Language of document : ECLI:EU:T:2009:519

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

17 de Dezembro de 2009 (*)

«Concorrência – Abuso de posição dominante – Mercado do carbonato de sódio na Comunidade (com excepção do Reino Unido e da Irlanda) – Decisão que dá por provada uma infracção ao artigo 82.° CE – Acordos de abastecimento de duração excessivamente longa – Desconto de fidelidade – Prescrição do poder da Comissão de aplicar coimas ou sanções – Prazo razoável – Formalidades essenciais – Mercado geográfico relevante – Existência da posição dominante – Exploração abusiva da posição dominante – Direito de acesso ao processo – Coima – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias agravantes – Reincidência – Circunstâncias atenuantes»

No processo T‑57/01,

Solvay SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por L. Simont, P.‑A. Foriers, G. Block, F. Louis e A. Vallery, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Oliver e J. Currall, na qualidade de agentes, assistidos por N. Coutrelis, advogado,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 2003/6/CE da Comissão, de 13 de Dezembro de 2000, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] (COMP/33.133‑C: Carbonato de sódio – Solvay) (JO 2003, L 10, p. 10), e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: A. W. H. Meij, presidente, V. Vadapalas (relator) e A. Dittrich, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Junho de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A recorrente, Solvay SA, é uma sociedade de direito belga, com actividade nos sectores da farmácia, da química, do plástico e da transformação. Produz carbonato de sódio, entre outros.

2        O carbonato de sódio encontra‑se na natureza sob a forma de minério de trona (sódio natural) ou é obtido por processo químico (sódio sintético). O sódio natural é obtido pela trituração, purificação e calcinação do minério de trona. O sódio sintético resulta da reacção do sal comum e da pedra calcária pelo processo «amónia – sódio», criado pelos irmãos Solvay em 1863.

3        Em 7 de Fevereiro de 1978, a recorrente celebrou com três fabricantes de vidro belgas, os seus três principais clientes tradicionais na Bélgica, contratos «relativos às necessidades totais», por um período de cinco anos, que incluíam cláusulas de alinhamento de preços.

4        Essas convenções deram origem a um processo judicial intentado por um produtor americano de carbonato de sódio nos tribunais belgas. Por acórdão de 20 de Outubro de 1989, a cour d’appel de Liège, após remessa da Cour de cassation, julgou improcedente a acção.

5        Paralelamente, a Comissão das Comunidades Europeias abriu um procedimento nos termos do artigo 81.° CE. Por ofício de 21 de Outubro de 1980, comunicou à recorrente os elementos das convenções que considerava discutíveis à luz do direito comunitário da concorrência. Indicou nomeadamente que não podia aceitar acordos do tipo «relativos às necessidades totais» ou «percentagem das necessidades totais», mas que autorizava contratos do tipo «tonelagem» desde que deixassem ao cliente a liberdade de se abastecer noutros produtores em parte não negligenciável das suas necessidades. A Comissão fixou a duração dos contratos de abastecimento em dois anos, no máximo, e deixou para posterior apreciação a cláusula de concorrência.

6        Em 16 de Dezembro de 1980, a recorrente transmitiu à Comissão um projecto de carta a enviar às suas direcções nacionais, para estas adoptarem contratos do tipo «tonelagem» de acordo com certas directrizes que levavam em conta as observações da Comissão.

7        Por ofício de 2 de Fevereiro de 1981, a Comissão informou a recorrente de que as directrizes contidas no projecto de carta de 16 de Dezembro de 1980 estavam em conformidade com os seus pedidos de modificação dos contratos de abastecimento em carbonato de sódio. Emitiu, porém, reservas sobre a cláusula de concorrência, denominada «cláusula inglesa», e pediu a modificação dos contratos celebrados com os três fabricantes de vidro belgas.

8        Segundo as observações da Comissão relativas à cláusula de concorrência, a recorrente adaptou o projecto de carta e, em 19 de Fevereiro de 1981, remeteu uma carta às suas várias direcções nacionais convidando‑as a modificar os seus contratos de tonelagem com a indústria vidreira em face dos reparos da Comissão. Por carta de 29 de Outubro de 1981, a recorrente informou a Comissão do estado das negociações com a indústria vidreira no sentido de os contratos existentes passarem a estar em conformidade com as exigências do direito comunitário da concorrência.

9        Nestas circunstâncias, a Comissão decidiu encerrar o procedimento aberto nos termos do artigo 81.° CE. Publicou também um comunicado de imprensa em 5 de Fevereiro de 1982, onde indicava que, no sector do carbonato de sódio, a recorrente tinha modificado os seus contratos de abastecimento a fim de estes passarem a estar em conformidade com o direito comunitário da concorrência.

10      À época dos factos ora em causa, a recorrente tinha actividade no sector do carbonato de sódio, por meio de unidades de comercialização estabelecidas em nove países europeus, a saber, Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Itália, Países Baixos, Portugal e Suíça. Tinha também unidades de produção na Alemanha, na Áustria, na Bélgica, em Espanha, em França, na Itália e em Portugal.

11      Em 1987, a capacidade total de produção da recorrente representava cerca de 4 milhões de toneladas e a sua produção na Europa era de cerca de 3,7 milhões de toneladas.

12      Por telecópia enviada em 2 de Novembro de 1988, não datada nem assinada, mas com o cabeçalho da recorrente e dirigida à Comissão, indica‑se que, em 1988, a capacidade de produção mundial de carbonato de sódio era da ordem dos 37 milhões de toneladas, sendo o consumo mundial de carbonato de sódio da ordem dos 31 milhões de toneladas.

13      Em 1988, a recorrente detinha, nomeadamente, 52,5% do mercado alemão, 96,9% do mercado austríaco, 82% do mercado belga, 99,6% do mercado espanhol, 54,9% do mercado francês, 95% do mercado italiano, 14,7% do mercado neerlandês, 100% do mercado português e 76,1% do mercado suíço.

14      Em 1989, o consumo de carbonato de sódio na Comunidade Europeia era de cerca de 5,5 milhões de toneladas, com um valor de mercado de cerca de 900 milhões de ecus.

15      Além da recorrente, os produtores comunitários eram, no período entre 1987 e 1989, as sociedades Imperial Chemical Industries (a seguir «ICI»), Rhône‑Poulenc, AKZO, Matthes & Weber e a sociedade Chemische Fabrik Kalk (a seguir «CFK»), filial da Kali & Salz, pertencente ao grupo BASF.

16      A recorrente tinha por clientes empresas dos sectores do vidro, da química e da metalurgia. À época dos factos controvertidos, o seu maior cliente era a Saint‑Gobain SA e as outras sociedades do mesmo grupo (a seguir «grupo Saint‑Gobain»), não só em carbonato de sódio mas também em todas as actividades da recorrente. Esse grupo tinha filiais em vários Estados da Europa Ocidental, que se abasteciam em carbonato de sódio junto das direcções nacionais da recorrente.

17      Em 1988, as importações provenientes dos países da Europa de Leste, tributadas com direitos antidumping na entrada na Comunidade, representavam, nomeadamente, 8,1% do mercado alemão, 2% do mercado austríaco, 2,1% do mercado belga, 1,4% do mercado francês e 3% do mercado italiano.

18      As importações provenientes dos Estados Unidos eram também tributadas com direitos antidumping, sendo algumas importações, porém, efectuadas no regime de aperfeiçoamento activo. Em 1988, as importações de carbonato de sódio americano representavam 2,4% do mercado belga, 0,9% do mercado francês, 3% do mercado neerlandês e não cobriam o mercado alemão.

19      Em 5 de Abril de 1989, a Comissão adoptou uma decisão de proceder a inspecções junto da AZKO, da CFK, da ICI, da Matthes & Weber, da Rhône‑Poulenc e da Solvay, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho (Processo IV/33.133) (a seguir «decisão de inspecção»), que continha as seguintes considerações:

«[Considerando que] as informações obtidas pela Comissão revelam que o mercado do carbonato de sódio denso na [Comunidade] está rigorosamente dividido pelas fronteiras nacionais, limitando cada produtor, em princípio, as suas vendas na Comunidade ao seu mercado ‘local’, isto é, no Estado‑Membro ou Estados‑Membros do local dos deus próprios centros de produção;

[q]ue a Solvay, com sete fábricas instaladas na [Comunidade], é o único produtor que fornece a maior parte dos Estados‑Membros e que não fornece nada no Reino Unido nem na República da Irlanda, que são os territórios reservados à ICI;

[q]ue a ICI não parece fornecer na [Comunidade] fora do seu mercado local, constituído pelo Reino Unido e Irlanda, e os outros produtores parecem igualmente confinar os seus fornecimentos aos seus mercados nacionais tradicionais;

[q]ue segundo as informações de que dispõe a Comissão existem tabelas de preços diferentes para cada Estado‑Membro, mas os compradores só se abastecem junto do produtor nacional, uma vez que os produtores não desejam vender nos mercados nacionais de outros produtores;

[q]ue além disso, nos Estados‑Membros em que existem vários produtores, estes aplicam tabelas de preços idênticas e praticam subidas de preços quase concomitantes e uniformes;

[q]ue é necessário determinar se a aparente rigidez do mercado na [Comunidade] e a aparente falta de concorrência [são] o resultado de acordos ou de práticas concertadas entre os produtores, na acepção do artigo [81.° CE];

[q]ue é ainda necessário determinar se existem acordos passíveis de cair sob a alçada do artigo [81.° CE] aplicáveis ao carbonato de sódio leve, igualmente fabricado pelos seis produtores;

[q]ue qualquer acordo ou prática concertada que inclua a compartimentação dos mercados nacionais e/ou a concertação nos preços podem constituir infracções graves ao artigo [81.° CE] e que a sua própria natureza deixa perceber que são aplicados segundo modalidades extremamente secretas;

[q]ue para permitir que a Comissão tome conhecimento de todos os elementos de facto relativos a eventuais acordos ou práticas concertadas e a identidade das partes envolvidas impõe‑se uma decisão que obrigue as empresas a submeterem‑se a uma inspecção nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 [...]»

20      Em face destas considerações, o artigo 1.° da decisão de inspecção refere que a recorrente e as suas filiais alemãs e espanholas «tinham de se submeter a uma inspecção sobre a sua […] eventual participação em acordos ou práticas concertadas contrários ao artigo [81.° CE] que tenham por efeito uma compartimentação dos mercados nacionais e uma concertação de preços do carbonato de sódio [e sobre] a aplicação de acordos de compra exclusivos com compradores que possam restringir ou eliminar a concorrência e reforçar a rigidez do mercado do carbonato de sódio na [Comunidade]».

21      Com base na decisão de inspecção, a Comissão procedeu a inspecções junto dos diversos produtores de carbonato de sódio estabelecidos na Comunidade. Apreendeu vários documentos nas instalações das empresas em causa.

22      Em 21 de Junho de 1989, a Comissão dirigiu à recorrente um pedido de informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), na versão aplicável à data dos factos, depois, em 8 de Julho de 1989, um pedido de informações à sua filial alemã, simultaneamente relativos ao artigo 81.° CE e ao artigo 82.° CE.

23      Em 19 de Fevereiro de 1990, a Comissão abriu oficiosamente um processo contra a recorrente, a ICI e a CFK, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17.

24      Em 13 de Março de 1990, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações à recorrente, à ICI e à CFK. Cada uma delas recebeu unicamente as partes da comunicação de acusações relativas às infracções a ela respeitantes, às quais eram juntas as respectivas provas acusatórias.

25      A Comissão constituiu um processo único para todas as infracções abrangidas pela comunicação de acusações.

26      No que respeita ao presente processo, a Comissão concluiu, sob o título IV com a epígrafe «Solvay» da comunicação de acusações, que a recorrente tinha abusado da posição dominante que detinha no mercado do carbonato de sódio na Europa Ocidental continental.

27      Em 28 de Maio de 1990, a recorrente apresentou as suas observações escritas em resposta às acusações da Comissão.

28      Em 19 de Dezembro de 1990, a Comissão adoptou a Decisão 91/299/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (IV/33.133‑C: Carbonato de sódio – Solvay) (JO 1991, L 152, p. 21). Nesta decisão, notificada à recorrente por ofício de 1 de Março de 1991, a Comissão deu por provado que «[a recorrente tinha violado] o disposto no artigo [82.° CE] a partir aproximadamente de 1983 até ao presente através de um comportamento destinado a excluir ou a limitar significativamente a concorrência e que consistia [na] conclusão de acordos com os clientes com a obrigação por parte destes de [lhe] comprarem a totalidade, ou uma grande percentagem, das quantidades necessárias à satisfação das suas necessidades em carbonato de sódio […] durante um período indeterminado ou excessivamente longo; [na] concessão de grandes descontos e de outros incentivos financeiros relativos a uma tonelagem marginal que exceda a tonelagem contratual de base do cliente, com o objectivo de assegurar que este [lhe compraria] a totalidade, ou a quase totalidade, das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades […]; [e em] fazer depender a concessão dos descontos da condição de o cliente acordar em comprar[‑lhe] a totalidade das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades […].

29      Nos termos do artigo 3.° da Decisão 91/299, «[é] imposta à [recorrente] uma coima de 20 milhões de ecus na sequência da infracção […]».

30      Na mesma data, a Comissão adoptou também a Decisão 91/297/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/33.133‑A: Carbonato de sódio –Solvay, ICI) (JO 1991, L 152, p. 1), onde dava por provado que «[a recorrente] e a [ICI tinham violado] o disposto no artigo [81.° CE] ao participarem desde 1 de Janeiro de 1973, e pelo menos até ao início do presente processo, num acordo e/ou prática concertada através do qual limitaram as suas vendas de carbonato de sódio na CEE aos respectivos mercados internos, nomeadamente, à Europa Ocidental [c]ontinental quanto à [recorrente] e ao Reino Unido e à Irlanda, quanto à ICI». A recorrente e a ICI foram condenadas numa coima de sete milhões de ecus, respectivamente.

31      Nessa mesma data, a Comissão adoptou ainda a Decisão 91/298/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/33.133‑B: Carbonato de sódio – Solvay, CFK) (JO 1991, L 152, p. 16), onde dava por provado que «[a recorrente] e a [CFK tinham violado] o disposto no artigo [81.° CE] ao participarem desde mais ou menos 1987 até ao presente num acordo de repartição do mercado, nos termos do qual a [recorrente] garantia à CFK uma tonelagem mínima de vendas anuais de carbonato de sódio na Alemanha, calculada em função das vendas realizadas pela CFK em 1986, e compensava a CFK por qualquer défice através da aquisição junto desta das tonelagens necessárias para que o nível das suas vendas se situasse ao nível do mínimo garantido». A recorrente e a CFK foram condenadas numa coima, respectivamente, de três milhões e de um milhão de ecus.

32      Ainda na mesma data, a Comissão adoptou a Decisão 91/300/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (IV/33.133‑D: Carbonato de sódio – ICI) (JO 1991, L 152, p. 40), onde deu por provado que «[a ICI tinha violado] o disposto no artigo [82.° CE] desde aproximadamente 1983 até ao presente através de um comportamento destinado a excluir ou a limitar seriamente a concorrência e que consistiu [em conceder] grandes descontos e outros incentivos financeiros relativos à tonelagem marginal com o objectivo de levar os clientes a comprarem à ICI a totalidade, ou a quase totalidade, das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades; [a]ssegurar o acordo por parte dos clientes de que comprariam a totalidade, ou a quase totalidade, das quantidades necessárias à satisfação das suas necessidades à ICI e/ou limitariam as suas compras de material a concorrentes a uma tonelagem específica [e, pelo] menos num caso, fazer depender a concessão dos descontos e de outros benefícios financeiros da condição de o cliente acordar em comprar à ICI a totalidade das quantidades necessárias à satisfação das suas necessidades». A ICI foi condenada numa coima de dez milhões de ecus.

33      Em 2 de Maio de 1991, a recorrente interpôs no Tribunal Geral um recurso de anulação da Decisão 91/299. Na mesma data, pediu igualmente a anulação das Decisões 91/297 e 91/298. Em 14 de Maio de 1991, a ICI pediu a anulação das Decisões 91/297 e 91/300.

34      Por acórdão de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão (T‑32/91, Colect., p. II‑1825, a seguir «acórdão Solvay III»), o Tribunal Geral anulou a Decisão 91/299, pelo facto de a autenticação da decisão ter sido efectuada depois da sua notificação, o que constituía uma preterição de uma formalidade essencial, na acepção do artigo 230.° CE.

35      Na mesma data, o Tribunal Geral anulou, na parte relativa à recorrente, também a Decisão 91/298 (acórdão Solvay/Comissão, T‑31/91, não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão Solvay II») e a Decisão 91/300 (acórdão ICI/Comissão, T‑37/91, Colect., p. II‑1901, a seguir «acórdão ICI II») devido à irregular autenticação das decisões recorridas. Por outro lado, o Tribunal Geral anulou a Decisão 91/297 (acórdãos Solvay/Comissão, T‑30/91, Colect., p. II‑1775, a seguir «acórdão Solvay I», e ICI/Comissão, T‑36/91, Colect., p. II‑1847, a seguir «acórdão ICI I»), na parte relativa às recorrentes nesses dois processos, por violação do direito de acesso ao processo.

36      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Agosto de 1995, a Comissão recorreu dos acórdãos Solvay II, referido no n.° 35 supra, Solvay III, referido no n.° 34 supra, e ICI II, referido no n.° 35 supra.

37      Por acórdãos de 6 de Abril de 2000, Comissão/ICI (C‑286/95 P, Colect., p. I‑2341), e Comissão/Solvay (C‑287/95 P e C‑288/95 P, Colect., p. I‑2391), o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos interpostos dos acórdãos ICI II, referido no n.° 35 supra, Solvay II, referido no n.° 35 supra, e Solvay III, referido no n.° 34 supra.

38      Na terça‑feira, 12 de Dezembro de 2000, uma agência noticiosa publicou um comunicado de imprensa com o seguinte teor:

«A Comissão Europeia aplicará uma coima às sociedades da indústria química Solvay SA e Imperial Chemical Industries plc [...] quarta‑feira, por violação do direito da concorrência da União Europeia, declarou um porta‑voz esta terça‑feira.

As coimas pelo alegado abuso de posição dominante no mercado do carbonato de sódio tinham sido aplicadas originariamente há dez anos, tendo, porém, sido anuladas pelo mais alto Tribunal de Justiça europeu, por razões processuais.

A Comissão adoptará novamente a mesma decisão na quarta‑feira, mas da forma correcta, declarou o porta‑voz.

A substância da decisão nunca foi impugnada pelas sociedades. Adoptaremos a mesma decisão, declarou.»

39      Em 13 de Dezembro de 2000, a Comissão adoptou a Decisão 2003/6/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] (COMP/33.133‑C: Carbonato de sódio – Solvay) (JO 2003, L 10, p. 10, a seguir «decisão recorrida»).

40      Na mesma data, a Comissão adoptou as Decisões 2003/5/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (COMP/33.133‑B: Carbonato de sódio – Solvay, CFK) (JO 2003, L 10, p. 1), e 2003/7/CE, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] (COMP/33.133‑D: Carbonato de sódio – ICI) (JO 2003, L 10, p. 33).

41      A decisão recorrida contém o seguinte dispositivo:

«Artigo 1.°

A Solvay […] violou o disposto no artigo [82.° CE] desde 1983 até aos finais de 1990, aproximadamente, através de um comportamento destinado a excluir ou a limitar seriamente a concorrência e que consistiu:

a)      Na conclusão de acordos com os clientes com a obrigação por parte destes de comprarem a totalidade, ou uma grande percentagem, das quantidades necessárias à satisfação das suas necessidades em carbonato de sódio à Solvay durante um período indeterminado ou excessivamente longo;

b)      Na concessão de grandes descontos e de outros incentivos financeiros relativos a uma tonelagem marginal que exceda a tonelagem contratual de base do cliente, com o objectivo de assegurar que este comprará a totalidade, ou a quase totalidade, das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades à Solvay;

c)      Em fazer depender a concessão dos descontos da condição de o cliente acordar em comprar a totalidade das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades à Solvay.

Artigo 2.°

É aplicada à Solvay uma coima de 20 milhões de euros devido à infracção descrita nas alíneas b) e c) do artigo 1.°

[…]»

42      A decisão recorrida está redigida praticamente nos mesmos termos da Decisão 91/299. A Comissão unicamente introduziu algumas modificações de redacção e acrescentou uma nova parte intitulada «Processos perante o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Justiça».

43      Nessa nova parte da decisão recorrida, a Comissão, baseando‑se no acórdão do Tribunal Geral de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, a seguir «acórdão PVC II do Tribunal Geral»), considerou que tinha «o direito de adoptar novamente uma decisão que [tivesse] sido anulada por vícios meramente processuais, [...] sem dar início a um novo processo administrativo», e que «não [era] obrigada a realizar uma nova audição oral se o texto da nova decisão não [incluísse] outras objecções para além das formuladas na primeira decisão» (considerando 199).

44      A Comissão esclareceu também na decisão recorrida que o prazo de prescrição deveria ser prorrogado pelo período da pendência do recurso da Decisão 91/299 no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, de acordo com o artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41) (considerandos 204 e 205). Assim, tendo em conta as circunstâncias do caso, a Comissão considerou que tinha até Setembro de 2004 para aprovar nova decisão (considerando 207). Indicou ainda que não existia qualquer violação do direito de defesa se a nova decisão fosse aprovada num prazo razoável (considerando 199).

45      No que respeita à infracção propriamente dita, a Comissão precisou na decisão recorrida que o produto apropriado e a área geográfica em questão relativamente aos quais devia ser apreciado o poder económico da recorrente Solvay era o mercado do carbonato de sódio na Comunidade, com exclusão do Reino Unido e da Irlanda (considerando 136).

46      Para apreciar o poder da recorrente no mercado para efeitos do presente processo, a Comissão analisou os factores económicos relevantes e concluiu na decisão recorrida que, durante todo o período em causa, a recorrente tinha ocupado uma posição dominante, na acepção do artigo 82.° CE (considerandos 137 a 148).

47      Quanto ao abuso de posição dominante, a Comissão indicou na decisão recorrida que a recorrente tinha «vinculado» os seus clientes através de um certo número de mecanismos, todos eles ao serviço do mesmo objectivo de exclusão (considerando 150). A esse respeito, referiu que:

–      a recorrente tinha utilizado, desde 1982, um sistema de descontos graduais que se destinava especificamente a assegurar a fidelidade do cliente e a excluir ou a limitar a concorrência (considerandos 151 a 160);

–      a recorrente tinha celebrado um protocolo secreto com a Saint‑Gobain destinado a confirmar a sua posição enquanto fornecedor exclusivo ou quase exclusivo do grupo Saint‑Gobain na Europa Ocidental, com exclusão da França. Assim, o pagamento do desconto de «grupo» de 1,5%, calculado sobre a totalidade das compras da Saint‑Gobain na Europa, dependia de a Saint‑Gobain continuar a dar prioridade à recorrente no seu abastecimento (considerandos 161 a 165);

–      a recorrente tinha celebrado acordos de exclusividade, expressos e de facto, com alguns dos seus clientes (considerandos 166 a 176);

–      vários tipos de cláusulas de concorrência e de outros mecanismos semelhantes reforçavam o vínculo com a recorrente, limitavam a possibilidade de o cliente mudar de fornecedores e dificultavam o acesso dos concorrentes ao abastecimento dos clientes da recorrente (considerandos 177 a 180);

–      o sistema de descontos aplicado pela recorrente traduzia‑se em práticas discriminatórias (considerandos 181 a 185).

48      Nos termos da decisão recorrida, «[os] descontos de fidelidade e outros incentivos à exclusividade utilizados pela [recorrente] afectavam o comércio entre os Estados‑Membros ao reforçarem os vínculos existentes entre os clientes e o fornecedor dominante» e «[os] vários mecanismos utilizados pela [recorrente] para vincular os seus clientes tiveram por efeito reforçar a rigidez estrutural e a repartição do mercado do carbonato de sódio em função de fronteiras nacionais, tendo, pois, prejudicado ou ameaçado prejudicar a prossecução do objectivo de um mercado único entre os Estados‑Membros» (considerando 187).

49      Na decisão recorrida, a Comissão precisou que as infracções cometidas tinham sido de extrema gravidade, uma vez que a recorrente era o primeiro produtor de carbonato de sódio na Comunidade e essas infracções lhe tinham permitido consolidar o seu domínio sobre o mercado ao excluir a existência de uma concorrência efectiva numa parte substancial do mercado comum (considerando 191).

50      A Comissão indicou ainda, na decisão recorrida, que as infracções tiveram início por volta de 1983, pouco depois das negociações com a Comissão e de esta ter encerrado o processo, e continuaram, pelo menos, até finais de 1990 (considerando 195).

51      Em 13 de Dezembro de 2000, a Comissão publicou também um comunicado de imprensa em que indicava que iria adoptar decisões em que aplicaria à recorrente e à ICI coimas idênticas às inicialmente aplicadas no processo «Carbonato de sódio».

 Tramitação do processo

52      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de Março de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.

53      Na petição, a recorrente pediu que o Tribunal Geral ordenasse à Comissão a apresentação de todos os documentos do seu processo, a fim de analisar se o acesso a esses documentos no procedimento administrativo teria podido afectar o exercício dos seus direitos de defesa.

