Language of document : ECLI:EU:T:2009:520

Processo T‑58/01

Solvay SA

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado do carbonato de sódio na Comunidade – Decisão que dá por provada uma infracção ao artigo 81.° CE – Acordo que garante a uma empresa uma tonelagem mínima de vendas num Estado‑Membro e a compra das quantidades necessárias para atingir essa tonelagem mínima – Prescrição do poder da Comissão de aplicar coimas ou sanções – Prazo razoável – Formalidades essenciais – Afectação do comércio entre Estados‑Membros – Direito de acesso ao processo – Coima – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias agravantes e atenuantes»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Prescrição em matéria de procedimentos – Suspensão – Decisão da Comissão objecto de um processo pendente no Tribunal de Justiça – Alcance

(Regulamento n.° 2988/74 do Conselho, artigo 3.°)

2.      Direito comunitário – Princípios – Respeito de um prazo razoável – Âmbito de aplicação – Concorrência – Procedimento administrativo – Processo jurisdicional – Distinção para efeitos de apreciação do respeito de um prazo razoável

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

3.      Concorrência – Procedimento administrativo – Obrigações da Comissão – Respeito de um prazo razoável

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

4.      Comissão – Princípio da colegialidade – Alcance – Decisão em matéria de concorrência

(Tratado de fusão, artigo 17.°)

5.      Questão de ilegalidade – Alcance – Actos cuja ilegalidade pode ser invocada – Regulamento interno de uma instituição

(Artigo 241.° CE)

6.      Actos das instituições – Autenticação dos actos adoptados – Modalidades

(Regulamento interno da Comissão de 1999, artigo 16.°, primeiro parágrafo)

7.      Direito comunitário – Princípios – Direitos de defesa – Âmbito de aplicação – Concorrência – Procedimento administrativo – Alcance do princípio depois da anulação de uma primeira decisão da Comissão

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

8.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Afectação do comércio entre Estados‑Membros

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

9.      Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo – Alcance – Recusa de comunicação de um documento – Consequências

10.    Concorrência – Procedimento administrativo – Acesso ao processo – Objecto – Não divulgação de documentos na posse da Comissão – Apreciação pelo Tribunal à luz do respeito dos direitos de defesa no caso concreto

11.    Concorrência – Procedimento administrativo – Violação dos direitos de defesa – Acesso irregular ao processo – Acesso assegurado no processo jurisdicional

12.    Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão – Decisão que dá por provada uma infracção e aplica uma coima – Anulação por vício de forma

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Apreciação – Repartição do mercado – Infracção que pode ser qualificada de grave, independentemente do seu carácter secreto

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

14.    Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que dá por provada uma infracção – Prova da infracção e da sua duração a cargo da Comissão

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

15.    Concorrência – Posição dominante – Caracterização através da detenção de uma quota de mercado muito grande

(Artigo 82.° CE)

16.    Tramitação processual – Petição inicial – Requisitos de forma – Exposição sumária dos fundamentos invocados

[Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]

17.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Colaboração da empresa no momento das inspecções dos agentes da Comissão – Exclusão

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 14.°)

18.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Carácter dissuasivo

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

1.      De acordo com o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia, a prescrição de procedimentos suspende‑se enquanto uma decisão da Comissão for objecto de um «processo pendente no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias». Esta referência deve ser interpretada, desde a criação do Tribunal de Primeira Instância, no sentido de que em primeiro lugar se refere a um processo pendente nesse Tribunal, na medida em que os recursos relativos a sanções ou coimas no domínio do direito da concorrência são da sua competência.

