Language of document : ECLI:EU:C:2007:9

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 11 de Janeiro de 2007 1(1)

Processo C‑508/04

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República da Áustria

«Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens – Transposição da Directiva 92/43/CEE»





I –    Introdução

1.        Na presente acção por incumprimento, a Comissão critica a transposição de determinadas disposições da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (2) (a seguir «directiva habitats»), em vários Estados federados austríacos.

2.        O presente processo foi iniciado através de uma notificação para cumprir, de 13 de Abril de 2000, a que se seguiu um parecer fundamentado em 15 de Outubro de 2003. Finalmente, em 8 de Dezembro de 2004, a Comissão intentou a presente acção.

3.        A Comissão, após várias alterações do direito austríaco no decurso do processo, pede, presentemente, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se digne:

1)      declarar que a República da Áustria não cumpriu a obrigação de transpor correcta e integralmente a Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, ao não transpor correcta e integralmente para o ordenamento austríaco o artigo 1.°, o artigo 6.°, n.os 1 e 2, o artigo 12.°, o artigo 13.°, o artigo 16.°, n.° 1, e o artigo 22.°, alínea b), da referida directiva;

2)      condenar a República da Áustria nas despesas.

4.        A República da Áustria pede que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      julgar a acção improcedente, dado que entretanto se procedeu a adaptações do ordenamento jurídico austríaco;

2)      condenar a Comissão nas despesas.

II – Apreciação

5.        A acção deve ser apreciada à luz da lei em vigor à data do termo do prazo fixado pela Comissão no seu parecer fundamentado. Uma vez que o parecer fundamentado deu entrada na representação permanente da Áustria no dia 17 de Outubro de 2003, o dia relevante para o termo do prazo é 17 Dezembro de 2003.

6.        A Áustria não nega a acusação que lhe é feita pela Comissão, de não ter transposto ou de não ter transposto integralmente os artigos 12.° e 13.° da directiva habitats, mas defende‑se invocando ter entretanto ocorrido uma alteração legislativa. O mesmo se passa com a acusação de não ter transposto correctamente o artigo 16.°, n.° 1, em relação aos Bundesländer da Estíria (3) e do Tirol. Mas, uma vez que a alteração do ordenamento jurídico não ocorreu dentro do prazo fixado no parecer fundamentado, é de considerar admitido o alegado incumprimento do Tratado.

7.        A este respeito, há que recordar que resulta do quarto e do décimo primeiro considerandos da referida directiva que os habitats e as espécies ameaçados fazem parte do património natural da Comunidade e que as ameaças que sobre eles pesam são muitas vezes de natureza transfronteiriça, de modo que a adopção de medidas de conservação incumbe, a título de responsabilidade comum, a todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, a exactidão da transposição tem uma importância especial num caso como o vertente, em que a gestão do património comum é confiada, em relação ao seu respectivo território, aos Estados‑Membros (4).

A –    Quanto ao artigo 1.° da directiva habitats

8.        A Comissão critica a Áustria por o Land de Salzburgo não ter transposto várias definições contidas no artigo 1.° da directiva habitats, mais concretamente «[e]stado de conservação de um habitat natural» [alínea e)], «[e]spécies de interesse comunitário» [alínea g)], «[e]stado de conservação de uma espécie» [alínea i)] e «[z]ona especial de conservação» [alínea l)]. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já decidiu que as definições contidas no artigo 1.° da directiva habitats têm de ser transpostas (5).

9.        A Áustria defende‑se alegando que estas definições resultam de forma bastante da conjugação do conceito de «intervenção» com as finalidades próprias da preservação.

1.      Quanto ao artigo 1.°, alíneas e) e i), da directiva habitats

10.      Estas duas definições têm por objecto tanto o estado de conservação dos habitats naturais e das espécies como as condições em que esse estado de conservação será considerado favorável. Têm o seguinte teor:

«e)      Estado de conservação de um habitat natural: o efeito de conjunto das influências que actuam sobre o habitat natural em causa, bem como sobre as espécies típicas que nele vivem, susceptíveis de afectar a longo prazo a sua repartição natural, a sua estrutura e as suas funções, bem como a sobrevivência a longo prazo das suas espécies típicas no território referido no artigo 2.°

O ‘estado de conservação’ de um habitat natural será considerado ‘favorável’ sempre que:

–      a sua área de repartição natural e as superfícies que dentro dela abrange forem estáveis ou estiverem em expansão e

–      a estrutura e as funções específicas necessárias à sua manutenção a longo prazo existirem e forem susceptíveis de continuar a existir num futuro previsível e

–      o estado de conservação das espécies típicas for favorável na acepção da alínea i);

[...]

i)      Estado de conservação de uma espécie: o efeito do conjunto das influências que, actuando sobre a espécie em causa, podem afectar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2.°

O ‘estado de conservação’ será considerado ‘favorável’ sempre que:

–      os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é susceptível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence e

–      a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível e

–      existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo;

[...]»

11.      A Áustria defende que estas definições se encontram suficientemente abrangidas pelo teor do § 5, pontos 8 e 9, e do § 22a, terceiro e quarto parágrafos, da Naturschutzgesetz (lei de protecção da natureza) do Land de Salzburgo.

