Language of document : ECLI:EU:C:2024:342

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

18 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 30.o‑A e 30.o‑B — Vales fornecidos por via eletrónica — Vales de finalidade única e vales de finalidade múltipla — Cartões pré‑pagos ou códigos de vales para a aquisição de conteúdos digitas, acompanhados de um identificador “país” que torna os conteúdos digitais em questão apenas acessíveis no Estado‑Membro visado»

No processo C‑68/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha), por Decisão de 3 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de fevereiro de 2023, no processo

MGbR

contra

Finanzamt O,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de Secção, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da M‑GbR, por A. Kratzsch, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Behre e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 30.o‑A e 30.o‑B da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 348, p. 7) (a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a M‑GbR, uma sociedade de direito civil alemã, à Finanzamt (Autoridade Tributária alemã) a respeito da qualificação e da sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) da comercialização de cartões pré‑pagos ou de códigos de vales utilizados para a aquisição de conteúdos digitais através de uma loja online.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1 a 3 e 6 a 10 da Diretiva (UE) 2016/1065, de 27 de junho de 2016, que altera a Diretiva 2006/112/CE, no que respeita ao tratamento dos vales (JO 2016, L 177, p. 9), têm a seguinte redação:

«(1)      A Diretiva 2006/112/CE […] estabelece regras relativas ao momento e ao lugar das entregas de bens e das prestações de serviços, ao valor tributável, à exigibilidade do [IVA] e ao direito a dedução. Estas regras não são, contudo, suficientemente claras ou abrangentes para garantir a coerência no tratamento fiscal de operações que envolvam vales, o que tem consequências indesejáveis para o bom funcionamento do mercado interno.

(2)      A fim de garantir um tratamento seguro e uniforme, ser coerente com os princípios de um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, evitar incoerências, distorções de concorrência, dupla tributação ou não tributação e ainda reduzir o risco de elisão fiscal, são necessárias regras específicas para o tratamento dos vales em sede de IVA.

(3)      Tendo em vista as novas regras respeitantes ao lugar das prestações de serviços de telecomunicações, de radiodifusão e televisão e de serviços prestados por via eletrónica que são aplicáveis desde 1 de janeiro de 2015, é necessária uma solução comum para os vales de modo a garantir que não ocorram assimetrias no que respeita a vales fornecidos entre Estados‑Membros. Para esse efeito, é essencial instituir regras que clarifiquem o tratamento em sede de IVA dos vales.

[…]

(6)      A fim de identificar claramente o que é um vale para efeitos de IVA e distinguir os vales dos instrumentos de pagamento, é necessário definir o conceito de vale, que pode assumir forma física ou eletrónica, reconhecendo as suas principais características, em especial a natureza dos direitos que o vale confere e a obrigação de o aceitar como contraprestação pela entrega de bens ou prestação de serviços.

(7)      O tratamento em sede de IVA das operações associadas a vales depende das características específicas do vale. É, por conseguinte, necessário distinguir os vários tipos de vales e estabelecer essas distinções em legislação da União.

(8)      Caso o tratamento em sede de IVA relativo à entrega de bens ou prestação de serviços subjacente possa ser determinado com segurança logo no momento da emissão de um vale de finalidade única, o IVA deverá ser exigido em cada cessão, inclusive no momento da emissão do vale de finalidade única. A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca de um vale de finalidade única não deverá ser considerada uma operação independente. Relativamente aos vales de finalidade múltipla, é necessário clarificar que o IVA deverá ser exigido no momento da entrega dos bens ou da prestação dos serviços a que o vale diz respeito. Neste contexto, as eventuais cessões anteriores de vales de finalidade múltipla não deverão estar sujeitas a IVA.

(9)      Relativamente aos vales de finalidade única suscetíveis de ser tributados no momento da cessão, inclusive no momento da emissão do vale de finalidade única, por um sujeito passivo que atue em nome próprio, considera‑se que cada cessão, inclusive no momento da emissão desse vale, constitui a entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale de finalidade única diz respeito. Esse sujeito passivo terá nesse caso de declarar o IVA sobre a contraprestação recebida pelo vale de finalidade única nos termos do artigo 73.o da Diretiva 2006/112/CE. Se, por outro lado, os vales de finalidade única forem emitidos ou distribuídos por um sujeito passivo que atue em nome de outra pessoa, esse sujeito passivo não será considerado participante na entrega ou prestação subjacente.

(10)      Só os serviços intermediários ou as prestações de serviços separadas, tais como serviços de distribuição ou de promoção, estarão sujeitos a IVA. Por conseguinte, caso um sujeito passivo que não atue em nome próprio receba uma contraprestação separada no momento da cessão de um vale, essa contraprestação deverá ser tributável nos termos do regime normal do IVA.»