A prescrição suspende‑se também durante todo o tempo do processo de recurso de segunda instância no Tribunal de Justiça. Uma vez que o artigo 60.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 têm um âmbito de aplicação diferente, a falta de efeito suspensivo de um recurso de segunda instância não é susceptível de privar de qualquer efeito útil o artigo 3.° do referido regulamento, que respeita a situações em que a Comissão tem de aguardar a decisão do tribunal comunitário. Além disso, o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 protege a Comissão contra o efeito da prescrição nas situações em que tenha de aguardar a decisão do tribunal comunitário, no âmbito de processos cuja tramitação não domina, antes de saber se o acto recorrido está ou não ferido de ilegalidade. O argumento de que a criação de um duplo grau jurisdicional não permite alargar o período de suspensão da prescrição, não pode, portanto, ser aceite. A suspensão da prescrição apenas permite que a Comissão eventualmente adopte uma nova decisão no caso de negação de provimento ao recurso interposto de um acórdão do Tribunal Geral que anula uma decisão da Comissão. Essa suspensão da prescrição não tem qualquer efeito na decisão anulada pelo acórdão do Tribunal Geral. Em caso de recurso de segunda instância, a Comissão não está formalmente impedida de agir e adoptar nova decisão na sequência da anulação da decisão inicial pelo Tribunal Geral. Contudo, um recurso interposto de uma decisão final que aplique sanções suspende a prescrição em matéria de procedimentos sancionatórios até que o tribunal comunitário decida definitivamente sobre o recurso. Se a Comissão tiver de adoptar uma nova decisão na sequência da anulação de uma decisão pelo Tribunal Geral, sem aguardar o acórdão do Tribunal de Justiça, existe o risco de coexistirem duas decisões com o mesmo objecto no caso de o Tribunal de Justiça anular o acórdão do Tribunal Geral. Vai contra as exigências da economia processual administrativa impor à Comissão que, unicamente para evitar a prescrição, adopte nova decisão antes de saber se a decisão inicial está ou não ferida de ilegalidade.

Por último, tendo a prescrição sido suspendida de acordo com o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, durante todo o tempo do processo de recurso de segunda instância no Tribunal de Justiça não se pode imputar à Comissão qualquer violação do princípio do prazo razoável unicamente por ter esperado que o Tribunal de Justiça decidisse o recurso de segunda instância, antes de adoptar a decisão recorrida.

(cf. n.os 73, 79‑80, 83‑84, 86‑89, 102)

2.      No âmbito da análise de uma alegação de violação do princípio do prazo razoável, há que fazer uma distinção entre o procedimento administrativo em matéria de concorrência nos termos do Regulamento n.° 17 e o processo jurisdicional em caso de recurso da decisão da Comissão. O período em que o juiz comunitário analisa a legalidade da decisão e, em caso de recurso de segunda instância, a validade do acórdão proferido em primeira instância, não pode ser tido em conta na determinação da duração do procedimento na Comissão.

(cf. n.° 105)

3.      A violação do princípio do prazo razoável na adopção de uma decisão no final de um procedimento administrativo em matéria de concorrência só justifica a anulação de uma decisão tomada pela Comissão se implicar também uma violação dos direitos de defesa da empresa em causa. Com efeito, quando não se prove que o decurso excessivo do tempo tenha afectado a capacidade de as empresas em questão se defenderem efectivamente, o desrespeito do princípio do prazo razoável não tem incidência na validade do procedimento administrativo.

(cf. n.° 113)

4.      O princípio da colegialidade assenta na igualdade dos membros da Comissão no processo de decisão e implica, nomeadamente, que as decisões são tomadas em comum e que todos os membros do colégio são colectivamente responsáveis, no plano político, por todas as decisões. O respeito deste princípio e, em especial, a necessidade de as decisões serem tomadas em comum, interessa necessariamente aos sujeitos de direito afectados pelos seus efeitos jurídicos, devendo estes poder confiar que essas decisões foram efectivamente tomadas pelo colégio e correspondem exactamente à sua vontade. Em particular, é esse o caso dos actos, expressamente qualificados de decisões, que a Comissão pratica face às empresas ou associações de empresas com vista ao respeito das normas de concorrência e que têm por objecto a declaração de uma infracção a essas normas, dirigir intimações a essas empresas e aplicar‑lhes sanções pecuniárias.

Admitindo que a porta‑voz da Comissão tenha feito as afirmações referidas pela recorrente, o simples facto de um comunicado de imprensa de uma sociedade privada mencionar uma declaração que não tem qualquer carácter oficial não basta para considerar que a Comissão violou o princípio da colegialidade. Com efeito, o colégio dos comissários em nada estava vinculado por essa declaração e, na reunião de 13 de Dezembro de 2000, também poderia decidir, após deliberação em comum, não adoptar a decisão recorrida.

