Language of document : ECLI:EU:T:2024:229

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção)

10 de abril de 2024 (*)

«FEAGA e FEADER — Despesas excluídas do financiamento — Despesas efetuadas por Portugal — Conceito de “prados permanentes” — Sistema proporcional — Controlos no local — Proporcionalidade — Princípio da cooperação leal — Artigo 54.° do Regulamento (UE) n.° 1306/2013 — Artigo 34.°, n.° 5, do Regulamento de Execução (UE) n.° 908/2014»

No processo T‑512/22,

República Portuguesa, representada por P. Barros da Costa e H. Almeida, na qualidade de agentes, assistidas por N. Domingues e G. Gomes, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Aquilina e B. Rechena, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção),

composto por: O. Porchia, presidente, L. Madise e S. Verschuur (relator), juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 4 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do seu recurso, interposto ao abrigo do artigo 263.° TFUE, a República Portuguesa pede a anulação da Decisão de Execução (UE) 2022/908 da Comissão, de 8 de junho de 2022, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2022, L 157, p. 15; seguir «decisão impugnada»), na parte relativa às despesas por ela efetuadas no montante de 117 066 097,40 euros durante os exercícios de 2016 a 2019.

 Antecedentes do litígio

2        No âmbito do inquérito AA/2015/015/PT, iniciado no decurso do outono de 2015, a Comissão Europeia constatou que o plano de ação do sistema de identificação das parcelas agrícolas português apresentava algumas deficiências. As referidas deficiências continuavam a existir no inquérito AA/2018/018/PT (a seguir «inquérito»), que foi iniciado contra a República Portuguesa no decurso do outono de 2018.

3        Os serviços da Direção‑Geral (DG) «Agricultura e Desenvolvimento Rural» da Comissão instauraram o inquérito para verificar se a República Portuguesa tinha executado, em conformidade com o direito da União Europeia, as ajudas diretas «superfície» que tinha recebido ao abrigo do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (a seguir «Fundos») pelos exercícios de 2016 e seguintes. Este inquérito baseava‑se no artigo 52.° do Regulamento (UE) n.° 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.° 352/78, (CE) n.° 165/94, (CE) n.° 2799/98, (CE) n.° 814/2000, (CE) n.° 1290/2005 e n.° 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549) e no artigo 34.° do Regulamento de Execução (UE) n.° 908/2014 da Comissão, de 6 de agosto de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento n.° 1306/2013 no que diz respeito aos organismos pagadores e outros organismos, gestão financeira, apuramento das contas, controlos, garantias e transparência (JO 2014, L 255, p. 59).

4        No âmbito do inquérito, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» realizou uma missão de auditoria a Portugal entre 15 e 19 de outubro de 2018.

5        Na sequência desta missão, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» deu conta das suas conclusões numa carta de 14 de maio de 2019 com a referência Ares (2019) 3170475 (a seguir «carta de observações»), em conformidade com o disposto no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento de Execução n.° 908/2014.

6        Na carta de observações, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» assinalou várias deficiências identificadas no âmbito de cinco controlos‑chave, relativos, primeiro, à definição do conceito de «prado permanente»; segundo, à aplicação do sistema proporcional; terceiro, à estimativa da superfície elegível; quarto, à recuperação de montantes indevidos; e, quinto, aos controlos cruzados destinados a determinar a elegibilidade das parcelas declaradas. Foi igualmente detetada uma deficiência no âmbito de um controlo ancilar relativo à monitorização da avaliação da qualidade do sistema de identificação das parcelas agrícolas.

7        Com base nestas observações e na falta de informações complementares, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» referiu que as deficiências detetadas geraram um risco para os Fundos. Este risco justifica a aplicação de uma correção financeira forfetária de 10 % aos pagamentos do FEAGA e de uma correção financeira forfetária de 5 % aos pagamentos do FEADER nos exercícios de 2016 e seguintes, em conformidade com as Orientações para o cálculo das correções financeiras no âmbito dos procedimentos relativos à conformidade e ao apuramento financeiro das contas, conforme figuram na Comunicação C(2015) 3675 final da Comissão, de 8 de junho de 2015 (a seguir «Orientações»).

8        A este título, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» convidou as autoridades portuguesas a fornecer todas as informações pertinentes e, em conformidade com o artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento Delegado (UE) n.° 907/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento n.° 1306/2013 no que se refere aos organismos pagadores e outros organismos, à gestão financeira, ao apuramento das contas, às garantias e à utilização do euro (JO 2014, L 255, p. 18), um cálculo exato do montante a excluir do financiamento da União relativo aos exercícios de 2016 e seguintes.

9        Por carta de 20 de setembro de 2019, as autoridades portuguesas responderam à carta de observações, comunicando algumas das informações pedidas e formulando alguns comentários em resposta às constatações e pedidos de informação complementares da DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural».

10      Na carta com a referência Ares (2020) 656502, de 3 de fevereiro de 2020, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» referiu, após ter examinado a resposta das autoridades portuguesas, que tinha decidido encerrar o ponto relativo à deficiência verificada no âmbito do controlo ancilar relativo à monitorização da avaliação da qualidade do sistema de identificação das parcelas agrícolas. Na referida carta, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» também convocou as autoridades portuguesas para uma reunião bilateral, que se realizou em 14 de fevereiro de 2020.

11      Na ata da reunião bilateral (a seguir «ata da reunião bilateral»), comunicada na carta com a referência Ares (2020) 1790348, de 27 de março de 2020, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» manteve, em substância, as deficiências identificadas no âmbito de quatro controlos‑chave, confirmando o encerramento do quinto controlo‑chave, relativo aos controlos cruzados destinados a determinar a elegibilidade das parcelas declaradas.

12      Uma vez que as autoridades portuguesas não comunicaram um cálculo do montante a excluir do financiamento da União para os exercícios de 2016 e seguintes, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural», na ata da reunião bilateral, reiterou igualmente a sua proposta de correção financeira, relativa aos exercícios de 2016 e seguintes, mediante a aplicação de uma taxa forfetária de 10 % aos pagamentos do FEAGA e de uma taxa forfetária de 5 % aos pagamentos do FEADER (v. n.° 7, supra).