54      Em 8 de Maio de 2001, o processo foi distribuído à Quarta Secção do Tribunal Geral, tendo sido nomeado um juiz‑relator.

55      Autorizadas pelo Tribunal Geral, a recorrente e a Comissão apresentaram as suas observações, respectivamente, em 6 e 23 de Dezembro de 2002, quanto às consequências que, para o presente processo, se poderiam extrair do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, a seguir «acórdão PVC II do Tribunal de Justiça»).

56      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral a contar de 1 de Outubro de 2003, o juiz‑relator foi afectado à Primeira Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi distribuído em 8 de Outubro de 2003.

57      Em 19 de Dezembro de 2003, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar a comunicação de acusações, os respectivos anexos e uma lista enumerativa detalhada de todos os documentos do processo. Essa lista deveria conter uma indicação sucinta que permitisse identificar o autor, a natureza e o conteúdo de cada documento. O Tribunal Geral pediu ainda à Comissão que lhe indicasse a quais desses documentos tinha sido facultado acesso à recorrente no procedimento administrativo.

58      Em 13 de Fevereiro de 2004, a Comissão juntou a comunicação de acusações e respectivos anexos, bem como a lista enumerativa pedida. Pediu um prazo para responder ao último pedido do Tribunal Geral.

59      Por ofício de 10 de Março de 2004, a Comissão precisou que, no procedimento administrativo, a recorrente tinha tido acesso aos documentos de suporte da comunicação de acusações e que lhe estavam juntos. Além disso, referiu 65 «subprocessos» que compunham o processo, entre os quais se encontravam 22 «subprocessos» provenientes da sede da recorrente ou de uma das suas filiais (os «subprocessos» n.os 2 a 14, 24 a 27, 50 a 52 e 62 a 65 e uma parte do «subprocesso» n.° 61). Segundo a Comissão, o procedimento seguido em 1990 respeitava a jurisprudência existente sobre o direito de acesso ao processo. Acrescentou que, após releitura do processo instrutor, nada indicava nessa fase que os direitos de defesa tivessem sido violados no procedimento administrativo, mesmo analisando esse processo instrutor à luz da jurisprudência posterior relativa ao direito de acesso ao processo.

60      Por ofício de 21 de Junho de 2004, a Comissão enviou à Secretaria do Tribunal Geral uma lista enumerativa revista dos documentos do procedimento administrativo mais completa que a fornecida em 13 de Fevereiro de 2004. Como a anterior, essa lista enumerativa revista referia 65 «subprocessos». Enunciava também alguns documentos, na maioria provenientes da sociedade Oberland Glas.

61      Por carta de 21 de Julho de 2004, o Tribunal Geral convidou a recorrente a indicar os documentos da lista enumerativa revista que não lhe tivessem sido facultados no procedimento administrativo e que, na sua opinião, fossem susceptíveis de conter elementos que pudessem ser úteis à sua defesa.

62      Por carta de 29 de Setembro de 2004, a recorrente salientou que a lista enumerativa revista estava incompleta e era imprecisa. Indicou também quais dos documentos repertoriados nessa lista enumerativa revista lhe pareciam úteis à sua defesa e que desejaria consultar. Afirma que esses documentos lhe poderiam ter permitido desenvolver a sua argumentação quanto à definição do mercado geográfico relevante, à inexistência de posição dominante e à inexistência de abuso de posição dominante.

63      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido modificada a partir de 13 de Setembro de 2004, o juiz‑relator foi afectado à Quarta Secção, na sua nova composição, à qual, por conseguinte, o presente processo foi distribuído em 7 de Outubro de 2004.

64      Em 17 de Dezembro de 2004, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar na Secretaria os documentos do processo mencionados pela recorrente na carta de 29 de Setembro de 2004, em versões confidencial e não confidencial.

65      Por ofício de 28 de Janeiro de 2005, a Comissão apresentou na Secretaria do Tribunal Geral a versão confidencial dos documentos do processo pedidos. Pediu um prazo suplementar para apresentar uma eventual versão não confidencial, visto que as empresas em causa deveriam ser consultadas sobre o seu interesse de manutenção da confidencialidade. A Comissão esclareceu também o seguinte:

«A lista, embora incluindo todos os processos na sua posse na presente data, não reproduz todos os processos mencionados em juízo no primeiro processo Carbonato de sódio. Apesar de longas buscas, não se consegue encontrar os processos em falta.»

66      Por ofício de 15 de Março de 2005, indicando que as empresas em causa não pediam tratamento confidencial, a Comissão apresentou as seguintes observações:

«No que respeita aos processos que não se consegue encontrar, a Comissão lamenta não poder dar uma resposta totalmente fiável às questões do Tribunal.

O processo administrativo ([isto é] o processo relativo ao procedimento a partir da abertura do inquérito até ao envio da comunicação de acusações) actualmente em poder da Comissão contém 65 pastas numeradas que abrangem o período até Setembro de 1989 e o processo com o n.° 71, que contém a comunicação de acusações e os seus anexos, bem como uma pasta não numerada, denominada ‘Oberland Glas’. É de crer, portanto, que estão em falta cinco pastas.

No que respeita ao conteúdo das pastas em falta, a Comissão lamenta informar que é impossível redigir a lista completa dos documentos desaparecidos, pois também não se consegue encontrar os índices dessas pastas. Dito isto, tudo permite acreditar que pelo menos algumas delas continham correspondência trocada nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, o que corresponde à explicação dada pela Comissão ao Tribunal Geral sobre o procedimento administrativo em 1990. Por exemplo, é provável que a resposta da [...] ICI ao pedido de informações da Comissão de 19 de Junho de 1989 faça parte dos processos em falta: esse pedido feito à ICI ainda consta do processo administrativo nas mãos da Comissão, mas falta a resposta.»

67      Em 14 de Abril de 2005, a recorrente consultou na Secretaria do Tribunal Geral os documentos do processo mencionados na sua carta de 29 de Setembro de 2004.

68      Em 15 de Julho de 2005, a recorrente apresentou as suas observações sobre a utilidade desses documentos para a sua defesa. Em 18 de Novembro de 2005, a Comissão respondeu às observações da recorrente.

69      Por cessação de funções do juiz‑relator inicialmente designado, o presidente do Tribunal Geral, por decisão de 22 de Junho de 2006, nomeou um novo juiz‑relator.

70      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral a contar de 25 de Setembro de 2007, o juiz‑relator foi afectado à Sexta Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi distribuído em 5 de Outubro de 2007.

71      Em 12 de Fevereiro de 2008, por impedimento do juiz T. Tchipev, o presidente do Tribunal Geral, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, nomeou o juiz A. Dittrich para completar a Secção.

72      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou, em 5 de Maio de 2008, determinadas perguntas por escrito à recorrente e à Comissão. Ambas responderam no prazo fixado.

73      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal Geral na audiência de 26 de Junho de 2008.

 Pedidos das partes

74      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–      a título principal, declarar extinto o procedimento de aplicação de sanção por força do decurso do tempo e, de qualquer forma, anular a decisão recorrida;

–      a título subsidiário, declarar prescrito o poder da Comissão de aplicar coimas e, de qualquer forma, anular o artigo 2.° da decisão recorrida na parte em que lhe aplica uma coima de 20 milhões de euros;

–      a título ainda mais subsidiário, declarar não aplicável qualquer coima ou, pelo menos, reduzi‑la substancialmente;

–      a título de diligência de instrução, ordenar que a Comissão apresente todos os documentos internos relativos à adopção da decisão recorrida e, em particular, as actas de todas as reuniões do colégio de comissários em que tenha sido discutida a decisão recorrida;

–      ordenar que a Comissão apresente todos os documentos que compõem o seu processo instrutor no procedimento COM/33.133;

condenar a Comissão nas despesas.

75      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–      negar provimento ao recurso por improcedente;

–      condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

76      Os pedidos da recorrente visam, a título principal, a anulação da decisão recorrida e, a título subsidiário, a anulação ou a redução da coima que lhe foi aplicada por essa decisão.

1.     Quanto ao pedido de anulação da decisão recorrida

77      A recorrente invoca, no essencial, seis fundamentos de anulação da decisão recorrida. Esses fundamentos são relativos, primeiro, ao decurso do tempo, segundo, à preterição de formalidades essenciais, terceiro, à errada definição do mercado geográfico feita pela Comissão, quarto, à inexistência de posição dominante, quinto, à inexistência de abuso de posição dominante e, sexto, à violação do direito de acesso ao processo.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao decurso do tempo

78      O primeiro fundamento articula‑se em duas partes, relativas, respectivamente, à aplicação errada das regras da prescrição previstas no Regulamento n.° 2988/74 e à violação do princípio do prazo razoável.

 Quanto à primeira parte, relativa à aplicação errada das regras da prescrição

–       Argumentos das partes

79      A recorrente alega que o raciocínio seguido pela Comissão a respeito das regras da prescrição é contrário à letra e ao espírito do Regulamento n.° 2988/74.

80      Segundo a recorrente, o recurso de segunda instância interposto pela Comissão em 30 de Agosto de 1995, que não teve efeito suspensivo por força do artigo 60.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, não tinha por objecto a Decisão 91/299, que tinha deixado de existir de forma retroactiva, mas sim o acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra, que anulava essa decisão. Com efeito, por força do artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o processo de segunda instância limita‑se às questões de direito e o Tribunal de Justiça procede a uma fiscalização da legalidade, baseando‑se na apreciação soberana do Tribunal Geral quanto à matéria de facto.

81      Embora o «processo pendente no Tribunal de Justiça» a que se refere o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 deva ser interpretado no sentido de incluir também o Tribunal Geral, a criação de um duplo grau jurisdicional não permite que se alargue o período de suspensão da prescrição para abranger um processo cujo objecto não é a decisão recorrida. Por outro lado, alegar que o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 implica a suspensão da prescrição durante um recurso de segunda instância seria dar efeito a uma decisão anulada ab initio, o que não tem precedente na prática comum dos Estados‑Membros.

82      Baseando‑se no n.° 1098 do acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, a recorrente assinala que o objectivo do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 é permitir a suspensão da prescrição quando a Comissão estiver impedida de intervir por uma razão objectiva que não lhe seja imputável, relativa ao próprio facto de estar pendente um recurso. A recorrente entende que, no caso, a Comissão podia afirmar‑se impedida de agir enquanto estivesse pendente o recurso no Tribunal Geral. Em contrapartida, a partir da prolação do acórdão do Tribunal Geral, a Comissão, sem prejuízo do respeito do princípio do prazo razoável, tinha a liberdade de adoptar nova decisão. Assim, ao interpor recurso de segunda instância, a Comissão assumiu o risco de a sua acção prescrever, mesmo tendo conhecimento do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555), que se tinha pronunciado sobre a falta de autenticação dos actos adoptados pelo colégio de comissários. Assim, nenhuma razão objectiva justifica a inércia da Comissão enquanto o seu recurso estava pendente no Tribunal de Justiça.

83      Por conseguinte, só o tempo do processo no Tribunal Geral poderia ser tido em conta para a prorrogação do prazo de prescrição. Esse prazo teve o seu termo, portanto, em 27 de Janeiro de 2000, muito antes da adopção da decisão recorrida.

84      A recorrente assinala também que, no acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, essa interpretação não é posta em causa. Com efeito, nesse processo, a nova decisão da Comissão foi adoptada num prazo inferior ao prazo de cinco anos unicamente acrescido do «prazo de suspensão» relativo ao processo no Tribunal Geral. Assim, no acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, não foi analisada a questão de saber se um recurso de segunda instância tem efeito suspensivo, na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74.

85      Na réplica, a recorrente acrescenta que a tese da Comissão leva a deixar o acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra, sem qualquer efeito enquanto não tivesse sido confirmado pelo Tribunal de Justiça, o que viola a autoridade desse acórdão. Por outro lado, dar uma interpretação extensiva ao artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, abrangendo situações em que a Comissão não está impedida de agir, é contrário ao princípio da segurança jurídica.

86      Por último, nas suas observações apresentadas na sequência do acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, a recorrente alega que nem o Tribunal Geral nem o Tribunal de Justiça podiam, no processo que deu origem a esse acórdão, ter a intenção de decidir a questão de saber se o recurso de segunda instância interposto de um acórdão de anulação pela Comissão tem o efeito de suspender a prescrição durante o tempo do processo em recurso.

87      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

88      A título preliminar, há que salientar que o Regulamento n.° 2988/74 institui uma regulamentação completa que rege em pormenor os prazos em que a Comissão, sem pôr em causa a exigência fundamental de segurança jurídica, pode aplicar coimas às empresas sujeitas a procedimentos de aplicação das normas comunitárias de concorrência (acórdãos do Tribunal Geral de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 324, e de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, T‑410/03, Colect., p. II‑881, n.° 223).

89      Assim, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, e ainda do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/74, a prescrição dos procedimentos opera quando a Comissão não tenha aplicado uma coima ou uma sanção nos cinco anos seguintes ao ponto de partida do prazo de prescrição se não tiver entretanto ocorrido um acto interruptivo ou, no máximo, nos dez anos seguintes a esse mesmo ponto de partida se tiverem sido praticados actos interruptivos. Contudo, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, desse regulamento, esse prazo de prescrição é prorrogado pelo período em que a prescrição tenha estado suspensa nos termos do artigo 3.° do mesmo regulamento (acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 140).

90      Nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, a prescrição de procedimentos suspende‑se enquanto a decisão da Comissão for objecto de um processo pendente no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

91      No presente caso, resulta da decisão recorrida que, nesse procedimento, a Comissão aplicou as regras da prescrição da forma seguinte.

92      Primeiro que tudo, a Comissão entendeu que, quanto a infracções continuadas, o prazo de prescrição tinha começado a correr no final de 1990. Acrescentou também que, mesmo admitindo que a infracção tivesse chegado ao fim em 31 de Dezembro de 1990 e que a adopção e a notificação da Decisão 91/299 não tivessem interrompido o prazo de prescrição, o seu prazo para aprovar a decisão correria, pelo menos, até final de 1995 (considerando 203).

93      Seguidamente, a Comissão considerou que o prazo de prescrição deveria ser prorrogado pelo período em que o recurso da decisão esteve pendente no Tribunal Geral (considerando 204). Ora, no caso, uma vez que o recurso tinha sido interposto nesse Tribunal em 2 de Maio de 1991, o acórdão tinha sido proferido pelo Tribunal Geral em 29 de Junho de 1995, o recurso de segunda instância tinha sido interposto no Tribunal de Justiça em 30 de Agosto de 1995 e o acórdão tinha sido proferido pelo Tribunal de Justiça em 6 de Abril de 2000, a prescrição tinha estado suspensa por um período mínimo de oito anos, nove meses e quatro dias (considerando 206). Consequentemente, a Comissão entendeu que o prazo para adoptar uma nova decisão ia até Setembro de 2004 (considerando 207).

94      Daí resulta que, segundo a Comissão, a decisão recorrida, de 13 de Dezembro de 2000, foi adoptada antes do termo do prazo de prescrição.

95      Esse raciocínio está de acordo com as regras da prescrição aplicáveis no presente caso.

96      Com efeito, desde logo, as infracções imputadas à recorrente chegaram ao fim com a adopção da Decisão 91/299, em 19 de Dezembro de 1990. Por conseguinte, o prazo de prescrição começou a correr nessa data.

97      Em seguida, como acertadamente salientam as partes, a referência do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 a «um processo pendente no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias» deve ser interpretada, desde a criação do então Tribunal de Primeira Instância, no sentido de que em primeiro lugar se refere a um processo pendente nesse Tribunal, na medida em que os recursos relativos a sanções ou coimas no domínio do direito da concorrência são da sua competência. Por conseguinte, suspendeu‑se a prescrição durante todo o processo no Tribunal Geral.

98      Por último, resulta do n.° 157 do acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, que a prescrição, na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, suspende‑se enquanto a decisão em causa for objecto de um processo pendente «no Tribunal [Geral] e no Tribunal de Justiça». Assim, no presente caso, a prescrição também ficou suspensa durante todo o tempo do processo no Tribunal de Justiça, sem que seja necessário decidir sobre o período entre a prolação do acórdão do Tribunal Geral e o recurso para o Tribunal de Justiça.

99      Consequentemente, após essa suspensão da prescrição, não correu nenhum período de mais de cinco anos desde o fim das infracções em causa ou desde uma qualquer interrupção da prescrição.

100    Portanto, a decisão recorrida foi adoptada no respeito das regras da prescrição instituídas pelo Regulamento n.° 2988/74.

101    Nenhum dos argumentos da recorrente é susceptível de pôr isto em causa.

102    Com efeito, em primeiro lugar, refira‑se que o artigo 60.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 têm um âmbito de aplicação diferente. O facto de um recurso de segunda instância não ter efeito suspensivo não é susceptível de privar de qualquer efeito útil o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, que respeita a situações em que a Comissão tem de aguardar a decisão do tribunal comunitário. Não procede, pois, a tese da recorrente de que a Comissão não podia ter em conta o período da pendência de um recurso de segunda instância no Tribunal de Justiça, pois isso levaria a privar o acórdão do Tribunal de Justiça em segunda instância da sua razão de ser e dos seus efeitos.

103    Em segundo lugar, quanto ao argumento da recorrente de que a criação de um duplo grau jurisdicional não permite alargar o período de suspensão da prescrição, há que lembrar que o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 protege a Comissão contra o efeito da prescrição nas situações em que tenha de aguardar a decisão do tribunal comunitário, no âmbito de processos cuja tramitação não domina, antes de saber se o acto recorrido está ou não ferido de ilegalidade (acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 144).

104    Em terceiro lugar, quanto ao argumento de que o acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, não é relevante para a decisão da presente causa, resulta claramente do texto desse acórdão, pelo contrário, que, de forma geral, há que adicionar ao prazo de prescrição o período da suspensão da prescrição, isto é, não só o período da pendência do processo no Tribunal Geral mas também o período da pendência do processo no Tribunal de Justiça.

105    Em quarto lugar, quanto ao argumento de que a suspensão da prescrição pelo tempo de um processo em recurso de segunda instância levaria a conceder efeitos a uma decisão anulada em primeira instância, basta referir que a suspensão da prescrição apenas permite que a Comissão eventualmente adopte uma nova decisão no caso de negação de provimento ao recurso interposto de um acórdão do Tribunal Geral que anula uma decisão da Comissão. Essa suspensão da prescrição não tem qualquer efeito na decisão anulada pelo acórdão do Tribunal Geral.

106    Em quinto lugar, quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão deveria ter adoptado uma nova decisão sem aguardar o acórdão do Tribunal de Justiça, refira‑se que é certo que a Comissão não estava formalmente impedida de agir na sequência da anulação da decisão inicial pelo Tribunal Geral, mas isso não significa que a Comissão tivesse necessariamente de adoptar uma nova decisão sem aguardar o acórdão do Tribunal de Justiça. Por outro lado, não se pode criticar a Comissão por ter exercido os seus direitos de defesa ao interpor recurso de segunda instância e por ter aguardado o acórdão do Tribunal de Justiça antes de adoptar nova decisão. Essa interpretação do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 está, além disso, de acordo com o princípio da segurança jurídica, que pretende garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas do domínio do direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C‑63/93, Colect., p. I‑569, n.° 20, e acórdão do Tribunal Geral de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T‑73/95, Colect., p. II‑381, n.° 29).

107    Em sexto lugar, há que acrescentar que a interpretação do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 proposta pela recorrente conduz a sérias dificuldades práticas. Com efeito, se a Comissão tiver de adoptar uma nova decisão na sequência da anulação de uma decisão pelo Tribunal Geral, sem aguardar o acórdão do Tribunal de Justiça, existe o risco de coexistirem duas decisões com o mesmo objecto no caso de o Tribunal de Justiça anular o acórdão do Tribunal Geral.

108    Além disso, vai contra as exigências da economia processual administrativa impor à Comissão que, unicamente para evitar a prescrição, adopte nova decisão antes de saber se a decisão inicial está ou não ferida de ilegalidade.

109    Resulta do exposto que não pode ser acolhida a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio do prazo razoável

–       Argumentos das partes

110    A recorrente alega que teve conhecimento da «acusação que lhe é feita» em 13 de Março de 1990, data em que a comunicação de acusações lhe foi dirigida, isto é, onze anos antes da data da interposição do presente recurso. Além disso, o que está em causa na presente lide é particularmente importante para ela, uma vez que, na Decisão 91/299 e depois na decisão recorrida, a Comissão lhe imputou uma infracção «de uma gravidade extrema» e lhe aplicou uma coima de 20 milhões de euros. Ora, no momento da interposição do presente recurso, ainda não tinha sido adoptada nenhuma decisão definitiva sobre as acusações que lhe tinham sido dirigidas na comunicação de acusações.

111    Baseando‑se no artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, a recorrente assinala que, no seu conjunto, o processo lançado em Fevereiro de 1990 ultrapassou manifestamente um prazo razoável. A este respeito, a jurisprudência comunitária não prevê que a duração do processo deva ser apreciada por etapas. Assim, nada pode justificar que a Comissão tenha esperado cinco anos e meio para adoptar uma nova decisão, tanto mais que o recurso para o Tribunal de Justiça não tinha efeito suspensivo.

112    Na sequência do acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra, a Comissão não só optou por interpor um recurso cuja improcedência podia esperar à luz do acórdão Comissão/BASF e o., referido no n.° 82 supra, mas também por aguardar o seu resultado antes de adoptar a decisão recorrida. Além disso, segundo a recorrente, a Comissão aguardou ainda mais oito meses depois do acórdão Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra, quando no processo que deu origem ao acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, a nova decisão tinha sido adoptada no prazo de um mês e meio.

113    Por outro lado, a Comissão confunde prazo razoável e prazo de prescrição, ao considerar, erradamente, ter sido autorizada a aguardar 2004 para adoptar uma nova decisão. Assim, na decisão recorrida, a Comissão não indica em que elementos se baseia para considerar que o prazo razoável foi respeitado. Segundo a recorrente, qualquer que possa ser a justificação do tempo de cada etapa do processo, «um prazo de catorze a dezasseis anos ou mais para todo o processo entre a comunicação de acusações e a decisão definitiva do Tribunal Geral ou do Tribunal de Justiça» não pode ser qualificado de razoável.

114    Assim, cabe ao Tribunal Geral declarar excedido o prazo razoável e anular a decisão recorrida, uma vez que não é possível, nessa fase, formular um juízo num prazo razoável sobre as acusações feitas à recorrente. Qualquer outra solução, por exemplo a de ter em conta o excesso do prazo razoável na fixação do montante da coima, não sanaria a violação do artigo 6.° da CEDH. Além disso, a recorrente alega que, de acordo com os princípios aplicados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não tem de demonstrar que esse excesso do prazo razoável prejudicou os seus direitos de defesa, o que seria um fundamento de anulação distinto. Com efeito, o critério da lesão dos direitos de defesa é distinto do direito de ser julgado num prazo razoável em matéria penal.

115    De qualquer forma, a recorrente alega que o excesso do prazo razoável e a deterioração das provas daí resultante a impede de se defender, nomeadamente privando‑a da possibilidade de dar suporte aos argumentos apresentados na petição. Além disso, a recorrente alega que já não pode recorrer aos seus antigos trabalhadores que estavam empregados no sector e na filial em causa. Em particular, a recorrente afirma que não pode fazer análises detalhadas das condições de produção e de fornecimento do carbonato de sódio nos anos 80, pois várias das suas unidades de produção foram fechadas posteriormente e os arquivos relativos a essas unidades não foram sistematicamente conservados.

116    A recorrente entende que a inércia culposa da Comissão ao longo dos cinco anos e meio posteriores ao acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra, deve ser especialmente punida. A esse respeito, a recorrente precisa que teve razões para acreditar legitimamente que a Comissão tinha desistido de reabrir o processo, de forma que não tentou conservar sistematicamente um registo dos factos e documentos eventualmente úteis à sua defesa. Além disso, a sua política de arquivos impõe‑lhe, salvo em circunstâncias excepcionais, uma destruição sistemática dos arquivos ao fim de dez anos, ou mesmo cinco anos.

117    Por último, considerar que cabe à recorrente o ónus da prova da falta de razoabilidade do prazo seria contrário à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, segundo a qual cabe às autoridades nacionais, em face de longos períodos de inactividade, explicá‑los, só podendo ser justificados em circunstâncias excepcionais. A recorrente alega também que, ao contrário da Comissão, não lhe pode ser imputada qualquer manobra destinada a atrasar o processo desde 1989. Assinala que a Comissão se revelou incapaz de respeitar as normas internas de autenticação e o princípio da segurança jurídica, o que atrasou em vários anos a análise de mérito da decisão inicial.

118    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

119    A título preliminar, há que lembrar que o princípio do prazo razoável tem de ser respeitado em matéria de concorrência, nos procedimentos administrativos abertos nos termos do Regulamento n.° 17 susceptíveis de conduzir à aplicação das sanções previstas nesse diploma e no processo jurisdicional nos tribunais comunitários (acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 179).

120    Em primeiro lugar, em apoio da sua alegação de falta de razoabilidade da duração do procedimento administrativo, a recorrente invoca o facto de, apesar de o recurso de segunda instância não ter efeito suspensivo, a Comissão ter esperado cinco anos e meio para adoptar uma nova decisão na sequência da anulação da Decisão 91/299 pelo acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra.