(cf. n.os 132‑136)

5.      O âmbito de aplicação do artigo 241.° CE deve também estender‑se às disposições do regulamento interno de uma instituição que, embora não constituam a base jurídica da decisão recorrida nem produzam efeitos análogos aos de um regulamento na acepção desse artigo do Tratado, determinam as formalidades essenciais exigidas para a adopção dessa decisão e garantem, consequentemente, a segurança jurídica dos seus destinatários. Com efeito, é importante que qualquer destinatário de uma decisão possa contestar de forma eficaz a legalidade do acto que condiciona a validade formal dessa decisão, não obstante esse acto não ser o seu fundamento jurídico, uma vez que não teve a possibilidade de pedir a anulação desse acto antes de receber a notificação da decisão controvertida. Consequentemente, as disposições do regulamento interno da Comissão podem ser objecto de uma questão de ilegalidade, uma vez que garantem a protecção dos particulares. A questão de ilegalidade deve ser limitada ao indispensável à decisão da causa. Uma vez que o artigo 241.° CE não tem por objectivo permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de todo e qualquer acto de carácter geral a favor de um recurso qualquer, o acto geral cuja ilegalidade é arguida deve ser aplicável, directa ou indirectamente, ao caso concreto em recurso e tem de existir uma ligação jurídica directa entre a decisão individual recorrida e o acto geral em causa.

(cf. n.os 146‑148)

6.      O artigo 16.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão de 1999, dispõe que os actos adoptados em reunião devem ser anexados de forma indissociável, na(s) língua(s) em que faz(em) fé, a uma nota recapitulativa elaborada no final da reunião da Comissão em que foram adoptados, e que estes actos são autenticados pelas assinaturas do presidente e do secretário‑geral, apostas na última página da nota recapitulativa. Esta disposição não está ferida de ilegalidade. As formalidades de autenticação que institui estão em conformidade com os requisitos do princípio da segurança jurídica.

(cf. n.os 151, 156‑157)

7.      Quando a Comissão, depois da anulação de uma decisão que aplica sanções a empresas que infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE, com fundamento em vício de forma relativo exclusivamente às modalidades da sua adopção definitiva pelo colégio dos comissários, adopta uma nova decisão, com um conteúdo substancialmente idêntico e com base nas mesmas acusações, não tem de proceder a nova audição das empresas em causa.

Também não tem que proceder uma nova consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes, mesmo se, entre essa consulta e a nova decisão, vários Estados‑Membros aderiram à Comunidade Europeia e a composição do comité foi, por isso, alterada. Com efeito, a alteração da composição de uma instituição não afecta a continuidade da própria instituição, cujos actos definitivos ou preparatórios mantêm, em princípio, todos os seus efeitos. Além disso, não existe nenhum princípio geral de direito comunitário que imponha a continuidade da composição do órgão administrativo ao qual esteja submetido um procedimento que possa levar à aplicação de uma coima.

Quanto às questões de direito susceptíveis de surgir no âmbito da aplicação do artigo 233.° CE, como as relativas ao decurso do tempo, à possibilidade de recomeço do procedimento, ao acesso ao processo que seria inerente a esse recomeço, à intervenção do consultor‑auditor, bem como a eventuais implicações do artigo 20.° do Regulamento n.° 17, não exigem novas audições, na medida em que não alteram o conteúdo das acusações, sendo unicamente passíveis de fiscalização jurisdicional posterior, se for esse o caso.

(cf. n.os 165‑166, 183, 188‑190)

8.      Para que um acordo entre empresas seja susceptível de afectar o comércio entre Estados‑Membros deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, permitir considerar, com um grau de probabilidade suficiente, que pode exercer influência, directa ou indirecta, efectiva ou potencial, nas correntes de trocas comerciais entre Estados‑Membros, de uma forma susceptível de prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre Estados. Assim, a afectação das trocas intracomunitárias resulta em geral da reunião de diversos factores que, isoladamente considerados, não seriam necessariamente determinantes.

A este respeito, pouco importa que a influência de um acordo sobre as trocas seja desfavorável, neutra ou favorável. Com efeito, uma restrição da concorrência pode afectar o comércio entre os Estados‑Membros quando for susceptível de desviar os fluxos comerciais da direcção que noutras condições teriam tido.

Além disso, a capacidade de um acordo afectar o comércio entre os Estados‑Membros, isto é, o seu efeito potencial, é suficiente para cair sob a alçada do artigo 81.° CE e não é necessário demonstrar uma afectação efectiva das trocas comerciais. É necessário, porém, que o efeito potencial do acordo sobre o comércio entre Estados seja sensível ou, dito de outra forma, que não seja insignificante.

Um acordo de garantia de uma tonelagem anual mínima de vendas num mercado nacional é, por definição, susceptível de desviar os fluxos comerciais da direcção que noutras condições teriam tido. Com efeito, leva a retirar do mercado uma parte da produção, que poderia ter sido exportada para outros Estados‑Membros..

(cf. n.os 208‑210, 215)

9.      O direito de acesso ao processo, corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, implica, num procedimento administrativo em matéria de aplicação das normas da concorrência, que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem elementos de prova tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais.