4        Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, estão sujeitas ao IVA as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

5        O artigo 30.o‑A desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Vale”, um instrumento em que existe a obrigação de o aceitar como contraprestação ou parte da contraprestação por uma entrega de bens ou prestação de serviços e em que os bens a entregar ou os serviços a prestar ou a identidade dos potenciais fornecedores ou prestadores estão indicados no próprio instrumento ou em documentação relacionada, incluindo os termos e condições de utilização de tal instrumento;

2)      “Vale de finalidade única”, um vale em que o lugar da entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale diz respeito e o IVA devido sobre esses bens ou serviços são conhecidos no momento da emissão do vale;

3)      “Vale de finalidade múltipla”, um vale que não seja um vale de finalidade única.»

6        O artigo 30.o‑B da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Cada cessão de um vale de finalidade única efetuada por um sujeito passivo atuando em nome próprio é considerada uma entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale diz respeito. A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca de um vale de finalidade única aceite pelo fornecedor ou prestador como contraprestação ou parte da contraprestação não é considerada uma operação independente.

Caso a cessão do vale de finalidade única seja efetuada por um sujeito passivo atuando em nome de outro sujeito passivo, considera‑se que essa cessão constitui a entrega dos bens ou a prestação dos serviços a que o vale diz respeito efetuada pelo outro sujeito passivo em cujo nome atua o sujeito passivo.

Caso o fornecedor de bens ou o prestador de serviços não seja o sujeito passivo que, atuando em nome próprio, emitiu o vale de finalidade única, considera‑se, porém, que esse fornecedor ou prestador efetuou a esse sujeito passivo a entrega dos bens ou a prestação dos serviços a que respeita o vale.

2.      A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca de um vale de finalidade múltipla aceite como contraprestação ou parte da contraprestação pelo fornecedor está sujeita a IVA por força do artigo 2.o, considerando‑se que cada cessão anterior desse vale de finalidade múltipla não está sujeita a IVA.

Caso a cessão de um vale de finalidade múltipla seja efetuada por um sujeito passivo diferente do sujeito passivo que efetua a operação sujeita a IVA nos termos do primeiro parágrafo, qualquer prestação de serviços que possa ser identificada, tais como serviços de distribuição ou de promoção, está sujeita a IVA.»

7        O artigo 44.o da mesma diretiva prevê:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»

8        O artigo 58.o da Diretiva IVA dispõe:

«1.      O lugar das prestações dos serviços a seguir enumerados, efetuadas a pessoas que não sejam sujeitos passivos, é o lugar onde essas pessoas estão estabelecidas ou têm domicílio ou residência habitual:

[…]

c)      Serviços prestados por via eletrónica, nomeadamente os referidos no anexo II.

O facto de o prestador de serviços e o destinatário comunicarem por correio eletrónico não significa por si só que o serviço seja prestado por via eletrónica.»

9        O artigo 73.o da Diretiva IVA prevê:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

10      O artigo 73.o‑A desta diretiva dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 73.o, o valor tributável da entrega de bens ou da prestação de serviços em relação a um vale de finalidade múltipla é igual à contraprestação paga pelo vale ou, na ausência de informação quanto a essa contraprestação, ao valor monetário indicado no próprio vale de finalidade múltipla ou em documentação relacionada, deduzido o montante do IVA relativo aos bens entregues ou aos serviços prestados.»

11      Nos termos do artigo 410.o‑A da referida diretiva, os artigos 30.o‑A, 30.o‑B e 73.o‑A são exclusivamente aplicáveis aos vales emitidos depois de 31 de dezembro de 2018.

 Direito nacional

12      O § 3, n.os 13 a 15, do Umsatzsteuergesetz (Lei do Imposto sobre o Volume de Negócios, a seguir «UStG») prevê:

«13.      Um vale (de finalidade única ou de finalidade múltipla) é um instrumento relativamente ao qual

1)      existe uma obrigação de o aceitar como contraprestação ou parte da contraprestação por uma entrega ou por outra prestação e

2)      o bem a entregar ou a outra prestação a efetuar, ou a identidade do empresário prestador, estão indicados no próprio instrumento ou em documentação anexa, incluindo as condições de utilização desse instrumento.

Os instrumentos que dão direito apenas a uma redução de preço não são considerados vales, na aceção da primeira frase.

14.      O vale referido no § 13, em que o local da entrega ou da outra prestação a que o vale diz respeito e o imposto devido sobre essas operações são conhecidos no momento da emissão do vale, constitui um vale de finalidade única. Quando um empresário cede um vale de finalidade única em seu próprio nome, considera‑se que essa cessão constitui a entrega do bem ou a realização da outra prestação a que o vale diz respeito. […] Nos casos previstos nas frases 2 a 4, a entrega efetiva ou a realização efetiva da outra prestação como contraprestação de um vale de finalidade única aceite não é considerada uma operação independente.