121    Ora, como mencionado na análise da primeira parte do primeiro fundamento, suspendeu‑se a prescrição de acordo com o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, durante todo o tempo do processo no Tribunal de Justiça na sequência da interposição do recurso de segunda instância contra o acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra. Portanto, não se pode imputar à Comissão qualquer violação do princípio do prazo razoável unicamente por ter esperado que o Tribunal de Justiça decidisse o recurso de segunda instância, antes de adoptar a decisão recorrida.

122    Em segundo lugar, a recorrente alega, mais em geral, que a duração do procedimento administrativo, no seu conjunto, isto é, entre o envio da comunicação de acusações e a adopção da decisão recorrida, excedeu um prazo razoável.

123    Este argumento deve ser rejeitado.

124    Com efeito, no âmbito da análise de uma alegação de violação do princípio do prazo razoável, há que fazer uma distinção entre o procedimento administrativo e o processo jurisdicional. Assim, o período em que o juiz comunitário analisou a legalidade da Decisão 91/299 e a validade do acórdão Solvay III, referido no n.° 34 supra, não pode ser tido em conta na determinação da duração do procedimento na Comissão (v., neste sentido, acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.° 123).

125    Em terceiro lugar, a recorrente critica a duração do procedimento administrativo entre a prolação do acórdão Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra, e a adopção da decisão recorrida.

126    A esse respeito, há que lembrar que esse período começou em 6 de Abril de 2000, data da prolação do acórdão Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra, e teve o seu termo em 13 de Dezembro de 2000, com a adopção da decisão recorrida. Essa etapa do procedimento administrativo durou, portanto, oito meses e sete dias.

127    Nesse período, a Comissão apenas procedeu a modificações de forma da Decisão 91/299, nomeadamente com a introdução de uma nova passagem relativa aos «[p]rocessos perante o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Justiça», sobre a apreciação dos prazos de prescrição. Por outro lado, a adopção da decisão recorrida não foi precedida de qualquer acto de instrução suplementar, tendo‑se a Comissão baseado nos resultados do inquérito levado a cabo dez anos antes. Contudo, há que admitir que, mesmo nessas condições, certas investigações e concertações na administração podem ser indispensáveis para se chegar a esse resultado.

128    Nessa perspectiva, não há que considerar que o prazo de oito meses e sete dias decorrido entre a prolação do acórdão Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra, e a adopção da decisão recorrida não é razoável.

129    Em quarto lugar, quanto à duração do procedimento administrativo entre o envio da comunicação de acusações e a adopção da Decisão 91/299, refira‑se que a recorrente não alega que, só por si, merece crítica. Com efeito, a recorrente limita‑se a afirmar que o carácter razoável do prazo devia ser avaliado a partir de 13 de Março de 1990, isto é, a data em que a comunicação de acusações lhe foi dirigida, sem criticar o período de onze meses e meio decorrido entre a comunicação de acusações e a adopção da Decisão 91/299, em 1 de Março de 1991.

130    Resulta do exposto que a recorrente não apresentou qualquer elemento que permita considerar que a duração de todo o procedimento administrativo foi excessiva no presente caso.

131    Com efeito, mesmo embora se deva ter em conta a fase do procedimento administrativo anterior à comunicação de acusações (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colect., p. I‑8725, n.° 51), há que considerar que a duração de todo o procedimento administrativo não é excessiva, nomeadamente à luz das investigações efectuadas a partir de Abril de 1989, dos pedidos de informações efectuados na sequência disso e da abertura oficiosa do procedimento em 19 de Fevereiro de 1990.

132    Diga‑se ainda que, de qualquer forma, a violação do princípio do prazo razoável só justificaria a anulação da decisão tomada no termo de um procedimento administrativo em matéria de concorrência se implicasse também uma violação dos direitos de defesa da empresa em causa. Com efeito, quando não se prove que o decurso excessivo do tempo tenha afectado a capacidade de as empresas em questão se defenderem efectivamente, o desrespeito do princípio do prazo razoável não tem incidência na validade do procedimento administrativo (v., neste sentido, acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.° 122).

133    A esse respeito, a recorrente alega que lhe é difícil defender‑se de acusações relativas a factos alegadamente ocorridos nessa época, pois já não pode recorrer aos seus empregados no momento dos factos no sector e na filial em causa.

134    Contudo, a Comissão não procedeu a qualquer acto de instrução entre a prolação do acórdão Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra, e a decisão recorrida.

135    Além disso, resulta da decisão recorrida que esta se baseou nos mesmos fundamentos da Decisão 91/299, que o conteúdo das duas decisões é quase idêntico e que a Comissão não teve em conta qualquer elemento novo que necessitasse do exercício de um direito de defesa.

136    Nestas circunstâncias, os direitos de defesa da recorrente não foram violados.

137    Em quinto lugar, quanto ao processo jurisdicional, há que observar que, na petição, a recorrente não põe directamente em causa a duração do processo no Tribunal Geral nem no Tribunal de Justiça no que respeita à Decisão 91/299.

138    De qualquer forma, há que lembrar que o princípio geral de direito comunitário nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo, que se inspira no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, nomeadamente o direito a um processo num prazo razoável, é aplicável no âmbito do recurso jurisdicional de uma decisão da Comissão que aplica coimas a uma empresa por violação do direito da concorrência. O carácter razoável do prazo é apreciado em função das circunstâncias concretas de cada processo, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo, bem como do comportamento do demandante e das autoridades competentes. A lista desses critérios não é taxativa e a apreciação do carácter razoável do prazo não exige uma análise sistemática das circunstâncias da causa à luz de cada um deles quando a duração do processo for justificada apenas face a um deles. Assim, a complexidade do processo pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colect., p. I‑729, n.os 115 a 117 e jurisprudência aí referida).

139    Por outro lado, no acórdão de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417), depois de verificar que o Tribunal Geral tinha violado as exigências ligadas ao respeito do prazo razoável, o Tribunal de Justiça, por razões de economia processual e para garantir uma solução imediata e efectiva contra tal irregularidade processual, julgou procedente o fundamento relativo à duração excessiva do processo, para efeitos da anulação do acórdão recorrido, na medida em que fixava o montante da coima aplicada à recorrente em 3 milhões de ecus. Sem qualquer indício de que a duração do processo tivesse influenciado a decisão da causa, o Tribunal de Justiça considerou que esse fundamento não podia levar à anulação integral do acórdão recorrido, mas que um montante de 50 000 ecus constituía uma reparação equitativa, em razão da excessiva duração do processo, pelo que reduziu o montante da coima aplicada à empresa em causa.

140    Por conseguinte, na falta de qualquer indício de que a duração do processo tivesse influenciado a decisão da causa, um eventual excesso do prazo razoável pelo tribunal comunitário no presente caso, mesmo admitindo‑o demonstrado, não tem qualquer influência na legalidade da decisão recorrida.

141    Há que acrescentar que, na petição, a recorrente renunciou expressamente à possibilidade de uma redução da coima a título de reparação pela alegada violação do seu direito a ser julgada num prazo razoável. Também não apresentou qualquer pedido de indemnização.

142    Portanto, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e, consequentemente, todo o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à preterição de formalidades essenciais necessárias para a adopção e autenticação da decisão recorrida

143    O segundo fundamento articula‑se, no essencial, em oito partes, relativas, em primeiro lugar, à violação do princípio da colegialidade, em segundo lugar, à violação do princípio da segurança jurídica, em terceiro lugar, ao direito da recorrente a ser novamente ouvida, em quarto lugar, à inexistência de nova consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes, em quinto lugar, à irregular composição desse comité consultivo, em sexto lugar, à utilização de documentos apreendidos em violação do Regulamento n.° 17, em sétimo lugar, à violação do direito de acesso ao processo e, em oitavo lugar, à violação dos princípios da imparcialidade, da boa administração e da proporcionalidade.

144    O Tribunal entende oportuno analisar a sétima parte do segundo fundamento no âmbito de um sexto fundamento, relativo à violação do direito de acesso ao processo, na sequência da análise de todos os fundamentos relativos ao mérito do processo.

 Quanto à primeira parte, relativa à violação do princípio da colegialidade

–       Argumentos das partes

145    A recorrente assinala que, segundo a carta de acompanhamento de 10 de Janeiro de 2001, assinada pelo membro da Comissão responsável pela concorrência, a decisão recorrida foi adoptada pelo colégio dos comissários em 13 de Dezembro de 2000.

146    Ora, resulta das declarações da porta‑voz da Comissão, reproduzidas em comunicado de imprensa de uma agência noticiosa de 12 de Dezembro de 2000, que a decisão de adoptar novamente a Decisão 91/299 já estava tomada o mais tardar na véspera do dia em que o colégio dos comissários reuniu para deliberar.

147    Segundo a recorrente, não havendo qualquer indicação de que o colégio dos comissários deliberou em data anterior a 12 de Dezembro de 2000, há que inferir daí que a decisão recorrida foi adoptada em violação do princípio da colegialidade.

148    Por outro lado, admitindo que a decisão recorrida tivesse sido realmente adoptada pelo colégio dos comissários, resulta do comunicado de imprensa de uma agência noticiosa de 12 de Dezembro de 2000 que a Comissão aparentemente tinha decidido adoptar uma nova decisão de conteúdo idêntico ao da Decisão 91/299 pelo facto de a recorrente nunca ter impugnado o seu mérito. Ora, a recorrente alega ter criticado a apreciação jurídica e factual feita pela Comissão, bem como o princípio e o montante da coima. Consequentemente, o colégio dos comissários não estava correctamente informado da posição da recorrente no momento em que decidiu adoptar a decisão recorrida.

149    A recorrente pede também ao Tribunal Geral que ordene que a Comissão apresente todos os documentos internos relativos à adopção da decisão recorrida, em particular as actas de todas as reuniões do colégio dos comissários em que tivesse sido discutido o projecto de decisão e os documentos apresentados ao colégio.

150     A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

151    Segundo jurisprudência assente, o princípio da colegialidade assenta na igualdade dos membros da Comissão no processo de decisão e implica, nomeadamente, que as decisões são tomadas em comum e que todos os membros do colégio são colectivamente responsáveis, no plano político, por todas as decisões (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Comissão/Alemanha, C‑191/95, Colect., p. I‑5449, n.° 39, e de 13 de Dezembro de 2001, Comissão/França, C‑1/00, Colect., p. I‑9989, n.° 79).

152    O respeito do princípio da colegialidade, e, em especial, a necessidade de as decisões serem tomadas em comum, interessa necessariamente aos sujeitos de direito afectados pelos seus efeitos jurídicos, devendo estes poder confiar que essas decisões foram efectivamente tomadas pelo colégio e correspondem exactamente à sua vontade. Em particular, é esse o caso dos actos, expressamente qualificados de decisões, que a Comissão pratica face às empresas ou associações de empresas com vista ao respeito das normas de concorrência e que têm por objecto a declaração de uma infracção a essas normas, dirigir intimações a essas empresas e aplicar‑lhes sanções pecuniárias (acórdão Comissão/BASF e o., referido no n.° 82 supra, n.os 64 e 65).

153    No caso, a recorrente invoca o facto de, segundo um comunicado de imprensa de uma agência noticiosa de 12 de Dezembro de 2000, a porta‑voz da Comissão ter anunciado que esta iria adoptar novamente a mesma decisão em 13 de Dezembro de 2000.

154    Contudo, admitindo que a porta‑voz da Comissão tenha feito as afirmações referidas pela recorrente, o simples facto de um comunicado de imprensa de uma sociedade privada mencionar uma declaração que não tem qualquer carácter oficial não basta para considerar que a Comissão violou o princípio da colegialidade. Com efeito, o colégio dos comissários em nada estava vinculado por essa declaração e, na reunião de 13 de Dezembro de 2000, também poderia decidir, após deliberação em comum, não adoptar a decisão recorrida.

155    Há que acrescentar que o comunicado de imprensa oficial da Comissão foi publicado em 13 de Dezembro de 2000.

156    Por outro lado, mesmo admitindo que a porta‑voz da Comissão tivesse declarado que a recorrente nunca tinha impugnado o mérito da Decisão 91/299, esse argumento é inoperante. Com efeito, resulta do considerando 199 da decisão recorrida que a Comissão adoptou uma nova decisão de conteúdo quase idêntico ao da Decisão 91/299, por esta ter sido anulada por vício de forma. Portanto, o facto de a recorrente ter criticado o mérito da Decisão 91/299 é irrelevante.

157    Resulta do exposto que não há que ordenar que a Comissão, no âmbito das medidas de organização do processo, apresente todos os documentos internos relativos à adopção da decisão recorrida.

158     Assim, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da segurança jurídica

–       Argumentos das partes

159    A recorrente dá a entender que as formalidades de autenticação previstas no regulamento interno da Comissão (JO 1999, L 252, p. 41), que era aplicável no momento da adopção da decisão recorrida, não estão em conformidade com o que prescrevem os acórdãos Comissão/BASF e o., referido no n.° 82 supra (n.os 73 a 76), e Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra (n.os 44 a 49).

160    Com efeito, o artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão, em vigor nessa época, não impõe qualquer formalidade de autenticação da decisão recorrida, que não é assinada mesmo se mencionar o nome do membro da Comissão responsável pela concorrência. Em particular, não está previsto que os actos adoptados tenham de ser juntos à nota recapitulativa quando esta é redigida, embora a «autenticação de uma ou outra dessas notas não tenha ligação directa com o acto adoptado». A esse respeito, o artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão é diferente do artigo 15.° da Decisão 2000/396/CE, CECA, Euratom do Conselho, de 5 de Junho de 2000, que aprova o regulamento interno (JO L 149, p. 21).

161    Assim, o regulamento interno da Comissão desrespeita o carácter fundamental das formalidades da autenticação e viola o princípio da segurança jurídica. Consequentemente, entende que a decisão recorrida não foi validamente autenticada.

162     A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

163    O Tribunal Geral entende, a título preliminar, que a argumentação da recorrente deve ser interpretada no sentido de que argúi a ilegalidade de uma disposição do regulamento interno da Comissão em vigor no momento da adopção da decisão recorrida.

164    Há que julgar admissível esta questão de ilegalidade.

165    Com efeito, segundo a jurisprudência, o âmbito de aplicação do artigo 241.° CE deve também estender‑se às disposições do regulamento interno de uma instituição que, embora não constituam a base jurídica da decisão recorrida nem produzam efeitos análogos aos de um regulamento na acepção desse artigo do Tratado, determinam as formalidades essenciais exigidas para a adopção dessa decisão e garantem, consequentemente, a segurança jurídica dos seus destinatários. Com efeito, é importante que qualquer destinatário de uma decisão possa contestar de forma eficaz a legalidade do acto que condiciona a validade formal dessa decisão, não obstante esse acto não ser o seu fundamento jurídico, uma vez que não teve a possibilidade de pedir a anulação desse acto antes de receber a notificação da decisão controvertida. Consequentemente, as disposições do regulamento interno da Comissão podem ser objecto de uma questão de ilegalidade, uma vez que garantem a protecção dos particulares (acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.os 286 e 287).

166    Por outro lado, há que lembrar que a questão de ilegalidade deve ser limitada ao indispensável à decisão da causa.

167    Com efeito, o artigo 241.° CE não tem por objectivo permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de todo e qualquer acto de carácter geral a favor de um recurso qualquer. O acto geral cuja ilegalidade é arguida deve ser aplicável, directa ou indirectamente, ao caso concreto em recurso e tem de existir uma ligação jurídica directa entre a decisão individual recorrida e o acto geral em causa (v. acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.os 288, 289 e jurisprudência aí referida).

168    A esse respeito, há que lembrar que a decisão recorrida foi autenticada nos termos das disposições do artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno. Consequentemente, existe uma ligação jurídica directa entre essa decisão e esse artigo do regulamento interno, cuja ilegalidade a recorrente invoca. Daí resulta que o artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno aplicável no momento da adopção da decisão recorrida pode ser objecto de uma questão de ilegalidade.

169    Há que verificar, portanto, se as formalidades de autenticação previstas no regulamento interno da Comissão estão em conformidade com as exigências do princípio da segurança jurídica.

170    No presente caso, o texto de referência é o artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão, na versão aplicável no momento da adopção da decisão recorrida, que dispõe o seguinte:

«Os actos adoptados em reunião são anexados de forma indissociável, na(s) língua(s) em que faz(em) fé, à nota recapitulativa elaborada no final da reunião d[a] Comissão em que foram adoptados. Estes actos são autenticados pelas assinaturas do presidente e do secretário‑geral, apostas na última página da nota recapitulativa.»

171    No acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, foi analisada a legalidade do artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão, de 17 de Fevereiro de 1993 (JO L 230, p. 15), que tinha a seguinte redacção:

«Os actos adoptados em reunião [...] são anexados, na(s) língua(s) em que faz(em) fé, à acta da reunião da Comissão em que foram adoptados ou em que foi registada a sua adopção. Estes actos são autenticados pelas assinaturas do presidente e do secretário‑geral, apostas na primeira página da acta.»

172    Nesse acórdão, o Tribunal Geral considerou que as modalidades previstas nessa disposição constituíam por si próprias uma garantia suficiente para controlar, em caso de impugnação, a correspondência perfeita dos textos notificados ou publicados com o texto adoptado pelo colégio e com a vontade do autor. Com efeito, uma vez que o texto era anexado à acta e a primeira página dessa acta era assinada pelo presidente e pelo secretário‑geral, existia uma ligação directa entre a acta e os documentos anexos que permitia garantir o conteúdo e a forma exactos da decisão do colégio. A esse respeito, presumia‑se que uma autoridade tinha agido em conformidade com a lei aplicável até que o juiz comunitário declarasse a desconformidade dessa actuação com a norma. Portanto, a autenticação prevista consoante as modalidades do artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno devia ser considerada legal (acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.os 302 a 304).

173    Ora, há que observar que o artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão na versão aplicável no momento da adopção da decisão recorrida previa um procedimento de autenticação mais formalista que o analisado no acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra.

174    Com efeito, as alterações introduzidas entre as duas versões do texto são as seguintes: os actos adoptados em reunião deixam de ser apenas «anexados» à acta, passando a sê‑lo «de forma indissociável»; o termo «acta» é substituído por «nota recapitulativa»; a nota é elaborada «no final da reunião»; por último, a assinatura deixa de ser «na primeira página da acta», passando a ser «na última página da nota recapitulativa».

175    Estas alterações, em conjunto, reforçam as garantias processuais disponibilizadas pelo processo de autenticação para assegurar o respeito do princípio da segurança jurídica.

176    Assim, o artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão aplicável à data da adopção da decisão recorrida não está ferido de ilegalidade.

177    Nestas condições, há que julgar improcedente a segunda parte do segundo fundamento.

 Quanto à terceira parte, relativa à violação do direito da recorrente a ser novamente ouvida

–       Argumentos das partes

178    A recorrente reconhece que, nos n.os 246 a 252 do acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, considerou‑se que, quando uma decisão da Comissão é anulada por vício de forma e para se adoptar uma nova decisão, só é necessária uma nova audição das empresas em causa se essa decisão tiver novas acusações.

179    Contudo, essa solução não é transponível para os factos da presente lide. Por um lado, o procedimento administrativo está ferido de vários vícios devido ao facto de a Comissão ter utilizado documentos apreendidos com um objectivo diferente daquele que lhe permitia tomar conhecimento deles e ainda por uma violação do direito de acesso ao processo. Por outro lado, a decisão recorrida reproduz a análise da Decisão 91/297, anulada por outras razões para além das razões de pura forma, e que não foi novamente adoptada.

180    Assim, a anulação da Decisão 91/297 afectou a validade das medidas preparatórias da decisão recorrida. Com efeito, no acórdão Solvay I, referido no n.° 35 supra, o Tribunal Geral considerou que a recusa total da divulgação de documentos oposta pela Comissão violava o direito de acesso da recorrente ao processo. Por outro lado, esse vício de procedimento afectava tanto o procedimento administrativo relativo à aplicação do artigo 82.° CE como o relativo ao artigo 81.° CE. Assim, a Comissão deveria ter reaberto o procedimento, concedendo‑lhe um acesso completo ao seu processo e permitindo‑lhe seguidamente apresentar todas as observações escritas e orais a esse respeito.

181    Além disso, é juridicamente errada a interpretação dada no acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, pois limita o direito de audiência unicamente à possibilidade de a empresa em causa apresentar observações sobre as acusações que lhe são imputadas. Com efeito, qualquer empresa tem também o direito de audiência e de apresentar observações quanto ao princípio, à oportunidade e ao montante das coimas. Baseando‑se na jurisprudência, a recorrente afirma que as empresas potencialmente destinatárias de uma decisão que dá por provada uma infracção por elas cometida e por isso lhes aplica uma coima devem ter a possibilidade de apresentar todas as observações quanto à coima na fase do procedimento administrativo. Ora, por causa do decurso do tempo na presente lide, a recorrente alega que teria tido novas observações a apresentar quanto à prescrição do poder da Comissão de lhe aplicar coimas, quanto ao excesso do prazo razoável e quanto ao montante da coima.

182    A recorrente entende que, na sequência da anulação da Decisão 91/297, deveria ter sido ouvida sobre a coerência interna da análise da Comissão, que apresentou as alegadas infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE como infracções de suporte mútuo e sobre a validade de certas afirmações contidas na decisão recorrida a respeito da existência de um acordo com a ICI, directamente retiradas da Decisão 91/297 ou integradas na sua filosofia, em violação do princípio da presunção da inocência.

183    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

184    Quando a Comissão, depois da anulação de uma decisão que aplica sanções a empresas que infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE, com fundamento em vício de forma relativo exclusivamente às modalidades da sua adopção definitiva pelo colégio dos comissários, adopta uma nova decisão, com um conteúdo substancialmente idêntico e com base nas mesmas acusações, não tem de proceder a nova audição das empresas em causa (v., neste sentido, acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.os 246 a 253, confirmado pelo acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.os 83 a 111).

185    Quanto às questões de direito susceptíveis de surgir no âmbito da aplicação do artigo 233.° CE, como as relativas ao decurso do tempo, à possibilidade de recomeço do procedimento, ao acesso ao processo que seria inerente a esse recomeço, à intervenção do consultor‑auditor e do comité consultivo, bem como a eventuais implicações do artigo 20.° do Regulamento n.° 17, não exigem novas audições, na medida em que não alteram o conteúdo das acusações, sendo unicamente passíveis de fiscalização jurisdicional posterior, se for esse o caso (v., neste sentido, acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 93).

186    No presente caso, a Comissão reproduziu a quase totalidade do conteúdo da Decisão 91/299. Apenas completou a decisão recorrida com uma passagem relativa ao processo no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

187    É certo que, na parte da decisão recorrida relativa aos factos, a Comissão acrescentou também considerações provenientes da Decisão 91/297, posteriormente anulada pelo acórdão Solvay I, referido no n.° 35 supra. Essa parte contém, nomeadamente, referências à ICI.

188    No entanto, por um lado, a Decisão 91/299, na origem da decisão recorrida, referia expressamente a Decisão 91/297 no respeitante às informações sobre o produto e o mercado do carbonato de sódio (v. ponto I B dos considerandos da Decisão 91/299). Na réplica, a recorrente reconhece, aliás, que as passagens da Decisão 91/297 reproduzidas na decisão recorrida faziam «integralmente parte» da Decisão 91/299.

189    Por outro lado, essas informações, visto terem um carácter unicamente factual, não são relevantes no que respeita às infracções imputadas à recorrente na presente lide. Com efeito, no presente caso, a conduta imputada à recorrente é um abuso de posição dominante e não um acordo com outra empresa ou práticas concertadas com o efeito de impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum.

190    Assim, há que observar que a decisão recorrida e a Decisão 91/299 têm um conteúdo substancialmente idêntico e se baseiam nos mesmos fundamentos.

191    Consequentemente, de acordo com a jurisprudência acima referida nos n.os 184 e 185, a Comissão não tinha de ouvir de novo a recorrente antes de adoptar a decisão recorrida.

192    Por outro lado, quanto aos argumentos relativos à utilização de documentos apreendidos em violação do Regulamento n.° 17 e à violação do direito de acesso ao processo, são objecto de alegações autónomas, pelo que serão analisados noutro local.

193    Resulta do exposto que a terceira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quarta parte, relativa à inexistência de nova consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes

–       Argumentos das partes

194    A recorrente contesta a apreciação que consta dos n.os 254 a 257 do acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, segundo a qual não era necessária uma nova consulta do comité consultivo no presente processo. Segundo a recorrente, ao contrário do que entendeu o Tribunal Geral nesse acórdão, a obrigação de consulta ao comité consultivo não resulta do artigo 1.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), que se limita a reger a cronologia do procedimento a seguir, mas do artigo 10.° do Regulamento n.° 17, na versão aplicável à data dos factos. Além disso, mesmo embora a consulta do comité consultivo constitua uma importante garantia processual, prossegue um objectivo diferente da simples audição da empresa a que se dirige o projecto de decisão, como demonstra o facto de a renúncia da empresa à audição não dispensar a Comissão de consultar o comité consultivo.

195    Consequentemente, no presente caso, o comité consultivo deveria ter sido consultado sobre o projecto da Comissão de adoptar a decisão recorrida na sequência do acórdão Comissão/Solvay, referido no n.° 37 supra, em particular sobre a questão do respeito do princípio do prazo razoável.