Quanto aos elementos incriminatórios, incumbe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se um documento não comunicado no qual a Comissão se tinha baseado a incriminar viesse a ser rejeitado como meio de prova incriminatório. Quanto aos elementos de defesa, a empresa em causa deve demonstrar que a sua não divulgação pôde influenciar, em seu prejuízo, o desenrolar do processo e o conteúdo da decisão da Comissão. Basta que a empresa demonstre que poderia ter feito uso dos referidos documentos de defesa, no sentido de que, se os pudesse ter utilizado no procedimento administrativo, poderia ter invocado elementos que não concordavam com as deduções feitas nessa fase pela Comissão e, consequentemente, poderia ter influenciado, de uma maneira ou de outra, as apreciações feitas por esta última na eventual decisão, pelo menos no que respeita à gravidade e à duração do comportamento que lhe era imputado, e, portanto, o nível da coima. A possibilidade de um documento não divulgado ter influenciado o desenrolar do procedimento e o conteúdo da decisão da Comissão só pode ser provada através de um exame provisório de certos meios de prova que revele que os documentos não divulgados podiam ter tido – em relação a esses meios de prova – uma importância que não deveria ter sido menosprezada.

Uma violação do direito de acesso ao processo só pode originar uma anulação total ou parcial da decisão da Comissão se o acesso irregular ao processo instrutor no procedimento administrativo tiver impedido a ou as empresas em causa de tomarem conhecimento de documentos susceptíveis de ser úteis à sua defesa, violando, assim, os seus direitos de defesa. Será esse o caso se, com a divulgação de um documento, pudesse ter existido uma possibilidade, mesmo que reduzida, de o procedimento administrativo ter culminado num resultado diferente se a empresa em causa tivesse podido invocar esse documento no referido procedimento.

(cf. n.os 224‑226, 237)

10.    O acesso ao processo faz parte das garantias procedimentais que protegem os direitos de defesa, e a violação do direito de acesso ao processo da Comissão no procedimento administrativo prévio à adopção da decisão é susceptível, em princípio, de levar à anulação dessa decisão se tiverem sido lesados os direitos de defesa da empresa em causa.

A violação dos direitos de defesa deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, uma vez que depende essencialmente das acusações em que a Comissão se baseia para demonstrar a infracção imputada à empresa em causa. Há que proceder, portanto, a uma análise sumária das acusações de fundo em que a Comissão se baseou na comunicação de acusações e na decisão recorrida e ter em conta os argumentos concretamente invocados pela empresa contra a decisão recorrida.

Numa situação em que, no procedimento administrativo prévio à adopção da decisão que pune uma empresa, a Comissão não elaborou uma lista enumerativa dos documentos do processo nem comunicou à empresa todos os documentos do processo que lhe eram acessíveis, mas unicamente os documentos de acusação, sem a convidar a vir às suas instalações consultar todos os documentos, o procedimento administrativo é irregular. Contudo, não há que anular a decisão final se não se tiver demonstrado que a empresa não teve a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos do processo instrutor que pudessem ser relevantes para a sua defesa, mesmo se, no âmbito do recurso jurisdicional interposto dessa decisão, no seguimento de medidas de organização do processo destinadas a assegurar um acesso completo ao processo, se verificar que falta uma parte do processo.

(cf. n.os 242, 246, 248, 250, 257, 259‑260, 263‑264)

11.    O Tribunal Geral, no âmbito do recurso jurisdicional interposto de uma decisão da Comissão que pune uma empresa por infracções às normas comunitárias da concorrência pode ordenar medidas de organização do processo destinadas a assegurar um acesso completo ao processo, a fim de apreciar se a recusa da Comissão de divulgar um documento ou de comunicar um elemento pôde prejudicar a defesa da empresa arguida. Esta análise, limitando‑se a uma fiscalização jurisdicional dos fundamentos invocados, não tem por objectivo ou por efeito substituir uma instrução completa do processo no âmbito de um procedimento administrativo. O conhecimento tardio de certos documentos do processo não volta a colocar a empresa que recorreu na situação em que se encontraria se tivesse podido basear‑se nos mesmos documentos para apresentar as suas observações escritas e orais nessa instituição. Além disso, quando o acesso ao processo é garantido na fase do processo jurisdicional, a empresa em causa não tem de demonstrar que, se tivesse tido acesso aos documentos não comunicados, a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente, mas apenas que esses documentos poderiam ter sido úteis à sua defesa.

