Language of document : ECLI:EU:T:2011:172

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

13 de Abril de 2011 (*)

«Recurso de anulação – Protecção dos interesses financeiros da União – Sistema de alerta rápido (SAR) que permite identificar o nível de risco associado a uma entidade – Investigação do OLAF sobre a execução de um contrato público relativo a um projecto de modernização institucional na Síria – Decisões que implicam um pedido de activação de alertas W1a e W1b – Objecto do litígio – Actos susceptíveis de recurso – Admissibilidade»

No processo T‑320/09,

Planet AE, com sede em Atenas (Grécia), representada por V. Christianos, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e F. Dintilhac, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação das decisões do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) através das quais foi pedido a inscrição da recorrente no sistema de alerta rápido (SAR), primeiro, na categoria W1a e, depois, na categoria W1b,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: E. Moavero Milanesi, presidente, N. Wahl (relator) e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico

1        Com o objectivo de combater a fraude e quaisquer outras actividades ilegais que afectem os interesses financeiros das Comunidades, a Comissão das Comunidades Europeias, em 16 de Dezembro de 2008, adoptou a Decisão 2008/969/CE, Euratom, da Comissão, relativa ao sistema de alerta rápido para uso por parte dos gestores orçamentais da Comissão e das agências de execução (JO L 344, p. 125). O sistema de alerta rápido (SAR) tem por objectivo garantir, no âmbito da Comissão e das respectivas agências de execução, a circulação de informação restrita relativa a terceiros que possam representar uma ameaça para os interesses financeiros e a reputação das Comunidades ou para qualquer outro fundo administrado pelas Comunidades (quarto considerando da Decisão 2008/969).

2        O SAR baseia‑se em alertas que permitem identificar o nível de risco associado a uma entidade em função de categorias, de W1, que corresponde ao nível de risco mais baixo, a W5, que corresponde ao nível de risco mais elevado (artigo 9.° da Decisão 2008/969).

3        O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), que tem acesso ao SAR para levar a cabo verificações e recolha de informação visando a prevenção da fraude, é responsável, conjuntamente com o gestor orçamental responsável e o Serviço de Auditoria Interna, pelos pedidos de registo, alteração ou supressão dos alertas do SAR, cuja administração é assegurada pelo contabilista da Comissão ou pelo pessoal a ele hierarquicamente subordinado (quinto a sétimo considerandos e artigos 4.° a 6.° da Decisão 2008/969).

4        O artigo 4.°, n.° 1, da Decisão 2008/969 dispõe que «[o] contabilista […] [deve] registar, alterar ou suprimir alertas do SAR em conformidade com os pedidos do gestor orçamental delegado responsável, do OLAF e do Serviço de Auditoria Interna». O artigo 6.°, n.° 2, prevê que «[e]m caso de procedimentos em matéria de contratos públicos e concessão de subvenções, o gestor orçamental delegado responsável ou o seu pessoal devem verificar se existe um alerta no SAR, o mais tardar antes da respectiva decisão de adjudicação ou de atribuição».

5        O artigo 10.°, n.° 1, da Decisão 2008/969 dispõe que o OLAF «deve solicitar a activação de um alerta W1a quando os seus inquéritos, numa fase inicial, levem a pensar que existem motivos suficientes para que as constatações de erros administrativos graves ou de fraude sejam registadas em relação a terceiros, sobretudo os que beneficiam ou tenham beneficiado de fundos comunitários».

6        O artigo 10.°, n.° 2, da Decisão 2008/969 prevê designadamente que o OLAF deve solicitar a activação de um alerta W1b quando os seus inquéritos levem a pensar que existem motivos suficientes para que as constatações finais de erros administrativos graves ou de fraude sejam registadas no SAR em relação a terceiros, sobretudo os que beneficiam ou tenham beneficiado de fundos comunitários.

7        O artigo 16.° da Decisão 2008/969 especifica que o alerta W1 «será registado apenas para informação e não deve ter outras consequências para além de medidas de controlo reforçadas».

 Antecedentes do litígio

8        A recorrente, Planet AE, é uma sociedade grega que presta serviços de consultoria no domínio da administração de empresas. Está envolvida desde 2006, na qualidade de membro de três consórcios, em três projectos na Síria, financiados pela Comissão. Desde 16 de Outubro de 2007 que é objecto de um inquérito do OLAF relativo a suspeitas de irregularidades no âmbito dos referidos projectos.