196    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

197    Nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 17, na versão aplicável à data dos factos:

«3.      Será consultado um Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes antes de tomada qualquer decisão na sequência de um processo nos termos do n.° 1, e de qualquer decisão respeitante à renovação, modificação ou revogação de uma decisão tomada nos termos do n.° 3 do artigo [81.° CE].

[…]

5.      A consulta realizar‑se‑á durante uma reunião conjunta, convocada pela Comissão e realizada catorze dias, o mais tardar, após o envio da convocatória. A esta serão anexados uma exposição do processo com indicação dos elementos mais importantes e um anteprojecto de decisão para cada caso a examinar.»

198    Por outro lado, o artigo 1.° do Regulamento n.° 99/63 dispõe:

«Antes de consultar o Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes, a Comissão procederá a uma audição, nos termos do n.° 1 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17.»

199    Segundo jurisprudência assente, resulta do artigo 1.° do Regulamento n.° 99/63 que a audição das empresas em causa e a consulta do comité são necessárias nas mesmas situações (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n.° 54, e acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 115).

200    O Regulamento n.° 99/63 foi substituído pelo Regulamento (CE) n.° 2842/98 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1998, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO L 354, p. 18), em vigor no momento da adopção da decisão recorrida, cujo artigo 2.°, n.° 1, está redigido em termos próximos dos do artigo 1.° do Regulamento n.° 99/63.

201    No caso, há que observar que, nos termos da decisão recorrida, o comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes foi consultado previamente à Decisão 91/299. A recorrente não impugna a existência ou a regularidade dessa consulta.

202    Assim, visto a decisão recorrida não conter alterações substanciais face à Decisão 91/299, a Comissão, que não tinha de ouvir novamente a recorrente antes de adoptar a decisão recorrida, também não tinha de proceder a uma nova consulta do comité consultivo (v., neste sentido, acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 118).

203    Por consequência, há que julgar improcedente a quarta parte do segundo fundamento.

 Quanto à quinta parte, relativa à irregular composição do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes

–       Argumentos das partes

204    A recorrente alega que, posteriormente à consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes, realizada antes da adopção da Decisão 91/299 e da decisão recorrida, três Estados aderiram à Comunidade, em 1 de Janeiro de 1995. Uma vez que o comité consultivo se compõe de um representante de cada Estado‑Membro, não estava validamente constituído no momento em que a Comissão elaborou o projecto que levou à adopção da decisão recorrida. A Comissão deveria, portanto, ter procedido a uma nova consulta do comité consultivo regularmente constituído.

205    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

206    Nos termos do artigo 10.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17, na versão aplicável à data dos factos:

«O Comité Consultivo será composto por funcionários competentes em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes. Cada Estado‑Membro designará um funcionário que o representa e que pode ser substituído, em caso de impedimento, por outro funcionário.»

207    Segundo a jurisprudência, a alteração da composição de uma instituição não afecta a continuidade da própria instituição, cujos actos definitivos ou preparatórios mantêm, em princípio, todos os seus efeitos (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 36).

208    Além disso, não existe nenhum princípio geral de direito comunitário que imponha a continuidade da composição do órgão administrativo ao qual esteja submetido um procedimento que possa levar à aplicação de uma coima (acórdão PVC II do Tribunal Geral, referido no n.° 43 supra, n.os 322 e 323).

209    Daí resulta que a Comissão não tinha de consultar novamente o comité consultivo após a adesão de três novos Estados à Comunidade.

210    Assim, há que julgar improcedente a quinta parte do segundo fundamento.

 Quanto à sexta parte, relativa à utilização de documentos apreendidos em violação do Regulamento n.° 17

–       Argumentos das partes

211    A recorrente lembra que, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, na versão aplicável à data dos factos, a Comissão podia ordenar inspecções às empresas, por meio de decisão que indicasse o objecto e o objectivo dessas inspecções, e que, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, desse regulamento, na versão aplicável à data dos factos, as informações obtidas nos termos do artigo 14.° só podiam ser utilizadas para os fins para os quais tivessem sido pedidas.

212    No caso, segundo a recorrente, a decisão de inspecção de 5 de Abril de 1989, com base na qual a Comissão procedeu a investigações nas suas instalações e das suas filiais alemã e espanhola, só tinha em vista o artigo 81.° CE e ordenava que os seis produtores em causa se submetessem a uma investigação, por um lado, sobre a sua eventual participação em acordos e/ou práticas concertadas que tivessem como efeito a compartimentação dos mercados nacionais e uma concertação nos preços do carbonato de sódio e, por outro lado, sobre a aplicação de acordos exclusivos de compra com compradores que pudessem restringir ou eliminar a concorrência e reforçar a rigidez do mercado do carbonato de sódio na Comunidade.

213    Por outro lado, resulta de documentos abandonados nas instalações da recorrente por um dos funcionários que procederam à inspecção que a Comissão não tinha qualquer indicação preliminar, qualquer suspeita ou qualquer indício de infracção ao artigo 82.° CE. Além disso, a Comissão interessou‑se nas relações com os clientes, na medida em que os contratos celebrados com eles podiam constituir um acordo de partilha do mercado. Acresce que, segundo a recorrente, resulta de uma troca de correspondência entre ela e a Comissão que esta, em 22 de Maio de 1989, tinha aceitado a reserva expressa, por ela feita, de proibição de utilização de documentos apreendidos com um objectivo diferente do objecto das investigações no âmbito de um processo nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE.

214    Por outro lado, a recorrente assinala que a Comissão lhe dirigiu pedidos de informações, em 21 de Junho de 1989, e a uma das suas filiais alemãs, a DSW, em 8 de Julho de 1989. Contrariamente à decisão de inspecção, esses pedidos tinham em vista simultaneamente o artigo 81.° CE e o artigo 82.° CE. A recorrente afirma que o pedido que lhe foi dirigido refere igualmente que a Comissão examinava a «compatibilidade com as regras de concorrência dos contratos de fornecimento com os clientes, destinados a garantir a exclusividade de abastecimento por meio de descontos de fidelidade discriminatórios».

215    A recorrente reconhece que a Comissão, por um lado, podia apreender os documentos que tinha descoberto nas inspecções, uma vez que integravam o âmbito de aplicação da decisão de inspecção, e, por outro lado, podia abrir um inquérito para verificar a existência de uma presumível infracção ao artigo 82.° CE de que tivesse tomado conhecimento na sequência das investigações efectuadas. Em contrapartida, segundo a recorrente, a Comissão só podia utilizar os documentos apreendidos no âmbito do procedimento posterior destinado a determinar a existência de uma presumível infracção ao artigo 82.° CE como fundamento da decisão de abrir esse processo. Ora, a recorrente alega que, na sua imensa maioria, os documentos mencionados na parte da comunicação de acusações relativa ao alegado abuso de posição dominante foram aparentemente apreendidos nas inspecções feitas nas suas instalações e das suas filiais. Por conseguinte, a Comissão utilizou os documentos em causa com um objectivo diferente daquele para o qual foram obtidos. Ao fazê‑lo, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente e o direito ao segredo profissional garantidos pelo artigo 14.°, n.° 3, e pelo artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, na versão aplicável à data dos factos.

216    A recorrente infere daí que os documentos anexos à comunicação de acusações e usados como prova das acusações baseadas no artigo 82.° CE deveriam ter sido rejeitados, com excepção dos documentos transmitidos por ela e pela sua filial em resposta aos pedidos de informações que lhes foram dirigidos depois das inspecções. Além disso, devido ao tempo decorrido, a recorrente alega que não estava em condições de determinar quais dos documentos anexos à comunicação de acusações tinham sido apreendidos nas suas instalações e quais os que tinham sido comunicados à Comissão em resposta aos pedidos de informações. Visto cada uma das acusações da Comissão se basear em documentos que deveriam ter sido rejeitados, a decisão recorrida deve ser integralmente anulada. Além disso, as acusações da Comissão têm como fundamento, pelo menos implícito, certos documentos de acusação anexos à comunicação de acusações, sem que o Tribunal Geral tenha a possibilidade de apreciar a influência precisa desses documentos na formulação das acusações dadas por provadas na decisão recorrida. Daí resulta que o Tribunal Geral não tem a possibilidade de fiscalizar a legalidade da decisão recorrida e a regularidade da sua fundamentação.

217    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

218    A título preliminar, há que lembrar que tanto a finalidade do Regulamento n.° 17 como a enumeração contida no seu artigo 14.° dos poderes atribuídos aos agentes da Comissão tornam patente que as inspecções podem ter um alcance muito lato. A este respeito, o direito de acesso a todas as instalações da empresa tem especial importância na medida em que permite à Comissão recolher as provas das infracções às regras de concorrência nos locais em que normalmente se encontram, ou seja, nas instalações comerciais das empresas. Esse direito de acesso ficaria desprovido de utilidade se os agentes da Comissão tivessem de se limitar a solicitar a apresentação de documentos ou processos que pudessem anteriormente identificar de forma precisa. Ora, tal direito implica, pelo contrário, a faculdade de procurar diversos elementos de informação ainda não conhecidos ou não totalmente identificados. Sem essa faculdade, a Comissão não teria a possibilidade de recolher os elementos de informação necessários à inspecção no caso de se deparar com uma recusa de colaboração ou mesmo com uma atitude de obstrução por parte das empresas em causa. Embora, desse modo, o artigo 14.° do Regulamento n.° 17 confira à Comissão amplos poderes de investigação, o respectivo exercício está sujeito a condições que se destinam a garantir o respeito dos direitos das empresas em causa. A esse propósito, refira‑se, antes de mais, a obrigação de a Comissão mencionar o objecto e finalidade da inspecção. Essa obrigação constitui uma exigência fundamental não apenas para revelar a justificação da intervenção pretendida no interior das empresas em causa como também para lhes dar a possibilidade de tomarem consciência do alcance do seu dever de colaboração, preservando ao mesmo tempo os respectivos direitos de defesa (acórdão de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão, referido no n.° 199 supra, n.os 26 a 29).

219    Daí resulta que o alcance do dever de fundamentação das decisões de inspecção não pode ser restringido em função de considerações relativas à eficácia da investigação. A este respeito, esclareça‑se que, embora seja certo que a Comissão não tem de comunicar ao destinatário de uma decisão de inspecção todas as informações de que dispõe a respeito de presumíveis infracções nem de proceder à qualificação jurídica rigorosa dessas infracções, deve, em contrapartida, indicar claramente as presunções que pretende investigar (acórdão de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão, referido no n.° 199 supra, n.° 41).

220    No caso, há que observar que a decisão de inspecção faz referência unicamente ao artigo 81.° CE.

221    Contudo, uma vez que a Comissão não tinha de proceder a uma qualificação jurídica rigorosa das infracções, o facto de a decisão não referir expressamente o artigo 82.° CE não pode, só por si, levar a considerar que a Comissão violou o artigo 14.° do Regulamento n.° 17.

222    É certo que resulta da redacção da decisão de inspecção que a Comissão só pretendia expressamente verificar se a recorrente participava em acordos e/ou práticas concertadas. Nenhum elemento permite considerar que se suspeitava também de um abuso de posição dominante. Além disso, a Comissão não pediu os documentos que utilizou no processo relativo ao artigo 82.° CE no âmbito de novos mandados de inspecção.

223    Contudo, resulta do artigo 1.° da decisão recorrida que «[a recorrente] violou o disposto no artigo [82.° CE] através de um comportamento destinado a excluir ou a limitar seriamente a concorrência e que consistiu[na] conclusão de acordos com os clientes com a obrigação por parte destes de [lhe] comprarem a totalidade, ou uma grande percentagem, das quantidades necessárias à satisfação das suas necessidades em carbonato de sódio […] durante um período indeterminado ou excessivamente longo[, na] concessão de grandes descontos e de outros incentivos financeiros relativos a uma tonelagem marginal que exced[esse] a tonelagem contratual de base do cliente, com o objectivo de assegurar que este [lhe compraria] a totalidade, ou a quase totalidade, das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades[, e em] fazer depender a concessão dos descontos da condição de o cliente acordar em comprar[‑lhe] a totalidade das quantidades necessárias à cobertura das suas necessidades […]».

224    Portanto, há que observar que a «aplicação de acordos exclusivos de compra», a que se refere o artigo 1.°, segundo travessão, da decisão de inspecção, corresponde ao que veio a ser dado por provado na decisão recorrida contra a recorrente. Com efeito, as infracções ao artigo 82.° CE imputadas à recorrente na decisão recorrida foram cometidas no âmbito das suas relações contratuais com parte da sua clientela e consistiam, no essencial, em acordos de exclusividade.

225    Existe, pois, uma semelhança material entre as práticas que a Comissão considerou estarem na origem dos abusos de posição dominante dados por provados na decisão recorrida e aquelas para cuja investigação tinha mandatado os seus agentes no artigo 1.°, segundo travessão, da decisão de inspecção.

226    Uma vez que uma parte dos factos relativamente aos quais os agentes da Comissão tinham sido mandatados com vista à obtenção das provas de uma infracção ao artigo 81.° CE eram os mesmos que vieram depois a constituir o fundamento das acusações de abuso de posição dominante imputadas à recorrente na decisão recorrida, a apreensão de documentos não excedeu o quadro de legalidade constituído pela decisão de inspecção. Com efeito, esta contém os elementos essenciais exigidos pelo artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17.

227    Consequentemente, verifica‑se que os documentos utilizados na decisão recorrida como prova das acusações de infracção ao artigo 82.° CE, independentemente da questão de saber se foram apreendidos nas inspecções de Abril de 1989 ou transmitidos na sequência dos pedidos de informações posteriormente dirigidos à recorrente nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, foram licitamente obtidos pela Comissão.

228    Resulta também do exposto que a Comissão utilizou licitamente esses documentos como prova na decisão recorrida, baseada no artigo 82.° CE.

229    Por outro lado, resulta unicamente do ofício da Comissão de 22 de Maio de 1989 que ela confirmou que as disposições do artigo 20.° do Regulamento n.° 17, na versão aplicável à data dos factos, se aplicavam aos documentos recolhidos nas inspecções e que os documentos em causa não seriam utilizados como prova no âmbito de um processo antidumping. Assim, a Comissão não tomou posição no sentido de o inquérito respeitar unicamente a infracções ao artigo 81.° CE nem de estar excluída do objectivo do inquérito uma qualificação das infracções em causa como abuso de posição dominante.

230    Assim, há que julgar improcedente a sexta parte do segundo fundamento.

 Quanto à oitava parte, relativa à violação dos princípios da imparcialidade, da boa administração e da proporcionalidade

–       Argumentos das partes

231    A recorrente alega que a decisão recorrida reproduz praticamente palavra a palavra uma decisão adoptada dez anos antes e que não tem em conta o decurso do tempo ou as consequências da anulação da Decisão 91/297. Além disso, a recorrente alega que a Comissão lhe deveria ter facultado acesso completo ao processo.

232    Por outro lado, a decisão recorrida é desproporcionada, na medida em que tem por efeito reabrir um processo muito tempo depois dos factos, pois, seja como for, não tem qualquer efeito útil.

233    Acresce que a recorrente afirma que a Comissão não indicou por que razões entendia oportuno aplicar‑lhe novamente uma «decisão draconiana», quando, por outro lado, tinha renunciado a adoptar uma nova decisão na sequência da anulação da Decisão 91/297. Não obstante, a Comissão tinha tratado como um todo as infracções que deram origem às Decisões 91/297, 91/298 e 91/299, que tinham sido redigidas nessa perspectiva. O Tribunal Geral encontra‑se, assim, na impossibilidade de apreciar a fundamentação da decisão da Comissão de adoptar uma nova decisão com um conteúdo quase idêntico ao da Decisão 91/299.

234    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

235    A recorrente, a coberto de uma alegada violação dos princípios da imparcialidade, da boa administração e da proporcionalidade, reproduz os argumentos já apresentados, nomeadamente a propósito do decurso do tempo e do direito de acesso ao processo, que o Tribunal Geral analisa noutro local.

236    O único elemento novo é relativo à falta de fundamentação sobre o facto de a Comissão ter adoptado uma nova decisão com um conteúdo quase idêntico ao da Decisão 91/299. Ora, a esse respeito, há que observar que a Comissão fundamentou a sua opção de adoptar novamente a Decisão 91/299 nos considerandos 196 a 207 da decisão recorrida, que acrescem à Decisão 91/299. Portanto, a alegação da recorrente não corresponde aos factos.

237    Consequentemente, há que julgar improcedente a oitava parte do segundo fundamento.

238    Resulta do exposto que há que julgar improcedente o segundo fundamento na íntegra, sem prejuízo da análise da sétima parte, relativa à violação do direito de acesso ao processo, que será efectuada no âmbito do sexto fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à errada definição do mercado geográfico

 Argumentos das partes

239    Baseando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a recorrente alega que, embora o critério das quotas de mercado constitua um elemento importante para provar a existência de uma posição dominante, nunca é decisivo por si próprio, em particular no caso de essas quotas de mercado serem de um montante razoável. Há que ter igualmente em conta outros factores, nomeadamente as barreiras à entrada no mercado, a integração vertical, o poder financeiro, o avanço tecnológico, o poder compensador dos clientes ou ainda a estrutura dos custos.

240    A recorrente contesta a dimensão comunitária do mercado geográfico relevante que a Comissão deu por provada, depois de ter enumerado vários elementos que «militam todos por uma dimensão nacional». Se a Comissão tivesse feito uma análise preliminar das condições de concorrência, teria concluído que a extensão do mercado era limitada ao território nacional.

241    O erro da apreciação da Comissão é confirmado pela decisão da «autoridade italiana da concorrência» de 10 de Abril de 1997, no processo Solvay/Sodi, em que o mercado geográfico relevante tinha sido definido como o mercado italiano do carbonato de sódio. Na Comunicação publicada nos termos do n.° 3 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 relativa a um pedido de certificado negativo ou de isenção de acordo com o n.° 3 do artigo 81.° […] CE (Processo IV/E‑2/36.732 – Solvay‑Sisecam) (JO 1999, C 272, p. 14), a Comissão reconheceu também que a delimitação do mercado geográfico relevante era uma questão «particularmente complexa» e que a divisão em mercados nacionais tinha perdido pertinência.

242    Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro de direito ao considerar que a sua esfera de influência correspondia à Europa Ocidental continental. Com efeito, a recorrente entende que essa análise se baseava na existência de um acordo entre ela e a ICI e tinha por único objectivo chegar à conclusão de que ela dispunha de uma quota de mercado importante, em termos absolutos e relativos, no «mercado tido em conta». Assim, a Comissão não tomou em conta os critérios habituais que permitem delimitar com exactidão o mercado geográfico relevante, isto é, o território em que as condições de mercado são suficientemente homogéneas para que todos os operadores presentes estejam em concorrência uns com os outros.

243    A recorrente alega também que, visto não ter precisado as razões que a levaram a afastar‑se da sua prática constante na delimitação do mercado geográfico relevante, a Comissão não fundamentou regularmente a decisão recorrida.

244    Além disso, a recorrente entende que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na medida em que decidiu ao mesmo tempo que o Benelux e o Reino Unido constituíam mercados distintos e que o Benelux e Portugal, onde estava em situação de monopólio de facto, pertenciam ao mesmo mercado.

245    A recorrente acrescenta que, no considerando 132 da decisão recorrida, a Comissão indicou que «o mercado tradicional da Solvay cobria a totalidade da Comunidade com excepção do Reino Unido e da Irlanda, onde, devido aos seus acordos anticoncorrenciais existiam condições de concorrência inteiramente diferentes». Ora, segundo a recorrente, a Comissão explicou na contestação, de forma contraditória, que a ICI e ela não estavam em situação de concorrência para excluir o Reino Unido e a Irlanda do mercado geográfico relevante. Por outro lado, na decisão recorrida, a Comissão não menciona as condições de concorrência nos mercados italiano, espanhol, português, grego e dinamarquês, mesmo apesar de concluir, sem a menor justificação complementar, pela homogeneidade das condições de concorrência em todo o território da Europa continental. Quanto às suas quotas de mercado nacionais, a recorrente assinala que estas não eram nada homogéneas, pois, consoante os Estados, eram, uma vezes, inexistentes ou, outras, de 15%, 50%, 80% ou 100%. Nestas circunstâncias, a recorrente pede que o Tribunal Geral convide a Comissão a explicar o que a levou a considerar que a estrutura do mercado era idêntica em todo o lado na Europa Ocidental continental.

246    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal

247    Segundo jurisprudência assente, para examinar se uma empresa ocupa uma posição dominante na acepção do artigo 82.°, primeiro parágrafo, CE, deve ser dada uma importância fundamental à determinação do mercado em causa e à determinação da parte substancial do mercado comum em que a empresa possa eventualmente cometer práticas abusivas que obstem a uma concorrência efectiva (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, Colect., p. I‑7791, n.° 32, e de 23 de Maio de 2000, Sydhavnens Sten & Grus, C‑209/98, Colect., p. I‑3743, n.° 57).

248    A esse respeito, há que lembrar que a delimitação do mercado não tem a mesma função consoante se trate de aplicar o artigo 81.° CE ou o artigo 82.° CE. No âmbito da aplicação do artigo 82.° CE, a definição adequada do mercado em causa é condição necessária e prévia a qualquer juízo sobre um comportamento alegadamente anticoncorrencial, uma vez que, antes de determinar a existência de um abuso de posição dominante, é necessário determinar a existência de uma posição dominante num dado mercado, o que pressupõe que esse mercado tenha sido previamente delimitado. Em contrapartida, no âmbito da aplicação do artigo 81.° CE, é para determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum que é necessário, eventualmente, definir o mercado em causa (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 230, e de 11 de Dezembro de 2003, Adriatica di Navigazione/Comissão, T‑61/99, Colect., p. II‑5349, n.° 27).

249    Na sistemática do artigo 82.° CE, o mercado geográfico pode ser definido como o território em que todos os operadores económicos se encontram em condições de concorrência semelhantes no que respeita, precisamente, aos produtos em causa. De modo nenhum é necessário que as condições objectivas da concorrência entre os operadores económicos sejam perfeitamente homogéneas. Basta que sejam semelhantes ou suficientemente homogéneas (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.os 44 e 53, e acórdão do Tribunal Geral de 22 de Novembro de 2001, AAMS/Comissão, T‑139/98, Colect., p. II‑3413, n.° 39). Assim, só se pode considerar que não constituem um mercado uniforme as zonas em que as condições objectivas de concorrência são heterogéneas (acórdão do Tribunal Geral de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 92).

250    Por último, resulta de jurisprudência assente que, embora o juiz comunitário exerça, de modo geral, uma fiscalização integral no que respeita à questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação das normas da concorrência, a fiscalização que exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdãos do Tribunal Geral de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 64, e de 17 de Setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colect., p. II‑3601, n.° 87).

251    No caso, a Comissão, na parte da decisão recorrida dedicada ao mercado em causa, definiu o mercado geográfico relevante da seguinte forma:

«136.          O produto apropriado e a área geográfica em questão relativamente aos quais deve ser apreciado o poder económico da Solvay é, por conseguinte, o mercado do carbonato de sódio na Comunidade (com exclusão do Reino Unido e da Irlanda).»

252    Em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão salientou que outras passagens da decisão recorrida se referiam ao mesmo mercado geográfico identificado no considerando 136 da decisão recorrida.

253    A Comissão invoca nomeadamente os considerandos 8, 18 a 20, 23, 26, 36 a 38, 40 a 42, 43, 133, 137, 138, 188 e 191, que referem a «Europa Ocidental», ou a «Comunidade».

254    Por outro lado, a definição do mercado geográfico feita no considerando 136 da decisão recorrida não está em contradição com outros considerandos da decisão recorrida. Com efeito, resulta da jurisprudência acima referida no n.° 249 que basta que as condições de concorrência sejam semelhantes ou suficientemente homogéneas no que respeita aos produtos em causa. Portanto, vários mercados nacionais podem formar em conjunto um mercado geográfico, no âmbito da aplicação do artigo 82.° CE, no caso de as condições objectivas de concorrência serem suficientemente homogéneas.

255    Além disso, o facto de os produtores terem tendência a concentrar as suas vendas nos Estados‑Membros em que tenham capacidades de produção não exclui a possibilidade de as condições objectivas da concorrência serem suficientemente homogéneas.

256    De qualquer forma, resulta da análise do quarto fundamento invocado pela recorrente (v. n.os 261 a 305 infra) que esta está em posição dominante, quer o mercado geográfico relevante seja definido como a Comunidade, com excepção do Reino Unido e da Irlanda, quer seja cada um dos Estados em que as infracções ao artigo 82.° CE lhe são imputadas no mercado do carbonato de sódio.

257    Tal como indica o considerando 147 da decisão recorrida:

«Contudo, mesmo se cada um dos mercados nacionais, especialmente afectados pelo comportamento de exclusão da Solvay[,] fosse considerado um mercado distinto, a Solvay continuava a ser dominante em cada um deles, e a maioria das considerações acima apresentadas permanece válida.»

258    Com efeito, resulta das quotas de mercado detidas pela recorrente que ela estava igualmente em posição dominante em cada um dos Estados em que cometeu as infracções ao artigo 82.° CE que lhe são imputadas.