13      As autoridades portuguesas responderam à ata da reunião bilateral por meio de cartas de 22 de abril e de 27 de maio de 2020, fornecendo informações complementares e mantendo a sua discordância relativamente à posição da DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural».

14      Na carta com a referência Ares (2020) 7895277, de 23 de dezembro de 2020, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» comunicou às autoridades portuguesas as conclusões preliminares do inquérito (a seguir «comunicação oficial») ao abrigo do artigo 34.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.° 908/2014.

15      Na comunicação oficial, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» confirmou que as deficiências detetadas no âmbito dos quatro controlos‑chave geraram um risco para os Fundos no que diz respeito aos pagamentos diretos efetuados no âmbito do FEAGA e do FEADER.

16      Em particular, no âmbito do primeiro controlo‑chave, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» identificou uma violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea h), do Regulamento (UE) n.° 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.° 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608), visto que o procedimento implementado pelas autoridades portuguesas para classificar prados como permanentes apresentava irregularidades, porque não tinha em conta os anos anteriores a 2015.

17      No âmbito do segundo controlo‑chave, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» identificou deficiências na aplicação do «sistema proporcional» ao abrigo do artigo 10.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento Delegado (UE) n.° 640/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento n.° 1306/2013 no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo e às condições de recusa ou retirada de pagamentos, bem como às sanções administrativas aplicáveis aos pagamentos diretos, ao apoio ao desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014, L 181, p. 48). O referido sistema permite que os Estados‑Membros determinem a superfície elegível para prados permanentes com elementos dispersos não elegíveis, como árvores ou outros elementos paisagísticos, através da aplicação de um limiar máximo de 10 %. Em contrapartida, a República Portuguesa utilizava um limiar de 25 %, em violação do artigo 10.° do Regulamento Delegado n.° 640/2014, o que, segundo a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural», podia conduzir a uma sobrestimação da superfície máxima elegível.

18      No âmbito do terceiro controlo‑chave, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» detetou uma violação dos artigos 43.° a 46.° do Regulamento n.° 1307/2013 e dos artigos 37.° a 41.° do Regulamento de Execução (UE) n.° 809/2014 da Comissão, de 17 de julho de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento n.° 1306/2013 no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo, às medidas de desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014, L 227, p. 69), no que respeita aos controlos no local, alegando que a República Portuguesa sobrestimava a superfície elegível. Com efeito, durante a missão de auditoria, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» identificou uma diferença substancial entre as suas estimativas da superfície elegível e as estimativas apresentadas pela República Portuguesa.

19      No âmbito do quarto controlo‑chave, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» identificou uma violação dos artigos 54.° e 63.° do Regulamento n.° 1306/2013 e do artigo 7.° do Regulamento de Execução n.° 809/2014, que preveem a obrigação de os Estados‑Membros recuperarem junto dos beneficiários, no prazo de 18 meses após a identificação, os pagamentos indevidos efetuados na sequência de irregularidades ou negligência. No caso em apreço, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» concluiu que a República Portuguesa se absteve de dar seguimento à recuperação no âmbito do plano de ação do sistema de identificação das parcelas agrícolas, embora, inicialmente, tenha procedido à referida recuperação.

20      Além disso, na comunicação oficial, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» indicou que as autoridades portuguesas tinham apresentado cálculos do montante a excluir do financiamento da União relativamente ao segundo, terceiro e quarto controlos. No entanto, apenas o cálculo relativo ao quarto controlo‑chave podia ser aceite. As autoridades portuguesas não forneceram nenhum cálculo a respeito do primeiro controlo naquele momento.

21      Com base no exposto, e na sequência da apresentação de elementos de prova adicionais pelas autoridades portuguesas, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» propôs reduzir a taxa forfetária aplicada aos pagamentos do FEAGA de 10 % para 5 %, em conformidade com o artigo 12.°, n.° 8, do Regulamento Delegado n.° 907/2014.

22      Assim, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» propôs a exclusão do financiamento da União de um montante líquido total de 119 945 313,64 euros (dos quais 94 350 515,82 euros relacionados com o FEAGA e 25 594 797,82 euros relacionados com o FEADER) relativo aos exercícios de 2016 e seguintes.

23      Por carta de 12 de fevereiro de 2021, em resposta à comunicação oficial, as autoridades portuguesas apresentaram um pedido fundamentado ao Órgão de Conciliação, ao abrigo do artigo 40.° do Regulamento de Execução n.° 908/2014 (a seguir «pedido de conciliação»). No referido pedido, também forneceram informações complementares, entre as quais, nomeadamente, uma avaliação do caráter permanente dos prados em causa, um cálculo do montante a excluir do financiamento da União relativo ao primeiro controlo‑chave e novos cálculos relativos ao segundo e terceiro controlos‑chave.

24      Na carta com a referência Ares (2021) 3558485, de 30 de maio de 2021, o Órgão de Conciliação, na sequência das audições que decorreram na sua presença, enviou às partes o seu relatório no qual concluiu pela ausência de condições objetivas para propor uma conciliação.

25      Na carta com a referência Ares (2021) 7872695, de 20 de dezembro de 2021, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» comunicou às autoridades portuguesas, em conformidade com o artigo 34.°, n.° 4, do Regulamento de Execução n.° 908/2014, as suas conclusões finais (a seguir «posição final»), nas quais:

–        confirmou a existência de deficiências nos quatro controlos‑chave (quatro relativas aos exercícios de 2016 a 2018 e três relativas aos exercícios de 2019);

–        indicou que tinha sido aplicada uma correção forfetária, uma vez que as autoridades portuguesas não tinham podido apresentar cálculos exatos do montante a excluir do financiamento da União que abrangia todas as deficiências identificadas;

–        concluiu, no que respeita ao primeiro controlo‑chave, que não existia um risco para os Fundos, tendo em conta as informações apresentadas tardiamente pelas autoridades portuguesas no pedido de conciliação, esclarecendo que, mesmo que essas informações tivessem sido tidas em conta, a correção financeira não teria sido alterada.