12.      Estas disposições definem os conceitos de «intervenção» e de «finalidades da preservação» (§ 5, pontos 8 e 9), o conteúdo de regulamentos de zonas de conservação, bem como os pressupostos de autorizações excepcionais de derrogação das proibições aí previstas, em especial o critério da compatibilidade (§ 22a, terceiro e quarto parágrafos). O conceito «estado de conservação favorável» é utilizado, mas não é objecto de definição.

13.      Conclui‑se, a partir daqui, que as definições contidas no artigo 1.°, alíneas e) e i), da directiva habitats não foram transpostas, estando antes presumidas nas disposições nacionais acima referidas. Contudo, esta técnica legislativa não garante que todos os elementos da definição sejam efectivamente tomados em consideração no momento da aplicação das disposições em causa. Estes elementos são decisivos ao nível do alcance da protecção conferida aos habitats e às espécies.

14.      Assim, por exemplo, importa, na avaliação das influências sobre certo habitat natural, ter em conta não só o efeito de conjunto dessas influências mas também as espécies típicas – referidas no artigo 1.°, alínea e) – que nele vivem. Assim sendo, projectos que não reduzam nem ponham em perigo determinado tipo de habitat, numa determinada área, mas que sejam prejudiciais para certas espécies típicas, têm, por isso, grande importância para o estado de conservação de um habitat natural.

15.      Por isso, não se pode considerar o § 5, pontos 8 e 9, e o § 22a, terceiro e quarto parágrafos, da lei de protecção da natureza do Land de Salzburgo, como transposição bastante do artigo 1.°, alíneas e) e i), da directiva habitats.

2.      Quanto ao artigo 1.°, alínea g), da directiva habitats

16.      O artigo 1.°, alínea g), da directiva habitats determina:

«g)      Espécies de interesse comunitário: as espécies que, no território referido no artigo 2.°:

i)      estão em perigo, excepto as espécies cuja área de repartição natural se situa de forma marginal nesse território e que não estão em perigo nem são vulneráveis na área do paleártico ocidental ou

ii)      são vulneráveis, ou seja, cuja passagem à categoria das espécies em perigo se considera provável num futuro próximo no caso de persistência dos factores que são causa da ameaça ou

iii)      são raras, ou seja, cujas populações são de reduzida expressão e que, embora não estejam actualmente em perigo ou não sejam vulneráveis, possam vir a sê‑lo. Estas espécies estão localizadas em áreas geográficas restritas ou espalhadas numa superfície mais ampla ou

iv)      são endémicas e requerem atenção especial devido à especificidade de seu habitat e/ou às incidências potenciais da sua exploração no seu estado de conservação.

Estas espécies constam ou podem vir a constar dos anexos II e/ou IV ou V;

[...]»

17.      A transposição desta definição é necessária, visto ser utilizada no artigo 2.°, n.° 2, da directiva habitats, para definir os objectivos da mesma. Segundo a disposição mencionada, as medidas tomadas ao abrigo da directiva em causa destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável. A determinação destes objectivos é importante, por sua vez, para a fixação do alcance da obrigação de vigilância prevista no artigo 11.° da directiva habitats, que tem de ser objecto de uma transposição detalhada, clara e precisa (6).

18.      A Áustria alega que esta definição se encontra suficientemente abrangida pelo teor dos §§ 3a, 22a, 22b e dos §§ 29 e segs. da lei da protecção da natureza do Land de Salzburgo.

19.      Porém, as disposições mencionadas tratam apenas da ponderação de interesses e das medidas de compensação (§ 3a), das zonas europeias de conservação (§§ 22a e 22b), bem como da conservação da flora (§§ 29 e segs.). Não se refere aí uma única vez a expressão «espécies de interesse comunitário». Por isso, não se pode considerar que o artigo 1.°, alínea g), da directiva habitats tenha sido transposto através das mencionadas disposições de direito nacional.

3.      Quanto ao artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats

20.      O artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats tem o seguinte teor:

«l)      Zona especial de conservação: um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um acto regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado.»

21.      A Áustria entende que esta definição se encontra suficientemente transposta através do § 5, ponto 9, bem como do § 22a da lei de protecção da natureza do Land de Salzburgo. Estas disposições regulam os objectivos de preservação das zonas europeias de conservação (§ 5, ponto 9) e o regime de protecção a instaurar nessas zonas (§ 22a). Em complemento ao alegado pela Áustria, importa também ter em conta a definição de zona europeia de conservação contida no § 5, ponto 10.

22.      Na lei de protecção da natureza do Land de Salzburgo não se utiliza a expressão «zona especial de conservação». No seu lugar, a lei adoptou a expressão «zona europeia de conservação». Contudo, o § 5, ponto 10, diferentemente do artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats, não alude aos sítios designados pelos Estados‑Membros por um acto regulamentar, administrativo e/ou contratual, mas sim aos sítios que tenham sido integrados pela Comissão na lista dos sítios de importância comunitária, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva habitats, e aos sítios que tenham sido propostos pelo Land de Salzburgo para integrar essa lista, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da mesma directiva. Contudo, este procedimento não tem consequências negativas do ponto de vista da transposição exacta da definição, uma vez que se limita a conduzir a um nível de protecção mais elevado – por haver uma antecipação – das «zonas europeias de conservação», o que até é desejável.