(cf. n.os 250‑251)

12.    Quando uma decisão da Comissão em matéria de concorrência é anulada por vício de forma, a Comissão podia adoptar nova decisão sem abrir novo procedimento administrativo. Uma vez que o conteúdo da nova decisão é quase idêntico ao da anterior e essas duas decisões se baseiam nos mesmos fundamentos, a decisão recorrida está sujeita, no âmbito da fixação do montante da coima, às normas em vigor no momento da adopção da decisão anterior. Com efeito, a Comissão retomou o procedimento no ponto em que se produziu o erro procedimental e, sem proceder a uma nova apreciação do caso à luz de normas que não existiam à época da adopção da Decisão.

(cf. n.os 270‑272)

13.    Um acordo em que as empresas regulam, no território de um Estado‑Membro, a colocação dos bens que produzem no mercado constitui um acordo de repartição de mercado. Os acordos deste género figuram entre os exemplos de acordos expressamente declarados incompatíveis com o mercado comum no artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE e são restrições manifestas à concorrência que a Comissão pode, de qualquer forma, qualificar de graves para efeitos de determinação do montante das coimas. Mesmo que a Comissão não possa inferir o carácter secreto desse acordo da simples inexistência de acta oficial da reunião, pode qualificar essa infracção grave tendo em conta que o acordo em causa constitui uma flagrante restrição da concorrência.

(cf. n.os 279‑280, 284‑286)

14.    Para calcular a duração de uma infracção cujo objecto é restritivo da concorrência, importa determinar apenas o período durante o qual esse acordo existiu, ou seja, o período decorrido entre a data da sua celebração e a data em que lhe foi posto fim. A duração da infracção é um elemento constitutivo do conceito de infracção nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, elemento esse cujo ónus da prova pertence, a título principal, à Comissão. A este respeito, na falta de elementos de prova que permitam determinar directamente a duração de uma infracção, a Comissão deve basear‑se, pelo menos, em elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a que se possa razoavelmente admitir que essa infracção perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas. Essa repartição do ónus da prova pode, contudo, variar na medida em que os elementos de facto invocados por uma parte podem ser susceptíveis de obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que foi feita a prova. Mesmo admitindo que possam verificar‑se circunstâncias especiais em que possa haver uma inversão do ónus da prova quanto à duração de uma infracção, daí não resulta que a Comissão possa, numa decisão relativa a uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, deixar de referir de forma fundamentada o termo da duração da infracção e dar informações sobre essa duração de que eventualmente disponha.

(cf. n.os 293‑295, 302)

15.    O conceito de posição dominante visa uma situação de poder económico que confere à entidade que o detém o poder de impedir a subsistência de uma concorrência efectiva no mercado em questão, ao possibilitar‑lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, aos consumidores. Seja individual ou colectiva, uma entidade que detenha mais de 50% do mercado é susceptível de ter essa independência.

Improcede, portanto, a alegação de falta de fundamentação de uma decisão da Comissão quanto à posição dominante da recorrente quando essa decisão precisa, nomeadamente, que essa empresa detém quase 60% do mercado total da Comunidade.

(cf. n.os 314‑316)

16.    Um fundamento que remete o Tribunal para os desenvolvimentos apresentados no âmbito de outro recurso interposto na mesma data pelo mesmo recorrente, cujas páginas relevantes estão anexas à petição, é inadmissível, pois os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia não resultam de forma coerente e compreensível do texto da própria petição. Embora a petição possa ser sustentada e completada, em aspectos específicos, por remissões para excertos bem determinados de documentos anexos, uma remissão global para outros documentos, mesmo que juntos à petição, não pode compensar a falta de elementos essenciais na petição.

(cf. n.os 317‑318)

17.    A cooperação de uma empresa com a Comissão nas inspecções efectuadas nas suas instalações é uma das obrigações da empresa e não constitui uma circunstância atenuante que justifique uma redução do montante da coima aplicada por infracção às normas comunitárias da concorrência.

(cf. n.os 331, 333)

18.    Na determinação do montante das coimas aplicadas por infracção às normas comunitárias da concorrência, a Comissão deve não só ter em consideração a gravidade da infracção e as circunstâncias específicas do caso concreto mas também o contexto em que a infracção foi cometida e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracção particularmente nocivos para a realização dos objectivos da Comunidade. Uma coima, mesmo se for novamente decidida depois de um certo lapso de tempo, na sequência da anulação de uma primeira decisão não perde o seu carácter punitivo e dissuasor quando se demonstre que a empresa em causa violou o direito da concorrência, nomeadamente por uma infracção grave.

(cf. n.os 344‑345)