26      Os fundamentos das correções aplicadas à República Portuguesa na decisão impugnada estão resumidos no relatório‑síntese da Comissão de 11 de maio de 2022.

27      Por estes motivos, a DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural» excluiu do financiamento da União um montante total bruto de 117 076 515,76 euros, o que, tendo em conta os montantes entretanto recuperados na sequência de um inquérito anterior, determinou que fosse aplicada, na decisão impugnada, uma correção financeira líquida de 117 066 097,40 euros relativa aos exercícios de 2016 e seguintes.

 Pedidos das partes

28      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na parte em que exclui do financiamento da União o montante de 117 066 097,40 euros relativo a despesas declaradas no âmbito de ajudas «superfície», nos exercícios de 2016 a 2019;

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas.

29      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Portuguesa no pagamento das despesas.

 Questão de direito

30      A República Portuguesa invoca quatro fundamentos de recurso. Assim, no âmbito do primeiro fundamento, invoca, relativamente ao primeiro controlo‑chave, numa primeira parte, erros de facto e de direito e, numa segunda parte, uma violação do princípio da proporcionalidade. No âmbito do segundo fundamento, a República Portuguesa invoca uma violação dos princípios da proporcionalidade e da cooperação leal no que respeita ao segundo controlo‑chave. No âmbito do terceiro fundamento, invoca, relativamente ao terceiro controlo‑chave, numa primeira parte, uma violação do dever de fundamentação e, numa segunda parte, uma violação do princípio da proporcionalidade. No âmbito do quarto fundamento, a República Portuguesa invoca erros de facto e de direito no que respeita ao quarto controlo‑chave.

31      A este título, embora estejam dissipados pelos vários fundamentos acima referidos, cumpre examinar, por um lado, os argumentos invocados pela República Portuguesa relativos aos erros cometidos pela Comissão na identificação de algumas deficiências e, por outro, a violação dos princípios da proporcionalidade e da cooperação leal pela Comissão ao determinar a correção financeira.

 Quanto às várias deficiências identificadas pela Comissão

32      No que toca às deficiências identificadas pela Comissão no âmbito dos quatro controlos‑chave (v. n.os 16 a 19, supra), a República Portuguesa contestou apenas três, a saber, na primeira parte do primeiro fundamento, a deficiência relativa à classificação das parcelas agrícolas como prados permanentes (primeiro controlo‑chave); na primeira parte do terceiro fundamento, a deficiência relativa aos controlos no local (terceiro controlo‑chave); e, no quarto fundamento, a deficiência relativa à recuperação dos montantes indevidamente pagos (quarto controlo‑chave).

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à classificação das parcelas agrícolas como prados permanentes (primeiro controlochave)

33      A República Portuguesa alega que a Comissão cometeu erros de facto e de direito ao concluir que a República Portuguesa aplicou incorretamente o conceito de «prado permanente» no âmbito dos exercícios de 2016 e seguintes, porque não teve em conta informações relativas a um período de cinco anos consecutivos, a fim de determinar se uma parcela agrícola constitui ou não um prado permanente na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1307/2013.

34      Primeiro, a República Portuguesa considera que não dispunha das referidas informações, uma vez que os Estados‑Membros só estão obrigados a utilizar um pedido de ajuda com referência geoespacial (a seguir «pedido de apoio geoespacial») desde 2015, o que resulta de uma leitura conjugada do disposto no artigo 17.° do Regulamento de Execução n.° 809/2014 e no artigo 72.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1306/2013. Assim, só a partir de 2019 é que a República Portuguesa passou a dispor de um conjunto de informações sobre as parcelas agrícolas que abrange um período de cinco anos consecutivos.

35      Segundo, a República Portuguesa alega que, mesmo assim, comunicou os resultados de uma avaliação relativa ao exercício de 2015, com base em informações retiradas dos pedidos de pagamento direto ou de medidas «superfície», que tinham sido apresentados pelos beneficiários das ajudas entre 2010 e 2014. Com base no exposto, a Comissão concluiu pela inexistência de qualquer risco para os Fundos.

36      A Comissão contesta estes argumentos.

37      A este respeito, importa começar por recordar que, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1307/2013, as terras podem ser classificadas como prados permanentes se, por um período igual ou superior a cinco anos, não tiverem sido incluídas no sistema de rotação da exploração, ou seja, uma sequência de culturas escalonadas ao longo dos anos na mesma parcela, e estiverem ocupadas com erva ou outras forrageiras herbáceas naturais (espontâneas) ou cultivadas (semeadas) (a seguir «regra dos cinco anos»).

38      No caso em apreço, resulta do inquérito que a República Portuguesa não respeitou a regra dos cinco anos, uma vez que, antes de 2015, o procedimento de classificação dos prados como permanentes não se baseava em informações relativas à utilização dos prados e, nomeadamente, na exclusão efetiva destes últimos, por um período de cinco anos consecutivos, da rotação de culturas da exploração. Com efeito, ao longo de todo o inquérito, a República Portuguesa alegou que não dispunha de um conjunto de informações unívocas sobre as parcelas agrícolas que abrangessem um período de cinco anos.

39      Uma vez que, na falta daquelas informações, não era possível confirmar o rigor da classificação dos prados, a Comissão identificou, com razão, uma deficiência a este respeito.

40      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos restantes argumentos da República Portuguesa.

41      Primeiro, há que rejeitar o argumento da República Portuguesa de que não podia recolher as informações exigidas sobre a utilização de parcelas antes da criação do pedido de apoio geoespacial em 2015.

42      Com efeito, a regra dos cinco anos aplica‑se independentemente da eventual utilização do pedido de apoio geoespacial. Como a Comissão sublinhou, corretamente, e conforme a República Portuguesa reconheceu na audiência, a regra dos cinco anos está em vigor desde 2005, ou seja, entrou em vigor cerca de dez anos antes da criação do pedido de apoio geoespacial, como decorre do Regulamento (CE) n.° 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.° 2019/93, (CE) n.° 1452/2001, (CE) n.° 1453/2001, (CE) n.° 1454/2001, (CE) n.° 1868/94, (CE) n.° 1251/1999, (CE) n.° 1254/1999, (CE) n.° 1673/2000, (CEE) n.° 2358/71 e (CE) n.° 2529/2001 (JO 2003, L 270, p. 1).