23.      É, contudo, certo que o § 5, ponto 10, se limita a conter uma referência aos sítios abrangidos e não, como o artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats, uma referência às medidas que aí cumpre adoptar. Porém, esta disposição deve ser lida em conjugação com o § 5, ponto 9, no qual se indicam como objectivos de preservação de uma zona europeia de conservação, entre outros, «a manutenção ou o restabelecimento de um estado de conservação favorável» dos habitats naturais indicados no anexo I da directiva e das espécies da fauna e da flora indicadas no anexo II. O § 22a, segundo parágrafo, da lei de protecção da natureza do Land de Salzburgo menciona as medidas que devem ser tomadas, sob a forma de regulamentos do governo regional, para prossecução desses objectivos.

24.      Assim, a leitura conjugada das regras contidas no § 5, pontos 9 e 10, e no § 22a da lei de protecção da natureza do Land de Salzburgo conduz a uma definição de «zona europeia de conservação» que efectivamente contém todos os elementos que, por sua vez, fazem parte da definição de «zona especial de conservação» na acepção do artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats. Assim sendo, importa concluir que a definição contida no artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats foi suficientemente transposta em Salzburgo.

B –    Quanto ao artigo 6.° da directiva habitats

1.      Quanto ao artigo 6.°, n.º 1, da directiva habitats

25.      O artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats obriga os Estados‑Membros a fixar as medidas de conservação necessárias em relação às zonas especiais de conservação, nos seguintes termos:

«Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.»

a)      Baixa Áustria

26.      A Comissão afirma que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats, as medidas de conservação necessárias têm obrigatoriamente – e não apenas «eventualmente» – de ser tomadas. Tal não aconteceu na Baixa Áustria. O § 9, quinto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria determina que devem ser adoptadas, «eventualmente, para as zonas europeias de conservação [...], as medidas necessárias de gestão, de desenvolvimento e de preservação, tanto por via administrativa como por via contratual».

27.      A Áustria alega, a este propósito, que o artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats só se refere a «medidas de conservação necessárias» e que o § 9, quinto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria é interpretado no sentido de que sempre que sejam necessárias medidas de conservação se presume estar‑se perante um caso em que cumpre adoptar essas medidas, que são consequentemente tomadas.

28.      É utilizada a expressão «eventualmente» tanto no artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats como no § 9, quinto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria. Só que a mesma, na disposição de direito interno da Baixa Áustria, tem por objecto as medidas de conservação em geral, enquanto na directiva tem por objecto os vários meios de conservação que essas medidas podem revestir.

29.      Deste modo, nos termos da directiva, têm de ser adoptadas medidas de conservação sempre que sejam necessárias. Só existe discricionariedade ao nível da escolha das medidas a tomar. Diferentemente, segundo o sentido literal do § 9, quinto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria, as medidas de conservação não devem ser obrigatoriamente, mas apenas «eventualmente», adoptadas. Não é, porém, determinado em que casos cumpre adoptar as medidas de conservação.

30.      Deste modo, o § 9, quinto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria não pode ser considerado uma transposição suficiente da obrigação de adoptar em qualquer caso as medidas de conservação necessárias.

31.      A objecção da Áustria – segundo a qual a disposição nacional é interpretada no sentido de que sempre que sejam necessárias medidas de conservação, as mesmas serão efectivamente adoptadas – não é susceptível de alterar a referida conclusão. A interpretação do direito interno em sentido conforme às exigências de uma directiva não tem só por si a clareza e precisão necessárias para satisfazer as exigências da segurança jurídica (7). Do mesmo modo, as simples práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como constituindo execução válida das obrigações decorrentes do direito comunitário (8), tanto mais quanto se impõe uma transposição particularmente exacta, como sucede no caso da directiva habitats (9).

b)      Alta Áustria

32.      De acordo com a Comissão, o § 15, segundo parágrafo, primeira frase, da Natur‑ und Landschaftsschutzgesetz (lei de protecção da natureza e do ambiente) da Alta Áustria não constitui uma transposição adequada do artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats. A disposição da Alta Áustria tem o seguinte teor:

«O governo regional pode, em relação a zonas de paisagem protegida (§ 11), locais de paisagem protegida (§ 12), zonas europeias de conservação (§ 24) e zonas de protecção da natureza (§ 25), elaborar planos de gestão ambiental, nos quais serão indicadas as medidas que se afigurem necessárias do ponto de vista do interesse público, nos termos do primeiro parágrafo, e que não dificultem excessivamente a exploração económica legítima dos terrenos em causa.»

33.      A Comissão considera que a aprovação de planos de gestão ambiental – ou seja, de medidas de conservação – cai no âmbito do poder discricionário das autoridades. Mas, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats, a adopção das medidas regulamentares, administrativas ou contratuais é obrigatória, contrariamente ao que se passa com a elaboração de planos de gestão.

34.      A Áustria alega, a este propósito, que os Estados‑Membros têm a possibilidade de escolha quanto ao tipo de medidas a adoptar, uma vez que o termo «eventualmente», contido no artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats, se refere não só à elaboração de planos de gestão mas também às «medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas».