259    Daí resulta que, mesmo admitindo que a Comissão não tivesse definido correctamente o mercado geográfico relevante, esse erro não poderia ter tido uma influência determinante no resultado. Esse erro, admitindo‑o demonstrado, não poderia justificar a anulação da decisão da Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão, T‑126/99, Colect., p. II‑2427, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

260    Portanto, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à inexistência de posição dominante

 Argumentos das partes

261    A recorrente contesta a análise da Comissão segundo a qual os seus próprios documentos confirmam a existência de uma posição dominante na Europa Ocidental.

262    Em primeiro lugar, a recorrente entende que a tese da Comissão não é sustentada pelos factos.

263    A esse respeito, a recorrente assinala que, no considerando 147 da decisão recorrida, a Comissão indicou que, mesmo embora cada um dos mercados nacionais particularmente afectados pelo comportamento de exclusão fosse considerado um mercado distinto, continuava a ser dominante em cada um deles.

264    Ora, segundo a recorrente, a sua quota de mercado nos mercados nacionais não era de 70% e, mesmo embora fosse significativa, não seria reveladora de um grau significativo de poder no mercado. Assim, no período em causa, a sua quota de mercado era apenas de 56,7% no Benelux, de 54,9% em França e de 52,5% na Alemanha. A recorrente alega igualmente que o facto de ser o único produtor de carbonato de sódio a exercer a sua actividade em toda a Comunidade não tem qualquer influência. A sua capacidade total de produção na Europa, na falta de qualquer fornecimento significativo das suas diversas unidades de produção nos outros mercados nacionais onde tinha unidades de produção, também não tem qualquer influência. A nível nacional, as suas capacidades de produção eram comparáveis às dos seus concorrentes nacionais.

265    Do mesmo modo, a recorrente alega que a protecção que lhe tinha sido conferida pelas medidas antidumping foi apenas relativa na medida em que as importações provenientes da Alemanha de Leste e com destino à Alemanha Ocidental não estavam sujeitas a direitos antidumping nem a direitos aduaneiros e, de qualquer forma, o regime do aperfeiçoamento activo permitia aos produtores de vidro comprar aos produtores americanos e aos produtores da Europa de Leste grandes quantidades de carbonato de sódio isentas de direitos antidumping.

266    Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão deveria ter tido em conta a possibilidade de os clientes utilizarem soda cáustica e vidro partido reciclado em vez de carbonato de sódio. Com efeito, na sua relação com a clientela, considera ter sido submetida à pressão concorrencial desses produtos.

267    A recorrente infere daí que não tinha qualquer posição dominante nos mercados nacionais em causa, os únicos admissíveis em termos geográficos.

268    Além disso, segundo a recorrente, a Comissão não teve em conta o grande poder de compra compensatório de que dispõem alguns dos seus clientes fabricantes de vidro. Com efeito, não verificou em que medida as tonelagens retiradas por esses clientes eram necessárias à sua sobrevivência a longo prazo, nomeadamente pela importância dos custos fixos nessa indústria pesada. A Comissão também não mediu o papel dos concorrentes locais nem o impacto das importações provenientes dos Estados Unidos ou da Europa de Leste.

269    Mesmo admitindo que o mercado geográfico relevante fosse de dimensão europeia, a análise da Comissão seria inexacta e «mal fundamentada». A esse respeito, a recorrente invoca a pressão concorrencial, em primeiro lugar, dos concorrentes comunitários pertencentes a grandes grupos industriais, em segundo lugar, dos concorrentes americanos e dos concorrentes dos países da Europa de Leste, capazes de oferecer preços atractivos, e, em terceiro lugar, dos clientes igualmente pertencentes a grandes grupos.

270    A recorrente alega igualmente uma contradição entre o considerando 39 da decisão recorrida, segundo o qual o principal risco para ela provinha do carbonato de sódio americano e não dos outros produtores europeus, e o considerando 53 da decisão recorrida, nos termos do qual «a [sua] principal preocupação […] parece ter sido a de conservar a sua posição dominante no mercado europeu contra a ‘agitação’ por parte dos produtores mais pequenos, bem como contra a clara ameaça das importações provenientes da Europa de Leste e dos Estados Unidos». O poder de mercado dos seus concorrentes era ainda mais importante quando, no inquérito levado a cabo em 1980 e 1981, a Comissão não lhes impôs qualquer alteração das suas práticas contratuais, pelo que podiam proteger os seus clientes pela celebração de contratos relativos às necessidades totais de longa duração.

271    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão cometeu vários erros de direito ao concluir, no considerando 148 da decisão recorrida, que ela tinha ocupado uma posição dominante durante todo o período em causa.

272    A esse respeito, a recorrente alega nomeadamente que a Comissão ignorou totalmente o critério do poder compensador dos clientes, em que o Tribunal Geral se baseou no seu acórdão de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão (T‑68/89, T‑77/89 e T‑78/89, Colect., p. II‑1403). Do mesmo modo, na Decisão 1999/641/CE da Comissão, de 25 de Novembro de 1998, que declara a compatibilidade de uma concentração com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo IV/M.1225 – Enso/Stora) (JO 1999, L 254, p. 9), foi analisada a questão do poder de compra compensador dos clientes no mercado do cartão para embalagem de líquidos. A recorrente alega que, devido à estrutura dos custos de produção, uma vez que os custos variáveis eram reduzidos face ao custo total, os seus clientes podiam ameaçá‑la com a perda de uma parte significativa ou de todos os seus fornecimentos. A recorrente entende, assim, que a Comissão deveria ter tentado saber se ela estava ou não em condições de se comportar, em termos apreciáveis, de uma forma independente face à sua clientela.

273    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não fundamentou regularmente a decisão recorrida, por um lado, não especificando quais dos critérios seguidos para analisar a sua posição dominante no mercado comunitário eram aplicáveis à análise da sua posição nos mercados nacionais e, por outro, não aplicando concretamente esses critérios às condições existentes nesses mercados.

274    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal

275    Segundo jurisprudência assente, a posição dominante referida no artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe dá o poder de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em questão, ao possibilitar‑lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, relativamente aos consumidores (acórdãos United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, referido no n.° 249 supra, n.° 65, e Microsoft/Comissão, referido no n.° 250 supra, n.° 229). Essa posição, ao contrário de uma situação de monopólio ou de quase monopólio, não exclui a existência de alguma concorrência, mas permite à empresa que dela desfruta, senão determinar, pelo menos ter uma influência considerável nas condições em que se desenvolve a concorrência e, de qualquer modo, agir em grande medida em seu desrespeito e sem que isso lhe cause prejuízo (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 39).

276    A existência de uma posição dominante resulta geralmente da reunião de vários factores, que, isoladamente, não seriam necessariamente determinantes (acórdão United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, referido no n.° 249 supra, n.° 66). A análise da existência de uma posição dominante no mercado em causa deve ser feita examinando primeiro a sua estrutura e, seguidamente, a situação da concorrência nesse mercado (v., neste sentido, acórdão United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, referido no n.° 249 supra, n.° 67).

277    As grandes quotas de mercado constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante. Com efeito, a posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período, em razão do volume de produção e de oferta que representa – sem que os detentores de quotas sensivelmente mais reduzidas tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretende afastar‑se da empresa que detém a quota mais importante –, numa situação de força, transformando‑a num parceiro obrigatório e que, só por isso, lhe assegura, pelo menos durante períodos relativamente longos, a independência de comportamento característico da posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 41, e acórdão do Tribunal Geral de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.° 154).

278    Assim, uma quota de mercado de 70% a 80% constitui, só por si, um indício claro da existência de uma posição dominante (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, Colect., p. II‑1439, n.° 92, e de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 907).

279    Do mesmo modo, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma quota de mercado de 50% constitui só por si, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 60).

280    No caso, a Comissão indicou, no considerando 137 da decisão recorrida, que a recorrente detinha uma quota de mercado de «cerca de 70% na Europa Ocidental [c]ontinental» e «durante a totalidade do período em apreço».

281    Na petição, a recorrente não nega deter uma quota de mercado muito grande, admitindo que o mercado tenha dimensão comunitária. Indica assim que, se o mercado for europeu, a sua quota de mercado oscila entre 60% e 70%.

282    Resulta também dos números fornecidos pela recorrente, não impugnados pela Comissão, que, em 1988, detinha nomeadamente 52,5% do mercado alemão, 96,9% do mercado austríaco, 82% do mercado belga, 99,6% do mercado espanhol, 54,9% do mercado francês, 95% do mercado italiano, 14,7% do mercado neerlandês e 100% do mercado português.

283    Resulta da detenção dessas quotas de mercado que, salvo em circunstâncias excepcionais específicas do caso concreto, a recorrente detinha uma posição dominante quer no mercado comunitário quer nos vários mercados nacionais em que cometeu as infracções ao artigo 82.° CE que lhe são imputadas, admitindo que o mercado geográfico deva ser definido dessa forma.

284    No considerando 138 da decisão recorrida, a Comissão invoca diversos elementos que completam o seu exame das quotas de mercado da recorrente e vão no sentido da existência de uma posição dominante sua.

285    Uma vez que, por definição, esses elementos não podem ligar‑se a circunstâncias excepcionais que permitam considerar que a recorrente não está em posição dominante, não há que analisar as críticas da recorrente a esse respeito.

286    Por outro lado, a recorrente invoca três argumentos que importa analisar para se determinar se, no caso, existiam essas circunstâncias excepcionais na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

287    Em primeiro lugar, a recorrente alega uma grande pressão concorrencial de outras empresas comunitárias e não comunitárias.

288    A esse respeito, há que lembrar antes de mais que a existência de um certo grau de concorrência não é incompatível com a existência de uma posição dominante no mercado em causa.

289    Por outro lado, há que observar que, quanto aos concorrentes comunitários, a recorrente não apresenta qualquer elemento preciso em apoio da sua argumentação.

290    De qualquer forma, resulta dos números fornecidos na petição pela própria recorrente que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao dar por provada, no considerando 138 da decisão recorrida, a existência de uma grande quota de mercado da recorrente no Benelux, em França e na Alemanha e a sua posição de monopólio ou quase em Itália, Espanha e Portugal.

291    Quanto aos concorrentes não comunitários, a recorrente alega que as importações provenientes da Alemanha de Leste eram de 8% das vendas totais na Alemanha Ocidental, percentagem não impugnada pela Comissão. Contudo, seja o mercado geográfico de dimensão comunitária ou nacional, essa percentagem não permite concluir pela inexistência de posição dominante da recorrente no mercado em causa.

292    Quanto às importações americanas, o considerando 31 da decisão recorrida indica que, até 1990, os fornecimentos dos produtores americanos na Europa Ocidental continental foram apenas de 40 000 toneladas no total e quase todos no regime de aperfeiçoamento activo.

293    Ora, como acertadamente salienta a Comissão, mesmo considerando que essa quantidade tivesse sido realizada num ano, apenas representava cerca de 0,07% do consumo total de carbonato de sódio na Comunidade, que era de cerca de 5,5 milhões de toneladas em 1989. Essa quota de mercado não pode ser considerada significativa.

294    Por último, quanto à afirmação da recorrente de que os seus clientes utilizavam a ameaça de usarem o regime de aperfeiçoamento activo para se abastecerem junto dos produtores americanos e dos produtores da Europa de Leste, não tem suporte em qualquer elemento de prova. De qualquer forma, esse argumento é inoperante, pois o simples facto de os clientes utilizarem essa ameaça não pode constituir uma circunstância excepcional que exclui uma posição dominante.

295    Em segundo lugar, a recorrente invoca a possibilidade de uma substituição do carbonato de sódio pela soda cáustica e pelo vidro partido reciclado, o que afirma constituir uma pressão concorrencial na relação com a clientela.

296    A esse respeito, há que observar que, nos considerandos 139 a 145 da decisão recorrida, a Comissão procedeu a uma análise detalhada do grau de substituição possível do carbonato de sódio pela soda cáustica e deu por provado que, na prática, as possibilidades de substituição não constituíam uma limitação significativa do poder da recorrente no mercado. Na petição, a recorrente não fornece qualquer elemento que possa pôr isto em causa.

297    Quanto ao vidro partido reciclado, a Comissão indicou, no considerando 144 da decisão recorrida, que as necessidades dos clientes em termos de carbonato de sódio na produção de recipientes de vidro podem ser reduzidas até 15% mediante a utilização de vidro partido reciclado. Este número não é impugnado pela recorrente. A Comissão também admitiu a possibilidade de a utilização de vidro partido reciclado reduzir a dependência dos clientes face aos fornecedores de soda cáustica em geral sem, contudo, reduzir a possibilidade de um grande produtor de soda cáustica excluir os produtores mais pequenos. Por conseguinte, há que considerar que, contrariamente ao que afirma a recorrente, a Comissão teve em conta essa possibilidade de substituição do carbonato de sódio pelo vidro partido reciclado.

298    Nestas circunstâncias, a recorrente não demonstrou que a Comissão tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao concluir que as possibilidades de substituição não constituíam uma limitação significativa do poder da recorrente no mercado.

299    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão deveria ter tido em conta a pressão concorrencial exercida pelos clientes.

300    Contudo, de acordo com os números fornecidos pela própria recorrente e confirmados pela Comissão, a produção total da recorrente na Europa à época dos factos em causa era da ordem dos 3,7 milhões de toneladas e o total das suas vendas na Europa era da ordem dos 3,1 milhões de toneladas.

301    No considerando 42 da decisão recorrida, a Comissão indicou que o principal cliente da recorrente era o grupo Saint‑Gobain, com o qual tinha celebrado contratos por tempo indeterminado em vários Estados‑Membros e relativos a vendas de mais de 500 000 toneladas por ano na Europa Ocidental.

302    Por conseguinte, a parte das vendas da recorrente à Saint‑Gobain, o seu maior cliente, representa cerca de 14% da sua produção e 16% das suas vendas na Europa.

303    Portanto, admitindo que a Comissão devesse ter tido em conta o critério do poder compensador dos clientes da recorrente, resulta das percentagens acima indicadas que nem a Saint‑Gobain nem qualquer outro dos seus clientes tinha condições para contrabalançar o seu poder no mercado.

304    Em conclusão, os argumentos da recorrente não levam a admitir a existência de circunstâncias excepcionais que justifiquem que se ponha em causa a consideração de que estava em posição dominante nesse mercado.

305    Consequentemente, há que julgar improcedente o quarto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à inexistência de abuso de posição dominante

306    O quinto fundamento articula‑se em cinco partes, relativas, respectivamente, aos descontos sobre a tonelagem marginal, ao desconto «grupo» concedido à Saint‑Gobain, aos acordos de exclusividade, às cláusulas de concorrência e ao carácter discriminatório das práticas imputadas à recorrente.

 Quanto à primeira parte, relativa aos descontos sobre a tonelagem marginal

 – Argumentos das partes

307    A recorrente alega que não instituiu uma política geral de fidelidade. A esse respeito, as notas de estratégia referidas nos considerandos 53 a 55 da decisão recorrida são relativas à vontade de favorecer os clientes que se vinculassem a prazo, o que é economicamente justificado. O objectivo era remunerar a vantagem económica que a recorrente retirava da garantia de uma utilização das suas capacidades de produção por tempo limitado, mas certo, de dois anos no máximo, admitida expressamente pela Comissão em 1981.

308    O facto de os descontos concedidos respeitarem à tonelagem marginal justifica‑se pela estrutura de custos específica da produção do carbonato de sódio. Com efeito, os custos variáveis representam uma muito pequena proporção dos custos totais. Na negociação e na fixação do preço de venda do carbonato de sódio no início do ano, são tidos em conta todos os custos, repartidos pelas tonelagens que os seus clientes se obrigaram a adquirir. Quanto às quantidades suplementares eventualmente compradas pelos clientes ao longo da execução do contrato, a recorrente assinala que, uma vez que os custos fixos já estão cobertos pelas quantidades fixas, dispõe de maior margem de manobra na fixação do preço e na determinação do montante do desconto a conceder ao cliente em causa.

309    Em particular, a recorrente alega que a Comissão fez uma apreciação errada dos efeitos da concessão de alegados descontos de fidelidade pela direcção nacional alemã aos seus clientes alemães. Com efeito, considerou erradamente que os outros produtores de carbonato de sódio só eram concorrentes nas tonelagens marginais. Ora, segundo a recorrente, os seus concorrentes que desejassem vender aos seus clientes que beneficiassem de descontos nas tonelagens marginais podiam propor fornecer‑lhes quantidades superiores às tonelagens marginais, ou mesmo a totalidade das suas necessidades, o que lhes permitiria oferecer preços médios competitivos. Por outro lado, a Comissão não analisou as capacidades de produção dos seus concorrentes e a sua estrutura de custos nessa época.

310    Por outro lado, a recorrente entende que a duração dos contratos, que era limitada a dois anos, permitia aos seus concorrentes contestar a sua posição a curto prazo. Tendo em conta o poder de negociação dos clientes, inclusivamente ter‑lhes‑ia sido possível, na vigência do contrato, pôr em causa o seu «compromisso de tonelagem».

311    Consequentemente, o sistema de descontos instituído no presente caso respeitava a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que autoriza os regimes de descontos quando são justificados por uma contrapartida económica.

312    Por outro lado, a recorrente baseia‑se no Regulamento (CE) n.° 823/95 da Comissão, de 10 de Abril de 1995, que institui um direito antidumping provisório sobre as importações de carbonato dissódico originário dos Estados Unidos da América (JO L 83, p. 8), para afirmar que o sistema de descontos na camada superior tinha um efeito muito limitado na Europa, na medida em que se aplicava exclusivamente a pequenas quantidades em mercados determinados.

313    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 – Apreciação do Tribunal

314    Segundo jurisprudência assente, o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que se refere a comportamentos de uma empresa em posição dominante, susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado em que, precisamente pela presença dessa empresa, o grau de concorrência já está enfraquecido, e que têm por efeito criar obstáculos, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 91, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, Colect., p. II‑5575, n.° 549).

315    Embora a verificação da existência de uma posição dominante não implique por si mesma qualquer censura em relação à empresa em causa, impõe‑lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não prejudicar, pelo seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57, e acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 250 supra, n.° 229). Do mesmo modo, embora a existência de uma posição dominante não prive uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estiverem ameaçados, e embora essa empresa tenha a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, não se pode, porém, admitir esses comportamentos quando tiverem como objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, referido no n.° 249 supra, n.° 189, e acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.° 55).

316    Mais em particular, quanto à concessão de descontos por uma empresa em posição dominante, resulta de jurisprudência assente que um desconto de fidelidade, concedido como contrapartida de um compromisso de um cliente se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente na empresa em posição dominante, é contrário ao artigo 82.° CE. Com efeito, esse desconto destina‑se a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 518, e acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra, n.° 56).

317    Um sistema de descontos que tenha um efeito de encerramento do mercado será considerado contrário ao artigo 82.° CE se for aplicado por uma empresa em posição dominante. Por esta razão, o Tribunal de Justiça considerou que um desconto ligado à realização de um objectivo de compras violava também o artigo 82.° CE (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra, n.° 57).

318    Em geral, considera‑se que os sistemas de descontos pela quantidade, ligados apenas ao volume de compras efectuadas a uma empresa na situação de posição dominante, não têm o efeito de encerramento proibido pelo artigo 82.° CE. Com efeito, se o aumento da quantidade fornecida se traduzir num custo inferior para o fornecedor, este tem o direito de fazer o seu cliente beneficiar dessa redução através de uma tarifa mais favorável. É suposto, portanto, que os descontos pela quantidade reflictam os ganhos de eficiência e as economias de escala realizados pela empresa em posição dominante (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra, n.° 58).

319    Daí resulta que um sistema de descontos cuja taxa de redução aumente em função do volume comprado não viola o artigo 82.° CE, a não ser que os critérios e as modalidades de concessão dos descontos demonstrem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, antes se destinando, como no caso de um desconto de fidelização e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes na concorrência (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 90, e Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra, n.° 59).

320    Para apreciar o eventual carácter abusivo de um sistema de descontos pela quantidade, há que analisar, portanto, todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 90, e Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra, n.° 60).

321    No caso, na parte da decisão recorrida relativa ao comportamento da recorrente no sentido de excluir a concorrência, a Comissão refere, antes de mais, nos considerandos 53 a 55 da decisão recorrida, uma estratégia comercial da recorrente depois de 1982.

322    A esse respeito, a Comissão baseia‑se em duas notas sobre a estratégia de 1988, segundo as quais a recorrente tentava fidelizar os seus clientes pela concessão de descontos contratuais.

323    Nos considerandos 56 a 80 da decisão recorrida, a Comissão analisa seguidamente o sistema de descontos instituído pela recorrente na Alemanha e em França.

324    Em particular, a Comissão refere o seguinte:

«Para além dos descontos de quantidade habituais relativos à tonelagem de base concedidos aos grandes clientes, a Solvay concedeu, a partir de 1982, dois outros tipos de desconto na Alemanha:

–      um desconto relativo à tonelagem marginal (denominado ‘Spitzenrabatt’), quase invariavelmente de 20% em relação ao preço de tabela,

–      um pagamento anual especial por cheque (até 3,4 milhões de marcos alemães num dos casos), dependente da condição de o cliente se abastecer para a maior parte ou totalidade das suas necessidades junto da Solvay.

[…]

Assim, em relação à Vegla, membro do grupo Saint‑Gobain, e o maior cliente da Solvay na Alemanha, o sistema de desconto funcionava do seguinte modo em 1989:

1) Em relação à tonelagem contratual de base de 85 000 toneladas, um desconto de 10%;

2) Em relação à tonelagem marginal de 43 000 toneladas, um desconto de 20%;

3) Um cheque relativo à tonelagem marginal de 3 349 000 marcos alemães.

[…]

Na maioria dos casos, tal como no caso da Vegla, o sistema de descontos garantia à Solvay uma posição segura enquanto fornecedor exclusivo. Contudo, o sistema de descontos funcionava também como uma garantia de que, quando a política dos clientes fosse repartir o seu abastecimento por dois fornecedores, a quota dominante da Solvay fosse mantida. Flachglas, o segundo maior cliente da Solvay na Alemanha, repartia a sua actividade numa proporção de aproximadamente 70/30 entre a Solvay e a Matthes & amp; Weber. Desde 1983, as condições de preços aplicadas pela Solvay à Flachglas previam um desconto de quantidade de 8,5% em relação a uma tonelagem até 70 kt, 20% em relação a qualquer tonelagem marginal e um cheque de 500 a 750 mil marcos alemães. Este desconto suplementar por cheque significava que o preço real de qualquer tonelagem marginal acima de 70 kt era (consoante a quantidade) apenas de 250 ou 260 marcos alemães por tonelada. Era extremamente difícil para o segundo fornecedor penetrar na quota de actividade de ‘base’ da Solvay que (tal como revelam os próprios documentos da Solvay) era protegida pela ‘barreira dos descontos’. Ainda que o segundo fornecedor pudesse igualar o preço facturado de 322,40 marcos alemães (preço de tabela ‑20%), é muito pouco provável que o cliente quisesse arriscar perder o pagamento por cheque de elevado montante que dependia claramente de comprar ou deixar de comprar uma determinada tonelagem à Solvay para além da tonelagem contratual de base. Os documentos obtidos junto da Matthes & amp; Weber confirmam que era impossível àquela empresa penetrar de alguma forma na parte da Solvay respeitante à actividade da Flachglas.»

325    Em nenhum momento a recorrente impugna os elementos que lhe são imputados a respeito do sistema de descontos instituído em França. Com efeito, refere unicamente o sistema instituído na Alemanha.

326    Assim sendo, há que analisar apenas se o sistema de descontos instituído pela recorrente na Alemanha constituía um sistema de descontos pela quantidade através do qual o fornecedor fazia os seus clientes beneficiarem das economias de escala obtidas devido aos seus compromissos de compra ou de um sistema de fidelização que, através de uma vantagem sem qualquer suporte numa prestação económica que o justifique, se destinava a restringir a escolha dos clientes da recorrente nas suas fontes de abastecimento.

327    A esse respeito, a recorrente não impugna a existência e o conteúdo das duas notas sobre a estratégia de 1988, antes alega que se destinavam a favorecer os clientes que se obrigassem por um certo prazo, o que é economicamente justificado.

328    De acordo com a jurisprudência, há que apreciar todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades de concessão dos descontos.

329    Resulta da decisão recorrida que, ao contrário de um desconto pela quantidade ligado unicamente ao volume das compras, não estava prevista qualquer progressividade nas taxas das reduções concedidas sobre as quantidades de base e as quantidades marginais, uma vez que o sistema previa a passagem de uma taxa de cerca de 7% a 10% sobre as primeiras para uma taxa de 20% sobre as segundas, montante completado ainda pela aplicação de um pagamento especial por cheque.

330    Além disso, a taxa de 20% começava a aplicar‑se logo que o cliente encomendava à recorrente quantidades suplementares acima das fixadas contratualmente, independentemente da sua importância em termos absolutos, tal como resulta do considerando 160 da decisão recorrida.

331    Portanto, a descida dos preços não intervinha gradualmente em função das quantidades fixadas contratualmente, mas apenas quando as quantidades atingiam um certo limiar fixado num nível próximo das necessidades determinadas na negociação do contrato. Ora, num sistema de descontos pela quantidade, a vantagem deve ser repercutida no preço da tonelagem de base em função das quantidades compradas.

332    A aplicação cumulativa desses descontos tinha a consequência de o preço unitário oferecido pelas quantidades marginais ser sensivelmente inferior ao preço médio pago pelo cliente pelas quantidades de base fixadas contratualmente, como salienta a Comissão nos considerandos 61 e 62 da decisão recorrida.