43      Consequentemente, para cumprir a regra dos cinco anos, a República Portuguesa já deveria ter recolhido, antes de 2015, informações sobre a utilização de parcelas através de meios diferentes do pedido de apoio geoespacial, nomeadamente, através de imagens sintéticas baseadas em fotografias aéreas ou de satélite da superfície terrestre retificadas geometricamente e com base em informações alfanuméricas relativas aos prados, para os classificar como permanentes ou temporários. Isto resulta, nomeadamente, do artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 3508/92 do Conselho, de 27 de novembro de 1992, que estabelece um sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas comunitários (JO 1992, L 355, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1593/2000 do Conselho, de 17 de julho de 2000 (JO 2000, L 182, p. 4), do artigo 12.° do Regulamento (CE) n.° 1122/2009 da Comissão, de 30 de novembro de 2009, que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho no que respeita à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo, no âmbito dos regimes de apoio direto aos agricultores previstos no referido regulamento, bem como regras de execução do Regulamento (CE) n.° 1234/2007 do Conselho no que respeita à condicionalidade no âmbito do regime de apoio previsto para o setor vitivinícola (JO 2009, L 316, p. 65), e do artigo 17.° do Regulamento (CE) n.° 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.° 1290/2005, (CE) n.° 247/2006 e (CE) n.° 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 (JO 2009, L 30, p. 16).

44      Segundo, embora a Comissão tenha concluído, com base em informações retiradas dos pedidos de pagamento direto ou de medidas «superfície», que o risco financeiro relacionado com o caráter deficiente do procedimento de classificação das parcelas agrícolas como prados permanentes não se materializou, não deixa de se tratar de uma deficiência. De facto, embora as referidas informações tenham demonstrado posteriormente, em substância, que as parcelas em causa eram, de um modo geral, corretamente classificadas como prados permanentes durante o período abrangido pelo inquérito, a República Portuguesa não baseou esta classificação nas informações relativas à utilização dos prados num período de cinco anos, conforme previsto no Regulamento n.° 1307/2013. Assim, o facto de o risco financeiro associado à deficiência em causa não se ter concretizado não é suscetível de pôr em causa a existência desta deficiência, que afeta o primeiro controlo‑chave enquanto tal.

45      Por conseguinte, há que julgar improcedentes todos os argumentos invocados pela República Portuguesa com o intuito de contestar as deficiências identificadas no âmbito do primeiro controlo‑chave.

 Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao cálculo das taxas de superfície elegível (terceiro controlochave)

46      A República Portuguesa alega que, na missão de auditoria, a Comissão constatou uma sobrestimação da superfície elegível objeto dos pedidos de ajuda (a seguir «superfície elegível») de 12 % para os controlos no local «clássicos» e de 66 % para os controlos por teledeteção.

47      No entanto, ao longo de todo o inquérito, a Comissão não explicou de que modo chegou a estes resultados, pelo que o dever de fundamentação foi violado.

48      A Comissão contesta este argumento.

49      Segundo jurisprudência constante, um fundamento pode ser julgado inoperante quando, caso seja procedente, não for suscetível de determinar a anulação pretendida (v. Acórdão de 19 de novembro de 2009, Michail/Comissão, T‑50/08 P, EU:T:2009:457, n.° 59 e jurisprudência referida).

50      No caso em apreço, resulta dos autos que a Comissão mencionou, na carta de observações, uma sobrestimação da superfície elegível que ascendia a 12 % para os controlos no local «clássicos» e a 66 % para os controlos por teledeteção. Em seguida, com base em trocas e nas informações complementares apresentadas pela República Portuguesa na reunião bilateral, a Comissão recalculou as referidas percentagens e concluiu que existia uma sobrestimação de 0,90 % para os controlos «clássicos» e de 23,46 % para os controlos por teledeteção. Estas percentagens foram transmitidas à República Portuguesa na comunicação oficial, na posição final e no relatório‑síntese da Comissão.

51      Ora, os argumentos invocados pela República Portuguesa na petição em apoio da alegada violação do dever de fundamentação não fazem nenhuma referência ao facto de a Comissão ter recalculado as taxas de sobrestimação numa fase posterior ao procedimento e de, por conseguinte, as taxas iniciais de 12 % e 66 % terem perdido importância durante o inquérito.

52      Questionada sobre este ponto na audiência, a República Portuguesa não conseguiu explicar por que razão fez referência, na petição, às taxas de sobrestimação iniciais de 12 % e de 66 %, quando as taxas de sobrestimação finais eram de 0,90 % e de 23,46 %. Nomeadamente, a República Portuguesa não afirmou nem demonstrou que as taxas iniciais de 12 % e 66 %, referidas na carta de observações, tenham tido qualquer impacto nas taxas de sobrestimação finais de 0,90 % e de 23,46 % nas quais a Comissão se baseou na posição final.

53      Resulta do exposto que, mesmo admitindo que a República Portuguesa possa ter razão ao alegar que as taxas de sobrestimação iniciais carecem de fundamentação, daqui não pode resultar a anulação que pretende obter.

54      Assim, o argumento da República Portuguesa relativo à violação do dever de fundamentação no que respeita às taxas iniciais de sobrestimação de 12 % e 66 % deve ser rejeitado por ser inoperante.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à falta de recuperação dos montantes indevidamente pagos (quarto controlochave)

55      A República Portuguesa alega que a sua decisão de não dar seguimento à recuperação dos montantes indevidamente pagos não constitui uma deficiência, visto que instaurou procedimentos de recuperação no montante total de 359 734,00 euros para recuperar os montantes indevidamente pagos durante os exercícios de 2016 a 2018.