35.      É verdade que a directiva confere aqui aos Estados‑Membros alguma margem em relação à escolha da forma de actuação, como alega a Áustria. Mas a formulação do § 15, segundo parágrafo, da lei de protecção da natureza e do ambiente da Alta Áustria não limita a discricionariedade do governo regional de modo a não abranger também a própria decisão de adoptar ou não medidas de conservação. Tal como se expôs, esta decisão não cai no âmbito do poder discricionário dos Estados‑Membros (10). Pelo que já só por isso se deve considerar que a disposição ora impugnada não contém uma correcta transposição do artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats.

36.      A Comissão põe ainda em causa o facto de a referida disposição prever também que as medidas aí previstas não podem dificultar excessivamente a legítima exploração económica dos terrenos em causa. Alega que esta excepção não tem consagração no artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats. A Áustria contrapõe que a própria exploração económica só é «legítima» se estiver em conformidade com as disposições de conservação aplicáveis na zona de conservação em causa.

37.      Por um lado, a referida disposição nacional não especifica o que se entende por uma exploração económica «legítima». A interpretação defendida pela Áustria parece possível, mas também é imaginável que explorações económicas exercidas licitamente impeçam medidas de conservação necessárias. Deste modo, este regime é, pelo menos, pouco claro e não transpõe o artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats com a precisão devida.

38.      Além disso, a formulação em causa levanta a questão de saber em que medida é que podem ser tomados em consideração critérios de índole económica no âmbito da adopção de medidas de conservação nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats.

39.      Até este momento, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias só se pronunciou acerca da possibilidade da tomada em consideração de interesses não ecológicos no contexto da classificação de zonas de protecção na acepção do artigo 4.° da directiva relativa à conservação das aves selvagens (11) e na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da directiva habitats. No âmbito da classificação e da delimitação de uma zona de protecção especial não se pode ter em conta os interesses não ecológicos mencionadas noutra parte da directiva (12). O que se generaliza no sentido de que os interesses não ecológicos não podem, por princípio, ser tidos em conta fora das partes em que tal esteja expressamente previsto na directiva habitats e, consequentemente, não podem ser tomados em consideração no âmbito do artigo 6.°, n.° 1, da mesma (13).

40.      Diversamente, o advogado‑geral N. Fenelly parte manifestamente do princípio de que os Estados‑Membros, no âmbito da adopção das medidas de conservação necessárias na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats, têm de estabelecer um equilíbrio entre as exigências ecológicas e as «exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais», na acepção do artigo 2.°, n.° 3, da directiva habitats (14).

41.      A favor deste ponto de vista, é de realçar nomeadamente a necessidade de respeitar o princípio da proporcionalidade – o qual, segundo jurisprudência assente, faz parte dos princípios gerais do direito comunitário (15) – na adopção das medidas de conservação. Se for caso disso, será de aplicar tanto no âmbito do n.° 1 do artigo 6.° da directiva habitats, como no do n.° 2 (16) do mesmo artigo, os critérios do seu n.° 4. Assim sendo, poderá ter de se tomar em consideração as exigências económicas e os demais interesses a que alude o artigo 2.°, n.° 3, da directiva habitats, ou seja, as exigências sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais, no âmbito da adopção das medidas de conservação necessárias.

42.      Porém, não resulta daí que explorações económicas que obedecem à legislação se sobreponham automaticamente aos objectivos de conservação, como se poderá porventura concluir do § 15, segundo parágrafo, primeiro período, da lei de protecção da natureza e do ambiente da Alta Áustria. Na verdade, importa sempre proceder a uma análise de soluções alternativas e do caso concreto, bem como, se necessário for, adoptar outras medidas que assegurem a coerência global da rede Natura 2000. Pelo que a disposição em causa também não constitui uma transposição adequada do artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats.

2.      Quanto ao artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats

43.      O artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats tem o seguinte teor:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.»

44.      A Comissão alega que nenhuma das disposições contidas na lei de protecção da natureza do Tirol constitui uma transposição desta disposição da directiva. A Comissão observa também que o § 14, primeiro parágrafo, da lei de protecção da natureza do Tirol, introduzido através da LGBl. 50/2004, consiste apenas numa disposição meramente programática, cujo conteúdo é comparável ao dos considerandos da directiva habitats.

45.      A Áustria alega que, embora seja verdade que a lei de protecção da natureza do Tirol não contém nenhuma disposição que preveja expressamente a proibição de deterioração, o § 14, primeiro parágrafo, da lei de protecção da natureza do Tirol, introduzido propositadamente para as zonas da rede Natura 2000, visa dar expressão a essa proibição de deterioração.

46.      Importa aqui desde logo chamar a atenção para o facto de o mencionado § 14, tal como, por exemplo, o § 22a da lei de protecção da natureza do Tirol, só ter sido introduzido através da LGBl. 50/2004, ou seja, depois do termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Por esta razão, estas disposições não relevam para efeitos da apreciação da presente acção por incumprimento. A Comissão só se pronuncia acerca deste aspecto como complemento da sua fundamentação, como resulta da referência que faz, na petição inicial, ao momento da entrada em vigor da nova redacção do § 14 da lei de protecção da natureza do Tirol. Assim sendo, o seu pedido deve ser considerado um pedido admissível, de que seja constatada a deficiente transposição do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats através das disposições da lei de protecção da natureza do Tirol, na redacção que lhe foi dada pela LGBl. 89/2002.