9        Na sequência de um concurso público lançado no âmbito do Sétimo Programa‑Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, a recorrente foi convidada pela Comissão, por carta datada de 18 de Abril de 2008, a iniciar negociações com vista à fixação dos termos definitivos de uma convenção de subvenção relativa à sua proposta de assumir o papel de coordenador de um consórcio relativo ao projecto «Advancing knowledge – intensive entrepreneurship and innovation for growth and social well‑being in Europe» (a seguir «projecto AEGIS»). A referida carta indicava que a eventual subvenção por parte da Comissão não poderia ser superior a 3 300 000 euros e que as negociações teriam que estar concluídas antes de 30 de Junho de 2008.

10      O desenvolvimento do inquérito referido no n.° 8 supra levou o OLAF a solicitar por duas vezes a inscrição da recorrente no SAR. Em 26 de Fevereiro de 2009, o OLAF solicitou a activação do alerta W1a e, em 19 de Maio de 2009, a do alerta W1b. As inscrições foram efectuadas em 10 de Março e em 25 de Maio de 2009.

11      Em 27 de Fevereiro de 2009, a Comissão enviou à recorrente a convenção de subvenção negociada (a seguir «Convenção») para que esta última, bem como os outros membros do consórcio de que ela faz parte, a assinassem. Em 11 de Março de 2009, a recorrente devolveu a Convenção assinada à Comissão para ser assinada por esta.

12      Em 4 de Junho de 2009, a Comissão informou a recorrente, por correio electrónico, de que o processo de assinatura da Convenção tinha sido suspenso até que estivesse preenchido um requisito suplementar, no caso, a abertura, pela recorrente, de uma conta bancária bloqueada, através da qual esta disporia unicamente da parte do adiantamento relativo à Convenção que lhe era atribuída, sendo o resto do adiantamento directamente pago pelo banco aos outros membros do consórcio. A mensagem de correio electrónico declarava que a exigência deste novo requisito se devia a um acontecimento inesperado, a saber, a inscrição da recorrente no SAR pela activação respectivamente do alerta W1a e, posteriormente, do alerta W1b.

13      A Comissão assinou a Convenção em 3 de Julho de 2009, depois de a recorrente ter acordado com o seu banco que este último se comprometia a, logo que recebesse o adiantamento que lhe devia ser pago pela Comissão, transferir para cada um dos membros do consórcio o montante que lhe era atribuído.

 Processo e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de Agosto de 2009, a recorrente interpôs o presente recurso.

15      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de Novembro de 2009, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

16      A recorrente apresentou as suas observações relativas à excepção de inadmissibilidade em 5 de Janeiro de 2010.

17      Na petição inicial, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular as duas decisões do OLAF, de 26 de Fevereiro e 19 de Maio de 2009, de que tomou conhecimento em 4 de Junho de 2009, e através das quais foi pedida a inscrição da recorrente no sistema de alerta rápido (SAR), primeiro, na categoria W1a e, depois, na categoria W1b;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      Na excepção de inadmissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar a recorrente nas despesas.

19      Nas suas observações relativas à excepção de inadmissibilidade, a recorrente pede ao Tribunal Geral que se digne julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade e julgar o recurso admissível.

 Questão de direito

20      Por força do disposto no artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, se uma das partes o pedir, o Tribunal Geral pode pronunciar‑se sobre a excepção de inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. Nos termos do n.° 3 desse mesmo artigo, a tramitação ulterior do processo é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal Geral. No presente caso, este considera que está suficientemente esclarecido pelos documentos juntos aos autos e que não há que dar início à fase oral.

 Quanto ao objecto do litígio

21      A título preliminar, cabe observar que, ainda que a recorrente, nas suas conclusões, tenha requerido formalmente a anulação das decisões do OLAF, de 26 de Fevereiro e 19 de Maio de 2009, pelas quais foi requerida a sua inscrição no SAR, resulta claramente do conteúdo da petição que esta visa igualmente as decisões de activação dos alertas W1a e W1b.

22      A este respeito, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.° do Regulamento de Processo, da petição deve constar designadamente o objecto do litígio e as conclusões da recorrente. Além disso, segundo a jurisprudência, as conclusões devem ser apresentadas de maneira precisa e inequívoca, dado que, se assim não for, o Tribunal pode decidir infra ou ultra petita e os direitos da recorrida poderiam ser desrespeitados (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 1962, Meroni/Alta Autoridade, 46/59 e 47/59, Recueil, pp. 783, 801, Colect. 1962‑1964, p. 143).

