 2 de Agosto de 2001 (Colectânea dos acórdãos e decisões 2001-IX, §§ 46 a 56) e Amrollahi c. Dinamarca de 11 de Julho de 2002 (ainda não publicado na Colectânea dos acórdãos e decisões, §§ 33 a 44).

61.
    Face ao conjunto das considerações precedentes, deve responder-se às questões submetidas que:

-    Para beneficiar dos direitos previstos no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 numa situação como a que está em causa no processo principal, o nacional de um país terceiro, cônjuge de um cidadão da União, deve residir legalmente num Estado-Membro no momento em que tem lugar a sua deslocação para outro Estado-Membro, para o qual o cidadão da União migra ou migrou.

-    O artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 não é aplicável quando o nacional de um Estado-Membro e o nacional de um país terceiro tenham celebrado um casamento de conveniência, com o objectivo de contornar as disposições relativas à entrada e permanência dos nacionais de países terceiros.

-    Existindo um casamento autêntico entre um nacional de um Estado-Membro e um nacional de um país terceiro, a circunstância de os cônjuges se terem instalado noutro Estado-Membro a fim de obter o benefício dos direitos conferidos pelo direito comunitário no momento do regresso ao Estado-Membro de que o primeiro é nacional não é relevante para a apreciação da sua situação jurídica pelas autoridades competentes deste último Estado.

-    Quando, no momento em que o nacional de um primeiro Estado-Membro, casado com um nacional de um país terceiro com o qual vive num segundo Estado-Membro, regressa ao Estado-Membro de que é nacional para aí exercer um emprego assalariado, o seu cônjuge não beneficiar dos direitos previstos no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68, por não ter residido legalmente no território de um Estado-Membro, as autoridades competentes do primeiro Estado-Membro devem, no entanto, ao apreciarem o pedido do cônjuge para entrar e permanecer no seu território, atender ao direito ao respeito da vida familiar na acepção do artigo 8.° da CEDH, desde que o casamento seja autêntico.

Quanto às despesas

62.
    As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido e helénico e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Immigration Appeal Tribunal, por despacho de 3 de Outubro de 2000, declara:

1.
    Para beneficiar dos direitos previstos no artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, numa situação como a que está em causa no processo principal, o nacional de um país terceiro, cônjuge de um cidadão da União, deve residir legalmente num Estado-Membro no momento em que tem lugar a sua deslocação para outro Estado-Membro, para o qual o cidadão da União migra ou migrou.

2.
    O artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 não é aplicável quando o nacional de um Estado-Membro e o nacional de um país terceiro tenham celebrado um casamento de conveniência, com o objectivo de contornar as disposições relativas à entrada e permanência dos nacionais de países terceiros.

3.
    Existindo um casamento autêntico entre um nacional de um Estado-Membro e um nacional de um país terceiro, a circunstância de os cônjuges se terem instalado noutro Estado-Membro a fim de obter o benefício dos direitos conferidos pelo direito comunitário no momento do regresso ao Estado-Membro de que o primeiro é nacional não é relevante para a apreciação da sua situação jurídica pelas autoridades competentes deste último Estado.

4.
    Quando, no momento em que o nacional de um primeiro Estado-Membro, casado com um nacional de um país terceiro com o qual vive num segundo Estado-Membro, regressa ao Estado-Membro de que é nacional para aí exercer um emprego assalariado, o seu cônjuge não beneficiar dos direitos previstos no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68, por não ter residido legalmente no território de um Estado-Membro, as autoridades competentes do primeiro Estado-Membro devem, no entanto, ao apreciarem o pedido do cônjuge para entrar e permanecer no seu território, atender ao direito ao respeito da vida familiar na acepção do artigo 8.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, desde que o casamento seja autêntico.

Rodríguez Iglesias
Puissochet
Wathelet

Schintgen

Timmermans
Edward

La Pergola

Jann
Macken

Colneric

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: inglês.