47.      No que toca a esta redacção da lei de protecção da natureza do Tirol, anterior à introdução do seu § 14, a Áustria não impugna a crítica de ter transposto deficientemente o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, razão pela qual é de julgar procedente o pedido correspondente.

48.      Mas, além disso, é ainda de notar que mesmo a nova redacção da lei de protecção da natureza do Tirol, introduzida pela LGBl. 50/2004, não constitui uma transposição adequada do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já declarou, em relação a esta disposição da directiva habitats, que é necessária uma disposição de direito interno expressa que obrigue as autoridades competentes a evitar deteriorações dos habitats naturais e dos habitats de espécies, uma vez que, de outro modo, existirá um elemento de insegurança jurídica relativamente às obrigações que essas autoridades têm de respeitar (17). O mesmo se aplica à proibição de perturbações que atinjam as espécies, igualmente contida no artigo 6.°, n.° 2.

49.      Nem o § 14, nem os § 22 a 24 da lei de protecção da natureza do Tirol dão cumprimento a esta exigência. O § 14, primeiro parágrafo, da lei de protecção da natureza do Tirol limita‑se a expressar o objectivo genérico de «assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua zona de repartição natural». Para além de não estar aqui contida a proibição de perturbações que atinjam as espécies, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats obriga a que se evitem deteriorações e perturbações em cada zona em concreto. A proibição de perturbações que atinjam as espécies também não se encontra transposta no § 23 da lei de protecção da natureza do Tirol, uma vez que não tem por objecto as espécies dentro das zonas de conservação, ou seja, as espécies constantes do anexo II e as espécies típicas de certo tipo de habitat natural, mas sim as espécies a proteger nos termos do artigo 12.° da directiva habitats, referidas no anexo IV, alínea a).

C –    Quanto ao artigo 16.° da directiva habitats

50.      O artigo 16.°, n.° 1, da directiva habitats prevê determinadas derrogações das regras de conservação das espécies. Esta disposição tem o seguinte teor:

«Desde que não exista outra solução satisfatória e que a derrogação não prejudique a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável, os Estados‑Membros poderão derrogar o disposto nos artigos 12.°, 13.° e 14.° e nas alíneas a) e b) do artigo 15.°:

a)      No interesse da protecção da fauna e da flora selvagens e da conservação dos habitats naturais;

b)      Para evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca e às águas e a outras formas de propriedade;

c)      No interesse da saúde e da segurança públicas ou por outras razões imperativas ou de interesse público prioritário, incluindo razões de carácter social ou económico e a consequências benéficas de importância primordial para o ambiente;

d)      Para fins de investigação e de educação, de repovoamento e de reintrodução dessas espécies e para as operações de reprodução necessárias a esses fins, incluindo a reprodução artificial das plantas;

e)      Para permitir, em condições estritamente controladas e de uma forma selectiva numa dimensão limitada, a captura ou detenção de um número limitado especificado pelas autoridades nacionais competentes de determinados espécimes das espécies constantes do anexo IV.

[...]»

1.      Baixa Áustria

51.      Em relação ao § 20, quarto parágrafo, e ao § 21 da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria, a Comissão considera que, para além de não conterem qualquer referência ao critério da «manutenção num estado de conservação favorável», os mesmos também não contêm uma enumeração taxativa das condições em que é admitida uma derrogação ao previsto nos artigos 12.° a 15.° da directiva habitats.

52.      A Áustria alega que a protecção exigida pela directiva habitats se encontra garantida, visto que as autoridades nacionais actuam em conformidade com a directiva e têm, além disso, de respeitar os critérios estabelecidos nas leis da caça, de modo a assegurar a unidade do ordenamento jurídico. O que conduz a que, na prática, só sejam concedidas derrogações em condições muito restritivas, o que é ainda assegurado pela jurisprudência da mais alta instância.

53.      Como já foi referido, não basta uma prática administrativa conforme à directiva para assegurar a transposição (18). Como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias decidiu, tanto a propósito do artigo 16.° da directiva habitats (19) como do artigo 9.° da directiva relativa à conservação das aves selvagens (20), que lhe é equiparável, as condições em que os Estados‑Membros podem derrogar as proibições contidas na directiva devem constar de disposições de direito nacional claras e precisas. Neste contexto, há que interpretar restritivamente o artigo 16.° da directiva habitats, uma vez que o mesmo define de forma precisa as situações em que os Estados‑Membros podem derrogar o disposto nos artigos 12.° a 15.°, alíneas a) e b), da directiva (21).

54.      A lei de protecção da natureza da Baixa Áustria prevê no seu § 20, quarto parágrafo, que podem ser concedidas derrogações «se não houver receio de colocar em perigo, de forma relevante, os efectivos protegidos [...]». Mas o artigo 16.° da directiva habitats exige que a derrogação não prejudique a manutenção das populações das espécies em causa «num estado de conservação favorável». A formulação do § 20, quarto parágrafo, levanta o receio de que derrogações que deveriam ser recusadas acabem por ser concedidas, por não colocarem em perigo, «de forma relevante» as populações em causa, ainda que as mesmas não se encontrem num estado de conservação favorável. Contudo, existindo um estado de conservação desfavorável, esses prejuízos são incompatíveis com o referido artigo 16.°

55.      É certo que podem verificar‑se circunstâncias excepcionais em que seja de aceitar uma derrogação das proibições relativas à protecção das espécies, por estarem em causa razões prevalecentes de interesse geral, apesar de um estado de conservação desfavorável (22). Mas o critério da não colocação, de forma relevante, dos efectivos em perigo não pressupõe a existência dessas circunstâncias.