56      Os referidos procedimentos de recuperação foram posteriormente interrompidos devido à pandemia de COVID‑19. A República Portuguesa afirma, a este respeito, que a continuação dos procedimentos de recuperação iria acarretar um esforço administrativo desproporcionado devido à obrigatoriedade de realizar audiências prévias junto dos beneficiários.

57      A Comissão contesta estes argumentos.

58      A este respeito, note‑se, a título preliminar, que os Estados‑Membros devem proceder à recuperação dos montantes indevidamente pagos o mais rapidamente possível, em conformidade com o dever de diligência geral previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE, bem com no interesse de uma boa gestão financeira dos recursos da União (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 1991, Alemanha/Comissão, C‑28/89, EU:C:1991:67, n.° 31; de 13 de novembro de 2001, França/Comissão, C‑277/98, EU:C:2001:603, n.° 40, e de 8 de maio de 2019, Järvelaev, C‑580/17, EU:C:2019:391, n.° 96).

59      Efetivamente, em conformidade com o artigo 54.°, n.° 1, e com o artigo 58.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1306/2013, em relação a qualquer pagamento indevido que resulte de uma irregularidade ou negligência, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para proceder à recuperação do montante indevidamente pago. Nomeadamente, os Estados‑Membros devem recuperar os montantes indevidamente pagos junto dos beneficiários no prazo de 18 meses após a aprovação de um relatório de controlo ou documento semelhante, indicando a ocorrência da irregularidade.

60      No caso em apreço, é facto assente que a República Portuguesa não procedeu à recuperação junto dos beneficiários, o que é suficiente para concluir que não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 54.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1306/2013 e da jurisprudência referida no n.° 58, supra.

61      Dado que a República Portuguesa alega que os Estados‑Membros podem cumprir as respetivas obrigações que decorrem dos artigos 54.° e 58.° do Regulamento n.° 1306/2013 através da mera implementação de procedimentos de recuperação, sem terem de proceder à recuperação efetiva dos montantes indevidamente pagos, cumpre sublinhar o seguinte.

62      Segundo a jurisprudência, a obrigação de recuperação é aplicável ao longo de todo o procedimento e implica que os Estados‑Membros tomem todas as medidas necessárias para garantir uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União, em particular para recuperar os montantes perdidos na sequência de irregularidades ou de negligência e para, se necessário, intentar as ações judiciais necessárias para o efeito (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2019, Bélgica/Comissão, C‑587/17 P, EU:C:2019:75, n.os 66 e 67).

63      Ora, no presente caso, a República Portuguesa limita‑se a alegar que a recuperação iria acarretar um esforço administrativo desproporcionado devido à pandemia de COVID‑19. A este título, basta referir que, por um lado, a pandemia de COVID‑19, embora sendo um acontecimento imprevisível com uma dimensão excecional, não pode ser invocada como uma justificação geral sem esclarecimentos adicionais relativos ao contexto e às dificuldades concretas. Por outro lado, a República Portuguesa não fez prova de que tinha adotado as medidas necessárias para recuperar os montantes indevidamente pagos.

64      Além disso, a República Portuguesa não conseguiu explicar em que medida a pandemia de COVID‑19 e as implicações invocadas estão abrangidas por uma das exceções à obrigação de recuperação previstas no Regulamento n.° 1306/2013.

65      Primeiro, o esforço administrativo desproporcionado que a recuperação teria exigido devido à pandemia de COVID‑19 não se enquadra nas exceções à obrigação de recuperação previstas no artigo 54.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1306/2013, isto é, se o conjunto dos custos efetuados e dos custos previsíveis da recuperação for superior ao montante a recuperar (no caso de montantes até 250 euros); ou se a recuperação se revelar impossível devido à insolvência do devedor ou das pessoas juridicamente responsáveis pela irregularidade.

66      Segundo, o esforço administrativo desproporcionado também não pode ser qualificado de «circunstâncias excecionais» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alíneas a) a f), do Regulamento n.° 1306/2013. Efetivamente, estas circunstâncias estão ligadas tanto à pessoa do beneficiário, isto é, à sua capacidade profissional e à sua saúde, como a doenças ou a catástrofes naturais que afetem de modo significativo as plantas ou a exploração, ou à expropriação de toda ou de uma parte importante da exploração ou à destruição acidental das instalações da exploração.

67      Assim, visto que a República Portuguesa não apresentou uma justificação válida a este título, a não recuperação dos montantes indevidamente pagos foi corretamente qualificada de deficiência pela Comissão.

68      Atento o exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento, a primeira parte do terceiro fundamento e o quarto fundamento e, por conseguinte, todos os argumentos invocados pela República Portuguesa para contestar a existência de deficiências no âmbito do primeiro, terceiro e quarto controlos‑chave.

 Quanto à correção financeira aplicada pela Comissão

69      Uma vez que os fundamentos invocados pela República Portuguesa para contestar a identificação das várias deficiências foram julgados improcedentes, cumpre examinar os fundamentos relativos, em substância, à desproporcionalidade da correção financeira, invocados pela República Portuguesa no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, do segundo fundamento e da segunda parte do terceiro fundamento.

70      A este respeito, note‑se que, embora a República Portuguesa invoque, no âmbito das várias partes e fundamentos, uma violação do princípio da proporcionalidade e, nalgumas partes dos articulados, uma violação do princípio da cooperação leal, verifica‑se que, na prática, a República Portuguesa acusa a Comissão de se ter recusado a ter em conta os vários cálculos do montante a excluir do financiamento da União propostos e, assim, de ter aplicado uma correção forfetária. Consequentemente, há que interpretar os argumentos da República Portuguesa neste sentido.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à proporcionalidade da correção financeira

71      A República Portuguesa alega que a Comissão recusou, injustamente, ter em conta o cálculo do montante a excluir do financiamento da União fornecido pela República Portuguesa e efetuado em conformidade com as Orientações, o qual demonstra que a deficiência relativa à classificação das parcelas agrícolas, identificada no âmbito do primeiro controlo‑chave, não gerou nenhum risco para os Fundos.