23      No entanto, a identificação do acto recorrido pode resultar implicitamente das referências na petição inicial e do conjunto da argumentação constante desta (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1994, PIA HiFi/Comissão, C‑388/93, Colect., p. I‑387, n.° 10). Também se considerou que um recurso dirigido formalmente contra um acto que faz parte de um conjunto de actos que constituem um todo poderia ser considerado como dirigido igualmente, se necessário, contra os outros (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de Março de 1967, Simet e Feram/Alta Autoridade, 25/65 e 26/65, Recueil, p. 39; Colect. 1965‑1968, p. 547).

24      No caso em apreço, resulta claramente dos artigos 4.° e 5.° da Decisão 2008/969, por um lado, que, no SAR, a distinção efectuada entre o pedido de activação de um alerta e a sua activação tem natureza puramente administrativa e visa centralizar e padronizar a gestão técnica do referido sistema e, por outro, que, neste sistema, os pedidos de activação de alerta são seguidos por alertas efectivos sem que tenha lugar uma apreciação quanto ao mérito.

25      Com efeito, ainda que as actividades de gestão do SAR, como a inscrição, a alteração ou a supressão dos alertas no SAR, estejam atribuídas a um serviço único na Comissão, a saber, o contabilista da Comissão ou os agentes a ele hierarquicamente subordinados, a Decisão 2008/969 dispõe que as condições que originam essas medidas são observadas e analisadas nos vários serviços da Comissão (o gestor orçamental delegado responsável, o director‑geral ou um director do OLAF ou do serviço de auditoria interna), que têm a obrigação de comunicar as suas conclusões quanto à necessidade de uma medida ao contabilista, o qual tem o dever de executar a medida solicitada. Consequentemente, na perspectiva de uma entidade inscrita no referido sistema, o pedido que visa a activação de um alerta e o alerta efectivo constituem um conjunto de actos que formam um todo.

26      Além disso, na excepção de inadmissibilidade, a Comissão parte da premissa segundo a qual são as decisões de activação dos alertas W1a e W1b que são impugnadas e que constituem o objecto do litígio, apesar de o pedido formal da recorrente ter por objecto os pedidos do OLAF de a inscreverem no SAR. Com efeito, na referida excepção, a Comissão apenas invoca argumentos visando demonstrar que as referidas decisões não constituem actos impugnáveis. Por conseguinte, a Comissão não se enganou quanto à intenção da recorrente de pedir a anulação das decisões de activação dos referidos alertas e os seus direitos de defesa não serão afectados pelo facto de as referidas decisões constituirem igualmente o objecto do litígio.

27      Assim, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 22 e 23 supra e os factos concretos na origem do presente litígio, há que considerar que o recurso, formalmente dirigido contra as decisões do OLAF de 26 de Fevereiro e de 19 de Maio de 2009, pelas quais foi solicitada a inscrição da recorrente no SAR, deve ser considerado como igualmente dirigido, na medida necessária, contra as decisões de activação dos alertas W1a e W1b (a seguir, conjuntamente designados «actos controvertidos»).

 Quanto à excepção de inadmissibilidade

 Argumentos das partes

28      A recorrente argumentou, tanto na petição inicial como nas observações relativas à excepção de inadmissibilidade, que os actos recorridos tiveram efeitos jurídicos obrigatórios e prejudicaram os seus interesses, ao modificarem a sua situação material e jurídica.

29      Antes de mais, a recorrente alega que os actos recorridos atrasaram consideravelmente a assinatura da Convenção. Isso causou‑lhe um acréscimo de custos, uma vez que foi obrigada a alterar o calendário de execução da Convenção e a recorrer a um empréstimo para fazer face às exigências decorrentes do não pagamento do adiantamento prometido pela Comissão. Afirma também que começou a prestar os seus serviços a partir de 1 de Janeiro de 2009, como previsto nas negociações e aprovado pela Comissão, e que, consequentemente, suportou obrigações de natureza financeira.

30      Segundo a recorrente, os actos controvertidos deram igualmente lugar à imposição do requisito de uma conta bancária bloqueada, facto que não estava previsto nas negociações havidas e concluídas antes da adopção dos referidos actos.