333    Por conseguinte, os clientes eram incentivados a abastecer‑se junto da recorrente também nas tonelagens acima das quantidades contratuais, na medida em que os outros fornecedores dificilmente poderiam oferecer, nessas tonelagens, preços concorrenciais face aos oferecidos pela recorrente (considerandos 63 a 66 da decisão recorrida).

334    Por outro lado, de acordo com o acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra (n.os 107 a 109), a recorrente deveria demonstrar que o seu sistema de descontos assentava numa justificação económica objectiva. Ora, a recorrente não apresenta qualquer indicação concreta a esse respeito. Apenas indica que o que estava em causa era remunerar a vantagem económica que retirava da garantia de uma utilização das suas capacidades de produção.

335    Essa argumentação é demasiado geral e não constitui uma explicação concreta da escolha das taxas de desconto fixadas.

336    Acresce que o carácter fidelizador do sistema de descontos instituído resulta da prova documental analisada nos considerandos 68 a 71 da decisão recorrida, não impugnada pela recorrente.

337    De resto, nos processos antidumping, a invocação do Regulamento n.° 823/95 é irrelevante, uma vez que este foi aprovado num quadro jurídico totalmente diferente.

338    Por último, mesmo admitindo que os descontos só tivessem sido aplicados sobre pequenas quantidades, resulta da jurisprudência que, para efeitos de prova de uma violação do artigo 82.° CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante se destina a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento pode ou é susceptível de ter esse efeito (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 315 supra, n.° 239).

339    Ora, é esse o caso do sistema de descontos sobre a tonelagem marginal instituído pela recorrente na Alemanha.

340    Em conclusão, há que considerar que a recorrente não demonstrou que a Comissão tinha cometido um erro ao concluir que o sistema de descontos que tinha instituído na Alemanha tinha por finalidade fidelizar a clientela e era susceptível de ter um efeito de exclusão na concorrência.

341    Assim sendo, há que julgar improcedente a primeira parte do quinto fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa ao desconto de «grupo» concedido à Saint‑Gobain

 – Argumentos das partes

342    A recorrente alega que o protocolo secreto celebrado com a Saint‑Gobain não constituía um contrato exclusivo ou quase exclusivo, pois apenas fornecia cerca de 67% da totalidade das necessidades da Saint‑Gobain na Europa.

343    A recorrente afirma que os fornecimentos se efectuavam a nível nacional por razões relativas à realidade económica, essencialmente os custos de transporte. Por outro lado, o desconto de 1,5% foi concedido sobre as quantidades efectivamente compradas pelas filiais nacionais e a pedido da Saint‑Gobain.° Tratava‑se de um desconto suplementar de quantidade, limitado a um nível moderado para evitar qualquer ilegalidade face às normas comunitárias de concorrência.

344    A recorrente acrescenta que esse desconto não era calculado sobre a soma das compras do grupo. A base de cálculo do desconto para cada uma das filiais da Saint‑Gobain era o preço de venda a esta última, multiplicado por essas vendas. Por conseguinte, o desconto estava ligado às compras que as filiais da Saint‑Gobain se tinham obrigado a realizar directamente nas diversas direcções nacionais da recorrente.

345    Por outro lado, a recorrente assinala que, depois da adopção da Decisão 91/299, a Comissão aceitou um contrato que tinha celebrado com o grupo Saint‑Gobain em 1994, por força do qual as sociedades do grupo Saint‑Gobain beneficiavam de condições privilegiadas no fornecimento de carbonato de sódio, tendo em conta que a duração do contrato era de três anos e que não seria renovado.

346    Por último, a recorrente alega que o protocolo secreto que celebrou com o grupo Saint‑Gobain não impediu as filiais nacionais da Saint‑Gobain de utilizarem a ameaça para negociarem condições contratuais mais vantajosas, ou mesmo de rescindirem o contrato, como no caso da Saint‑Gobain France.

347    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

348    No considerando 161 da decisão recorrida, a Comissão indica que o protocolo secreto se destinava a confirmar a recorrente na posição de fornecedor exclusivo ou quase exclusivo da Saint‑Gobain na Europa Ocidental, com exclusão da França.

349    Há que considerar que a recorrente não nega a existência desse protocolo secreto nem o conteúdo da cláusula 4 desse protocolo que tinha a seguinte redacção:

«No âmbito do presente protocolo, a Solvay concede ainda à Saint‑Gobain um desconto suplementar de 1,5% calculado sobre todas as compras de carbonato de sódio da Saint‑Gobain à Solvay na Europa.»

350    A recorrente alega que esse desconto constituía um desconto suplementar pela quantidade, atribuído em função das compras das filiais da Saint‑Gobain às suas diversas direcções nacionais.

351    A Comissão alega que o desconto de 1,5% não era um desconto pela quantidade, na medida em que cada uma das filiais da Saint‑Gobain tinha um desconto não exclusivamente ligado às quantidades compradas por ela própria mas também em função das quantidades compradas pelas outras filiais. Uma vez que era calculado pelos resultados de todo o grupo, esse desconto, que não correspondia a uma vantagem económica ligada às quantidades entregadas, tinha por objectivo e por efeito fidelizar todo o grupo, assim constituindo um desconto de fidelidade.

352    A esse respeito, resulta do próprio texto da cláusula 4 do protocolo secreto que o desconto era calculado sobre «todas as compras» de carbonato de sódio da Saint‑Gobain à recorrente na Europa.

353    Por outro lado, tendo o Tribunal Geral convidado a recorrente a precisar a sua argumentação por uma questão escrita no âmbito das medidas de organização do processo, esta limita‑se a afirmar que o desconto não era, «como o protocolo pode fazer crer», calculado ou concedido sobre a soma de todas as compras que lhe eram feitas pela Saint‑Gobain em conjunto na Europa.

354    Portanto, sem considerações fundamentadas capazes de pôr em causa a interpretação literal da cláusula 4 do protocolo secreto, há que considerar que o desconto de 1,5%, concedido sem qualquer relação com as vantagens económicas em termos de eficiência e de economia de escala que cada filial da Saint‑Gobain teria obtido apenas pelas suas compras de carbonato de sódio, constituía um desconto de fidelidade.

355    A recorrente assinala ainda que o montante muito moderado de desconto permitia evitar qualquer efeito anticoncorrencial. A esse respeito, basta observar que, mesmo modesto, o montante de um desconto de fidelidade exerce influência nas condições da concorrência.

356    Quanto ao facto de a Comissão ter aceitado a celebração de um contrato em cujo termo a Saint‑Gobain beneficiava de condições privilegiadas concedidas pela recorrente, basta observar que o ofício da Comissão, apresentado pela recorrente, indica que «a aplicação do artigo [82.°] do Tratado não podia ser excluída».

357    Por último, quanto ao argumento de que o protocolo secreto não impediu as filiais nacionais da Saint‑Gobain de utilizar a ameaça para negociar condições contratuais mais vantajosas ou mesmo de rescindir o seu contrato no caso da Saint‑Gobain France, a recorrente não apresenta qualquer elemento que demonstre isso. De qualquer forma, esse argumento é inoperante, uma vez que não se refere a uma circunstância excepcional que justificasse o comportamento qualificado de abuso de posição dominante.

358    Consequentemente, há que declarar que a Comissão considerou acertadamente que o desconto «grupo» concedido à Saint‑Gobain era contrário ao artigo 82.° CE.

359    Assim sendo, a segunda parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte, relativa aos acordos de exclusividade

–       Argumentos das partes

360    A recorrente alega que, quanto aos acordos de exclusividade expressos celebrados com diversas empresas, a Comissão infere erradamente de diversos documentos que alguns dos seus clientes teriam aceitado ou teriam sido obrigados a aceitar abastecer‑se exclusivamente junto da direcção nacional em causa.

361    Quanto à exclusividade de facto, a recorrente indica que não resulta dos autos que impusesse no contrato as quantidades a fornecer garantindo previamente que essas quantidades se aproximavam das necessidades totais do cliente. Por outro lado, a fixação dessas quantidades era totalmente justificada, tendo em conta a falta de capacidade de armazenamento dos clientes e a necessidade de fornecimento regular e constante em carbonato de sódio.

362    Acresce que a recorrente alega que a Comissão teve uma atitude contraditória. Por um lado, autorizou‑a, em 1981, a substituir os contratos existentes por contratos com uma duração máxima de dois anos ou por contratos por tempo indeterminado com a possibilidade de denúncia com antecedência de dois anos. Por outro lado, considera agora que essa duração é excessiva.

363    Por último, a recorrente alega que, no período em causa, tanto a Glaverbel como a Saint‑Gobain denunciaram o seu contrato com ela no respeitante a França.

364    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 – Apreciação do Tribunal

365    Segundo jurisprudência assente, o facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular – ainda que a seu pedido – compradores por uma obrigação ou promessa de se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto dela constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE, quer essa obrigação tenha sido estipulada sem mais quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. Isto vale também quando essa empresa, sem vincular os compradores por uma obrigação formal, aplica, quer por força de acordos celebrados com esses compradores quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, descontos ligados à condição de o cliente – qualquer que seja o montante, grande ou pequeno, das suas compras – se abastecer exclusivamente, na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades, na empresa em posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 89). Com efeito, os compromissos de abastecimento exclusivo dessa natureza, com ou sem contrapartida de reduções ou de descontos de fidelidade com o fim de incentivar o comprador a abastecer‑se junto da empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, pois não assentam numa prestação económica que justifique esse encargo ou essa vantagem, antes se destinam a eliminar ou a restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento e a barrar o acesso dos outros produtores ao mercado (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 90).

366    No caso, na decisão recorrida, a Comissão mencionou a existência de exclusividades expressas e de exclusividades de facto.

367    No que respeita à Vegla, à Oberland Glas e à Owens Corning, a Comissão indicou, no considerando 170 da decisão recorrida, que ficava expressamente estipulado que o cliente se abastecia na totalidade das suas necessidades junto da recorrente. Para tanto, baseia‑se na prova documental detalhada na primeira parte da decisão recorrida (considerandos 92 a 97 e 110).

368    Na sequência de uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão precisou as referências dos documentos do processo em que se tinha baseado para chegar à conclusão pela existência de exclusividades expressas.

369    A recorrente não nega a existência desses documentos, mas alega que foram mal interpretados pela Comissão.

370    Quanto à Vegla, a recorrente admite que «é indubitável que a filial alemã da recorrente (DSW) parece ter algumas vezes interpretado esse contrato no sentido de uma exclusividade». Indica, porém, que a DSW nem sempre teve a mesma interpretação, sem sustentar essa afirmação em elementos de facto ou em provas.

371    Quanto à Oberland Glas, a recorrente alega que é um «facto isolado», sem negar a sua existência.

372    Quanto à Owens Corning, a recorrente reconhece a existência de propostas de algumas das suas direcções nacionais. A sua única defesa consiste em afirmar que não resulta dos documentos em causa que essas propostas ou compromissos de exclusividade tivessem sido aceites.

373    Resulta de todos estes elementos que a Comissão considerou acertadamente que a recorrente tinha celebrado exclusividades expressas.

374    Quanto às exclusividades de facto, a Comissão enunciou, no considerando 171 da decisão recorrida, que, nos casos diferentes dos casos de exclusividade expressa, a tonelagem contratual prevista no principal contrato por tempo indeterminado, que previa a denúncia com pré‑aviso de dois anos, correspondia às necessidades totais do cliente, embora com certa margem, em geral de mais ou menos 15%, e que o cliente indicava à recorrente no início de cada ano a quantidade exacta das suas necessidades dentro dessa margem.

375    Antes de mais, há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 365, é irrelevante o facto de a exclusividade ser estipulada a pedido do cliente. Assim, não colhe o argumento da recorrente de que as quantidades eram determinadas pelos seus clientes em função do que pretendiam.

376    Seguidamente, refira‑se que a recorrente não impugna as considerações feitas na decisão recorrida a respeito dos acordos de exclusividade celebrados com a BSN, a Verlipack e a Verreries d’Albi.

377    Por outro lado, como assinala a Comissão, uma carta da Saint‑Roch à Comissão, de 21 de Dezembro de 1989, contida no processo, indica que a recorrente fornecia 100% das tonelagens compradas pela Saint‑Roch entre 1982 e 1987, e depois em 1989, e a quase‑totalidade das tonelagens em 1988. Portanto, há que considerar que a Solvay dispunha efectivamente de exclusividade de facto quanto à Saint‑Roch.

378    Do mesmo modo, a Comissão invoca uma carta que lhe foi enviada pela Glaverbel, em 18 de Dezembro de 1989, também contida no processo, que confirma que todos os seus abastecimentos fora da Alemanha de Leste provinham da recorrente.

379    Resulta do exposto que, no mercado em causa, a recorrente forneceu, na totalidade das suas necessidades, pelo menos duas empresas das referidas na decisão recorrida, a Saint‑Roch e a Glaverbel.

380    Assim, há que concluir que a Comissão considerou acertadamente que a recorrente tinha celebrado acordos de exclusividade expressos e que existiam exclusividades de facto.

381    Quanto ao argumento da recorrente relativo à atitude contraditória da Comissão, resulta dos considerandos 192 e 193 da decisão recorrida que, depois de ter concordado com um prazo de denúncia de dois anos nos contratos por tempo indeterminado, a Comissão só aplicou coimas à recorrente pelos descontos de fidelidade e pelos «acordos de exclusividade não oficiais». Há que considerar, portanto, que o argumento da recorrente não corresponde aos factos.

382    Por último, o argumento da recorrente de que a Glaverbel e a Saint‑Gobain denunciaram os respectivos contratos com ela no tocante a França, além de não estar fundamentado, nada muda quanto à ilicitude dos acordos de exclusividade.

383    Consequentemente, há que rejeitar a terceira parte do quinto fundamento.

 Quanto à quarta parte, relativa às cláusulas de concorrência

–       Argumentos das partes

384    A recorrente indica que as cláusulas de concorrência contidas nos seus contratos, que são contestadas, tinham sido adaptadas de acordo com os reparos da Comissão.

385    Por outro lado, no considerando 177 da decisão recorrida, a Comissão equiparou abusivamente as cláusulas de salvaguarda de certos contratos a cláusulas de concorrência. Com efeito, resulta do considerando 123 da decisão recorrida que, segundo a Comissão, essas cláusulas não podiam ser contestadas só por si, mas que, embora as cláusulas de salvaguarda dessem ao cliente a oportunidade de utilizar as ofertas concorrentes como um instrumento para baixar os preços a pagar à recorrente, era pouco provável que um concorrente viesse realmente a obter e a conservar uma parte do abastecimento.

386    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

387    Nos considerandos 112 a 122 da decisão recorrida, a Comissão fornece elementos detalhados quanto às cláusulas de concorrência contidas nos contratos celebrados pela recorrente.

388    A recorrente não nega a existência dessas cláusulas de concorrência.

389    O seu único argumento consiste em indicar que tinham sido aceites pela Comissão em 1981.

390    Ora, a esse respeito, a Comissão não tinha aceitado em 1981 a «cláusula de concorrência» ou «cláusula inglesa», tal como imputada à recorrente no âmbito do presente processo nos considerandos 112 a 122 da decisão recorrida.

391    Quanto às cláusulas de salvaguarda, há que observar que, no considerando 177 da decisão recorrida, a Comissão distinguiu «os vários tipos de ‘cláusulas de concorrência’» dos «outros mecanismos semelhantes referidos nos considerandos 111 a 123». Assim, o argumento da recorrente não corresponde aos factos. De resto, o essencial da argumentação da Comissão respeita às cláusulas de concorrência propriamente ditas.

392    Portanto, há que rejeitar a quarta parte do quinto fundamento.

 Quanto à quinta parte, relativa ao carácter discriminatório das práticas imputadas

–       Argumentos das partes

393    A recorrente alega que a acusação de práticas discriminatórias suas não tem suporte em qualquer elemento factual dado por provado na decisão recorrida. A única referência a uma alegada diferença de tratamento consta do considerando 160 da decisão recorrida, na parte da descrição jurídica dos descontos sobre a tonelagem marginal. É também errado afirmar, por um lado, que as filiais do grupo Saint‑Gobain, nomeadamente a Vegla, beneficiam de um tratamento mais favorável e, por outro, que a Vegla é menos bem tratada que a PLM. Ora, os produtores de vidro plano, como a Vegla, tinham actividade num mercado diferente do dos produtores de vidro côncavo, como a PLM.

394    Entende que, de qualquer forma, a Comissão analisou incorrectamente o papel do preço do carbonato de sódio nos custos dos fabricantes de vidro. Com efeito, embora o carbonato de sódio constitua a matéria‑prima mais importante no fabrico de vidro, representa apenas 2% a 6% do preço médio de venda do vidro. Portanto, uma diferença no montante de um desconto no preço do carbonato de sódio não pode ter uma influência significativa na posição concorrencial dos fabricantes de vidro em causa.

395    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 – Apreciação do Tribunal

396    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma empresa em posição dominante tem o direito de conceder descontos pela quantidade aos seus clientes, ligados exclusivamente ao volume das compras feitas a ela. Contudo, as formas de cálculo desses descontos não se devem traduzir na aplicação, aos parceiros comerciais, de condições desiguais a prestações equivalentes, em violação do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE. A esse respeito, refira‑se que faz parte da própria essência de um sistema de reduções de quantidades que os maiores compradores ou utilizadores de um produto ou de um serviço beneficiem de preços médios unitários menores ou, o que é a mesma coisa, de taxas médias de redução superiores às concedidas aos adquirentes ou aos utilizadores menos importantes desse produto ou serviço. Importa igualmente observar que, mesmo em caso de progressão linear das taxas de redução de quantidades com um desconto máximo, a taxa média de redução aumenta (ou o preço médio diminui) matematicamente, num primeiro momento, em proporção superior ao aumento das compras e, num segundo momento, em proporção inferior ao aumento das compras, antes de se estabilizar na taxa máxima de redução. O simples facto de o resultado de um sistema de redução de quantidades conduzir a que determinados clientes beneficiem, relativamente a determinadas quantidades, de uma taxa média de redução proporcionalmente maior que outros, com referência à diferença dos respectivos volumes de compras, faz parte deste tipo de sistema e daí não se pode inferir que o sistema seja discriminatório. Todavia, quando os limiares dos diferentes escalões de redução, conjugados com as taxas praticadas, conduzem a que as reduções, ou reduções suplementares, só beneficiem determinados parceiros comerciais, concedendo‑lhes uma vantagem económica não justificada pelo volume de actividade que implicam e pelas eventuais economias de escala que permitem ao fornecedor realizar relativamente aos seus concorrentes, um sistema de redução de quantidades leva à aplicação de condições desiguais a prestações equivalentes. Na falta de justificações objectivas, podem constituir indícios de um tal tratamento discriminatório um elevado limiar de funcionamento do sistema, que só pode interessar a alguns parceiros particularmente importantes da empresa em posição dominante, ou a inexistência de linearidade do aumento das taxas de redução com as quantidades (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2001, Portugal/Comissão, C‑163/99, Colect., p. I‑2613, n.os 50 a 53).

397    No caso, como acima se indica na análise da primeira parte do quinto fundamento, a recorrente não contesta os factos apurados quanto ao sistema de descontos instituído em França.

398    Ora, o sistema de descontos instituído pela recorrente não seguia uma progressão linear em função das quantidades, mesmo entre as empresas que beneficiavam desses descontos. Com efeito, resulta da decisão recorrida que os descontos concedidos à Durant e à Perrier eram de montante diferente (considerandos 75 e 76).

399    Assim, só por isso, contrariamente ao que afirma a recorrente, a acusação de práticas discriminatórias assentava em elementos factuais dados por provados na decisão recorrida.

400    Quanto ao argumento da recorrente de existência de um mercado diferente para os produtores de vidro côncavo e de vidro plano, há que lembrar que o mercado em causa é o do carbonato de sódio e não o do vidro. Consequentemente, não há que fazer uma distinção nos produtores de vidro, entre os clientes dos produtores de carbonato de sódio.

401    A recorrente invoca também os baixos custos do carbonato de sódio. Contudo, essa afirmação não tem qualquer suporte nem é susceptível de pôr em causa o carácter discriminatório das práticas imputadas à recorrente.

402    Assim, há que julgar improcedente a quinta parte do quinto fundamento e, por conseguinte, todo o quinto fundamento.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do direito de acesso ao processo

403    O sexto fundamento articula‑se, no essencial, em três partes, relativas, respectivamente, à falta de acesso a documentos de acusação, à existência de documentos úteis à defesa entre os documentos do processo consultados no âmbito das medidas de organização do processo e à falta de consulta completa do processo pela recorrente.

404    A título preliminar, recorde‑se que o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser respeitado em quaisquer circunstâncias, designadamente em qualquer procedimento que possa conduzir a sanções, mesmo que se trate de um procedimento administrativo. Este princípio exige que as empresas e as associações de empresas em causa possam, logo na fase do procedimento administrativo, pronunciar‑se utilmente sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, n.° 11, e acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Avebe/Comissão, T‑314/01, Colect., p. II‑3085, n.° 49).

405    Corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, o direito de acesso ao processo implica que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo instrutor e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem elementos de prova tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 68, e acórdão de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, referido no n.° 88 supra, n.° 145).

406    Quanto aos elementos incriminatórios, incumbe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se um documento não comunicado no qual a Comissão se baseou para incriminar essa empresa viesse a ter sido afastado como meio de prova incriminatório. Quanto aos elementos de defesa, a empresa em causa deve demonstrar que a sua não divulgação pôde influenciar, em seu prejuízo, a tramitação do processo e o conteúdo da decisão da Comissão. Basta que a empresa demonstre que poderia ter feito uso dos referidos documentos de defesa, no sentido de que, se os pudesse ter utilizado durante o procedimento administrativo, poderia ter invocado elementos que não concordavam com as deduções feitas nessa fase pela Comissão e, consequentemente, poderia ter influenciado, de uma maneira ou de outra, as apreciações por ela feitas na eventual decisão, pelo menos no que respeita à gravidade e à duração do comportamento que lhe era imputado, e, portanto, ao nível da coima. A possibilidade de um documento não divulgado influenciar a tramitação do procedimento e o conteúdo da decisão da Comissão só pode ser provada através de um exame provisório de certos meios de prova, do qual resulte que os documentos não divulgados podiam ter tido – em relação a esses meios de prova – uma importância que não deveria ter sido menosprezada (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 405 supra, n.os 73 a 76, e acórdão de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, referido no n.° 88 supra, n.° 146).

407    Por último, uma violação do direito de acesso ao processo só pode originar uma anulação total ou parcial da decisão da Comissão se o acesso irregular ao processo instrutor no procedimento administrativo tiver impedido a ou as empresas em causa de tomarem conhecimento de documentos susceptíveis de ser úteis à sua defesa, violando, assim, os seus direitos de defesa. Será esse o caso se, com a divulgação de um documento, pudesse ter existido uma possibilidade, mesmo que reduzida, de o procedimento administrativo ter chegado a um resultado diferente no caso de a empresa em causa ter podido invocar esse documento nesse procedimento (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 405 supra, n.os 73 a 76).

408    É à luz destas considerações que cabe apreciar se, no presente processo, a Comissão respeitou os direitos de defesa da recorrente.

 Quanto à primeira parte, relativa à falta de acesso a documentos de acusação

 – Argumentos das partes

409    A recorrente alega que a Comissão não indica em que provas documentais se baseiam certas alegações a seu respeito, nomeadamente as que constam dos considerandos 138 e 176 da decisão recorrida.

410    A recorrente afirma ainda que as alegações da Comissão a seu respeito devem ser rejeitadas, visto os documentos anexos à comunicação de acusações não conterem qualquer elemento que as possa sustentar.

411    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 – Apreciação do Tribunal

412    Nos termos do considerando 138 da decisão recorrida:

«Para avaliar o poder de mercado para efeitos do presente caso, a Comissão tomou em consideração todos o dados económicos relevantes, incluindo os elementos seguintes:

[…]

ix)      O papel tradicional da Solvay enquanto líder em matéria de preços;

x)      A imagem que os outros produtores comunitários tinham da Solvay enquanto produtor dominante e a sua relutância em concorrer agressivamente em relação aos clientes tradicionais da Solvay.»

413    Além disso, no considerando 176, a propósito da celebração de acordos de exclusividade, refere‑se o seguinte:

«Uma vez que é impossível prever com uma certa certeza as condições que iriam prevalecer dentro de dois anos, o período de pré‑aviso operava como um elemento fortemente dissuasivo contra qualquer intenção de pôr termo ao vínculo com a Solvay. Alguns clientes, pelo menos, consideraram a longa duração daquele período como sendo opressiva.»

414    Refira‑se que essas três afirmações constituem apreciações de ordem geral, situadas na segunda parte da decisão recorrida, relativa à apreciação jurídica.

415    A esse respeito, a recorrente não explica em que medida podem essas apreciações ter influência na prova das infracções imputadas. Ora, há que lembrar que, quanto aos elementos incriminatórios, cabe à empresa em causa demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na decisão teria sido diferente se um documento não comunicado em que a Comissão se baseou para a incriminar devesse ser rejeitado como prova incriminatória.