56.      Além disso, o § 20, quarto parágrafo, da lei em apreço limita‑se, a propósito da indicação dos motivos admissíveis para as derrogações, a dar um exemplo, referindo ser possível a derrogação «designadamente para fins científicos e didácticos». Falta, assim, uma enumeração taxativa dos casos em que se admite a derrogação.

57.      A Áustria invoca ainda o artigo 16.°, n.° 1, alínea e), da directiva habitats. De acordo com o mesmo, e à semelhança do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva relativa à conservação das aves selvagens, os Estados‑Membros podem excepcionalmente permitir, em condições estritamente controladas, de uma forma selectiva e numa dimensão limitada, a captura ou a detenção de um número limitado, especificado pelas autoridades nacionais competentes, de determinados espécimes das espécies constantes do anexo IV. A Áustria afirma, com razão, que no âmbito desta disposição não é necessário indicar qualquer fundamento para a derrogação.

58.      Não obstante, esta derrogação prevista no artigo 16.° da directiva habitats, tal como as demais, só pode operar se não existir outra solução satisfatória e não prejudicar a manutenção das populações da espécie em causa, na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável. Estas condições não constam do § 20, quarto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria.

59.      Além disso, o § 20, quarto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria teria de impor o respeito pelas condições específicas que constam do artigo 16.°, n.° 1, alínea e), da directiva habitats, ou seja, um controlo rigoroso, a selectividade da medida e a dimensão limitada do prejuízo. Em particular, importaria especificar o conceito de «dimensão limitada» através da fixação de índices quantitativos (23). O § 20, quarto parágrafo, também não obedece a esta exigência.

60.      A invocação das disposições das leis da caça não permite à Áustria defender‑se das críticas que lhe são feitas relativamente ao § 20, quarto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria. É verdade que existem leis que regulam os métodos e meios de caça, mas as mesmas só se reportam precisamente à caça, razão pela qual não são postas em causa pela Comissão. Em todo o caso, a aplicação do § 20, quarto parágrafo, pode implicar a violação dos artigos 12.° a 16.° da directiva habitats fora do âmbito da caça.

61.      O § 21 da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria, igualmente criticado pela Comissão, exclui a exploração industrial, agrícola e florestal das actividades proibidas para efeitos de protecção das espécies. Mas prevê expressamente que essa excepção não se aplica nos casos de dano intencional à flora e fauna protegidas.

62.      O artigo 16.° da directiva habitats não prevê derrogações, relacionadas com a exploração industrial, agrícola e florestal, das proibições previstas para protecção das espécies. As derrogações previstas no § 21 da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria não se aplicam nos casos de produção intencional de danos à flora e fauna protegidas, por força de uma disposição expressa nesse sentido. As proibições contidas no artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) a c), bem como nos artigos 13.° a 15.° da directiva habitats, pressupõem, expressa ou implicitamente, a prática de actos intencionais (24). Consequentemente, sendo as derrogações previstas no § 21 da referida lei limitadas a actos não intencionais, as mesmas não podem violar estas disposições, pelo que se afigura inútil analisar se foram respeitadas as regras do artigo 16.° relativas às derrogações (25).

63.      Mas já não é assim no que concerne ao artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats. A proibição de deterioração ou destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso, aí contida, não pressupõe a prática de quaisquer actos intencionais (26). Nesta medida, as derrogações previstas no § 21 da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria, relativas às proibições previstas para protecção das espécies, necessitam de uma justificação compatível com o artigo 16.° da directiva. Todavia, o § 21 não cumpre as exigências contidas nesse artigo, uma vez que não refere os requisitos da ausência de outra solução satisfatória e da manutenção das populações num estado de conservação favorável nem contém a enumeração dos casos específicos de derrogação constante do artigo 16.°, n.° 1, alíneas a) a e).

64.      Por fim, a Áustria refere também, a propósito do § 21 da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria, a existência de leis da caça que importaria ter em devida conta. Mas ainda que as autoridades nacionais respeitem os critérios contidos nas leis da caça, nem por isso se alcançará uma situação jurídica que, em termos de nível de protecção e de segurança jurídicas, seja comparável à que se verificaria caso se tivesse consagrado uma enumeração taxativa dos casos de derrogação admissíveis. O § 95 da JagdG, referido pela Áustria, não contém uma enumeração comparável de fundamentos, antes se limita a proibir determinados métodos de caça em relação a certas espécies de animais. Deste modo, a acusação de transposição deficiente do artigo 16.°, n.° 1, da directiva habitats é, em relação à Baixa Áustria, inteiramente procedente.

2.      Salzburgo

65.      A Comissão alega, em relação ao § 34 da lei de protecção da natureza de Salzburgo e ao § 104, quarto parágrafo, da Salzburger Jagdgesetz (lei da caça de Salzburgo), que as derrogações neles previstas, em vez de pressuporem a manutenção das populações num estado de conservação favorável, se limitam a referir que os efectivos das espécies da fauna e da flora, ou de animais selvagens, não podem ser reduzidos. A Comissão entende que esta formulação é contrária à obrigação decorrente do artigo 2.°, n.° 2, da directiva habitats, de, caso seja necessário, se restabelecer o estado de conservação favorável.