31      A recorrente alega, ainda, que os actos controvertidos são impugnáveis na medida em que alteravam a sua situação material. A este respeito, afirma que o atraso na assinatura da Convenção, bem como a restrição imposta quanto à distribuição do adiantamento depositado na sua conta, prejudicaram a sua reputação colocando‑a numa situação embaraçosa face aos outros membros do consórcio de que fazia parte e aos quais foi obrigada a explicar o comportamento da Comissão. Na sua opinião, os actos controvertidos afectaram igualmente a posição que ocupava antes da adopção desses actos, a saber, tanto a de «adjudicatária» do projecto como a de coordenadora do consórcio, reduzindo esta posição a um papel de «adjudicatária» do projecto e de coordenadora do consórcio mediante condições.

32      Em apoio da excepção de inadmissibilidade, a Comissão alega que os actos controvertidos são, por natureza, insusceptíveis de impugnação no âmbito de um recurso de anulação, dado que são meras medidas de informação interna e de prudência. A este respeito, refere a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as medidas de ordem interna que não produzem efeitos jurídicos fora da esfera da administração comunitária não são objecto de um controlo de legalidade no âmbito do artigo 230.° CE. Além disso, observa que os actos controvertidos são simplesmente uma manifestação do comportamento prudente que deve adoptar antes de comprometer, contratualmente, recursos financeiros da União.

33      Segundo a Comissão, embora seja verdade que a inscrição da recorrente no SAR criou obrigações acrescidas de acompanhamento para os gestores orçamentais competentes, a recorrente não demonstrou que os actos controvertidos produziam efeitos jurídicos em relação a ela, ao violar os seus direitos ou impor‑lhe novas obrigações. A este respeito, refuta a ideia de que o atraso na assinatura da Convenção produziu efeitos jurídicos. Na sua opinião, esse atraso ocorre habitualmente no mundo dos negócios em que as partes sentem a necessidade de proteger os respectivos interesses e, aliás, no caso em apreço, já ocorreu no âmbito da resolução de outras questões. Portanto, o atraso em questão não criou obrigações para a recorrente nem violou os seus direitos na acepção da jurisprudência relativa aos actos susceptíveis de recurso nos termos do artigo 230.° CE.

34      A Comissão alega também que não existe causalidade directa entre, por um lado, os actos controvertidos e, por outro, o recurso, da recorrente, a um empréstimo bancário e a impossibilidade de esta proceder aos pagamentos do adiantamento aos outros membros do consórcio. Na sua opinião, o recurso da recorrente a um empréstimo bancário foi antes causado pela pressa desta em efectuar despesas muito antes da assinatura da Convenção e não é consequência dos actos controvertidos. Do mesmo modo, a solução acordada no final quanto ao pagamento do adiantamento aos outros membros do consórcio é o resultado de «consultas – deliberações» entre ela, a recorrente e os seus bancos e não constituiu um «efeito automático» dos actos controvertidos.

35      Além disso, a Comissão sustenta que a exigência da recorrente não poder administrar o pagamento do adiantamento aos outros membros do consórcio a desvinculava de uma obrigação e, consequentemente, não pode ser considerada um prejuízo.

36      Por último, a Comissão considera que as questões submetidas à recorrente pelos outros membros do consórcio quanto ao atraso na assinatura da Convenção e as respostas dadas às referidas questões não produzam efeitos jurídicos para esta.

 Apreciação do Tribunal Geral

37      Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, é possível interpor recurso de anulação de todos os actos adoptados pelas instituições, independentemente da sua natureza ou forma, que visem produzir efeitos jurídicos. Em particular, são considerados susceptíveis de recurso, na acepção do artigo 230.° CE, todos os actos que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e de 17 de Julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, Colect., p. I‑5829, n.° 29).

38      Em contrapartida, não são admissíveis os recursos de anulação interpostos de actos que são meras medidas de ordem interna da administração e que, consequentemente, não produzem efeitos em relação a terceiros (v. despacho do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 1986, Grupo das Direitas Europeias/Parlamento, 78/85, Colect., p. 1753, n.os 10 e 11; e acórdão de 9 de Outubro de 1990, França/Comissão, C‑366/88, Colect., p. I‑3571, n.° 9, bem como jurisprudência aí referida). Em apoio da excepção de inadmissibilidade, a Comissão baseia‑se nesta última jurisprudência e alega que os actos controvertidos não são susceptíveis de recurso, uma vez que constituem simples medidas de informação de ordem interna.