15.      O vale referido no § 13, que não seja um vale de finalidade única, é considerado um vale de finalidade múltipla. A entrega efetiva ou a realização efetiva da outra prestação relativamente à qual o comerciante prestador aceita o vale de finalidade múltipla como contraprestação ou parte da contraprestação está sujeita a IVA por força do artigo 1.o, n.o 1, considerando‑se que cada cessão anterior desse vale de finalidade múltipla não está sujeita a IVA.»

13      O § 3a, n.os 2 e 5, da UStG tem a seguinte redação:

«2.      Sem prejuízo do disposto nos §§ 3 a 8 […], uma outra prestação executada em benefício de um empresário para servir as necessidades da sua empresa é executada no lugar onde a empresa do beneficiário exerce a sua atividade.

[…]

5.      Se o beneficiário de uma das outras prestações referidas na segunda frase

1)      não for um empresário para cuja empresa é adquirida a prestação […], a outra prestação é executada no lugar em que o beneficiário tem o domicílio, a sua residência habitual ou a sua sede.

As outras prestações, na aceção da primeira frase, são:

[…]

3)      As outras prestações realizadas por via eletrónica.»

14      O § 27, n.o 23, da UStG dispõe:

«O § 3, n.os 13 a 15 […] é aplicável pela primeira vez aos vales emitidos depois de 31 de dezembro de 2018.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      No decurso de 2019, que constitui o período de tributação controvertido, a M‑GbR comercializou, através da sua loja online, cartões pré‑pagos ou códigos de vales que permitiam carregar as «contas de utilizadores» destinadas à aquisição de conteúdos digitais na loja online X (a seguir «loja X»).

16      Esses cartões, denominados «X‑Cards», possibilitavam aos compradores carregar as contas que permitiam utilizar a loja X (a seguir «conta de utilizador X») com um determinado valor nominal em euros. Após o carregamento da conta, o seu titular podia adquirir conteúdos digitais na loja X, gerida pela sociedade Y, com sede no Reino Unido, aos preços aí indicados.

17      A Y era responsável pela emissão dos X‑Cards e comercializava‑os na União Europeia, com diferentes códigos de «país», através de diferentes intermediários. Os X‑Cards com o código de «país» DE destinavam‑se exclusivamente a clientes que tinham simultaneamente o seu domicílio ou residência habitual na Alemanha e uma conta de utilizador X alemã.

18      Em conformidade com as condições de utilização dos códigos de vales X, publicados pela Y na loja X, os clientes deviam, aquando da abertura de uma conta de utilizador X, fornecer informações exatas que permitissem determinar o local do seu domicílio ou da sua residência habitual. Na loja online da M‑GbR estava igualmente indicado que um cliente que carregasse a sua conta de utilizador X devia informar‑se previamente sobre o país no qual essa conta estava registada e que, tendo em conta a estrita separação de países aplicável aos X‑Cards, os clientes só podiam ativar créditos destinados efetivamente ao país correspondente à sua conta de utilizador X.

19      Em 2019, a M‑GbR comprou X‑Cards, emitidas pela Y, através de fornecedores, L 1 e L 2, estabelecidos em Estados‑Membros que não a República Federal da Alemanha nem o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte. Nas suas declarações fiscais, a M‑GbR considerou que os X‑Cards eram vales de finalidade múltipla, na aceção das disposições do § 3, n.o 15, da UStG, uma vez que, no momento da venda desses cartões, o domicílio ou o lugar de residência habitual do cliente final não era conhecido com toda a segurança. O identificador de país atribuído pela Y a cada vale não bastava para determinar com segurança o lugar da prestação de serviços, na aceção do § 3, n.o 5, da UStG, dado que a Y não verifica os dados dos clientes no momento da abertura das contas de utilizadores X e aquando da sua utilização ulterior. Além disso, muitos clientes, residentes fora do território alemão, abriram uma conta de utilizador X alemã, nomeadamente devido a vantagens tarifárias, e também compraram X‑Cards à M‑GbR com o código de «país» DE.

20      Na sequência de uma fiscalização, a autoridade tributária alemã considerou que os X‑Cards constituíam vales de finalidade única, uma vez que só podiam ser utilizados por clientes domiciliados na Alemanha e que dispusessem de uma conta de utilizador X alemã, pelo que o lugar da prestação, na aceção do § 3, n.o 5, da UStG, se situava na Alemanha. O facto de alguns clientes terem eventualmente podido contornar as condições de utilização desses cartões, prescritas pela Y, fornecendo dados deliberadamente falsos ou ocultando o seu endereço Internet Protocol (IP), não foi determinante para a qualificação fiscal dos referidos cartões como vales de finalidade única. Além disso, a autoridade tributária alemã entendeu que tanto a Y como os outros intermediários tinham considerado os X‑Cards como sendo esse tipo de vales. Por conseguinte, esta autoridade estabeleceu um adiantamento provisório de IVA a pagar pela M‑GbR.