66.      A Áustria contrapõe que a expressão «manutenção», contida no artigo 16.°, n.° 1, da directiva habitats, só abrange a conservação e não o restabelecimento do estado de conservação favorável. Seria ilógico, em termos sistemáticos, e inexequível exigir quando da concessão de uma derrogação o cumprimento do dever de restabelecimento de um estado de conservação favorável.

67.      É verdade que a utilização da expressão «manutenção» permite supor que se pretende aludir à conservação de uma situação. Só que a situação a manter é a de um estado de conservação favorável, na acepção do artigo 1.°, alínea i), da directiva habitats. Resulta daqui que – enquanto não se tiver atingido um estado de conservação favorável, na referida acepção –, não são, em princípio – exceptuando os casos de motivos excepcionais –, admissíveis derrogações nos termos previstos no artigo 16.°, n.° 1, da directiva habitats.

68.      A disposição de direito nacional não observa suficientemente esta regra ao admitir derrogações desde que «os efectivos das espécies da fauna e da flora em causa [...] não [sejam] reduzidos», sem as relacionar com o objectivo prioritário da manutenção das populações num estado de conservação favorável.

69.      A Comissão alega, de resto, que, nos termos do § 34 da lei de protecção da natureza de Salzburgo, podem ser concedidas derrogações para efeitos da produção de bebidas (primeiro parágrafo, ponto 2) e de construção de instalações (primeiro parágrafo, ponto 9). A Áustria não contesta estas afirmações, limitando‑se a anunciar alterações legislativas.

70.      Cumpre, por isso, considerar inteiramente procedente este fundamento da acção.

D –    Artigo 22.° da directiva habitats

71.      O artigo 22.° da directiva habitats dispõe:

«Na execução das disposições da presente directiva, os Estados‑Membros:

a)      [...]

b)      Assegurarão que a introdução intencional no meio natural de uma espécie não indígena do seu território será regulamentada de maneira a não ocasionar qualquer prejuízo aos habitats naturais na sua área de repartição natural nem à fauna e à flora selvagens indígenas e, se o julgarem necessário, proibirão tal introdução; os resultados dos estudos de avaliação efectuados serão comunicados ao comité para informação;

c)      [...]»

72.      A Comissão alega que o § 17, quinto parágrafo, da lei de protecção da natureza da Baixa Áustria prevê uma possibilidade de derrogação do princípio da proibição de introdução de espécies de fauna e flora não indígenas, se com essas actividades «não forem prejudicadas de forma duradoura» as características naturais (genéticas) das espécies da fauna e da flora indígenas ou a beleza e as características de determinado ambiente natural. No entender da Comissão, esta regra implica a introdução de um novo critério, não previsto na directiva.

73.      A Comissão tem razão. Ao contrário da directiva, a disposição nacional não contém uma proibição absoluta de qualquer prejuízo, limitando‑se a proibir um prejuízo duradouro para os habitats naturais e a fauna e a flora selvagens através da introdução intencional de espécies não indígenas. Tal não constitui uma transposição correcta da disposição da directiva.

III – Quanto às despesas

74.      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. A Comissão obtém vencimento em relação à grande maioria dos pedidos pendentes, pelo que cabe à Áustria suportar as despesas. Deve decidir‑se o mesmo em relação aos pedidos dos quais a Comissão desistiu, nos termos do artigo 69.°, n.° 5, do Regulamento de Processo. De facto, a Áustria deu causa a esses pedidos ao adaptar com atraso o seu ordenamento jurídico às exigências do direito comunitário. Consequentemente, cabe à República da Áustria suportar a totalidade das despesas do processo.

IV – Conclusões

75.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça declare:

1.      A República da Áustria violou os artigos 10.° e 249.° do Tratado, bem como o artigo 23.° da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, ao não transpor correctamente as seguintes disposições:

–      o artigo 1.°, alíneas e), g) e i), em relação ao Land de Salzburgo;

–      o artigo 6.°, n.° 1, em relação aos Länder da Baixa Áustria e da Alta Áustria;

–      o artigo 6.°, n.° 2, em relação ao Land do Tirol;

–      o artigo 12.°, em relação aos Länder da Estíria e do Tirol;

–      o artigo 13.°, em relação aos Länder da Caríntia, da Estíria e do Tirol;

–      o artigo 16.°, n.° 1, em relação aos Länder da Baixa Áustria, de Salzburgo, da Estíria e do Tirol; e

–      o artigo 22.°, alínea b), em relação ao Land da Baixa Áustria.

2.      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3.      A República da Áustria é condenada nas despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 206, p. 7, na redacção da Directiva 97/62/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 1997 (JO L 305, p. 42).


3 – O facto de a Comissão manter esta acusação, apesar da alteração entretanto ocorrida da lei em causa em relação ao abate de determinados animais, explica‑se pelo facto de as medidas consideradas admissíveis posteriormente adoptadas para evitar os danos causados por animais selvagens, que não visam o abate, poderem abranger, por exemplo, a perturbação intencional de certas espécies animais protegidas nos termos do artigo 12.° da directiva habitats, sem que exista justificação nos termos do artigo 16.° do mesmo diploma.