39      A este respeito, cabe realçar que o facto de a administração efectuar um tratamento de dados para fins puramente internos, designadamente reunindo‑os, gerindo‑os e utilizando‑os, não exclui, de modo algum, que essas operações possam violar os interesses dos administrados, na acepção da jurisprudência referida no n.° 37 supra. Com efeito, a existência de tal violação depende de diversos factores, designadamente da natureza dos dados tratados, da finalidade específica do referido tratamento, das consequências exactas que este tratamento pode gerar e da conformidade entre, por um lado, a finalidade e as consequências do tratamento em causa e, por outro, as disposições aplicáveis que delimitam a competência da administração.

40      No que respeita ao último elemento referido, o Tribunal Geral observa que a Decisão 2008/969, em que os actos recorridos se basearam, não faz referência a nenhuma disposição de direito primário ou derivado que atribua explicitamente à Comissão a competência para criar, executar e gerir uma base de dados das pessoas singulares ou colectivas suspeitas de representarem um risco para os interesses financeiros da União. Se o terceiro considerando da Decisão 2008/969 refere o Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»), impõe‑se observar que o artigo 95.° do referido regulamento, na versão aplicável aos factos em apreço, prevê unicamente a criação de uma base de dados central de que constem as pessoas singulares ou colectivas objecto de uma exclusão do benefício dos financiamentos da União fundada em insolvência, em condenação por falta grave em matéria profissional ou em condenação por infracção penal que prejudique os interesses financeiros da União.

41      Embora a recorrente não tenha suscitado qualquer fundamento a este respeito, a incompetência do autor dos actos recorridos é um fundamento de ordem pública que, como tal, deve ser suscitado oficiosamente (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Janeiro de 2003, Laboratoires Servier/Comissão, T‑147/00, Colect., Colect., p. I‑II‑85, n.° 45, e de 8 de Julho de 2010, Comissão/Putterie‑De‑Beukelaer, T‑160/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 61).

42      Consequentemente, para analisar se os actos controvertidos enfermam de incompetência ratione materiae, há, desde logo por esta razão, que examinar o seu conteúdo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1991, França/Comissão, C‑303/90, Colect., p. I‑5315, n.° 10, e de 20 de Março de 1997, França/Comissão, C‑57/95, Colect., p. I‑1627, n.° 9).

43      No entanto, a fim de decidir a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e presumindo, nesta fase, que a Comissão está habilitada a efectuar os tratamentos de dados que os actos controvertidos representam, há que verificar se o alerta de uma entidade no SAR e, em especial, na categoria W1, é uma operação que diz respeito unicamente às relações entre um superior hierárquico e os seus subordinados, cujos efeitos se esgotam na esfera interna das instituições, órgãos e organismos da União.

44      A este respeito, decorre do artigo 6.° da Decisão 2008/969 que, no âmbito de compromissos orçamentais, bem como no de procedimentos em matéria de contratos públicos e concessão de subvenções, os gestores orçamentais competentes na Comissão devem verificar se as entidades candidatas são objecto de um alerta no SAR. Quanto tal acontece, os artigos 15.° a 17.° e 19.° a 22.° da Decisão 2008/969 autorizam e exigem que o contabilista ou os gestores em causa adoptem medidas específicas em relação à referida entidade ou ao projecto em questão. Portanto, tendo em conta o objectivo inerente à Decisão 2008/969, a saber, a protecção dos interesses financeiros da União no âmbito da execução das medidas orçamentais, o impacto de um alerta de uma entidade no SAR, mesmo na categoria W1, não pode limitar‑se ao interior das instituições, órgãos e organismos da União e esse alerta afecta necessariamente as relações entre os gestores orçamentais competentes e esta entidade.

45      Ainda que o artigo 16.° da Decisão 2008/969, nos termos do qual «[u]m alerta W1 será registado apenas para informação e não deve ter outras consequências para além de medidas de controlo reforçadas», seja menos vinculativo do que os artigos 15.°, 17.° e 19.° a 22.° da referida decisão, decorre da letra do artigo 16.° e da economia desta decisão que a verificação de um alerta W1 implica, na realidade, um dever de o gestor responsável adoptar medidas de vigilância reforçadas, o que, de resto, é reconhecido pela Comissão na excepção de inadmissibilidade. Com efeito, um alerta W1 perderia qualquer utilidade se o gestor responsável, que é informado da existência das suspeitas de fraude ou de erros administrativos graves (v. artigo 10.° da Decisão 2008/969), não fosse obrigado a assegurar o reforço das medidas de vigilância.