21      Por ter sido negado provimento ao recurso interposto por esta última da fixação desse adiantamento em primeira instância, a recorrente interpôs um recurso de «Revision» para o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

22      No recurso, a M‑GbR invoca a violação do § 3, n.os 13 a 15, da UStG e considera que os X‑Cards são vales de finalidade múltipla cuja cessão não está sujeita a IVA. No momento dessa transferência, a prestação não está suficientemente determinada, pelo que a taxa de IVA adequada não pode ser fixada.

23      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação dos artigos 30.o‑A e 30.o‑B da Diretiva IVA no contexto de uma cadeia de sujeitos passivos estabelecidos em diferentes Estados‑Membros.

24      Em primeiro lugar, questiona sobre se, nesse contexto, no momento da emissão dos X‑Cards, se pode considerar que o lugar da prestação de serviços por via eletrónica aos clientes finais a que o vale diz respeito é conhecido, para permitir qualificá‑lo como vale de finalidade única, na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 2, da Diretiva IVA. Se for esse o caso, esse lugar será determinado em conformidade com o artigo 58.o, primeiro parágrafo, alínea c), desta diretiva e corresponderá, portanto, ao lugar onde as pessoas que não sejam sujeito passivo estão estabelecidas ou têm o seu domicílio ou residência habitual, a saber, no caso em apreço, a Alemanha. O órgão jurisdicional de reenvio menciona inclinar‑se mais para esta interpretação das disposições da referida diretiva e para negar provimento ao recurso de «Revision», tendo igualmente em conta o considerando 3 da Diretiva 2016/1065, que alude ao objetivo de evitar um tratamento assimétrico dos vales consoante sejam comercializados ao cliente final de forma direta ou através de intermediários. Todavia, esse órgão jurisdicional admite ser possível outra interpretação das disposições da mesma diretiva.

25      Assim, segundo o referido órgão jurisdicional, na cadeia de operações em causa é possível tomar em consideração cada cessão dos X‑Cards entre sujeitos passivos enquanto prestação de serviços. Nessa hipótese, por força do artigo 44.o da Diretiva IVA, o lugar das prestações realizadas pela Y a favor da L 1 e por L 1 a favor da L 2 situar‑se‑ia em cada um dos Estados‑Membros onde está estabelecido o sujeito passivo em benefício do qual essas prestações são realizadas, ao passo que o lugar da prestação realizada pela L 2 a favor da M‑GbR se situa na Alemanha. Nesta configuração, que pode decorrer da interpretação do artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, não está preenchido o requisito segundo o qual o lugar da prestação e o IVA devem ser conhecidos no momento da emissão do vale para que este seja qualificado como vale de finalidade única. Por conseguinte, haverá que conceder provimento ao recurso de «Revision».

26      Em segundo lugar, na hipótese de se considerar que os vales em causa são vales de finalidade múltipla cuja cessão, que precede a efetiva prestação de serviços subjacente, não está sujeita a IVA, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta solução não colide com a que foi adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de maio de 2012, Lebara (C‑520/10, EU:C:2012:264). Com efeito, decorre desse acórdão que tanto a venda inicial de um cartão telefónico pré‑pago como a sua posterior revenda através de intermediários são operações tributáveis. Ora, partindo do princípio de que, do ponto de vista do IVA, os X‑Cards não devem ser tratados diferentemente desses cartões telefónicos pré‑pagos, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a forma de conciliar o artigo 30.o‑B, n.o 2, primeiro parágrafo, in fine, da Diretiva IVA com a solução adotada nesse acórdão não lhe parece clara. Além disso, não exclui que a M‑GbR possa ter prestado serviços de distribuição ou de promoção à Y, conforme referidos no artigo 30.o‑B, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, os quais estão sujeitos a IVA.

27      Nestas circunstâncias, o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1.      Existe um vale de finalidade única, na aceção do artigo 30.o‑A, n.o 2, da Diretiva IVA, quando:

—      o lugar da prestação de serviços a que o vale diz respeito é conhecido, na medida em que esses serviços devem ser prestados a consumidores finais no território de um Estado‑Membro,

—      mas a ficção do artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro período do primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, segundo a qual a cessão do vale entre sujeitos passivos para a prestação do serviço a que o vale diz respeito configura uma prestação de serviços, é igualmente considerada uma prestação de serviços no território de outro Estado‑Membro?