72      Pela mesma razão, o recurso, pela Comissão, a uma correção forfetária também é injustificado.

73      A Comissão contesta estes argumentos.

74      A este respeito, note‑se, a título preliminar, que a Comissão avalia, no âmbito do procedimento de apuramento da conformidade, os montantes a excluir do financiamento da União, tendo em conta, nomeadamente, a importância da não conformidade constatada, ao abrigo do artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1306/2013.

75      Em princípio, a Comissão baseia essa exclusão na identificação de montantes indevidamente gastos. Só são aplicadas correções fixas se, devido à natureza do caso, ou porque o Estado‑Membro não prestou as necessárias informações à Comissão, não for possível determinar de forma mais precisa, mediante um esforço proporcionado, o prejuízo financeiro causado à União (Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, França/Comissão, C‑404/19 P, EU:C:2020:1041, n.° 49, e de 7 de dezembro de 2022, Lituânia/Comissão, T‑537/20, não publicado, EU:T:2022:777, n.os 74 e 75).

76      A este respeito, o artigo 12.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 907/2014 fixa os requisitos que os dados transmitidos pelos Estados‑Membros devem preencher para poderem beneficiar da aplicação, designadamente, de uma correção pontual.

77      Em particular, o artigo 12.°, n.° 4, alíneas c) e d), do Regulamento Delegado n.° 907/2014 prevê que, a fim de ter em conta os resultados apresentados pelos Estados‑Membros, a Comissão deve poder verificar o conteúdo e os resultados, nomeadamente, da identificação que lhe foi apresentada e obter uma prova de auditoria suficiente e relevante em matéria de dados subjacentes.

78      Por último, note‑se que, em conformidade com o artigo 12.°, n.° 7, do Regulamento Delegado n.° 907/2014 e com o ponto 3.2 das Orientações, quando efetua uma correção fixa, a Comissão tem em conta, para determinar o nível dessa correção, o número de controlos‑chave com deficiências.

79      No caso em apreço, importa observar que só na fase do pedido de conciliação é que a República Portuguesa apresentou os cálculos dos montantes a excluir do financiamento da União pelas deficiências identificadas pela Comissão no âmbito dos quatro controlos‑chave. De qualquer modo, a Comissão analisou os cálculos de cada controlo‑chave e expôs na posição final os motivos pelos quais os cálculos relativos às deficiências identificadas no âmbito do segundo e terceiro controlos‑chave não podiam ser tidos em conta.

80      Ora, resulta da jurisprudência referida no n.° 75, supra, que a Comissão pode aplicar uma correção fixa do montante a excluir do financiamento da União se, nomeadamente, os cálculos apresentados pelo Estado‑Membro para uma ou mais deficiências identificadas não puderem ser aceites. Por conseguinte, para decidir da segunda parte do primeiro fundamento, cumpre começar por apreciar se a Comissão procedeu corretamente ao recusar os cálculos do montante a excluir do financiamento da União propostos pela República Portuguesa relacionados com as deficiências identificadas no âmbito do segundo e terceiro controlos‑chave. Estes controlos são objeto do segundo fundamento e da segunda parte do terceiro fundamento, que serão analisados em seguida.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à rejeição, pela Comissão, do cálculo ligado à aplicação do sistema proporcional (segundo controlochave)

81      A República Portuguesa acusa a Comissão de ter recusado, injustamente, o cálculo do montante a excluir do financiamento da União que lhe propôs a título da deficiência relativa à aplicação errada do sistema proporcional, na aceção do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento Delegado n.° 640/2014. Em particular, a Comissão, por um lado, considerou erradamente que os exercícios de 2018 e 2019 deveriam ser incluídos no referido cálculo e, por outro, rejeitou injustamente a proposta de a República Portuguesa aplicar uma taxa forfetária de 5 % ao que considerava ser a amostra representativa de toda a população em que a amostra tinha sido colhida (a seguir «população em risco»).

82      Além disso, a República Portuguesa referiu na audiência que, antes de rejeitar o cálculo do risco para os Fundos, a Comissão lhe deveria ter pedido informações suplementares para completar o cálculo do risco para os Fundos, em conformidade com o artigo 34.°, n.° 5, do Regulamento de Execução n.° 908/2014 e com o princípio da cooperação leal.

83      A Comissão contesta estes argumentos.

84      A este respeito, há que observar, a título preliminar, que, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento Delegado n.° 640/2014, os Estados‑Membros podem aplicar um sistema proporcional para determinar a superfície elegível numa parcela agrícola com elementos dispersos não elegíveis, como elementos paisagísticos e árvores. Para que essa parcela seja elegível, os referidos elementos podem corresponder, no máximo, a 10 % da parcela em questão.

85      No caso em apreço, a Comissão observou que, no âmbito da aplicação do sistema proporcional, a República Portuguesa utilizou um limiar de 25 %, em vez de 10 %, o que não é contestado por esta última.

86      Assim, a Comissão concluiu que existia uma violação do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento Delegado n.° 640/2014. Por conseguinte, durante o inquérito, a Comissão convidou a República Portuguesa a propor um cálculo do montante a excluir do financiamento da União.

87      Na resposta à ata da reunião bilateral, a República Portuguesa propôs um cálculo do montante a excluir do financiamento da União, que foi rejeitado pela Comissão. A República Portuguesa contesta esta rejeição com base em três pontos específicos, a saber, a aplicação da taxa forfetária de 5 % à população em risco, a exclusão dos exercícios de 2018 e 2019 e o facto de a Comissão não ter pedido informações suplementares a respeito do cálculo do montante a excluir do financiamento da União, que serão analisados em seguida.

–       Quanto à aplicação de uma taxa forfetária de 5 % à população em risco

88      No seu cálculo, a República Portuguesa aplicou um coeficiente de redução de 17,5 %, correspondente à média de 10 % e 25 %, a todas as parcelas declaradas como prados permanentes elegíveis a 100 % para os exercícios de 2016 e 2017.

89      Nomeadamente, a República Portuguesa refere que calculou a população em risco por extrapolação, aplicando um coeficiente de redução de 17,5 %, para fazer uma estimativa da diferença entre os montantes pagos, aplicando o limiar incorreto de 25 %, e os montantes que teria pagado se tivesse aplicado o limiar correto de 10 %.