416    Assim, há que julgar improcedente a primeira parte do sexto fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa à existência de documentos úteis à defesa entre os documentos do processo consultados no âmbito das medidas de organização do processo

417    Resulta da jurisprudência que o direito de acesso ao processo, corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, implica que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos do processo instrutor e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem elementos de prova tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais. Quanto aos elementos de defesa, a empresa em causa deve demonstrar que a falta da sua divulgação pode ter tido influência, em seu prejuízo, na tramitação do procedimento e no conteúdo da decisão da Comissão (v. acórdão de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, referido no n.° 88 supra, n.os 145, 146 e jurisprudência aí referida).

418    No caso, a recorrente apresentou as suas observações em 15 de Julho de 2005, após consulta de documentos do processo.

419    A recorrente alega que o acesso a esses documentos no procedimento administrativo lhe teria permitido apresentar argumentos úteis à sua defesa sobre o mercado geográfico relevante, sobre o mercado do produto em causa, sobre a existência de uma posição dominante e sobre a exploração abusiva da posição dominante.

 – Quanto ao mercado geográfico relevante

420    Segundo a recorrente, resulta dos documentos consultados que a questão do mercado geográfico é particularmente complexa. Por um lado, a Comissão não teve em conta a importância dos custos de transporte do carbonato de sódio, apesar de esses custos não permitirem a um produtor estrangeiro competir com um produtor local no perímetro natural de atracção da sua fábrica. Por outro lado, os clientes preferem o produtor local, que lhes garante a continuidade de fornecimento e, portanto, uma maior segurança no abastecimento. A recorrente invoca a esse respeito alguns documentos relativos à Akzo e à Rhône‑Poulenc.

421    Segundo a recorrente, se a definição do mercado geográfico relevante feita na decisão recorrida não corresponde à realidade tal como é vista pelos seus concorrentes, não é possível definir o mercado geográfico relevante como um mercado que segue estritamente as fronteiras nacionais. Com efeito, o mercado caracteriza‑se por conjuntos regionais com contornos dificilmente determináveis com exactidão. De qualquer forma, a determinação do mercado geográfico relevante não é possível com base no inquérito parcelar levado a cabo pela Comissão.

422    Esta argumentação deve ser rejeitada.

423    Quanto à importância dos custos de transporte do carbonato de sódio, refira‑se que a recorrente não demonstrou que a não divulgação dos documentos da Akzo e da Rhône‑Poulenc pode ter tido influência, em seu prejuízo, na tramitação do procedimento e no conteúdo da decisão recorrida. Com efeito, resulta dos autos que a recorrente não ignorava esse elemento, pois na resposta à comunicação de acusações indicou que o carbonato de sódio é um produto «que não é particularmente elaborado e que, portanto, não é particularmente caro» e que «o custo de transporte é, assim, um factor importante do preço de custo para os utilizadores». Poderia ter invocado esse argumento no procedimento administrativo, mesmo não tendo acesso aos documentos da Akzo e da Rhône‑Poulenc.

424    Quanto ao facto de os clientes preferirem os produtores locais, há que considerar também que a recorrente não ignorava esse elemento, pois, em 19 de Fevereiro de 1981, enviou uma carta às suas várias direcções nacionais a convidá‑las a alterarem os seus contratos de tonelagem com a indústria vidreira, na sequência dos reparos feitos pela Comissão. Portanto, não pode invocar a preferência pelos produtores locais para demonstrar que a não divulgação dos documentos da Akzo e da Rhône‑Poulenc pôde influenciar, em seu prejuízo, a tramitação do procedimento e o conteúdo da decisão recorrida.

425    Assim sendo, improcede a alegação da recorrente.

 – Quanto ao mercado do produto em causa

426    A recorrente afirma que os documentos encontrados nas instalações dos seus concorrentes e dos seus clientes lhe teriam permitido contestar a análise da Comissão quanto à definição do mercado do produto em causa. Afirma que, com efeito, a soda cáustica exerceu uma pressão concorrencial sobre os produtores de carbonato de sódio durante a maior parte do período da infracção considerada provada na decisão recorrida.

427    A esse respeito, há que considerar que a recorrente, o maior produtor de carbonato de sódio na Europa à época dos factos, estava em condições de submeter à apreciação da Comissão os elementos necessários quanto à substituição do carbonato de sódio pela soda cáustica. Com efeito, segundo o considerando 143 da decisão recorrida, a recorrente era também um dos maiores produtores de soda cáustica.

428    Por outro lado, os elementos apresentados pela recorrente na sequência da consulta do processo não põem em causa a análise da Comissão na decisão recorrida, na medida em que esta admite uma certa possibilidade de substituição do carbonato de sódio pela soda cáustica (considerandos 139 a 143).

429    Portanto, a recorrente não demonstrou que a não divulgação dos documentos em causa pode ter influenciado, em seu detrimento, a tramitação do processo e o conteúdo da decisão recorrida.

430    Assim sendo, improcede a alegação da recorrente.

 – Quanto à existência de uma posição dominante

431    Segundo a recorrente, a análise dos documentos apreendidos junto dos seus concorrentes, em particular a Rhône‑Poulenc e a Akzo, confirma que a Comissão não analisou dois elementos fundamentais, a saber, a capacidade real de os outros produtores continentais competirem com ela e o poder compensador dos clientes. Por outro lado, a Comissão não tomou em conta no seu devido valor a pressão concorrencial exercida pelas importações provenientes da Europa de Leste e dos Estados Unidos. Resulta desses elementos que não está demonstrada a existência de uma posição dominante sua nas regiões em que lhe são imputadas práticas anticoncorrenciais.

432    A esse respeito, há que observar que, na resposta à comunicação de acusações, a recorrente já tinha desenvolvido estes argumentos. Em particular, tinha indicado o seguinte:

«Não só a [Solvay] não está em condições de agir no mercado sem ter em conta a concorrência, nomeadamente a concorrência dos produtores dos países da Europa de Leste e os produtores americanos, mas também, e principalmente, está em situação de dependência, ou pelo menos de interdependência, com os seus clientes.»

433    A esse respeito, a recorrente forneceu à Comissão diversos documentos no procedimento administrativo.

434    Nestas circunstâncias, refira‑se que as observações da recorrente na sequência da consulta do processo não demonstram em que medida os diversos documentos invocados, provenientes nomeadamente da Akzo e da Rhône‑Poulenc, poderiam ter sido úteis à sua defesa.

435    Portanto, improcede a alegação da recorrente.

 – Quanto à exploração abusiva da posição dominante

436    A recorrente alega que os documentos encontrados junto dos seus concorrentes demonstram que a decisão recorrida tem «deficiências» na análise das «práticas de exclusão» que lhe são imputadas. Com efeito, essas práticas não tinham o objectivo nem o efeito que lhes atribui a decisão recorrida. As fábricas da Rhône‑Poulenc e da Akzo funcionaram na sua capacidade plena na maior parte do período em causa. A recorrente indica também que não excluiu todas as oportunidades de venda dos concorrentes.

437    Além disso, segundo a recorrente, um estudo da Akzo sobre os custos directos de produção das diversas fábricas demonstra o interesse económico legítimo que tinha em conceder descontos sobre a tonelagem marginal uma vez cobertas as despesas fixas. Por outro lado, conceder descontos sobre a tonelagem marginal constituía uma prática habitual no mercado.

438    Contudo, em primeiro lugar, refira‑se que, na comunicação de acusações, a Comissão mencionou que, «no início dos anos 80, a procura de carbonato de sódio [tinha] diminuído nos países desenvolvidos, o que tinha como principais razões a recessão económica, a reciclagem de vidro e a substituição das embalagens de vidro por embalagens de plástico ou de alumínio», que, «nos últimos anos, [tinha sido] observado uma recuperação sensível da procura no mundo e toda a produção de carbonato de sódio [tinha] podido ser escoada» e que «as unidades de produção [trabalhavam então] na sua capacidade plena».

439    No considerando 17 da decisão recorrida, a Comissão indicou ainda que as unidades de produção funcionavam a plena capacidade em 1990.

440    Consequentemente, a Comissão estava informada dessa situação de facto no procedimento administrativo e quando, no considerando 191 da decisão recorrida, entendeu que a recorrente tinha «[excluído] por um longo período oportunidades de venda para todos os concorrentes».

441    Portanto, a recorrente não demonstrou que a não divulgação dos documentos da Akzo e da Rhône‑Poulenc tinha influenciado, em seu prejuízo, a tramitação do procedimento e o conteúdo da decisão recorrida.

442    Em segundo lugar, quanto ao interesse económico da recorrente em conceder descontos sobre a tonelagem marginal, refira‑se que podia desenvolver esse argumento no procedimento administrativo, à luz dos seus próprios custos, sem ser necessário basear‑se nos documentos dos seus concorrentes.

443    Além disso, a recorrente invocou esse argumento na resposta à comunicação de acusações, indicando que esses descontos correspondiam a uma «vantagem para a [Solvay]». Acrescentou ainda o seguinte:

«Os limiares fixados por cliente não eram, na realidade, mais do que o reflexo do limiar de rentabilidade das fábricas de carbonato de sódio. Com efeito, é sabido que, uma vez atingido esse limiar pela cobertura dos custos fixos, qualquer tonelada suplementar vendida gera um lucro cada vez maior. A Comissão, que tem o ónus da prova, não demonstra que os descontos em causa, incontestavelmente ligados aos volumes, tinham umas taxas tais que não correspondiam a nenhuma vantagem económica precisa para a [Solvay].»

444    Em terceiro lugar, quanto aos descontos concedidos sobre a tonelagem marginal, basta indicar que o argumento da recorrente de que constituem uma prática habitual não é susceptível de demonstrar que estão em conformidade com o artigo 82.° CE quando são concedidos por uma empresa em posição dominante.

445    Por conseguinte, improcede a alegação da recorrente.

446    Em conclusão, resulta da análise dos documentos invocados pela recorrente na sequência do acesso ao processo, no âmbito das medidas de organização do processo, que a Comissão não violou os direitos de defesa. Portanto, a segunda parte do sexto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte, relativa à falta de consulta completa do processo pela recorrente

–       Argumentos das partes

447    Na petição, a recorrente alega que nunca conseguiu obter uma lista enumerativa completa do processo da Comissão. Além disso, no procedimento administrativo prévio à adopção da Decisão 91/299, a Comissão limitou‑se a conceder‑lhe acesso aos documentos incriminatórios, anexos à comunicação de acusações. Consequentemente, de acordo com a descrição do processo que resulta do acórdão Solvay I, referido no n.° 35 supra, foi recusado à recorrente o acesso a um conjunto de «subprocessos» relativos aos seus concorrentes (Rhône‑Poulenc, CFK, Matthes & Weber, Akzo e ICI) e a uma dezena de processos com as respostas aos pedidos de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, na versão aplicável no momento dos factos, nomeadamente os enviados pela Comissão a alguns dos seus clientes. A recorrente alega que foi assim impedida de verificar se esses processos continham elementos úteis à sua defesa, nomeadamente no que respeitava ao mercado geográfico relevante, à existência de uma posição dominante e à exploração abusiva de uma posição dominante. A deterioração das provas resultante do tempo decorrido desde os factos imputados tornou ainda mais importante esse acesso ao processo.

448    Nas suas observações de 15 de Julho de 2005, apresentadas na sequência da consulta do processo na Secretaria do Tribunal Geral, a recorrente entende que não pode indicar em que medida os documentos em falta no processo teriam sido úteis à sua defesa. A esse respeito, assinala que, por um lado, a Comissão reconheceu expressamente a perda de cinco pastas e que, por outro lado, não pode garantir a integralidade das pastas que ainda tem, por não haver numeração contínua dos documentos nem lista enumerativa. Daí infere que a decisão recorrida deve ser anulada na íntegra, uma vez que o Tribunal Geral não tem a possibilidade de fiscalizar a respectiva legalidade.

449    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–        Apreciação do Tribunal

450    A título preliminar, há que salientar que, no procedimento administrativo prévio à adopção da Decisão 91/299, a Comissão não elaborou uma lista enumerativa dos documentos do processo e que comunicou à recorrente unicamente os documentos incriminatórios, anexos à comunicação de acusações.

451    A esse respeito, a Comissão alegou na audiência que, em certos processos, a prática tinha consistido em dirigir às empresas em causa uma comunicação de acusações unicamente acompanhada de certos documentos, devido ao volume do processo, sendo posteriormente essas empresas convidadas a vir às suas instalações consultar todos os documentos acessíveis com o auxílio de uma lista enumerativa. Contudo, no âmbito do processo que deu origem à Decisão 91/299, o relator decidiu, segundo a Comissão, «simplificar o procedimento», considerando que, uma vez que todos os documentos invocados tinham sido comunicados com a comunicação de acusações, era inútil uma consulta e, consequentemente, não era necessária uma lista enumerativa.

452    Ora, há que lembrar que, nas páginas 40 e 41 do seu Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência, a Comissão fixou, no que respeita ao acesso ao processo, as seguintes regras:

«A Comissão concede às empresas envolvidas num procedimento a faculdade de tomarem conhecimento do seu processo. As empresas são informadas do conteúdo do processo da Comissão pela junção à comunicação de acusações ou à carta de rejeição da denúncia de uma lista de todos os documentos do processo, com a indicação dos documentos ou partes deles cujo acesso lhes seja facultado. As empresas são convidadas a analisar no local os documentos acessíveis. Se uma empresa desejar apenas alguns, a Comissão pode remeter‑lhe cópias. A Comissão considera confidenciais, e consequentemente inacessíveis a determinada empresa, os documentos seguintes: documentos ou partes deles que contenham segredos de negócios de outras empresas; documentos internos da Comissão, tais como notas, projectos ou outros documentos de trabalho; quaisquer outras informações confidenciais, tais como as que permitam identificar os denunciantes que não queiram que a sua identidade seja revelada, bem como as informações prestadas à Comissão sob reserva de respeito da sua confidencialidade.»

453    Resulta destas regras que, no procedimento administrativo prévio à adopção da Decisão 91/299, a Comissão tinha a obrigação de facultar à recorrente o acesso a todos os documentos de acusação e de defesa recolhidos no inquérito, com excepção dos segredos de negócios de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.os 51 a 54, e de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑10/92 a T‑12/92 e T‑15/92, Colect., p. II‑2667, n.os 39 a 41).

454    Assim, há que observar que, no procedimento que deu origem à Decisão 91/299, a Comissão não respeitou as regras que se tinha imposto a si própria em 1982 ao não constituir uma lista enumerativa dos documentos do processo e ao não facultar à recorrente acesso a todos os documentos do processo.

455    Refira‑se seguidamente que, tendo a Decisão 91/299 sido anulada pelo Tribunal Geral por uma falta de autenticação, a Comissão considerou que podia adoptar a decisão recorrida sem reabrir o procedimento administrativo.

456    Consequentemente, há que observar que, antes da adopção da decisão recorrida, a Comissão não comunicou à recorrente todos os documentos do processo que lhe podiam ser facultados nem a convidou a vir consultá‑los nas suas instalações, pelo que o procedimento administrativo era irregular nesse ponto.

457    Contudo, resulta de jurisprudência assente que os direitos de defesa só são violados por uma irregularidade processual na medida em que esta tiver tido uma influência concreta na possibilidade de as empresas arguidas se defenderem (acórdãos do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.° 55, e General Electric/Comissão, referido no n.° 314 supra, n.° 632).

458    Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, no âmbito do recurso jurisdicional interposto da decisão recorrida, ordenou medidas de organização do processo destinadas a assegurar um acesso completo ao processo, a fim de apreciar se a recusa da Comissão de divulgar um documento ou de comunicar um elemento pôde prejudicar a defesa da recorrente (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 405 supra, n.° 102).

459    A esse respeito, há que lembrar que, visto limitar‑se a uma fiscalização jurisdicional dos fundamentos invocados, essa análise não tem por objectivo ou por efeito substituir uma instrução completa do processo no âmbito de um procedimento administrativo. O conhecimento tardio de certos documentos do processo não volta a colocar a empresa que recorreu de uma decisão da Comissão na situação em que se encontraria se tivesse podido basear‑se nos mesmos documentos para apresentar as suas observações escritas e orais nessa instituição (v. acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 405 supra, n.° 103 e jurisprudência aí referida). Além disso, quando o acesso ao processo é garantido na fase do processo jurisdicional, a empresa em causa não tem de demonstrar que, se tivesse tido acesso aos documentos não comunicados, a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente, mas apenas que esses documentos poderiam ter sido úteis à sua defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, Corus UK/Comissão, C‑199/99 P, Colect., p. I‑11177, n.° 128, e acórdão PVC II do Tribunal de Justiça, referido no n.° 55 supra, n.° 318).

460    No caso, a pedido do Tribunal, a Comissão apresentou a comunicação de acusações e os documentos anexos. Elaborou ainda uma lista enumerativa dos documentos do processo, na sua composição actual.

461    Ora, a esse respeito, em primeiro lugar, observe‑se que existe uma incerteza quanto ao conteúdo exacto do processo na sua composição inicial. Com efeito, é certo que, em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão indicou que o processo, na sua composição actual, era uma cópia do processo inicial. Este compunha‑se de «subprocessos» numerados de 1 a 71, segundo as informações da Comissão. Contudo, simultaneamente, a Comissão informou o Tribunal da existência de um «subprocesso» não numerado, denominado «Oberland Glas».

462    Em segundo lugar, observe‑se que a Comissão reconheceu expressamente ter perdido os cinco «subprocessos» numerados de 66 a 70. Com efeito, resulta do seu ofício de 15 de Março de 2005 que chegou a essa conclusão ao verificar que tinha «subprocessos» numerados de 1 a 65 e que o «subprocesso» 71 continha a comunicação de acusações.

463    Nas suas observações de 18 de Novembro de 2005, a Comissão indicou que era «pouco provável que os processos extraviados contivessem elementos de defesa». Na audiência, convidada a precisar essa frase, indicou que era «plausível» que esses «subprocessos» não contivessem qualquer documento ilibatório e que, do ponto de vista «estatístico», não poderiam ser úteis à defesa da recorrente.

464    Resulta destas respostas que a Comissão não tem como identificar de forma certa o autor, a natureza e o conteúdo de cada um dos elementos que constituem os «subprocessos» n.os 66 a 70.

465    Há que verificar, portanto, se a recorrente teve a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos do processo instrutor que pudessem ser relevantes para a sua defesa e, não sendo esse o caso, se a violação do direito de acesso ao processo foi de tal importância que teve o efeito de deixar sem substância essa garantia procedimental. Com efeito, segundo a jurisprudência, o acesso ao processo faz parte das garantias procedimentais que protegem os direitos de defesa (acórdão Solvay I, referido no n.° 35 supra, n.° 59), e a violação do direito de acesso ao processo da Comissão no procedimento administrativo prévio à adopção da decisão é susceptível, em princípio, de levar à anulação dessa decisão se tiverem sido lesados os direitos de defesa da empresa em causa (acórdão Corus UK/Comissão, referido no n.° 459 supra, n.° 127).

466    A esse respeito, há que analisar se os direitos de defesa da recorrente foram lesados no que respeita às acusações formuladas contra ela na comunicação de acusações e na decisão recorrida.

467    Segundo a jurisprudência, a violação dos direitos de defesa deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, uma vez que depende essencialmente das acusações em que a Comissão se baseia para demonstrar a infracção imputada à empresa em causa (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 405 supra, n.° 127). Há que proceder, portanto, a uma análise sumária das acusações de fundo em que a Comissão se baseou na comunicação de acusações e na decisão recorrida (acórdão Solvay I, referido no n.° 35 supra, n.° 60).

468    É também necessário analisar a existência de uma violação dos direitos de defesa tendo em conta os argumentos concretamente invocados pela empresa contra a decisão recorrida (v., neste sentido, acórdão ICI II, referido no n.° 35 supra, n.° 59).

469    No âmbito do presente recurso, o Tribunal analisou a argumentação apresentada pela recorrente e as acusações de fundo dadas por provadas na decisão recorrida, concluindo que os fundamentos invocados pela recorrente eram todos improcedentes.

470    Quanto à existência de uma posição dominante, refira‑se que a Comissão se baseou essencialmente na quota de mercado da recorrente para demonstrar que esta ocupava uma posição dominante no mercado em causa. Ora, nenhum indício permite presumir que a recorrente poderia ter descoberto nos «subprocessos» em falta quaisquer documentos que desmentissem o facto de deter uma posição dominante no mercado do carbonato de sódio (v., neste sentido, acórdão ICI II, referido no n.° 35 supra, n.° 61). Por outro lado, como resulta da jurisprudência acima referida no n.° 277, as quotas de mercado muito grandes constituem só por si, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante. Ora, os argumentos da recorrente relativos aos factos susceptíveis de constituir circunstâncias excepcionais são desmentidos pelos números que constam da petição, fornecidos pela recorrente, ou que constam da decisão recorrida sem serem impugnados pela recorrente, ou então são inoperantes. Por último, mesmo admitindo que esses factos tivessem existido e fossem mencionados nos documentos contidos nos «subprocessos» em falta, a recorrente não podia ignorá‑los, tendo em conta as circunstâncias do caso, pelo que não foram lesados os seus direitos de defesa a esse respeito.

471    No que respeita à definição do mercado geográfico, há que lembrar que já acima se considerou, no n.° 259, que um eventual erro da Comissão a esse respeito não podia ter tido uma influência determinante quanto ao resultado. Daí resulta que está excluída a possibilidade de a recorrente encontrar nas pastas em falta quaisquer documentos susceptíveis de pôr em causa a constatação da existência da sua posição dominante.

472    Quanto à exploração abusiva da posição dominante, refira‑se antes de mais que a recorrente em momento nenhum contesta as afirmações relativas ao sistema de descontos instituído em França.

473    Seguidamente, há que referir que o carácter fidelizador do sistema de descontos instituído pela recorrente resulta de provas documentais directas. Ora, num caso em que, como neste, a Comissão se baseou, na decisão recorrida, unicamente em provas documentais directas para demonstrar as diversas infracções, a recorrente deve indicar em que medida outros elementos de prova poderiam ter posto em causa o carácter fidelizador desse sistema de descontos ou, pelo menos, que perspectiva diferente poderia ter sido dada às provas documentais directas, que não foram impugnadas. À luz do sistema de prova aplicado na decisão recorrida, na medida em que os contratos celebrados pela recorrente apresentam um carácter fidelizador, o acesso aos «subprocessos» em falta não teria tido qualquer possibilidade de levar o procedimento administrativo a um resultado diferente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento», T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.os 263, 264 e jurisprudência aí referida).

474    Quanto ao desconto de «grupo» concedido à Saint‑Gobain, há que lembrar que a recorrente não impugna a existência do protocolo secreto nem o conteúdo da cláusula 4 desse protocolo (v. n.° 349 supra) e que resulta do próprio texto dessa cláusula que o desconto era calculado sobre «todas as compras» de carbonato de sódio da Saint‑Gobain à recorrente na Europa (v. n.° 352 supra). Nestas condições, a recorrente deveria ter indicado em que medida outros elementos de prova poderiam ter posto em causa o conteúdo do protocolo secreto ou, pelo menos, dar‑lhe uma perspectiva diferente.

475    Quanto ao argumento da recorrente de que o protocolo secreto não impediu as filiais nacionais da Saint‑Gobain de utilizarem a ameaça para negociarem condições contratuais mais vantajosas ou mesmo de rescindirem o seu contrato, já acima se observou, no n.° 357, que é inoperante. Assim, mesmo admitindo que os «subprocessos» perdidos continham documentos de prova desse argumento, isso não poderia ser útil à defesa da recorrente.

476    Quanto aos acordos de exclusividade expressos, há que salientar que a Comissão se baseou em provas documentais directas e que a recorrente não explicou de que forma os documentos contidos nos «subprocessos» em falta poderiam ter posto em causa a existência desses acordos de exclusividade ou dar uma perspectiva diferente às provas documentais.

477    Quanto às exclusividades de facto, há que lembrar que, no que respeita aos acordos celebrados com vários fabricantes de vidro, a recorrente não impugna as considerações feitas na decisão recorrida (v. n.° 376 supra).

478    No que respeita às cláusulas de concorrência, há que lembrar que a recorrente não contesta a sua existência e que alega erradamente que a Comissão as aceitou em 1981 (v. n.os 388 a 390 supra). Por outro lado, quanto às cláusulas de salvaguarda, cumpre lembrar que o argumento da recorrente de que a Comissão as equiparou a cláusulas de concorrência não tem suporte nos factos (v. n.° 391 supra).

479    Pode‑se excluir, portanto, a possibilidade de que a recorrente viesse a encontrar documentos úteis à sua defesa sobre esses pontos nos «subprocessos» em falta.

480    Por último, quanto ao carácter discriminatório das práticas imputadas, os argumentos da recorrente para o refutar são inoperantes.

481    Assim, há que concluir que não se demonstrou que a recorrente não tinha tido a possibilidade de analisar todos os documentos do processo instrutor susceptíveis de ter relevância para a sua defesa. Com efeito, mesmo não tendo tido acesso a todos os documentos do processo instrutor, isso não impediu a recorrente de assegurar a sua defesa quanto às acusações de fundo dadas por provadas pela Comissão na comunicação de acusações e na decisão recorrida.

482    Consequentemente, nas circunstâncias do presente caso, não há que anular a decisão recorrida pelo facto de terem desaparecido do processo cinco «subprocessos» a que a recorrente nunca teve acesso. Improcede, pois, a terceira parte do sexto fundamento e, por conseguinte, todo o sexto fundamento.