46      No caso em apreço, a obrigação que resulta dos actos controvertidos do gestor orçamental competente adoptar medidas em relação à recorrente pode ser claramente deduzida do conteúdo da mensagem de correio electrónico que a Comissão lhe enviou em 4 de Junho de 2009. Nesta mensagem, o gestor orçamental responsável pelo processo relativo à atribuição do projecto AEGIS informou a recorrente de que, se a assinatura da Convenção tinha sido suspensa e um requisito suplementar tinha sido imposto, tal se devia ao alerta que lhe dizia respeito e que o seu serviço não era responsável por esse facto.

47      Consequentemente, uma vez demonstrado que os actos controvertidos produziram efectivamente efeitos fora da esfera interna da Comissão, há que analisar se os mesmos podem produzir efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica.

48      A este respeito, cabe salientar que as entidades que solicitam a atribuição de recursos financeiros da União são afectadas por um alerta no SAR, na medida em que, para poderem prosseguir os seus interesses financeiros, são obrigadas a adaptar‑se aos requisitos ou às medidas prudenciais adicionais, que lhe são específicas, impostas pelos gestores orçamentais competentes. Esses requisitos e medidas prudenciais podem assumir a forma de novas obrigações contratuais e de encargos económicos não previstos ou ainda, como no caso em apreço, de repercussões na organização interna de um consórcio de que fazem parte.

49      No caso vertente, a partir da sua inscrição no SAR pela activação de um alerta W1a, a recorrente encontrou‑se numa situação desvantajosa em relação à que se encontrava durante o período anterior à adopção dos actos controvertidos, uma vez que a Comissão, tal como se verificou no n.° 45 supra, tinha a obrigação de impor medidas de controlo reforçadas. Esta alteração da situação jurídica da recorrente é demonstrada pela mensagem de correio electrónico da Comissão, de 4 de Junho de 2009, e pela troca de mensagens subsequentes, das quais resulta que, para poder celebrar o contrato relativo ao projecto AEGIS, a recorrente tinha a obrigação de renunciar à gestão da repartição dos adiantamentos entre os membros do consórcio de que fazia parte.

50      Mais exactamente, na sua mensagem de correio electrónico de 4 de Junho de 2009, a Comissão referiu que um problema imprevisto, a saber, o alerta da recorrente no SAR, tinha levado à suspensão da assinatura da Convenção e individualizou as medidas que a recorrente devia tomar para respeitar o novo requisito que a Comissão lhe impunha para assinar a Convenção.

51      Resulta do que precede que os actos controvertidos afectaram a margem de negociação da recorrente, a organização no interior do seu consórcio e, portanto, a sua disposição para efectivamente levar a cabo o projecto AEGIS. Negar à recorrente a possibilidade de beneficiar de um controlo jurisdicional quanto à materialidade dos elementos que constituem o fundamento dos actos controvertidos não seria compatível com uma União de direito.

52      Isto é ainda mais verdade se se tiver em conta o facto de a Decisão 2008/969 não prever qualquer direito de as pessoas singulares e colectivas serem informadas, e ainda menos de serem ouvidas, antes da sua inscrição no SAR pela activação dos alertas W1, W2, W3, W4 e W5b. É certo que uma pessoa que, por qualquer razão, é informada da sua inscrição no referido sistema pode, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, alínea b), da Decisão 2008/969, requerer a rectificação dos dados que lhe dizem respeito. No entanto, a decisão de proceder a essa rectificação por parte da administração, ou seja, do serviço que requereu a inscrição desta pessoa no sistema, é inteiramente discricionária.

53      Por último, há que salientar que os actos controvertidos não podem ser considerados actos intermédios e preparatórios insusceptíveis de recurso. Com efeito, não só reúnem as características jurídicas dos actos impugnáveis (v. n.° 44 a 48 supra), como também constituem o termo de um procedimento especial, a saber, a inscrição de uma entidade numa lista «alerta» sem que esta seja ouvida sobre as causas da referida inscrição, e distinto das decisões pelas quais são cumpridas as diversas exigências específicas previstas pela Decisão 2008/969 (v., neste sentido, acórdão IBM/Comissão, já referido, n.° 11).

54      Resulta do que antecede que a Comissão não tem razão quando defende que o recurso é inadmissível.

55      Consequentemente, há que julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

 Quanto às despesas

56      Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, este decide sobre as despesas no acórdão ou despacho que ponha termo à instância.

57      Nesta fase do processo, reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      A excepção de inadmissibilidade é julgada improcedente.

2)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Feito no Luxemburgo, em 13 de Abril de 2011.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      E. Moavero Milanesi


* Língua do processo: grego.