2.      Em caso de resposta negativa à primeira questão (e estando em causa, portanto, no presente litígio, um vale de finalidade múltipla): o artigo 30.o‑B, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, segundo o qual a prestação efetiva dos serviços em troca de um vale de finalidade múltipla aceite como contraprestação ou parte da contraprestação pelo fornecedor está sujeita a IVA por força do artigo 2.o da Diretiva IVA, considerando‑se que cada cessão anterior desse vale de finalidade múltipla não está sujeita a IVA, opõe‑se a uma obrigação fiscal estabelecida de outro modo (Acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de maio de 2012, Lebara, C‑520/10, EU:C:2012:264)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 30.o‑A e o artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que a qualificação de um vale como «vale de finalidade única», na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 2, desta diretiva, depende do facto de, no momento da emissão desse vale, ser conhecido o lugar da prestação de serviços destinada aos consumidores finais a que o referido vale se refere, ainda que, por força do artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva, as cessões sucessivas desse vale entre sujeitos passivos que atuam em seu próprio nome e estão estabelecidos no território de Estados‑Membros diferentes daquele em que se encontram esses consumidores finais deem lugar a prestações de serviços realizadas no território desses outros Estados‑Membros.

29      Importa recordar, a título preliminar, que nem a Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1), nem a Diretiva 2006/112, na versão anterior às alterações resultantes da Diretiva 2016/1065, previam disposições específicas, para efeitos da cobrança do IVA, que regulassem as operações sujeitas a este imposto em que fossem utilizados vales.

30      Como sublinham os considerandos 1 a 3 da Diretiva 2016/1065, foi para remediar a diversidade das soluções adotadas pelos Estados‑Membros, suscetíveis, nomeadamente, de criar situações de dupla tributação ou de não tributação e tendo em vista as novas regras respeitantes ao lugar das prestações de serviços de telecomunicações, de radiodifusão e televisão e de serviços prestados por via eletrónica, que são aplicáveis desde 1 de janeiro de 2015, que o legislador da União adotou esta diretiva, que altera a Diretiva 2006/112, ao inserir no texto desta última, nomeadamente, os artigos 30.o‑A e 30.o‑B, aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2019, com o objetivo de clarificar o tratamento em sede de IVA dos vales.

31      Assim, o artigo 30.o‑A, ponto 1, da Diretiva IVA define o vale, para efeitos desta diretiva, como sendo «um instrumento em que existe a obrigação de o aceitar como contraprestação ou parte da contraprestação por uma entrega de bens ou prestação de serviços e em que os bens a entregar ou os serviços a prestar ou a identidade dos potenciais fornecedores ou prestadores estão indicados no próprio instrumento ou em documentação relacionada, incluindo os termos e condições de utilização de tal instrumento».

32      No caso em apreço, a primeira questão prejudicial assenta na premissa de que os cartões pré‑pagos X‑Cards emitidos pela Y, em conformidade com as condições de utilização fixadas por esta, e que ostentam o identificador do país em que o consumidor final pode comprar os conteúdos digitais comercializados na loja X, gerida pela Y, correspondem a esta definição de vale. Nenhum dos interessados que apresentou observações escritas no Tribunal de Justiça põe em causa esta premissa do reenvio prejudicial, que deve ser tida em conta.

33      No entanto, o artigo 30.o‑A, pontos 2 e 3, da Diretiva IVA distingue e define dois tipos de vales, a saber, os vales «de finalidade única» e os «de finalidade múltipla».

34      Nos termos do ponto 3 deste artigo 30.o‑A, o «vale de finalidade múltipla» é o vale que não seja um vale de finalidade única. O conceito de «vale de finalidade múltipla» reveste, assim, um alcance residual de modo que, para determinar se um dado instrumento está abrangido por um ou outro dos conceitos, há que verificar, antes de mais, se esse instrumento corresponde à definição de «vale de utilização única» (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2022, DSAB Destination Stockholm, C‑637/20, EU:C:2022:304, n.o 28).

35      Em conformidade com o artigo 30.o‑A, ponto 2, desta diretiva, o «vale de finalidade única» é «um vale em que o lugar da entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale diz respeito e o IVA devido sobre esses bens ou serviços são conhecidos no momento da emissão do vale». Resulta da própria redação desta disposição que estão abrangidos por este conceito os vales cujo tratamento fiscal possa ser determinado no momento da sua emissão.

36      A qualificação de um vale como «vale de finalidade única» assenta, assim, no preenchimento de dois requisitos cumulativos existentes «no momento da emissão» do vale. Por um lado, o lugar da entrega dos bens ou da prestação de serviços a que o vale diz respeito e, por outro, o IVA devido sobre esses bens ou serviços devem ser conhecidos nesse momento. Em contrapartida, quando o tratamento fiscal de um vale não possa ser determinado a partir do momento da emissão do vale, este não pode ser qualificado como «vale de finalidade única», na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 2, da Diretiva IVA.