4 – Acórdãos de 10 de Janeiro de 2006, Comissão/Alemanha (C‑98/03, Colect., p. I‑53, n.° 59), e de 20 de Outubro de 2005, Comissão/Reino Unido (C‑6/04, Colect., p. I‑9017, n.° 25).


5 – Acórdãos de 13 de Fevereiro de 2003, Comissão/Luxemburgo (conformidade) (C‑75/01, Colect., p. I‑1585, n.os 22 e segs.), e de 24 de Junho de 2003, Comissão/Portugal (conformidade) (C‑72/02, Colect., p. I‑6597, n.° 17).


6 – Acórdão Comissão/Reino Unido (já referido na nota 4, n.° 65).


7 – Acórdãos de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos (C‑144/99, Colect., p. I‑3541, n.° 21), e de 19 de Setembro de 1996, Comissão/Grécia (C‑236/95, Colect., p. I‑4459, n.os 12 e segs.); no mesmo sentido, no contexto do direito do ambiente, conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl de 14 de Janeiro de 2003 no processo Comissão/França (C‑233/00, Colect., p. I‑6625, n.° 73).


8 – Acórdãos de 13 de Março de 1997, Comissão/França (C‑197/96, Colect., p. I‑1489, n.° 14), de 9 de Março de 2000, Comissão/Itália (C‑358/98, Colect., p. I‑1255, n.° 17), de 7 de Março de 2002, Comissão/Itália (C‑145/99, Colect., p. I‑2235, n.° 30), e de 10 de Março de 2005, Comissão/Reino Unido (C‑33/03, Colect., p. I‑1865, n.° 25).


9 – V. n.° 7, supra.


10 – V. n.° 29, supra.


11 – Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125).


12 – V., quanto à directiva relativa à conservação das aves selvagens, acórdãos de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Espanha (marismas de Santoña) (C‑355/90, Colect., p. I‑4331, n.os 15 e segs. e 26), e de 11 de Julho de 1996, Royal Society for the Protection of Birds (Lappel Bank) (C‑44/95, Colect., p. I‑3805, n.os 25 e segs.), e quanto à directiva habitats, acórdão de 7 de Novembro de 2000, First Corporate Shipping (C‑371/98, Colect., p. I‑9235, n.° 25).


13 – É o que defende, por exemplo, Ennöckl, D. – Die Vogelschutz‑ und Fauna‑Flora‑Habitatrichtlinie und ihre Umsetzung im österreichischen Naturschutzrecht, Viena, 2002, p. 66; diferentemente, por exemplo, a Comissão, em Natura 2000 – Gebietsmanagement, Die Vorgaben des Artikels 6 der Habitat‑Richtlinie 92/43/CEE, 2000, pp. 20 e segs.


14 – Conclusões de 16 de Setembro de 1999 no processo Comissão/França (C‑256/98, p. I‑2487, n.° 22).


15 – Assim, por exemplo, acórdãos de 2 de Abril de 1998, Norbrook Laboratories (C‑127/95, Colect., p. I‑1531, n.° 89), de 12 de Março de 2002, Omega Air e o. (C‑27/00 e C‑122/00, Colect., p. I‑2569, n.° 62), e de 5 de Dezembro de 2005, ABNA e o. (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, Colect., p. I‑10423, n.° 68).


16 – V., a este propósito, as minhas conclusões de 29 de Janeiro de 2004 no processo Landelijke Vereniging tot Behoud van de Waddenzee e o. (C‑127/02, Colect., p. I‑7405, n.° 27).


17 – Acórdão Comissão/Reino Unido (conformidade) (já referido na nota 4, n.° 37).


18 – V. n.° 31, supra.


19 – Acórdão Comissão/Alemanha (conformidade) (já referido na nota 4, n.os 57 e segs.).


20 – Acórdão de 15 de Março de 1990, Comissão/Países Baixos (C‑339/87, Colect., p. I‑851, n.° 28).


21 – Acórdão Comissão/Reino Unido (já referido na nota 4, n.° 111); v., também, acórdão Comissão/Alemanha (conformidade) (já referido na nota 4, n.° 61).


22 – V., a este propósito, as minhas conclusões de 30 de Novembro de 2006 no processo Comissão/Finlândia (C‑342/05, ainda não publicadas na Colectânea, n.os 55 e segs.).


23 – V., a propósito do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da directiva relativa à conservação das aves selvagens, que é equivalente, acórdão de 8 de Junho de 2006, WWF Itália e o. (C‑60/05, Colect., p. I‑5083, n.° 36).


24 – Quanto ao conceito de «carácter intencional» neste contexto, v. acórdão de 18 de Maio de 2006, Comissão/Espanha (caça com laço) (C‑221/04, Colect., p. I‑4515, n.° 71).


25 – Cf., a propósito de disposições equivalentes da directiva relativa à conservação das aves selvagens, as minhas conclusões hoje apresentadas no processo Comissão/Áustria (C‑507/04, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 130).


26 – Acórdãos Comissão/Reino Unido (conformidade) (já referido na nota 4, n.° 79) e Comissão/Alemanha (conformidade) (já referido na nota 4, n.° 55).