90      A República Portuguesa calculou assim um montante total de cerca de 32 milhões de euros que, em seu entender, representava a população em risco.

91      Em seguida, a República Portuguesa aplicou uma taxa forfetária de 5 % ao referido montante de cerca de 32 milhões de euros.

92      A Comissão rejeitou a aplicação da taxa de 5 % ao montante de cerca de 32 milhões de euros.

93      A este respeito, decorre do artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1306/2013 que a Comissão dispõe de duas opções na avaliação dos montantes a excluir, quando não é possível provar os montantes gastos indevidamente.

94      A primeira opção da Comissão consiste em aplicar uma correção extrapolada, o que significa que o montante a excluir do financiamento da União é calculado com base em verificações efetuadas na população em risco (v. artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento Delegado n.° 907/2014).

95      A segunda opção da Comissão consiste em aplicar uma correção fixa quando as condições para determinar um cálculo exato ou extrapolado não estão preenchidas (v. artigo 12.°, n.° 6, do Regulamento Delegado n.° 907/2014) e quando, devido ao facto de o Estado‑Membro não ter prestado as necessárias informações à Comissão, não for possível determinar de forma mais precisa, mediante um esforço proporcionado, o prejuízo financeiro causado à União (Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, França/Comissão, C‑404/19 P, EU:C:2020:1041, n.° 49, e de 7 de dezembro de 2022, Lituânia/Comissão, T‑537/20, não publicado, EU:T:2022:777, n.os 74 e 75). Neste caso, é aplicada uma taxa forfetária à totalidade das despesas efetuadas durante o período em causa, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1306/2013.

96      No entanto, como salienta, com razão, a Comissão, resulta do artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1306/2013 que o mesmo cálculo não pode incluir simultaneamente uma correção extrapolada e uma correção fixa, uma vez que esta última só pode ser aplicada se a primeira não o puder ser.

97      Além disso, como alega, com razão, a Comissão, o cálculo proposto nestes moldes pela República Portuguesa é suscetível de excluir uma parte do risco para os Fundos, dado que o montante de cerca de 32 milhões de euros calculado por extrapolação não visa representar a população em risco, mas antes o risco efetivo para os Fundos. Com efeito, conforme exposto no n.° 88, supra, o referido montante visa representar o montante indevidamente pago em razão da aplicação do limiar incorreto de 25 %. Se fosse aplicada uma taxa de 5 % sobre este montante, conforme propõe a República Portuguesa, 95 % do montante indevidamente pago ficaria excluído da correção fixa, o que é contrário aos objetivos do artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1306/2013.

98      Atento o exposto, a Comissão não pode ser acusada de não ter aceitado o cálculo do montante a excluir do financiamento da União proposto pela República Portuguesa no que respeita à deficiência identificada no âmbito do segundo controlo‑chave.

–       Quanto à exclusão dos exercícios de 2018 e 2019 do cálculo

99      A República Portuguesa alega que os exercícios de 2018 e 2019 não foram afetados pela deficiência relativa à aplicação do sistema proporcional, devido à entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2018, do Regulamento (UE) 2017/2393 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2017, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1305/2013 relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader), n.o 1306/2013, n.o 1307/2013, (UE) n.o 1308/2013 que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e (UE) n.o 652/2014 que estabelece disposições para a gestão das despesas relacionadas com a cadeia alimentar, a saúde e o bem‑estar animal, a fitossanidade e o material de reprodução vegetal (JO 2017, L 350, p. 15; a seguir «Regulamento Omnibus»).

100    A este respeito, a República Portuguesa sustenta que o Regulamento Omnibus permitiu aos Estados‑Membros alargar, a partir de 1 de janeiro de 2018, a definição de prado permanente, no sentido de incluir «outras espécies, tais como arbustos e/ou árvores, suscetíveis de produzir alimentos para animais». A República Portuguesa fez uso desta faculdade, o que significa que os exercícios de 2018 e 2019 não podem ser tidos em conta no cálculo do montante a excluir do financiamento da União.

101    A Comissão contesta que os referidos anos possam ser excluídos do cálculo.

102    A este título, cumpre observar que, como a Comissão referiu, com razão, na audiência, o Regulamento Omnibus não alterou o limiar de 10 % do sistema proporcional previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento Delegado n.° 640/2014, conforme descrito no n.° 84, supra. Efetivamente, a alteração da definição de prado permanente introduzida pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea a), subalínea i), do Regulamento Omnibus e o sistema proporcional dizem respeito a aspetos diferentes, a saber, por um lado, aos elementos dispersos não elegíveis, como outros elementos paisagísticos ou árvores, e, por outro, a espécies suscetíveis de produzir alimentos para animais. Resulta do exposto que, a partir da entrada em vigor do Regulamento Delegado n.° 640/2014, em 1 de janeiro de 2015, os elementos dispersos não elegíveis, como outros elementos paisagísticos ou árvores, podem corresponder, no máximo, a 10 % de uma parcela agrícola para que esta possa ser elegível a 100 % como prado permanente.

103    A aplicação errada de um limiar de 25 % pode, por conseguinte, ter levado a República Portuguesa a considerar, sem razão, que algumas parcelas eram elegíveis a 100 % para receber ajudas «superfície».

104    Conforme referido no n.° 100, supra, a entrada em vigor do Regulamento Omnibus introduziu uma alteração na definição de prado permanente, o que permitiu aos Estados‑Membros alargarem a referida definição, tendo a República Portuguesa feito uso desta faculdade.

105    É certo que não se pode excluir que este alargamento da definição de prado permanente na legislação portuguesa aplicável tenha influenciado a elegibilidade de determinadas parcelas individuais. No entanto, isto não significa, ao contrário do que a República Portuguesa sugere, que já não tivesse de apresentar cálculos do montante do risco para os exercícios de 2018 e 2019.