37      Em conformidade com o artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, cada cessão de um vale de finalidade única efetuada por um sujeito passivo que atua em nome próprio é considerada uma entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale diz respeito. A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca de um vale de finalidade única aceite pelo fornecedor ou prestador como contraprestação ou parte da contraprestação não é considerada uma operação independente.

38      O objeto deste artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, consiste, assim, em fixar regras de tributação específicas quando um vale de finalidade única seja objeto de uma ou mais cessões entre sujeitos passivos que atuem em seu próprio nome, incluindo, como indicam os considerandos 8 e 9 da Diretiva 2016/1065, no momento da emissão desse vale de finalidade única, não sendo consideradas uma operação distinta dessas cessões para efeitos de IVA a entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca desse vale pelo consumidor final.

39      Ora, resulta claramente da redação desta disposição que a mesma só se aplica aos instrumentos que correspondem, para efeitos da Diretiva IVA, à definição de «vales de finalidade única», conforme resulta do artigo 30.o‑A, ponto 2, desta diretiva.

40      Por conseguinte, a aplicação das disposições do artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva não pode pôr em causa os requisitos enunciados no artigo 30.o‑A, ponto 2, da mesma, conforme recordados no n.o 36 do presente acórdão, que levam a qualificar um instrumento como «vale de utilização única» no momento da sua emissão.

41      Esta apreciação é corroborada pelos objetivos prosseguidos pelos artigos 30.o‑A e 30.o‑B da Diretiva IVA, que consistem, nomeadamente, em garantir um tratamento uniforme dos vales, evitar incoerências, dupla tributação ou não tributação desses instrumentos e assimetrias de tratamento dos vales fornecidos entre Estados‑Membros em relação ao IVA, como sublinham, respetivamente, os considerandos 2 e 3 da Diretiva 2016/1065.

42      Com efeito, se estivesse excluído que um vale pudesse ser qualificado como «vale de finalidade única» por ser objeto de cessões sucessivas entre sujeitos passivos que atuam em nome próprio e estão estabelecidos num ou em vários Estados‑Membros que não aquele em cujo território esse vale é trocado pelo consumidor final contra a entrega material do bem ou a prestação efetiva do serviço a que se refere, nenhum dos objetivos acima referidos seria alcançado, uma vez que diferenças de tratamento desses vales perdurariam consoante fossem comercializados no quadro de uma cadeia de distribuição transfronteiriça ou num único Estado‑Membro.

43      De resto, uma interpretação do artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA que tomasse em consideração as cessões entre os sujeitos passivos referidos no número anterior do presente acórdão para efeitos da determinação do lugar da entrega do bem ou da prestação de serviços, na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 2, desta diretiva, poderia tornar quase impossível a qualificação de qualquer vale como vale de finalidade única e, por conseguinte, privaria esta disposição de uma grande parte do seu efeito útil.

44      Daqui resulta que, como alegaram, em substância, o Governo Alemão e a Comissão Europeia nas suas observações escritas, a aplicação do artigo 30.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA não afeta os requisitos que qualificam, por força do artigo 30.o‑A, ponto 2, desta diretiva, um vale como «vale de finalidade única», na aceção desta última disposição.

45      Quanto à qualificação, no processo principal, de um X‑Card como «vale de finalidade única», embora seja da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre essa qualificação em função das circunstâncias concretas do caso no processo principal, também é certo que o Tribunal de Justiça tem competência para inferir das disposições da referida diretiva, neste caso, do seu artigo 30.o‑A, ponto 2, os critérios que aquele órgão jurisdicional pode ou deve aplicar para esse efeito (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Banif Plus Bank, C‑312/14, EU:C:2015:794, n.o 51).

46      Além disso, nada impede que um órgão jurisdicional nacional peça ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa qualificação, sem prejuízo de, à luz de todos os elementos dos autos de que dispõe, o órgão jurisdicional nacional proceder ao apuramento e à apreciação dos factos necessários a essa qualificação (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, BMW Bank e o., C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21, EU:C:2023:1014, n.o 128 e jurisprudência referida).

47      Quanto ao primeiro requisito, enunciado no artigo 30.o‑A, ponto 2, da Diretiva IVA, segundo o qual o lugar da entrega dos bens ou da prestação de serviços a que o vale diz respeito deve ser conhecido no momento da emissão deste, tendo em conta as condições de utilização dos X‑Cards, nomeadamente o identificador do Estado‑Membro no qual esses cartões devem ser utilizados, aposto nesses cartões, as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e o disposto no artigo 58.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, afigura‑se que, no momento da emissão desses vales, o lugar onde os conteúdos digitais são fornecidos ao consumidor final em contrapartida dos X‑Cards vendidos pela M‑GbR se situa na Alemanha.