2.     Quanto aos pedidos de anulação ou redução da coima

483    Os pedidos da recorrente de anulação ou redução da coima articulam‑se, no essencial, em cinco fundamentos, relativos, em primeiro lugar, à errada apreciação da gravidade das infracções, em segundo lugar, à errada apreciação da duração das infracções, em terceiro lugar, à existência de circunstâncias atenuantes, em quarto lugar, ao carácter desproporcionado da coima e, em quinto lugar, ao decurso do tempo.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à errada apreciação da gravidade das infracções

–       Argumentos das partes

484    A recorrente alega que a Comissão tem de respeitar as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações para o cálculo das coimas»). Contudo, uma vez que, no presente caso, estão em causa factos anteriores à sua adopção, a Comissão, em princípio, não tinha de as ter em consideração, com duas excepções: por um lado, quando essas orientações reproduzirem os princípios fixados pela prática da Comissão e, por outro lado, quando flexibilizarem a política da Comissão de fixação do montante da coima.

485    Quanto à coima que lhe foi aplicada pela decisão recorrida, a recorrente invoca vários argumentos para contestar o seu montante.

486    Em primeiro lugar, a recorrente alega nunca ter excluído todas as oportunidades de venda dos seus concorrentes, uma vez que a sua quota de mercado era muito inferior a 100% nos mercados nacionais em causa. Por outro lado, a duração dos contratos que a vinculava aos seus clientes era no máximo de dois anos, manifestamente um período que não era longo, o que a Comissão reconheceu em 1981. Por outro lado, não se demonstrou que as práticas alegadamente abusivas tivessem tido um efeito negativo para os consumidores.

487    Em segundo lugar, a recorrente alega que, quanto à referência na decisão recorrida às infracções ao artigo 81.° CE na parte que lhe diz respeito, a Comissão não teve em conta o facto de, na sequência da anulação da Decisão 91/297 pelo acórdão Solvay I, referido no n.° 35 supra, nenhuma nova decisão ter sido adoptada nos termos do artigo 81.° CE.

488    Em terceiro lugar, a recorrente assinala que alguns dos seus altos quadros, advertidos para a obrigação de respeitarem o direito comunitário da concorrência, tinham pensado respeitá‑lo aplicando as instruções resultantes das negociações com a Comissão em 1981. Afirma ainda que a decisão recorrida contém uma contradição nos considerandos 192 e 193, pois, por um lado, a Comissão indica ter tido unicamente em conta os descontos de fidelidade e os acordos de exclusividade não oficiais na medida em que a recorrente podia legitimamente pensar que as cláusulas de concorrência, os contratos de tonelagem com margem de mais ou menos 15% e os contratos por tempo indeterminado denunciáveis com pré‑aviso de dois anos tinham sido aceites em 1981 e, por outro, a Comissão considerou que, na prática, essas disposições se destinavam a reforçar a exclusividade da recorrente.

489    Em quarto lugar, a recorrente afirma que as condenações anteriores em coimas substanciais por colusão na indústria química não podiam ser consideradas uma circunstância agravante no que lhe diz respeito. Com efeito, segundo as orientações para o cálculo das coimas, a reincidência pressupõe infracções do mesmo tipo. Ora, a recorrente assinala que nunca foi condenada por abuso de posição dominante pela Comissão.

490    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

491    A título preliminar, há que lembrar que, embora a Comissão disponha de um poder de apreciação na fixação do montante de cada coima, sem ter de aplicar uma fórmula matemática precisa, o Tribunal Geral decide, ao abrigo do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, com competência de plena jurisdição, na acepção do artigo 229.° CE, os recursos interpostos das decisões em que a Comissão fixe uma coima, podendo, consequentemente, suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada (acórdãos do Tribunal Geral de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 165, e de 13 de Dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão, T‑217/03 e T‑245/03, Colect., p. II‑4987, n.° 358).

492    Em primeiro lugar, quanto à aplicação das orientações para o cálculo das coimas, há que lembrar que, tendo a Decisão 91/299 sido anulada por vício de forma, a Comissão podia adoptar nova decisão sem abrir novo procedimento administrativo.

493    Uma vez que o conteúdo da decisão recorrida é quase idêntico ao da Decisão 91/299 e essas duas decisões se baseiam nos mesmos fundamentos, a decisão recorrida está sujeita, no âmbito da fixação do montante da coima, às normas em vigor no momento da adopção da Decisão 91/299.

494    Com efeito, a Comissão retomou o procedimento no ponto em que se produziu o erro procedimental e, sem proceder a uma nova apreciação do caso à luz de normas que não existiam à época da adopção da Decisão 91/299, adoptou uma nova decisão. Ora, a adopção de uma nova decisão exclui em qualquer caso a aplicação das orientações posteriores à primeira adopção.

495    Consequentemente, as orientações para o cálculo das coimas não são aplicáveis no presente caso.

496    Em segundo lugar, refira‑se que a Comissão considerou que as infracções imputadas à recorrente, isto é, descontos de fidelidade e acordos de exclusividade não oficiais, eram de «extrema gravidade» (considerandos 191 a 193 da decisão recorrida).

497    A esse respeito, há que lembrar que, segundo a jurisprudência, o montante das coimas deve ser graduado em função das circunstâncias do ilícito e da gravidade da infracção, devendo a apreciação dessa gravidade para esse efeito ser efectuada levando em conta a natureza das restrições causadas à concorrência (v. acórdão do Tribunal Geral de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T‑39/92 e T‑40/92, Colect., p. II‑49, n.° 143 e jurisprudência aí referida).

498    Assim, para apreciar a gravidade das infracções às normas comunitárias de concorrência imputáveis a uma empresa, a fim de determinar um montante de coima que lhe seja proporcional, a Comissão pode ter em conta a duração particularmente longa de certas infracções, o número e a diversidade das infracções, que abrangeram a totalidade ou a quase totalidade dos produtos da empresa em causa, algumas das quais afectando todos os Estados‑Membros, a gravidade particular de infracções integradas numa estratégia deliberada e coerente com vista, através de diversas práticas eliminatórias dos concorrentes e de uma política de fidelização dos clientes, a manter artificialmente ou a reforçar a posição dominante da empresa em mercados onde a concorrência já era limitada, os efeitos de abuso particularmente nefastos no plano da concorrência e a vantagem obtida pela empresa com as suas infracções (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.os 240 e 241).

499    No caso, há que considerar que as práticas imputadas à recorrente justificavam a qualificação de «extrema gravidade» feita pela Comissão.

500    Com efeito, ao conceder descontos sobre a tonelagem marginal aos seus clientes e ao celebrar acordos de fidelização com eles, a recorrente manteve artificialmente ou reforçou a sua posição dominante no mercado em causa, onde a concorrência já era limitada.

501    Por outro lado, nenhum dos argumentos da recorrente permite considerar que a Comissão procedeu a uma apreciação errada da gravidade das infracções.

502    Em primeiro lugar, quanto à alegação de a recorrente ter excluído todas as oportunidades de venda dos seus concorrentes, há que considerar antes de mais que, pela sua política de fidelização dos clientes, tentou excluir os seus concorrentes do mercado. A esse respeito, o facto de a sua quota de mercado ser inferior a 100% não permite considerar que a sua prática não teve efeito de exclusão.

503    Seguidamente, importa observar que a Comissão não tinha de demonstrar especificamente o efeito negativo das práticas da recorrente para os consumidores. Com efeito, no âmbito da existência de uma infracção ao artigo 82.° CE, não é necessário analisar se esse comportamento causou um prejuízo aos consumidores (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2007, British Airways/Comissão, C‑95/04 P, Colect., p. I‑2331, n.os 106, 107 e jurisprudência aí referida).

504    Em segundo lugar, quanto à referência ao artigo 81.° CE, há que observar que, no considerando 191 da decisão recorrida, a Comissão indicou unicamente que as infracções imputadas, nas circunstâncias específicas deste processo, eram mais graves que as infracções ao artigo 81.° CE também imputadas à recorrente. Assim, a Comissão de modo nenhum deixou de ter em conta o facto de as infracções ao artigo 82.° CE e ao artigo 81.° CE serem autónomas e deverem, por isso, ter um tratamento distinto.

505    Em terceiro lugar, quanto à adaptação dos seus contratos pela recorrente e quanto à alegada contradição no considerando 193 da decisão recorrida, basta observar que a coima aplicada à recorrente não respeita às disposições aceites em 1982 pela Comissão.

506    Em quarto lugar, quanto à reincidência, há que referir que, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a Comissão confirmou que a acusação feita no considerando 194 da decisão recorrida, de que a recorrente já tinha sido objecto em diversas ocasiões de coimas substanciais por colusão na indústria química (peróxidos, polipropileno, PVC), constituía uma circunstância agravante.

507    A esse respeito, há que lembrar que, segundo a jurisprudência, a análise da gravidade da infracção cometida deve ter em conta uma eventual reincidência (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 405 supra, n.° 91, e acórdão do Tribunal Geral de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colect., p. II‑4407, n.° 348).

508    O conceito de reincidência, tal como entendido num certo número de ordenamentos jurídicos nacionais, implica que uma pessoa tenha cometido novas infracções após ter sido punida por infracções semelhantes (acórdão do Tribunal Geral de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 617).

509    As orientações para o cálculo das coimas, mesmo não sendo aplicáveis na presente lide, vão no mesmo sentido quando se referem a uma «infracção do mesmo tipo».

510    Ora, há que observar que as infracções pelas quais, por várias vezes, foram aplicadas coimas substanciais à recorrente por colusão na indústria química estão todas ligadas ao artigo 81.° CE. Com efeito, como afirma a Comissão, estão em causa a sua Decisão 85/74/CEE, de 23 de Novembro de 1984, relativa a um procedimento de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/30.907 – Peróxidos) (JO 1985, L 35, p. 1), a sua Decisão 86/398/CEE, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo para aplicação do artigo [81.° CE] (IV/31.149 – Polipropileno) (JO L 230, p. 1), e, por último, a sua Decisão 89/190/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/31.865, PVC) (JO 1989, L 74, p. 1). Por outro lado, as práticas objecto das decisões referidas no número anterior são muito diferentes das que estão aqui em causa.

511    Portanto, a Comissão imputou erradamente à recorrente uma circunstância agravante, pelo que deve a decisão recorrida ser alterada, reduzindo‑se em 5% o montante da coima que lhe foi aplicada.

512    Consequentemente, o montante da coima deve ser reduzido em um milhão de euros.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à errada apreciação da duração das infracções

 Argumentos das partes

513    A recorrente refere que, não existindo qualquer política centralizada sua e sendo as condições contratuais fixadas a nível nacional, a Comissão devia ter em conta a extensão geográfica das alegadas infracções, o que a teria levado a concluir por uma duração das infracções diferente para cada Estado em causa. Tomá‑la em conta teria também tido influência no montante da coima, nomeadamente em face do volume de negócios a tomar em consideração.

514    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal

515    Nos termos do considerando 195 da decisão recorrida, as infracções tiveram início por volta de 1983, pouco depois das negociações entre a recorrente e a Comissão e de esta ter encerrado o processo, e continuaram, pelo menos, até finais de 1990.

516    Por outro lado, a Comissão definiu o mercado geográfico em causa como um mercado de dimensão comunitária.

517    Daí resulta que a Comissão não tinha de determinar a duração das infracções Estado a Estado. Fazendo o que devia, fixou as datas de início e fim das infracções no mercado geográfico relevante, a saber, a Europa Ocidental continental no seu conjunto.

518    De qualquer forma, se a Comissão tivesse de distinguir a duração das infracções consoante os diversos mercados nacionais, teria aplicado várias coimas, cujo montante total não teria sido inferior ao fixado na decisão recorrida. Daí resulta que um eventual erro da Comissão quanto à definição do mercado geográfico relevante não justificaria a anulação da decisão recorrida nem uma redução da coima.

519    Improcede, portanto, o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à existência de circunstâncias atenuantes

520    O terceiro fundamento articula‑se em cinco partes, respectivamente relativas à inexistência de reincidência, à cooperação da recorrente com a Comissão, à protecção da confiança legítima e à boa fé da recorrente, ao princípio da segurança jurídica e à «atitude surpreendente» da Comissão.

 Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de reincidência

521    A recorrente alega que nunca foi objecto de um procedimento nos termos do artigo 82.° CE aberto pela Comissão.

522    A esse respeito, como acima referido, a análise da gravidade da infracção deve ter em conta uma eventual reincidência, que pode justificar um aumento do montante da coima.

523    Em contrapartida, a inexistência de reincidência não constitui uma circunstância atenuante, uma vez que, por princípio, uma empresa tem a obrigação de não cometer infracções ao artigo 82.° CE.

524    Por conseguinte, improcede a primeira parte do terceiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa à cooperação da recorrente com a Comissão

525    A recorrente afirma que, no inquérito, cooperou quer nas inspecções efectuadas pela Comissão nas suas instalações quer respondendo aos seus pedidos de informações.

526    Nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, sob a epígrafe «Pedido de informações»:

«4. São obrigados a fornecer as informações pedidas os titulares das empresas ou seus representantes e, no caso de pessoas colectivas, de sociedades ou de associações sem personalidade jurídica, as pessoas encarregadas de as representar, segundo a lei ou os estatutos.

5. Se uma empresa ou associação de empresas não prestar as informações pedidas no prazo fixado pela Comissão ou se as fornecer de modo incompleto, a Comissão, mediante decisão, exigirá que a informação seja prestada. A decisão especificará as informações pedidas, fixará um prazo conveniente no qual a informação deve ser prestada e indicará as sanções previstas no n.° 1, alínea b), do artigo 15.° e no n.° 1, alínea c), do artigo 16.°, bem como a possibilidade de recurso da decisão para o Tribunal de Justiça.»

527    É jurisprudência assente que a cooperação no inquérito que não vá além das obrigações que para as empresas resultam do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 não justifica uma redução da coima (acórdãos do Tribunal Geral de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.os 341 e 342, e de 18 de Julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colect., p. II‑2917, n.° 218). Em contrapartida, essa redução justifica‑se quando a empresa tiver fornecido informações que vão bastante além daquelas que a Comissão pode exigir que lhe sejam apresentadas nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Daesang e Sewon Europe/Comissão, T‑230/00, Colect., p. II‑2733, n.° 137).

528    Ora, no caso, a recorrente limita‑se a alegar que respondeu aos pedidos de informações que lhe foram dirigidos. Uma vez que isso era uma das obrigações da recorrente, não pode constituir uma circunstância atenuante.

529    Quanto à alegada cooperação da recorrente com a Comissão nas inspecções efectuadas nas suas instalações, refira‑se que esse comportamento é também uma das obrigações da empresa e que não constitui uma circunstância atenuante.

530    Improcede, portanto, a segunda parte do terceiro fundamento.

 Quanto à terceira parte, relativa à protecção da confiança legítima e à boa fé da recorrente

531    A recorrente indica que, na sequência das negociações levadas a cabo no primeiro procedimento em 1981, acreditou que os seus contratos, tal como adaptados, e a sua política comercial respondiam às exigências da Comissão. A recorrente alega ainda que as discussões ocorridas em 1981 atestam a sua boa fé, uma vez que modificou imediatamente todos os seus contratos para os pôr em conformidade com as observações da Comissão nessa época.

532    Por outro lado, na sequência do acórdão da cour d’appel de Liège, de 20 de Outubro de 1989, no processo FMC, a recorrente podia legitimamente acreditar que não dispunha de uma posição dominante.

533    Ora, antes de mais, quanto às negociações levadas a cabo entre 1980 e 1982, há que lembrar que, como o precisa o considerando 193 da decisão recorrida, a coima aplicada à recorrente não é relativa às disposições aceites em 1982 pela Comissão.

534    Seguidamente, há que considerar que os argumentos baseados no acórdão da cour d’appel de Liège de 20 de Outubro de 1989 não podem prosperar. Com efeito, nesse processo, a cour d’appel de Liège não conheceu de mérito quanto à existência ou não de uma posição dominante da recorrente.

535    Portanto, improcede a terceira parte do terceiro fundamento.

 Quanto à quarta parte, relativa ao princípio da segurança jurídica

536    A recorrente entende que a incerteza no conceito de «posição dominante» e na sua aplicação à sua situação, tendo em conta o carácter razoável da sua quota de mercado, o poder compensador dos seus clientes e o seu poder relativo de mercado, deveria ter sido tomado em conta na fixação do montante da coima.

537    A esse respeito, há que lembrar desde logo a jurisprudência relativa à determinação da posição dominante de uma empresa no mercado comunitário que já estava bem assente. Em particular, no acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 275 supra, o Tribunal de Justiça definiu precisamente o conceito de «posição dominante». Com efeito, no n.° 38 desse acórdão, esclarece‑se que a posição dominante referida no artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe dá o poder de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em questão, ao possibilitar‑lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, aos consumidores.

538    Seguidamente, importa referir que a própria recorrente alega que as suas «quotas de mercado oscilavam essencialmente à volta de 50%, se os mercados forem nacionais, e de 60% a 70%, se o mercado for europeu». Portanto, à luz da jurisprudência acima referida no n.° 277, a recorrente detinha quotas de mercado muito grandes, que constituíam, salvo em circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante.

539    Por conseguinte, improcede a quarta parte do terceiro fundamento.

 Quanto à quinta parte, relativa à «atitude surpreendente» da Comissão

540    Segundo a recorrente, a Comissão tinha admitido em 1981 práticas que depois vieram a ser consideradas infracções muito graves. Inverteu, assim, a sua posição sem qualquer explicação.

541    A esse respeito, basta lembrar que, no considerando 193 da decisão recorrida, a Comissão fez uma distinção entre as práticas que punia no presente processo e as que tinha aceitado em 1982, pelas quais não aplicou qualquer coima.

542    Por conseguinte, improcede a quinta parte do terceiro fundamento, devendo esse terceiro fundamento ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo ao carácter desproporcionado da coima

543    A recorrente alega que a Comissão lhe aplicou uma coima com um montante desproporcionado. Afirma que esse montante era «exorbitante» à época em que os factos em causa ocorreram. Por um lado, a Comissão deveria ter tido em conta algumas circunstâncias atenuantes, em particular a sua boa fé, a sua confiança legítima e a sua segurança jurídica. Por outro lado, a Comissão deveria ter tido em conta o volume de negócios das suas actividades realmente abrangidas pela decisão recorrida, isto é, as suas actividades em França, na Alemanha e na Bélgica.

544    A esse respeito, há que lembrar que a Comissão considerou acertadamente que as infracções imputadas à recorrente eram de «extrema gravidade». No considerando 191 da decisão recorrida, indica nomeadamente que a recorrente era o maior produtor de carbonato de sódio na Comunidade, que as infracções lhe tinham permitido a consolidação do seu domínio sobre o mercado, ao excluir a existência de uma concorrência efectiva numa parte substancial do mercado comum, e que, ao excluir por um longo período oportunidades de venda para todos os concorrentes, a recorrente tinha causado um prejuízo duradouro à estrutura do mercado em causa em detrimento dos consumidores.

545    Assim sendo, a Comissão podia com razão aplicar à recorrente uma coima no montante de 20 milhões de euros.

546    A título puramente indicativo, há que observar que as orientações para o cálculo das coimas, embora não aplicáveis no presente caso, prevêem, para as infracções «graves», que os montantes de partida no cálculo da coima vão de 1 a 20 milhões de euros.

547    Quanto à existência de circunstâncias atenuantes, basta observar que os argumentos da recorrente foram acima rejeitados nos n.os 536 a 542.

548    Quanto à tomada em consideração do lugar das infracções, resulta da jurisprudência que o volume de negócios a que se refere o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 como limite máximo da coima a aplicar considera‑se ser o volume de negócios global da empresa em causa, o único que dá uma indicação aproximativa da sua importância e influência no mercado. A disposição do Regulamento n.° 17 acima referida não prevê qualquer limite territorial quanto ao volume de negócios realizado. Dentro do respeito do limite fixado nessa disposição, a Comissão pode fixar a coima a partir do volume de negócios da sua escolha, em termos de base geográfica e de produtos em causa (v. acórdão Cimento, referido no n.° 473 supra, n.os 5022, 5023 e jurisprudência aí referida).

549    Portanto, no presente caso, a Comissão não tinha de seguir um critério territorial na fixação do montante da coima.

550    Por outro lado, a recorrente não alega que a Comissão tivesse excedido o montante máximo da coima que lhe pode ser aplicada nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

551    Portanto, há que julgar improcedente o quarto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo ao decurso do tempo

552    Segundo a recorrente, a Comissão deveria ter tido em conta o facto de terem decorrido mais de onze anos desde o fim das alegadas infracções. A recorrente pergunta qual é a «actualidade» do carácter punitivo e dissuasor da coima, quando adaptou a sua política comercial às exigências da Comissão. Também não vê que justificação se poderá dar em termos de carácter dissuasor da coima face às empresas terceiras.

553    Antes de mais, recorde‑se que, na presente lide, a Comissão respeitou as disposições do Regulamento n.° 2988/74 e o princípio do prazo razoável. Portanto, não se pode acusar a Comissão de ter demorado a adoptar a decisão recorrida.

554    Seguidamente, resulta da jurisprudência que, na determinação do montante das coimas por infracção ao direito da concorrência, a Comissão deve não só ter em consideração a gravidade da infracção e as circunstâncias específicas do caso concreto mas também o contexto em que a infracção foi cometida e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracção particularmente nocivos para a realização dos objectivos da Comunidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 106, e acórdão do Tribunal Geral de 5 de Abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colect., p. II‑897, n.° 272).

555    Por consequência, uma coima, mesmo se for novamente decidida depois de um certo lapso de tempo, não perde o seu carácter punitivo e dissuasor, quando se demonstre que a empresa em causa violou o direito da concorrência, nomeadamente, como no presente caso, por uma infracção de extrema gravidade.

556    Portanto, há que julgar improcedente o quinto fundamento.

557    Em conclusão, como acima resulta dos n.os 507 a 512, há que alterar a decisão recorrida, na parte em que erradamente aplica a circunstância agravante de reincidência da recorrente.

558    Por conseguinte, o montante da coima aplicada à recorrente é fixado em 19 milhões de euros.

 Quanto às despesas

559    Nos termos do disposto no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

560    No presente caso, os pedidos da recorrente foram julgados parcialmente procedentes. O Tribunal entende que será feita uma justa apreciação das circunstâncias do caso decidindo que a recorrente suportará as suas próprias despesas e 95% das despesas apresentadas pela Comissão e que esta última suportará 5% das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      Fixa‑se em 19 milhões de euros o montante da coima aplicada à Solvay SA no artigo 2.° da Decisão 2003/6/CE da Comissão, de 13 de Dezembro de 2000, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] (COMP/33.133‑C: Carbonato de sódio – Solvay).

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A recorrente suportará as suas próprias despesas e 95% das despesas da Comissão Europeia.

4)      A Comissão suportará 5% das suas próprias despesas.

Meij

Vadapalas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Dezembro de 2009.

Assinaturas

Índice


Factos na origem do litígio

Tramitação do processo

Pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto ao pedido de anulação da decisão recorrida

Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao decurso do tempo

Quanto à primeira parte, relativa à aplicação errada das regras da prescrição

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio do prazo razoável

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, relativo à preterição de formalidades essenciais necessárias para a adopção e autenticação da decisão recorrida

Quanto à primeira parte, relativa à violação do princípio da colegialidade

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da segurança jurídica

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à terceira parte, relativa à violação do direito da recorrente a ser novamente ouvida

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à quarta parte, relativa à inexistência de nova consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à quinta parte, relativa à irregular composição do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à sexta parte, relativa à utilização de documentos apreendidos em violação do Regulamento n.° 17

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à oitava parte, relativa à violação dos princípios da imparcialidade, da boa administração e da proporcionalidade

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à errada definição do mercado geográfico

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quarto fundamento, relativo à inexistência de posição dominante

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quinto fundamento, relativo à inexistência de abuso de posição dominante

Quanto à primeira parte, relativa aos descontos sobre a tonelagem marginal

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte, relativa ao desconto de «grupo» concedido à Saint‑Gobain

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à terceira parte, relativa aos acordos de exclusividade

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à quarta parte, relativa às cláusulas de concorrência

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à quinta parte, relativa ao carácter discriminatório das práticas imputadas

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do direito de acesso ao processo

Quanto à primeira parte, relativa à falta de acesso a documentos de acusação

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte, relativa à existência de documentos úteis à defesa entre os documentos do processo consultados no âmbito das medidas de organização do processo

– Quanto ao mercado geográfico relevante

– Quanto ao mercado do produto em causa

– Quanto à existência de uma posição dominante

– Quanto à exploração abusiva da posição dominante

Quanto à terceira parte, relativa à falta de consulta completa do processo pela recorrente

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

2.  Quanto aos pedidos de anulação ou redução da coima

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à errada apreciação da gravidade das infracções

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, relativo à errada apreciação da duração das infracções

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à existência de circunstâncias atenuantes

Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de reincidência

Quanto à segunda parte, relativa à cooperação da recorrente com a Comissão

Quanto à terceira parte, relativa à protecção da confiança legítima e à boa fé da recorrente

Quanto à quarta parte, relativa ao princípio da segurança jurídica

Quanto à quinta parte, relativa à «atitude surpreendente» da Comissão

Quanto ao quarto fundamento, relativo ao carácter desproporcionado da coima

Quanto ao quinto fundamento, relativo ao decurso do tempo

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.