106    Com efeito, mesmo que certas parcelas que excediam o limiar de 10 % antes de 1 de janeiro de 2018 tenham deixado de exceder este limiar após esta data devido ao alargamento da definição de prado permanente, isto não significa que todas as parcelas que, antes de 1 de janeiro de 2018, tinham sido erradamente consideradas 100 % elegíveis pela República Portuguesa sejam, por definição, elegíveis a 100 % após esta data. Assim, a entrada em vigor do Regulamento Omnibus, em 1 de janeiro de 2018, não legitimou a aplicação de um limiar de 25 % nem significa que a referida aplicação não tenha gerado um risco para os Fundos.

107    Por último, a República Portuguesa referiu na audiência que, em novembro de 2020, a Comissão confirmou que concordava com a aplicação retroativa do Regulamento Omnibus.

108    Contudo, este argumento deve ser julgado inadmissível, porque foi suscitado pela primeira vez na audiência. De qualquer modo, a República Portuguesa não apresentou provas em apoio deste argumento, que, aliás, é contestado pela Comissão.

109    A República Portuguesa estava, assim, obrigada a incluir no cálculo do montante a excluir do financiamento da União os pagamentos relativos aos exercícios de 2018 e 2019. Resulta do exposto, como a Comissão salientou, com razão, que o cálculo proposto pela República Portuguesa estava incompleto.

–       Quanto à violação do artigo 34.°, n.° 5, do Regulamento de Execução n.° 908/2014 e do princípio da cooperação leal

110    A República Portuguesa alega que a Comissão lhe deveria ter pedido informações suplementares para completar o cálculo do montante a excluir do financiamento da União, em conformidade com o artigo 34.°, n.° 5, do Regulamento de Execução n.° 908/2014 e com o princípio da cooperação leal.

111    A este respeito, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a admissibilidade deste argumento, cumpre observar, em primeiro lugar, que o artigo 34.°, n.° 5, do Regulamento de Execução n.° 908/2014 não impõe este dever à Comissão. Em contrapartida, este artigo limita‑se a conferir à Comissão a faculdade de pedir tais informações quando considere que as mesmas estão em falta.

112    Em segundo lugar, por diversas vezes durante o inquérito, a Comissão solicitou à República Portuguesa que fornecesse um cálculo do montante a excluir do financiamento da União e, de qualquer modo, indicou os motivos pelos quais o cálculo apresentado pela República Portuguesa devia ser rejeitado.

113    Em particular, na carta de observações e na ata da reunião bilateral, a Comissão convidou a República Portuguesa a apresentar um cálculo do montante a excluir do financiamento da União relacionado com a aplicação incorreta do sistema proporcional aos exercícios de 2016 e seguintes.

114    Foi na resposta à ata da reunião bilateral que, conforme indicado no n.° 87, supra, a República Portuguesa propôs, pela primeira vez, um cálculo do montante a excluir do financiamento da União.

115    Em seguida, na comunicação oficial, a Comissão fez uma análise concreta do cálculo proposto pela República Portuguesa após a reunião bilateral, na qual afirma, em substância, que o referido cálculo inclui a aplicação de uma taxa forfetária de 5 % ao montante que a República Portuguesa considerava ter sido indevidamente pago e que este cálculo está incompleto, porque não tem em conta os exercícios de 2018 e 2019.

116    Por último, na posição final, a Comissão refere que só na fase de conciliação é que a República Portuguesa propôs um novo cálculo do montante a excluir do financiamento da União, que incluía os exercícios de 2018 e 2019. Embora o referido cálculo só tenha sido proposto numa fase tardia do processo, a Comissão analisou‑o e concluiu que devia ser rejeitado. A Comissão alega a este título, em substância, que o cálculo proposto não aborda todas as preocupações expressas pela Comissão. Em particular, os pagamentos relativos ao exercício de 2016 não foram integralmente incluídos e a República Portuguesa continuou a aplicar a taxa forfetária que a Comissão já tinha rejeitado.

117    Atento o exposto, não se pode sustentar que a Comissão violou o artigo 34.°, n.° 5, do Regulamento Delegado n.° 908/2014 e o princípio da cooperação leal por não ter pedido à República Portuguesa informações suplementares para completar o cálculo do montante a excluir do financiamento da União.

 Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à rejeição, pela Comissão, do cálculo ligado aos controlos no local (terceiro controlochave)

118    A República Portuguesa alega que a Comissão rejeitou, injustamente, o cálculo do montante a excluir do financiamento da União que a República Portuguesa propôs na resposta à ata da reunião bilateral relativa aos exercícios de 2016 a 2018, num montante de 5,7 milhões de euros, bem como o cálculo que incluía o exercício de 2019, num montante total de 11,7 milhões de euros, apresentado no pedido de conciliação.

119    A Comissão contesta este argumento.

120    A este título, cumpre observar, desde logo, que, com exceção de algumas considerações gerais sobre o princípio da proporcionalidade, a República Portuguesa limita‑se a referir, na petição, que o seu cálculo do montante a excluir do financiamento da União relacionado com a deficiência relativa aos controlos no local não foi aceite pela Comissão e, por conseguinte, que o princípio da proporcionalidade foi violado.

121    No entanto, esta afirmação, genérica e infundada, não é suscetível de inutilizar a posição adotada pela Comissão sobre este ponto. Uma vez que este argumento não está alicerçado numa argumentação específica, clara e coerente, há que julgar inadmissível a segunda parte do terceiro fundamento, ao abrigo do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.°, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

 Conclusão

122    Atento o exposto, conclui‑se que a República Portuguesa não demonstrou que os cálculos dos montantes a excluir do financiamento da União que tinha proposto eram conformes com o artigo 12.°, n.os 2 e 3, do Regulamento Delegado n.° 907/2014.

123    Por conseguinte, a Comissão procedeu corretamente ao aplicar uma correção forfetária.

124    Consequentemente, há que negar provimento à segunda parte do primeiro fundamento, ao segundo fundamento e à segunda parte do terceiro fundamento, e, por conseguinte, negar total provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

125    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

126    No caso em apreço, tendo a República Portuguesa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, conforme foi pedido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Porchia

Madise

Verschuur

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de abril de 2024.

O Secretário

 

O Presidente

V. Di Bucci

 

M. van der Woude


*      Língua do processo: português.