48      A este respeito, importa precisar que, para a análise deste primeiro requisito, não pode ser tida em conta a circunstância, exposta pela M‑GbR no órgão jurisdicional de reenvio, de os consumidores finais, residentes fora do território alemão, utilizarem X‑Cards, comprados à M‑GbR com o identificador «país» DE, em violação dos requisitos de utilização desses cartões, com vista a obter vantagens em termos de preços.

49      Com efeito, a qualificação adequada de uma operação para efeitos de IVA não pode, obviamente, depender de eventuais práticas abusivas.

50      Afigura‑se, portanto — o que, em todo o caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar — que o primeiro dos requisitos previstos no artigo 30.o‑A, ponto 2, da Diretiva IVA está preenchido.

51      Quanto ao segundo requisito previsto na referida disposição, as informações prestadas no pedido de decisão prejudicial não permitem determinar se o IVA devido sobre os diferentes conteúdos digitais que podem ser obtidos em troca dos X‑Cards é conhecido no momento da sua emissão.

52      Embora seja verdade que nenhum elemento do processo principal permite pressupor a existência de uma incerteza quanto ao IVA devido sobre esses diferentes conteúdos, e que a Comissão considera que os referidos conteúdos, aos quais os X‑Cards vendidos pela M‑GbR na Alemanha dão acesso, devem ser entendidos como estando sujeitos à mesma taxa e ao mesmo tratamento em matéria de IVA, caberá, em todo o caso, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este segundo requisito está preenchido.

53      No caso de a prestação de serviços realizada em troca de um X‑Card estar sujeita à mesma matéria coletável e à mesma taxa de IVA na Alemanha, independentemente do conteúdo digital obtido, o órgão jurisdicional de reenvio estará, por conseguinte, em condições de verificar se esse instrumento preenche o segundo requisito previsto no artigo 30.o‑A, ponto 2, da Diretiva IVA e, por conseguinte, tendo igualmente em conta o facto de o mesmo instrumento preencher o primeiro requisito previsto nesta disposição, deve ser qualificado como «vale de finalidade única».

54      Em contrapartida, se os conteúdos digitais que um consumidor final pode obter em troca de um X‑Card estiverem sujeitos a regras de matéria coletável ou a taxas de IVA diferentes nesse Estado‑Membro, esse órgão jurisdicional deverá declarar que, no momento da emissão de um X‑Card, é impossível prever qual o IVA aplicável aos conteúdos digitais, escolhidos pelo consumidor final, como contraprestação por esse vale. Neste caso, fica excluída a qualificação dos X‑Cards como «vales de finalidade única» (v., por analogia, Acórdão de 28 de abril de 2022, DSAB Destination Stockholm, C‑637/20, EU:C:2022:304, n.os 30 e 31).

55      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 30.o‑A e o artigo 30.o‑B, n.o 1, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que a qualificação de um vale como «vale de finalidade única», na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 2, desta diretiva, depende apenas do preenchimento dos requisitos previstos nesta disposição, que incluem o requisito de o lugar da prestação de serviços destinada aos consumidores finais, a que o referido vale se refere, dever ser conhecido no momento da emissão desse vale, independentemente de este último ser objeto de cessões entre sujeitos passivos que atuam em seu próprio nome e estão estabelecidos no território de Estados‑Membros diferentes daquele em que se encontram esses consumidores finais.

 Quanto à segunda questão

56      Com a sua segunda questão, submetida apenas para o caso de vales como os que estão em causa no litígio no processo principal serem qualificados como «vales de finalidade múltipla», na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 3, da Diretiva IVA, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 30.o‑B, n.o 2, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que, embora a cessão de «vales de finalidade múltipla» não deva estar sujeita a IVA, em conformidade com o primeiro parágrafo desta disposição, o pagamento do IVA pode, no entanto, ser exigido por outro fundamento, em aplicação do segundo parágrafo da referida disposição.

57      Há que recordar que, em conformidade com o artigo 30.o‑B, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, o IVA é aplicado à entrega material dos bens ou à prestação efetiva dos serviços em troca de um «vale de finalidade múltipla» aceite pelo seu fornecedor ou pelo seu prestador, de modo que este imposto não incida sobre as cessões desse vale que tenham lugar antes de este ser trocado pelo consumidor final como contraprestação desses bens ou serviços.

58      Com efeito, uma vez que a natureza dos bens ou dos serviços a que o «vale de finalidade múltipla» se refere e que serão escolhidos pelo consumidor final não é conhecida no momento da emissão de um vale desse tipo, o IVA devido sobre esses bens ou serviços não pode ser determinado com segurança nesse momento. Por conseguinte, só no momento da troca desse vale por esses bens ou serviços é que o IVA é conhecido e pode ser devidamente aplicado.

59      No entanto, quando um vale de finalidade múltipla é objeto de uma ou mais cessões, no âmbito de uma cadeia de distribuição que se estende pelo território de vários Estados‑Membros, antes da sua troca pelo consumidor final, coloca‑se a questão de saber se a contraprestação recebida em cada cessão desse vale entre sujeitos passivos deve ser sujeita a IVA enquanto contraprestação de um serviço distinto da troca do referido vale por bens ou serviços.

60      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 30.o‑B, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, caso a cessão de um vale de finalidade múltipla seja efetuada por um sujeito passivo diferente do sujeito passivo que efetua a entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços ao consumidor final, qualquer prestação de serviços que possa ser identificada, tais como serviços de distribuição ou de promoção, está sujeita a IVA.

61      Por outro lado, segundo o artigo 73.o‑A desta diretiva, «[…], o valor tributável da […] prestação de serviços em relação a um vale de finalidade múltipla é igual à contraprestação paga pelo vale ou, na ausência de informação quanto a essa contraprestação, ao valor monetário indicado no próprio vale de finalidade múltipla ou em documentação relacionada, deduzido o montante do IVA relativo […] aos serviços prestados».

62      O artigo 30.o‑B, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, conjugado com o artigo 73.o‑A desta diretiva, visa assim, nomeadamente, evitar a não tributação de serviços de distribuição ou de promoção, em conformidade com os objetivos da Diretiva IVA, assegurando que o IVA seja cobrado sobre qualquer margem de lucro (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral T. Cápeta no processo DSAB Destination Stockholm, C‑637/20, EU:C:2022:131, n.os 71 a 75).

63      Daqui resulta que, no que respeita aos X‑Cards, desde que esses instrumentos sejam qualificados como «vales de finalidade múltipla», na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 3, da Diretiva IVA, não se pode excluir que, no momento da revenda desses vales, a M‑GbR possa realizar uma prestação de serviços distinta, como uma prestação de serviços de distribuição ou de promoção a favor do sujeito passivo que, como contraprestação dos vales, fornece efetivamente conteúdos digitais ao consumidor final. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, tendo em conta todas as circunstâncias do processo principal, as operações da M‑GbR devem ser qualificadas como tal para efeitos de IVA.

64      Esta interpretação das disposições da Diretiva IVA não colide com o Acórdão de 3 de maio de 2012, Lebara (C‑520/10, EU:C:2012:264), ao qual o órgão jurisdicional de reenvio faz referência, que tinha por objeto o tratamento fiscal de cartões pré‑pagos de serviços de telecomunicações e cuja solução não é relevante para a resposta a dar à presente questão. Com efeito, como resulta, em especial, do n.o 28 deste acórdão, o alcance do referido acórdão está claramente circunscrito à situação que estava em causa nesse processo, de resto anterior às disposições da Diretiva IVA inseridas pela Diretiva 2016/1065, que dizia respeito a serviços e a um IVA já identificados no momento da emissão dos referidos cartões pré‑pagos. Por conseguinte, o mesmo acórdão tem por objeto instrumentos que importa agora, sob a égide das atuais disposições da Diretiva IVA, qualificar como «vales de finalidade única».

65      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 30.o‑B, n.o 2, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a revenda por um sujeito passivo de «vales de finalidade múltipla», na aceção do artigo 30.o‑A, ponto 3, desta diretiva, pode ser sujeita a IVA, desde que seja qualificada como prestação de serviços em benefício do sujeito passivo que efetua, como contraprestação por esses vales, a entrega material dos bens ou presta efetivamente os serviços ao consumidor final.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 30.oA e o artigo 30.oB, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017

devem ser interpretados no sentido de que:

a qualificação de um vale como «vale de finalidade única», na aceção do artigo 30.oA, ponto 2, da Diretiva 2006/112, conforme alterada, depende apenas do preenchimento dos requisitos previstos nesta disposição, que incluem o requisito de o lugar da prestação de serviços destinada aos consumidores finais, a que o referido vale se refere, dever ser conhecido no momento da emissão desse vale, independentemente de este último ser objeto de cessões entre sujeitos passivos que atuam em seu próprio nome e estão estabelecidos no território de EstadosMembros diferentes daquele em que se encontram esses consumidores finais.

2)      O artigo 30.oB, n.o 2, da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2017/2455,

deve ser interpretado no sentido de que:

a revenda por um sujeito passivo de «vales de finalidade múltipla», na aceção do artigo 30.oA, ponto 3, da Diretiva 2006/112, conforme alterada, pode ser sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado, desde que seja qualificada como prestação de serviços em benefício do sujeito passivo que efetua, como contraprestação por esses vales, a entrega material dos bens ou presta efetivamente os serviços ao consumidor final.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.